Revista Amazônia Viva ed. 61 / setembro de 2016

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

SETEMBRO 2O16 | EDIÇÃO NO 61 ANO 6 | ISSN 2237-2962

O FUTURO QUE VEM DA

FLORESTA

Com a conversão de quatro zonas florestais do Pará em unidades de conservação, a fauna, a flora e os moradores dessas áreas ganham proteção ambiental assegurada por lei, o que garante às novas gerações de amazônidas uma vida mais sustentável pela frente

ÁRVORES

Por que é preciso saber plantar e cuidar delas nas cidades

MANTEIGA

Pesquisadoras dão nova cor ao alimento derivado do leite de búfala

QUADRINHOS

Desenhista da Marvel e DC cria equipe com super-heróis amazônicos




EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA SETEMBRO 2016 / EDIÇÃO Nº 61 ANO 6 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA FERNANDO SETTE

NATUREZA DE CARA NOVA

Zonas florestais no Pará foram tranformadas em unidades de conservação, garantindo a proteção ambiental da fauna, flora e moradores da região.

Meio ambiente protegido por lei

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

Neste mês damos início ao 6 ano de publicação da Revista Amazônia Viva. Juntamente com a edição, comemoramos mais uma conquista do meio ambiente no Pará: a criação de quatro novas unidades de conservação no Estado: Tabuleiro do Embaubal, Vitória de Souzel, Campo das Mangabas e Padre Sérgio Tonetto. Essas áreas de preservação ambiental recém-criadas apontam para novas formas de gestão, desafios socioeconômicos, potenciais científicos e valorização das comunidades inseridas nessas localidades. Cada uma delas representa a realidade amazônica do Pará, uma das maiores e mais complexas do planeta. Quando a primeira edição da Amazônia foi publicada 5 anos atrás, o processo de criação dessas unidades de con-

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o

servação estava em fase embrionária. Mas em julho deste ano, os decretos de Nº 1.566 e 1.567 oficializaram as reservas no Estado. Uma delas fica às margens do rio Xingu, no município de Senador José Porfírio. O Tabuleiro do Embaubal é um sítio de desova para tartarugas-da-amazônia e se tornou um Refúgio de Vida Silvestre (Revis). Próximo dali está Vitória de Souzel, onde residem ribeirinhos que vivem do manejo dos recursos naturais e que agora habitam em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), assim como o Campo das Mangabas, no município de Maracanã, na região do Campo das Mangabas. Já o Revis “Padre Sérgio Tonetto” resguarda uma rara ocorrência de vegetação de Cerrado no Pará. Uma bênção para o Estado.

Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho (acervo); Ana Paula Mesquita, Camila Santos, João Cunha, Natália Mello, Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Akira Onuma, Fernando Sette (fotos); Anderson Araújo e Inocêncio Gorayeb (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar, Leonardo Nunes e Waldez Duarte (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Campo das Mangabas, Maracanã, nordeste paraense, por Fernando Sette AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 61 / ANO 6

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Natureza conservada

Estado cria unidades de conservação para proteger a biodiversidade e ampliar as pesquisas sobre a fauna e a flora, melhorando a qualidade de vida das comunidades. CAPA

DIVULGAÇÃO

NUTRIÇÃO

MÚSICA

As pesquisadoras Camila

A cantora Aíla lançou seu

ARBORIZAÇÃO

Pother Pereira e Mylla

CULTURA POP

novo trabalho com uma

O agrônomo e doutor em

Christy Dufossé desen-

O desenhista paraense

sonoridade pop dançan-

Geologia e Geoquímica

volveram a aplicação de

Joe Bennett, um dos

te, mostrando o amadu-

Sérgio Brazão defende

corantes naturais extraí-

principais brasileiros com

recimento como artista

um plano ambiental que

dos de frutos amazônicos,

trabalhos na Marvel e DC,

com canções autorais

contemple o plantio de

como buriti e piquiá, na

prepara a primeira HQ

e de letras politizadas

árvores nos municípios de

manteiga produzida com

do Esquadrão Amazônia,

sobre assuntos atuais da

forma organizada.

leite de búfala do Marajó.

super-heróis da região.

sociedade.

ENTREVISTA

SUSTENTABILIDADE

ARTE + PESQUISA

PAPO DE ARTISTA

JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

DIVULGAÇÃO

AKIRA ONUMA

42 30 44

48

E MAIS 4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 20 52 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS OLHARES NATIVOS MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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FERNANDO SETTE

SETEMBRO2016


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

BANQUINHOS

RODOLFO OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

Mais uma vez o açaí e seus derivados mostram suas mil e uma utilidades. Agora, até os caroços do fruto podem ser usados pelo setor da movelaria na construção de banquinhos (“Banco escolar sustentável”, Primeiro Foco, agosto de 2016, edição nº 60). Isso que é versatilidade amazônica. Haroldo Gomes Belém-Pará

PERGUNTA-SE Gostei da explicação da causa da famosa “dor de veado” e, principalmente, da origem do nome, no mínimo, curiosa (Pergunta-se, agosto de 2016, edição nº 60). A matéria me fez PESCADORES NOS RIOS

A matéria sobre a pesquisa que traça o perfil dos pescadores da Amazônia foi a mais curtida em nosso Facebook na edição de agosto.

lembrar da expressão “esculpido em Carrara”, que tornou-se popularmente conhecida como “cuspido e escarrado”. Preciosidades da nossa

ADRIANO PAGANI

língua portuguesa. Beatriz Aleixo Belém-Pará

BORBOLETAS A reportagem “Utinga, o parque das borboletas” (Capa, agosto de 2016, edição nº 60), lançou luz sobre a necessidade de políticas públicas para frear a pressão do crescimento urbano desordenado sobre o meio ambiente na capital. O assunto é propício nesse momento de eleições municipais e deve servir de reflexão para os próximos governantes. Marlon Moreira AÇAÍ NO VER-O-PESO

A foto do italiano Adriano Pagani recebeu o maior número de “likes” em nosso Instagram. A cena dos trabalhadores na madrugada encantou o fotógrafo europeu e os leitores.

Belém-Pará Belas fotos das borboletas no Parque do Utinga. Pena que não as encontramos mais com tanta frequência na cidade como antigamente. Maria de Fátima Queiroz

FERNANDO SETTE

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Belém-Pará

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para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE AGOSTO

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


FERNANDO SETTE

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

Para ver o Pará

PROJETO FOTOGRÁFICO EXPEDIÇÃO PARÁ INCENTIVA O COMPARTILHAMENTO DE FOTOS E VÍDEOS NAS REDES SOCIAIS SOBRE AS BELEZAS NATURAIS, A CULTURA E OS HABITANTES DO ESTADO PÁGINA 8 E 9

SUSTENTABILIDADE

SAÚDE

BNDES e FINEP lançam um plano de desenvolvimento nacional para financiar projetos de inovação sustentáveis na área de mineração. PÁG.10

Pesquisadores do Amazonas desenvolvem estudo sobre eficácia do pigmento de açaí na prevenção de doenças cardíacas. PÁG.15

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PRIMEIRO FOCO

Imagem é conhecimento O Pará é uma fonte inesgotável de belas imagens e de enorme potencial turístico. Apesar da vocação do Estado em atrair visitantes por causa de suas belezas naturais, turismólogos atestam que ainda falta incentivo para o setor avançar. Uma iniciativa para colaborar na solução da questão é o projeto Expedição Pará, idealizado pelo fotógrafo Fernando Sette. Colaborador da revista Amazônia Viva, ele abriu uma exposição no Boulevard Shopping, em Belém, para apresentar o projeto, que visa a gerar conteúdo turístico para ser 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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compartilhado nas redes sociais digitais, com o objetivo de se tornar um guia interativo e bem mais adaptado aos internautas. A partir da exposição, o site www. expedicaopara.com.br será lançado, já com uma boa quantidade de conteúdo inicial. Depois, a página eletrônica será alimentada até duas vezes por semana, às terças e quintas. Na exposição, os visitantes podem conhecer o tipo de trabalho do site com 24 imagens selecionadas de diversas localidades visitadas pela equipe que faz parte do projeto: Alter do Chão,

Belém, Santarém, Soure, Salvaterra, Mosqueiro e outras. “As principa is informações são do site ‘onde ir’, ‘qua ndo ir’, ‘onde f ica r’, ‘como chega r’ e ‘o que fa zer’. A lg uns loca is têm épocas melhores pa ra v isita r. Cada cidade terá notícias relacionadas e f iltros com as classif icações de ‘imperdível’, como se fosse um ponto de interesse quase obrigatório ao v isita nte daquele luga r”, diz o fotógra fo. Fer na ndo Set te ex pl ic a que a ideia su rg iu com v iagen s que ele mesmo foi fa z endo pelo Est ado.


Porém, sempre notou que i n for mações t u r íst ic a s são esc a ssa s, desorga n i z ada s e maç a ntes dema is. E nt ão resolveu aproveit a r o fa r to mater ia l que produz ia e pen sou em cr ia r a lgo bem ma is acessível, rápido e v isua l. Não demorou até con seg u i r apoio do gover no do Est ado, at ravés da Secret a r ia de Est ado de Tu r ismo (Set u r) e da Fu ndaç ão de Apoio à Pesqu isa, E x ten são e E n si no em Ciência s Ag rá r ia s ( Fu npea). “Nosso lema é compartilhar o Pará. A ideia é essa mesmo: gerar conteúdo que as pessoas possam assistir, ver e ler rapidamente e compartilhar em seguida. Isso ref lete minha fase de trabalho atual e a ‘vibe’ de quem consome informações na internet e pelas redes sociais. Então, não pode ser nada maçante e precisa ser fácil de compartilhar pelo celular mesmo”, diz Sette. Mesmo que o foco agora seja a internet e textos curtos, o Expedição Pará ganhou mais força com o livro fotográfico “Espia o Pará”. Porém, o site é repleto de classificações e divisões específicas para facilitar o acesso a informações mais detalhadas. E tudo com a menor quantidade de caracteres possível. A missão de construir esses textos ficou a cargo dos jornalistas Antônio Carlos Pimentel Jr. e Juliana Dias.

EXPEDICIONÁRIO

O fotógrafo Fernando Sette (à esquerda) idealizou o projeto para registrar as imagens pelo Pará e depois divulgá-las na internet, como uma forma de tornar a riqueza natural do Estado mais conhecida e apreciada

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PRIMEIRO FOCO CLAUDIO SANTOS / AGÊNCIA PARÁ

MINERAÇÃO

Atividade extrativa de minérios ganha apoio para impulsionar a sustentabilidade

SUSTENTABILIDADE

Projeto apoia inovação no setor mineral no País O Ba nco Naciona l de Desenvolv i mento Econôm ico e Socia l ( BN DES), em pa rcer ia com a Fina nciadora de Est udos e P rojetos ( Fi nep), la nç a ra m o Pla no de Desenvolv i mento, Su stent abi l idade e I nov aç ão no Setor de M i neraç ão e Tra n sfor maç ão M i nera l ( I nov a M i nera l). A ideia é f i na ncia r projetos de i nov aç ão su stent áveis na á rea de m i neraç ão. O mont a nte ofer t ado é de ma is de R$ 1 bi l hão. O Inova Mineral tem o objetivo de apoiar planos de negócios para o desenvolvimento de tecnologias de produção de materiais aplicados na geração de energia solar e

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eólica, assim como em dispositivos acumuladores de energia. Essas tecnologias são essenciais para, por exemplo, o desenvolvimento do mercado de carros elétricos. Segundo o BNDES, esses materiais, à base de silício, lítio e terras raras, são determinantes para a evolução desses setores, e ainda trazem impactos positivos do ponto de vista ambiental. A lém das tecnologias citadas, terão destaque aquelas dedicadas à recuperação e ao aproveitamento de resíduos de mineração, métodos mais sustentáveis de deposição e monitoramento e controle de riscos ambientais e de barragens.

CALOR

TOCANTINS QUENTE De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os municípios com maior incidência de focos de calor em 2016 são Lagoa da Confusão, Formoso do Araguaia e Mateiros, no Tocantins. Ao todo foram registrados 1.083 focos de calor nas três cidades. Até o final de julho, foram registrados 437, 379 e 267 focos de calor, respectivamente, em Lagoa da Confusão, Formoso do Araguaia e Mateiros. Já na capital do Tocantins, Palmas, neste mesmo período, foram registrados 36 focos. Entre as áreas mais atingidas estão as Unidades de Conservação Ambiental, com 885 focos, seguidas pelas terras indígenas, com 598. Em terceiro lugar ficam as rodovias, com 425 focos de calor em 2016. O gerente do Sistema Integrado de Operações dos Bombeiros (Siop), capitão Alex Matos Fernandes, alerta para a possibilidade de os números reais serem superiores, já que alguns focos não são visualizados pelo satélite.


TRÊSQUESTÕES

MICROCIRURGIA

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Pesquisadores paraenses são premiados na China

As terapias alternativas têm sido

nica promete revolucionar o processo de reabilitação de vítimas de escalpamento, cuja recuperação hoje é lenta e dolorosa. Segundo o estudo, a microcirurgia viabiliza a recuperação do escalpo dos próprios pacientes, eliminando a necessidade de implantes de pele retirada das coxas – técnica mais utilizada atualmente. O estudo dos pesquisadores Luan Teles (UFPA), André Valente, Daniel Haber e Denílson Feitosa (Uepa) e Eduardo Gouveia (Cesupa), com participação do professor doutor Rui Barros, do egresso de medicina Vitor Nagai e o mestrando Maciel Reis, fez parte da reportagem de capa da edição 59 da revista Amazônia Viva, em julho deste ano, sobre os casos de escalpamento na região.

um importante suporte no tratamento de doenças modernas, muitas vezes causadas pelo estresse. A terapeuta em Bioenergética e Renascimento Lillian Gouvêa fala das escolas de meditação e técnicas diversificadas, como a Bioenergética e a Constelação Familiar. Como são as terapias alternativas através de meditação? A meditação é praticada há milênios e traz muitos benefícios ao ser humano, em aspectos corporais, emocionais e espirituais. As meditações que fazemos são Meditações Ativas, em que primeiro acordamos o corpo e depois silenciamos a mente. Isso tem efeitos no equilíbrio, centramento, relaxamento e saúde mental e emocional. Quais os benefícios da Bioenergética e Constelação Familiar? A Bioenergética é a energia da vida. DIVULGAÇÃO

Trabalha-se a respiração profunda e movimentos corporais com o objetivo de desbloquear emoções reprimidas no corpo. Os resultados são autoconhecimento e renovação da energia necessária para viver. A Constelação Familiar trabalha no sentido de liberar conflitos e cargas do passado, para que possamos viver a vida em liberdade. Qual e relação da técnica com medicina convencional? A medicina convencional costuma tratar os sintomas e a terapia ajuda a compreender e curar as causas das doenças. Muitos médicos compreendem que tratar só o sintoma muitas vezes não cura o corpo. É preciso entender a

PRÊMIO Paraenses foram contemplados no Congresso da Sociedade Internacional de Microcirurgia Experimental, na China

emoção e a alma ferida.

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ARQUIVO PESSOAL

O grupo de Microcirurgia do Laboratório de Cirurgia Experimental (LCE) da Universidade do Estado do Pará (Uepa) recebeu no último mês, na China, o prêmio de melhor trabalho em microcirurgia entre estudantes do mundo inteiro. O 13º Congresso da Sociedade Internacional de Microcirurgia Experimental (Isem, na sua sigla em inglês), realizado na cidade de Tianjin, reconheceu a excelência do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores paraenses. A equipe - formada por alunos da Uepa, do Centro de Ensino Superior do Pará (Cesupa) e Universidade Federal do Pará (UFPA) - desenvolve no LCE uma técnica de reimplante de escalpo em coelhos, cuja espécie apresenta f luxo sanguíneo similar ao humano. A téc-

O poder da energia da vida


PRIMEIRO FOCO L AC T O S E

PESQUISA INOVADORA Uma estudante de 16 anos desenvolveu uma alternativa para quem sofre de intolerância à lactose, substância presente em leite e derivados. Maria Vitória Valoto foi a responsável por criar cápsulas reutilizáveis que tornam o produto bom para o consumo. Isso é possível porque a cápsula possui a enzima lactase, que quebra a lactose. O processo consiste em colocar cápsulas em um recipiente com leite e, de quatro a cinco horas depois, o produto pode ser

DESCOBERTA

consumido mesmo por quem tem intolerância à lactose. Por causa desse projeto, Maria Vitória tornou-se uma das 16 finalistas da Google DIVULGAÇÃO

Science Fair 2016, que teve inscritos de vários países. O evento está marcado para este mês, nos Estados Unidos.

ALERTA

Q U E I M A DAS

ALTA EM 2016 Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o período de janeiro a agosto de 2016 superou o número de queimadas que o mesmo período do ano passado, e isso antes mesmo do fim do mês de agosto, nos estados de Mato Grosso, Roraima e Tocantins. Em 2015, o Brasil registrou o quarto maior número de focos de queimadas desde o início do monitoramento, há 18 anos. Segundo técnicos ambientais, além dos fatores climáticos, que contribuem para a situação, ainda existe o hábito de limpar o campo com fogo. A estrutura precária dos órgãos públicos e a burocracia também colaboram com o problema. EL NIÑO

TEMPERATURA GLOBAL Segundo o relatório anual da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA), chamado “estado do clima”, o ano de 2015

Philip Fearnside denuncia ameaça a licenças ambientais Em artigo publicado na revista Science, Philip Fearnside (foto acima), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), afirma que o sistema de licenciamento ambiental no Brasil está sob a ameaça de propostas de novas leis e emendas constitucionais. De acordo com o pesquisador, que é doutor em biologia e estuda problemas ambientais na Amazônia há quatro décadas, a atual situação brasileira coloca em risco o país, tão biologicamente diverso. Uma das ameaças citadas por Fearnside é a proposta de emenda constitucional (PEC-65), que praticamente acabaria com o licenciamento am-

biental para infraestruturas. É o caso de rodovias e barragens, por exemplo. Para serem construídos, esses projetos precisariam apenas apresentar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e ter, assim, aprovação automática. Ele explica que, sem licenciamento ambiental, projetos de desenvolvimento, que costumam oferecer impactos ambientais e sociais, terão pouca ou nenhuma consideração sobre esses mesmos impactos antes da implantação. Fearnside defende a comunicação por parte dos cientistas aos tomadores de decisão, já que os cientistas têm colaborado para documentar os serviços ambientais dos ecossistemas brasileiros.

já pode ser considerado como o mais quente da história, superando o de 2014, que tinha a maior marca desde que os registros começaram. 2015

OLHOS

também é recordista na emissão de gases do efeito

MAL DE PARKINSON

estufa. O fenômeno El Niño influenciou no clima, de

Uma pesquisa realizada numa universidade britânica revelou que um exame de vista pode vir a detectar

acordo com o estudo, e a temperatura da superfície

a doença de Parkinson em um paciente antes mesmo de os primeiros sintomas se manifestarem. O

global da terra ficou entre 0,42ºC e 0,46ºC acima da

estudo, divulgado na publicação Acta Neuropathologica Communications, é considerado animador por

média registrada entre os anos de 1981 e 2010. Já a

neurologistas. Os primeiros testes foram realizados em ratos. A pesquisa mostra que roedores que ainda

temperatura da superfície do mar registrou entre

não tinham nenhum sintoma da doença passaram pelo exame e apresentaram alterações no fundo dos

0,33ºC e 0,39ºC acima da média do mesmo período.

olhos. Sobre o método, os pesquisadores dizem que ele é barato e não invasivo.

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ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

TILÁPIA-DO-NILO

Espécie invasora põe em risco peixes nativos no Amapá Uma espécie invasora está ameaçando peixes nativos no Amapá. A tilápia-do-nilo compete com outros peixes na região da Bacia Igarapé Fortaleza. De acordo com um levantamento realizado por Marcos Tavares Dias, biólogo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Amapá (Embrapa Amapá), 72% dos peixes capturados no local são da espécie tilápia-do-nilo. O número representa um aumento significativo em comparação com dados de 2001, e, segundo o biólogo, mostra que a espécie adaptou-se muito bem ao ambiente. O aumento da população da espécie pode trazer consequências como a competição por alimento e até pela própria vida. Além disso, Dias explica que a es-

Retaguarda protegida As borboletas do gênero Caligo são conhecidas vulgarmente como borboletas

pécie vem acompanhada de parasitas. “Eles podem se reproduzir e infectar os peixes nativos, que não estão adaptados para o hospedeiro. Pode haver troca de parasitas da tilápia para os peixes nativos e vice-versa”, afirmou. “Verificamos que os peixes nativos não transmitiram espécies de parasitas para tilápia-do-nilo, no entanto, essa tilápia trouxe parasitas que foram passados para algumas espécies carás da região. Até o momento, estes parasitas não parecem causar problemas nos carás”. Segundo pesquisadores, reverter essa situação é praticamente impossível, porém Dias defende um monitoramento intenso da espécie e do impacto ambiental causado pela sua presença.

A tilápia-do-nilo compete com outros peixes na região da bacia Igarapé Fortaleza, no Amapá

inferiores das asas posteriores. A espécie apresentada na foto, que ocorre na Amazônia, vive em ambientes sombrios na submata, mas geralmente não se esconde porque confia em sua defesa mimética. Ela costuma, inclusive, pousar sobre as folhas em locais luminosos. Olhando atentamente, vê-se que os desenhos de suas asas simulam a cabeça de um animal predador com olhos grandes que parecem de cobra ou de um sapo. A falsa cabeça está sempre direcionada para a retaguarda da borboleta, justamente o ângulo por onde os predadores preferem surpreender suas presas. Essas formas, cores e desenhos foram adquiridos através de longos processos de AGÊNCIA PARÁ

INVASÃO

corujas devido ao falso olho nos lados

seleção natural. Nessa espécie é possível entender de imediato a função de tal caráter, e pode-se concluir que todas as formas, cores e comportamentos de cada espécie têm um sentido lógico e prático para a existência na natureza.

AUTISMO

NOVOS ESTUDOS Uma pesquisa publicada na revista Nature pode contribuir para o tratamento do autismo. O estudo em questão analisou os genes causadores da síndrome de Williams, uma condição rara INOCÊNCIO GORAYEB

que deixa o portador com predisposição a ser hipersocial. Os responsáveis pelo estudo foram pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, em parceria com o Salk Institute of Biological Studies e outras instituições. A síndrome de Williams é uma condição genética causada pela falta de sequências de 25 genes no cromossomo 7 e afeta um em cada 10 mil pessoas. SETEMBRO DE 2016

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FATO REGISTRADO

Imigração ao sul do Pará A foto desta página, de 1980, foi feita às margens da estrada na Vila de Parauapebas, no Pará. Trata-se de uma cena em um bar com mesa de sinuca. Um grande número de pessoas migrou para o sul do Pará, vindo de diversos estados do Brasil. Elas vieram atraídas pela oportunidade de emprego no Projeto Carajás, na então Companhia Vale do Rio Doce, e pelos garimpos de ouro. Naquela época, um dos estados que mais enviaram migrantes foi o Maranhão. Era enorme a quantidade de pessoas que chegava diariamente, seja de ônibus, em paus-de-arara, e até em caminhões para transporte de 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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gado. Ficavam nas ruas, na busca e na espera de oportunidades de trabalho no projeto ou no garimpo. As condições de vida eram difíceis, já que a infraestrutura era insuficiente para aquele novo f luxo de trabalhadores. As relações com a f loresta nativa sendo desmatada aumentava a vulnerabilidade das pessoas e os órgãos dos poderes públicos de saúde, segurança e outros não davam conta de atender a demanda crescente de problemas e conf litos. Muitos se embrenharam nas matas e passavam a cavar o leito de igarapés que cortavam os vales, garimpando a procura de ouro por conta própria. A malária

INOCÊNCIO GORAYEB

e outras doenças se alastraram e muitos, contaminados, acabaram morrendo. O custo de alimentos, transporte, mantimentos e outros recursos básicos para viver era elevado naquelas vilas desordenadas que surgiam. Entretanto, este período foi também considerado como “desenvolvimento”, por conta do avanço da exploração mineral, do desbravamento da natureza e do surgimento de novas cidades na região do sul do Pará, com a exploração de madeira bruta, agricultura, pecuária e comércio. Mas, claro, houve um preço: o impacto do desmatamento e agressões à natureza foi considerável.


PERGUNTA-SE É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES WIKIMEDIA

ANDERSON SILVA / AGÊNCIA PARÁ

COR SAUDÁVEL

Pigmento do açaí é fonte de estudos na Universidade Federal do Amazonas sobre doenças cardíacas

AÇAÍ

Pigmento ajuda a prevenir doenças do coração Uma pesquisa realizada no Amazonas, sobre bebidas funcionais à base de antocianinas, apontou que uma das substâncias responsáveis pelo pigmento do açaí pode prevenir doenças cardiovasculares. Atualmente, a bebida funcional à base de açaí passa por testes e em breve estará disponível no mercado. O produto é desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e está em fase de produção pela empresa Bombons Finos da Amazônia, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “Pensamos em fazer uma bebida que seja gostosa, mas que ao mesmo tempo pudesse ter esse efeito preventivo sobre as doenças cardiovasculares. Então, nesse sentindo, a empresa procurou a Ufam para desenvolvermos esse projeto em conjunto”,

afirmou o biotecnólogo Emerson Lima. Ele explica, ainda, que o pigmento possui várias ações, entre elas oxidantes e anti-inflamatórias, diretamente ligadas à prevenção do risco cardiovascular. O diferencial do produto, segundo Lima, é o apelo funcional. “Com alto teor de antocianinas, estamos desenvolvendo um produto que tenha essa possibilidade de ser uma bebida para prevenção do risco cardiovascular”, explicou. A primeira fase da pesquisa foi desenvolver um extrato de açaí que envolvesse o processo de enriquecimento do fruto com alto teor de antocianinas. Agora a bebida está em fase de testes para definir a melhor formulação de paladar e textura. A próxima etapa será o estudo da estabilidade das bebidas, como tempo de prateleira e o processo de industrialização, por exemplo.

TEATRO

EM DOMICÍLIO

Dormir com o cabelo molhado dá caspa?

A resposta é sim. E não adianta se o cabelo estiver molhado após lavar com xampu anticaspa. Quem obser va o quão prejudicial é essa prática é a terapeuta capilar e tecnóloga em Estética, Cosmética Camila Assunção Santana, professora da Universidade da Amazônia. Claro, a prática acaba sendo um alívio para a região amazônica, que cos tuma ter noites quentes. Porém, aliviar um problema pode trazer outro. “Dormir com o cabelo molhado faz com que o couro cabeludo se torne um local quente e úmido, facilitando assim o desenvolvimento de fungos e bactérias, o que pode trazer malefícios não só relacionados ao aparecimento de caspas e seborreias, como também a queda de cabelo, além de tornar os fios mais opacos e quebradiços. Deixar o cabelo secar naturalmente é o correto, porém, neste caso, o secador é a melhor opção para evitar esses tipos de patologias do couro cabeludo”, orienta Camila Santana.

Os preparativos do espetáculo “Ô de casa, posso entrar para cuidar?”, das Coletivas Xoxós, estão a todo vapor. Contemplado com o Prêmio de Experimentação, Pesquisa e Difusão Artística 2016 da Fundação Cultural do Pará, os ensaios serão nas casas das pessoas, propondo uma poética própria, trocando experiências com as famílias que acolhem a ideia. As inscrições para receber o projeto teatral é na página do Facebook do grupo.

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

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EU DISSE

“Ganhar uma medalha olímpica é, para um atleta, realizar um dos sonhos de sua vida. O destino me deu a oportunidade de elevar o valor da minha prata”

Piotr Malachowski, lançador de disco, em publicação do Facebook. Ele resolveu leiloar a medalha de prata que conquistou na Rio 2016 para ajudar menino polonês de quatro anos com câncer ocular. DIVULGAÇÃO / COI

“Acordo toda manhã em uma casa que foi construída por escravos e hoje vejo minhas filhas, duas inteligentes garotas negras, brincarem em seu gramado” Michelle Obama, primeira-dama dos Estados Unidos, em discurso da convenção democrata, nos Estados Unidos, sobre o que é mudar a história de um país.

“Até agora nos comprometemos com as metas, mas não dissemos como vamos cumpri-las. É preciso garantir que nossos compromissos nacionais com o clima sejam alcançados”

Henrique Lian, superintendente de Relações Exteriores e Políticas Públicas do WWF-Brasil, sobre o comprometimento do Brasil no Acordo de Paris.

“A gente está assumindo o compromisso hoje de plantar um milhão de árvores, mas o Banco Mundial já anunciou outro milhão. Nós temos alguns clientes e vamos chegar fácil aos 3 milhões de árvores plantadas em um investimento todo feito pela iniciativa privada” Roberto Medina, presidente do Rock in Rio, sobre o projeto socioambiental Amazônia Live, que irá plantar árvores em áreas desmatadas da floresta amazônica.

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APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“Precisamos parar de agredir nossa casa. É a única que temos. Não é mais uma coisa de ‘ecochato’. É um chamado para ação”

Eleito por mim Permite acessar as informações e plano de governo dos políticos para encontrar o can-

Fernando Meirelles, cineasta que dirigiu a abertura da Olimpíada 2016, no Rio de Janeiro. O espetáculo no estádio do Maracanã chamou a atenção por conta do apelo mais sustentável do evento.

didato ideal. A plataforma abre espaço para que os eleitores informem suas ideologias, necessidades e prioridades, como educação, segurança, saúde, saneamento, mobilidade. Cada quesito é analisado e comparado com as pretensões políticas dos candidatos.

“Estamos diante de mudanças radicais no planeta nos próximos 50 anos, não em dois séculos. Precisamos de uma nova abordagem econômica e devemos enfrentar a ques-

Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito

tão fundamental de como produzimos”

Guia de Rodas App que é um guia amplo de acessibilidade

Jeremy Rifkin, sociólogo e economista norte-americano,

em diversos estabelecimentos, como bares,

sobre uma nova forma de produção de energia.

restaurantes, boates, cinemas, supermercados, consultórios, estádios, lojas. As avaliações e marcações dependem do uso de GPS. TRUONG NGOC

Depois de avaliado, local entra para o guia e tem interface com cores e poucos elementos para ser de fácil consulta. Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito

Acenda o farol O objetivo de usar o farol baixo nas rodovias federais é evitar acidentes ao melhorar a visibilidade. Desrespeitar essa regra pode resul-

“O tráfico de seres humanos, de órgãos, o trabalho forçado e a prostituição são escravidões modernas e crimes contra a humanidade” Papa Francisco, em sua conta no Twitter, por conta do Dia Internacional da Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição.

tar em multa, apesar de o STF ter revogado todas. Mas ainda assim, quem gosta da ideia de mais segurança, este app é uma grande ajuda. É possível programar os alertas para assim que a velocidade do veículo aumentar, indicando a entrada numa rodovia federal. Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Rabo-de-arara e brilho-de-fogo A planta da espécie Norantea guianensis , conhecida rabo-de-arara, foi descrita por Aublet em 1775. É uma trepadeira, também chamada de f lor-de-papagaio. Em inglês, é chamada de “red hot poker vine” (videira encarnada do póquer); já na Guiana, “f luer de guyane” (f lor-da-guiana); em espanhol recebe o nome de “vid colombiana”. A rabo-de-arara é uma planta nativa da Região Norte do Brasil, mas também é comum ser encontrada n o Cerrado. A lém disso, sua am- p l a distribuição ocorre em Trinidad e Tobago, nas Guianas, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. No

Brasil, os estados em que ela pode ser vista são Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima. Sua inf lorescência vermelha alaranjada pode chegar a um metro de comprimento. São brácteas pendulares e contêm nectários muito atraentes, glândulas capazes de produzir e secretar néctar, fonte de líquidos e carboidratos para animais. Os pássaros e até micos que visitam as f lores para buscar néctar carregam pólen para outras inf lorescências. Os beija-f lores são

muito atraídos por suas f lores, porque a concentração de néctar diluído é muito alta. Um beija-f lor, em especial, é visitante frequente da planta. Trata-se do beija-f lor-brilho-de-fogo, o Topaza pella (Linnaeus, 1758). Ele é considerado o maior do Brasil, medindo 20 cm, incluindo a cauda. A pla nta v ive como epíf ita – ou seja, v ive sobre outras pla ntas, porém sem pa rasitá-las, apenas apoia ndo-se – na copa de á r vores, mas ta mbém como a rbusto e trepadeira. É pouco dif undida entre os pa isagistas e pouco utilizada como decoração na A ma zônia. Uma de suas ca racterísticas é a capacidade de f lorescer o a no todo em regiões com clima quente consta nte, em sol pleno.

FOTO: ANDRÉ CARDOSO / ILUSTRAÇÂO: AQUARELA DE MARTINS NO LIVRO “NOVAES & LIMA 2009. AVES DA GRANDE BELÉM”.

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DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Égua! Essa expressão tipicamente paraense é aplicada com muita frequência em inúmeras situações para expressar admiração, insatisfação, raiva, alegria, espanto, tristeza, entre outras. Por ser utilizada em tantas situações diferentes, varia bastante, dependendo das circunstâncias e da entonação. Para entender melhor, o ideal é atentar às situações quando um paraense a aplica. Vejamos alguns exemplos: - Égua do gol. Fantástico. - Égua, não gostei. Tá doido, é? - Égua, como pode errar esta bola?

A vila de Igarapé-Miri

- Égua de ti, podias me ajudar nessas horas. - Égua, fiquei triste com a notícia do concurso. O sotaque do povo paraense tem características interessantes. O tratamento na segunda pessoa é aplicado de forma correta em comparação, por exemplo, com o sotaque gaúcho, que também aplica a segunda pessoa. Entretanto, mais recentemente, os jovens têm utilizado o “Tu”, propositalmente ou não, de forma errada, sem a concordância verbal, como se isso fosse uma forma descolada e da moda. Por exemplo: - Ê, cara, tu sabe aquela mina? Sumiu da área.

WALDEZ

lha, com telhas de cor laranja brilhante. Algumas com toldos e claraboias, todas contendo um número extraordinário de portas e janelas. Segundo a descrição de Marcoy, a igreja, localizada bem a frente das casas, possuía um anel santificado e uma altura destacadamente maior. A construção consistia de uma nave com fachada triangular ladeada por duas torres quadradas salientes. Essas torres eram cobertas com cúpulas com quatro lados, cada um fazendo seus ângulos. Molduras sobriamente distribuídas e algumas janelas pintadas em verde completavam a característica desse templo, sem igual no país. A pavimentação das ruas era de argila, escreveu Marcoy. Marcoy diz que uma das grandes alegrias de Igarapé-Miri era a ânsia movimentada de pequenos barcos, semelhante às abelhas operárias que voam para todos os lados na busca de alimentos para enriquecer a colmeia. Praias, engenhos e casas de campo seguiam um ao outro em intervalos curtos. “A faceirice das casas anuncia a proximidade do centro de civilização”, escreveu.

- Égua, já sofri muito com esse TCC.

GRAVURA DE PAUL MARCOY / REPRODUÇÃO / ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI

O percurso amazônico da viagem do naturalista francês Paul Marcoy ocorreu entre 1846 e 1847. Ele desceu os rios Solimões e Amazonas até encontrar o oceano Atlântico, na foz da baía do Guajará, em Belém. O pesquisador fez descrições do rio, das matas, dos povoados e das populações que encontrava pelo caminho. A figura acima da vila de Santa Maria de Igarapé-Miri, desenhada por Edouard Riou, é uma das que ilustram a passagem pelo Pará. Marcoy comenta que o rio Igarapé-Miri tem 15 léguas de comprimento (75 Km), 50 m de largura e duas braças de profundidade (4,4 m). Por isso, o nome Igarapé-Miri, que significa “rio pequeno”, não é justo. Marcoy descreveu a descida pelo rio como um passeio encantador, durante o qual o sonhador e o artista podem admirar a floresta nas duas margens, levemente refletida “nas águas louras e dormentes”. Comenta, também, sobre o espetáculo do revoar de pássaros brancos, róseos e vermelhos, colhereiros e flamingos. A vila de Igarapé-Miri tinha 50 casas, que eram simetricamente alinhadas, brancas, cinzas claras, amarelos-pa-

- Égua! Que beleza essa pintura.

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OLHARES NATIVOS

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Amazônidas sob o olhar humano de Luiz Braga A obra do fotógrafo Luiz Braga é singela. Talvez aí resida o seu apuro estético e o sofisticado olhar que transforma a cena ordinária em cenário mágico. Em 40 anos de profissão, buscou primeiro a fotografia preto e branco, no final da década de 1970 e início dos anos 1980. Mas na contramão do que se fazia à época, investiu na cor que saltava aos seus olhos e às suas lentes quando das suas passagens pela periferia de Belém, pelo interior do Estado. Mas não é colorido estereotipado que se percebe em sua produção, a Amazônia romântica. É mais a postura do homem que aqui habita, o esforço do trabalho e a postura do corpo, jogos de luz e sombra em posturas de mulheres comuns, como na foto que abre esta galeria. Essa imagem é uma das suas mais clássicas feitas com a técnica nightvision, na Ilha dos Amores, em Mosqueiro. O céu que parece que vai desabar, as águas revoltas e a figura do homem, imponente, compõem uma cena de mistério e sonho. Reunindo mais de 100 imagens, a maioria delas inéditas, o fotógrafo apresenta a exposição “Retumbante Natureza Humanizada” até dia 17 de novembro, no Museu do Estado do Pará (MEP), em Belém. É ainda uma mostra especial: em novembro, o artista completa 60 anos e uma parte da exposição foi reservada para mostrar esse percurso, por meio de registros e documentos.

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OLHARES NATIVOS

Descansando na canoa

O gesto do homem, que descansa sobre a sua canoa, na antiga Estrada Nova, hoje Bernardo Sayão, no bairro da Condor. Luiz lembra que a imagem fala ainda de uma época em que ele tinha total liberdade para fotografar, sem temer a violência urbana.

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Asas encarnadas. Açougueiro encarnado. A imagem é um díptico, a união de duas fotografias para formar uma só obra. A primeira foto foi feita em 2014 no Marajó e a segunda em 1983, na feira do Ver-o-Peso. A obra só foi possível ser elaborada após o passar do tempo. Enquanto isso, ficaram guardadas no arquivo do artista. Essa imagem reflete a essência da exposição, para Luiz Braga, que trata também sobre o tempo.

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OLHARES NATIVOS

Monster woman

A imagem feita em Mosqueiro é especial para Luiz Braga por se tratar de uma tradição que já mudou bastante: a dos parques de diversões. Se antes esses ambientes eram suas searas para imagens, hoje ele já quase não busca mais pela descaracterização estética. “Perdeu a graça pra mim, ainda bem que fotografei essa época”.

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Carregando a canoa

Em Mosqueiro, na praia do Ariramba, Luiz Braga também foi em busca de retratar o homem amazônida. “O que me encanta é o gesto e como o trabalho molda o corpo. Não tem academia de ginástica aí, é só trabalho. É a anatomia que chama atenção”, diz. SETEMBRO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

Mulher entre fitas

Durante uma visita à escritora Maria Lúcia Medeiros, em 2003, que morava em Mosqueiro, acompanhado da curadora Rosely Nakagawa, Luiz avistou ainda na estrada uma festividade e resolveu descer. Foi quando o chamou atenção a mulher entre as fitas. “Gosto desse enquadramento e do desfocado, dessa estética do erro”.

Escada para o céu

A foto revela o lado de arquiteto, de urbanista do fotógrafo, atento às modificações da cidade e das intervenções do homem no ambiente. Quando viu a escada ao lado de uma loja de confecções, que não vai a um outro piso, Luiz atentou-se para o quão surreal parecia a cena. “É a gambiarra da arquitetura”. A loja ainda existe em Salvaterra, no Marajó.

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Descansando sobre sacos

A imagem feita no Porto do Sal, no bairro da Cidade Velha, em Belém, mostra o trabalhador descansando após o trabalho. Luiz recorda-se que foi em busca de um serviço para conserto de vela de barco quando avistou o homem nessa pose. “É de uma tranquilidade, de uma placidez, mesmo a gente sabendo que ele poderia estar trabalhando desde a madrugada”, conta.

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OLHARES NATIVOS

Onde a onça bebe água

No rio Trombetas, na região do Baixo Amazonas, no oeste do Pará, Luiz Braga avistou um homem tomando água do igarapé. A obra “Onde a onça bebe água” refere-se ao comportamento mimético do homem interiorano, ou como o artista diz, um “homemfera”. Foi justamente essa naturalidade e a gestualidade do caboclo que fez com o que o fotógrafo se encantasse pela cena. .

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos

Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES FERNANDO SETTE

IDEIASVERDES

Fauna preservada

ANIMAIS SILVESTRES EM ZONAS FLORESTAIS DO PARÁ GANHAM ATENÇÃO DO PODER PÚBLICO PÁGINA 34

ÁRVORES

QUADRINHOS

O engenheiro agrônomo Sérgio Frazão, da Ufra, defende um plano de arborização mais eficiente para os municípios paraenses. PÁG.30

O projeto “Esquadrão Amazônia”, do desenhista Joe Bennett está prestes a se sair da gaveta e ganhar as páginas das HQs. PÁG.44


ENTREVISTA

Q

uem anda pelo centro da cidade de Belém percebe que muitas ruas são repletas de árvores. Por outro lado, não é uma realidade nas periferias. A arborização não é um privilégio para todos. Vários benefícios podem ser trazidos à sociedade com a arborização no meio urbano. Isso inclui temperatura mais baixa, lugares sombreados, amenização da poluição sonora e tornar a cidade visualmente mais atraente. O professor de Agronomia, doutor em Geologia e Geoquímica Sérgio Brazão, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), defende os benefícios da arborização na cidade e orienta sobre como a população deve proceder na retirada ou poda de uma árvore.

O que pode acontecer quando é feita a poda em uma árvore de forma errada? Os fios elétricos na nossa região prejudicam o crescimento das árvores. Quando a árvore inicia seu crescimento, por conta dos fios, lança galho sempre para um determinado lado. Com isso, a força da árvore é direcionada. O peso da árvore aumenta quando é podada de forma irregular. O peso vai para um lado só e a árvore fica desequilibrada e acaba caindo. Existem casos que a árvore mal podada não cresce. Nós temos que ter um passeio que permita à população andar na sombra, pois aqui é muito quente. A Europa adotou a subterraneização dos fios. Algumas cidades do Sul e Sudeste do Brasil já estão adotando isso também. Em outras cidades adotaram a utilização do fio encapado. Assim, a árvore cresce, encosta no fio e o ignora. Em Belém, o fio, além de ser aéreo, é desencapado. Às vezes tem acidentes com pessoas que se encostam. Quem deve se responsabilizar pela poda, retirada e plantio das árvores na cidade? Qual é a dificuldade de ter essa arborização aqui em Belém? 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“Uma cidade com árvores fica outra coisa”

O PROFESSOR DE AGRONOMIA, DOUTOR EM GEOLOGIA E GEOQUÍMICA SÉRGIO BRAZÃO, DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA (UFRA), É UM ENTUSIASTA PELA ARBORIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS E ALERTA PARA A NECESSIDADE DA PARCERIA ENTRE PODER PÚBLICO E POPULAÇÃO NA GESTÃO AMBIENTAL. TEXTO ANA PAULA MESQUITA FOTO AKIRA ONUMA


AKIRA ONUMA

CADÊ O VERDE QUE ESTAVA AQUI?

O crescimento urbano desordenado das cidades, como Belém, suprime as áreas arborizadas, prejudicando o meio ambiente e a sociedade

Qualquer retirada de árvore sem acionar a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) é crime. A Semma saberá como proceder e tomar todos os cuidados. A população, muitas vezes, não procura a secretaria e faz o serviço de forma irregular, prejudicando o crescimento da árvore. Às vezes, plantam árvores que não são adaptáveis ao clima da cidade. A população tem que se responsabilizar pelas árvores que estão nas calçadas públicas ou em frente às suas casas, acionando, sempre, a Semma. A secretaria, por outro

lado, tem que zelar pelas árvores e fazer o plantio. Embora não seja uma tarefa muito fácil. Belém tem 55% de favela. Fazer um planejamento de arborização nessas localidades é muito difícil. Não tem calçada, não tem rua, as casas são construídas uma em cima da outra. Recentemente, foi feito um levantamento pelo IBGE de toda a arborização do Brasil, comparando as capitais com mais de um milhão de habitantes. O último lugar em arborização foi Belém, com 22%. Quais são as espécies de árvores que mais podem se adaptar a Belém? Fizemos um levantamento e encontramos mais de 150 espécie de árvores diferentes em Belém. As árvores mais abundantes

“A população, muitas vezes, não procura a secretaria e faz o serviço de forma irregular, prejudicando o crescimento da árvore. Às vezes, plantam árvores que não são adaptáveis ao clima da cidade.” SETEMBRO DE 2016

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ENTREVISTA

na cidade são o ficus, que foi plantado pela população; seguido dos oitizeiros, castanholas e mangueiras. O oiti é a melhor árvore para ser plantada na cidade: não quebra a calçada, tem enraizamento profundo, quase não adoece e aguenta poda errada. O jambeiro, uma árvore frequente em Belém, libera uma substância da raiz chamada de alelopatia, que impede as plantas de crescerem ao redor da árvore. Onde tem jambeiro, não tem planta nenhuma em baixo. Isso controla o aparecimento de ervas e invasoras ao redor da árvore. Da castanhola, algumas pessoas reclamam, pois a folha é grande e entope os bueiros. Isso não é problema. Basta o poder público fazer o serviço de limpeza urbana. A folha da castanhola traz um grande beneficio ao meio ambiente, pois fornece nutriente ao solo. Porém, nem em todo lugar ela deve ser plantada, porque a raiz quebra a calçada. A mangueira resiste muito. Essas mangueiras que a gente encontra na cidade e que são centenárias, não estão velhas. Pelo contrário: estão no meia vida. Ainda são produtivas.

“Para plantar uma árvore, tem que ter conhecimento, ter estudo do solo. É função do poder público retirar as árvores antes que elas caiam, porque nas florestas, elas caem porque é da natureza.” 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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A falta de conhecimento da população seria uma agravante para a falta de arborização na cidade? Para plantar uma árvore, tem que ter conhecimento, ter estudo do solo. É função do poder público retirar as árvores antes que elas caiam, porque nas florestas, elas caem porque é da natureza. Quando caem, se decompõem e essa decomposição é boa, porque esse material se incorpora ao solo e serve para novas árvores. Na cidade, isso não pode ocorrer. O poder público tem que se antecipar e fazer uma série de testes: se o tronco está sendo infestado por insetos, deve-se usar aparelhos para avaliar a rizosfera e outros materiais adequados para poda correta. De que forma o poder público poderia avançar na questão da arborização na cidade? O poder público tem que se equipar para atender a demanda da população. A população tem que exigir os serviços. O que se observa é que a própria população

faz serviços que a Semma deveria fazer. Só a secretaria sabe qual a espécie de árvore adequada para o local solicitado pela população. Além disso, Belém tem que acabar com as favelas da cidade. Belém não pode ser uma cidade com maior expansão de favela do Brasil. É um projeto caro, mas a questão é o planejamento. É possível. Tem lugares onde as pessoas não têm nem como entrar em casa de tão estreito. Como que vai plantar uma árvore onde não tem espaço?


ZONAS VERDES Veja o percentual de árvores por calçada entre as principais capitais brasileiras*

CLAUDIO SANTOS / AGÊNCIA PARÁ

Quais são os benefícios para a sociedade com uma cidade arborizada? Uma cidade com árvores fica outra coisa! Bonita! A árvore diminui a temperatura do ambiente, torna o ambiente agradável. A cidade passa a conviver com a fauna que vem transitar pelas árvores e, com isso, fazendo polinização e ganhando frutas. Além de algo importantíssimo: a cidade ganha amenização sonora. O som diminui com a árvore. Fiz um estudo no Museu Emílio Goeldi, discutindo se era para auto-

rizar ônibus nas proximidades do Museu. Nesse estudo, medimos a pressão sonora na travessa Nove de Janeiro. Estava alta. Mas à medida que entrávamos no Museu, o som diminuía. No meio do museu, não se escutava o som das ruas com a mesma intensidade. Na árvore, cada folha rebate parte do som para outra folha e até chegar no meio do museu o som está ameno. É um trabalho acústico dentro da cidade. Pode passar os carros, caminhões, mas o som é de menor intensidade.

* PERCENTUAL DE DOMICÍLIOS COM ARBORIZAÇÃO NO ENTORNO EM RELAÇÃO AO TOTAL DE DOMICÍLIOS NA CIDADE / FONTE: CENSO 2010 IBGE

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CAPA

natureza Em harmonia com a

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO PARÁ ESTÃO ENTRE AS MAIORES DO MUNDO EM EXTENSÃO E VOLUME DE BIODIVERSIDADE. RECENTEMENTE, O ESTADO GANHOU MAIS QUATRO NOVAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO EM ZONAS FLORESTAIS, GARANTINDO A PROTEÇÃO DA FAUNA, DA FLORA E DAS COMUNIDADES TEXTO JOÃO CUNHA FOTOS FERNANDO SETTE

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P

ará, 2011. No mesmo ano em que a revista Amazônia Viva faz sua estreia nas bancas, outro ciclo pedia começo: a transformação de quatro zonas de floresta na esfera estadual em Unidades de Conservação (UCs). Localizadas a nordeste e sudoeste do Estado, as áreas conjuntas delas somam quase 35 mil hectares, em um mosaico de manutenção de hábitos culturais, nascedouro de espécies e fonte de diversas formas de vida, da escala microscópica até grandes populações humanas. Sob a pressão das queimadas, invasores de terras e da escalada de projetos econômicos, a urgência em preservar esses ambientes era reivindicada há tempos por grupos de cientistas e comunidades inteiras. Mas cinco anos atrás, enfim, esse desejo tomou forma no pedido do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio), à época chamado somente “Ideflor”. Um salto para os tempos atuais. No último dia 20 de julho, uma segunda-feira, o Diário Oficial do Estado publicou os decretos de Nº 1.566 e 1.567. É oficial a criação de quatro Unidades de Conservação no Pará. Margean-

do o rio Xingu, no município de Senador José Porfírio, o Tabuleiro do Embaubal, um importante sítio de desova para milhares de tartarugas-da-amazônia, se tornou um Refúgio de Vida Silvestre (REVIS). A vizinha Vitória de Souzel, casa de povos ribeirinhos que vivem do manejo dos seus recursos naturais, agora é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Situação parecida acontece a muitos quilômetros dali, dentro do município de Maracanã, na região do Campo das Mangabas. A reserva de mesmo nome e o Refúgio de Vida Silvestre “Padre Sérgio Tonetto” resguarda a cultura de extração dos frutos da mangaba e do bacuri e a rara ocorrência de vegetação de Cerrado em pleno bioma amazônico. Ao adentrar o sexto ano, que coincide com mais uma conquista ambiental para o Estado, a revista Amazônia Viva apresenta um perfil das novas unidades de conservação do Pará. As formas de gestão, desafios, a diversidade biológica, a importância socioeconômica, os potenciais científicos. E também como cada uma delas vai se integrar à estrutura de conservação ambiental do Pará, uma das maiores e mais complexas do planeta.

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CAPA

POLÍTICAS PÚBLICAS

Crisomar Lobato (à esquerda) e Rubens Aquino, do Ideflor-bio, dizem que as unidades de conservação representam um avanço ambiental no Estado

Unidades de Conservação: de Chico Mendes ao ICMBio O nome Chico Mendes ecoa muito mais forte pela Amazônia e Brasil afora, por onde tenha floresta, depois que o homem, ambientalista e seringueiro, foi silenciado com um tiro no quintal de sua casa, em Xapuri, no Acre, no final dos anos 1980. Em sua memória, foi batizado o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade ligada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) que regula as unidades de conservação em nível nacional. O grande guia é para criar, gerir e fiscalizar UCs é o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), cujo cumprimento também é tarefa do

ICMBio. Estabelecido por lei em 2000, ele é resultado de um movimento internacional que ganhou força a partir da década de 1970 e pôs a preocupação com o meio ambiente no centro dos debates, em paralelo ao trabalho de mulheres e homens do campo, como o próprio Chico Mendes, de se relacionar de forma racional com os outros elementos da natureza. É o SNUC que orienta o Poder Público sobre os “espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos”. As unidades de conservação são criadas por razões de proteção da biodiversidade, panorama para pesquisas científicas, educação ambiental e turismo ecológico e para o uso sustentável dos recursos naturais da fauna e da flora voltada para o desenvolvimento das comunidades extrativistas e tradicionais. “Essas áreas geralmente são criadas a partir de uma indicação técnico-científica dos institutos de ensino e pesquisa, das secretarias, identificando áreas de importância ecológica para serem protegidas”,

ÁREAS PRESERVADAS Compare os tipos de Unidades de Conservação no Pará GRUPO / QUANTIDADE / HECTARE / % DO ESTADO

5.503.470,82

FONTE: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA DO ESTADO DO PARÁ - ÁREAS, ATOS LEGAIS E MUNICÍPIOS - CRISOMAR LOBATO, ENGENHEIRO FLORESTAL, DIRETOR DE GESTÃO DA BIODIVERSIDADE - DGBIO 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

PROTEÇÃO INTEGRAL 9 áreas hectares

4,41%

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USO SUSTENTÁVEL 16 áreas

15.760.451,00 hectares

12,63%

explica Crisomar Lobato, diretor de gestão da biodiversidade do Ideflor-bio. “Aí, começa o trabalho em instância federal, que é do ICMBio, ou estadual, que no Pará cabe ao Ideflor-bio. Prefeituras e propriedades privadas também podem criar suas unidades, desde que cumpram os critérios”, completa. O sistema nacional divide as categorias de unidades de conservação federais em dois grandes grupos: “Proteção integral”, que não podem ser habitadas pelo homem e “Uso sustentável”, que combinam a conservação da natureza com o uso consciente dos recursos naturais. De acordo com o levantamento mais recente do Ministério do Meio Ambiente, feito em fevereiro desse ano, ao todo existem 954 unidades de conservação no Brasil, nas três instâncias de governo, num total de 1.552.769 quilômetros quadrados. Uma área equivalente ao Estado do Amazonas. Esse número está em expansão constante, à medida em que novas UCs estão surgindo, caso das quatro recém-criadas no Pará.

TOTAL 25 áreas

21.263.921,00 hectares

17,04%


Pará, destaque nas políticas de preservação Com aproximadamente 1,25 milhão de km², o Pará é a segunda maior unidade federativa em extensão. Mais de um terço do seu território é formado por Unidades de Conservação, um maciço florestal maior que os estados de São Paulo e Paraná juntos. Crisomar Lobato é testemunha privilegiada da trajetória paraense de preservação ambiental. Mais do que isso, o engenheiro ambiental esteve à frente como consultor de todos os processos de criação de unidades de conservação no Estado, desde a Área de Proteção Ambiental (APA) Arquipélago do Marajó, em 1989. “Todo o arquipélago do Marajó é uma grande unidade de conservação. Foi a primeira que nós criamos e uma das mais conhecidas”, conta. A promulgação da nova Constituição brasileira, no ano anterior, renovou as esperanças e abriu caminho para espaços de preservação de desenvolvimento sustentável. “Desde lá, já foram 25 unidades estaduais que tive o prazer de coordenar a criação ou participar como membro da Equipe para criação legal. E até hoje estou na luta”, afi rma. Dentre as UCs paraenses, o engenheiro do Ideflor-bio destaca a Estação Ecológica do Grão-Pará, na região da Calha Norte, que é a “a maior área de proteção integral do mundo, com mais de 4 milhões de hectares”. A Estação Ecológica do Grão-Pará e a Reserva Biológica do Maicuru, que combinadas formam 5, 5 milhões de hectares e vão dos estados do Amazonas e Roraima, atravessam o Pará e chegam ao Parque Nacional de Tumucumaque, no Amapá, formam um enorme corredor ecológico de preservação. Ao todo, são 21 milhões de hectares destinados a conservação ao longo da Calha Norte. No processo de escolha das áreas regionais que irão se tornar unidade de conservação, Crisomar informa que a prioridade do Ideflor-bio é “a ecologia, a importância da biodiversidade presente. O ‘Refúgio de

Vida Silvestre (REVIS) Tabuleiro do Embaubal’, a ‘Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Vitória de Souzel’, o ‘RDS Campo das Mangabas’ e a ‘REVIS Padre Sérgio Tonetto’ foram criados com base na especialidade ecológica e socioeconômica de cada uma delas”.

RESERVAS

De acordo com o levantamento mais recente do Ministério do Meio Ambiente, feito em fevereiro desse ano, ao todo existem 954 unidades de conservação no Brasil

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CAPA

Refúgio de Vida Silvestre Tabuleiro do Embaubal

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Animais silvestres, como aves de rapina, encontram refúgio em Tabuleiro do Embaubal, no município de Senador José Porfírio. Tartarugas-da-amazônia desovam todos os anos no local.

nas águas represadas. O REVIS tem o objetivo de proteger ambientes naturais que guardam condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade. O plano será construído coletivamente entre o Ideflor-bio e as populações que moram no entorno da nova unidade de conservação. Fora da estação das tartarugas-da-amazônia, o Tabuleiro do Embaubal mostra potencial para o turismo ecológico, além de ser um espaço de interesse perene para pesquisas científicas em biodiversidade.

Localização: Município de Senador José Porfírio, sudoeste do Pará Área: 4.033,94 hectares Bioma: Amazônico, com predominância de florestas de várzea. Rio, ilhas, praias e furos. Serviços ambientais: Extremamente alto em relação aos ecossistemas aquáticos com a preserIDEFLOR / DIVULGAÇÃO

Na temporada de setembro a novembro, cerca de 10 mil tartarugas-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem destino certo: as praias estreitas de Embaubal e Juncal, na região do Baixo Rio Xingu. Conhecido como Tabuleiro do Embaubal, esse é o maior sítio de desova de quelônios da espécie em toda a América do Sul. O Tabuleiro não é procurado somente pelas tartarugas. Aves migratórias, a exemplo da águia pescadora, maçaricos e biguás e outras espécies em situação de vulnerabilidade, como o boto vermelho, o pirarucu e o peixe-boi, jacarés também circulam pela área de pouco mais de 4 mil hectares, localizada no município de Senador José Porfírio e a 80 km de distância de Altamira. O lugar, recém-promovido a Refúgio da Vida Silvestre, é considerado pelo Ministério do Meio Ambiente uma “área prioritária para conservação e de alta importância para a biodiversidade”. Nos últimos anos, a desova de quelônios nas praias do rio Xingu está em risco por uma conjunção de fatores, como o rebaixamento da areia do Tabuleiro em relação ao nível do rio Xingu e a modificação dos ecossistemas por interferências antrópicas. A mais recente e agressiva delas é o pleno funcionamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que pode provocar o desaparecimento de praias fluviais, além de alterações físico-químicas

VIDA SELVAGEM

vação e a conservação dos quelônios e demais espécies de peixes.


NAS ÁGUAS

Vitória do Souzel é uma unidade de conservação voltada para as populações que historicamente já vivem lá, no leito do rio Xingu

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Vitória do Souzel Ao contrário do Tabuleiro do Embaubal, Vitória do Souzel é uma unidade de conservação voltada para as populações que historicamente já viviam lá, no leito do Rio Xingu. O objetivo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) é preservar a natureza e, ao mesmo tempo, fornecer as condições e meios básicos para que os modos e a qualidade de vida dos moradores sejam protegidos. Outra missão da nova unidade é valorizar e aperfeiçoar o conhecimento e as téc-

nicas de manejo do ambiente desenvolvido há muito tempo por estas populações, proporcionando renda extra às famílias. No quesito de biodiversidade, o Lago Cajuí é um reservatório natural de destaque, que abriga e alimenta uma vasta gama de espécies de peixes, aves e répteis, principalmente na época de estiagem. “O que estamos vendo no município de Senador José Porfírio, é a criação de um pequeno bloco de duas unidades de conservação, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável maior, que garante a manutenção das populações tradicionais, com seus hábitos extrativistas, modos de vida e no interior dela você aprimora o detalhamento da preservação com um Refúgio de Vida Silvestre, pro-

tegendo as tartarugas-da-amazônia”, diz o presidente do Ideflor-bio, Thiago Valente. “Assim, incentivamos que os hábitos das populações extrativistas sejam mantidos e que elas absorvam e se apropriem da própria unidade de conservação e ajudem a sociedade a fazer a preser vação desse ecossistema como um todo”. Na etapa de consulta popular, o estabelecimento da “REV IS Tabuleiro do Embauba l” e da “RDS Vitória do Souzel” foi aprovado com 92% de votos favoráveis. O próx imo passo agora é a criação de um Conselho Deliberativo, forma ndo pelo Idef lor-Bio, representa ntes de órgãos públicos e as populações tradicionais residentes na área.

Localização: Município de Senador José Porfírio, sudoeste do Pará Área: 22.956,88 hectares Bioma: Amazônico, com predominância de florestas de várzea. Rio, ilhas, praias, furos, lagos, poços e igarapés. Serviços ambientais: Extremamente alto em relação aos ecossistemas terrestres e aquáticos com a conservação dos quelônios, demais espécies de peixes e proteção de espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção.

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CAPA

FOTO: IDEFLOR / DIVULGAÇÃO

Refúgio de Vida Silvestre Padre Sérgio Tonetto Abrindo o caminho entre a relva amarelada, irmã Iraci Gomes fala das plantas como quem comenta, orgulhosa, de um parente próximo. “Essas aqui a gente plantou faz uns três anos durante o reflorestamento, olha como está bonita”, indica com mãos estendidas em específico para as folhas de uma mangabeira de bom porte, uma entre centenas que enchem o campo do Refúgio de Vida Silvestre (REVIS) Padre Sérgio Tonetto. O cenário, repleto de árvores baixas, com tronco fino e ilhado por capim, sugere que aquele pode ser um pedaço de campo em Mato Grosso ou Goiás. Mas a localização é 100% paraense: o município de Maracanã, próximo ao litoral nordeste do Estado. O Campo das Mangabas, e dentro dele o REVIS, é uma manifestação singular de Cerrado em meio ao bioma amazônico. “As pessoas das imediações se surpreendem com essa vegetação, não tem nada parecido

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por aqui”, afirma irmã Natércia Fonseca, outra figura de proa nas 13 comunidades que vivem ao redor e no interior do campo. Integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), as missionárias, em conjunto a outras lideranças comunitárias, chamaram a atenção da então Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), hoje Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e do antigo Ideflor para a importância de preservar a área, em 2007. “O caso do Campo das Mangabas e da REVIS foi o encontro de obrigação governamental de proteger essas mostra representativa da fauna e da flora desta região com a vontade do povo que mora lá”, destaca o engenheiro florestal Crisomar Lobato. Apesar do ecossistema de Cerrado estar presente por todo

o Campo das Mangabas, somente 339 hectares foram para receber a unidade de conservação de proteção integral. Isso significa que a vegetação nativa não pode ser retirada, sendo permitido, no entanto, a coleta dos frutos da mangaba e do bacuri, típicos da região. O nome da unidade, conta irmã Iraci, foi uma escolha popular em homenagem a um falecido padre da região, uma das pessoas “que mais lutou pela resistência do Campo das Mangabas”. O REVIS Padre Sérgio Tonetto tem como objetivo básico proteger de garantir a preservação de uma pequena parte da biodiversidade local, favorecendo com isso o desenvolvimento estudos que permitam um conhecimento mais aprofundado do ecossistema ali existente em prol das comunidades locais.

Localização: Município de Maracanã, nordeste do Pará Área: 339,28 hectares Bioma: Amazônico, com predominância de vegetação de cerrado. Rios e igarapés. Serviços ambientais: Alto. Preservação da biodiversidade do ecossistema existente em apenas três dos 144 municípios do Estado do Pará.

VEGETAÇÃO

A paisagem de Cerrado em plena amazônia também abriga espécies vegetais e frutíferas típicas da região


Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Campo das Mangabas

A agricultora Sandra Furtado lembra os tempos fartos no Campo das Mangabas, quando era criança nos idos da década de 1970. “Em novembro, a gente corria pra lá, de paneiro na mão, pra catar as mangabas caídas do pé”, relata. Com o tempo e o fogo,

os frutos foram escasseando. “Não sei porque tem quem incendeie os campos ainda hoje. Existe uma crença antiga que o fogo faz a mangabeira crescer mais forte e bonita, mas isso é uma grande besteira”, lamenta. Sandra mora em Aricuru, a última das comunidades em volta do Campo das Mangabas, no encontro com o litoral e o Rio Maracanã. Integrante da associação local de pescadores e agricultores, ela participou da criação legal do Reserva de Desenvolvimento Sustentável e espera que ela “melhore a situação do campo. Nós replantamos o que foi destruído e dá pra ver como a resistência da man-

gabeira, que sempre nasce de novo. O que queremos é o amparo da lei”, projeta. Com a preservação dos 7.062,02 hectares da “Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Campo das Mangabas”, se estimula a colaboração das comunidades locais, no exercício das atividades de fiscalização, de competência do órgão ambiental, relativas à proteção dos recursos naturais existentes e o combate às queimadas. É promovida também a realização de pesquisas relativas a modelos de desenvolvimento sustentável que se adaptem à biodiversidade e às condições ambientais da área.

Localização: Município de Maracanã, nordeste do Pará Área: 7.062,02 hectares Bioma: Amazônico, com predominância de vegetação de cerrado. Rios e igarapés. Serviços ambientais: Alto. Preservação da biodiversidade do ecossistema existente em apenas três dos 144 municípios do Pará.

PARCERIA

As comunidades comunidades locais colaboram com atividades de fiscalização junto com órgãos ambientais

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SUSTENTABILIDADE

Uma cor regional

FOTOS: NAILANA THIELY / ASCOM UEPA

Pesquisadoras aplicam corantes naturais à manteiga de leite de búfala do Marajó

N

as últimas décadas, devido às críticas dos consumidores e controle por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), houve restrições sobre o uso dos corantes artificiais, sintetizados por derivados do petróleo ou alcatrão de carvão nos alimentos. As substâncias deixam a alimentação visualmente atrativa, porém os efeitos no organismo são devastadores. Quase indispensável no pão com café, em receitas de bolo, e até na fritura de alimentos, a manteiga industrializada lista entre os alimentos acrescidos de corantes. Em Salvaterra, no arquipélago do Marajó, a manteiga industrial é substituída pela artesanal, totalmente natural. As egressas do curso de Tecnologia de Alimentos da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Camila Pother Pereira, 26 anos, e Mylla Christy Dufossé, 25 anos, 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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decidiram transformar a manteiga branca proveniente do leite de búfalas, de consistência cremosa e levemente salgada, em amarela alaranjada, a partir do acréscimo de corantes naturais, extraídos dos óleos das polpas e sementes do buriti, tucumã, inajá e piquiá. Além de inovar no sabor, cor, textura, e cheiro, a manteiga artesanal acrescida das frutíferas amazônicas possui benefícios antioxidantes, anti-inflamatórios, é rica em vitamina A e betacaroteno. “Aparentemente ninguém dizia que era manteiga por ser branca, e que era sim gordura vegetal. Quisemos agregar valor ao dar cor para que os trabalhadores do Marajó consigam competir no mercado”, diz Mylla Christy. As tecnólogas em alimento adquiriram o creme do leite da búfala e produziram a manteiga. No Laboratório de

Alimentos da Uepa, elas bateram o creme no liquidificador, separaram o soro, acrescentaram água para retirar as impurezas da gordura e deixaram a mistura descansar na geladeira. Os frutos de buriti, inajá, piquiá e tucumã foram coletados em Salvaterra. Eles passaram por seleção, sendo descartados os que apresentavam danos. Em seguida foram lavados, cortados em pequenos pedaços, levados para a estufa, e posteriormente secados no micro-ondas para prensagem manual. A partir disso, se extraiu os óleos de cada fruta, misturados com a manteiga. O processo de extração contou com o apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa). Cerca de 40 pessoas, entre homens e mulheres, jovens e adultos, foram convidados a avaliar aroma, sabor, aparência,


consistência, cor, teor de sal e intenção de compra. Em todos os quesitos, as manteigas caíram no gosto dos provadores. No geral, a manteiga com óleo de piquiá foi a que teve maior aceitabilidade no sabor, aparência e teor de sal. No quesito aroma, cor, consistência, a de tucumã obteve destaque. Os demais óleos receberam avaliações nota 8, que significa “gostei muito”, e nota 7, “gostei moderadamente”. Segundo Camila Pother, a cor ainda é fator importante para a compra da manteiga. “Geralmente as pessoas comem primeiro com os olhos. Depois vem o cheiro e paladar. A manteiga que vende no comércio tem a cor amarela. Para quem está acostumada com esse padrão, ver uma branca estranha. Essa manteiga, além de ser armazenada em temperatura ambiente, possui vida de prateleira maior comparada à manteiga tradicional, pois tem o betacaroteno, vitamina A e dá maior valor nutritivo”, destaca.

EXPERIMENTO

Após a extração dos corantes naturais dos óleos do buriti, piquiá, inajá e tucumã, eles são misturados à manteiga do leite de búfala

SAÚDE DA TERRA Conheça os benefícios dos frutos amazônicos

Buriti

Inajá

Tucumã

Piquiá

Elevado conteúdo de lipídeos na pol-

Fonte de fósforo, magnésio e lipídeos,

Fonte de betacaroteno, possui o ácido

Alto teor de pigmentos (carotenoides)

pa, ácidos graxos, grande quantidade

ácidos oleico, palmítico, mirístico

oleico como o principal ácido graxo

de cor vermelha, alaranjada, amarela,

de ácido oleico e palmítico. O óleo da

e linoleico. O óleo do fruto de inajá

presente no óleo retirado da polpa,

encontradas nas células dos vegetais

polpa do buriti pode ser utilizado para

apresenta ácidos graxos essenciais,

que é rica em caroteno, vitamina A,

e que o fruto, ao ser consumido pelo

fabricar protetor solar, pois absorve as

que se destacam por sua relevância de

proteínas, carboidratos, minerais e

ser humano, ajuda na prevenção de

radiações eletromagnéticas.

caráter nutricional.

fibras.

doenças como o câncer.

FONTE: EXTRAÇÃO DE ÓLEOS VEGETAIS DE FRUTÍFERAS AMAZÔNICAS PARA ENRIQUECIMENTO SENSORIAL E NUTRICIONAL DE MANTEIGA DE BÚFALA (TCC DE CAMILA POTHER E MYLLA CHRISTY )


ARTE+PESQUISA

Super-heróis amazônicos

DIVULGAÇÃO

O Esquadrão Amazônia é uma equipe criada pelo quadrinista Joe Bennett TEXTO VICTOR FURTADO FOTO FERNANDO SETTE

U

ma nave alienígena invade a Terra e pousa numa floresta do Pará! A nave é um ser vivo, uma entidade, mas está doente e busca uma cura! O maior super-herói do mundo, o Poderoso Maximus, tenta, mas não é capaz de enfrentar os invasores que trazem um risco ao planeta! Outros sete heróis amazônicos então se unem e dão origem ao Esquadrão Amazônia! Quem são esses alienígenas, capazes de ameaçar a vida terrestre para salvar a própria existência? Esse é o enredo do novo projeto do qua44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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drinista paraense Joe Bennett (Marvel, DC, Valiant e vários projetos), que em 15 dias bateu a meta de R$ 16 mil do financiamento coletivo (crowdfunding) pelo site Catarse. Com mais de 30 anos de experiência nas HQs de super-heróis que conquistaram fãs pelo mundo todo, resolveu fazer algo novo, com a identidade local, capaz de cativar novos leitores para o gênero e agradar os mais antigos e exigentes. Para isso, convidou outros artistas locais dos quadrinhos para compor o time: Alan Yango (criador do Poderoso Maximus e responsável pelo roteiro da história), Alan

Patrick (desenhista assistente) e Márcio Henrique Loeser, também quadrinista. Bem antes do encerramento da campanha, poucas das recompensas de lances superiores ao mínimo de R$ 15 - que dá direito à revista autografada (com nome do apoiador nos créditos) e entregue em casa (frete para todo o Brasil) - ainda estão disponíveis até o dia 20 de setembro. “Acho que essa produção por demanda, através do financiamento coletivo ou plataformas digitais é o futuro. Quando chamei o Yango para esse projeto por crowdfunding, confesso que não botei fé. E me surpreen-


di. É um público certo e que sabe o que está comprando”, comenta Bennett. O Esquadrão Amazônia tem super-heróis com nomes, identidades, poderes e origens bem regionais: a geneticista Onça (a líder do grupo); os indígenas Açu e Jurema; a geóloga Aruã e o o marido dela, o sociólogo e xamã Sucuri; a cantora adolescente Iara; e o jovem religioso Búfalo. Bennett observa que a ideia, desde o início, era de fazer um grupo composto, majoritariamente, por personagens femininos e que fosse liderado por uma delas. Ele diz que não faz parte do objetivo aprofundar demais a história em debates sobre questões sociais, mas garante que essas discussões não estarão ausentes. Os nomes reais, por enquanto, são surpresas. Assim como que rumos a história UNINDO FORÇAS - Para Joe Bennett, projeto de HQ só está sendo possível graças aos esforços do financiamento coletivo

PLANTEL PODEROSO

Conheça os integrantes do Esquadrão Amazônia

AÇU

JUREMA

BÚFALO

IARA

ONÇA

ARUÃ

SUCURI

Indígena de uma

Irmã de Açu. Ape-

Jovem, filho de uma

Uma cantora de 17

Uma famosa

Uma geóloga que

Um sociólogo e

tribo que tem

sar da tradição

família religiosa e

anos que também

geneticista que

estava trabalhan-

xamã. É marido

uma tradição: os

da tribo ser para

humilde do bairro

descobriu ser uma

trabalhou na pro-

do numa floresta

de Aruã. Parte do

homens devem

homens, ela, se-

do Jurunas, em

Nova Entidade. A

dução de um soro,

no interior do Pará

metal líquido que

beber do líquido

cretamente, viveu

Belém, descobriu

voz dela é superpo-

que ela testou em

quando encontrou

tomou conta da

que brota de uma

bebendo o líquido

pertencer a uma

derosa, capaz de

si própria, e obteve

um buraco estra-

esposa se juntou a

pedra. De tempos

da pedra e obteve

raça denominada de

deixar um rastro de

visual e poderes

nho. Ao explorar

ele e formou uma

em tempos, o

os mesmos pode-

“Novas Entidades”.

destruição pelas

felinos. É capaz

o local, encontrou

tatuagem. Dali,

líquido forma um

res que irmão.

Ele assumiu a forma

ondas sonora. Usa

de enxergar no

um metal líquido

ele pode formar

campeão, um guer-

de um búfalo huma-

um uniforme com

escuro, tem força e

alienígena que

diversas ferra-

reiro com super-

noide, dotado de

asas movidas pela

velocidade muito

destrói o corpo

mentas e armas,

força, velocidade

superforça e incrível

vibração da voz. É a

superiores a de

dela e então o

principalmente um

acima do normal e

resistência. É ingê-

mais jovem da equi-

cinco homens,

reconstrói se fun-

bastão em formato

invulnerabilidade e

nuo, sensível e muito

pe e encontrará um

possui instintos e

dindo ao organis-

de cobra. É o guia

capaz de voar.

religioso, sendo o

grande amigo em

sentidos aguça-

mo. O corpo inteiro

espiritual e a sa-

“alívio cômico” e o

Búfalo, pois é como

dos. Ela é a líder

pode se moldar de

bedoria do grupo,

“tanque de guerra”

ele vive os dissabo-

do Esquadrão

diferentes formas

harmonizando as

do grupo.

res de ser diferente e

Amazônia.

e se tornar uma

relações.

temida.

arma.

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• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 45


ARTE+PESQUISA

vai tomar. Contudo, o quadrinista afirma que haverá momentos épicos em locais conhecidos de todo o Pará. “As pessoas acham estranho super-herói no Brasil. Mas o norte-americano te convence que o índio dele pode ser um herói. Por que não podemos pegar o nosso índio e fazer dele um super-herói? Os norte-americanos usam a mitologia grega. Por que não podemos usar a nossa mitologia? Os melhores faroestes não são norte-americanos; são europeus, principalmente os italianos. Eu já tenho quase 50 anos, com mais de 30 de trabalho. Eu queria fazer algo que fosse ideia minha e isso está acontecendo”, comenta Bennett. A batalha contra os alienígenas é apenas o começo das histórias do Esquadrão Amazônia. O que está no financiamento coletivo é a primeira de muitas edições que, em média, terão 40 páginas cada. Esse primeiro arco deverá ser concluído em duas edições. A ideia é fazer tudo por financiamento coletivo e a meta é lançar três edições por ano. O universo do Esquadrão Amazônia é enorme, com histórias paralelas e individuais de cada herói, que serão exploradas em futuras edições solo. Esse plano está mais do que certo, já que as logomarcas dos heróis já foram criadas. Os elos entre cada personagem vão evoluir. Alguns se tornarão parceiros. Outros poderão assumir rivalidades. Novos heróis ainda poderão chegar ao time. Inimigos em comum poderão surgir. Romances, por enquanto, são o que menos Bennett enxerga a curto e médio prazos. Tantas ideias e planos representam uma grande evolução desde que Bennett teve a ideia do grupo, em 1996. A primeira aventura, no entanto, só foi publicada em 2000, numa cartilha publicitária de uma operadora de telefone. Era uma HQ sobre telefonia móvel, em 14 páginas. Fez um enorme sucesso e vários fãs pediam que o grupo saísse da campanha publicitária. Vinte anos depois, o projeto toma forma. Bennett espera que o Esquadrão 46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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SUPERAMIGOS

Joe Bennett convidou outros artistas locais dos para compor o time: Alan Yango (criador do Poderoso Maximus e responsável pelo roteiro da história), Alan Patrick (desenhista assistente) e Márcio Henrique Loeser, também quadrinista.

Amazônia faça sucesso e, rapidamente, conquiste todo o País. E que os leitores deem o feedback para, futuramente, serem feitas histórias solo de cada um dos heróis. Quando isso acontecer, mais artistas serão convidados, dando oportunidade para novos e antigos talentos se encontrarem em um gênero já bem conhecido - que foi impulsionado pela indústria cinematográfica com fi lmes de super-heróis da Marvel e da DC -, mas com a cara do Pará, da Amazônia, do Brasil. Essa fórmula pode, inclusive, levar os heróis para o mercado internacional. A primeira edição será lançada no final de novembro em Belém e em Ananindeua (uma questão pessoal de Bennett, que mora na Cidade Nova há 34 anos), mas as datas ainda não estão totalmente definidas. O lançamento nacional será na feira Comic Con Experience (CCXP), em São Paulo, entre os dias 2 e 4 de dezembro.

COMO AJUDAR Veja como colaborar com o projeto de crowdfunding do Esquadrão Amazônia A página do projeto está no site www.catarse.me/esquadraoamazonia O lance mínimo de apoio é de R$ 15, que garante a edição impressa e autografada da revista, o nome nos agradecimentos da edição e o frete já incluso para todo o Brasil. Várias modalidades de apoio com recompensas exclusivas estão esgotadas. O QUE É FINANCIAMENTO COLETIVO: É uma forma de financiar projetos diversos, no qual o apoiador faz uma espécie de pré-compra de um produto e pode acompanhar o desenvolvimento do projeto. É uma forma segura e mais viável de trabalho, principalmente para artistas independentes. Caso a meta de financiamento não seja atingida, o dinheiro dos apoiadores é devolvido. Mas se o objetivo for atingido, o que já aconteceu há algum tempo com o Esquadrão Amazônia, o produto é entregue a cada um dos apoiadores.


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

PENSELIMPO

Poética política A CANTORA AÍLA LANÇA UM DISCO CHEIO DE REFLEXÕES SOBRE OS TEMPOS ATUAIS

PÁGINA 48

PÁSSAROS

ANÁLISE

O ornitólogo e pesquisador francês Jacques Vielliard gravou e catalogou o canto de várias espécies da avifauna amazônica. PÁG.52

A aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC-65) é uma grande ameaça para o meio ambiente. PÁG.58

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PAPO DE ARTISTA

outras faces de Aíla CANTORA LANÇA DISCO COM SONORIDADE POP DANÇANTE E MOSTRA O AMADURECIMENTO COMO ARTISTA COM CANÇÕES AUTORAIS E DE LETRAS POLITIZADAS.

TEXTO NATÁLIA MELLO

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E

m Cada Verso Um Contra-ataque. Essa antítese que dá nome ao segundo disco de Aíla é a figura de linguagem que envolve a construção do novo álbum. Ela quer dar um recado à sociedade, quer transformação, mas não quer esquecer suas raízes. “Eu adoro ser daqui, queria trazer o Pará comigo, no som, mas a poesia queria falar de outras coisas. Quero dialogar com o mundo inteiro”, afirma. Após quatro anos do lançamento do primeiro trabalho – “Trelelê”, Aíla demonstra um amadurecimento como artista, apresentando algumas canções autorais e com letras que falam abertamente sobre questões sociais em pauta no cenário brasileiro e mundial: feminismo, liberdade sexual, racismo, efemeridade. “Lesbigay”, “Rápido”, “Melanina”, “#NãoVouCalar” são alguns títulos que comprovam o quanto a poesia de Aíla agora é afiada. O figurino do disco traduz um pouco essa linguagem que ela buscava. “Música é imagem também”, acredita. Vitor Nunes, figurinista do músico paraense Jaloo, transformou em roupas e traços a concepção artística da Roberta Carvalho, namorada de Aíla, e que também assina a direção do álbum. A cantora conversou com a reportagem da Amazônia Viva sobre sua transição artística, porque a essência da cantora sempre foi ativista. Agora ela quer mais.

JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

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PAPO DE ARTISTA JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

“A identidade que eu busco é estar ligada ao Pará de maneira mais ativista. Entender que a minha arte pode ser uma revolução social e de pensamento filosófico. Não sei se eu já me achei, mas estou totalmente satisfeita.”

Como tu vês o teu processo de amadurecimento do primeiro disco para o segundo? O primeiro tem essa relação do amor romântico, de compositores da Amazônia que falam muito de fuleragem ironicamente, envolve muito de ritmos do Pará. Tem brega, tem guitarrada, tem lambada, tem carimbó. Se passaram quatro anos e alguns anseios e vontades mudaram. Natural, né? Comecei a compor, então o segundo disco reflete muito esse lado “artevista”, de misturar arte com política mesmo, que é uma coisa que eu sempre fui um pouco ligada, mas é um disco muito dançante. No entanto, ele traz influências novas, traz um punk, um rock, ele tem um brega, uma lambada eletrônica, mas a poesia está muito ligada a essa questão do hoje mesmo, a gente fala de racismo, de questões de gênero, de feminismo, de liberdade sexual, questões sociais, é um disco que queria que fosse pop, com letras diretas, mas que tivesse um recado. Esse ativismo, então, não é exatamente uma mudança da Aíla. Não está mais para uma transição artística? Eu sempre fui muito engajada em movimentos sociais, envolvida em ativismo social político, não filiada a nenhum partido, mas político no sentido de direitos. E eu não tinha refletido isso no meu primeiro disco, o ativismo social com a minha arte. E no decorrer desse tempo eu percebi que era possível. Foi um processo. Eu queria escrever, aí comecei a ouvir uma banda de punk da década de 80 formada só por mulheres, As Mercenárias. Fui assistir ao show delas e me influenciou muito. Foi a abertura de um novo caminho. É possível falar de política e ser legal, as pessoas aderirem. Outra influência para eu compor foi ver que existe um mercado de muitos compositores homens e as mulheres sempre são as cantoras que estão à frente como divas, e hoje eu acho muito cafona isso, então eu queria começar a compor também, quem sabe no próximo disco terá só músicas minhas. Por que se posicionar sobre temas polê-

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micos é importante para a arte? Sempre nas entrevistas que eu dava antigamente, o pessoal falava: “ah, o Pará tá muito ligado a esse ‘boom’ que Pernambuco teve também, com o manguebeat na década de 90”, e eu ficava me perguntando, o movimento deles vinha com poesia política, então quando o Pará estourou foi mais pelos ritmos e pela estética do que pela poesia, eu sentia falta disso. E eu acho que o artista neutro não existe. Se eu pago imposto, por que não vou falar de questões políticas? Então queria muito refletir isso na minha arte. A minha intenção de me posicionar sobre esses temas é dizer que não existe neutralidade artística política, se eu me calar eu vou estar concordando com o que está acontecendo, então eu vou falar para ver se eu transformo, se eu mudo. E hoje eu me encontro mais feliz. No novo disco, tu trazes as tuas próprias canções. O que isso impacta pra ti, na tua relação com a música e na tua postura como artista? Mesmo sendo só interprete do meu primeiro disco, eu sempre achei que quando o intérprete se joga e modifica aquela canção ele é um compositor também. Porque ele as vezes muda completamente a canção. Sugere mudar palavras. Eu tenho sempre essa relação com o compositor, quando a música não é minha. Mas escrever é muito legal também. Acho que existe uma necessidade de empoderamento feminino no meio musical. Pode ser de outras formas, posso tocar baixo, cantar, mas compor é legal porque te liberta. Teve uma mudança muito grande no som do teu primeiro disco para o segundo? Teve uma mudança grande, sim, porque quem produziu esse trabalho foi o Lucas Santana, baiano sobrinho do Tom Zé. Ele tem uma ligação com o eletrônico e é muito criativo. Então ele


JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

traz uma influência pop que eu não tinha, entende o que eu quero falar e transforma isso em músicas muito radiofônicas, dialogamos mais com o eletrônico, e o primeiro não tem muito. E esse segundo disco decidimos fazer todo ao vivo, então errou, volta tudo de novo. O primeiro não, a gente gravou tudo separado, e depois juntava. Agora todo mundo tocou junto, cada um numa salinha, é mais quente, porque todo mundo gravou junto ali, é um ao vivo. De que forma as tuas parcerias locais te influenciam no teu som? Ah, a Dona Onete e o Manoel Cordeiro são dois grandes amigos. O Manoel me acompanhou no início, tinha o filho dele (Felipe Cordeiro) ali comigo tocando, então é uma pessoa que é um grande figura, além de ser um grande guitarrista, e ele mora pertinho de casa em São Paulo. Então quando comecei a compor, mostrava as coisas para ele, ele dá espaço para a gente conversar. A Dona Onete, para mim, só por ela existir é um ato político, porque ela tem quase 70 anos, aí ela fala de amor, de sexo, tem até música gay que ela canta para outra mulher, é uma pessoa incrível, me influencia por ela existir, não precisava nem cantar. Além desses dois tem o Mestre Solano, é um mestre da guitarrada muito especial. Convidei o Manoel Cordeiro para tocar no disco não é porque o disco é de guitarrada, mas porque eu achava massa ele tocar. Então a gente traz ele para uma música política, mas ele traz a referência sonora dele do Pará e Dona Onete fazer música comigo é uma honra. Com tantas referências, como se deu o processo da construção da Aíla artista? Eu acho que é um processo ainda, eu estou em construção, mas esse meu trabalho por ser o meu presente, acho que reflete de fato o que quero fazer daqui pra frente, não quero ter o estereótipo de um ritmo, quero transformar através da minha arte. Eu posso fazer um disco só de punk rock, mas vai ter uma identidade lá porque eu quero transformação através da obra. Eu nasci numa periferia de Belém que é a Terra Firme, eu tenho a minha origem, isso nunca vai mudar, mas acho que a identidade que eu busco é estar ligada ao Pará de maneira mais ativista. Entender que a minha arte pode ser uma revolução social e de pensamento filosófico. Não sei se eu já me achei, mas estou totalmente satisfeita. SETEMBRO DE 2016

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O francês que sabia ouvir os pássaros TEXTO ALINNE MORAES ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Jacques Vielliard 1944-2010


E

le dedicou grande parte de sua vida para ouvir com atenção e estudar detalhadamente o canto dos pássaros. Grande nome da bioacústica, ciência que combina a biologia e aos sons da natureza, o francês Jacques Marie Edme Vielliard contribuiu largamente para as pesquisas sobre a produção sonora dos animais, principalmente das aves em florestas tropicais. Nascido em 22 de agosto de 1944, em Paris, Jacques Vielliard formou-se no Lycée Louis-le-Grand e na Sorbonne. Fez doutorado sobre a ecologia do maçarico Calidris alpina, e apresentou resultados que alteraram o conceito de nicho ecológico. Tempos depois, a agência de pesquisa da França, Office de La Recherche Scientifique Et Technique Outre-Mer (ORSTOM), convidou Vielliard para realizar o levantamento das aves do lago Tchad, até então praticamente inacessível. Seu estudo ecológico e biogeográfico mostrou que não existe uma região de “África Central”, mas sim uma zona de contato bem definida entre as avifaunas da África Ocidental e da África Oriental. Vielliard também foi professor da École Normal Superier, colaborador do Muséum National d’Histoire Naturelle e editor da Revista Internacional de Ornitologia Alauda. Apesar de seus compromissos na África do Norte e Ocidental, que resultaram na edição do primeiro guia sonoro das aves daquela região, o ornitólogo foi convidado a visitar o Brasil. A partir daí, o pesquisador francês estabeleceu as bases para novas pesquisas sobre a avifauna brasileira, desenvolvendo metodologias inovadoras para gravar e analisar as vozes das aves e quantificar suas comunidades. Na década de 1970, aceitou o convite de Zeferino Vaz, Sérgio Porto e Fernando de Ávila-Pires e montou o primeiro laboratório de Bioacústica da América Latina, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em São Paulo. “Ele trabalhou duas linhas dentro da bioacústica, que era a especialidade dele. A primeira estudava o comportamento vocal das aves e a segunda era o que ele chamava de ‘ecologia

quantitativa’, que fazia o levantamento dessas aves em um determinado local. Primeiro ele ouvia os sons e logo depois sabia dizer qual espécie estava naquele local”, lembra Maria Luisa da Silva, professora da Universidade Federal do Pará, que foi casada com Vielliard por 18 anos. Ela explica que logo nos primeiros anos do pesquisador no Brasil ele realizou muitas expedições pelo país e logo se encantou com a Amazônia. “As primeiras expedições foram para o Nordeste e com o passar do tempo ele foi conhecendo outros lugares até chegar na Amazônia, onde se encantou com a diversidade da fauna”, conta. Durante os anos que passou em solo brasileiro o ornitólogo catalogou mais de 30 mil sons de diferentes aves. O acervo reunido por ele e seus colaboradores é extenso. Na coleção, há registros de sons emitidos por animais considerados raros e, muito provavelmente, por espécies que já não podem mais ser encontradas na natureza, como a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii). Por meio do acervo deixado por Vielliard, que morreu em 2010, é possível, segundo Maria Luisa, se conhecer mais sobre a fauna brasileira e suas condições de vida. Ela explica que com o estudo bioacústico da avifauna nacional feito pelo pesquisador aspectos importantes sobre as espécies foram revelados. “No início se tinha pouquíssimas informações sobre as aves. Ele foi uma pessoa que começou na ornitologia aos 14 anos e a partir de seu estudo e dedicação foi possível conhecer outras espécies, aprofundar o conhecimento sobre as que já se sabia da existência, desenvolver novos trabalhos nesse ramo e até mesmo conhecer o local e as condições no qual vivem essas aves”, explica a pesquisadora. Para eternizar ainda mais a contribuição do pesquisador para o mundo a UFPA e a UNICAMP começaram a digitalizar o acervo de sons, que obtido em mais de 30 anos de pesquisas no Brasil é considerado o quinto maior do mundo e logo deve ser disponibilizado na Internet. “Não são apenas cantos de pássaros, é um lindo estudo que nos mostra a fundo o que significam os sons dessas aves que nos cercam”, avalia Maria Luísa. SETEMBRO DE 2016

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AGENDA ELIZA FORTE / AGÊNCIA BELÉM

CULTURAL Estão abertas as inscrições para o prêmio Manifestações Culturais. O projeto é um dos editais integrantes do Programa Seiva, desenvolvido pela Fundação Cultural do Pará (FCP). Essa é a segunda edição do prêmio, que tem por objetivo reconhecer, mapear e catalogar diversas expressões culturais paraenses. O prêmio envolve religiosidades, rituais e festas populares, arte popular, mitos, histórias e outras narrativas orais, processos populares de transmissão de conhecimentos, medicina popular, culinária popular, pinturas, teatro popular, danças dramáticas, entre outros. As inscrições para o prêmio Manifestações Culturais vão até o dia 5 de outubro. O valor do prêmio é de R$ 5 mil. O edital está disponível no site da Fundação Cultural do Pará, www. fcp.pa.gov.br. Mais informações pelo e-mail do Programa Seiva, fcpseiva@gmail.com.

ARTES Um projeto que incentiva a formação de novos colecionadores de artes. Assim é o “Mi-

COWPARADE

Visitação em Belém

nha Primeira Obra”, que reúne trabalhos de quatro artistas – Alexandre Sequeira, Keyla Sobral, Miguel Chikaoka e Pedro Cunha. A

Até o dia 20 deste mês, a CowParade, exposi-

dos 400 anos da cidade.

ideia é, a cada edição, reunir quatro nomes,

ção de arte pública que é realizada em diver-

Além de promover os artistas locais, a CowPa-

que terão suas obras expostas e ofertadas

sas cidades pelo mundo inteiro, estará em Be-

rade tem um cunho beneficente. As peças em

ao público com descontos a partir de 30%.

lém. A ideia inusitada consiste em apresentar

fibra de vidro serão leiloadas em outubro, e

A intenção é oferecer ao público uma varie-

esculturas de vacas pintadas à mão por artis-

todo o dinheiro arrecadado será destinado a

dade de trabalhos, e deixá-lo livre para ad-

tas selecionados. Ao todo são 50 obras espa-

entidades filantrópicas. As escolhidas foram a

quirir aqueles com que mais se identificar. A

lhadas pela cidade, pintadas por 44 artistas

Associação Voluntariado de Apoio à Oncolo-

exposição do projeto “Minha Primeira Obra”

locais, como Sebá Tapajós, Michelle Cunha,

gia (Avao), e a Associação da Pia União do Pão

segue até o dia 24 de setembro, de segunda

Marinaldo Santos, Ruma de Albuquerque,

de Santo Antônio, além das Obras Sociais da

a sexta, das 15h às 19h, na Kamara Kó Galeria

Marcelo Vaz, Jocatos e Emanuel Franco. É a

Paróquia de Nazaré. Em torno de US$ 35 mi-

(travessa Frutuoso Guimarães, 611). A entra-

primeira vez que a capital recebe a exposição,

lhões já foram arrecadados ao redor do mun-

da é gratuita. Informações: (91) 3261-4809.

que faz parte, também, das comemorações

do, pelas cidades que a exposição já passou.

DEBATE SOBRE A INFÂNCIA

CHOCOLATE De 22 a 25 de setembro, Belém recebe a 4ª edição do Festival Internacional do Chocola-

De 19 a 21 de outubro será realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Guamá,

te & Cacau da Amazônia. Além de exposição

o I Colóquio Infância e Exceção. O evento é uma realização do Grupo de Pesquisa Estudos de

de várias marcas de Chocolate de Origem, o

Narrativas de Resistência (Narrares), sob a coordenação da professora doutora Tânia Sarmento-

evento contará com debates com especialis-

-Pantoja e do Grupo de Pesquisa Estéticas, Performances e Hibridismos (ESPERHI), sob a coor-

tas nacionais e internacionais, apresentando

denação do professor doutor Augusto Sarmento-Pantoja, e resultado do Projeto de Pesquisa:

tendências e falando sobre o negócio. Para-

Infância e Estado de Exceção: Representações na América Latina, fomentado pelo Conselho

lelo ao evento, será realizado também o Flor

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Edital Universal

Pará 2016. Os eventos serão realizados no

CNPq/2014. Mais informações sobre o evento no site: infanciaeexcecao.wordpress.com.

Hangar. Informações: www.festivaldochocolate.com.

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FAÇA VOCÊ MESMO

Molduras revitalizadas Quando a moldura de um porta-retratos, espelho ou quadro é escolhida, a ideia, imediatamente, é valorizar o objeto emoldurado. Entretanto, com o passar do tempo, esse detalhe acaba passando despercebido na decoração do ambiente. Para revitalizar a beleza das molduras, os instrutores das Oficinas Curro Velho ensinam como dar um novo visual às molduras com uma técnica que

envolve reciclagem. A ideia aqui é reaproveita r a velha moldura e apenas um pouco de materia l que, provavelmente, iria pa ra o li xo. Pode-se aplica r a técnica em outros objetos decorativos como porta-lápis, relógios de pa rede, capas de agendas, cúpulas de abajur, etc. Depois de aprender, basta dei xa r a criativ idade rola r.

• Moldura de madeira

Do que vamos precisar?

• Cola branca • Pincel • Tesoura com pontas arredondadas • Páginas de revistas • Goma laca • Lixa fina (nº 220) • Pedaço de pano • Tinta preta

INSTRUTORA: NAZARÉ MACIEL / COLABORAÇÃO: TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL LUIZA NEVES / FOTOS: IONALDO RODRIGUES

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FAÇA VOCÊ MESMO

Lixe bem a moldura

2

Retire o pó com um pano úmido

4

Recorte algumas páginas da revista em tirinhas de diferentes tamanhos

5

Enrole as tiras de revista

7

Com o pincel, espalhe aos poucos a cola na moldura

8

Inicie a colagem dos rolinhos em sentido horizontal e vertical, acertando os encaixes e cortando as pontas sempre que necessário

3 6

Pinte toda a moldura com a tinta preta e aguarde a secagem

Passe uma pequena camada de cola ao final da tirinha de papel para fechar, fazendo um rolinho.

9

Para impermeabilizar, espalhe goma laca com o pincel sobre os rolinhos. Pode-se substituir a goma laca por cola branca ou verniz.

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


BOA HISTÓRIA

Apaixonada. Estava perdida. Acordava aflita à

noite. Pouco comia. Passava horas de olhos arregalados, parados, no nada. A mãe reproduzia a aflição. O que tem essa menina? A mãe sabia, embora perguntasse. Todas as mães sabem de tudo. Ela não falava, suspirava. Nunca foi de matraquear, mas já era um exagero. Passara da idade de casar, como diziam os que acreditavam que há uma idade para o sacramento ou mesmo que uma mulher dele precise ou aguarde uma hora certa para tal coisa. Nunca se importou com maledicência alheia, que misturou os mistérios de mulher em tantos enredos e jamais sequer chegou perto do que acontecia de verdade. A descoberta deu-se num domingo. Dela, não dos maledicentes. Saiu de casa antes das sete, sentou-se na terceira fileira, e ele entrou. Vestido a caráter. Grande, os cabelos negros e laqueados com alguma substância, que traziam a sensação de um capacete de guerra àquela cabeça. Os olhos eram de um castanho vulgar. Havia na ressonância da voz algum sinal de fora, essências

que vinham de longe, de um lugar que ela nunca imaginou. Não passava dos 40 anos e do lugar em que ela estava conseguiu ver os pés dele, de unhas bem cuidadas, pálidos, dedos longos como os de santo. Não eram pés como os que ela via na cidade de beira de rio em que vivia desde sempre até ver a paixão transfigurada em gente. Depois da aparição, passou habitar no mundo da lua, como a mãe dizia. Agora, o cérebro remexia as sinapses somente em função do forasteiro. Dormia e acordava fixada na imagem dele. Até que, meses de conflitos consigo e muitos desgostos, tomou coragem com um bilhete: funcionou. E, nas quartas-feiras, à noite, encontravam-se escondidos para além das casas do vilarejo. Sem nunca passar da conversa. Sem jamais consolidar o que o coração dela exigia. Quase um ano depois, ela arriscou tudo em manobra desesperada: beijou o homem. Ele, com educação singular e nenhum tato, deu um basta naquele

LEONARDO NUNES

Noturna

amor freado desde o princípio. Era tarde e aquele diálogo sem fim, repleto de impedimentos, haveria de acabar um dia ou em uma das muitas noites. Restou a ela desatar em um choro fino e abafado. Sozinha. Depois que ele virou as costas e se foi, ela saiu pelo ramal de terra correndo, sem parar jamais, para o nada o mais longe possível. Os sons dos pés no solo soavam como cascos, o corpo ganhou volume a pelagem marrom brilhante dos alazões, e, na sua carreira inédita, sentiu a cabeça queimar de desamor e de culpa, como um fogo, de vergonha, de arrependimento, de ânsia e de loucura. E seu coração, alquebrado de todo, acelerado no galope, estava naquele altar de domingo, guardado com ele que nunca a pertenceu, mas sim às coisas do céu. SETEMBRO DE 2016

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

Uma ameaça ao meio ambiente

O Brasil é um país biologicamente diverso e contém as maio-

INOCÊNCIO GORAYEB é mestre e doutor em Entomologia, pós-doutor em sistemática zoológica e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi

res florestas tropicais e rios do mundo. Uma grande ameaça para o meio ambiente é a proposta de emenda constitucional, a PEC-65. Sob esta PEC-65, a simples apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), independente de seu conteúdo tornaria qualquer projeto irreversível até a sua conclusão. Apesar de suas limitações, o sistema de licenciamento ambiental do Brasil que exige o EIA, que existe desde 1986, é vital para restringir projetos de infraestrutura com impactos excepcionalmente altos. A emenda reza: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões (ou seja, por razões ambientais) a não ser em face de fato superveniente”. Em abril de 2016, uma Comissão do Senado aprovou a PEC-65, liberando-a para votação no plenário do Senado. Senadores que se opuseram conseguiram retardá-la, devolvendo-a à Comissão, embora os mesmos senadores que aprovaram continuem membros da Comissão. A maioria (60%), em cada casa do Congresso Nacional, é suficiente para aprovação, sem necessidade de sanção presidencial. O Conselho Federal de Biologia publicou uma manifestação de “indignação” e a entregou aos líderes nas duas casas do Congresso. O Ministério Público Federal (incumbido de defender os interesses do povo) preparou um parecer jurídico, contestando a proposta de emenda. Conflitos constitucionais podem, potencialmente, ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Essa ameaça está adicionada a uma proposta de lei (n.º 654/2015) aguardando uma votação no plenário do Senado. Isso

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permitiria que qualquer projeto “estratégico”, tais como uma usina hidrelétrica, tenha aprovação ambiental simplificada e rápida. A sequência normal de três licenças (preliminar, instalação e operacional) seria condensada em uma só licença, com um prazo impossível de oito meses para o órgão ambiental aprovar a licença, que normalmente leva 4-5 anos. Após o termino do prazo, o projeto seria automaticamente autorizado a prosseguir. Não existem soluções fáceis para esses problemas. É necessário que o legislativo seja mais sensível aos impactos irrestritos da construção de infraestruturas e menos permissivo aos interesses especiais. A comunicação por parte dos cientistas aos tomadores de decisão é essencial, apesar de um histórico dessas informações serem ignoradas, como no caso da revisão do Código Florestal. O poder executivo também é fundamental, apesar de aconselhamentos científicos muitas vezes serem ignorados por este, como no caso do licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte. O Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Nacional do Índio (órgão do Ministério da Justiça) originaram a expansão substancial de unidades de conservação e de reconhecimento oficial das terras indígenas ao longo das últimas décadas, apesar da oposição de instâncias mais poderosas, tais como as dos Ministérios de Minas e Energia, dos Transportes e da Agricultura. Um risco constante é que cientistas e outras pessoas que trabalham sobre os problemas ambientais na Amazônia sucumbam ao fatalismo ao supor que evitar a destruição na região é uma causa perdida. A continuidade de subsídios da comunidade científica é fundamental para orientar a política ambiental para um futuro melhor no Brasil.

“Não existem soluções fáceis para esses problemas. É necessário que o legislativo seja mais sensível aos impactos irrestritos da construção de infraestruturas e menos permissivo aos interesses especiais.”

(Resumo do artigo publicado recentemente na revista Science: Fearnside, P.M. 2016. Brazilian politics threaten environmental policies. Science 353:746-748. doi: 10.1126/science.aag0254)


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