Revista Amazônia Viva ed. 57 / maio de 2016

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

MAIO 2O16 | EDIÇÃO NO 57 ANO 5 | ISSN 2237-2962

EDUCAÇÃO INDÍGENAS CONQUISTAM O ENSINO SUPERIOR

A formação de professores da primeira turma de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará garante uma educação formal de qualidade nas aldeias com base no conhecimento tradicional dos povos nativos da Amazônia

GESTÃO VERDE

Programa Municípios Verdes reduz o desmatamento no Pará

CULTURA

O estímulo à economia criativa por trás do Boulevarte 2016

SANEAMENTO

Pesquisadores propõem a reciclagem da rede de esgoto de Belém


Jovens de Belém em concerto Os meninos e meninas da Orquestra Jovem Vale Música voltam a se apresentar em homenagem aos 400 anos da capital paraense. Os concertos integram o projeto Sons da Amazônia patrocinado pela Vale, via Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Venha conferir o talento de jovens da rede pública de ensino de Belém, beneficiados pelo Vale Música. A iniciativa promove o ensino da música, permitindo a profissionalização dos participantes e gerando uma alternativa de renda por meio da música.

Participe do próximo concerto da Orquestra Jovem Vale Música Data: 4/06, sábado. Hora: 20h. Local: Theatro da Paz. Entrada Franca


EKO

Foto: Fernando Sette

Realização

Patrocínio


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA MAIO 2016 / EDIÇÃO Nº 57 ANO 5 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR

Indígena comemora com a família a conquista do diploma acadêmico no curso da Uepa

Indígenas diplomados

FELIPE MELO Editor-chefe

O cantor e compositor Jorge Ben Jor, muito mais do que exaltar a história de amor que envolve o Taj Mahal, as peculiaridades da periferia carioca ou sua devoção a São Jorge da Capadócia, homenageia a cultura indígena brasileira na música “Curumim Chama Cunhantã Que Eu Vou Contar (Todo Dia Era Dia De Índio)”. Em um dos trechos, o artista fala que após o descobrimento do Brasil, os indígenas, antes donos soberanos da “terrae brasilis”, agora só têm um dia - o dia dezenove de abril - para serem lembrados. A constatação de Ben Jor é triste, porém verdadeira. Mas a data, pelo menos no Pará, ganhou um novo significado. Foi no dia 19 de abril do mês passado, durante uma noite de terça-feira quente, que 72 indíge-

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MAIO DE 2016

NAILANA THIELY/ ASCOM UEPA

FORMATURA

nas das etnias Tembé, Gavião e Surui Aikewara participaram, no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, da cerimônia de outorga de grau da primeira turma de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará (Uepa). A diplomação no ensino superior dos professores indígenas foi um acontecimento histórico e um importante passo na conquista dos direitos dessas populações tradicionais do país. Agora, esses professores se tornam portadores da educação formal de qualidade com base nos conhecimentos tradicionais de suas etnias. Um ganho valioso para as aldeias amazônicas, mais de 500 anos após a chegada dos colonizadores portugueses, num tempo em que “todo dia, toda hora, era dia de índio”.

Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho (acervo); Ana Paula Mesquita, Camila Santos, Fernanda Martins, João Cunha, Natália Mello, Orlando Cardoso, Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Akira Onuma, Carlos Borges, Nailana Thiely, Roberta Brandão (fotos); Anderson Araújo, Thiago Barros e Walace Gomes Leal (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar, Leonardo Nunes e Waldez Duarte (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Formatura da primeira turma de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará (Uepa), por Nailana Thiely AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 57 / ANO 5

36

Educação na aldeia

Professores indígenas formados pela Universidade do Estado do Pará vão reforçar o ensino das novas gerações de estudantes dos povos da floresta da Amazônia CAPA

46 50

CULTURA

CINEMA

Artistas como o compo-

O antropólogo e criador

MEIO AMBIENTE

sitor Juca Culatra vão

SANEAMENTO

do projeto “Vídeos na

O secretário extraordiná-

participar do Boulevarte

Liderado pelo professor

Aldeia”, Vincent Carelli, é

rio do Programa Municí-

2016, evento que aborda-

Neyson Mendonça, proje-

um entusiasta do cinema

pios Verdes, Justiniano

rá o conceito de #Cidade-

to de grupo de pesqui-

feito pelos indígenas.

Netto, diz que o governo

PrasPessoas, valorizando

sadores da UFPA mostra

Os documentários se

do Pará está avançando

os espaços públicos com

que os canais da cidade

tornam uma produção

na redução do desmata-

ações ligadas à economia

podem ser reciclados

etnográfica e fonte do

mento no Estado.

criativa em Belém.

com eficácia.

registro na Amazônia.

ENTREVISTA

COMUNIDADE

SUSTENTABILIDADE

PAPO DE ARTISTA

CARLOS BORGES

ROBERTA BRANDÃO

DIVULGAÇÃO

AKIRA ONUMA

32

54

E MAIS 4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 20 22 60 62 63 65 66

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS ARTIGO OLHARES NATIVOS MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

MAIO DE 2016

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NAILANA THIELY/ ASCOM UEPA

MAIO2016


ASMAISCURTIDAS

CINEMA

DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

HERCULES FLORENSE / REPRODUÇÃO

Nós somos agraciados por termos à disposição os cinemas alternativos de Belém. Eu sou assídua frequentadora do circuito “cult” da cidade e a programação dos filmes é primorosa. (“Terra dos cinemas alternativos”, Primeiro Foco, abril de 2016, edição nº 56). Síntia Lemos, Belém-Pará

RECICLAGEM É cada vez mais notório que o problema do lixo na cidade tem solução, bastam boa vontade política e conscientização popular ÍNDIOS MUNDURUKU EM FORMA DE DESENHO

A matéria sobre as iconografias da etnia Munduruku feitas pelo pintor francês Hercules Florense, no século 19, foi a mais curtida em nosso Facebook na edição passada.

para mudar essa situação. As cooperativas de catadores de lixo precisam de mais atenção e apoio. (“Separando o lixo”, Capa, abril de 2016, edição nº 56). Édila Garcia, Belém-Pará

TARSO SARRAF

ALIMENTOS Os alunos do curso de Tecnologia de Alimentos da Universidade do Estado do Pará estão de parabéns pelas pesquisas sobre a aplicação de novos usos dos nossos frutos regionais (“A reinvenção do sabor paraense”, Educação, abril de 2016, edição nº 56). A iniciativa mostra o potencial e a polivalência dos nossos alimentos. Francisco Castelo, Belém-Pará

PIRARUCU Recebi com muito entusiasmo pelos correios um exemplar da fantástica revista Amazônia Viva e gostei muito do conteúdo editorial. EM DIA DE PESCARIA NO NORDESTE PARAENSE

A foto com o maior número de curtidas em nosso Instagram foi a dos pescadores em um dia de trabalho em Bragança, município a 220 km de Belém.

Li a reportagem sobre a preservação dos pirarucus na região Norte e me surpreendi que projetos desse nível são realizados aqui no meu Estado. Eu mesmo não conhecia. Parabéns à revista por levar essas informações à sociedade. (“Gigante vermelho”, Capa, março

CARLOS BORGES

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de 2016, edição nº 55). Sóstenes Pereira, Manaus-Amazonas Para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários,

fb.com/amazoniavivarevista

dúvidas, críticas e sugestões para o email amazoniaviva@orm.com.br ou escreva

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MAIO DE 2016

para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE ABRIL

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


GILBERTO MENDONÇA/ DIVULGAÇÃO

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

As raízes afroamazônicas

MUSEU GOELDI INAUGURA TRILHA ECOLÓGICA QUE CONTA A HISTÓRIA DOS POVOS AFRICANOS NA REGIÃO PÁGINA 8 E 9

CULINÁRIA

TECNOLOGIA

Belém sedia o 14º Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense neste mês. Renomados chefs nacionais e regionais vão participar do evento. PÁG.10

O Laboratório de Tecnologia Assistiva, da Uepa, fabrica órteses e próteses experimentais para pacientes amputados. PÁG.15

MAIO DE 2016

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PRIMEIRO FOCO

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GILBERTO MENDONÇA/ DIVULGAÇÃO

A história das nações africanas na Amazônia pode ser mais conhecida na “Trilha Afroamazônica e seus símbolos”, um roteiro ecológico e cultural do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) que mostra a relação de seis nações da África com a natureza local. Líderes dessas comunidades escolheram os símbolos, cujas representações são explicadas numa aula de história e biologia diferente. A trilha foi inaugurada em abril e já está aberta para visitações, que precisam ser agendadas previamente. O foco do projeto do Serviço de Educação (SEC) e do Núcleo de Visitas Orientadas (NUVOP) do museu são professores e estudantes do ensino médio, gerando mais conhecimento sobre a cultura africana. A lei federal nº 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história e da cultura afrobrasileira na matriz educacional brasileira. O conteúdo, que segue com aplicação deficitária nos currículos brasileiros 13 anos depois, inclui história da África e dos africanos; a luta dos negros no Brasil; a cultura negra brasileira; e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. No Pará, através do Museu Goeldi, a trilha é uma alternativa de aplicabilidade da lei. Pelo País, há vários debates e projetos que buscam essas alternativas para garantir esse conteúdo. Tainah Coutinho Jorge, bolsista de Ciências Sociais do NUVOP e orientanda das professoras Ana Cláudia Silva e Helena Quadros, explica que a intenção da trilha é debater a cultura afroamazônica através de suas representatividades simbólicas dentro do Parque. “A trilha tem como alicerce teórico a etnobiologia. Os grupos visitantes despertam tanto para o conteúdo biológico, do patrimônio natural presente

GILBERTO MENDONÇA/ DIVULGAÇÃO

África na Amazônia

no Parque, quanto para as interpretações culturais dos principais grupos identitários de povos tradicionais de matriz africana da região”, observa. Os símbolos da trilha foram eleitos por representantes de seis nações africanas detectadas pelo Mapa da Cartografia Social dos Afrorreligiosos de Belém, um projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de 2011. Ao longo da trilha, os visitantes conhecerão a árvore Mamorana, escolhida pelo Pai Alfredo, representante da cultura do Tambor de Mina; a Jaqueira, pela Mãe Jocolocy, do Candomblé Jeje Sava-

CONHECIMENTO HISTÓRICO

Líderes de seis nações africanas com comunidades presentes no Pará escolheram símbolos, como plantas existentes na trilha inaugurada pelo Museu Goeldi, cujas representações são explicadas em aulas de história e biologia


GILBERTO MENDONÇA/ DIVULGAÇÃO

REGISTRO AUDIOVISUAL

Um curso sobre a “Trilha Afroamazônica e seus símbolos” resultou num vídeo, que poderá ser usado em sala de aula pelos professores e que está disponível no canal do Museu Goeldi no YouTube

lu; o Dendezeiro, escolhida por Mãe Vanda, Umbanda; O Lago dos Tambaquis, pela referência à água por Mãe Nalva, do Candomblé Ketu; e a Sumaumeira (ou Samaumeira), escolhida por dois líderes, Mametu Nangetu, de Candomblé Angola, e por Baba Tayando, representante da Pajelança. O conteúdo, aponta Tainah, pode ser desdobrado em várias disciplinas. “Quando passamos a conhecer o outro, podemos entender o que há do outro em mim, ou o que há de diverso. Não para irmos contra o desconhecido, com desdém, mas sim para darmos vozes a todos. Somente assim, nos respeitaremos de forma democrática, aliando pesquisa, educação e um entendimento para a construção de cultura mais pacifica,

compreendendo a totalidade de nossas heranças culturais”. Atualmente, a trilha está na fase de aplicabilidade, analisando as reações dos visitantes para entender quais os desafios étnicos-raciais que se apresentam e como superá-los, inseridos no transcurso do projeto. Até agora, somente os professores participaram. “Posso adiantar que a proposta tem sido bem recebida. Estamos aceitando agendamentos”, convida a estudante. Em abril, professores participaram da primeira trilha e fizeram um minicurso para estudar e planejar a aplicação do conteúdo. O curso resultou num vídeo que poderá ser usado em sala de aula pelos professores e que estará disponível no canal do MPEG no YouTube, criando múltiplas ferra-

mentas para o debate do assunto que se desdobra na consciência social e tolerância social e religiosa, principalmente num estado onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 76,7% da população se considera preta ou parda (a maior entre todos os estados brasileiro).

SERVIÇO

As visitas podem ser agendadas no Núcleo de Visitas Orientadas ao Parque (NUVOP), Biblioteca Clara Galvão, do Parque Zoobotânico, que fica na avenida Magalhães Barata, 376. Horário: De 9h às 12h e de 14h às 17h. Ou podem ser agendadas por e-mail para nuvop@museu-goeldi. br, com cópia para acsilva@museu-goeldi.br. Mais informações pelo telefone 3182-3249. MAIO DE 2016

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PRIMEIRO FOCO CIA PAULISTA GOURMET / DIVULGAÇÃO

GASTRONOMIA

Belém sedia festival da cozinha paraense Maio será marcado por mais um Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, que chega à 14ª edição. Este ano, o circuito gastronômico de Belém tem muitos motivos para comemorar, ainda mais depois de ter recebido o título de cidade criativa do setor pela Unesco. Com o tema “Belém: 400 anos de encontros e descobertas à mesa”, os apaixonados pela culinária local terão a chance de participar de uma extensa lista de atividades dentro do festival, que vai até o dia 29 de maio. Como já é de costume, o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense contará com a presença de chefs renomados. Este ano estão confirmados Alex Atala (DOM - São Paulo), Alberto Landgraf (São

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Paulo) e Claude Troisgros (Olympe Rio de Janeiro) e Pere Planaguma, chef do Les Cols, em Girona, Espanha. Os paraenses Thiago Castanho, Arturzão Bestene, Ângela Sicília, Daniela Martins e outros também participam do evento. O festival, que já tem tradição, foi criado pelo chef Paulo Martins com o objetivo de promover a cultura gastronômica paraense através de seus ingredientes, técnicas e a interação entre os chefs. “Nossos sabores agradam sensorialmente o consumidor e geram interesse e curiosidade em quem tem oportunidade de prová-los”, explica Joanna Martins, diretora do Instituto Paulo Martins, que promove o festival.

C O N Q U I S TA

DEMARCAÇÃO DE TERRAS Vitória indígena. O Ministério da Justiça declarou a Terra Indígena Riozinho, localizada nos municípios de Juruá e Jutaí, no Amazonas, de posse permanente dos índios Kakama e Tikuna. A proposta, apresentada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), tinha o objetivo de definir os limites da área - identificada como sendo tradicionalmente ocupada pelos grupos indígenas. Segundo a Constituição, os povos indígenas são detentores do direito originário e usufruto exclusivo sobre as terras que ocupam tradicionalmente. A publicação feita no Diário Oficial da União estabelece que a Funai promova a demarcação administrativa do local para posterior homologação pela presidente Dilma Rousseff. A Terra Indígena Riozinho tem uma superfície aproximada de 362.495 hectares e perímetro também aproximado de 461 quilômetros.


TRÊSQUESTÕES

CÂNCER DE MAMA

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Tratamento reduz número de extração de mamilos de seios

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o Sesi Nacional e o Sindicato da Indústria da Construção do Estado do Pará

clusive no Sistema Único de Saúde (SUS). “Quando se associa os dois exames, consegue-se preservar o mamilo com uma segurança enorme”, afirma o coordenador do estudo, José Roberto Piato. “Só tiramos o mamilo, hoje em dia, quando ele está tomado pela doença e não indiscriminadamente, mutilando as mulheres, como se fazia sempre.” Piato afirma ainda que a prática de cirurgias mais conservadoras, no sentido de preservar o mamilo, é importante não apenas no quesito estético, mas influencia no psicológico da paciente. “A mama compõe a imagem corporal da mulher e a preservação do mamilo interfere com a questão da sexualidade e com a feminilidade”, disse.

(Sinduscon-PA) fizeram de Belém o 11º município a participar do projeto “O Futuro da Minha Cidade”. A proposta, segundo Alex Carvalho, presidente em exercício do Sinduscon-PA, é capacitar pessoas e mobilizá-las a participar ativamente do planejamento e desenvolvimento da cidade, cobrando do Poder Executivo ações sustentáveis. De que forma é possível melhorar Belém a partir desse projeto? Essa pergunta fez com que eu recordasse daquele dito popular: “uma andorinha só não faz verão”. O engajamento participativo da sociedade na busca da melhoria do seu próximo, DIVULGAÇÃO

do bem-estar, é fundamental e imprescindível. Há de se ter sinergia coletiva e respeito às divergências para que haja avanços. O Sinduscon tem como lastro das suas ações tais premissas e continuará contribuindo com a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Como o Sinduscon-PA quer que a cidade seja daqui a 20 anos? Em primeiro lugar, devemos ter como ponto de partida o resgate da cidadania dos que aqui vivem. Sem cidadania não há futuro promissor. Se daqui a 20 anos Belém for uma cidade onde se tenha paz, alegria de viver e serviços públicos – saúde, educação, segurança e infraestrutura adequadas –, certamente a vida das pessoas será incomparavelmente melhor que hoje. É isso que temos de buscar, dia após dia.

TRATAMENTO

Pesquisadores desenvolvem estudo paraa evitar mastectomias mutiladoras em pacientes com a doença

Nas outras cidades onde o projeto foi

C O M B AT E

lançado, quais os resultados obtidos? O projeto tem dois anos. O objetivo é

PLANTAS CONTRA O AEDES AEGYPTI

alcançado quando é criado o conselho na

Plantas amazônicas estão sendo utilizadas em pesquisa que investiga seu potencial no

cidade. Em Goiânia (GO) e Uberlândia (MG),

controle de mosquitos vetores no Brasil. O foco, no entanto, fica por conta do Aedes

os conselhos dessas cidades já foram forma-

aegypti , transmissor da dengue, da febre chikungunya e do zika vírus. O estudo dos

dos, enquanto nas demais cidades estão em

pesquisadores da Universidade Federal do Amapá (Unifap) analisa extratos vegetais e

processo.

óleos essenciais de plantas e sintetiza as nanoemulsões. MAIO DE 2016

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MARIVALDO PASCOAL/ DIVULGAÇÃO

Um grande avanço no tratamento do câncer de mama foi conquistado por médicos brasileiros. Graças a estudos realizados em São Paulo, pesquisadores da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) agora têm condições de reduzir o número de mastectomias mutiladoras em pacientes com a doença. Para chegar a esse resultado, foram realizados estudos que usaram exames de ressonância magnética e de congelação, que identificam se o tumor compromete ou não o mamilo, o que pode contribuir para a sua preservação na cirurgia. O método já é utilizado no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), mas a ideia é estender para toda a prática clínica, in-

Sobre o futuro de Belém


PRIMEIRO FOCO BOTÂNICA

F LO R E STAS

Pesquisadores de Manaus descreveram as novas espécies das orquídeas Dichaea bragae e Anathallis manausesis (abaixo)

ERRADICAÇÃO DA POBREZA Em reunião entre o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em abril, em Washington (EUA), foi discutida a impor tância das florestas no combate à pobreza. Segundo especialistas, elas são responsáveis

JEFFERSON JOSÉ VALSKO / INPA

pelo sustento de 1,3 bilhão de pessoas em todo o mundo. Os par ticipantes do painel defenderam práticas de proteção às florestas, como o uso sustentável dos

DESCOBERTA

recursos naturais e a criação de áreas protegidas. Adriana Monteiro, responsável pelo Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), defende o investimento em florestas como um objetivo global. “A gente tem informações e dados que as populações mais isoladas e com números de pobreza bem relevantes estão associadas às últimas grandes áreas florestais do planeta”, afirmou. Desde 2002, o Programa Arpa criou 24 milhões de hectares de áreas protegidas e designou 30 milhões de hectares para uso sustentável, o que beneficia cerca de 20 mil famílias extrativistas. O manejo de florestas rende, em todo o mundo, mais de 600 bilhões de dólares e emprega, pelo menos, 13,2 milhões de pessoas.

AC O R D O

ECONOMIA MAIS VERDE No último mês, na sede das Nações Unidas, foi assinado por 170 países o Acordo de Paris, que tem como objetivo

Identificadas novas espécies de orquídeas na Amazônia Batizadas de Dichaea bragae e Anathallis manausesis, duas novas espécies de orquídeas foram localizadas nos arredores de Manaus (AM) pelo biólogo Jefferson José Valsko. As descobertas foram publicadas nas revistas científicas Phytotaxa e Acta Amazonica. O Brasil possui mais de três mil espécies de orquídeas, e esse número tem crescido com as descobertas feitas na Amazônia. As características físicas das flores facilitaram a identificação das novas orquídeas. Isso foi possível, mais especificamente, por conta do labelo, pétala modificada que diferencia uma espécie da outra. “Nessa espécie, a presença de

pelos no labelo foi uma característica importante para definir que se tratava de uma nova espécie”, explica Valsko. A flor da Anathallis manausesis possui apenas três milímetros, enquanto as folhas têm, aproximadamente, um centímetro, e o caule pode chegar a seis milímetros. Por conta dessas características, ela é considerada uma das menores orquídeas da Amazônia. Já a Dichaea bragae possui caule e folhas grandes e flor que mede cerca de cinco milímetros. “O gênero Dichae está sempre associado aos musgos, por isso é quase imperceptível no meio ambiente. A planta se camufla no tronco das árvores”, afirmou Valsko.”

manter o aquecimento global abaixo dos 2°C. O passo é importante no que diz respeito aos esforços globais do clima. No entanto, há muito trabalho pela frente, já que as temperaturas têm atingido números alarmantes. “Os países precisam tomar ações imediatas, colaborativas e em escala cada vez maior no âmbito interno nas áreas de energia renovável, florestas e finanças para evitar os piores impactos Smith, líder da Iniciativa Global de Clima e Energia do World Wide Fund for Nature (WWF). O Acordo de Paris permanecerá aberto para assinaturas até 2017. 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

MAIO DE 2016

JEFFERSON JOSÉ VALSKO / INPA

da mudança climática”, afirmou Samantha


ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL INOCÊNCIO GORAYEB

PARAGOMINAS

“Município Verde” produzirá energia renovável no Estado Paragominas, no sudeste paraense, é considerado o primeiro Município Verde do Estado. Agora é também a sede da primeira Cooperativa de Energia Renovável do país, a Coober. Raphael Vale, presidente da cooperativa, explica que a geração compartilhada é “caracterizada pela reunião de consumidores, dentro da mesma área de concessão ou permissão, por meio de consórcio ou cooperativa, composta por pessoa física ou jurídica, que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída em local diferente das unidades consumidoras nas quais a energia excedente será compensada”.

Segundo Vale, o maior desafio é o pioneirismo da união entre cooperativismo e produção de energia renovável. “Nossa inspiração tem sido as cooperativas de energia renovável de outros países, em especial da Alemanha, que conta com mais de 700 cooperativas de energia instaladas”, disse. Futuramente será instalada uma usina em Paragominas com uma área de aproximadamente 17.000m², que, inicialmente, funcionará apenas como um sistema de painéis fotovoltaicos, ou seja, gerado a partir da energia solar. Em breve os cooperados esperam instalar um biodigestor para produção de biogás. COOBER / DIVULGAÇÃO

Escondido entre as flores

O louva-a-deus Callibia diana (Stoll, 1813) é uma espécie interessante e diversificada. Por conta de suas cores, ela se confunde com as pétalas de flores brancas e amarelas e, por esse motivo, é considerada rara, já que existem poucos exemplares registrados nas coleções. Esta ponhamesa confia em sua camuflagem de tal forma que permanece durante muito tempo parada, comportamento que dificulta ainda mais percebê-la. É assim que ela captura os pequenos insetos que visitam as flores.

UNIDADE

Representantes da Coober visitam o terreno onde será instalada uma usina de energia renovável em Paragominas

O exemplar da foto foi capturado pelo entomólogo Cesar Augusto Favacho no campus de pesquisa do Museu

COOPE R AÇÃO

Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Este

Após visita ao Museu Paraense Emílio Goeldi, pesquisadores franceses vão ampliar as

espécie para o Estado do Pará. Ele

parcerias em pesquisa e estabelecer uma agenda conjunta. Em junho será realizado um

também obteve outros exemplares,

FRANCESES NO GOELDI seminário científico no MPEG, instituição científica mais antiga da Amazônia. “(O Goeldi) É um grande recurso para os desafios internacionais da biodiversidade e para a educação científica”, afirmou a diretora do Instituto de Altos Estudos para Ciência e Tecnologia da

registro amplia a distribuição da

reproduziu e criou obtendo dados inéditos sobre o desenvolvimento e os imaturos da espécie.

França, Marie-Françoise Chevallier-Le Guyader. MAIO DE 2016

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FATO REGISTRADO

Neto do inventor do telefone fez pesquisas em Belém No ano de 1981 a Amazônia recebeu a visita do entomólogo Alexander Graham Bell Fairchild. Pesquisador destacado que construiu as bases da classificação de insetos da ordem Diptera (moscas), Fairchild foi orientador de dipterologistas do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. O pesquisador passou dois meses em solo amazônico – um no Pará e outro no Amazonas. Alexander Graham Bell Fairchild (1906-1994) foi um entomologista norte-americano e membro da família Fairchild, descendente de Thomas Fairchild, de Stratford, Connecticut, e um dos dois netos do cientista e inven14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

MAIO DE 2016

tor Alexander Graham Bell. Quando esteve na capital paraense, o entomologista, naturalmente, foi bastante procurado pela imprensa local. Repórteres das TVs, rádios e jornais queriam entrevistas com Fairchild. A resposta dele era sempre a mesma – pediu para poupá-lo das entrevistas, porque sempre, por onde andou, as pessoas insistiam em entrevistá-lo porque era neto do descobridor do telefone. Mas a insistência dos repórteres acabou vencendo. Ele, então, decidiu dar entrevistas, porém com a condição de que as perguntas focassem no motivo pelo qual estava aqui

INOCÊNCIO GORAYEB

na Amazônia. Quando, ainda assim, insistiram na pergunta que ele mais evitava – “O que você tem a nos dizer pelo fato de ser neto do descobridor do telefone?” –, ele respondeu com bom humor: “Por favor, não divulguem isso, porque tem muita gente querendo saber quem foi que inventou esta porcaria que não funciona.” A foto apresentada é de 1981, durante a visita que Fairchild fez ao Instituto Evandro Chagas, em Belém. O registro foi feito na sala do dr. Habib Fraiha Neto e nela estão os ilustres pesquisadores Ralph Lainson, Alexander G. B. Fairchild, Jeffrey Jon Shaw, Habib Fraiha Neto e Paul D. Ready.


PERGUNTA-SE POIS É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES FELIPE WIECHETECK / FREEIMAGES

TECNOLOGIA

Paraense desenvolve prótese de baixo custo Próteses mecânicas para amputados costumam ser caras, o que dificulta o acesso a alguns pacientes. Mas agora, um modelo mais acessível desenvolvido por um paraense pode representar uma mudança nesse padrão. Jorge Lopes Rodrigues, terapeuta ocupacional da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e professor do Laboratório de Tecnologia Assistiva (LABTA), desenvolveu a prótese. Dez anos e 28 modelos experimentais depois, ele conseguiu alcançar um protótipo leve, prático e barato, que poderá ajudar pacientes do Pará e, quem sabe, de todo país. O projeto pessoal tornou-se parte da tese de doutorado do professor,

aprovada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa). “Eu desenvolvi essa prótese na minha oficina, desenhando cada peça e cada parte para que ela pudesse utilizar o movimento do pulso e distribuir a força para o movimento de pegada entre os quatro dedos da frente e o polegar. Com a prótese atual é possível pegar desde uma garrafa até mesmo objetos menores, como um grão de feijão”, explicou. De acordo com o professor, uma prótese comum pode custar R$ 10 mil, enquanto o modelo desenvolvido por ele, feito de papelão, fibra de vidro, alumínio, couro e espuma, terá o valor médio de R$ 200.

Expor pilhas e baterias ao Sol recarrega a carga dessas fontes de voltagem? RODOLFO OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

VIDA NOVA

O Laboratório de Tecnologia Assistiva, da Uepa, fabrica órteses e próteses experimentais para pacientes amputados

A ME AÇA

ÁRVORES GIGANTES Uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade James Cook e da Universidade Nacional Australiana, ambas na Austrália, apontou que as mudanças climáticas, assim como os fenômenos meteorológicos extremos, ameaçam a sobrevivência das florestas de ár vores gigantes e antigas. “As ár vores gigantes e antigas necessitam de longos períodos de estabilidade para sobreviver, o que está se transformando em algo muito raro em um mundo que muda rapidamente”, aler tou o coautor da pesquisa, Bill Laurance. Ár vores desse tipo são suscetíveis, segundo o estudo, a diversos tipos de ameaças, como

Só recarregariam se estivessem ligadas num carregador que é alimentado por energia solar. Do contrário, expor pilhas e baterias ao Sol, e até aproximálas do fogo, apenas faz aumentar a temperatura. Em nada ajuda na recarga, como explica o físico mestre em Engenharia Mecânica Francisco Xavier, professor da Universidade da Amazônia. No caso de celulares, principalmente smartphones com processadores de vários núcleos, a exposição da bateria ao sol ou qualquer outra fonte de calor, pode prejudicar as baterias e os aparelhos, que operam com temperatura controlada. “É mito mesmo. Se desse para fazer isso, não haveria carregadores. A energia das pilhas e baterias é gerada por reações químicas que ocorrem dentro delas, com materiais que as compõem. O Sol ou qualquer outra alta temperatura sequer potencializa ou agiliza essas reações. Há equipamentos próprios para isso e devem ser usados”, conclui o professor. Vale ressaltar que altas temperaturas nesses dispositivos podem causar acidentes. MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

desmatamento, incêndios, secas e tempestades. MAIO DE 2016

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EU DISSE

“O mundo está olhando. Os senhores serão aclamados ou vilipendiados pelas gerações futuras” Leonardo DiCaprio, ator norte-americano, aos líderes mundiais durante cerimônia de assinatura do Acordo de

“Plástico é um dos maiores poluentes de nosso planeta. Poder reaproveitar esse material e incorporá-lo ao meu vestido do Met mostra o poder que a criatividade, tecnologia e magia têm trabalhando junto” Emma Watson, atriz britânica, falando sobre o vestido feito de garrafa PET que usou no famoso Met Gala, em Nova York.

Paris, na sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York, DIVULGAÇÃO

quando 175 países assinaram o documento contra a mudança climática.

“Há uma corrida mundial na busca de novos processos para obtenção de energia renovável, conhecida como energia verde” Rogério Cunha Brito, pesquisador da Universidade Federal do Pará, responsável por elaborar uma dissertação sobre a utilização de biomassa para produção de biocombustível.

“Se não falarmos do que é mais incômodo, não há sentido. Quando tratamos do invisível, ele fica visível” Gabriela Wiener, jornalista e escritora peruana, uma das atrações da 14ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). 16 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“A pesquisa de novas tecnologias permite contornar o efeito de desaceleração no crescimento econômico que a taxa de carbono pode trazer” Daron Acemoglu, economista do MIT (Massachusetts Institute of Technology), durante a divulgação de estudo sobre a chamada Energia Limpa.


APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“Algumas coisas são mais importantes do que um show de rock, e essa luta contra o preconceito e a intolerância é uma delas”

iTranslate O usuário digita uma frase curta e poderá traduzir para 81 idiomas que funcionam no aplicativo. Pode ser o salva-vidas de comu-

Bruce Springsteen, músico, após cancelar show

nicação em viagens para quem precisa de

na Carolina do Norte (EUA) em repúdio à lei antigay.

uma ajuda para se expressar ou até para um trabalho. Há uma versão de voz do aplicativo

“Para o pequeno produtor, o biocarvão pode ser uma alternativa mais barata do que os fertilizantes comuns”

com 40 idiomas. Plataformas: Android, iOS e Windows Phone Preço: Gratuito

Daniel Silva, do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), sobre um dos possíveis usos do

bSafe

fertilizante organomineral. O biocarvão teve ótimos resultados em experimentos, porém resta avaliar a

App de segurança pessoal que cria uma rede

viabilidade de produção em larga escala.

segura com amigos e familiares por meio FERNANDO FRAZÃO / AGÊNCIA BRASIL

de um sistema de monitoramento. É uma alternativa portátil aos “botões do pânico” com ferramentas extras, como e sirenes. Basta acionar o aplicativo, traçar uma rota e avisar quando o deslocamento foi concluído em segurança. É possível acionar sua rede de contatos para tomar providências. Há como fazer acompanhamento de rotas em vídeo. Plataformas: Android e iOS Preço: Gratuito

“É indispensável fazer ciência, tecnologia e inovação em um país como o Brasil. Temos um desenvolvimento científico tardio. Precisamos correr mais que os outros. E para isso precisamos de investimento pesado, de um plano consistente para o futuro do país.” Luiz Davidovich, novo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), durante solenidade que marcou o centenário da academia. ”

Nutrabem Com este app, o usuário tem várias ferramentas que vão desde um calculador de índice de massa corporal (IMC) a simuladores de refeições com contadores de calorias e alertas para alimentação saudável. Dá para registrar dietas, acompanhar o desempenho e ganho e perda de peso, acompanhamento de nutrientes e ingestão de água. O app não dispensa uma consulta com um profissional. Plataformas: Android e iOS Preço: Gratuito FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Ritual Yanomami

Dentre os grupos indígenas da Amazônia estão os Yanomami, que formam uma sociedade de caçadores-agricultores da f loresta tropical do norte amazônico. O território Yanomami cobre, aprox imadamente, 192.000 km², situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela. O contato desse grupo com a sociedade nacional é considerado relativamente recente, 1910 a 1940. A população Yanomami no Brasil e na Venezuela era estimada em cerca de 35 mil pes-

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soas no ano de 2011. Os Ya noma mi possuem uma forma basta nte ca racterística de lida r com a morte. Uma tradição religiosa da tribo é a de proibir a ma nutenção de qua lquer pa rte do corpo do morto. Por conta disso, qua ndo morre um Ya noma mi, seu corpo passa por um ritua l endoca niba lista, em que os pa rentes próx imos comem o corpo do índio fa lecido. Esta prática é feita da seg uinte forma: primeiro o cadáver é dei xado na f loresta coberto de

INOCÊNCIO GORAYEB

folhas pa ra que insetos, bactérias e f ungos atuem no processo de decomposição. Após 45 dias, os ossos são coletados, queimados e socados. Os pa rentes próx imos consomem essas cinzas numa espécie de sopa. Um a no depois, os índios fa zem um ca ldeirão com ba na na fermentado com sa liva, mistura que é consumida num momento de festa com as a ldeias próx imas. Esta tradição é considerada uma das 10 ma is impressiona ntes do mundo.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Abicorar “Ei, maninho, te abicora”, “Tu ficas aí só abicorando...”. Quem nunca ouviu esses termos numa conversa, principalmente entre crianças da região? O termo, que é utilizado somente na região Norte, é eclético – pode ter vários

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sentidos dentro de uma frase.

Olhar franco-russo sobre a fauna regional

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1 - O peixe conhecido vulgarmente como pacu-castanha, desenhado em 1827 em uma aquarela de 28,7 x 20,6 cm e descrito 60 anos depois, como Piaractus mesopotamicus Holmberg, 1887. Ocorre desde a província de Entre Rios, na Argentina, até a represa de Itaipu; 2 - A ave conhecida vulgarmente como jacu, desenhada em 1827 em uma aquarela de 19 x 24,7 cm e descrito 53 anos depois, como Penelope ochrogaster Pelzeln, 1870. É uma espécie ameaçada de extinção encontrada em vegetação de cerrado do pantanal do Mato Grosso e áreas do Vale do Araguaia e do São Francisco, ocorrendo desde o sul do Pará e Maranhão até norte do Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais; 3 - O peixe conhecido vulgarmente como pintado ou surubim, desenhado em 1826 em uma aquarela de 32 x 22 cm e descrito 3 anos depois como Pseudoplatystoma coruscans Agassiz, 1829. É encontrado na bacia do São Francisco, no Rio da Prata e Paraguai.

num jogo de peteca, conhecida como “bolinha de gude” nas regiões Sul e Sudeste, quando um observador do jogo orienta o jogador a procurar um lugar próximo e seguro para posicionar sua peteca. “Te abicora”. “Abicorar” a jogada do outro também é uma estratégia para ganhar vantagem na partida, que lembra os tempos de infância. O termo pode ser utilizado, ainda, para sugerir que alguém se aproxime para espreitar, escutar melhor ou beneficiar-se de uma situação de proximidade. “Te abicora daquela menina”. A expressão é usada para incentivar o início de um inocente namoro. “Te abicora e participa”, marca o convite para quem quer entrar numa roda de conversa ou até mesmo de uma reunião importante. Coisas da Amazônia... Logo, o verbo “abicorar”, exclusivo desta região, tem como sinônimos espionar, espreitar, vigiar, afastar, posicionar, observar reservadamente. Mil utilidades.

WALDEZ

ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI / HERCULES FLORENSE

Considerando a importância da expedição coordenada pelo russo Gregory Ivanovitch Langsdorff ao Brasil no período de 1821 a 1829, são apresentados nesta seção mais um aspecto de descobertas pioneiras. Várias espécies até então não descritas para a ciência foram registradas e ilustradas com riqueza de detalhes pelo pintor-desenhista francês Hercules Florense. Os relatórios e o material iconográfico da expedição permaneceram desaparecidos até 1930, quando foram descobertos nos porões do Museu Jardim Botânico de Leningrado, Rússia. São 368 aquarelas e desenhos que compõem rico material sobre o Brasil nos campos da arte e da ciência, que hoje estão expostos nos museus da Academia de Ciência da União Soviética, em Leningrado. Três aquarelas são apresentadas para destacar o pioneirismo, pois estas espécies foram registradas e desenhadas antes de serem descritas pelos zoólogos:

A palavra pode aparecer, por exemplo,

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ARTIGO

PÍLULA DO CÂNCER: ESPERANÇA TERAPÊUTICA OU CURANDERISMO? O câncer é uma das doenças que mais afligem a humanidade. Ele é extremamente

WALACE GOMES LEAL

Doutor em Neuropatologia Experimental e Professor Associado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará

complexo, mas o evento central é uma alteração, geralmente genética, nos mecanismos de controle da proliferação celular, levando à multiplicação exagerada das células culmimando no surgimento de um tumor. Os números da doença são alarmantes. Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que em 2030 devam ocorrer pelo menos 27 milhões de novos casos, com 17 milhões de mortes e aproximadamente 75 milhões de pacientes com a enfermidade. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) reportou cerca 580 mil casos em 2014. No Brasil, uma grande polêmica desenvolveu-se recentemente pelo uso da Fosfoetanolamina Sintética (FS), a chamada “pílula do câncer”, que tornou-se famosa pelos relatos clínicos anedóticos, sem comprovação científica, de seus efeitos “milagrosos” em curar pessoas com alguns tipos de câncer. A FS é um componente de um tipo especial de lípidio (gordura) presente na membrana plasmática, os esfingolipídos. Este composto natural é componente da membrana de todas as células e participa de mecanismos de sinalização celular. Uma forma sintética da fosfoetanolamina foi sintetizada no final da década de 80 pelo pesquisador Gilberto Chierice, hoje professor aposentado, e sua equipe do Ins-

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tituto de química da USP de São Carlos. Inicialmente, esses autores usaram a FS como um marcador de células cancerígenas, sugerindo que ajudaria na detecção dessas células pelo sistema imune. Os autores acreditam que a pílula de FS pode induzir alterações nas mitocôndrias (as organelas que produzem energia celular) das células cancerígenas de modo que sofram morte celular programada (apoptose) e sejam removidas por células do sistema imune, como macrófagos. Apesar de alguns resultados in vitro e alguns in vivo usando animais de experimentação terem sido publicados entre 2011 e 2013 pelo grupo do professor Chierice, a FS não foi testada em primatas não humanos e não foi submetida à apreciação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aprovação de protocolos clínicos para testes em humanos. No entanto, apesar desse fato, a FS passou a ser distribuida para uso humano pelo Laboratório de Quimica de São Carlos, o que não está de acordo com as Leis nº 6.360/76 e nº 9.782/99, quando criou-se a Anvisa. Após a distribuição indevida, relatos diversos e sem comprovação científica, surgiram consolidando a fama de que a FS cura alguns tipos de câncer, inclusive de pacientes em estado avançado da doença. Esse fato gerou um clamor popular para a liberação oficial do uso da FS em humanos. Em março de 2016, a USP acusou o professor Gilberto Chierice de “curande-

“Os relatos pessoais e anedóticos não devem ser desprezados, mas o escrutínio da ciência é necessário para o estabelecimento definitivo da eficácia ou não da pílula do câncer. Novos experimentos são necessários para este fim”


rismo”, o que foi rejeitado pela Polícia Civil, uma vez que não encontrou-se evidências do crime. Ao mesmo tempo, o clamor popular provocou ações na Justiça para a liberação do uso da droga por pessoas com câncer, mesmo sem a aprovação da Anvisa. Vários pacientes passaram a receber a pílula de FS com autorizações judiciais. Para testar a eficácia científica do medicamento, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) financiou laboratórios de referência no Brasil que avaliaram a eficácia e a segurança da FS in vitro. Os resultados preliminares mostraram que a droga não é tóxica, não causa mutação, mas possui eficácia limitada com pouco efeito citotóxico e antiproliferativo. Além disso, as pílulas de FS, segundo os relatórios do MCT, não eram puras, pois continham outras substâncias. Outro problema relatado foi que a quantidade de FS nas pílulas não era de 500 mg, como preconizado pelo laboratório fabricante, mas variava entre 233 mg e 368 mg. Apesar do relatório do MCT considerá-la não tóxica, mas não confirmar a suposta eficácia da “pílula do câncer,” um movimento político foi criado para liberar seu uso em humanos mesmo sem a autorização da Anvisa. Criou-se um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados (PL 3/2016) que permite aos pacientes, com laudos médicos que constatem a neoplasia maligna, que façam uso da pílula de FS. O projeto também permite a produção, importação e prescrição da droga para tratamento do câncer, enquanto estudos definitivos avaliam sua eficácia. A presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.269, de 13 de abril de 2016, que autoriza, mesmo sem registro na Anvisa, o uso da FS por pacientes diagnosticados com câncer maligno desde que acompanhado por laudo médico. Esta lei foi publicada no diário oficial da união no dia 14 de abril de 2016. A Associação Médica Brasileira (AMB) e a prestigiosa Academia Brasileira de Ciências (ABC) manifestaram-se contrárias à sanção da referida lei. A AMB impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, o que foi indeferido pelo ministro Celso de Mello. Já a ABC

divulgou nota técnica recente condenando a aprovação da pílula de FS para tratamento do câncer considerando que os estudos científicos não são conclusivos e não apoiam sua eficácia. Parece claro que o clamor popular suplantou a força do método científico e o “empirismo”, ou seja, obtenção de resultados sem a devida prova científica, temporariamente venceu. No entanto, uma característica primordial da ciência é que “verdades” são transitórias e que novos estudos podem legitimar resultados outrora desacreditados. Por exemplo, no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, nosso grupo de pesquisa submeteu projeto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para investigar a eficácia da FS em um modelo experimental de glioblastoma multiforme, o mais agressivo dos cânceres cerebrais. Os relatos pessoais e anedóticos não devem ser desprezados, mas o escrutínio da ciência é necessário para o estabelecimento definitivo da eficácia ou não da pílula do câncer. Novos experimentos são necessários para este fim.

POLÊMICA

O uso da pílula de Fosfoetanolamina Sintética, desenvolvida pelo professor Gilberto Chierice, ainda requer comprovação científica, atestam especialistas

EXPERIMENTO

Entenda como a substância age em pacientes cm câncer

A fosfoetanolamina sintética chega aos pacientes no formato de cápsulas para ingestão oral

Por meio da própria defesa do organismo, as células marcadas passam pelo processo de apoptose (autodestruição celular), diminuindo sua multiplicação e assim impedindo que o câncer evolua ou vá para outros tecidos , já que as células cancerígenas se multiplicam mais rapidamente que as células normais e têm a capacidade migratória

Uma vez no organismo, a substância atinge a mitocôndria e sinaliza as células cancerígenas

FONTE: ADAPTADO DE MENEGUELO, 2016 MAIO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

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Infância preservada Crianças brincam em estrada invadida por igarapé na reserva Tembé, nordeste do Pará. Na seção Olhares Nativos deste mês, a fotógrafa NAILANA THIELY nos brinda com um ensaio especial sobre algumas comunidades indígenas do Estado. Confira nas páginas a seguir. MAIO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

Um dia quente

A cultura do povo Tembé flui nas águas do rio Guamá. Cenas de crianças e adultos se refrescando no rio e seus afluentes são frequentes na aldeia. NAILANA THIELY

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Corredor Kyikatêjê

Airomo Akrotyi (à direita) demonstra as regras da corrida com bastão, atividade dos jogos indígenas NAILANA THIELY

Nas Docas


OLHARES NATIVOS

Geometria do povo Gavião

A tradição milenar do povo Gavião permanece gravada na pele através da pintura corporal com jenipapo e carvão NAILANA THIELY

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Tinta natural

O sumo do jenipapo verde ralado é a base da tintura que escreve a tradição na pele dos indígenas NAILANA THIELY

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OLHARES NATIVOS

Gregário

O círculo é a forma ideal para os Gavião, onde todos estão no mesmo nível de importância NAILANA THIELY

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Sabedoria

Guerreiros mais velhos dos Surui Aikewara repassam ensinamentos e aprendizado do arco e flecha NAILANA THIELY

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OLHARES NATIVOS

Coragem

Jovem Tembé arrisca-se em salto triplo no igarapé da reserva Alto Rio Guamá NAILANA THIELY

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES NAILANA THIELY/ ASCOM UEPA

IDEIASVERDES

Indígena e professor A UEPA FORMOU A PRIMEIRA TURMA DE LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA DO PARÁ PÁGINA 36

GESTÃO SUSTENTÁVEL

SAÚDE PÚBLICA

O secretário extraordinário do Municípios Verdes, Justiniano Netto, fala dos avanços do programa nas cidades paraenses. PÁG.32

Pesquisadores do curso de Engenharia Sanitária da UFPA propõem soluções para o problema do esgoto não tratado de Belém. PÁG.50


ENTREVISTA

L

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“A busca pela sustentabilidade é contínua” O PROGRAMA MUNICÍPIOS VERDES COMPLETOU CINCO ANOS EM MARÇO DESTE ANO E TRAÇA NOVAS METAS PARA O FUTURO DO ESTADO. PARA O SECRETÁRIO EXTRAORDINÁRIO DO PMV, JUSTINIANO NETTO, O GOVERNO ADOTA UMA POSTURA CADA VEZ MAIS RESPONSÁVEL E SUSTENTÁVEL PARA REDUZIR OS NÚMEROS DO DESMATAMENTO NO PARÁ.

ROBERTA BRANDÃO

ançado em meio a uma atmosfera de preocupação e ansiedade pela ressignificação do modelo de desenvolvimento do Pará, o Programa Municípios Verdes (PMV) chega aos cinco anos de atuação ecoando como um mantra pelos quatro cantos do Estado a importância de cumprir a missão a qual foi designado: reduzir o desflorestamento e trazer uma nova concepção para o uso dos recursos ambientais. Assim como os pactos contra o desmatamento, que vêm sendo refeitos nos últimos meses sob a justificativa de reforçar o compromisso dos municípios com a causa, o combustível do PMV foi reabastecido de forma especial, graças à constatação da redução de 50% no desmatamento desde que foi implementado. O mérito dessa diminuição expressiva no registro da atividade ilegal – 3.008 km² desmatados de agosto de 2010 a julho de 2015 para 1.881 km² desflorestados de agosto de 2014 a julho de 2015, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – é dividido com órgãos estaduais parceiros do programa, como a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio), além de órgãos públicos federais, municípios, organizações não governamentais e representação de produtores, todos atores que sintonizaram a mesma frequência para a construção de novas políticas públicas e estratégias de atuação na esfera ambiental.


CRISTINO MARTINS / AGÊNCIA PARÁ

Sob a alcunha de articulador pelo meio ambiente, o Programa Municípios Verdes progride com a descentralização da gestão do Governo, indo a campo e fortalecendo a gestão ambiental municipal, e pregando a importância da aliança entre sociedade e administração pública para a reduzir ainda mais os indicadores de derrubada da floresta. O secretário extraordinário do PMV, Justiniano Netto, ratifica a relevância da regularização ambiental para a utilização dos recursos ambientais ser segura, responsável e sustentável, e conversa com a Amazônia Viva sobre os próximos passos do projeto. O Programa Municípios Verdes pode afirmar que alcançou o propósito pelo qual foi lançado? A busca pela sustentabilidade, que é

COMPROMISSO

Cidades como Marabá assumem o programa Municípios Verdes na atuação pela bandeira sustentável

o grande propósito do programa, é contínua. O que podemos dizer é que se trata de uma política que está no rumo certo, pois é feita de forma coletiva, não individual, pelo Governo do Estado. Ao contrário, nós procuramos unir todos os atores que trabalham na questão econômica e ecológica no Pará, desde os órgãos do governo estadual, federal, municipal, e também passando pelo setor produtivo, academia e organizações não governamentais. Essa é a maneira correta de implantar e consolidar políticas públicas. Qual o principal objetivo do Programa no momento atual? Atualmente, o programa trabalha com

“A principal mudança é o engajamento dos atores locais na busca por um município sustentável, que produza de maneira correta e legal” MAIO DE 2016

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ENTREVISTA

três grandes eixos de atuação ou objetivos. O primeiro deles é o ordenamento ambiental, que se subdivide na consolidação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e no controle do desmatamento; o segundo eixo é o da gestão ambiental compartilhada, que prevê o fortalecimento dos municípios e a sua integração com a gestão ambiental do Estado, feita através da Semas e também do Ideflor; e o terceiro eixo é o da produção sustentável, onde a nossa grande estratégia é o Pará 2030, que está sendo lançado pelo Governo do Estado e coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme).

ROBERTA BRANDÃO

“Nossa estratégia de atuação é continuar trabalhando para consolidar o que foi planejado, sobretudo o projeto do Fundo Amazônia, o maior já aprovado para a região”

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Quais são as ações planejadas pelo programa para 2016? Nossas principais ações são a consolidação e funcionamento das oito Bases Locais do PMV, situadas nos municípios de Tailândia, Dom Eliseu, Almeirim, Altamira, Redenção, Marabá, Itaituba e Santarém; a realização de pelo menos 59 mil inscrições gratuitas de pequenos produtores, com imóveis com área de até quatro módulos fiscais, no CAR; a implantação do Sistema de Integração da Gestão Ambiental Municipal (Sigam) nos municípios paraenses já habilitados. Além disso, temos a capacitação dos municípios para verificação em campo do desmatamento, e também a capacitação dos municípios para o licenciamento das atividades rurais (LAR). Essas são as grandes metas para 2016. O que mudou, além da redução do desmatamento no Pará? Além das ferramentas de ordenamento ambiental, fortalecimento, monitoramento, controle e redução das taxas de desmatamento, a principal mudança é o engajamento dos atores locais na busca por um município sustentável, que produza de maneira correta e legal. Para nós é a principal mudança. Mas também temos o fortalecimento e ampliação do diálogo, da interação desses atores lo-

cais com os outros atores, do Estado ou União, ONGs, e a participação dele, a busca dele por um maior diálogo na questão da sustentabilidade é um importante resultado do programa, que se materializa nos pactos locais contra o desmatamento e nas mais variadas parcerias firmadas com os municípios. O que ainda falta para o Pará ter mais municípios exemplos, como Paragominas? Primeiro é preciso ressaltar que o Pará tem vários municípios considerados exemplos, além de Paragominas. Municípios como Brasil Novo, Santarém, Santana do Araguaia, Dom Eliseu e outros são municípios que têm políti-


DIVULGAÇÃO

EM CONJUNTO

Os técnicos do PMV visitam os municípios onde o programa será implantando e repassam informações importantes para as comunidades locais

da, onde os municípios estarão atuando; e também o Sicar, onde os municípios terão acesso para fazerem a gestão do CAR nos seus territórios.

cas próprias, de vanguarda. Agora cada município tem uma realidade local para conseguir se desenvolver de forma sustentável, mas o fundamental é nós continuarmos a estimular o protagonismo dos atores locais e dos municípios na agenda ambiental e do desenvolvimento sustentável, criando condições para isso, capacitando, dando espaço, havendo um respeito à autonomia e a realidade desses municípios. Assim, cada vez mais teremos histórias exitosas e estimulantes para serem contadas no Pará. Quais são as ferramentas de aproximação entre Estado e municípios? Existem espaços institucionais de debate que funcionam como ferramen-

tas de aproximação entre Estado e Município, como o Comitê Gestor (Coges) do PMV, onde os municípios têm pleno assento e participação, inclusive tendo criado no ano passado o Fórum dos Secretários Municipais de Meio Ambiente do Pará. Além disso, há outros espaços, como o Conselho Estadual de Meio Ambiente, reuniões, workshops e seminários que o Estado tem promovido. Eu destacaria também a recente caravana ambiental promovida pela Semas que percorreu importantes polos regionais, como Altamira, Santarém, Marabá, fazendo semanas intensivas de capacitação com os municípios. Temos ainda ferramentas de gestão compartilhada como o Sigam, ferramenta recém-lança-

Qual a estratégia de atuação do projeto nos próximos anos? A nossa estratégia de atuação é continuar trabalhando para consolidar o que foi planejado, sobretudo o projeto do Fundo Amazônia, o maior já aprovado para a região. Ainda estamos na primeira fase e temos várias ações para realizar, não vamos perder o foco. Mas vamos consolidar a implementação das ferramentas de gestão, trabalhar também a produção sustentável, que é o fortalecimento do eixo econômico do PMV e coincide com o projeto Pará 2030. Estamos apoiando os órgãos e secretarias do Estado que trabalham com a produção, dentre elas a Sedeme, a Sedap, a Emater, o Governo como um todo, a desenvolver a sua agenda de crescimento econômico. Acredito que é o grande mapa de desenvolvimento econômico planejado para o Estado do Pará. MAIO DE 2016

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CAPA

Professores nas aldeias

INDÍGENAS CONCLUEM O ENSINO SUPERIOR EM LICENCIATURA INTERCULTURAL E AGORA ESTÃO APTOS PARA LECIONAR NOVAS GERAÇÕES DOS POVOS DA FLORESTA COM BASE NA EDUCAÇÃO FORMAL ALIADA AO CONHECIMENTO TRADICIONAL DE SUAS ETNIAS TEXTO FERNANDA MARTINS FOTOS NAILANA THIELY

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E

m uma tarde quente na Terra Indígena Sororó, da etnia Surui Aikewara, em São Domingos do Araguaia, no sudeste paraense, 15 alunos acompanhavam a aula de Geografia na escola Sawarapy Surui. Entretanto, essa aula é diferente das outras que assistiram no passado. Os alunos aprendiam com o professor Tiapé Surui sobre localização espacial através de mapas da reserva onde vivem, material desenvolvido pelo docente. No mês passado, o Ensino Indígena brasileiro deu um passo importante, com a formatura da primeira turma do curso de Licenciatura Intercultural Indígena, na Universidade do Estado do Pará (Uepa). A data, 19 de abril de 2016, deu um novo sentido ao Dia do Índio no Estado. A conquista do Ensino Superior por esses professores, que assumem a partir de agora a educação formal em suas aldeias com know-how para desenvolver material didático, representa o início do caminho para um ensino de qualidade que atenda às especificidades culturais de cada uma das dezenas de etnias existentes no Estado. Mais do que habilitá-los à sala de aula, o diploma deu voz a essa minoria, que busca tomar as rédeas do seu próprio futuro.

Na sala de aula Wiratinga Suruí ensina seus alunos com uma cartilha criada por ela mesma MAIO DE 2016

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CAPA

A Educação Indígena é um nó que o Brasil só começou a tentar desatar há poucos anos. A Constituição de 1988 trouxe a obrigatoriedade do Ensino Fundamental Básico – do 1º ao 5º ano – para essas populações. Apesar da evolução do debate nos últimos 28 anos, até meados dos anos 2000, essa foi a regra vigente nas aldeias paraenses. “Para não parar de estudar, a gente ficava repetindo a 4ª série. Era melhor do que ficar parado”, relembra professora recém-formada Simone Tembé, de 32 anos. Graças à diversidade de costume entre as etnias, é impossível pensar um currículo homogêneo, como temos na educação não-indígena. Logo, é necessário criar matrizes específicas para cada 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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um dos povos, tarefa impossível de ser executada pelos profissionais de fora das aldeias. Em 2005, o Ministério da Educação (MEC) cria o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind) que oferece uma solução para o imbróglio: formar professores dentro das próprias etnias, para que possam se encarregar da educação básica de seus povos, respeitando suas respectivas culturas e unindo na sala de aula o saber científico e tradicional. A ideia foi abraçada pela comunidade indígena de tal forma, que suas lideranças passaram a incentivar instituições públicas de ensino em todo o Brasil a adotarem o curso. No Pará, o professor e liderança Tembé Piná Tembé e

o cacique Zeca Gavião foram os responsáveis por iniciar o diálogo que se transformou no curso da Uepa. “A Educação Superior é uma nova arma para nós. O objetivo principal de tudo isso é um só: defender o nosso povo e a nossa cultura. Agora partimos para uma nova batalha, a do reconhecimento da profissão professor indígena no Pará”, comenta Piná. Os indígenas perceberam o poder transformador da licenciatura na fase de desenvolvimento dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Cada um deles assumiu a missão de produzir e aplicar material didático diferenciado, que finalmente pudesse dialogar com os traços culturais e saberes tradicionais, aliando este conhecimento ao saber científico

AULA PRÁTICA

A professora Keila Jawaxy prepara seus alunos para mais uma aula de Educação Física, na aldeia Pino’a, dentro da Terra Indígena do Alto Rio Guamá, que abriga as etnias Tembé e Timbira


ocidental. “Quando eu vi a minha esposa e os outros indígenas defendendo os seus TCCs, aí eu percebi que eram eles falando deles mesmos. A importância e valorização desse nível superior estão nessa diferença de entendimento, em que o ensino está ligado à aldeia e permite que os próprios indígenas tenham voz”, relembra o cacique. O resultado enche de orgulho cada um dos professores, que discorrem com paixão sobre suas pesquisas e resultados, mobilizando não apenas o aluno em sala – ou fora dela, pois as aulas externas são preferência entre alunos e professores indígenas, em mais uma particularidade de sua educação -, mas também os mais velhos, que sentem o reconhecimento da importância de seus saberes e costumes.

PEDAGOGIA INDÍGENA

A competição no campo central da aldeia logo atrai curiosos. O tronco de bananeira fincado próximo a uma das traves não deixa dúvidas: vai ter arco e flecha. Entretanto, naquele dia, o jogo era uma aula de Educação Física ministrada pelo professor Sy’a Surui. Os

guerreiros mais velhos da aldeia unemse ao professor, que ensina aos quase 20 alunos a postura correta para conseguir acertar o alvo com precisão. “Além de ser um esporte que trabalha coordenação motora e equilíbrio é uma técnica de sobrevivência para nós”, justifica. Apaixonados por práticas esportivas, os Surui se reúnem semanalmente para acompanhar a aula de Sy’a, que não monopoliza a função de mestre e abre espaço para os mais experientes darem dicas de como melhorar sua mira. Durante a aula, os guerreiros Arikassu, Sawara’a e Umassu Surui – três dos mais velhos da aldeia – não erraram nenhum dos três disparos que cada um teve direito, deixando admirados os alunos. “Os alunos passam a ter ainda mais respeito pelo conhecimento dos mais antigos e valorizam o que é aprendido. Há ainda a possibilidade de descobrir novos talentos que, quem sabe, um dia poderão estar nas Olimpíadas”, almeja Sy’a. A centenas de quilômetros dali, na aldeia Pino’a, dentro da Terra Indígena do Alto Rio Guamá, que abriga as et-

nias Tembé e Timbira, a jovem professora Keila Jawaxy prepara seus alunos para mais uma aula de Educação Física. Assumindo o espírito de competição, meninos e meninas se pintam e se enfeitam para encarar os jogos propostos por ela. “A prática dos jogos tradicionais andava muito abandonada na aldeia, por isso achei interessante colocar isso na sala de aula, para estimular as novas gerações”, explica. Em suas aulas, realizadas tanto dentro do anexo da escola Félix Tembé, quanto na quadra da aldeia, Keila prioriza quatro modalidades esportivas típicas da sua etnia: o arco e flecha, o cabo de guerra, o arremesso de lança e a peteca. “Sabemos que o caminho para reavivar a cultura é amplo, mas o que propomos aqui é apenas o início. A resposta positiva que tenho dos alunos é maravilhosa. Hoje eles pedem por mais aulas práticas, o que não ocorria antes”, conta orgulhosa. Enquanto os alunos “guerreiam”, outros moradores da aldeia acompanham e torcem animadamente. “A competição está no nosso sangue, basta estimular”, diz Keila. ENSINO COMPARTILHADO

A professora Keila Jawaxy mostra técnicas de pintura corporal. À esquerda, a professora Angélica Reis, da aldeia São Pedro, leciona Português juntamente com conhecimento tradicional indígena.

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LÍNGUA MATERNA

Dados do Censo 2010 dão conta de que 57% dos indígenas não falam a língua materna. Das 1.500 existentes no Brasil à época do descobrimento, restaram 181. E mesmo essas poucas estão desaparecendo. Atentos ao problema, os professores indígenas criaram diversos projetos que abordam o reavivamento das línguas originais nas aldeias. Entre eles, o da docente Concita Guaxipiguara Sompre. “Eu não sou falante fluente da língua, meus filhos também não, apesar de termos contato com ela. Desde o início do curso, meu objetivo sempre foi desenvolver um trabalho para mudar essa realidade”, conta. A língua falada na aldeia Kyikatejê Amtati, na reserva Mãe Maria, município de Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará, não tem nome e pertence ao tronco linguístico Macro-Jê, o

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segundo maior do Brasil, atrás somente do tronco Tupi. No projeto de pesquisa, Concita buscou introduzir a fala do idioma no cotidiano dos alunos. “Para isso, traduzimos frases usuais de sala de aula. Então, quando um aluno queria beber água ou ir ao banheiro, precisava pedir permissão na língua materna”, resume a professora. Para completar o aprendizado, foram organizadas aulas ao ar livre onde os mais velhos da aldeia – que ainda dominam o idioma – ensinavam aos alunos nomes de utensílios e instrumentos relacionados à rotina indígena. Os resultados observados foram ainda melhores do que os antecipados por Concita Sompre. “Os alunos logo perderam a timidez com a sua pronúncia, algo que ocorreu no início, e se empolgaram bastante com as aulas. A surpre-

sa ficou por conta da reação dos falantes mais velhos, que se alimentaram do entusiasmo dos jovens e se engajaram muito no projeto. “Foi até emocionante vê-los dando sugestões de locais para as aulas de campo e preparando roteiros”, relata. Por isso, a professora espera ampliar a aplicação do projeto para todas as aulas da escola. Na aldeia Sororó, a preocupação também existe. Falantes do dialeto Aikewara, derivado do tronco Tupi-Guarani, estão diminuindo na comunidade. “Os pequenos já não falam a língua materna, pois suas mães só usam o português para educá-los”, observa a professora Tymykong Surui, que aos 44 anos já acumula longa trajetória de defesa de sua língua original, incluindo no currículo um dicionário Aikewara-Português-Inglês com mais de cinco


DEDICAÇÃO AOS ESTUDOS

Nas aldeias Surui e Tembé os novos alunos também aprendem a língua materna. Com o diploma em mãos, Concita Guaxipiguara Sompre (acima) quer pesquisar mais sobre tronco linguístico Macro-Jê.

mil verbetes, desenvolvido ao longo de dois anos a pedido da Universidade de Brasília (UNB), com lançamento previsto para este ano. Ela desenvolveu uma cartilha para introduzir o jovem falante às particularidades da língua, que difere bastante do Português ao qual estão acostumados. “A maior barreira é a pronúncia. Quando os alunos leem conteúdo escrito na língua, sempre há o ‘aportuguesamento’”, explica a professora. A preservação da mitologia característica de cada povo, que é tão plural e diversa quanto os dialetos falados por eles, é outro alvo de preocupação entre os indígenas. Ainda na aldeia Surui, as professoras Murué e Wiratinga Surui trabalham a mitologia com alunos do Ensino Básico. Enquanto MAIO DE 2016

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DE VOLTA PRA CASA

Após a festa de formatura da primeira turma do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Uepa, no Hangar, em 19 de abril deste ano, os professores voltaram para seus locais de origem para dar continuidade ao ensinamento adquirido durante a formação acadêmica

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é preocupante, pois não havia registro escrito destas histórias”, aponta Angélica. Os textos registrados pela dupla se transformaram em cartilha e podem virar um livro em breve.

CONHECIMENTO TRADICIONAL

CONHECIMENTO

As professoras indígenas também ensinam a arte milenar do uso de plantas medicinais (acima) e de caça e pesca

Wiratinga elaborou uma história em quadrinhos para aplicar o ensino dos mitos aos alunos do 1º ano, Murué fez a coleta de diversas histórias Aikewara para trabalhar a produção textual dos alunos do 5º ao 9º anos. “As cartilhas que chegavam à escola traziam textos genéricos, então pensei: por que não aliar o ensino do Português ao conhecimento tradicional? Desta forma, o aluno vê a sua realidade re44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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f letida nestas histórias e demonstra maior interesse na matéria”, ressalta Murué. Na aldeia São Pedro, as professoras Angélica Reis e Simone Tembé aplicam um trabalho parecido, que envolveu em sua elaboração longas entrevistas com os mais antigos da reserva Alto Guamá. “Com o advento da luz elétrica, o costume da reprodução oral está cada vez mais raro. Isso

A tradição ganhou espaço ainda maior nas aulas de Ciências. As pesquisas nesse assunto vão desde demonstrações dos princípios da Física nas casas de farinha, presentes em todas as aldeias, até a relação dos indígenas com a água. A aplicação das plantas medicinais teve destaque entre os trabalhos. Os professores Na ni Sur ui, Ma ritó e Ma ria Lúcia Tembé se dedica ra m a pesquisa r e registra r boa pa rte do saber disponível com os ma is velhos pa ra a produção de ca rtilhas. Pa ra o seu materia l didático, Na ni uniu a aplicação tradiciona l das pla ntas com o embasa mento científ ico disponível, enqua nto a dupla Tembé buscou como fonte principa lmente o conhecimento indígena. As aulas se dividem em práticas, quando os professores levam os alunos até as plantas, sempre disponíveis dentro das reser vas, e teóricas, que abordam a aplicação dos remédios e substâncias ativas de cada uma delas. “Os próprios alunos me ajudaram na fase de elaboração da cartilha. Fizemos uma expedição até a f loresta com os alunos do 5º ano para identificar e mapear as plantas. Foi muito positivo para fixar o conteúdo na cabeça deles”, resume Nani. Até o ritual milenar da pintura corporal ganhou contornos de aula com a junção dos saberes científico e tradicional. “O sumo do jenipapo verde possui uma substância que reage com o suor da pele, fixando a cor. Antes de fazer o curso, usávamos a tinta, mas não sabíamos por que funcionava. Agora sabemos e podemos ensinar os mais jovens, além dos grafismos típicos nas pinturas, a razão da tinta artesanal funcionar”, conta o professor de Matemática da escola Sawarapy Surui, Francivaldo Freitas, que


utiliza os padrões aplicados na pintura corporal para o ensino de formas geométricas para alunos do Ensino Fundamental.

DESCONSTRUÇÃO

A arte indígena também teve seu espaço. O professor de artes da escola Félix Tembé, Raimundo do Rosário, é filho de artesão indígena e ficou feliz em não deixar morrer a arte de seus antepassados. Ele desenvolveu um liv ro sobre a cesta ria e o gra f ismo Tembé Teneteha ra com informações obtidas do pa i e de outros a nciões da reserva. “Qua ndo meu pa i fa leceu, muito se perdeu com ele, isso me entristecia, pois não há entre os ma is velhos o costume de cria r registros”, observa. O resgate que Ra imundo pretende é ma ior do que o â mbito da reser va. “Pensei nesse liv ro ta mbém pa ra o ensino não-indígena, pois na escola reg ula r os a lunos aprendem sobre a a rte indígena com materia l produzido por não-indígenas. Ning uém melhor do que nós pa ra fa la r sobre a nossa cultura”, defende. Desconst r u i r o estereót ipo i nd ígena, a l iás, é d iscu rso comu m ent re os g raduados. “Eu sempre qu is entender a cabeça dos a nt ropólogos, pois eles cost u ma m desen ha r o í nd io de for ma mu ito româ nt ica. Parece que acreditam que devemos ficar para

sempre nus, dentro de ocas, no meio da mata. Nós também temos direito de evoluir enquanto sociedade. Por exemplo, você não vê o paraense vestido de roupas típicas e dançando carimbó pelas ruas de Belém, correto?”, questiona o diretor da escola Sawarapy, Winurru Surui. Para ele, o resgate cultural não representa um retorno ao passado, mas sim uma ferramenta na formação de cidadãos indígenas cientes de suas raízes e capazes de dialogar com a sociedade externa de igual para igual. “Encontrei muitas afinidades com o ambiente acadêmico. Pretendo agora cursar Antropologia, para tentar combater essa ideia do índio que as pessoas têm”, diz. Ansiosos pela oportunidade de sair do papel de objeto de estudo e se tornarem protagonistas no desenho de seus futuros, nada une mais os novos professores do que o desejo de prosseguir em seus estudos. Além da avidez pelo domínio dos conhecimentos ocidentais, há entre eles um senso de busca por justiça. “É um direito nosso. Após 500 anos, estamos vivos e mais conscientes do que nunca sobre nosso papel. Vamos corrigir a história contada pelos livros, que é muito diferente daquela que vivenciamos. Começamos com a Educação Indígena, mas logo chegaremos a todas as salas de aula do Brasil”, profetiza Concita Sompre.

POSTERIDADE

O professor Raimundo do Rosário organizou um livro sobre a cestaria e o grafismo Tembé Tenetehara com informações obtidas do pai e de outros anciões da etnia

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COMUNIDADE

Empreendimento criativo nas ruas

FOTOS: BOULEVARTE/ DIVULGAÇÃO

Belém recebe impulso na economia criativa com a realização do Boulevarte, evento que divulga a cultura regional e valoriza os espaços públicos com arte

O

sentimento de pertencimento a Belém é um dos principais estímulos do Boulevarte. Formado em uma atmosfera atraente para empreendedores e, por isso, inspirador de diversas iniciativas mesmo após o término das programações, o evento teve a participação de aproximadamente 60 mil pessoas nas suas duas edições e despontou no cenário da economia criativa de Belém com muita música, gastronomia, arte e cultura. Ancorada no conceito de #CidadePras46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Pessoas, quando os espaços públicos são valorizados e a população convidada à interagir com a história local, a edição deste ano promete ser ainda maior do que as outras, na contramão da crise econômica mundial e brasileira. Serão 90 empreendedores criativos distribuídos em 45 barracas, além de 20 foodtrucks, oito shows musicais, teatro e intervenções artísticas. A data já foi marcada pela organização, 5 de junho, e o local é o mesmo das edições anteriores, a praça dos Estivadores, centro

histórico de Belém. Um dos idealizadores do Boulevarte, Ney Messias, diz que o projeto gera muita expectativa. “É sempre muito emocionante ver a música, a gastronomia, o teatro, a moda, o artesanato, convivendo alegremente no mesmo espaço. Essas coisas nos lembram que existe uma Belém bonita, criativa e cheia de empreendedores que insistem em estabelecer um outro sentido para as trocas econômicas e afetivas que toda cidade possui”, avalia.


A produtora cultural e organizadora do evento, Lorena Saavedra, também ressalta o potencial da iniciativa para os empreendedores e para a formação de uma nova geração de empresários na capital. “A ideia é realmente fazer crescer esse negócio e estimular o desenvolvimento desse segmento econômico a partir da valorização e qualificação desses profissionais. Para isso, a gente conta este ano com parceiros importantes que investem no desenvolvimento de pequenos negócios, que são o Sebrae e o Banco da Amazônia”, diz. O pioneirismo da feira culminou em um efeito dominó com os empreende-

dores criativos locais e alcançou também a empresária Tati Braun. Ela começou com o pé direito a participação no Boulevarte, em 2015, apresentando ao público o Hells Dog nas duas edições. “Foi um sucesso total para mim, de venda, de aceitação. A resposta das pessoas com os produtos foi muito boa. Muita gente conheceu o que eu fazia através do Boulevarte. Aí despertou a curiosidade do público, que foi procurar onde era o nosso ponto depois”, revela. A “dogueria” lançou um conceito diferente dos hot dogs tradicionais da capital, apostando em salsichas crocantes e de sabor marcante, com a adição,

ENTRETENIMENTO E SOCIEDADE O Boulevarte 2016 terá 90 empreendedores criativos distribuídos em 45 barracas e intervenções artísticas em Belém, o que vai ajudar a difundir o conceito de economia criativa na cidade

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COMUNIDADE

muitas vezes, de ingredientes e temperos regionais. A iniciativa acabou por fortalecer esse ramo dos sanduíches e abrindo espaço para outras lanchonetes especializadas. Embora o sucesso do empreendimento seja incontestável, Tati decidiu seguir por outro ramo da alimentação, e vai lançar, no Boulevarte deste ano, o “Da Braun”. “Eu estou investindo agora em algo que é mais a minha cara. Pensei e quero trabalhar com algo que alie a praticidade à qualidade, quero ser uma facilitadora. Vamos fazer, a princípio, três tipos de comidinhas, quatro tipos de saladas, e quatro tipos de sanduíches. São refeições fixas. As comidinhas de 12h às 14h, e os sanduíches a partir das 16h. E

assim como foi com o Hells Dog, vou usar o Boulevarte para divulgar a minha proposta”, detalha Tati. A empreendedora criativa também adianta que o pequeno espaço gastronômico, localizado na travessa Dom Romualdo de Seixas, vai contar com uma conveniência de bebidas, produtos feitos de forma caseira e um dos sucessos de sabor proporcionados pelas experimentações de Tati: a fraldinha no vinho tinto. “É a nossa cara, né. Não sabemos ainda se vai ser sanduíche, se vai ser um dos pratos. A ideia é ser bem prático mesmo, mas tudo tem um jeitinho nosso. O molho de tomate, a maionese, a mostarda, tudo é artesanal, além dos nossos temperinhos para cada refeição”, conta. BOULEVARTE / DIVULGAÇÃO

Palco de estreias musicais

O propósito do Boulevarte se materializa a cada edição, com a ajuda das histórias de quem faz o evento tomar forma. Em 2016, é a vez do artista e compositor paraense Juca Culatra ajudar a equipe a embalar essa narrativa de valorização da cidade com música da melhor qualidade e batidas genuinamente amazônicas. O mashup de brega, carimbó, reggae, calypso e sonoridades envoltas por esse universo sul-americano compõem o terceiro disco e novo trabalho do cantor, “Skrega”. O novo álbum, o terceiro da carreira de Juca, foi resultado de um ano de trabalho. “Tem três autorais que são composições minhas feitas há um tempo. Pesquisamos também bastante o repertório. Para mim,

DIVULGAÇÃO

MISTURA REGIONAL

O compositor e cantor paraense Juca Culatra fará um “mashup” de brega, carimbó, reggae, calypso e sonoridades envolvidas pelo universo sul-americano ao apresentar seu terceiro disco, o “Skrega”, durante o Boulevarte deste ano. 48 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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CULTURA EFERVESCENTE

O Boulevarte também contará com 20 foodtrucks, apresentações teatrais e oito shows musicais. Na edição passada, as cantoras Juliana Sinimbú, Camila Honda, Natália Mattos e Nanna Reis - do Pinã Colada - participaram do evento cultural. FOTOS: BOULEVARTE / DIVULGAÇÃO

todas as músicas do CD estão bem legais. E temos participações de músicos de renome, nosso back vocal é do Trio Warilou, temos participação do Donatinho, a produção do disco é do Pedrinho Farias, irmão do Chimbinha”, conta o artista. Dez canções, sendo oito inéditas e uma releitura de I Can See Clearly Now, de Johnny Nash – conhecida mundialmente na voz de Jimmy Cliff, configuram o cerne do álbum do cantor, que traz ainda Dona Onete e MC Calibre nas faixas. Juca, que estava em Alter do Chão – distrito de Santarém – durante a entrevista, uma das localidades da região oeste do Pará que ele visitou para divulgar seu novo trabalho, revela, em primeira mão, o que o público deve esperar da sua apresentação: “joguei minha vibe maluca nesse CD, e é o que eu vou levar para o dia do Boulevarte”, antecipa. O público de Belém também terá uma surpresa no dia 5 de junho: o cantor vai distribuir 500 CDs gratuitamente para quem passar pelo Boulevarte durante o seu show. “Estou ansioso demais para estrear nesse evento lindo, que é único e gratuito e aberto para que todos possam participar. Eu acho interessante é essa maneira nova de realizar as coisas, são muitos parceiros que fazem tudo acontecer. É muito bom fazer parte disso na música”, conclui Juca Culatra. Nesta 3º edição, o Boulevarte vai abrir espaço para um pequena homenagem ao samba que vem sendo produzido na cidade. O sambista Artur Espíndola fará o show de encerramento do evento. O cantor e compositor está com uma nova música nas redes sociais, “Tempo Deus”, que resultou em um clipe com a participação de Fafá de Belém. SERVIÇO: A terceira edição do evento de economia criativa está marcada para o dia 5 de junho de 2016, domingo, na praça dos Estivadores, das 8h às 19h. O patrocínio do evento é do Sebrae e do Banco da Amazônia. Além de roupas, acessórios, doces, cervejas artesanais, hambúrgueres e outras comidinhas, o Boulevarte apresenta ao público Juca Culatra, Grupo Comboio, Vittória Braun, Bravos e outras atrações.

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SUSTENTABILIDADE

Quando o esgoto é solução

CAMILA LIMA / ARQUIVO O LIBERAL

Projeto de pesquisadores da UFPA mostra que os canais de Belém podem ser reciclados, tornando-se fonte de substratos para agricultura e de água limpa TEXTO ORLANDO CARDOSO FOTOS ROBERTA BRANDÃO

P

rofessores e alunos do curso de Engenharia Sanitária da Universidade Federal do Pará (UFPA) propõem soluções individuais para o problema do esgoto não tratado, que, na região amazônica, é descartado no meio ambiente, contaminando as águas que depois servem ao consumo da população. O grupo de cerca de 30 pessoas, liderado pelos professores Neyson Mendonça, André Coelho e Luíza Teixeira, faz parte da Rede Nacional de Esgotos Descentralizados, ligada à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que inclui pesquisadores de todo o país, dedicados a implantar soluções que tirem o Brasil do atraso em que se

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encontra na área sanitária, principalmente pelo não tratamento do esgoto. Eles partem do princípio que o esgoto que hoje contamina os canais de Belém, sendo o mais famoso deles o da avenida Visconde de Souza Franco, pode ser não somente tratado, como reciclado, dando origem a substratos ricos em fósforo e nitrogênio, para uso na agricultura e em hortas familiares, e resultando também em água limpa, que pode ser usada em construção civil e nas descargas dos banheiros, por exemplo. Como o nome dessa linha de pesquisa diz, os esgotos descentralizados são diferentes das redes de esgoto tradicionais, que

levam os dejetos para estações de tratamento, que por sua vez descartam o esgoto já tratado no meio ambiente, sem risco de poluição. É que, em vista do atraso nacional nessa área e dos investimentos bilionários que seriam necessários para construir essas redes, além dos transtornos dessas obras no dia a dia das cidades, os pesquisadores desenvolveram soluções que podem ser aplicadas em residências ou prédios, que passariam a tratar e reciclar o próprio esgoto, reaproveitando as águas e outros subprodutos desse processo. Entre as invenções do grupo está a fossa inteligente, ou autolimpante, que faz não só o tratamento do esgoto, mas que pode


ROBERTA BRANDÃO

LIMPEZA NA ÁREA

Se tratados adequadamente, canais de Belém, como o da avenida Visconde de Souza Franco (acima), podem tornar-se fontes de importantes substratos, como fósforo e nitrogênio, acreditam os pesquisadores do curso de Engenharia Sanitária da Universidade Federal do Pará

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gerar biogás, tornando-se uma fonte de energia para aquela casa ou edifício. “O esgoto não é um problema, ele é uma solução”, defende Neyson Mendonça. “Doenças com veiculação hídrica podem ser evitadas com esse investimento, como verminoses”, completa o professor. O projeto também aposta na redução dos criadouros do Aedes aegypti, já que o mosquito se adaptou e hoje não precisa mais de águas limpas para se reproduzir. Os pesquisadores da UFPA podem desenvolver soluções em esgotos descentralizados para condomínios em áreas de expansão, como a da rodovia Augusto Montenegro, onde dezenas de prédios e conjuntos são construídos sem previsão de rede de esgoto. A professora Luíza Teixeira se dedica a pesquisar soluções individuais de saneamento para populações ribeirinhas, evitando a contaminação dos rios da região. “Caminhões limpa fossa estão descartando esse lodo de forma irregular. É um material rico em nitrogênio e fósforo, pode ser transformado em um recondicionador de solo, para recuperar áreas que estão degradadas”, recomenda Neyson Mendonça. A água que resulta do tratamento também é limpa e pode ser usada em irrigação e na construção civil. “Vocês têm ideia de quantos metros cúbicos de água são usados em construção civil”, pergunta Mendonça, indicando novos usos para a água de esgoto reutilizada, que é transparente e em nada lembra esgoto. Neyson Mendonça colaborou com um capítulo para o livro: “Sistemas de Esgotos Sustentáveis”, a ser lançado pela editora Edgar Blucher, a convite dos professores Sérgio Rolin Mendonça e Luciana Mendonça, ele com 25 anos de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), ela com currículo a ser construído na interação entre os órgãos públicos e as universidades, assim como o grupo da UFPA. Para Mendonça, as companhias de saneamento na região amazônica devem fazer como suas congêneres


SUSTENTABILIDADE

PESQUISA NACIONAL

O professor Neyson Mendonça e sua equipe fazem parte da Rede Nacional de Esgotos Descentralizados, ligada à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)

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ao redor do mundo, e recorrerem às universidades em busca de tecnologia para solucionar os problemas do saneamento.

INVESTIMENTOS

Há 20 anos que os indicadores de tratamento de esgoto em Belém e no Pará não mudam. Com o crescimento da população, a cobertura de esgoto até diminuiu, e não há um programa estadual ou municipal com foco nesse problema. Por causa do atraso, os recursos necessários para dotar Belém de coleta e tratamento de esgoto são estimados pelo professor Neyson Mendonça, do curso de Engenharia Sanitária da UFPA, entre R$ 2 e 3 bilhões, para investimento em 50 a 70 anos, já que obras

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desse tipo têm que ser feitas em etapas. Mendonça lembra que 90% do esgoto de Belém é descartado na natureza, pois, fora o centro histórico, cuja rede de esgoto foi construída por Antônio Lemos ainda na Belle Époque, no fim do século XIX, durante o ciclo econômico da borracha, o restante da cidade não tem coleta desses dejetos, e os caminhões limpa-fossas, ao esvaziar seus conteúdos, o fazem nos mesmos canais que também recebem diretamente os esgotos de prédios e casas. Mesmo o canal da Visconde de Souza Franco, considerada área nobre da cidade, recebe os dejetos dos prédios de luxo daquela via. Nos subúrbios de Belém, também é comum que a tubulação de esgoto

descarregue os dejetos diretamente na rede de drenagem, tornando muitas vezes o ar irrespirável nesses bairros. O que salva Belém de se afogar em dejetos é, justamente, a quantidade de água que cerca a cidade e que, com o movimento das marés, leva a sujeira embora para a baía do Guajará. O problema é que essa água que recebe o material é a mesma que abastece os mananciais de água de Belém, os lagos Água Preta e Bolonha, no bairro do Utinga. Com isso, dá muito mais trabalho e sai mais caro tornar essa água adequada ao consumo humano. Mesmo em países onde a água é abundante, como no Brasil, os governantes não podem se dar ao luxo de despejar o esgoto nos cursos d´água. Em Israel, por exemplo, onde a única fonte de abastecimento é o rio Jordão, todo o esgoto é tratado e a água é reutilizada. Na Europa, onde os rios não têm as nossas dimensões amazônicas, todo o esgoto é tratado para evitar poluição. “Nosso benefício é a chuva e o movimento das marés, que levam a sujeira. Mas tem afetado os mananciais do Utinga, os lagos Bolonha e Água Preta. É um sistema de abastecimento de água que recebe esgoto. Isso demanda mais recursos para tratar a água”, reforça Neyson Mendonça. E não pense que quem usa poços artesianos em condomínios, que está livre da água contaminada por esgotos. Enquanto a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) faz o tratamento da água que fornece aos consumidores, garantindo que seja apta para o uso, o mesmo não se pode dizer das águas dos poços subterrâneos, que podem ser contaminados por fossas. “A infiltração dos esgotos é feita no subsolo, onde é feita a captação de água subterrânea, que se supõe de boa qualidade. Mas não se fazem exames”, diz o pesquisador. Neyson Mendonça lembra que Belém já poderia ter uma cobertura de esgoto maior, já que possui cinco estações de tratamento instaladas, e mais uma para ser inaugurada. No entanto, elas não passam de “elefantes brancos”, já que não recebem o esgoto das casas, já que não há tubulações de esgoto. “Temos cinco estações instaladas, mas não estão funcionando. Não estão interligadas à rede. São elefantes brancos em Belém”, considera Mendonça.


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO CARLOS BORGES

PENSELIMPO

Cinema indígena

O CINEASTA E ANTROPÓLOGO VINCENT CARELLI FUNDOU PROJETO “VÍDEOS NA ALDEIA” PARA DIVULGAR O MODO DE VIDA DOS INDÍGENAS

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DO MARAJÓ

BELO MONTE

Um dos mais importantes escritores paraenses, Dalcídio Jurandir, deixou um legado impagado na literatura nacional. PÁG.60

O articulista Thiago Barros relata suas impressões sobre o Xingu em dois períodos distintos de sua pesquisa em sua carreira profissional. PÁG.66

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DIVULGAÇÃO

Protagonismo indígena na tela

NAS PRODUÇÕES FEITAS COM A ONG “VÍDEOS NA ALDEIA”, OS POVOS INDÍGENAS SÃO OS AUTORES DE SUAS PRÓPRIAS HISTÓRIAS TEXTO JOÃO CUNHA

Q

ual o artista Munduruku que você mais gosta? A canção Tembé que não sai da sua playlist? E o último filme de um cineasta Kuikuro ou de qualquer etnia indígena que você assistiu? Se você ficou sem respostas, a dúvida então é: por que sabemos tão pouco sobre um universo de 246 povos com mais de 150 línguas diferentes (de acordo com o Censo IBGE 2010) dentro do Brasil? Para o antropólogo e indigenista Vincent Carelli, o problema passa pela falta de representação das culturas e populações tradicionais nas mídias de grande e pequena escala. “O indígena no Brasil é

invisível”, diz. Na contramão desse apagamento, a ONG Vídeo nas Aldeias está há 30 anos no front da produção audiovisual junto com comunidades indígenas, um trabalho que quebrou barreiras entre a figura de quem filma e quem é filmado em realizações do gênero. Já são mais de 70 vídeos produzidos pela ONG, grande parte deles de autoria indígena. Em Belém, para ser homenageado em um festival internacional amazônida de cinema, o idealizador da Vídeo nas Aldeias, Vincent Carelli, recebeu a reportagem da Amazônia Viva para falar de identidades, imagem e porquê todo mundo deve se atentar para as produções indígenas.

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CARLOS BORGES

DIVULGAÇÃO

”Precursor”, “pioneiro” e outros sinônimos são palavras que quem procurar a respeito da ONG “Vídeo nas Aldeias” vai encontrar com frequência. Na época (anos 1980), qual foi esse diferencial e quais os resultados depois de 30 anos de projeto? O ineditismo esteve em criar uma prática e um conceito de interação dos povos indígenas e o cinema, não como um meio de classificação através dos olhos de terceiros, mas de autoidentificação e afirmação. Acho que o resultado está aí, existem cineastas interessantes dos povos indígenas filmando no Brasil inteiro. Foi um trabalho original que contribuiu para uma nova onda da nova geração, de indígenas nas universidades e outros espaços sociais. Enfim, a construção de um protagonismo dessas pessoas e essa ferramenta do audiovisual foi e continua sendo fundamental. O trabalho da ONG Vídeo nas Aldeias tem um caráter etnográfico, artístico, político ou é no diálogo entre essas posições que os vídeos são feitos? A produção acaba sendo etnográfica também. Apesar de não haver nenhuma preocupação, a etnografia está na natureza do documentário. Nosso trabalho está muito mais no terreno artístico e político. Quando a gente começou, quebrou um pouco a tradição da “Voz de Deus”, do “voice over” (aúdio com narração por cima das imagens, com comentários geralmente feitos pelo antropólogo em documentários do gênero) e realmente ouviu as vozes dos indígenas. Essa foi a ruptura e a mudança: uma autoetnografia feita pelos indígenas. Como é o processo de gravação nas comunidades indígenas? O que se passa entre o primeiro contato com as pessoas até o momento de se permitir e ligar a câmera? Eu comecei o trabalho, em 1986, com muito tempo de indigenismo, então é uma relação primária com grupos que eu já conhecia e tinha uma relação de confiança estabelecida. Desde aí, eu e a equipe da ONG só vamos quando somos chamados. É uma relação inversa do cinema tradicional: você

EXPRESSÃO INDÍGENA

Vincent Carelli, antropólogo e criador do projeto, é um entusiasta do cinema feito pelos índios. No QR Code ao lado, um trecho do filme “Arca dos Zo’é”, dirigido pelo cineasta

MAIO DE 2016

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PAPO DE ARTISTA

CARLOS BORGES

vai lá para dar uma oficina, não para extrair alguma coisa. E é uma grande satisfação pra eles (comunidades indígenas), que partem de uma experiência frustrante com a imagem, seja por antropólogos, cineastas, jornalistas. Eles quase nunca veem o produto do trabalho e quando assistem pela TV vem a decepção. “Pô, mas aquela coisa tão importante, não botaram”, “tão falando tal coisa, onde é que inventaram isso?”. É uma expropriação. Então, quando é dada a oportunidade de fazer um filme juntos com a visão deles, você é recebido de braços abertos. Eles entendem perfeitamente do que se trata e a comunidade acolhe com entusiasmo. Os filmes sempre são exibidos nas comunidades indígenas? Sim, faz parte da oficina. Os indígenas filmam de dia, assistimos às cenas de tarde, a turma e quem quiser entrar lá na sala de edição, e de noite tem o cinema na aldeia. É um processo coletivo de imersão que dura em torno de um mês e isso tudo cria a sinergia coletiva, que faz os filmes serem aquilo que são, porque cada um coloca uma pitada, ideias, propostas, encenações. E após a dinâmica, esses grupos costumam dar continuidade ao audiovisual? Sim, não são todos, mas temos várias pessoas que se profissionalizaram na área. A ideia é que os indígenas se tornem os autores das próprias narrativas no vídeo. Com a resposta positiva por parte deles, o momento atual é de avançar um patamar acima. A proposta da ONG Vídeo nas Aldeias é fazer um grande diagnóstico do cinema indígena no país para lutar por uma política pública específica de subsídio para essas produções.

A LUTA DO CINEASTA

Para Vincent Carelli, o objetivo do projeto é conquistar políticas públicas para as comunidades indígenas da Amazônia

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No segundo semestre do ano passado até meados de 2016, incêndios de origem criminosa devastaram grandes áreas de Terras Indígenas no Maranhão. Durante esse tempo, foi flagrante o silêncio e a ausência das queimadas nos veículos de comunicação. As causas indígenas, como a que eu cito, são subvalorizadas no Brasil? O indígena é invisível no Brasil. Em 2015,

“A produção acaba sendo etnográfica também. Apesar de não haver nenhuma preocupação, a etnografia está na natureza do documentário.”

mais de 2 mil representantes indígenas estavam na Esplanada dos Ministérios e quase não teve uma televisão que noticiou, parece que eram 2 mil fantasmas acampados em Brasília! É uma ocultação intencional. Nesse cenário de invisibilidade, qual a posição e importância do cineasta indígena e do audiovisual que valoriza as culturas e prioridades desses povos? Onde esse conteúdo tem que circular? É um contraponto necessário. O mais importante, e a ONG tem trabalhado muito nesse sentido, é fazer chegar os vídeos às salas de aula para informar as gerações de agora. Nós já fizemos várias exibições para o ensino fundamental e as crianças são muito abertas. Distribuímos 3 mil kits com 60 filmes e guias didáticos em 3 mil escolas, produzimos com a (editora) Cosacnaify uma série de filmes indígenas para o público infantil, livrinhos para escola. Enfim, esse é o público para o qual eu mais falo e priorizo, para crescer vendo a partir de outra perspectiva.


DIVULGAÇÃO

APRENDIZAGEM

As comunidades indígenas que recebem o projeto “Vídeos na Aldeia” participam de oficinas para aprenderem a noções de cinema

Ao contrário da maioria das obras sobre temáticas indígenas no cinema, o documentário “A Arca dos Zo’é”, dirigido por você e Dominique Gallois, teve uma grande projeção internacional e mesmo no Brasil quando foi lançado, em 1993. A narrativa real se passa entre os estados do Amapá e Pará. Como surgiu a oportunidade de filmar essa história? Nós começamos um trabalho com os Waiãpi, no norte do Amapá, e mostravamos muitos filmes, e entre esses tinha uma matéria do Fantástico (da Rede Globo) sobre uma epidemia de conjuntivite nos Zo’é. Os Waiãpi entenderam o que eles falavam, uma língua próxima a eles de matriz do tupi, então eles ficaram

muito curiosos para conhecer essa etnia, dizendo que os Zo’é eram os seus ancestrais. O filme é a história desse encontro. O chefe dos Waiãpi vai ao encontro dos Zo’é na missão de aprender as coisas dos velhos, as mandingas para caça e ao mesmo tempo transmitir os perigos que estão rondando a reserva e que já chegaram aos Waiãpi: madeireiros, garimpeiros, etc. Enquanto alguns filmes levam 30 anos pra fazer, esse foi mais fácil que eu fiz, porque você tem grandes personagens, foi espontâneo. A dinâmica é inversa, você está ali pra escutar e saber o que eles gostariam de fazer, quais são os interesses deles e filmar esse sonho realizado.

Vivemos neste ano mais “19 de Abril”, marco oficial no país para lembrar e falar dos povos indígenas. Essa data mais ajuda ou atrapalha as causas do movimento? É uma faca de dois gumes. É folclorizante com certeza, então na escola vão pintar as crianças, botar peninha na cabeça, brincar de índio que nem a Xuxa. Ao mesmo tempo, pelo menos nesse período, as pessoas têm mais exposição aos debates indígenas. É preciso usar essas datas da melhor maneira possível e hoje cada vez mais temos escritores, estudantes e professores indígenas, existe um protagonismo de ocupar espaços e fazer desse momento uma experiência interessante e reveladora para as pessoas. MAIO DE 2016

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O MARAJOARA QUE FEZ CHOVER SOBRE CACHOEIRA TEXTO ANA PAULA MESQUITA ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Dalcídio Jurandir 1909-1979


É

possível encontrar nas obras de Dalcídio Jurandir uma narrativa que relata a vida do povo marajoara. Paulo Nunes, professor e pesquisador das obras do escritor, diz que “a mitologia marajoara estão muito bem reapropriadas pela escrita dalcidiana”. Fatos e histórias dos personagens são construídos a partir de gente simples, humilde e resignada, mas paradoxalmente forte e determinada. Dalcídio Jurandir nasceu na Vila de Pontas de Pedras, na ilha de Marajó, no dia 10 de setembro de 1909. Filho de pai descendente de portugueses e de mãe descendente de escravos. Com poucos estudos, obteve o certificado do curso primário e não concluiu o ginásio. Em 1928, viaja para o Rio de Janeiro sem meios de sobrevivência. Trabalha como lavador de pratos no café e restaurante São Silvestre, na rua Conselheiro Zacarias, bairro da Saúde. Com o passar do tempo, é admitido como revisor, sem remuneração, na redação da revista Fon-Fon. Em 1929, Dalcídio escreve a primeira versão de “Chove nos Campos de Cachoeira”, romance que ele encaminhou para o concurso literário da revista Dom Casmurro, do Rio de Janeiro. Faziam parte do júri Oswald de Andrade, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e Álvaro Moreira. Mesmo desconhecido, ele ganhou o prêmio com o romance “Marajó”, escrito na década de 1930, e conseguiu o terceiro lugar. No final de 1941, viajou para o Rio de Janeiro, onde passou a exercer, em 1942, atividade jornalística em “O Radical” e “Diretrizes”, neste último como redator, repórter e colunista. Em 1944, fechado o semanário “Diretrizes”, passou a redigir textos publicitários e legendas para filmes de educação sanitária no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp). Colabora com o “Diário de Notícias”, no “Correio da Manhã” e na revista “Leitura”. Dalcídio fez também parte da redação dos jornais “Tribuna Popular”, “A Classe Operária” e na revista “O Cruzeiro”. Na “Imprensa Popular”, foi ao Rio Grande do Sul fazer uma pesquisa acerca do movimento operário do porto do Rio Grande. Com a experiência tida no trabalho surgiu o livro “Linha do Parque”, escrito entre 1951 e 1955. O escritor recebeu, em 1972, da Academia Brasileira de Letras (ABL), o prêmio Machado de Assis de Literatura, pelo conjunto de sua

obra, que foi entregue por Jorge Amado. Recebeu do Governo do Estado do Pará, em 1974, o título honorífico de “Honra ao Mérito”. A segunda edição de seu romance “Chove nos Campos de Cachoeira” é lançada quatro anos depois pela livraria e editora Cátedra. E assim lançou mais outras duas obras chamadas “Os habitantes” e “Chão dos lobos”. Fez diversas viagens a nações da América do Sul e a países socialistas e europeus. “Ribanceira” foi publicado em 1978, e, no ano seguinte, a segunda edição de “Marajó”. O “Ciclo do Extremo Norte” foi a obra que consagrou o autor. Nela estão contidos dez de seus onze romances: Chove nos Campos de Cachoeira (1941), Marajó (1947) Três Casas e um Rio (1958), Belém do Grão Pará (1960), Passagem dos Inocentes (1967), Primeira Manhã (1967), Ponte do Galo (1971), Os Habitantes (1976), Chão dos Lobos (1976) e Ribanceira (1978). Jurandir escreveu suas histórias contra o trauma do declínio da Região Norte, que viveu momentos de luxo durante o auge da borracha, no final do século XIX, quando Belém se imaginou como “Paris d’América”. Por ter tanto amor e afeição pela Amazônia, algo que é notório em suas obras. Dalcídio, assim conta o professor Paulo Nunes, recebeu o apelido de “O romancista da Amazônia”. “Sua escrita dá conta de revelar para o Brasil as injustiças sociais e ao mundo das águas da Amazônia, nosso modo peculiar de ser e estar no mundo, sobretudo, o mundo marajoara, belenense e do Baixo Amazonas. Aquela proposta modernista de desvelar os “Brasis contidos no Brasil” cai como uma luva na obra de Dalcídio Jurandir, que não é um escritor regionalista, como alguns desavisados pensam, mas um internacionalista, um escritor que faz uso de formas de escrever muito originais, absorvendo as influências mais díspares; de Balzac a James Joyce, sem esquecer os contadores da cultura marajoara. O escritor morreu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 16 de junho de 1979. Foi sepultado no cemitério de São João Batista. Anos depois, homenagens foram feitas para o escritor e jornalista, como em 2003, na criação do Instituto Dalcídio Jurandir na Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de Janeiro. Todo o acervo do autor foi doado por seus filhos para o Arquivo Museu de Literatura Brasileira da instituição. MAIO DE 2016

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AGENDA

DOUTORADO

TUDO TÊNIS

A Universidade do Estado do Pará (Uepa) está

Exposição no MEP mostra as nuances do cotidiano

com inscrições abertas para o Doutorado em Biologia Parasitária na Amazônia. Ao todo, oito vagas são ofertadas. O curso é destinado a profissionais com título de mestre em programas de pós-graduação reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). É exigido, também,

Fica aberta até o dia 5 de junho, no

que tem como tema a construção

que esses profissionais tenham publicado ou

Museu do Estado do Pará – MEP

da realidade por meio de imagens

aceito para publicação pelo menos um artigo

(Praça Dom Pedro II, s/n), a exposi-

fotográficas, Martin Juef tenta rela-

em revista indexada na Capes com Qualis

ção “Tudo Tênis”, do artista alemão

cionar a “aleatoriedade” do universo

A ou B. As inscrições seguem até o dia 1º de

Martin Juef. O trabalho do artista é

àquela do “conditio humanae”. A ex-

junho e ocorrem por fluxo contínuo, até pre-

todo feito à mão e as colagens são

posição é realizada através de uma

encher o número de vagas. Mais informações

tecnicamente aumentadas nas im-

parceria do Governo do Estado do

no site www.uepa.pa.gov.br.

pressões expostas. Parte da obra

Pará por meio da Secult e Sistema

veio de Berlim, cidade natal de Juef,

Integrado de Museus e Memórias,

e o restante foi produzido nos dois

Museu do Estado do Pará e Casa de

O II Simpósio do Curso de Licenciatura em

últimos anos, em Belém, onde o ar-

Estudos Germânicos. Informações:

Pedagogia – SIPED, promovido pelo curso de

tista vive atualmente. Nesta obra,

(91) 4009-9833.

Licenciatura em Pedagogia do Instituto Fede-

PEDAGOGIA

ral do Pará (IFPA), será realizado nos dias 19 e 20 de maio, das 8h às 21h, no campus Belém. O evento, que tem como tema “Novos Rumos do Curso de Pedagogia do Campus Belém e a Base Nacional Curricular Comum”, visa agregar docentes e discentes para discutir as práticas pedagógicas. Dentre as atividades, serão realizadas mesas-redondas, palestras e mostra de tecnologias. O simpósio serve também como comemoração pelo Dia do Pedagogo, 20 de maio. As inscrições de ouvintes vão até o dia 16. Mais informações sobre o simpósio estão disponíveis no site do IFPA, belem.ifpa.edu.br. DIVULGAÇÃO

ENERGIA RENOVÁVEL Já estão abertas as inscrições para o II Congresso Amazônico de Meio Ambiente e

CONGRESSO DE GENÉTICA

Energias Renováveis – Camaer, evento que contribui para o crescimento científico na re-

Brasileiro de Genética Médica (CBGM). O evento será

gião amazônica e assim ajuda na solução de

realizado entre os dias 15 e 18 de junho, no Hangar

problemas ambientais da região. A segunda

Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. Na oca-

edição do congresso apresentará temáticas

sião também serão realizados o Congresso Latino-

de caráter acadêmico, técnico-científico e

-americano de Genética Humana e o II Congresso

social voltadas para as vertentes ambientais,

Brasileiro de Enfermagem em Genética e Genômica.

além de possíveis soluções de problemas

O CBGM tratará de assuntos ligados aos avanços, desafios e perspectivas da genética médica no Brasil e na América Latina. Inscrições e outras informações no site www.geneticamedicabelem2016.com.br 62 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

MAIO DE 2016

FLAVIO TAKEMOTO/ FREEIMAGES

Estão abertas as inscrições para o XXVIII Congresso

e dilemas sobre a engenharia e o potencial energético. O evento será realizado de 12 a 16 de setembro, na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra). Mais informações no site do congresso: www.camaer.com.br.


FAÇA VOCÊ MESMO

Colar com linhas de lã Para quem tem alergia a diversos materiais metálicos usados bijuterias, eis uma fácil técnica para montar acessórios coloridos, de baixo custo de produção e rápida execução. A montagem, produzida pelas oficinas Curro Velho, é quase terapêutica pelos nós, enrolados e cortes. Basta escolher as cores da linha de lã, crochê

ou tricô e começar a montar visuais com as roupas. A técnica ainda permite bandanas ou pulseiras. Quanto mais grossa a linha, melhor o visual. Se optar por uma linha mais fina, use fios duplos. Basta experimentar. Eventualmente, os produtos poderão ser vendidos para fortalecer o orçamento e servem de brindes.

Do que vamos precisar? • Linha grossa (crochê ou tricô) • Tesoura

INSTRUTORA: DILMA TEIXEIRA - COORDENADORA DE ARTES PLÁSTICAS / COLABORAÇÃO: LUIZA NEVES - TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL FOTOS: JACK NILSON MODELO: CARLA EVANOVITCH

MAIO DE 2016

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FAÇA VOCÊ MESMO

4 7

Passe a ponta da linha do novelo em volta dos dedos da mão. Deixe uma folga de uns 20 cm e dê um nó.

Agora vá puxando os anéis, passando por cima da linha solta e encaixando atrás de cada dedo, sempre começando pelo indicador, (a linha que estava solta formará novos anéis)

Agora inicia a fase de acabamento: junte os quatro anéis.

2 5 8 10

Cruze a linha por entre os dedos, começando pelo indicador até o mínimo, formando “anéis”.

Repita esse processo várias vezes. A trama irá se formando atrás da mão.

Una as extremidades do colar, passando a parte inicial do colar pelos anéis unidos.

3 6

Passe a linha por trás dos dedos, dando a volta pela frente.

Puxe a ponta inicial da linha e vá medindo o comprimento do colar. Quando tiver atingido o tamanho ideal, corte a linha, deixando uma sobra de aproximadamente 80 cm.

9

Arrume as partes, passe a linha em volta delas e dê nós, repetindo o processo até o final. Isso formará a trama do acabamento.

Finalize com um nó e corte a linha que restou.

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

MAIO DE 2016

RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


Final

Quase nunca saía da cidadezinha, que já

nem era tão zinha assim, mas na cabeça dele, já com seus oitenta anos, ainda era o refúgio de sempre, das festas de antes, das cabrochas bonitas a quem encantava com os olhos de sono, o sorriso de canto de boca e a prosa líquida, direta e certeira, que lhe rendeu mais de vinte filhos reconhecidos e não reconhecidos. A ida à capital tinha relação com os anos de corpo firme, pés de valsa e lábia nas muitas festas dos terreiros de chão batido, de cobertura alta e bandeirolas, onde reinou como filho de dono de pimentais que era. Ir a Belém sempre foi um transtorno. Detestava como avaliavam seu jeito na rua, de caboclo modesto e à vontade no mundo: a roupa, não raro, esfarrapada, as sandálias, o bonezinho encardido. Era um velho, já calvo, sem vaidades, senão as das lembranças. Estava quase cego, enxergava, como gostava de dizer, somente dinhei-

LEONARDO NUNES

BOA HISTÓRIA

ro e mulher bonita. Estava na capital contrariado. Adentrar na selva de pedra para ele sempre foi um estorvo. Naquele dia mais ainda. A ocasião exigia aprumo e traje formal, alguns acreditavam, mas estava ele, como sempre: trajado de bom mendigo, como quem soube viver a vida que escolheu, embora tenha sofrido os revezes do tempo e da vivência de quem permanece na terra atento ao movimento. E, assim estava, atento na data mais importante dos últimos 50 anos. Chegou ao Fórum com os passos lentos e bem pisados quando a viu. Os anos não lhe fizeram mal, pensou. Estava sozinha, com a dignidade intacta de senhora septuagenária. Poucos cabelos brancos, firme, os óculos de avó e a tiara de sair à rua. As mãos pintadas de sol ansiosas pelo desfecho. Não o reconheceu até que chamaram o nome dos dois para entrar na sala de audiência. Frente a frente, quase cinco décadas depois, puderam se contemplar. Ele se recolheu ao seu teatro do opri-

mido, jamais arrependido de ter deixado para trás a mulher e seis filhos. Ela, sanguínea que era, encheu-se de fúria ao lembrar de tudo que passou depois de deixar a cidadela e trazer as crianças para a capital. Era um final - com um redundante, mas não tão óbvio -, finalmente. Diante do juiz, deram cabo de uma história de mais de 56 anos, com uma separação de mais de 50, nunca oficializada nos papéis da lei. Ela dispensou qualquer compensação pelo divórcio, orgulhosa e altiva. Já ele se aliviou de, enfim, não ser mais um clandestino com o outro amor já desgastado e sem sentido. Voltou na lancha que o trouxe. Agradeceu aos céus pela modernidade ter posto fim às viagens de noite inteira até a Cametá. Nunca foi perdoado, nem pediu perdão, mas ainda assim estava em paz. MAIO DE 2016

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

Do gabinete ao Xingu Ver o rio Xingu do alto, a bordo de um monomotor.

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

Senti-lo, tocando as suas águas, de dentro de uma voadeira. Respirar a poeira dos travessões da rodovia Transamazônica. Falar com as pessoas da região, olho no olho. Foi um baque para o até então pesquisador de gabinete que começava a mergulhar em um objeto vivo e extremamente complexo. Era a visão da problemática amazônica em sua face real. O tal pesquisador era eu, na pesquisa de campo para a dissertação de mestrado. Naquele momento, antes do início das obras de Belo Monte, defendia, com base em estudos de vários renomados especialistas, que a construção da usina geraria impactos negativos em larga escala. In loco, senti mais do que problematizei. E melhor compreendi a situação. Daí surgiu um dos maiores desafios para pesquisadores: ver o objeto de longe, analisar o fenômeno com isenção... Não teve jeito. Me posicionei, a estilo de um militante, abracei a causa, mas anos depois Belo Monte está posta, gerando energia comercial, com todos os seus problemas de carona. Faço esse prólogo extremamente pessoal para contextualizar o que, de fato quero registrar no importante abril passado: o aniversário de 55 anos do Parque Indígena do Xingu. O que presenciei em Altamira e região pode ser classificado como exploração de recursos inadequada – sem contar que as comunidades locais não são alvo de desenvolvimento. O oposto, a criação do Parque Indígena, já no Xingu mato-grossense, em 1961, é um exemplo de “cuidar” do ambiente e do povo de uma região. Meio século depois da criação do parque, por pressão dos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Boas, as condições dos quase 27 mil km² de floresta

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MAIO DE 2016

continuam em condições satisfatórias de conservação e abrigando 6 mil indígenas. Contudo, o entorno sofre com degradações de todo gênero, desde a pressão de madeireiros ilegais, grileiros, pecuária e soja, garimpo – numa realidade que se estende Xingu abaixo, com seu ápice na Volta Grande, sob influência de Belo Monte. A abordagem em relação a políticas públicas socioambientais mudou bastante desde a criação do mais emblemático parque indígena do País. Naquele período histórico, a nação se posicionava predominantemente de forma patriarcal e conservadora. Em relação específica à questão indígena, a canetada que aprovou o parque, ao longo dessas décadas representou um salto importante no tratamento a indígenas brasileiros e preservação ambiental. Ainda assim, estima-se que cerca de 15% da floresta amazônica original já foram perdidos. A maior parte, evidentemente, nos últimos 50 anos. Somente na bacia do Xingu, atualmente vivem 28 etnias em 29 terras indígenas – 12 delas em Mato Grosso e 16 no Pará. São 20 mil índios, muitos dos quais atuam diretamente na consolidação de serviços ambientais. De acordo com a Funai, a Amazônia Legal abriga 98% da terras indígenas brasileiras – aproximadamente 400, pois muitas delas passam por processos judiciais ou de delimitação. Elas ocupam 21% da área, que corresponde a todos os estados da região Norte e parte do Mato Grosso e Maranhão. São números representativos, mas que ainda não mostram resultados efetivos. De fato, precisamos sair mais dos gabinetes e aprender também com quem está fora deles. Existe muito chão para caminhar.

“A canetada que aprovou o parque, ao longo dessas décadas representou um salto importante no tratamento a indígenas brasileiros e preservação ambiental”


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