Revista Amazônia Viva ed. 58 / junho de 2016

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

JUNHO 2O16 | EDIÇÃO NO 58 ANO 5 | ISSN 2237-2962

SEMENTES ESPÉCIES AMAZÔNICAS FAZEM A ECONOMIA CRESCER

Saiba como a indústria de biocosméticos e projetos socioambientais, como a “Rede de Sementes do Xingu”, incentivam a produção de base comunitária com foco na sustentabilidade e no conceito da conscientização ambiental

PUPUNHA

Aprenda a escolher frutos saborosos e com qualidade

NEGÓCIOS

Empreendimentos verdes aliam lucro e conservação do meio ambiente

CARANGUEJO

Ribeirinhos aprendem mais sobre a dinâmica do mangue




EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA JUNHO 2016 / EDIÇÃO Nº 58 ANO 5 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA

CARLOS BORGES

DA NATUREZA

Da semente do murumuru produz-se uma manteiga natural usada como biocosmético

Sementes da economia verde

FELIPE MELO Editor-chefe

O murumuru da foto acima tem sido explorado de forma sustentável como insumo da indústria de biocosméticos no Pará. Uma manteiga especial é produzida a partir de suas sementes. Outros frutos amazônicos, como buriti, tucumã e cupuaçu, também servem como matéria-prima para a produção industrial sob o conceito da sustentabilidade. A chamada “economia verde” tem como objetivo impulsionar um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica, mais inclusivo e sustentável, que valoriza a floresta em pé e respeita as comunidades em seus locais de origem e convivência. Na reportagem de capa deste mês, em que se comemorou o Dia Mundial do Meio

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Ambiente, no dia 5 passado, fomos em busca de empreendimentos no Estado que geram emprego e renda com base na economia sustentável. Os “negócios verdes” tendem a ser os investimentos do futuro e se consolidam no mercado como lucro certo e respeito à biodiversidade amazônica. Além do setor de biocosméticos, os segmentos da produção de energia também têm criado um novo fi lão dos investimentos sustentáveis. São modelos industriais que mostram a preocupação com o meio ambiente, reduzindo gastos e priorizando eficiência e qualidade ao colocar seus produtos no mercado, tornando-se alternativas inteligentes diante do atual cenário econômico do país.

Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho (acervo); Camila Santos, João Cunha, Orlando Cardoso, Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Carlos Borges, Fernando Sette (fotos); Anderson Araújo, Thiago Barros e Walace Gomes Leal (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar, Leonardo Nunes e Waldez Duarte (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Gentilmente cedida por Cláudio Tavares/ Instituto Socioambiental (ISA) AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 58 / ANO 5

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A cor da economia

Negócios verdes têm gerado lucro e emprego na região, com base nos conceitos da sustentabilidade e respeito ao meio ambiente CAPA

FORMAÇÃO

TEATRO

Moradores da Ilha de São

Um dos principais nomes

BIODIVERSIDADE

Miguel, no nordeste do Es-

FLORESTAS

do teatro paraense, o dra-

A doutora em Ciências

tado, recebeu uma equipe

Com a produção, coleta

maturgo Nazareno Tou-

Biológicas da Universi-

do Museu Paraense Emílio

e gestão, a Rede de Se-

rinho é autor de diversas

dade do Estado do Pará,

Goeldi para uma troca

mentes do Xingu planta

peças. Ele se considera

Ana Lúcia Nunes Gutjahr,

de experiências sobre

as bases para o reflores-

um amante da beleza e

defende o investimento

educação, meio ambien-

tamento da Amazônia

defensor do papel social

em educação ambiental

te e a vida da coleta de

e significa renda para

da arte na formação do

nas escolas do Estado.

caranguejo.

populações tradicionais.

ser humano.

ENTREVISTA

COMUNIDADE

SUSTENTABILIDADE

PAPO DE ARTISTA

FERNANDO SETTE

CLAUDIO TAVARES/ISA

CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

NAILANA THIELY

46 32 50

54

E MAIS 4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 20 22 60 62 63 65 66

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS ARTIGO OLHARES NATIVOS MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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CARLOS BORGES

JUNHO2016


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

CARTAS

NAILANA THIELY

INDÍGENAS A educação na vida das pessoas mostra que não tem fronteiras e chega às aldeias indígenas valorizando esses povos tão importantes para nossa história. (“Professores nas aldeias”, Capa, maio de 2016, edição nº 57). Waldércio Sant’Anna Belém-Pará

ÁFRICA O Museu Paraense Emílio Goeldi está de A CONQUISTA DO DIPLOMA UNIVERSITÁRIO

A reportagem sobre a formação da primeira turma de professores indígenas pela Uepa foi a mais curtida em nosso Facebook na edição passada.

parabéns pela iniciativa de contar a história dos povos africanos na Amazônia por meio do projeto “Trilha Afroamazônica e seus símbolos” (“As raízes afroamazônicas”, Primeiro Foco, maio de 2016, edição nº 57).

NAILANA THIELY

Essa ideia ajuda a derrubar os muros do preconceito. Silvana Gomes Belém-Pará

SANEAMENTO Parece ser impossível recuperar os canais de esgoto de Belém, mas que bom que existem pesquisas nesse sentido, pois a situação da falta de saneamento na cidade está beirando o insuportável. (“Quando o esgoto é solução”, Sustentabilidade, maio de 2016, edição nº 57). Clóvis Guedes Belém-Pará BANHO NUM IGARAPÉ GELADO DA AMAZÔNIA

A foto com o maior número de curtidas em nosso Instagram foi a dos garotos indígenas se banhando numa reserva Tembé, no nordeste paraense.

Reaproveitar a água da rede de saneamento de Belém tornando-a mais sustentável é um presente para os 400 anos da Cidade das Mangueiras que está faltando. Vamos torcer para que um dia seja realidade.

NAILANA THIELY

Lúcia Andrade Belém-Pará

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para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE MAIO

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


DIOGO VIANNA / ASCOM FCP

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

Desafios para voar

PÁSSAROS JUNINOS ENCONTRAM DIFICULDADES PARA MANTER A TRADIÇÃO FOLCLÓRICA NO ESTADO PÁGINA 8 E 9

CAMPANHA

TECNOLOGIA

Uma campanha do Instituto Bicho D’Água e do Museu Goeldi busca doações para Omar, um peixe-boi marinho encontrado no Marajó. PÁG.11

Projeto pesquisa a produção de eletricidade a partir de caroços de frutos, como tucumã, macaúba e a casca de cupuaçu. PÁG.15

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PRIMEIRO FOCO

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PAULA SAMPAIO / ARQUIVO O LIBERAL

Os grupos de Pássaros Juninos, um bem cultural legitimamente paraense, enfrentam dificuldades para se manter vivos e voando fora dos períodos juninos: menos brincantes, poucos recursos, falta de espaço para as apresentações e ausência de divulgação dessa expressão cultural. Mesmo assim, os grupos não deixam o amor pela tradição que começou em 1888 com o Pássaro Rouxinol, o mais antigo e, ainda, em atividade. Dos 22 grupos existentes em Belém e distritos, 18 estão ativos e buscando formas de modernizar o espetáculo que mistura música, dança e teatro. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) concluiu o levantamento preliminar de uma pesquisa que poderá tornar os Grupos de Pássaros em patrimônio cultural e imaterial, para então buscar políticas públicas específicas de apoio. Os espetáculos de Grupos de Pássaros Juninos, que também se apresentam fora de junho, lembram operetas, mas apenas lembram, pois são formas de arte muito diferentes. Há uma estrutura textual e núcleos de personagens: a nobreza europeia, os indígenas, os caboclos, os matutos, a feiticeira, o caçador, o animal patrono (o pássaro, mas pode ser outro) e a protetora do animal patrono (quase sempre uma menina). Esses núcleos lembram bem as construções sociais do século XIX, durante a Belle Époque. Os enredos envolvem pequenos conflitos humanos entre os grupos e que culminam na fuga do animal patrono. A busca pelo animal gera a interação entre os núcleos com drama, humor, questões sociais, lições de vida, misticismo, história e romance. Tudo com fantasias luxuosas. A resolução de tudo se dá com o animal patrono sendo encontrado. Quem pratica o mal sofre os castigos, mas alcança o perdão. Os textos são oportunidades para novos escritores.

IGOR MOTA / ARQUIVO O LIBERAL

Cultura preservada

Há dois subgrupos dos Pássaros: o Melodrama e Fantasia (onze grupos em Belém) e Cordões de Pássaros (onze grupos nos distritos de Outeiro, Mosqueiro e Icoaraci). A diferença entre eles é que no Melodrama e Fantasia, os grupos fazem trocas de cenários e figurinos, com saídas de palco e intervalos com música até o final do espetáculo. Os Cordões de Pássaros não saem do palco em momento nenhum e nem há trocas de cenários ou figurinos. Para a coordenadora da pesquisa, professora mestre Inês Ribeiro, da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará, um dos principais problemas é a for-

mação de brincantes e, consequentemente, de plateia. Na época de formação dos grupos, os pássaros nasciam nas periferias e iam, pelas ruas, em arrastões semelhantes ao do Arraial do Pavulagem ou blocos de carnaval e iam ao Teatro São Cristóvão, na avenida Magalhães Barata, onde as apresentações eram focadas. O teatro fechou, está em ruínas enquanto aguarda uma reforma cobrada desde uma manifestação dos grupos de pássaros em 2009. E desde então, os espaços foram se perdendo, como os teatros de bairro. “Imagina que lindo era ter um teatro em cada bairro! Hoje nem os grupos de teatro sobrevivem muito tempo sem espaço,


CLAUDIO SANTOS / AGÊNCIA PARÁ

FOLCLORE PARAENSE

Os enredos dos pássaros juninos envolvem pequenos conflitos humanos entre os grupos e que culminam na fuga do animal patrono do cortejo folclórico

mas os pássaros continuam sobrevivendo”, diz. O Pássaro Beija-Flor, o terceiro mais antigo e ainda ativo, do Jurunas, completa 60 anos neste ano. Nas periferias, onde os pássaros tentam manter um relacionamento mais simbiótico com as comunidades, enfrentam uma disputa com os grupos de quadrilha, que chamam mais atenção dos jovens, e o impedimento de igrejas evangélicas menos tolerantes, que proíbem as pessoas de participar devido os elementos de misticismo e religiões afro presentes nos espetáculos. “Assim como nos apropriamos de culturas que não são nossas, por que não preservamos algo que é, genuinamente, nosso? Pássaros juninos só têm aqui. Mas ninguém conhece porque ninguém divulga e ninguém assiste”, destaca. Tudo é feito com doações e, por isso, financeiramente, manter espe-

táculos assim não é fácil. E quando o guardião do pássaro (figura de um presidente) morre, encontrar quem assuma as responsabilidades é mais um dos muitos desafios. Laurene da Costa Ataíde, a Laureni, do Outeiro, guardiã do Cordão do Pássaro Bigodinho, da praia da Brasília, está buscando mais participação das crianças para o futuro do pássaro e, com ajuda de um edital de apoio do Ministério de Cultura, conseguiu, viajar por todo o nordeste se apresentando em 2015, encantando quem nunca tinha tido contato com esse espetáculo. A falta de dinheiro resulta na falta de músicos e são os alunos dos cursos de música da Uepa e da UFPA que têm se interessado em participar. E a falta de espaço leva os grupos a se apresentar no Cine Olympia, no Líbero Luxardo, no Margarida Schivasappa ou no espaço do Instituto

Arraial do Pavulagem, mas todos pequenos e sem a estrutura necessária para o tamanho do espetáculo. Para este ano, a Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) determinou que haverá espaço para apenas dez grupos de pássaros, com 45 minutos para cada um. “Já houve uma exclusão dos demais. E nossos textos foram muito cortados, já que costumam durar mais de uma hora, uma hora e meia. Antes chegava a duas horas!”, lembra Inês. A esperança dos grupos é que a tradição ganhe status de bem cultural imaterial e recupere o teatro São Cristóvão. Isso será possível a partir da conclusão da pesquisa do Iphan, que, em breve, será em todo o Estado. “Enquanto isso, continuamos voando por aí”, conclui Inês, que é brincante do pássaro Tucano. JUNHO DE 2016

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PRIMEIRO FOCO ALEXANDRE MACHADO / JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO

PERPETUAÇÃO

Para preservar as populações de abelhas, os pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro estão criando espécies sem ferrões

CONSERVAÇÃO

Projeto busca salvar populações de abelhas O Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugurou um centro de criação de abelhas sem ferrão. Batizado de Meliponário, o projeto é uma iniciativa do Laboratório de Fitossanidade da instituição e tem como objetivo a preservação desses insetos. Responsável pelo laboratório, a engenheira agrônoma Maria Lucia Teixeira Moscatelli explica que o projeto vai atuar na preservação e no incremento da população de abelhas sem ferrão. “Esta ação é importante diante da condição de ameaça de extinção dessa espécie de abelha e de seu papel na reprodução e perpetuação de muitas espécies de plantas nativas e manutenção da biodiversidade.” Um espaço para a criação desse tipo de abelha já está funcionan-

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do ao lado do Orquidário, no Jardim Botânico, e é aberto ao público. Maria Lucia diz, ainda, que o projeto pretende informar o público sobre essas abelhas, visando à conscientização e estímulo da criação desses animais. Ela afirma, por exemplo, que, nas florestas brasileiras, as abelhas sem ferrão são os principais agentes de transporte de pólen e fecundação para grande parte das árvores. “Elas viabilizam a reprodução através da polinização cruzada, aumentando também a produtividade das plantas cultivadas e, consequentemente, a produção de frutos e sementes”, explicou a pesquisadora. Além disso, as abelhas sem ferrão produzem própolis, cera e mel, gerando recursos e ajudando na preservação ambiental.

E DUCAÇÃO

LEITORES NO BRASIL Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Pró -Livro (IPL) apontou que a leitura é um hábito de 56% da população brasileira. Pelo estudo, foram considerados leitores aqueles que leram ao menos um livro nos últimos três meses. 5 mil pessoas de todas as regiões do país par ticiparam da pesquisa, que foi realizada em novembro e dezembro de 2015. O resultado mostrou que, em média, os entrevis tados leram 2, 5 4 livros nos últimos três meses, sendo 1,0 6 do começo ao f im. Entre os que têm a leitura como um hábito, a média é de 4,54 livros no período, sendo 1,91 lidos por completo. A Bíblia aparece como hábito de leitura de 42% dos leitores da pesquisa, seguida por livros religiosos, contos e romances, com 22% da preferência. Os livros didáticos são hábito de 16% do público, e os infantis, de 15%.


TRÊSQUESTÕES

CAMPANHA

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Peixe-boi marinho precisa de cuidados especiais

O Brasil passa por diversas mudanças políticas e econômicas e, constantemente, a Amazônia, como área estratégica para o governo

Agora Omar depende de campanhas públicas que ajudem com sua alimentação, além da manutenção em cativeiro, até que possa voltar à natureza. “O peixe-boi-marinho é o mamífero aquático mais ameaçado de extinção hoje no Brasil. Omar é o único exemplar da espécie em processo de reabilitação hoje no Pará. Por isso, é preciso a ajuda de todos para a conser vação dos peixes-bois”, afirmou a bióloga Renata Emin-Lima, presidente do Instituto Bicho D’água e pesquisadora do Gemam-MPEG. É possível ajudar Omar doando leite de soja da marca Soymilke Natural (pacote ou lata), ou qualquer valor em dinheiro. Para doar, os dados são Banco do Brasil - Agência 0765-X, Conta Corrente 15558-6. Os contatos dos responsáveis pela campanha são: (91) 98226-5005 (Renata Emin) e 98056-1426 (Alexandra Costa), bichodagua2010@gmail.com e afcosta@museu-goeldi.br.

federal, é mencionada. Para o geógrafo Edgar Chagas Jr., mestre em Planejamento do Desenvolvimento e Doutor em Antropologia da Universidade da Amazônia, os gestores públicos devem estar atentos à necessidade de desenvolvimento de ciência e tecnologia e evitar a exploração desordenada de recursos. Qual o papel que a Amazônia nesse novo cenário político no país? Não vejo grandes mudanças estruturais de imediato no papel que hoje a Amazônia representa diante da organização produtiva do país, já que ainda há incerteza quanto às definições das políticas públicas direcionadas para a região. No entanto, a tendência é que as práticas predatórias que acionam a região para suprimento de demanda de matéria-prima e energia aumentem, em razão da necessidade de geração de divisas nacionais. Quais políticas os governo estadual e MUSEU GOELDI

federal devem planejar para a região? Investimento em ciência e tecnologia para conhecer e aproveitar o potencial bioenergético da região, em seu benefício e das comunidades tradicionais; verticalização

TRATAMENTO

Omar foi encontrado há três anos em Salvaterra, no Marajó, e hoje é assistidos pelos pesquisadores do Museu Goeldi

da produção mineral; incentivo ao crédito agrícola para áreas já consolidadas por este setor; acelerar os processos de titulação de terras; investimento maciço em educação e nos seus profissionais. A Amazônia se mostra uma região segura para novos negócios? Alguns exemplos servem de parâmetro para pensar alternativas mais condizentes com a realidade local, como investimento em bioenergia a partir da biomassa para a indústria química, além do aproveitamento das potencialidades quanto ao turismo.

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ARQUIVO PESSOAL

Uma campanha iniciada pelo Instituto Bicho D’Água e o Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia do Museu Paraense Emílio Goeldi (GEMAM-MPEG) busca arrecadar dinheiro para continuar alimentando Omar, um peixe-boi marinho encontrado há três anos em Salvaterra, no Arquipélago do Marajó. O animal é uma espécie rara, antes considerada extinta na região. Peixes-bois marinhos são intolerantes à lactose. A alimentação de Omar é composta por leite de soja, óleo de canola e suplementos vitamínicos. Até que o animal esteja pronto para voltar à natureza, é preciso manter essa rotina alimentar, porém o valor é alto: hoje, R$ 2 mil são gastos por mês apenas com o consumo de leite de soja. O Ibama, responsável legal do peixe-boi marinho, não tem mais como arcar a estrutura criada para cuidar do animal. Recursos vindos de multas ambientais, que antes ajudavam, estão suspensos.

Amazônia na atualidade


PRIMEIRO FOCO ALERTA

T R ATA ME N T O

CÂNCER DE PELE Uma terapia desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) e utilizada em cães pode ser o caminho

Segundo pesquisa recente do Inpe, o Pará é o terceiro estado brasileiro com maior número de focos de queimadas

para cura de câncer de pele em humanos. Nos testes feitos em cachorros, a terapia fotodinâmica, que envolve uma emulsão com uso de nanotecnologia e a aplicação de um fotossensibilizador, tem obtido sucesso na cura de tumores malignos, dispensando quimioterapia, radioterapia e cirurgia. De

DESCOBERTA RAIMUNDO PACCÓ / AGÊNCIA PARÁ

acordo com a veterinária Martha Rocha, que desenvolve a técnica como trabalho de doutorado na Universidade de Brasília (UnB), sete cães que passaram pelo tratamento foram curados. O coordenador do INCT em Nanobiotecnologia e orientador do projeto, Ricardo Bentes, afirmou que o tratamento já está sendo testado em câncer de pele humano. DE S C O B E R TA

RECIFE NO AMAZONAS Pesquisadores de várias universidades descobriram a existência de um grande conjunto de recifes – formações rochosas construídas, principalmente, de corais e algas calcárias –, que foi encontrado na foz do Rio Amazonas. O conjunto se estende por cerca de 700 km, da costa do Maranhão à Guiana Francesa. A profundidade varia entre 60 e 150 metros. Além disso, apresenta rica biodiversidade. O tamanho do ecossistema chamou a atenção dos cientistas, mas o que mais impressionou foi a localização. Tal descoberta é o primeiro conjunto de recifes no mundo descoberto nessas condições. Tal descoberta dos cientistas brasileiros foi divulgada na revista científica norte-americana Science. T E C N O LO G I A

SURDOS ONLINE

F L O R E S TA S

Amazônia liderou número de queimadas em 2015 Dados alarmantes indicam que, em apenas cinco meses, houve mais queimadas na Amazônia que em todo Brasil no ano de 2015. Os números são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontam para um aumento na quantidade de queimadas em todos os estados da Amazônia. Mais de 13.900 queimadas foram identificadas através de imagens de satélite. O Mato Grosso foi o Estado que mais registrou pontos de queimadas este ano, 50% a mais que em 2015. Roraima ficou em segundo lugar, seguido do Pará, de Tocantins e do Maranhão. Um dos fatores que favoreceram o aumento

da temperatura e dos focos de incêndio na região amazônica no ano passado foi o fenômeno climático El Niño. Segundo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), os efeitos do El Niño permanecem também este ano. Os dados das queimadas na Amazônia assustam: para se ter uma noção do problema, apenas a Amazônia Brasileira já teve mais queimadas que a Bolívia, Colômbia, Guiana e Suriname juntos. Entre os países da Amazônia Internacional, a Venezuela é o que mais teve registros do problema, totalizando 18.058 queimadas.

Foi lançada mês passado uma nova versão da Suíte Vlibras, um conjunto de ferramentas

POLÍTICA

digitais que facilita a acessibilidade das pessoas

FLORESTAS PLANTADAS

com deficiência auditiva a conteúdos online.

Agora é oficial: o Projeto de Lei 85/16, que autoriza o Executivo a instituir a Política Agrícola para

O conjunto de aplicativos faz a tradução de

Florestas Plantadas foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará. A medida tem

conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) para

como objetivo fortalecer os processos produtivos e integração lavoura-pecuária-florestas (ILPF)

Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Outra

ou sistemas florestais, incluindo os pequenos produtores no ciclo produtivo e de preservação do

ferramenta é a WikiLibras, um sistema para

meio ambiente. O processo poderá até associar este padrão de floresta como fonte de energia

correção e inclusão de novos sinais.

renovável e na absorção do gás carbônico.

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ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

ELETRICIDADE

Caroços de frutos podem gerar energia renovável (Ufam), Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro (LPF/SFB), do Núcleo de Catálise do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Nucat-COPPE/UFRJ) e Agência Espacial Brasileira. O foco do trabalho, segundo o pesquisador Fábio Cordeiro de Lisboa, é o desenvolvimento de processos capazes de produzir vetores energéticos que possam operar de forma flexível com as máquinas usualmente utilizadas para geração de eletricidade, sem que seja necessário desenvolver novos equipamentos para a conversão da energia.

Bruxas inofensivas na natureza A palavra bruxa não representa apenas um ser místico com aparência bizarra, de trajes escuros e que vagueia durante a noite, mas também é usada para denominar as mariposas. Essa definição se deve ao fato desses insetos entrarem nas residências ao anoitecer e serem geralmente escuras. KENNY TEIXEIRA / ASCOM EMATER

Apesar do apelido, a maioria das espécies de mariposas é inofensiva aos seres humanos. Algumas bruxas da família Saturnidae apresentam asas anteriores escuras e, quando em repouso, se parecem com uma folha seca, mas, quando perturbadas, abrem as asas mostrando as posteriores que possuem manchas semelhantes a olhos e abdômen vividamente colorido, reprimindo o ataque de potenciais predadores. É que se parece com a face de um animal muito maior, como as corujas. As da subfamília Hemileucinae, dos gêneros Automeris e

Gamelia é que apresentam estes grandes falsos olhos, e por isso são também chamadas de mariposa olho-de-boi. A beleza das larvas de Automeris pode ser

ALTERNATIVA

Pesquisas mostram a produção de energia elétrica a partir de caroços de frutos amazônicos, como o cupuaçu

um grande problema, pois essas lagartas possuem cerdas em forma de “pinheiros de natal”, conhecidos cientificamente como

R E N DA

RESERVA AMBIENTAL

“scolis”. Ao serem tocadas, essas cerdas se quebram e liberam uma substância

Um mecanismo pode gerar lucro de mais de R$ 5 bilhões na Amazônia. Trata-se da Cota de

altamente urticante, capaz de causar

Reserva Ambiental (CRA). Conforme estabelecido no Código Florestal, as propriedades rurais

queimaduras graves, como acontece

na região amazônica devem manter uma área de Reserva Legal de 80% da propriedade,

na maioria dos Saturnídeos. As lesões

visando a conservação ambiental. Porém, em alguns casos, o proprietário pode não ter mais

provocadas por acidentes com lagartas são

área verde nativa. Dessa forma, de acordo com a lei, é possível reflorestar ou compensar

chamadas de erucismo.

através da CRA, títulos negociáveis de áreas com vegetação nativa. JUNHO DE 2016

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INOCÊNCIO GORAYEB

Uma pesquisa que vem sendo realizada pode ser o caminho para o desenvolvimento de novas fontes renováveis de energia. O objetivo é produzir eletricidade a partir de caroços do tucumã, macaúba e a casca de cupuaçu, convertendo biomassas residuais da Amazônia em combustíveis. A pesquisa, que tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), está sendo realizada no laboratório de Energia e Ambiente da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM) da Universidade Federal do Amazonas


FATO REGISTRADO

INOCÊNCIO GORAYEB

Cavalhada na zona bragantina Nas proximidades da zona costeira na região bragantina do Pará existem vastas áreas de campos naturais, onde tradicionalmente se criam rebanhos de bovinos, equinos e bubalinos. Dois exemplos são os de Santa Maria e Santa Tereza, localizadas no município de Tracuateua. Os rebanhos são mantidos em pequenas fazendas nas redondezas, mas os animais são soltos para pastarem livremente nos campos, que são áreas de preservação permanentes da União. Nas cidades próximas a essas áreas são realizados diversos eventos folclóricos relacionados à pecuária, como 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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as ferras de gado e as cavalhadas. As cavalhadas são competições realizadas no final do ano, juntamente com as marujadas. Fazem parte da tradicional Festividade do Glorioso São Benedito e começam após o almoço das marujas e marujos. O costume tem origem em Portugal. Participam da disputa dois cavaleiros, um vestido de azul e outro de vermelho. Dois cilindros, erguidos por uma corda, possuem argolas envoltas de fitas nas cores azul e vermelho. Ganha quem conseguir retirar mais argolas. Os candidatos vêm de todas as comunidades de Bragança para participar e,

quem sabe, ganhar o primeiro lugar. A foto em destaque é de 1972 e registrou uma cavalhada na rua principal da cidade de Tracuateua, quando dois cavaleiros a galope tentavam encaixar primeiro um espeto num círculo amarrado em uma corda. Hoje em dia estes eventos não são mais tão comuns. Muita coisa mudou. Os rebanhos de cavalos, por exemplo, estão menores, já que as motos substituíram os animais em muitas das atividades de trabalho. Porém, a tradição ainda existe, apesar dos pesares, e continua sendo realizada em dezembro, em Bragança.


PERGUNTA-SE POIS É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES KEITH SYVINSKI / FREEIMAGES

CARAJÁS

Arara-azul-grande ganha novas pesquisas no Pará Ave símbolo do Brasil, a arara-azul-grande foi quase extinta na década de 80 e hoje se estima que existam aproximadamente 6.500 indivíduos na natureza distribuídos na região da Amazônia, Cerrado e Pantanal. Com suas penas azuis cobalto e anéis dourados ao redor dos olhos e mandíbula, esses animais tornam também o azul do céu do Pará ainda mais intenso. Na região, a ave está mais presente no município de Canaã dos Carajás, nas margens do rio Itacaiúnas e no entorno do Mosaico de Carajás. A fim de ampliar as iniciativas para conservação da espécie no

Brasil e no Pará, a Vale, em parceria com a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) desenvolveu programa de estudo e monitoramento desses animais. Parte dos resultados desses estudos estão reunidos em livro, que foi lançado no dia 1º de junho. A publicação traz a beleza dessas grandes aves azuis na região de Carajás em momentos únicos registrados pela lente do renomado fotógrafo da natureza João Marcos Rosa. O evento de lançamento ocorre às 16h, no Canteiro Sudeste,do Projeto S11D, situado na VS 40.

Tomar sorvete ajuda na recuperação após a extração de dentes? DIVULGAÇÃO / VALE

NATIVAS As populações de araras-azuis-grandes ocorrem com mais frequência no município de Canaã dos Carajás, sudeste paraense

AMAZONAS

ÁREAS DE PROTEÇÃO Foi divulgado no Diário Of icial da União (DOU) a criação de cinco novas áreas de

Um dos consolos para crianças, e alguns adultos também, é que, após a ida ao dentista, vem uma boa oportunidade de tomar sorvete, um costume antigo que ajudaria na recuperação após uma cirurgia de extração de dente, por exemplo. O coordenador do curso de Biomedicina da Universidade da Amazônia, professor mestre Dirceu Costa dos Santos, explica que o uso de substâncias geladas tende a diminuir os sintomas da inflamação, mas o sorvete pode piorar as coisas. “Todo tipo de agressão ao nosso organismo é capaz de gerar um processo inflamatório. O gelo e substâncias geladas ajudam. Entretanto, existem bactérias que fazem parte da microbiota oral e boa parte delas poderia se aproveitar dos açúcares presentes no sorvete para aumentar a sua proliferação, podendo assim aumentar o risco de infecção”, explica. Neste caso, melhor optar por uma medicação específica e água. Mas se for tomar sorvete após o dentista, melhor higienizar bem a boca depois de degustar um gelado bem saboroso.

proteção, localizadas no E s tado do Amazonas . Outra boa notícia foi a ampliação do tamanho de uma f lores ta nacional na mesma região do sul do E s tado. Juntas, es sas terras somam mais de 2 milhões de hec tares, uma área maior que o es tado de Alagoas. A s duas unidades de conser vação (UC s) foram es tabelecidas através de es tudos f inanciados pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), que, atualmente,

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

apoia mais de 10 0 unidades de conser vação. JUNHO DE 2016

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EU DISSE

“Estudar é importante, mas ler é mais importante ainda”

Ziraldo, cartunista criador do Menino Maluquinho, ao afirmar que não há educação sem leitura. Ele é um dos principais convidados da Feira Pan-Amazônica do Livro nos 20 anos de realização do evento literário do Pará.

“Se o mundo não conseguir melhorar os padrões atuais de produção e de consumo o estado do meio ambiente seguirá piorando” Achim Steiner, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sobre os efeitos das mudanças climáticas, que avançam mais que o previsto. Fatores como o aumento da população, a rápida urbanização e os crescentes níveis de consumo podem ser algumas das causas do problema. DIVULGAÇÃO

“Estamos diante do início de uma revolução, porque, pela primeira vez, a sociedade brasileira pode participar diretamente da criação de uma nova matriz energética” Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia

“Nos anos 1960, havia muitos problemas em relação aos direitos civis. Víamos o que estava acontecendo e simpatizávamos com as pessoas enfrentando essas questões, e isso me fez querer escrever uma canção sobre o assunto” Paul McCartney, ao revelar que escreveu a canção “Blackbird” inspirado na luta do Little Rock Nine, grupo de estudantes negros que

Fotovoltaica (Absolar), sobre as regras aprovadas pela Agência

enfrentaram a discriminação e o impacto da segregação norte-americana

Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que permitem a geração

quando se matricularam em uma escola exclusiva para brancos.

compartilhada de energia.

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APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“A evolução da zika não é uma coisa pela qual se deva entrar em pânico, mas sim considerar seriamente. Temos que começar a nos mexer”

Taxímetro Simula estimativas de corridas de táxi, com uso de GPS, e com valores atualizados das

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, após pedir ao Congresso americano para aprovar uma lei de combate ao vírus. A declaração foi feita após reunião com as principais autoridades de saúde do país.

tarifas de todas as capitais brasileiras e várias do mundo (incluindo outras moedas também). Basta ligar o GPS, escolher o destino e então ter um cálculo de quanto vai custar a corrida. Também é possível ver qual

“O novo clone da zika representa uma etapa crucial para produzir uma vacina e um antiviral contra a doença”

a melhor e mais econômica rota.

Pei-Yong Shi, professor de medicina da Universidade do Texas, um dos principais autores do trabalho

Bring!

Preço: Gratuito Plataformas: Android, iOS e Windows Phone

Esse app faz listas de compras que podem até

feito por pesquisadores americanos que pode representar um grande avanço contra o vírus.

ser compartilhadas entre grupos, aumentando a economia e pesquisa em diversos DIVULGAÇÃO

estabelecimentos, algo que tem esmagado orçamentos familiares pelo Brasil. Ele ainda tem uma série de integrações com outros equipamentos, gadgets que melhoram a experiência de uso na hora de comparar preços. Preço: Gratuito Plataformas: Android e iOS

Truecaller O aplicativo identifica a verdadeira origem de uma chamada, graças a um banco de dados surpreendente, que detecta se trata-se de um número de telemarketing

“Foi um paradigma perfeito. Há poucos filmes ou séries em que o homem, o patriarca, e a matriarca são ‘equivalentes’. E, em House of Cards, eles são” Robin Wright, atriz norte-americana, sobre a diferença de pagamento devido ao gênero e os motivos que a levaram a pedir que recebesse o mesmo salário que o colega de trabalho, o ator Kevin Spacey, que interpreta o icônico Frank Underwood.

indesejado, números geradores de spams, promoções falsas, ligações com fins criminosos e gera uma “lista negra” para barrar esses números e as ligações vindas deles. Também é possível digitar um número suspeito para saber do que se trata. Preço: Gratuito Plataformas: Android, iOS e Windows Phone FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Como escolher pupunhas de qualidade

INOCÊNCIO GORAYEB

TEXTO INOCÊNCIO GORAYEB

A pupunha ( Bactris gasipaes) é cultivada há muitos anos pelos ameríndios pré-colombianos da região neotropical. O fruto é comum de Honduras até a Bolívia, na costa atlântica das Américas Central e do Sul, passando a São Luís, no Maranhão, e também ao longo da costa do Pacífico, do sul da Costa Rica ao norte do Peru. Na Amazônia, é muito abundante e faz parte da culinária paraense, seja sozinha, acompanhada de café e até em pratos mais sofisticados. As pupunhas começam a aparecer nas feiras de Belém em dezembro ou janeiro e continuam em abundância até a chuva diminuir, em maio. Escolher o cacho não é tarefa fácil, porque de dez somente quatro são especiais. Os vendedores apostam na beleza, tamanho, cor e mostram que a casca sai com facilidade sem quebrar para passá-las como boas, entretanto essas características não asseguram sua qualidade. A lguns consumidores compram por quilo e pegam uns ramos de diferentes cachos para 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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assim obter algumas especiais. A s pupu n ha s mu ito g ra ndes, aci ma de 3cm de d iâ met ro, gera lmente são sec a s. É mel hor dei x á-la s de lado. Pa ra escol her boa s pupu n ha s, é preciso ol ha r o t a lo pr i ncipa l, por onde se pega o c acho. Se ele est iver seco e mu rcho, o f r uto é vel ho e est á “pa ssado”. Pode-se cor t á-lo hor i zont a l mente pa ra ver se a i nda est á bra nqu i n ho e ú m ido. O consumidor também pode suspender o cacho pelo talo principal e dar uma sacudida. Se caírem umas quatro pupunhas ou mais, os frutos não estão bons para consumo. Outra dica é retirar uma pupunha do cacho, pô-la numa superfície rígida para quebrá-la batendo com a mão fechada até rachar. Uma pupunha aguada vai se espatifar e liberar muita água, portanto não é boa. Agora se a pupunha quebrada não estiver aguada, deve-se abri-la em duas bandas e obser var o tamanho do caroço. Se for grande, a pupunha não é boa. Afinal você quer com-

prar caroço ou polpa? O consumidor também pode retirar o caroço e obser var sua cova. Se a cor é diferente, mais escura, ferrugínea, amarronzada, significa que é oleosa, uma característica de pupunha boa. Ao pegar uma das bandas pode-se raspar a polpa com a costa da unha do polegar. Depois, esfregar a massa que ficou na unha com os dedos polegar e indicador. Esse processo permite analisar se a pupunha é fibrosa ou macia, se é aguada, mole demais ou dura. O consumidor vai sentir o óleo nos seus dedos (uma das principais características de uma boa pupunha). Cachos que têm pupunhas roídas por passarinhos geralmente são bons, porque eles sabem detectar aquelas mais macias e oleosas; cachos que possuem filhotes sem caroço e pupunhas grandes (obser ve o tamanho má x imo), em sua maioria, também são de boa qualidade. Pupunhas pequenas e sem caroço também são boas e têm bastante óleo.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Breado e Bafento O vocabulário paraense possui várias palavras próprias, cheias de significados únicos. Na letra B desse “dicionário amazônico” encontramos as palavras “Breado” e “Bafento”. Esses dois termos ganham novos sentidos no palavreado local. A primeira delas, breado, no geral, significa “sujo, emporcalhado, pegajoso ou untado com breu”. No Pará, porém,

Um naturalista no rio Amazonas

amazônica. Portanto, quando ouvir um paraense dizendo que está “breado”, ele quer dizer que está suado, muito melado, precisando de um banho. Da palavra “bafo”, que pode ser o mau hálito ou o vapor de fer vura usado para cozinhar, surge uma expressão bastante curiosa: bafento. No Estado diz-se daquela pessoa que conta muita mentira, que vive contando vantagem sobre tudo – a famosa lorota, sabe?. “Tu és muito bafento”, “Aquele ali é só bafo”. Se a expressão surgir nesse contexto, é melhor tomar cuidado com essas pessoas.

WALDEZ

e colares de enormes contas de ouro. Seus olhos negros e expressivos e elas exibiam uma massa de cabelos espessos e negros que chamava atenção. Talvez fosse uma fantasia de minha parte, mas achei que a mistura de esqualidez, luxo e beleza daquelas mulheres se harmonizava perfeitamente com o resto do cenário, de tal forma era surpreendente aquela associação das riquezas naturais com a miséria humana (...).” Em outro trecho do livro, o naturalista descreve a captura de tartarugas com flechas e rede, e a captura de um jacaré-açu que fora aprisionado na rede. Desta captura participaram vários índios e outros amigos. Bates comenta que passavam meses se alimentando de tartarugas, considerada por ele uma excelente iguaria. Esta aventura foi desenhada e é aqui reapresentada. Já na Inglaterra escreveu: “(...) Embora a humanidade consiga alcançar um estágio avançado de cultura nas regiões setentrionais, à força de lutar contra as inclemências da Natureza é unicamente no Equador que a raça perfeita do futuro ira alcançar a fruição total da bela herança do homem – a Terra”.

clima quente e úmido, típico da região

HENRY WALTER BATES / REPRODUÇÃO / ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI

O inglês Henry Walter Bates permaneceu onze anos (1848-1859) no Pará. Mandou para o Museu Britânico 8 mil espécies da flora e da fauna e escreveu o livro “Um naturalista no rio Amazonas (1825-1892)”. Sobre Belém, escreveu vários textos. Entre eles está o seguinte: “As impressões que tive neste primeiro passeio jamais se apagarão completamente de minha memória. (...) Em seguida atravessamos um campo relvado e chegamos a um pitoresco caminho que ia dar na floresta virgem. A rua comprida era habitada pelas classes mais pobres. As casas tinham apenas o rés-do-chão e sua aparência era humilde e desalinhada. As janelas não tinham vidraça e sim uma armação que se projetava para fora. A rua não era calçada e a camada de areia fofa que cobria tinha muitos centímetros de espessura. Grupos de pessoas tomavam a fresca à porta de suas casas – gente cuja pele tinha todas as tonalidades, europeia, negra e indígena, mas era principalmente uma confusa mistura das três raças. Entre eles viam-se belas mulheres desleixadamente trajadas, descalças ou de chinelos, mas usando brincos caprichosamente talhados

ganha mais uma definição, ligada ao

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ARTIGO

MEDICAMENTOS DA FLORESTA: PESQUISAS COM FITOTERÁPICOS A Amazônia é uma maravilha da natureza com cerca de 5

WALACE GOMES LEAL

Doutor em Neuropatologia Experimental e Professor Associado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará

milhões de Km2 - um celeiro inigualável de biodiversidade, correspondendo à metade das florestas tropicais do mundo. Existe há pelo menos 55 milhões de anos, ocupando, aproxidamente, 50% do território brasileiro. Inexiste no mundo floresta tropical com tamanha exuberância e grandeza de espécies vegetais e de animais. Estudos recentes sugerem que a fauna amazônica possui em torno de 311 espécies de mamíferos, 240 de répteis, 163 de anfíbios, 1.300 de peixes e 1.800 de insetos. A flora amazônica é inigualável, com cerca de 60.000 espécies de plantas, o que corresponde a 10% de todas as plantas do planeta. Incrível dizer que em apenas 1 Km2 de floresta amazônica pode-se encontrar mais de 1.000 tipos de plantas. Considerando a inigualável flora amazônica nos estados da região Norte, vislumbra-se um imenso potencial para o desenvolvimento de medicamentos derivados de plantas, conhecidos como fitoterápicos. Estes são definidos como medicamentos obtidos exclusivamente de matérias-primas vegetais (RDC 148 de 16-03-2004). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define fitoterápicos como “substâncias ativas derivadas da planta como um todo, ou parte dela, sob a forma de um extrato total.” No Brasil, o Ministério da Saúde instalou, em 2009, o Programa Nacional de Plantas Medicinais pela portaria 2.960/2008. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

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regulou o uso de fitoterápicos por uma regulamentação de 10 de março de 2010. O Brasil possui uma riquíssima tradição no uso de medicamentos da medicina popular, o que é ilustrado pela diversidade de plantas vendidas com possíveis efeitos terapêuticos no mercado Ver-o-Peso, em Belém, e em mercados em diversas cidades do brasileiras. Apesar de que para a maioria das plantas usadas na medicina popular não existe comprovação científica dos seus efeitos terapêuticos, para algumas delas estudos sugerem que sejam verdadeiros. O Ministério da Saúde oferece fitoterápicos no Sistema Único de Sáude (SUS), incluindo a “espinheira-santa” (Maytenus ilicifolia), usada para úlceras e gastrites, a alcachofra (Cynara scolymus), indicada para problemas do fígado, a babosa (Aloe vera), para queimaduras e psoríase, a unha-de-gato (Uncaria tomentosa) para artrites e outras doenças ósseas. Esses e outros medicamentos são pagos pelos governos municipal, estadual e federal e têm registros na Anivsa. Considerando que a Amazônia é um celeiro inesgotável de possíveis medicamentos e que o Brasil ainda importa 85% dos medicamentos que consome e ainda que, segundo dados do BNDES, nosso país deve gastar cerca de R$ 40 bilhões com importações de medicamentos nos próximos 10 anos, o desenvolvimento de pesquisas com fitoterápicos da Amazônia é uma área de grande interesse comercial e clínico.

“ A Amazônia e sua exuberante flora é uma fonte inesgotável de possíveis medicamentos para as mais diversas doenças humanas. A importância dessa biodiversidade não pode ser negligenciada.”


Pesquisadores da Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará e de outras instituições de ensino superior do nosso estado realizam investigações promissoras sobre os possíveis efeitos de extratos de plantas da Amazônia ou de substâncias isoladas das mesmas para diversas doenças humanas, incluindo Leshmaniose, Epilepsia, Acidente Vascular Encefálico (AVE, popular AVC) e Trauma da Medula Espinhal. Nesses estudos, as pistas fornecidas pela medicina popular são fundamentais para a escolha das plantas estudadas, o que ilustra a importância de usar o método científico para testar o conhecimento tradicional, normalmente empírico (sem comprovação científica). No Insituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFPA, o professor José Luiz Martins do Nascimento e seu grupo forneceram evidências científicas recentes que o camapu (Physalis angulata) possui efeito contra o agente causador da leishmaniose, o protozoário Leshimania. Pesquisadores do ICB-UFPA começam a gerar dados científicos que sugerem efeitos benéficos para o popular açaí (Euterpe oleracea). A professora Elena Crespo e seu grupo mostraram em artigo recente que componentes do fruto possuem efeitos anticonvulsivantes e que protegem o córtex cerebral de roedores de peroxidação lípidica, um importante mecanismo em que radicais livres causam lesão após epilepsia e outras doenças. Usando um modelo de lesão da retina de ratos por metilmercúrio, o professor Anderson Herculano e seu grupo, também do ICB, mostraram que dieta rica em açaí protege a retina desses roedores por um mecanismo que envolve a diminuição do estresse oxidativo. Em 2012, nosso laboratório do ICB-UFPA, foi o primeiro a mostrar um efeito anti-inflamatório e neuroprotetor do óleo-resina (OR) de copaíba (Copaifera reticulata Ducke) no sistema nervoso central. Esse estudo, que foi a dissertação de mestrado do biólogo Adriano Guimarães Santos, mostrou que ratos com lesão cerebral que foram tratados com OR de copaíba (ORC) apresentam menos infiltrado inflamatório e mais neurônios preservados, comparados aos animais controle. Recentemente, em colaboração com o professor Raul Carvalho, da Faculdade de

Engenharia de Alimentos da UFPA, confirmamos nossos achados iniciais e realizamos estudos químicos detalhados sobre a composição química do ORC. Além disso, mostramos que extratos obtidos das sementes do gergelim-preto (Sesamum indicum) também são anti-inflamatórios e neuroprotetores em um modelo de experimental de AVE. Nossos estudos sugerem ainda que o ORC, gergelim e outras plantas da Amazônia também diminuem a inflamação e protegem a medula espinhal após lesão experimental em roedores (ver ilustração). A Amazônia e sua exuberante flora é uma fonte inesgotável de possíveis medicamentos para as mais diversas doenças humanas. A importância dessa biodiversidade não pode ser negligenciada. Investimentos governamentais devem incentivar as pesquisas com biofármacos, para que nosso Estado seja referência na indústria de fitoterápicos. Financiamentos de agências estaduais como a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Técnica e Tecnológica (SECTET) e Fundação Amazônia Paraense de Pesquisa (Fapespa) devem ser direcionados para esse fim.

Como agem os extratos vegetais em modelos experimentais Extratos de plantas da Amazônia protegem a medula espinhal e o cé-

Gergelim preto

Copaíba

rebro após lesão aguda.

CONTROLE

A cavitação na medula espinhal é diminuída com tratamento tópico com copaíba. A perda de neurônios no cérebro de ratos é diminuída com tratamento com extrato

Medula

Cérebro

TRATAMENTO

de sementes de gergelim preto. Os asteriscos marcam a área de cavitação na medula espinhal. As setas apontam para corpos de neurônios. Dados de Moraes, dos Santos, Carvalho e Gomes-Leal, 2016.

Medula

Cérebro JUNHO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

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Na praia Meninos correm à beira-mar na ilha de Algodoal, nordeste do Estado FOTO: FERNANDO SETTE JUNHO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

Passeio

O fim da tarde e a cumplicidade a dois na ilha de Algodoal. FOTO: FERNANDO SETTE

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Batuque

A energia que vem das ruas, a forรงa dos tambores e a magia da danรงa FOTO: PAULO CASTRO

Nas Docas


OLHARES NATIVOS

Estátua

No caminho do Parque da Residência, o legado do poeta Ruy Barata FOTOS: CAMILO FERREIRA

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Paneiros

Trabalhadores da orla de Abaetetuba antes de descarregar o açaí FOTO: ADRIANA WEYL

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OLHARES NATIVOS

Pequeno

O besouro e sua escalada na êfemera vida de inseto FOTO: CARLOS BORGES

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Noturno

No silêncio dos cemitérios, a relação entre vida e morte FOTO: TARSO SARRAF

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OLHARES NATIVOS

Viagem diária

A baía do Guajará e sua dinâmica na economia local para o desenvolvimento da vida ribeirinha FOTO: YAGO MENDONÇA DE ALMEIDA

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES CLAUDIO TAVARES/ ISA

IDEIASVERDES

Economia da terra

A REDE DE SEMENTES DO XINGU INCENTIVA UM NOVO MODELO DE RENDA PARA POPULAÇÕES TRADICIONAIS

PÁGINA 50

BIODIVERSIDADE

RESPONSABILIDADE

A doutora em Ciências Biológicas da Uepa, Ana Lúcia Nunes Gutjahr, defende o investimento em educação ambiental nas escolas. PÁG.32

Empresas e indústrias no Pará investem cada vez mais em negócios sustentáveis, que geram lucro respeitando o meio ambiente. PÁG.36


ENTREVISTA

A

s mudanças climáticas, a poluição do ar e da água, a caça, a pesca predatória, e o maior vilão da biodiversidade, o desmatamento, tem eliminado a variedade de espécies de seres vivos da Amazônia. Cada um deles tem papel fundamental para a existência do próprio ser humano. A redução da biodiversidade pode ser traduzida em milhões de pessoas diante de um futuro sem estoque de alimentos e totalmente vulneráveis a pragas e doenças. O patrimônio natural de todo ser humano – plantas, animais, terra, água, atmosfera - tem sido destruído pelo próprio homem. É a superexploração se tornando insustentável. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em nenhum lugar do mundo são derrubadas tantas árvores quanto na Amazônia. A entidade revela que a média de desmatamento na Amazônia brasileira é a maior do mundo, sendo 30% mais intensa que na Indonésia, a segunda colocada no ranking da devastação ambiental. A WWF-Brasil, ONG brasileira envolvida na conservação da natureza, constatou que em 2009, a humanidade usou 40% mais recursos do que a natureza é capaz de regenerar em um ano. Ou seja, podemos cortar árvores mais rápido do que elas são capazes de voltar a crescer e capturar animais mais rápido do que são capazes de se reproduzirem. A doutora em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Pará, Ana Lúcia Nunes Gutjahr, também responsável pela Coleção Zoológica Didático-Científica da Uepa, ressalta a fundamental necessidade de crianças, jovens e adultos compreenderem a importância da educação ambiental, estimularem atitudes sustentáveis e aprenderem o papel de cada ser vivo no ambiente. Qual o papel da biodiversidade no cotidiano da sociedade? A biodiversidade está praticamente em tudo o que nos cerca, desde o algodão de nossas roupas, inúmeros sabores

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“A educação ambiental muda comportamentos” A DOUTORA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ, ANA LÚCIA NUNES GUTJAHR, DEFENDE O INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS PARA GERAR MAIS CONHECIMENTO SOBRE A BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA. TEXTO RENATA PAES FOTOS NAILANA THIELY


de sorvetes, nos enchimentos dos bancos de nossos carros, quase tudo o que comemos e nos inúmeros artefatos utilizados nas bijuterias, além dos móveis de madeira de nossas casas. Quantas espécies já foram encontradas na Amazônia? Quais são as mais ameaçadas? Essa pergunta é difícil de se responder, visto que diariamente novas espécies são descobertas e descritas para a ciência e para o mundo. Na verdade ainda não existe um número exato e definido de espécies que habitam a região amazônica, pois esses levantamentos são realizados por especialistas (taxônomos) e no Brasil não dispomos de especialistas de todas as formas de vida existentes nos ambientes terrestres e aquáticos. Entretanto, os estudos indicam a maior diversidade dos

ACERVO BIOLÓGICO

Ana Lúcia Nunes Gutjahr também responsável pela Coleção Zoológica Didático-Científica da Uepa

grupos de organismos para esta região, a partir das pesquisas dos especialistas que possuímos. Por exemplo, a riqueza da flora compreende aproximadamente 5.000 espécies de árvores, cerca de 1.800 espécies de borboletas, 3.000 espécies de formigas, de 2.500 a 3.000 de abelhas e cerca de 500 espécies de gafanhotos; répteis são próximos de 240 espécies; 311 de mamíferos só na Amazônia. As espécies ameaçadas são todas as que perdem o meio ambiente onde vivem, destacando os grandes mamíferos como onça-pintada, onça-parda (sussuara), jaguatirica, anta, peixe-boi, ariranha, macaco-prego, tamanduá e outros vertebrados e algumas espécies de invertebrados como borboletas e aranhas.

“O modo de vida sustentável depende de nós mesmos e das escolhas que fazemos diariamente em favor da qualidade de vida” JUNHO DE 2016

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ENTREVISTA

Em curto prazo, que atitudes fazem a diferença na preservação e conservação do meio ambiente? Como a educação ambiental prevê a mudança de comportamentos e condutas, a meu ver, não há possibilidade para que isso efetivamente ocorra em curto prazo. Pode ocorrer de modo esporádico pequenas ações, que na maioria das vezes são individuais, como separar o lixo para reciclar, usar a água sem desperdício, usar sacolas retornáveis, educar as crianças para os cuidados básicos com o lixo. Considerando que para a conservação e preservação da natureza são necessárias ações coletivas, torna-se necessário que haja uma conscientização coletiva e isso é bastante complexo para acontecer.

ROBERTA BRANDÃO

“A melhor maneira de efetivação de ações para a preservação da biodiversidade de maneira geral é a difusão de conhecimento existente sobre a biodiversidade”

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Podemos dizer que muito se ouve falar em sustentabilidade, mas poucos levam uma vida sustentável? O modo de vida sustentável, que é a adoção de um estilo de vida mais saudável e amigo do meio ambiente, principalmente para quem mora no meio urbano, depende de nós mesmos e das escolhas que fazemos diariamente, pois é preciso desenvolver ações para melhorar a própria qualidade de vida. A sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente. É o uso inteligente dos recursos naturais, para que os mesmos não se esgotem. A prática da sustentabilidade depende de cada elemento da sociedade. Por exemplo, no âmbito político têm que ser criadas políticas direcionadas para cada setor específico, na operacionalidade tem que haver a fiscalização do cumprimento das leis ambientais e no setor da sociedade, as ações devem ser desenvolvidas no cotidiano das pessoas.

de cuidados pode ocasionar sérios problemas principalmente de saúde, por depositar lixo nos entornos das residências, o que atrai animais nocivos como os vetores de doenças, contaminação por microrganismos patogênicos, entupimento das vias de saneamento gerando inundações, perda de patrimônio e mais doenças. Outro problema que acomete a população é a falta de cuidado com o meio ambiente referente às ocupações de áreas onde é removida a vegetação de contenção, o que ocasiona os deslizamentos e enxurradas durante as chuvas, causando dano financeiro, de saúde e de risco de morte.

Quais as consequências observadas no dia a dia devido à exploração dos recursos naturais? A população, geralmente, sofre as consequências de seus atos, pois a falta

É possível recuperar o que já foi destruído pelo homem? Como? Depende, pois caso a destruição seja de ambientes como florestas, pode ser possível a recuperação com refloresta-


NAILANA THIELY

mento com plantas nativas, embora a mata que se desenvolva não seja mais uma mata primária. Quando a destruição é de um habitat que guarda uma espécie endêmica (que ocorre somente nesse habitat), essa tal espécie será extinta e nunca mais será recuperada. Como abordar nas escolas a educação que busca preservar a biodiversidade amazônica? A melhor maneira de efetivação de ações para a preservação da biodiversidade de maneira geral é a difusão de conhecimento existente sobre os mais diversos grupos de seres vivos que fazem parte da biodiversidade. Isso é importante porque é praticamente impossível se preservar o que não se sabe ou não conhece. Nesse sentido, nas escolas tem que haver uma grande divulgação sobre os organismos vivos que fazem parte da

fauna e da flora e de outros organismos microscópicos. De que forma a Coleção Zoológica da Uepa trabalha na preservação da biodiversidade Amazônica? A Coleção Zoológica Didático-Científica da Universidade do Estado do Pará (CZDC-Uepa) conta com um acervo de cerca de 10.000 espécimes pertencentes a diferentes grupos de animais, principalmente de invertebrados. A Coleção tem relevante importância, visto que nela são armazenadas espécimes representantes da biodiversidade amazônica. Ela atende os docentes da Uepa, e também, de outras instituições e possui um importante papel no desenvolvimento do ensino e da pesquisa, proporcionando o intercâmbio científico-cultural. A Coleção Zoológica com fins didáticos é destinada ao ensino, demonstração e

treinamentos, e, portanto, é importante para o aprendizado dos conteúdos de Biologia do curso de Ciências Naturais da Uepa. Qual projeto de conscientização sobre os cuidados com a biodiversidade a Universidade já promoveu junto à população? O Projeto Exposição Itinerante de Biodiversidade Amazônica: a ciência vai à praça, que encerrou-se no início de 2016, visava à difusão da biodiversidade nas praças públicas da Região Metropolitana de Belém, por meio da exposição de animais amazônicos empalhados, preservados em álcool e preparados em alfinetes entomológicos (insetos). Em Belém, a exposição itinerante foi realizada nas praças Batista Campos e da República; em Ananindeua, na Praça do Complexo Esportivo da Cidade Nova VIII; em Benevides, na Praça Central; e em Marituba, na Praça da Matriz. Os expositores - alunos de graduação e pós-graduação - explicavam sobre os animais expostos, repassando informações básicas, como a importância ecológica, o papel desses animais na natureza e onde podem ser encontrados, além de informações sobre o ciclo de vida dos animais. As informações repassadas desmistificaram alguns animais que eram tidos pela população como venenosos e nocivos, e que muitas vezes são mortos pelas pessoas, devido a falta de conhecimento, retirando-os do meio ambiente, impedindo que esses animais desenvolvam seus papéis na natureza, como polinizadores ou controladores (predadores) de animais nocivos. Por exemplo, um senhor que costumava matar uma espécie de aracnídeo que pensava ser venenoso, após saber que o animal era inofensivo e que era controlador das populações de baratas, disse que não iria mais matar os bichinhos, pois precisava dos serviços desse animal para controlar as baratas no entorno da própria casa. O comportamento desse senhor é o que se espera em ações de educação ambiental, pois a partir do conhecimento recebido, ele estará mudando o comportamento dele em relação aos aracnídeos mencionados. JUNHO DE 2016

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CAPA

Negócios

verdes INDÚSTRIA E COMÉRCIO BUSCAM AS BASES DA ECONOMIA SUSTENTÁVEL POR MEIO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL TEXTO VICTOR FURTADO FOTOS CARLOS BORGES

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S

omente os negócios sociais e verdes prosperarão. É o que, há 14 anos, o fundador da organização “Empresa para um mundo sustentável”, o professor da Escola de Administração da Universidade Cornell (EUA) Stuart Hart, já defendia. As empresas pequenas, médias ou grandes que abraçaram a filosofia de negócio sustentável - ecologicamente correto, socialmente justo, economicamente viável e culturalmente diverso -, entendem que trata-se de uma tendência obrigatória e sem volta para manter-se no mercado. E, no cenário internacional de crise, que se instalou no Brasil, no início de 2015, esse conceito tornou-se um diferencial de mercado e garante força para a economia não parar. O conceito de negócio sustentável, que começou a ser desenhado na década de 1970, começou com grandes empresas que, lentamente, foram ditando as regras para toda a cadeia produtiva, apesar de o eixo “culturalmente diverso” ter sido ignorado ou diluído no conceito dos pilares do “Tripé da Sustentabilidade”, o PPP: planeta, pessoas e lucro ( planet-people-profit , em inglês) ou ambiental, social e econômico. Esse conceito começou a ser difundido entre pequenas e médias empresas, seja na cultura organizacional, seja na prospecção de oportunidades. Profissionais íntimos com o conceito estão se valorizando, tanto que há ser viços de terceirização ou agenciamento de “talentos verdes”. JUNHO DE 2016

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“As grandes começaram e as pequenas despertaram”, observa Maria José Macário, gerente da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae-Pará. A relevância do conceito só foi percebida quando os clientes começaram a cobrar. Consequentemente, as empresas notaram a economia gerada com atitudes que extrapolam o ambiente de trabalho e valem para os lares dos trabalhadores: economizar energia, água e reduzir a geração de resíduos. “Quem incorpora isso à missão da empresa garante visibilidade, credibilidade e longevidade ao negócio e fidelização dos clientes. É uma ferramenta de marketing, mas pode ser para a vida das pessoas”, completa. No ano passado, o Sebrae-Pará formou 12 consultores na 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Metodologia Sebrae de Redução do Desperdício e oito empresas principalmente dos segmentos de alimentos e bebidas e estética e beleza - participaram do projeto piloto durante seis meses. Os resultados impressionaram os empresários, que alcançaram índices de economia de 70% a 80% em recursos diversos: energia elétrica, água, papel, geração de resíduos. O quanto se desperdiçava espantou os participantes, que agora investem o que economizaram em outras áreas. Desde então, a notícia se espalhou e vários empreendimentos começaram a buscar orientação para “esverdear” o negócio. “Os problemas ambientais e sociais do mundo serão resolvidos por negócios inovadores, que busquem o lucro. Eles dissemina-

rão tecnologias mais limpas que substituirão as atuais poluidoras. E ajudarão a promover a inclusão social dos mais pobres como empreendedores, funcionários e consumidores”, defende Stuart Hart.

ECOPARQUE

O Programa Amazônia, lançado pela Natura em julho de 2011, tem como objetivo impulsionar um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica, um modelo mais inclusivo e sustentável, que valorize a “f loresta em pé”. Em essência, é um negócio verde ao agregar várias filosofias da sustentabilidade. Visa a alavancar a geração de empreendimentos sustentáveis como alternativa econômica para a região, com mão de obra local. Vai

CULTIVO DA TERRA

Coletores são beneficiados pelas vantagens da economia verde no Estado


de f loresta em pé. Lá, são fabricados os sabonetes que abastecem todos os mercados da empresa e vêm com a marca “Feitos na Amazônia”. Em 2015, a Symrise, empresa alemã de óleos e essências naturais, inaugurou suas operações no Ecoparque, sendo o primeiro parceiro a operar ao lado da Natura neste parque industrial. O Programa Amazônia, destaca Renata, reforça a transformação de desafios socioambientais em oportunidades de negócio. Através da incorporação de ativos da biodiversidade brasileira na fabricação dos produtos, ciência e conhecimento tradicional são unidos na geração de oportunidades de trabalho e renda para milhares de famílias agroextrativistas. E essa é a maior vantagem do Ecoparque. À medida que novos parceiros com operações complementares se estabelecerem no Ecoparque, será praticada a simbiose industrial. Por exemplo: o resíduo de uma indústria pode ser a matéria-prima da outra.

CASOS DE SUCESSO

Empresas paraenses que apostaram na sustentabilidade FERNANDO SETTE

além de um mero negócio: objetiva contribuir para o desenvolvimento da região como um polo referência em inovação e negócios sustentáveis. Assim nasceu o Ecoparque, em 2014. Renata Puchala, gerente do Programa Amazônia da Natura, define que a filosofia de produção do Ecoparque é repensar modelos de desenvolv imento sustentáveis pa ra a A ma zônia. “A A ma zônia v ive um pa radoxo: apesa r de abriga r 55% das f lorestas tropica is e 20% das ág uas doces f luv ia is do mundo, de ser megadiversa e de ter papel f unda menta l como reg uladora do clima do pla neta, a inda hoje sofre com modelos de desenvolv imento de devastação: madeira, soja, gado, mineração e infraestrutura, todas de f loresta devastada”. O Ecoparque é um parque industrial com objetivo de atrair outras empresas e indústrias que queiram desenvolver negócios sustentáveis a partir da sociobiodiversidade amazônica com interesse na economia

GRUPO CAETÉ Gemas vegetais produzidas pela empresária Mônica Mattos (fotos) a partir de resinas retiradas de plantas e madeiras, em processo totalmente artesanal, e recebem pigmentos de diversos elementos: abacaxi, mandioca, tapioca, andiroba, pau-brasil, maracujá, cenoura e pimenta. São únicas e a resina vegetal, que origina as gemas, serve para impermeabilizar a madeira, evitando que a joia perca o brilho e a vitalidade com o passar do tempo ou pelo contato com água.

RESTAURANTE SALDOSA MALOCA Reduziu desperdício de alimentos. Donos de quatro restaurantes de Belém reduziram em 37% o desperdício de comida (210 quilos de alimentos) e economizaram R$ 3 mil por mês. Adotaram a troca de recipientes maiores pelos menores após o período de maior fluxo de clientes e a reposição gradativa das comidas do expositor, respeitando sempre o horário de maior consumo.

EMPREENDER O VERDE

A gerente da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae-Pará, Maria José Macário, diz que as empresas que incorporam os conceitos da sustentabilidade garantem credibilidade e longevidade ao negócio

MADAME FLORESTA E BICHO DA MATA As empresas nasceram da necessidade de fabricar roupas femininas e masculinas para atender um público preocupado com o meio ambiente. Todo resíduo têxtil é reaproveitado e transformado em novos produtos, evitando descarte. Os bordados manuais e estampas representam a fauna e a flora amazônicas. A produção é feita com mão de obra e cultura locais. JUNHO DE 2016

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CAPA

ECOPARQUE DA NATURA

José Mattos Neto é diretor do Núcleo de Relações Comunitárias e Empreendedorismo da Natura no Pará

O que foi desenvolvido no Ecoparque já começa a se incorporar aos padrões, como jardins filtrantes para tratamento de ef luentes, geotermia como fonte de resfriamento (tubulações abaixo da terra que resfriam naturalmente o ar), reutilização de águas das chuvas, ventilação e iluminação natural dos edifícios, mobilidade com carros elétricos e bicicletas, arruamentos que mantém permeabilidade do solo, e acesso sustentável aos ativos da sociobiodiversidade.

ACEITAÇÃO

A filosofia dos negócios verdes é reduzir o consumo de recursos que possam degradar o meio ambiente e, consequentemente, gerar economia. Há pequenas empresas que encontraram nesse objetivo um mercado:

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fornecer soluções e tecnologias para alcançar essa economia ambientalmente correta. Entretanto, quem trabalha nesse segmento aponta dificuldade em emplacar as novidades nos mercados mais tradicionais, seja pelo investimento inicial, que pode intimidar quem ter perfil mais conservador de investimento; ou por achar que a economia demora muito a se pagar; ou por achar que a economia não é significativa. Um desses negócios começou com os amigos Andreas Fenzl (formado em Comunicação e Multimídia) e Daniel Bentes (engenheiro ambiental), fundadores da startup Ensolaris (da incubadora de empresas da Universidade Federal do Pará) de sistemas de energia fotovoltaica, popularmente conhecido como energia solar. Eles

queriam algo que ajudasse a resolver os problemas de fornecimento de energia, o que estava preocupando todo o Brasil, em 2014, devido aos sucessivos aumentos nas contas de luz. Mas, ao mesmo tempo, o novo empreendimento deveria ser “verde”. Pesquisaram e buscaram orientação profissional até conseguirem fazer vários negócios. Hoje, a equipe conta com cinco pessoas, mas ainda continua esbarrando nas mesmas dificuldades em vender a tecnologia de placas de captação de luz. O preço, acredita A ndreas, pode a inda ser um dos fatores que ma is dif iculta as vendas, apesa r de a empresa ser procurada, com curiosidade de potencia is clientes. Um sistema completo e idea l pode chega r ao valor de um ca rro popula r, compa ra, se


EMPRESA VERDE

Instalações da Natura, em Benevides. Produção visa à sustentabilidade com geração de emprego e renda no Estado.

paga a pa rtir de sete a nos (o investimento é recuperado com a economia na conta de luz) e tem v ida útil de 25 a nos. Há pelo menos 18 a nos de economia nas faturas, um dinheiro que pode ser investido de outras formas e o melhor: a energia é tota lmente limpa e sem agredir o meio a mbiente. “É um investimento de médio a longo pra zo, mas tota lmente seg uro”, a f irma. Ao f im da v ida útil do sistema, as placas são tota lmente recicláveis, pois são compostas de silício, a lumínio e v idro. O sistema da Ensolaris se baseia em sistemas mais funcionais e sustentáveis e funciona conectado com a rede de energia da concessionária local de energia (no Pará, é a Celpa). A luz (fótons) é captada pelas placas, que JUNHO DE 2016

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reagem e formam uma corrente elétrica contínua. Essa corrente é levada a um equipamento chamado Inversor, que se comunica com a rede elétrica e transforma a energia fotovoltaica para os padrões da concessionária. A chuva não impede o funcionamento, pois não é exatamente com a luz solar direta ou calor que as placas trabalham. Mesmo no inverno, a redução de capacidade de geração de energia, num dia nublado ou chuvoso, é de 60%. Por enquanto, explica Daniel, ainda falta legislação estadual que possa até mesmo remunerar quem produz a energia fotovoltaica, mas muitos estados brasileiros já possuem regulamentos que ao invés de ainda cobrar quem produz essa forma de energia, devolve 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ENERGIA LIMPA

Andreas Fenzl e Daniel Bentes fundaram a startup Ensolaris, que produz placas solares sob encomenda


OPORTUNIDADES VERDES

Áreas potencialmente sustentáveis FONTES RENOVÁVEIS Soluções em novas fontes de energia, como energia solar e biodiesel, recursos que podem gerar mais que economia interna: podem dar lucro; CONSULTORIAS Prestação de serviços especializados de consultorias personalizadas para construir os pilaPRODUÇÃO REGIONAL

Fábrica da Natura em Benevides. Produtos industrializados com elementos amazônicos e em respeito às comunidades.

res da sustentabilidade dentro da empresa; CAPTAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS Há formas de reaproveitar água da chuva ou das próprias torneiras e aparelhos de ar condicionado para reduzir os gastos com água; RECICLAGEM O reaproveitamento de resíduos pode formar diversos subprodutos e mercadorias para empresas diversas, além de diminuir a quantidade de lixo no ambiente; DESIGN E ARQUITETURA Imóveis que aproveitem melhor a ventilação e a iluminação natural geram economia de muitos recursos e bem-estar aos trabalhadores. Pode incluir o uso de tecnologias de captação de energia e recursos hídricos; EMBALAGENS BIODEGRADÁVEIS Produção de embalagens diversas - sacolas, caixas, potes, entre outros - que possam sem reaproveitados ou se decomponham, naturalmente, sem prejuízos ao meio ambiente; CONSTRUÇÃO CIVIL Obras que gastam pouca energia, pouca água e usam produtos ecologicamente corretos; PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA Produtos orgânicos e que preservam o meio ambiente com técnicas sustentáveis; LIMPEZA De qualquer segmento, do doméstico ao automotivo, há produtos menos agressivos ao meio ambiente, formas de economizar água.

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em dinheiro ou crédito em energia com abatimento direto nas contas, que depois permitem usar o sistema normal sem custos. No Pará, ainda se paga para produzir energia fotovoltaica, mas praticamente só a taxa mínima da concessionária e os impostos. “Esperamos que, num futuro próximo, esse tipo de tecnologia seja ainda mais acessível, usada em comunidades inteiras e remunere quem gera energia. Se pagamos por Belo Monte, por que não remunerar quem gera energia limpa e renovável?”, opina Daniel.

MAGNETISMO

CERTIFICADO PELO ICMBIO

Eduardo Arima criou o Bio Magnetizer, um pequeno sistema de ímãs que melhora a eficiência energética de combustíveis em geral

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Há 17 anos, Eduardo Arima, fundador da Ytchie Comércio de Peças e Acessórios LTDA., criou o Bio Magnetizer, um pequeno sistema de ímãs com um intuito de melhorar a eficiência energética de combustíveis diversos, mas com uma série de outras funções alimentares e higiênicas baseadas nas tecnologias de magnetismo que alguns japoneses cultuam. O produto se mostrou tão eficiente que ganhou uma certificação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no ano passado. Várias instituições fizeram testes no produto e comprovaram a eficiência e a economia gerada em combustíveis diversos, como o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat). Quando a peça é acoplada à mangueira de combustível de um automóvel, a queima de combustíveis é melhor devido à organização do f luxo de moléculas, explica, Arima. O resultado disso é uma economia de pelo menos 15% no gasto de combustível, ga nho


ESVERDEANDO O NEGÓCIO Como tornar o empreendimento mais sustentável E-COMMERCE

NEGÓCIO SOCIAL

Lojas virtuais têm sido cada

Ser um negócio inserido

vez mais procuradas pelos

numa comunidade, aprovei-

consumidores devido aos

tando mão de obra e forne-

preços mais baixos, conquis-

cedores das comunidades e

tados após tornar desneces-

cooperativas.

sário espaço físico e reduzindo gastos em energia elétrica,

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

água, impostos.

Contratar consultorias que possam levar à conquista de

SUSTENTABILIDADE

certificações e licenciamen-

EM CADEIA

tos corretos, com monitora-

Grandes empresas que ditam

mento constante.

ou absorvem regras e padrões sustentáveis de produção em

FEMINIZAÇÃO DA ECONOMIA

toda a cadeia, de fornecedores

A participação feminina,

a compradores e lojas.

reconhecidamente, melhora a gestão, economia de recursos

de quatro a cinco cava los de potência no motor, redução da f uligem emitida em 80% e melhor aproveita mento do óleo do motor. “Vá rias empresas de tra nsporte já usa m o Bio Magnetizer e comprova ra m a economia. Agora esta mos experimenta ndo em outros segmentos, como cozinha. Notamos que numa mangueira de gás de cozinha, a economia de gás chega a 30% e a temperatura do fogo aumenta “, afirmou. O sistema tem uma va lidade mínima (apenas referencia l) de cinco a nos, mas a v ida útil de um ímã é v irtua lmente inf inita, já que a perda é de 1% a cada 150 a nos. Custa R$ 300 por peça. A rima só la menta que mesmo com ta ntas certif icações e comprovações da economia os projetos sempre são recusados nos próprios órgãos públicos, que os aba liza m. “Se

ESSÊNCIA AMBIENTAL Produção em larga escala de sabonetes com insumos amazônicos

fa la ta nto em preser vação do meio a mbiente, em redução de gastos e o que fa lta pa ra abraça r essas e outras tecnologias “, questiona. Renata Puchala, do Programa Amazônia da Natura, destaca outras dificuldades para negócios verdes: “Marco Legal que restringe a inovação e prejudica o ‘time to market’ (tempo entre produção e comercia l i zação); fa lta de i ncent ivos e subsíd ios f isca is aos produtos verdes; e fa lta u ma agenda naciona l que pr ior i ze a i novação apl icada a novos negócios a pa r t i r de todo o potencia l da sociobiod iversidade, aos moldes do que foi feito com a ag roi ndúst r ia há a lg u mas décadas”, conclu i.

RECOMPENSAS CLIMÁTICAS

e implementação de ideias,

Produzir sem agredir o meio

além de gerar igualdade

ambiente com a queima de

de gênero e diversidade no

combustíveis, emissão de

mercado.

poluentes, uso de químicos pesados, emissão de gases e

VANTAGEM COLABORATIVA

desmatamento.

Criar uma rede de fornecedores de produtos e

ECOEFICIÊNCIA

serviços adequados com a

Reciclar, ao máximo, os resídu-

filosofia da sustentabilida-

os produzidos

de e colaborar de maneira geral para os benefícios

TALENTOS VERDES

mútuos de cada um nos

Contratar profissionais

resultados.

qualificados em soluções para tornar o negócio ambiental e

SUSTENTABILIDADE

economicamente sustentável

INTERIOR

ou investir na formação desses

Cuidar dos funcionários da

talentos dentro da empresa.

empresa com zelo pela saúde e lazer para aumentar a produ-

ECO-DELIVERY

tividade.

Logística de distribuição e atendimento usando veículos

BRASILIDADE

de combustíveis limpos e eco-

Usar marcas nacionais e locais

logicamente corretos, como

(estaduais ou municipais) é

veículos elétricos, bicicleta ou

uma forma de colaborar com

movidos a biocombustíveis,

a economia nacional, mas dar

que podem ser gerados na

espaço e preferência a marcas

própria empresa.

de negócios verdes.

FONTE: SEBRAE JUNHO DE 2016

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COMUNIDADE

Uma aula no mangue

CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

Moradores da Ilha de São Miguel, no nordeste paraense, trocam experiências com pesquisadores sobre educação, meio ambiente e coleta de caranguejo TEXTO JOÃO CUNHA

Q

uem gosta, conhece. O “caranguejo de São Caetano”, como a “farinha de Bragança”, é sinônimo de qualidade nas feiras e mercados do Pará e Brasil afora. Menos sabido é de onde vem a maioria desses crustáceos: a ribeirinha Ilha de São Miguel, distante uma hora de barco da sede de São Caetano de Odivelas, no nordeste do Estado. A comunidade de 80 famílias é a verdadeira “manguetown amazônica”, com 46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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95% da população ativa trabalhando na extração de caranguejos. Quem não é caranguejeiro, depende de forma indireta da atividade econômica e do mangue, seu habitat natural. “Mas isso é tão valioso que eu não consigo calcular”, diz Salomão Maia, caranguejeiro experiente da ilha. Ele foi um dos participantes do curso “O Manguezal tem preço?”, atividade de educação ambiental do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Em pleno

feriado prolongado de Tiradentes, em abril, Salomão e mais 30 moradores de São Miguel se uniram a uma equipe de cientistas e educadores para falar e compartilhar conhecimentos sobre preservação e gestão do manguezal como um patrimônio. “O nome ‘O Manguezal tem preço?’ é uma provocação sobre o valor desse patrimônio” explica a coordenadora do Serviço de Educação (SEC) do Museu Goeldi, Lúcia Santana. “O


GLOSSÁRIO DO MANGUE

O que dizem os caranguejeiros no local de trabalhho Andança/andada - Fenômeno da saída dos caranguejos para o acasalamento ocorrido entre os meses de dezembro a março Ataíde - Figura mitológica em forma humana coberto de lama e possuidor de órgão sexual avantajado com o CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

qual laça, imobiliza e violenta aqueles que exploram os manguezais de forma predatória. É conhecido, principalmente, no município de Bragança. Condessa/condurua - A fêmea do caranguejo (Ucides

cordatus) que, segundo estudos, pode produzir de 64.000 a 195.000 ovos por vez. Defeso - Lei estadual nº 6.082 de dezembro de 1997 que proíbe a captura do caranguejo na época do acasalamento, isto é, durante a “andança” ou o “sauatá”. Laço - Método de captura do caranguejo que consiste na colocação de um laço na entrada do buraco no qual o caranguejo é apanhado quando sai para se alimentar. Manguezal/mangal/mangue - Sistema ecológico que CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

ocorre especialmente nas baías de águas paradas e nas desembocaduras de rios situados nas regiões intertropicais possuidor de fauna e flora próprias, sendo o mangueiro a árvore típica e o caranguejo o animal mais conhecido desse sistema. Sauatá - Derivado do termo “sair ao atá”, do português arcaico, com o sentido de “sair à toa”, a esmo. – Fenômeno ocorrido entre os meses de dezembro a março quando os caranguejos deixam as tocas para o acasalamento, isto é, saem à toa e são presas fáceis dos predadores. Também dito suatá, soatá ou sonata. Tapa/tapagem - Método usado na captura do caranguejo que consiste em “tapar”as tocas dos caranguejos, forçando-os a se aproximarem da entrada em busca de ar, facilitando a sua captura. Tijuco - Do tupi ti´yug, “líquido podre” – Lama fétida devido o apodrecimento de matéria orgânica (folhas, principalmente) no leito dos igarapés e manguezais. (Fonte: “A Vingança do Ataíde em favor do Manguezal” do escritor Juracy Siqueira)

curso atendeu uma demanda da comunidade sobre o entendimento de alguns conceitos sobre a política ambiental, sobre a discussão do mangue como um bem coletivo e ressaltou o papel da gestão nesta área”, diz.

RESERVA EXTRATIVISTA?

Esses temas são estratégicos para São Miguel. Em 2014, a comunidade passou a fazer parte da Reserva Extrativista (Resex) de Mocapajuba, uma área com aproximadamente 21.029 hectares batizada assim em homenagem aos três principais rios que banham a região: Mojuim, Maruimpanema e Mocajuba. As Resex são categorias federais que existem, de acordo com o Insti-

APRENDIZAGEM NO MANGUEZAL

A extração de caranguejo garante a renda mensal de 95% das famílias da ilha de São Miguel. Acima, a antropóloga do Museu Goeldi, Graça Santana, entrega certificado aos participantes do curso de educação ambiental promovido pela entidade

tuto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), para “assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e proteger os meios de vida e a cultura das comunidades tradicionais extrativistas da região”. Só que, dois anos depois de criada, poucos moradores de São Miguel sabem o que é e como funciona uma reserva. “Tem gente aqui que nunca ouviu falar dessa Resex”, fala a estudante Adriane Costa. “Os nossos professores da rede municipal não têm conhecimento suficiente do que é JUNHO DE 2016

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COMUNIDADE

CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

a Resex para tratar em sala de aula, a Secretaria de Educação não tem esse conceito, do que nós somos, do que São Caetano é hoje”, complementa Miriam Luz, professora da única escola em São Miguel. Para comunicar esses e outros assuntos, repletos de siglas, regras e desdobramentos importantes para São Miguel, os ministrantes do curso optaram por uma linguagem descomplicada: jogos e atividades educativas, teatro, poesia, música, além de rodas de conversa sobre a Política Ambiental no Brasil e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que inclui as Resex. “Tudo o que eu estou aprendendo aqui, eu vou conversar com as pessoas da ilha”, disse a estudante Edivany Rodrigues, ao fim de um dia de curso. “A 48 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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gente tem que cuidar do que é nosso”. Um dos desafios dos habitantes de São Miguel e de toda a área da Resex de Mocapajuba é a criação de um Conselho Deliberativo, junto com representantes de órgãos públicos e organizações da sociedade civil, para administrar os rumos da unidade de conservação.

CRUZANDO O RIO

“Não esquece o óleo”, adverte o caranguejeiro Olivan Rodrigues, enquanto vai passando de mão em mão a garrafinha cheirando a diesel. O óleo na pele é uma santa proteção contra os maruins (também conhecidos como mosquitos-do-mangue) que, depois dos caranguejos, são os animais que mais proliferam no solo barrento dos arredores de São Miguel. Em um sábado de manhã, o barco

CONHECIMENTO COMUNITÁRIO

O cientista ambiental Cezar Filipe fala à comunidade sobre a fauna local no curso “O Manguezal tem preço?”

de Olivan cruzou o Rio Mocajuba, transportando a turma do curso “O Manguezal tem preço?” em direção ao Porto do Tatu para uma aula prática no mangue. No último dia de curso, as paredes da escola foram substituídas pela sombra dos tinteiros e mangueiros, as árvores típicas da zona costeira do manguezal. Nesse ambiente, os mestres são Olivan, Salomão Maia e outros caranguejeiros, que deram uma aula sobre a lida e as técnicas de extração dos crustáceos. “Tá vendo essa pequena aqui? É uma fêmea”, mostra Olivan, segurando en-


CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

PRESERVANDO O AMBIENTE

O caranguejeiro Olivan Rodrigues (foto acima) retira resíduos de lixo do beiradão de São Miguel. Conscientização ambiental também fez parte do curso, que também fez os comunitários conhecerem outras espécies animais. Participante mostra um exemplar de caranguejo-fêmea, a “condessa”.

CEZAR FILIPE/MUSEU GOELDI

tre as mãos um espécime de caranguejo-uçá. “A gente tem que deixar as condessas (caranguejos-fêmeas) em paz, no mangue, pra elas reproduzirem e a gente garantir os caranguejos da próxima temporada”, ensina. Entre dezembro e março, em São Caetano vigora o defeso, período que marca a saída dos caranguejos das tocas para o acasalamento e quando a extração no mangue é proibida. Naquele sábado, meados de abril, a atividade está de volta a todo vapor e Seu Salomão demonstra como tirar o animal no “laço”, tecnologia das mais usadas pelos caranguejeiros. “O segredo é armar o laço bem ‘rente’ à toca do bicho, amarrar a linha nos dois lados com os gravetos, assim quando ele for sair, já era”, fala em meio a um sorriso, ao mesmo tempo em que retira um caranguejo grande da armadilha. “A profissão do caranguejeiro muitas vezes é menosprezada dentro da própria comunidade”, aponta a professora Miriam. “Esse momento foi especial porque colocou o trabalhador do mangue na posição central, mostrando que ele é importante”. A antropóloga Graça Santana, uma das organizadoras do curso, acrescenta. “A dinâmica no mangue ajuda a debater in loco as questões de preservação ambiental, as características de cada técnica de tirada do caranguejo e suas vantagens e desvantagens para o meio ambiente para mostrar que esses conhecimentos têm valor. Que no mangue tem história, economia, cultura e educação”. O curso “O Manguezal tem preço” é uma das etapas do “Projeto Valoração Econômica dos Usos Diretos e Indiretos do Ecossistema Manguezal em São Caetanos de Odivelas – PA”, coordenado pela pesquisadora e engenheira agrônoma do Museu Goeldi, Maria de Nazaré do Carmo Bastos. Essa é a primeira iniciativa de educação ambiental da instituição em 2016, que planeja mais atividades na área ainda esse ano.

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SUSTENTABILIDADE

Do solo amazônico para o mundo CLAUDIO TAVARES/ISA

Com a produção, coleta e gestão comunitária, a Rede de Sementes do Xingu planta as bases para o reflorestamento da Amazônia TEXTO JOÃO CUNHA

"Y

Ikatu Xingu”, diz o povo Kamaiurá, um apelo e chamado de alerta e ação que na língua portuguesa se traduz “salve a água boa do Xingu”. É esse o nome de uma campanha, iniciada em 2004, que trabalha na recuperação e proteção das nascentes e cabeceiras do Rio Xingu. Na época, e ainda hoje, o desmatamento das áreas do entorno e o assoreamento eram grandes preocupações de quem vive e trabalha na extensão do rio, que atravessa os estados do Mato Grosso e do Pará. Recuperação ambiental aliada à realidade sociocultural da região foi a fórmula seguida pela campanha Y Ikatu Xin50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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gu, uma iniciativa conjunta de diversos setores sociais, entre eles populações indígenas, pequenos agricultores, agropecuaristas e organizações da sociedade civil. “Como a prática da agricultura mecanizada é dominante na área, começou-se então o desenvolvimento tecnológico de adaptar as máquinas que plantam soja e capim para plantar floresta”, conta Rodrigo Junqueira, analista de uma das organizações envolvidas na campanha, o Instituto Socioambiental (ISA). “Para fazer esse projeto você demanda bastante sementes, uma quantidade significativa delas”. Desse movimento, surgiu a “Rede de

Sementes do Xingu”. Fundada em 2007, o objetivo original foi fornecer sementes para recuperar áreas degradadas e, ao mesmo tempo, gerar renda para as famílias extrativistas que habitam as terras do Xingu. O projeto ganhou identidade e vida própria e atualmente é uma associação que abrange 420 coletores da floresta, em um processo que já movimentou RS 2 milhões para essas famílias. Cerca de 130 toneladas de sementes já foram comercializadas, recuperando em torno de 3 mil hectares espalhados pelo bioma do Cerrado. Nos últimos anos, a Rede de Sementes do Xingu está se desenvolvendo no lado


CLAUDIO TAVARES/ISA

paraense do Rio Xingu. As atividades ocorrem em um mosaico de áreas preservadas de 4 milhões de hectares na Terra do Meio. A região no sudoeste do Pará, marcada por confl itos fundiários, reescreve sua história com a produção de sementes nativas e o beneficiamento de produtos da floresta nas Reservas Extrativistas (Resex) de Riozinho do Anfrísio, Iriri e Xingu e nas Terras Indígenas (TIs) Xipaya, Kuruaya, Cachoeira Seca e Xikrin do Cateté. “O foco do trabalho é junto às comunidades extrativistas e mais recentemente com as comunidades indígenas que têm procurado as sedes das associações extrativistas e se integrado ao projeto”, diz Marcelo Salazar, técnico do Programa Xingu do ISA, que dá suporte logístico e técnico à Rede de Sementes.

PROCESSO NATURAL

A economia das sementes está na mão de 420 coletores no Xingu. As sementes coletadas passam por um processo de seleção e análise antes de chegarem ao mercado. In natura, em farinha, óleo ou azeite, a Rede de Sementes do Xingu oferece uma cesta de produtos da floresta.

DIVULGAÇÃO

A primeira fase da produção de sementes é a coleta. Os coletores, viventes e conhecedores da mata, colocam na prática a sua experiência de vida para identificar e selecionar as áreas com o monitoramento da floração e frutificação das espécies. O trabalho é feito majoritariamente no núcleo das famílias. A partir daí as sementes são manejadas e passam por uma análise de qualidade até chegar aos pontos de armazenamento e distribuição, localmente conhecidos como “cantinas”. “Na Terra do Meio existem 17 cantinas, que são entrepostos comerciais espalhados no território e que recebem os produtos, que já tem preços pré-definidos entre os produtores. As cantinas fazem a distribuição dos produtos, o armazenamento e o transporte”, explica o técnico do ISA. O produtor pode receber o pagamento em dinheiro ou em mercadorias que constam na cantina, sistema que, segundo afi rma Rodrigo Junqueira, rompe com os velhos esquemas dos “regatões”, controlados pelos patrões e que imperaram no

CLAUDIO TAVARES/ISA

ECONOMIA DAS SEMENTES

CLAUDIO TAVARES E RAPHAEL MAURO/ISA


SUSTENTABILIDADE

a sua propriedade adequada e recupere as beiras e nascentes de rio e para estabelecer um microclima na sua propriedade para que não falte água e para a boa produtividade do sistema produtivo, seja ele agricultura, pecuária, ou outro”, explica o analista. CLAUDIO TAVARES/ISA CLAUDIO TAVARES/ISA

CUIDADO PELA TERRA

A Rede prioriza o trabalho das famílias que habitam as margens do Rio Xingu. O trabalho não para na coleta, produtores beneficiam as matérias-primas da floresta.

interior da Amazônia dos séculos XIX e XX. “Com o advento dessas cantinas, você consegue estabelecer relações comerciais mais justas, em que todo mundo que faz parte dessa história participa disso, desde o comunitário aos governos locais e as empresas fazendo acordos que sejam favoráveis a todos”. A gestão de cada cantina é feita por extrativistas ou indígenas aprovados pelas comunidades que estão no entorno. Rodrigo, que também é coordenador do Programa Xingu, ressalta que, além de ser uma alternativa socioeconômica para os coletores da região, a produção da Rede de Sementes promove a diversidade e o conhecimento sobre a floresta. 52 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Saber para preservar. “Essa iniciativa fomenta o conhecimento de outras espécies do rico acervo da Amazônia e do Pará e que a população pouco conhece. Por não conhecer você não valoriza e não planta”, diz. Unindo Pará e Mato Grosso, a Rede trabalha com uma variedade de cerca de 70 espécies, cujas sementes vão ser direcionadas desde pequenos viveiros até para o replantio de grandes espaços desmatados por atividades econômicas. “Todo ano, em média, nós temos 50 compradores, desde os menores até os maiores, movimentam a rede de sementes. O reflorestamento não dá lucro direto, mas é fundamental para que você torne

CESTA CHEIA

A Associação Rede de Sementes do Xingu deu um novo passo em direção ao desenvolvimento e autonomia com a transformação das matérias-primas, em um processo de beneficiamento dos produtos dentro das próprias comunidades. Dentro da Reserva Extrativista do Iriri, funciona uma das miniusinas da floresta, onde são armazenados, secados e embalados o babaçu e a castanha-do-pará. Além deles, a copaíba, a andiroba e a borracha são os carros-chefes dessa economia no coração da Terra do Meio. O Instituto Socioambiental calculou que, em 2014, 2.040 caixas de castanhas foram colhidas nas três Resexs da região. No mesmo período, a extração de borracha no território totalizou quatro toneladas enquanto que a de copaíba chegou a 1,2 toneladas. A produção, que forma uma cesta de produtos da floresta, tem destino certo. Embalada e pronta para o consumo, ela circula por Altamira, São Paulo e outros mercados no Brasil e afora que sabem da importância de comprar itens feitos com baixo impacto para a natureza e responsabilidade social. “O comprador final que reconhece o que significa comprar esse produto de uma reserva com populações tradicionais que fornecem um produto com qualidade e procedência garantida, que contribui com a preservação da biodiversidade no Pará e que é uma fonte de renda importante para a sustentabilidade e dignidade dessas pessoas”, destaca Rodrigo Junqueira. Para se informar mais sobre o funcionamento da Associação Rede de Sementes do Xingu, fazer um pedido de sementes e saber como ter acesso aos demais produtos, acesse o endereço w w w.sementesdox ingu.org.br


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO FERNANDO SETTE

PENSELIMPO

Senhor teatro NAZARENO TOURINHO ESCREVEU SEU NOME NA DRAMATURGIA DO PARÁ

PÁGINA 54

LEGISTA

RECICLAGEM

O médico Renato Chaves foi pioneiro na medicina investigativa no Pará. Hoje, dá nome ao Centro de Perícias estadual . PÁG.60

Aprenda a fazer um efeite de temática junina para aproveitar o período de festas folclóricas em todo o Estado . PÁG.63

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PAPO DE ARTISTA

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Mr. Tourinho UM DOS PRINCIPAIS NOMES DO TEATRO PARAENSE, NAZARENO TOURINHO, AOS 80 ANOS, SE CONSIDERA UM AMANTE DA BELEZA E DEFENSOR DO PAPEL SOCIAL DA ARTE NA FORMAÇÃO DO SER HUMANO TEXTO ANA PAULA MESQUITA FOTOS FERNANDO SETTE

D

eixando clara a paixão pela dramaturgia, Nazareno Tourinho, dramaturgo conhecedor de filosofia, de origem humilde, não deu brecha ao desâmino. Na primeira oportunidade, buscou todo conhecimento que podia em diferentes culturas e visões de mundo que, certamente, lhe ajudaram a construir suas obras teatrais. Nazareno é autor de 14 peças teatrais, sendo sete suas principais obras - Nó de 4 Pernas, Severa Romana, O Herói do Seringal, Amor de Louco Nunca é Pouco, Fogo Cruel em Lua de Mel, Lei é Lei e Está Acabado e A Greve do Amor -, algumas

premiadas, e reunidas num livro organizado pela pesquisadora e doutora em Letras Bene Martins, “Peças Teatrais de Nazareno Tourinho”. Hoje aos 80 anos, ele foi um dos primeiros a compor dramaturgia regional, com uma linguagem tipicamente paraense. Suas obras, como ele mesmo diz, são sóbrias e ricas em história devido às intensas pesquisas. Revolucionário, sempre acreditou em uma dramaturgia engajada. Tanto que criou o Teatro Adulto de Belém Adulta (TABA), na década de 60. A intenção, segundo Tourinho, era criar um trabalho sério e de cunho regional, preocupado com a beleza estética e a informação da verdade.

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PAPO DE ARTISTA

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Quando foram os seus primeiros contatos com a literatura e a dramaturgia? Nasci em uma família muito pobre. Durante minha infância, vivi em uma barraca de palha, pedindo resto de comida para podermos almoçar ou jantar. O meu pai estava desempregado e não pude ter boa escolaridade. Descobri um vizinho negro, leproso, que tinha livros e me emprestava. Eu lia porque sempre gostei de ler e não podia estudar em escola. A filosofia abriu a minha inteligência para todas as áreas do conhecimento humano, para a literatura em geral. Muito cedo, comecei a ler poesia, romance. Depois, por sorte, conheci um cearense que era do teatro e que convidou para participar de um grupo. Com eles, apresentei peças em igrejas e nas ruas. Foi aí que comecei a ler sobre a arte cênica, teatro. Tive a ideia de ir para a redação [de jornal], já que não pude estudar. Até hoje sou autodidata. Nem terminei o segundo grau. Ia para Folha do Norte à noite e pedia para os repórteres, para deixar ajudar na redação porque eu queria aprender. Isso começou a me abrir portas e me colocar em contato maior com a literatura e, consequentemente, com a dramaturgia. Como o senhor se tornou dramaturgo? Sou e me identifico como artista. Meu temperamento, minha estrutura e minha inteligência são de artista. Amo ser artista. A função da arte é criar o belo. A arte tem que ser autotélica, ser independente de qualquer ideologia, da ciência, religião e política. O artista precisa amar a beleza com uma paixão potencializada infinitamente. O artista é um sonhador. Vive a sua fantasia, sua criação, seu mundo imaginativo. Por quê? De todas as artes, o teatro é a única que abriga todas as outras, pois dá abrigo à música, literatura, dança, pintura... Tudo cabe no teatro. No âmbito do teatro, a dramaturgia é aquilo que eu escolhi. Dentre todas as artes, o teatro é o único que tem duas características que me interessam: o teatro abriga todas as outras artes e o teatro está na natureza humana. Todos nós somos atores que representamos nesse palco do destino. O teatro

EXPERIÊNCIA

Nazareno Tourinho acumula histórias e premiações em sua carreira como dramaturgo

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PAPO DE ARTISTA

está na natureza. A dramaturgia é a alma do teatro. É a palavra. Escrita. As palavras vão e o vento leva, mas a escrita fica, é documento. O documento que faz história. E a história é coisa mais importante de um povo. Um povo sem história é um povo sem alma, e sem alma é um povo sem futuro. A alma da vida artística está na palavra. As palavras são o espelho do pensamento. E só as palavras é que mudam a vida para melhor. A gente constrói o bem da humanidade com a palavra. Sonho em ser dramaturgo porque amo a arte inserida na escrita, palavra e teatro. Como o senhor entende a importância da dramaturgia e teatro para a sociedade? O teatro é um templo onde se debate as ideias, assume a crítica dos costumes e toda a sua história. O teatro sempre foi incômodo, vigiado, proibido. Antigamente só eram atrizes prostitutas e a maioria dos atores era homossexual, pessoas discriminadas, marginalizadas, que por um mecanismo de fuga social procurava o teatro para se expressar. O teatro tem uma marca registrada: é irreverente. O verdadeiro dramaturgo é contra o estabelecido. O estabelecido já está feito e você precisa inventar, transformar, melhorar. Só se faz isso na sociedade humana exercendo a crítica, mostrando o que é injusto. Em qualquer ocasião e na melhor situação, meu negocio é ser oposição. O teatro tem que ser de esquerda, criticar os costumes, ser do contra. A arte deve contribuir para o bem de todos com ética e sem vínculo religioso ou político. Livre. Embora a arte seja livre, deve insistir a serviço do bem da humanidade: paz, o amor contra o ódio e a verdade contra mentira.

ARTE DO TEATRO

Para Nazareno Tourinho, a dramaturgia é a alma do teatro.

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É possível encontrar essa liberdade no teatro atual? Todos nós somos interdependentes. Tudo depende de alguma coisa. Ninguém vive isolado. A vida é comunhão e solidariedade. Então a liberdade, que é o bem maior da vida, precisa ser conquis-

“O teatro é um templo onde se debate as ideias, assume a crítica dos costumes e toda a sua história. O teatro sempre foi incômodo, vigiado, proibido. O teatro tem uma marca registrada: é irreverente.” tada. Os seres humanos são egoístas, vaidosos e só uma coisa pode resolver esse problema ou ao menos reduzir: a educação. Infelizmente, se confunde educação com instrução, cultura com aquisição de conhecimento e acha-se que as pessoas mais cultas são as mais eruditas. O importante não é tanto ter o conhecimento da erudição, mas como se lida com o conhecimento. Não é só fazer teatro. É o conteúdo dos espetáculos. E liberdade está aí, no conhecimento e de que forma você usa esse conhecimento. Grupos teatrais representaram suas obras tanto no Pará quanto no país. Como o senhor analisa essas representações de suas obras? Tenho um sentimento de gratidão muito grande por essas pessoas. Elas estão dando sentido ao meu trabalho. Sempre procuro tratar bem as pes-


DEDICAÇÃO À ESCRITA Em sua carreira, Tourinho já escreveu 14 peças, 26 livros de filosofia espírita, mais dois livros de poesia e um de trova

soas. Forneço as informações que elas me solicitam. Dou autorização. Assisto às estreias, quando me convidam, prestigio o trabalho. E, como todo autor, eu gosto de ver minhas peças em cena. Só não admito que as adultere. Isto é, dar à peça que escrevi, um sentido oposto. Aí eu reclamo. O senhor tem verdadeira paixão pela dramaturgia, pela arte, e ninguém faz algo que gosta sem um propósito. Diga, com que propósito o senhor fez sua arte para o coletivo? Durante muito tempo ou durante minha vida toda, pensei que escrevia para

melhorar o mundo, a sociedade, para ser útil. Só que agora, já no fim da vida e me preparando para morrer com dignidade, sem sonhos e fantasias, fazendo sincera autocrítica, tenho dúvida se escrevi tanto. Dizem que escritores de valor escrevem pouco, mas escrevem bem, e os medíocres escrevem mal, mas escrevem muito. Posso ter sido um escritor medíocre. Escrevi muitos livros. Foram 14 peças, 26 livros de filosofia espírita, mais dois livros de poesia e um de trova. Estou me questionando para saber, ainda não cheguei a uma conclusão, se escrevi para melhorar o mundo ou se escrevi pela simples razão de que

eu não poderia deixar de escrever. Escrever é minha vida. Não sei viver sem escrever. Minha consciência me diz que eu já escrevi todas as peças que podia escrever, todos os livros que deveria escrever. Penso que as minhas peças são importantes pelo que são. O que fica é a obra em si. A obra de arte vale por si mesma, não pelo seu autor. Eu não fiz concessão na minha dramaturgia. Sempre fui fiel ao meu pensamento e nunca escrevi peça com intenção comercial. Não apelei para o mau gosto. Sempre fiz um teatro de meio tom, sóbrio, para ser pensado. Não procurei sucesso. Estou muito em paz comigo. JUNHO DE 2016

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Homem da ciência na BELÉM ANTIGA TEXTO ORLANDO CARDOSO ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Renato Chaves 1890-1929


O

século XIX ficou conhecido como a Era da Ciência, porque, naquela época, se considerava que muitas das obscuridades que resistiam desde a Era das Trevas, como também era chamada a Idade Média, seriam finalmente superadas pelo conhecimento e pelo método científico. A filosofia e a política eram influenciadas por esse desejo de esclarecer os mistérios e os segredos do mundo, ultrapassando superstições, rumo ao progresso, que levaria a humanidade a um destino glorioso. Depois, com o advento das Guerras Mundiais, se soube que a tecnologia também poderia causar morte e destruição como nunca antes vistas. Mas, ao menos naquela virada para o século XX, o sonho da redenção da Humanidade pela ciência era muito palpável. Foi nesse cenário que nasceu, em 3 de janeiro de 1890, em Santarém, no oeste do Estado, um paraense que seria, em sua época, um sinônimo de saber e civilização: o médico Renato Chaves, hoje famoso por dar nome ao Centro de Perícias Científicas, em Belém, onde estão as estruturas do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico Legal do Pará. Renato Chaves já era conhecido e famoso na capital paraense, no início do século XX. Depois de estudar Medicina no Rio de Janeiro, voltou ao Pará para ingressar, por volta de 1910, na carreira de Medicina Legal, quando houve uma reestruturação na área policial, que criou o setor de perícia médico-legal, que lhe coube dirigir. Em 1912, participou de um congresso policial em São Paulo, no qual defendeu a importância da perícia, ou seja, da ciência, na investigação policial. Sua defesa da existência de cursos regulares de perícias nos estados foi brilhante e esses cursos, de nível técnico, foram implantados no restante do país. “Isso influenciou todo o Brasil, porque naquela época não havia cursos regulares de perícia, só cursos esporádicos, e a defesa dele de que teria que haver um aprimoramento constante dos exames policiais mudou isso”, explica o perito criminal e professor de Educação Artística João Alberto Lurine, que, em sua especialização sobre Patrimônio Histórico e Cultural do Pará, pesquisou sobre os primeiros laudos emitidos pelo Instituto Médico Legal, no início do século XX, e resgatou parte da história

do médico Renato Chaves, que foi professor de Anatomia Humana da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará e um dos fundadores da Sociedade Médico Cirúrgica do Estado. Naquela época, a datiloscopia ou papiloscopia, processo de identificação humana por meio das impressões digitais, para fins judiciários, era uma das novidades da ciência, após a descoberta, no final do século XIX, de que cada ser humano possuía uma assinatura digital única nas pontas dos dedos. Também naquele início do século XX, havia chegado a Belém a febre do estudo dos fenômenos mediúnicos, que era também uma forma de tratar de maneira científica até mesmo as supostas manifestações do além. Dos Estados Unidos à Europa, se tentava provar, desde o final do século XIX, que era possível a comunicação com os mortos e a manifestação, no mundo real, dos “fantasmas”, materializados em seus ectoplasmas, que, segundo a parapsicologia, é a substância visível considerada capaz de produzir materialização do espírito. Por isso, Renato Chaves foi chamado para comprovar se a incorporação de uma médium em Belém era real e se, nesse caso, as impressões digitais do “fantasma” também substituiriam as da médium. João Lurine estudou a repercussão na época e conta que, talvez, intimidada pela presença do médico, a médium não obteve a incorporação. Em outra ocasião, na presença de outro médico, amigo de Renato Chaves, ela finalmente recebeu o espírito esperado, e se pôde constatar que suas impressões digitais não mudavam, nem eram substituídas pelas do “fantasma”, quando incorporada. Mas o ápice de sua atuação em favor da saúde em Belém se deu a partir de 1921, com a criação da Diretoria do Serviço Médico Legal, de Identificação e de Assistência Pública do Estado do Pará. Neste órgão, estava o embrião não só do hoje Centro de Perícias Científicas, como da própria assistência médica pública em Belém, pois a chamada “Assistência”, em que a população buscava atendimento, era a origem do hoje Pronto Socorro Municipal de Belém. Em 1929, Renato Chaves morreu com apenas 39 anos, devido a uma crise de angina. Deixou a esposa grávida, que deu à luz um menino, Luiz Chaves, que se formou pela Faculdade de Medicina do Pará, em 1953. MAIO DE 2016

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AGENDA DIVULGAÇÃO

NUTROLOGIA Seguem até setembro as inscrições para o 2º Congresso Brasileiro e 5º Simpósio Internacional de Nutrologia Pediátrica, que serão realizados de 28 de setembro a 1º de outubro, em Belém. Trabalhos podem ser inscritos até o dia 31 de julho. Já estão confirmados diversos nomes nacionais e internacionais. A programação preliminar conta com conferências e mesas redondas sobre guia alimentar, monitorização do crescimento pós-natal de recém-nascidos, anemias carenciais, entre outros temas. O site do evento contém informações sobre inscrições, envio de trabalhos e convidados. Para saber mais, acesse www.nutroped2016.com.br.

PRÊMIO Estão abertas até o dia 22 de junho as inscrições para o Prêmio Fapeam de Jornalismo Científico 2016. O edital foi lançado pelo Governo do

LÍBERO LUXARDO

Amazonas, por meio da Fundação de Amparo

O melhor do cinema francês no Pará

à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). A premiação irá reconhecer trabalhos que te-

Este mês o Cine Líbero Luxardo recebe mais

Agnès Jaoui e Bruno Podalydès. O clássico

nham contribuído para a divulgação e a popu-

uma edição do Festival Varilux de Cinema

escolhido este ano foi o filme “Um Homem e

larização da Ciência, Tecnologia e Inovação nos

Francês. Este ano o festival será realizado de

uma Mulher”, de Claude Lelouch, em home-

meios de comunicação do Amazonas em 2015.

8 a 22 de junho, em 50 cidades brasileiras.

nagem ao 50º aniversário de lançamento. O

As inscrições devem ser feitas por meio de for-

Serão apresentados 15 filmes inéditos e um

romance tem nomes como Anouk Aimée e

mulário online disponível através do Sistema

grande clássico do cinema francês. Alguns

Jean Trintignant no elenco e ganhou a Palma

de Gestão de Projetos da Fapeam (Sigfapeam).

dos filmes inéditos confirmados na programa-

de Ouro em 1966 e o Oscar de Melhor Filme

O edital está disponível no site da Fapeam. O

ção do Festival Varilux de Cinema Francês são

Estrangeiro e roteiro original no ano seguinte.

Prêmio Fapeam de Jornalismo Científico 2016

“Chocolate”, de Roschdy Zem, com o premiado

O Cine Líbero Luxardo fica na avenida Gentil

está previsto para ser realizado em julho des-

ator Omar Sy; “Meu Rei”, de Maïwenn, com Vin-

Bittencourt, 650. Mais informações sobre o

te ano. Mais informações no site www.fapeam.

cent Cassel, Emmanuelle Bercot e Louis Garrel;

festival e a programação completa no site va-

am.gov.br.

e “Um Doce Refúgio”, de Bruno Podalydès, com

riluxcinefrances.com.

ÁREAS ÚMIDAS Nos próximos dias 22, 23 e 24 de junho, será re-

FLAVYA MUTRAN

alizado o III Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas - III Conbrau, no campus da Universidade

Amazônia a exposição “Arquivo 2.0 - Des-

Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá. O

memórias Fotográficas”, de Flavya Mutran.

tema central do congresso este ano é “As Áreas

Com curadoria de Armando Queiroz, a mos-

Úmidas Brasileiras: estado da arte do conhe-

tra apresenta duas séries, “DELETE.use” e

cimento, valoração, riscos e situação jurídi-

“Raster”, resultado da pesquisa de douto-

ca”. Entre os subtemas estão Biodiversidade

rado da artista na Universidade Federal do

das AUs: novas abordagens; Hidrelétricas, mi-

Rio Grande do Sul (UFRGS). A exposição

neração, atividades agropecuárias e AUs na-

“Arquivo 2.0 - Desmemórias Fotográficas”

turais: impactos ecológicos e sociais, custos

fica no Espaço Cultural Banco da Amazônia

e benefícios; Instrumentos para administrar

(avenida Presidente Vargas, 800) até o dia 24

e preservar as AUs; entre outros. As inscrições

de junho. Informações: (91) 4008-3213.

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TARSO SARRAF

Está em cartaz no Espaço Cultural Banco da

podem ser feitas no site conbrau.cppantanal. org.br até o dia 17 de junho.


FAÇA VOCÊ MESMO

Festa junina com material reciclado

Com os palitos de madeira que sobrarem dos churrasquinhos ou milho assado das festas juninas, retalhos de pano usado na confecção das roupas e jornais velhos é possível produzir enfeites para as próximas festas do mês: bonecos de personagens juninos reciclados. Esses enfeites ainda podem ser brindes para as

crianças. Os instrutores das Oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará, mostram como essa arte simples ajuda na decoração do arraial aproveitando o que poderia virar lixo. A produção dos personagens ainda pode ser uma boa brincadeira com as crianças ou atividade escolar.

• Linha de crochê • Tesoura • Palitos de churrasco

Do que vamos precisar?

• Pincel fino • Pincel chato no 08 • Tinta guache vermelho, amarelo, branco e preto • Fita crepe • 1 folha de jornal • Cola branca • Cola de silicone líquida • Agulha e linha • Retalhos de chita

INSTRUTORA: ÂNGELA CARVALHO / COLABORAÇÃO: DILMA TEIXEIRA, COORDENADORA DE ARTES PLÁSTICAS E LUIZA NEVES, TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL FOTOS: IONALDO RODRIGUES

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FAÇA VOCÊ MESMO

4

Faça quatro rolinhos de jornal com as medidas aproximadas de 30 x 16 cm, com a ajuda de um palito de churrasco. Cole a pontinha do jornal com cola branca e retire o palito.

Para formar os braços, reduza o tamanho do rolinho cortando as pontas, dobre ao meio e passe a fita crepe nas extremidades.

7

Para fazer a cabeça amasse e abra o outro pedaço de jornal por 3 vezes, rasgue ao meio e faça uma bolinha, com a fita crepe, cubra toda a bolinha.

10

Para unir os braços, passe cola na dobra do rolinho e passe por trás do pescoço, puxando os braços para frente. Está montado o boneco.

2 5 8 11

Divida o primeiro rolinho ao meio para formar os braços e pernas. Cole as extremidades com cola branca.

Para fazer os pés, corte as extremidades de um dos rolinhos de jornal, amasse de ponta a ponta com as mãos ou com uma régua, dobre ao meio e faça um corte.

Enrole a bolinha com a outra parte do jornal, criando a forma da cabeça e parte do corpo, cubra novamente com fita crepe.

Pinte todo o boneco de branco, depois de cor da pele, misturando vermelho, amarelo e branco. Pinte o sapato de preto.

3 6

Para formar as pernas, dobre um rolinho ao meio e cruze-o, finalizando com a fita crepe.

Quebre dois pequenos pedaços do palito, aproximadamente 4 cm, passe cola em toda a extensão do rolinho, enrole no pedaço de palito, aguarde a secagem apertando com as mãos.

9 12

Para a montagem do corpo, una os pés e pernas ao tronco e cabeça com um pingo de cola, finalizando com a fita crepe.

Vista o personagem com retalhos de tecido, pedaços de revistas, papel pintado, etc. Para o cabelo use linhas de crochê e fitilhos.

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


LEONARDO NUNES

BOA HISTÓRIA

Marajó Ela brinca na terra,

no fundo do quintal amplo com árvores a perder de vista. Observa os patos que andam se balançando e as outras aves. Ela não sabe o nome de todas. A casa é de madeira, tem jirau e debaixo dele um pequeno pântano de limo grosso e verde, onde os bichos ciscam e se beliscam o dia inteiro. É uma terça. Mais tarde tem novena. Ela não entende bem para que serve a reza. Só gosta de olhar as mulheres de terço na mão. Sempre balbucia e engrossa o coro das velhas, que cantam, queremos Deus, queremos Deus, queremos Deus, que é o nosso Pai. Ela não tem mais pai. Ou nunca teve. Mas tem irmãos. Uma escadinha. Ela dá banho nos pequenos na beira do igarapé a mando da mãe, que está grávida de mais um. Não vê na tarefa um estorvo. É uma brincadeira, ela crê.

É terça e ela está de pé no chão, como sempre. A panela fervilha um caldo fino no fogão. Os menores já choram pela comida. A mãe se impacienta com a pressa e o berreiro. A fome dói, mas ela aguarda. Sabe que a canequinha dela será a última a ser enchida e entende a ordem. É uma mocinha, embora seja miúda. De olhos atentos acompanha, cabisbaixa o ritual. Os cabelos negros e lisos, a cor morena, magrinha. Ela pensa mais tarde na reza e canta baixinho um hino decorado. O menor está ainda soluçando enquanto mama, os outros tomam a infusão quente de guti-guti, queimando os beiços. Chegou a vez dela, que também engole veloz o feijão. Não enche a barriga, mas disfarça a dor da fome. A mãe sai e as crianças estão nas redes, na casa sem divisões. Parece um barco, um porta-anjos, que

agora ressonam. A menina fecha os olhos e sonha. Está na escola, como ela quer. Um caderno rosa, uniforme, o cabelo amarrado com chiquinhas. Não sabe como é a escola, mas pensa em crianças vestidas iguais com cadernos e lápis de cor, se divertem em uma gangorra na beira do rio, perto da igrejinha. A mãe volta, apressada. Arruma a menina. Enfia as poucas peças de roupa dela em uma sacola de pano. Saem rápido a pé. Pouco depois, estão no porto, movimentado. Recebe um afago na cabeça e um chocolate. A mãe entrega a modesta bagagem e ela entra no barco com o casal, olhando para trás. Não entende o momento. Vai à capital. A estranha se ajoelha e pergunta o nome dela. Pouco antes de chorar, responde, pensando agora na mãe e nos irmãos. O barco se afasta da ilha e rasga o rio. JUNHO DE 2016

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

A força da ação coletiva

São João da Ponta, município de quase 6 mil habitantes,

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

no Salgado paraense, cercado de manguezais, passou por momentos críticos há algumas décadas. A expansão da “modernidade” trouxe impactos severos à comunidade que se estabeleceu na região adaptando-se às variações da maré, sobrevivendo do que o rio Mocajuba oferecia como subsistência. Pescadores, tiradores de caranguejos e pequenos agricultores se viram numa encruzilhada quando o avanço da urbanização e da exploração predatória começaram a deixar marcas: matas ciliares e bosques derrubados, diminuição na oferta de pescado por causa da pesca com redes e o distanciamento das gerações mais novas do modo de vida e cultura locais. Numa analogia à Tragédia dos Comuns, de Garrett Hardin, o uso indiscriminado dos recursos naturais provocou fissuras não só no desenvolvimento das atividades produtivas, mas na identidade dos pontenses. Mas, com a criação da reserva extrativista marinha de São João da Ponta, a comunidade deu o primeiro passo para o restabelecimento de ações coletivas, empoderamento de atores sociais, capacitação e atenção aos saberes ambientais e culturais. A resex não é protegida somente no papel. A partir de um trabalho intenso de conscientização da população em geral, capitaneado pela Mocajuim – a associação de usuários –, em parceria com a coordenação da reserva, grande parte dos moradores do município e entorno passou a ver a área protegida como parte do seu patrimônio, muito além das cercas dos quintais. A lógica é a seguinte: ninguém pode sobreviver sem os serviços prestados pela

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natureza, e todos os recursos devem ser utilizados de forma sustentável. O objetivo é que todo cidadão nascido em São João da Ponta tenha o direito de escolher se quer viver do mangue. Mas construir o futuro é um trabalho árduo que depende de parcerias. Contudo, a organização da Mocajuim e do ICMBio no município, abriu espaço para o auxílio de diversas organizações não-governamentais e instituições de pesquisa. Um dos projetos de pesca sustentável, por exemplo, tem intercâmbio com o Google. Em breve, os caranguejos tirados na reserva serão comercializados com certificados e identificação QR Code. A adaptação da técnica de transporte por basquetas adaptada pela associação reduziu de 35% para 0,5% a mortandade de crustáceos transportados para outras localidades. As lideranças da comunidade, sempre que falam do futuro, ressaltam o sonho de ver os filhos de São João da Ponta, a geração que nasceu no momento de encruzilhada, no comando do processo de modernização da cadeia produtiva, de agregação de valor, criação de empregos e de manutenção da rica cultura do Salgado. O embrião está em 44 crianças e adolescentes que participam há um ano do projeto Jovens Protagonistas. Alguns deles, que pensam em investir na carreira aprendida com os pais e mães, já receberam o aval para repassar os conhecimentos a outros meninos e meninas de comunidades próximas, inclusive de outros municípios, como Curuçá. Assim, todos podem fazer a diferença. P.S.: Aos amigos da reserva, Mocajuim e do projeto Maré Solidária, muito obrigado pela acolhida.

“A lógica é a seguinte: ninguém pode sobreviver sem os serviços prestados pela natureza, e todos os recursos devem ser utilizados de forma sustentável”


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