Revista Amazônia Viva ed. 62 / outubro de 2016

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

OUTUBRO 2O16 | EDIÇÃO NO 62 ANO 6 | ISSN 2237-2962

O IDEALIZADOR DO

MUSEU GOELDI Quem foi Domingos Soares Ferreira Penna, o precursor da primeira instituição científica da Amazônia, que completa 150 anos de fundação e se tornou referência mundial no estudo da biodiversidade

ALIMENTAÇÃO

Criadora da “multimistura” fala da relação alimento e saúde

TECNOLOGIA

Próteses fabricadas a baixo custo devolvem a autoestima de amputados

HUMANISMO

Conheça Roger Casement, um irlandês que defendeu os povos amazônicos


guardar e compartilhar Contém: 224 anos de tradição

Emoção Memórias individuaispara e coletivas guardar e Valorização da cultura compartilhar Círio de Nazaré Contém: Quando se vive o Círio, revive a cultura do Pará. E 224 anos de tradição isso acontece todo ano, de forma única e diversa, Memórias individuais e coletivas assim como é a experiência das pessoas com a Festa. Cada um participa dada manifestação Valorização culturade um jeito especial e guarda consigo memórias que ajudam a Círio de manter viva umaNazaré das maiores expressões culturais Quando se vive o Círio, revive a cultura do Pará. E do Portodo isso, ano, há mais de 14 única anos, ae Vale é uma issoestado. acontece de forma diversa, assim como é a experiência das pessoas com a Festa. das patrocinadoras da Festa de Nazaré e temos Cada um participa da manifestação de um jeito especial consigo ajudam a orgulho edeguarda contribuir paramemórias que esseque Patrimônio manter viva uma das maiores expressões culturais Cultural Imaterial continue do estado. Por isso,da háHumanidade mais de 14 anos, a Vale ésendo uma das patrocinadoras da Festa de Nazaré e temos reconhecido e compartilhado como o Círio das orgulho de contribuir para que esse Patrimônio Cultural Humanidade continuefortes, sendo cores, dosImaterial cheiros da marcantes, das emoções reconhecido e compartilhado como o Círio das como Círio de todos nós. das emoções fortes, cores, o dos cheiros marcantes, como o Círio de todos nós.

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Foto Raimundo Paccรณ

EKO

vale.com/brasil

05/10/16 16:05


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA OUTBRO 2016 / EDIÇÃO Nº 62 ANO 6 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO

Ferreira Penna, um enigma

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

Ilustre desconhecido, gênio incompreendido ou avesso aos holofotes da sociedade do século XIX? Pouco se sabe sobre a vida íntima do mineiro Domingos Soares Ferreira Penna, naturalista autotidata “iniciador da ideia do Museu Paraense”, que deu origem ao atual Museu Paraense Emílio Goeldi. Referência mundial no estudo da biodiversidade, a mais antiga instituição da Amazônia completa 150 anos neste mês e a figura de Ferreira Penna merece ser lembrada. “O talento pessoal para a ciência é algo que Ferreira Penna pôde cultivar bem aqui em Belém. E para isso, se favoreceu da posição de Secretário da Província. No exercício do cargo, ele planejou e faz várias viagens de exploração pelas comarcas paraenses”, pontua Nelson Sanjad, historiador do Museu Goeldi e autor do livro “A Coruja

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FERNANDO SETTE

Domingos Soares Ferreira Penna, hoje, é lembrado com um busto na entrada do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi

PRECURSOR DO GOELDI

de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República: 1866-1907”. Se por um lado pouco se sabe sobre a vida pessoal de Ferreira Penna, seu legado científico na Amazônia em favor da criação de uma museu natural na região possui registros sólidos. Expedicionário nato, ele empreendeu, entre 1863 e 1882, pelo menos 19 expedições científicas, percorrendo o Marajó, o Rio Negro, as regiões do Tocantins, Baixo Amazonas, a costa leste do Pará e a zona atlântica do Amapá. As descobertas do pesquisador mineiro abriu as portas para a fundação da instituição, que foi alçada ao reconhecimento global após a exímia gestão do suíço Emílio Goeldi. Mas o busto de Ferreira Penna na entrada do Parque Zoobotânico do museu nos faz lembrar que ele existiu para o bem da região.

Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará Oficinas do Curro Velho (acervo); Amanda Engelke, Ana Paula Mesquita, Camila Santos, Gabriela Azevedo, João Cunha, Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Fernando Sette, Tarso Sarraf (fotos); Anderson Araújo e Maura Campanili (artigos) André Abreu, J.Bosco, Leonardo Nunes e Waldez Duarte (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Busto de Domingos Soares Ferreira Penna, no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, por Fernando Sette AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 62 / ANO 6

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Centro global de pesquisa O Museu Paraense Emílio Goeldi completa 150 anos de fundação neste mês. Tudo começou com o ideal do precursor da da instituição, o mineiro Domingos Soares Ferreira Penna. CAPA

ESPERANÇA

HUMANISMO

Pesquisadores do La-

O cônsul irlandês Roger

ALIMENTAÇÃO

boratório de tecnologia

ARTE-EDUCAÇÃO

Casement, que viveu

A médica Clara Brandão,

assistiva da Universida-

A escritora e compositora

em Belém no período

criadora da “multimistu-

de do Estado do Pará

Heliana Barriga celebra

de 1908-1909, largou

ra”, composto de vitami-

desenvolvem próteses

o amor pela vida e pela

uma promissora carreira

nas e minerais, afirma que

de membros superiores a

natureza ao criar pontes

como imperialista

a sociedade precisa se

baixo custo para pessoas

do conhecimento entre a

britânico para se dedicar

voltar para a reeducação

amputadas de baixa

arte e o público infanto-

aos direitos humanos na

alimentar com urgência.

renda familiar.

juvenil.

Amazônia e na África.

ENTREVISTA

PESQUISA

PAPO DE ARTISTA

MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

J. BOSCO

FERNANDO SETTE

TARSO SARRAF

FERNANDO SETTE

42 30 48

52

E MAIS 4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 20 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS OLHARES NATIVOS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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ACERVO MUSEU GOELDI

OUTUBRO2016


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

CARTAS

LUIZ BRAGA / DIVULGAÇÃO

A preservação e conservação das florestas é um assunto sempre pertinente e merece espaço em todas as mídias. A revista Amazônia Viva está de parabéns pela reportagem “Em harmonia com a natureza” (Capa, setembro de 2016, edição nº 61). João Crisóstomo Dias Belém-Pará É bonito ver que nosso Pará ainda tem terras maravilhosas e cheias de verde CABOCLO DO RIO

A foto de Luiz Braga, que registra o trabalho de um pescador em Mosqueiro, foi a mais curtida em nosso Instagram, na edição passada. A foto faz parte da exposição “Retumbante Natureza Humanizada”.

para que as futuras gerações possam usufruir dos recursos naturais. Mas, para isso, é preciso saber gerir as florestas hoje. Maria Amélia Viana Belém-Pará

ÁRVORES A entrevista com o dr. Sérgio Brazão na edição passada nos alerta para a supressão das áreas verdes nos centros urbanos e a consequente elevação da temperatura na cidade. Por isso, a cada MODO DE FALAR

A matéria sobre a expressão “Égua”, na coluna “Conceitos Amazônicos”, foi a mais acessada em nosso Facebook na edição de setembro.

ano que passa vivemos um calor insuportável em Belém. Lúcia Mendes Rocha Belém-Pará

QUADRINHOS O sempre genial Joe Bennett inova ao criar super-heróis com os traços amazônicos (“Super-heróis Amazônicos”, Arte+Pesquisa, setembro de 2016, edição nº 61). Se continuar nessa linha o grande desenhista tem um baú de possibilidades para roteiros até o fim do século. FERNANDO SETTE

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Djonny do Carmo Ananindeua-Pará Para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários,

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dúvidas, críticas e sugestões para o email amazoniaviva@orm.com.br ou escreva

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para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE SETEMBRO

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


DIVULGAÇÃO

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

Monstrinhos amazônicos

PROJETO PARAENSE INSPIRADO EM “POKÉMON GO” CONQUISTA SEGUIDORES NAS REDES SOCIAIS DE OLHO NO MERCADO DE GAMES PARA SMARTPHONES PÁGINA 8 E 9

SAÚDE

NITROGÊNIO

O pernilongo ou muriçoca, também chamado de carapanã, no Pará, não transmite o zika vírus, comprovam os cientistas. PÁG.10

Pesquisa avalia a importância dos peixes como recicladores de nutrientes por meio das excreções na água dos rios. PÁG.13

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PRIMEIRO FOCO

Caçada educativa na Amazônia Desde que o jogo Pokémon foi lançado pelo estúdio Game Freak, entre 1995 e 1996 para o console portátil Nintendo Game Boy, dezenas de milhões de fãs surgiram pelo mundo. E também várias tentativas de pegar carona no sucesso dos monstrinhos, que viraram revistas em quadrinhos, desenhos animados, filmes, jogos de cartas, bonecos colecionáveis, pelúcias e mais jogos de videogame até o recente Pokémon Go, para smartphones. Muitos desenvolvedores de jogos e estúdios de animação tentaram criar a própria marca de criaturas e poucas conseguiram chegar tão perto - e para 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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alguns até superar - como a Bandai e os Digimon. E o mais recente esforço na geração de mais seres veio de Belém, do estudante de jornalismo e artista independente Weriton Júnior Ferreira Ramos (Webby), de 25 anos, criador dos Fakemon, uma pegada bem amazônica dos monstros de bolso. Os 25 Fakemon criados por Weriton são a realização do sonho de um fã de Pokémon em criar personagens com a qualidade, conceito e metodologia usados pela Game Freak e pela Nintendo. De ano em ano, as empresas responsáveis pela marca trabalham em atualizações para a fauna

e f lora do universo Pokémon, que já conta com 731 monstrinhos. Nas mais recentes atualizações, a inspiração foi tirada de culturas, faunas e f loras existentes pelo mundo. Por isso, o artista paraense iniciou o projeto. Por enquanto, o projeto Fakemon está no começo, mas tem um universo e uma pequena história, que já está sendo contada na página do Facebook (Fakemon BR). A história amazônica, que se passa na terra de Amoz, lembra bem o início do universo Pokémon e das aventuras dos jogos e do anime: um pesquisador - aqui, a professora Mangne, com a identidade negra da


DIVULGAÇÃO

CLAUDIO PINHEIRO / ARQUIVO O LIBERAL

CRIATIVIDADE

O estudante de jornalismo e artista gráfico Weriton Ramos criou os “Fakemóns”, que prometem sucesso

Amazônia - recruta pessoas interessadas em ajudar na captura e treinamento dos monstrinhos para estudos e compreensão do papel de cada um no meio ambiente e na sociedade. Há Fakemon inspirados em animais, como Capifire (capivara), Micness (mico-leão-dourado), Arablu (arara azul) e Bottink (boto-cor-de-rosa); itens culturais, como Pavula (o boneco do Arraial do Pavulagem), Ceramicus e Maropottery (cerâmica marajoara) e Booboomba (boi bumbá); mitos e lendas, como Iainá (índia), Saceew (saci), Kuripura (curupira), Mulef lame (mula sem cabeça),

Serpenteena (boitatá) e Muyrakytan (muiraquitã); e f lores e frutos, como Regias (vitória-régia), Aiaçã (açaí) e Waraná (guaraná). Tem espaço até para o mosquito Aedes aegypti, que se tornou o mosquito elétrico Aedetric! Weriton Ramos afirma ter ideias para chegar aos 151 monstrinhos, o mesmo número de seres com o qual o universo Pokémon começou. Inicialmente, quer manter a série ao alcance de todos no Facebook e demais redes sociais digitais. Porém, espera um dia que a criação aumente e se torne uma história em quadrinhos de circulação nacional, um jogo para videogames e

celulares - algo cujo mercado sempre tem portas abertas - e uma animação. “Não tenho limites para o que pensar. Sim, espero que haja muitas possibilidades e está tudo no começo. Postei no Facebook e já vi a página ganhar um monte de curtidas, meus amigos compartilhando... Isso é muito legal. O sonho mesmo era que a própria Game Freak e a Nintendo me descobrissem!”, conta Webby, fã de Pokémon desde os oito anos de idade. “Temos uma rica cultura, com história, lendas, fauna e f lora. Já que ninguém tinha pensado nisso antes, tomei a frente. É só o começo”, diz. OUTUBRO DE 2016

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PRIMEIRO FOCO CESAR A. FAVACHO

MENOS MAL

Pesquisadores chegaram à conclusão de que o carapanã comum não é transmissor da doença

CONCLUSÃO

Carapanã “comum” não transmite o zika vírus

O pernilongo ou muriçoca (Culex quinquefasciatus), também chamado de carapanã, no Pará, mosquito noturno e de hábitos domésticos, não transmite o zika vírus. A conclusão foi feita pelos cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e a pesquisa divulgada em setembro, em conjunto com a revista científica PLoS (Public Library of Science) Neglected Tropical Diseases e em parceria com o Instituto Pasteur de Paris. A primeira fase do trabalho, que teve coordenação do médico veterinário Ricardo Lourenço (IOC), foi realizada ano passado. Foram coletados cerca de 1.600 mosquitos, entre Culex e Aedes aegypti, em quatro bairros do Rio – Copacabana, Manguinhos, Triagem e Jacarepaguá. Após alguns testes, concluiu-se que nenhum dos Culex era portador do vírus. Na 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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segunda fase, foi criada uma colônia de mosquitos no IOC. Após serem expostos, alimentados e contaminados com sangue contendo o zika, os insetos foram examinados novamente. A conclusão foi a de que havia vírus vivo neles, mas mesmo assim não foi identificado o causador da zika nos pernilongos. Ricardo Lourenço compara os resultados dos testes nos mosquitos. “Nós examinamos a saliva do mosquito, para ver se o vírus ativo infectante estava ali. Nós não encontramos nenhuma vez o vírus. Isto nos convenceu de que esse mosquito não era capaz de transmitir a zika. Já os Aedes aegypti se infectaram de 80% a 100% das vezes, com uma quantidade de saliva com muito vírus”, afirmou. De acordo com o cientista, o trabalho é um direcionamento importante para as políticas públicas de combate à doença.

ENERGIA

BRASIL E NORUEGA O seminário “Energia para o Futuro”, realizado em São Paulo, em setembro, marcou uma parceria importante entre Brasil e Noruega. Durante o evento, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho de Pesquisa da Noruega (RCN, na sigla em inglês) assinaram um acordo que vai permitir o financiamento conjunto de pesquisas desenvolvidas entre pesquisadores em São Paulo e na Noruega. O acordo refere-se aos próximos cinco anos. Participaram do seminário pesquisadores de ambos os países, que discutiram aspectos como a produção, armazenamento, distribuição e uso de energia renovável. Assinaram o Memorando do Entendimento o presidente da Fapesp, José Goldemberg, e o diretor da RCN, Arvid Hallén.


TRÊSQUESTÕES

RECONHECIMENTO

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Amazônia Viva ganha prêmios em turismo

O “Outubro Rosa” foi criado com a

revista, agradeço por dar liberdade ao nosso trabalho”, disse. Já Brenda Pantoja relembrou da infância com a matéria sobre o turismo na região. “Foi muito gratificante ter a matéria premiada, ainda mais falando do Marajó, do turismo de base comunitária. O Marajó fez parte da minha infância. Quero agradecer a toda a equipe da Amazônia Viva e ao fotógrafo Cláudio Pinheiro”, comentou. O III Prêmio de Jornalismo em Turismo Comendador Marques dos Reis é uma parceria da Secretaria de Estado de Turismo (Setur), Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) e Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo do Estado do Pará (Abrajet-Pará), com patrocínio oficial do Banpará. Este ano foram inscritos 672 trabalhos, de 12 Estados – um recorde para a premiação.

intenção de diminuir os números, mundialmente alarmantes, de câncer de mama e de colo de útero. A campanha estimula o poder público a trabalhar na prevenção e informação sobre essas doenças. E também engajar a população nas redes sociais a fazer exames preventivos. Conversamos com Celso Fukuda, especialista em Ginecologia e Mastologia. O que todos, mulheres e homens, devem ter em mente com o Outubro Rosa? Prevenção e conscientização. É o mês de intensificar o rastreamento das doenças e diagnósticos. O diagnóstico precoce dá maior chance de cura e controle das doenças. Todo dia é importante de se lembrar e falar sobre os exames, cuidados. No Pará, precisamos intensificar o trabalho sobre câncer de colo de útero, ainda o mais comum na região Norte. O de mama ainda pode ultrapassar nos próximos anos. DIVULGAÇÃO

Quais os principais exames para evitar o câncer de mama e o de colo de útero? O Ministério da saúde recomenda exames anuais, a partir dos 40 anos, em Mastologia e Ginecologia. A partir dos 30, se houver antecedência familiar de câncer de mama, já se deve fazer mamografia. Para detectar o câncer de colo de útero, o preventivo deve ser feito a partir dos 25 anos ou três anos após início da vida sexual. Já temos vacina contra HPV, que ajuda bastante na prevenção, mas ainda é necessário fazer os exames, pois a vacina é só contra dois tipos de HPV mais frequentes. O que falta para reduzirmos a quantidade de casos das doenças? O grande problema no país, principalmente no Norte, é diagnosticar muito tarde. Campanhas como Outubro Rosa são importantes por isso e devem chegar mais longe também,

PRÊMIO A reportagem de Brenda Pantoja sobre o Marajó foi contemplada. O fotógrafo Tarso Sarraf retratou o Ver-o-Peso.

para levar informação e diagnóstico.

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ARQUIVO PESSOAL

No dia 28 de setembro foi realizada mais uma edição do Prêmio de Jornalismo em Turismo Comendador Marques dos Reis, no Teatro Maria Sylvia Nunes, na Estação das Docas. A repórter Brenda Pantoja e os fotógrafos Cláudio Pinheiro e Tarso Sarraf, de O Liberal, foram alguns dos premiados na cerimônia, representando a revista Amazônia Viva. Na categoria Jornalismo Impresso, Brenda Pantoja e Cláudio Pinheiro ficaram em terceiro lugar pela reportagem “Turismo à moda marajoara”. Já Tarso Sarraf, também representando a revista, foi o vencedor na categoria Fotojornalismo, com a série “Olhares Nativos - Ver-o-Peso”. É a segunda vez que o fotografo vence nesta categoria. Ele acredita que o prêmio é um incentivo e ajuda os profissionais. “Agradeço ao apoio da

Prevenção é uma medida consciente


PRIMEIRO FOCO V I A L ÁC T E A

MAPEAMENTO EM 3D Foi divulgado pela Agência Espacial Europeia (ESA, European Space Agency) o mais recente mapa da Via Láctea, detalhado e em três dimensões. O mapeamento, feito pelo satélite Gaia, mostra mais de 1 bilhão de estrelas. Segundo a ESA, tais informações fazem parte da maior pesquisa de objetos celestes realizada até hoje. Durante uma conferência on-line realizada para a imprensa, aspectos como a medição da distância entre estrelas, como são capturadas as

DESCOBERTA RAIMUNDO PACCÓ / AGÊNCIA PARÁ

imagens de cada estrela ou corpo celeste, além de como esses corpos brilham e se movimentam no céu foram detalhados pela ESA. Para o diretor de Ciência da agência espacial, Alvaro Gimenez, as contribuições da missão Gaia, como foi chamada, são fundamentais para entender melhor como funciona a Via Láctea, e colaboram para o progresso da humanidade. A LT E R N AT I VA

PLACAS SOLARES Um sistema de energia solar inédito no Brasil, alternativa às hidrelétricas, poderá ser implantado no município de Petrolina, em Pernambuco, em 2017. A Companhia Hidro Elétrica de São Francisco e a Universidade Federal do Ceará (UFC), com ajuda de um instituto alemão, pretendem construir um projeto-piloto para testar a tecnologia heliotérmica. A diferença dessa tecnologia para os equipamentos solares já usados no país é o armazenamento de energia para ser usada inclusive à noite. I N D Ú ST R I AS

MAIS FLORESTAS Segundo o estudo “Florestas e Indústria: agenda de desenvolvimento e Uso econômico da biodiversidade pela indústria no Brasil”, lançado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI),

SECA

El Niño castiga o País com o aumento das queimadas Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) houve um aumento de 40% nos focos de queimadas e incêndios florestais no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2015. O que deixou a vegetação mais suscetível a incêndios foi a estiagem prolongada dos últimos dois anos, provocada pelo El Niño – fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico. Gabriel Zacharias, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), destaca que mais de 90% dos incêndios

têm ação humana. “Temos o caso do produtor que faz uma queimada no fundo do quintal e perde o controle do fogo, provocando incêndio gigantesco. E existem os incêndios dolosos, em áreas de conflito ou em florestas que serão transformadas em pasto”, afirmou. O período entre setembro e novembro, é considerado crítico segundo especialistas, já que as áreas mais suscetíveis ao fogo podem ser ampliadas em razão da estiagem no sul da Amazônia e nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, afirma que foram contratadas brigadas para manter a situação sob controle.

no Rio de Janeiro, durante a quinta edição do CNI Sustentabilidade, o Brasil pode aproveitar mais e melhor o potencial dos mercados de

DEGELO

biodiversidade e floresta pela diversificação e

AQUECIMENTO GLOBAL

fabricação de produtos de maior valor agregado.

Um estudo publicado na revista Science Advances afirma que a camada de gelo da Groenlândia está

O tema desta edição do CNI Sustentabilidade

derretendo 7,6% mais rápido do que se pensava. A conclusão deu-se após os cientistas descobrirem

foi “Biodiversidade e florestas: novos modelos

um ponto sob a superfície da Terra que estava distorcendo os cálculos. A nova descoberta é

de negócios para a indústria do amanhã”. O

preocupante, especialmente ao levar em conta o impacto crescente do derretimento do gelo na subida

evento reuniu empresários e especialistas

do nível do mar, já que a Groenlândia é a segunda maior camada de gelo do mundo, atrás, apenas, da

brasileiros e estrangeiros.

camada da Antártica.

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ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

QUALIDADE DA ÁGUA

Peixes indicam nutrientes em habitats naturais Uma pesquisa em andamento no Amazonas pretende avaliar a importância dos peixes como recicladores de nutrientes, tais como nitrogênio e fósforo, por meio das excreções. O projeto tem como objetivo entender como os peixes modificam as concentrações e proporções desses nutrientes nas cadeias tróficas aquáticas dos rios. Quem coordena a pesquisa é o professor e engenheiro de pesca Álvaro Carvalho de Lima, que explica que as pesquisas estão sendo feitas através da observação de espécimes incubadas, individualmente ou em grupo de até três indivíduos de uma mesma espécie, em sacos plásticos com água. A observação se dá em intervalos de aproxima-

Bonito e venenoso Este é um anfíbio anuro da família Dendrobatidae, da espécie Ranitomeya

amazonica , descrita por Schulte em 1999.

damente uma hora. Após esse tempo, os peixes são retirados dos sacos e preservados com a água, para posteriormente serem analisados quanto as suas concentrações de carbono, nitrogênio e fósforo excretados na água. O projeto, segundo o professor, será dividido em quatro fases: trabalho de campo, análises laboratoriais, análises estatísticas e redação de artigos e tese. “A meta é realizarmos experimentos com um total de 40 espécies. Temos o objetivo de começar estudos com espécies de maior porte durante a vazante do rio, de setembro a novembro de 2016. Em seguida, iniciarei o processo de análises químicas e análises estatísticas”, explicou Álvaro.

Foi fotografada por Cesar A. Favacho em floresta primária da Flona do Amapá (Floresta Nacional do Amapá), mas ocorre também no Parque Estadual do Utinga, em Belém, e na Flona de Caxiuanã, Melgaço, no Pará. Entretanto, além do Brasil (AM, AP, PA), sua distribuição cobre, também, Peru, Colômbia, Guiana e Guiana Francesa, vivendo em habitats naturais de florestas tropicais e subtropicais úmidas de baixa altitude. Atualmente a espécie está ameaçada de extinção por perda de habitat. Os sapinhos da família Dendrobatidae produzem toxinas potentes que estão em suas peles. Algumas tribos indígenas da América do Sul utilizam estas toxinas nas pontas de flechas. Algumas espécies produzem toxinas, em parte, devido a RODOLFO OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

fatores alimentares pela ingestão de formigas, que por sua vez, alimentam-se de plantas com propriedades tóxicas. Esses sapos não precisam de camuflagem, ao contrário, são bem visíveis. Há uma regra geral, com muitas exceções, de que “cores vivas na natureza tropical indicam perigo”. Este é o caso destes sapos. Observam-se as cores vermelho, laranja ao amarelo, e azul

OBSERVAÇÃO

O projeto tem como objetivo entender como os peixes modificam as concentrações e proporções dos nutrientes nas cadeias tróficas aquáticas dos rios

sobre fundo preto, inclusive os olhos são pretos. Olhando atentamente a disposição das cores parece que desenham uma cabeça com tentáculos (pernas e dedos) direcionada para sua retaguarda, o que lhe confere ainda uma maior proteção. Cuidado, não pegue!

TEMPERATURA

ANO HISTÓRICO A Agência Oceânica e Atmosférica Americana (NOAA, na sigla em inglês) anunciou que 2016 teve o mês de agosto mais quente já registrado desde o início do monitoramento, em 1880 – 0,05 °C mais quente que agosto de 2015. O anúncio tornou o mês de agosto o 16º consecutivo a CESAR FAVACHO

alcançar o máximo de temperatura, ou seja, o período mais longo deste tipo. E 2016 está quebrando todos os recordes de temperatura. O período de janeiro a agosto também foi o mais quente nos registros da NOAA. OUTUBRO DE 2016

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FATO REGISTRADO

O antigo arraial de Nazaré Na década de 70, o arraial de Nazaré era todo montado na praça em frente à Basílica de Nazaré, que ainda não possuía o título de santuário. Neste espaço ficavam montados também os restaurantes, bares com palcos para apresentações, jogos, brinquedos do parque de diversões e toda diversidade de barraquinhas. Diversos músicos se apresentavam madrugada adentro. Era o caso, por exemplo, do mestre Pinduca, no auge de sua desenvoltura, que se apresentava com sua banda de carimbó. Um sonoro, o Mansour, providenciava a sonoridade distribuída em todo o arraial. De vez em quando ele também anun14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ciava a presença de personalidades conhecidas da sociedade paraense e, às vezes, fazia até convite de encontros. “Atenção, senhorita Josefa Tremona, o jovem Artur Semintre lhe aguarda em frente ao Trem Fantasma.” O arraial de Nazaré era ponto de encontro de famílias da época, que iam à igreja, passeavam, jantavam em um bom restaurante, aproveitavam os brinquedos, davam uma volta de carrossel, brincavam de jogos de azar. Além disso, é claro, não dispensavam itens obrigatórios do arraial, como algodão doce, maçã do amor e quebra-queixo. Chamavam atenção das crianças os brinquedos típicos da quadra nazarena

INOCÊNCIO GORAYEB

– corrupio, roque-roque e uma borboleta de madeira com rodinhas que bate as asas. Os periquitos, como todos os anos – e até os dias de hoje – também compareciam para festa, fazendo aquela algazarra, evidenciando a pujança da rica biodiversidade amazônica e enchendo de felicidade aquele outubro de Nazaré. Mas o destaque deste dinâmico arraial era a igreja iluminada, combinando com as luzes f luorescentes das rodas-gigantes, dos brinquedos rodopiantes e dos outros componentes do parque. Que Nossa Senhora de Nazaré cubra o povo paraense com seu belo manto.


PERGUNTA-SE É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES RAPHAEL PTO / FREEIMAGES

JANINE VALENTE

ZELO

O filhote de peixe-boi-da-amazônia Kaluanã foi amamentado com uma fórmula de leite de soja e suplementos vitamínicos

FAUNA

Peixe-boi-da-amazônia é resgatado no Marajó Um filhote de peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis) foi resgatado na comunidade do Brabo, nos arredores da Floresta Nacional de Caxiuanã (PA), arquipélago do Marajó. O filhote, de 13,5 kg, foi batizado de Kaluanã – que significa “grande guerreira”. Trata-se de uma fêmea de 90 cm. Kaluanã foi encontrada com ferimentos na cabeça e problemas intestinais. Pesquisadores do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (GEMAM), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), e do BioMa - Biologia e Conservação de Mamíferos Aquáticos da Amazônia, grupo de pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA), se mobilizaram com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Am-

biente no Pará (IBAMA/SUPES Pará) para realizar o atendimento necessário ao animal, que estava encalhado. A expedição de resgate partiu no dia 13 de setembro, após moradores da Vila do Brabo terem encontrado o filhote. Kaluanã foi levada à Estação Científica Ferreira Penna, onde foi colocada em uma piscina de 5.500 litros e alimentada com uma fórmula de leite de soja, com suplementos vitamínicos e óleo de canola. Os ferimentos foram limpos com antisséptico e tratados com pomada antibiótica. O tratamento também é composto de antibiótico injetável para a infecção nos ferimentos da cabeça, medicamentos para restabelecer a microbiota intestinal. Kaluanã segue sendo cuidada para que, em breve, possa retornar à Floresta Nacional de Caxiuanã e ser solta na natureza.

BIODIVERSIDADE

REGIÃO AMAZÔNICA

Para não chorar ao cortar cebolas basta mergulhá-las no leite?

Chorar ao cortar cebolas sempre foi um transtorno na cozinha. Pela internet, especialistas de todo o tipo oferecem receitas mágicas para evitar as lágrimas e colocar no leite não é uma solução, como aponta o professor mestre Cláudio David Mendes Gibson, do curso de Nutrição e Gastronomia da Universidade da Amazônia, Unama. “Ao mergulhar a cebola no leite, não evitamos que óxidos sulfúricos (derivados do ácido sulfúrico H2SO4), encontrados na cebola, sejam liberados e irritem nossos olhos, fazendo chorar. Isso porque, ao contrário do que se pensa, o leite fresco apresenta reação ligeiramente ácida, PH em média de 6,7. Logo, não há bloqueio do ácido da cebola, que se ‘junta com o ar’”, explica. O ideal é não cor tar perto das extremidades do bulbo central, onde se concentram os gases ardidos da cebola. Ou usar óculos grandes quando o corte é feito.

Um estudo recente publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences aponta sobre a importância da biodiversidade da Amazônia para ajudar tanto economia quanto floresta. Segundo o trabalho, liderado pelo pesquisador brasileiro Carlos Nobre, climatologista formado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na siga em inglês), o uso econômico da biodiversidade da Amazônia, em conjunto com os avanços da chamada Quarta Revolução

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

Industrial, que abrange inteligência artificial, robótica, internet, genômica e outras. OUTUBRO DE 2016

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EU DISSE

“Todos os Estados-membros dão luz verde para uma ratificação antecipada da União Europeia ao Acordo de Paris: o que alguns acreditavam impossível agora é real”. Donald Tusk, polonês, presidente do Conselho Europeu, através do Twitter. Até então a Polônia vinha sendo o principal país a resistir a um acordo rápido sobre as mudanças climáticas. UE PHOTO

“É um grande objetivo, mas passamos os últimos anos falando com especialistas que acreditam que é possível e, por isso, nos lançamos nisso” Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, em um evento em São Francisco, na Califórnia, ao anunciar a próxima meta da Iniciativa Chan Zuckerberg – ele e a esposa, Priscilla Chan, comprometeram-se a investir mais de 3 bilhões de dólares em um plano para “curar, prevenir ou tratar todas as doenças dentro do tempo de vida de nossos filhos”.

“É uma grande preocupação que o candidato republicano à Presidência tenha defendido a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris. As consequências seriam duras e de longo prazo, tanto pelo clima do nosso planeta como pela credibilidade internacional dos Estados Unidos” Afirmação de 375 cientistas do mundo todo, em carta aberta ao criticar o candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump. Ele prometeu que vai retirar os Estados Unidos do acordo de Paris sobre a mudança climática.

“A vacina é ótima. Tem uma eficácia de mais de 90% para as formas mais graves da doença. O único ponto negativo é a necessidade de três doses” Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), sobre a primeira vacina contra a dengue, que já está acessível gratuitamente em 30 municípios do Paraná. Ela destaca, porém, o desafio de conscientizar a população para a vacinação.

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APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“A mudança climática é uma ameaça urgente e um desafio definidor do nosso tempo, e seu impacto já pode sersentidoaquienorestodomundo”

Consumidor.gov App para auxiliar consumidores no registro

Hillary Clinton, candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos. Ela e o republicano Donald Trump foram questionados pelo editor da revista americana Science, numa plataforma na Internet, sobre a visão de cada um a respeito da mudança climática.

de queixas contra empresas, fornecedoras de produtos e serviços, de todo o Brasil. É um aplicativo oficial do Ministério da Justiça, em parceria com os órgãos de defesa de todo o país. As informações são enviadas à base de dados nacional e os órgãos responsáveis,

“Atualmente, muitas pessoas morrem no trânsito - 35.200 apenas no último ano - com 94% sendo consequência de erro ou decisões humanas. Veículos automatizados têm o potencial de salvar milhares de vidas a cada ano”

assim como as empresas, são notificadas. Plataformas: Android e iOS Preço: Gratuito

Google Googles Aponte a câmera do celular para uma obra de

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em artigo no jornal Pittsburgh Post-Gazet-

arte, um objeto, um ponto turístico e o Google

te. Obama defende a evolução dos carros autônomos e anunciou que seu governo exigirá novas regras para

lhe trará uma pesquisa completa, identifican-

os testes no país, com o objetivo de garantir a segurança até que a tecnologia esteja totalmente pronta.

do o que foi fotografado, definições, histórias, notícias e links de interesse. É um app útil para turismo ou simplesmente para tirar DIVULGAÇÃO

dúvidas. Usuários de iOS têm outras opções com o mesmo intuito. Plataformas: Android Preço: Gratuito

Revisão dos Benefícios do INSS

“Muitas pessoas me escreveram mensagens dizendo ‘você me fez sentir melhor comigo mesmo pelo fato de ser capaz de mostrar na televisão que você tem a doença e é aceito’. Está havendo uma crescente consciência sobre o problema e isso me faz sentir bem” Gaten Matarazzo, da série “Stranger Things”, da Netflix, em entrevista à revista People. O ator, assim como seu personagem, Dustin, sofre de displasia cleidocraniana. Trata-se de uma enfermidade genética que afeta principalmente o desenvolvimento de ossos e dentes.

App oficial do INSS para esclarecimentos e orientações sobre a revisão geral dos benefícios do INSS que o Governo Federal fará. O aplicativo contém uma série de informações sobre serviços do INSS e um grande tira-dúvidas, além dos calendários de chamadas para perícia. Um dos objetivos é diminuir o fluxo de atendimentos desnecessários nas agências apenas para informações. Plataformas: Android e iOS Preço: Gratuito FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE CESAR FAVACHO

Nova espécie de barbeiro da Amazônia A doença de Chagas é causada pelo protozoário descrito por Chagas, denominado Trypanossoma cruzi . A doença é endêmica em 21 países da América Latina. O principal mecanismo de transmissão ocorre por meio das fases infectadas dos barbeiros triatomíneos, correspondendo a 80% dos casos de doença de Chagas. A forma infectante de T. cruzi pode ser encontrada na ampola retal dos barbeiros, sendo liberada nas fezes. Quando o barbeiro suga o sangue, gerando compressão abdominal, ele defeca próximo ao local da picada; assim, quando o indivíduo coça, pode contaminar a lesão, por onde o parasita penetra. O pesquisador paraense Éder dos Santos Souza descreveu a espécie nova Rhodnius marabaensis em sua dissertação de mestrado pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, de Araraquara, São Paulo, e o artigo científico de descrição foi 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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aprovado para ser publicado na revista científica Zookeys. A descrição da espécie nova foi baseada em caracteres morfológicos, por análise molecular e microscopia eletrônica. De acordo com o Ministério da Saúde, há de 7 a 8 milhões de pessoas infectadas no planeta. Na Amazônia, por exemplo, há casos de fase aguda da doença por ingestão de alimentos contaminados – açaí, bacaba e cana-de-açúcar – ou por infecção pela picada dos barbeiros. Embora a transmissão oral seja acidental, dados atuais consideram que é uma forma de transmissão endêmica na região (Fraiha e colaboradores, 1995; Valente e colaboradores, 1999; Junqueira e colaboradores, 2005; Pinto e colaboradores, 2008). A transmissão da doença de Chagas em zonas rurais e periurbanas, na região amazônica, está relacionada com vetores silvestres, Rhodnius robustus e R. pictipes , que invadem os domicílios e os coloni-

zam, e Panstrongylus geniculatus , que tem sido encontrado em peridomicílios. Considerando que onze espécies de triatomíneos já foram encontradas infectadas naturalmente por T. cruzi na Amazônia, o potencial de transmissão vetorial é grande. As espécies mais envolvidas na transmissão para o homem são as do gênero Rhodnius, porque são as mais abundantes na região e vivem ao lado das habitações, em palmeiras cujas palmas servem como cobertura de moradias, as fibras utilizadas para confecção de utensílios domésticos e os frutos são consumidos frescos pela população e por animais domésticos locais (Abad-Franch & Monteiro, 2007; 2010). A domiciliação dos vetores da doença de Chagas depende basicamente da ação antrópica sobre o ambiente natural, induzindo os triatomíneos a se deslocarem de seus ecótopos silvestres para residências humanas (Alves, 2007).


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Valei-me, Nossa Senhora de Nazaré! Esta é uma expressão que o paraense conhece bem. É muito utilizada diante de situações difíceis e surpreendentes, em apelo à Santa, no sentido de buscar forças para suportar e atravessar por esses momentos. Quando não encontra meios humanos para sair ou suportar os problemas, ou quando tais problemas parecem fora de controle, o católico paraense recorre a Nossa Senhora. São muitos os relatos de situações difíceis em que as pessoas usam essa expressão para rogar a interferência

Tapuios encalhados

pescadores diante de riscos de vida em tempestades, de caçadores nos contatos com cobras e animais perigosos, como as onças, situações como mal súbitos, desmaios, acidentes e outras enfermidades, além de momentos especiais como cirurgias e partos, ou provas e exames de vestibular, entre muitas outras situações. Depois de rogar a toda força dos pulmões e com toda fé a expressão, as pessoas se concentram e fazem suas promessas a Santa. A maioria dessas promessas relacionadas ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré, no segundo domingo de outubro. Então, mais calmos e recolhidos em suas respectivas mentes e corações, rezam baixinho tratando a Santa de forma íntima e carinhosa: Nazinha, Nazarezinha, Nazica, Santinha, Mãezinha...

WALDEZ

panãs moles da várzea, que quando você sente já estão cheios de sangue. Pela noite era preciso se proteger com cobertas para não ser debilitado pelas horas mal dormidas e pela peleja contra os mosquitos. Na figura desenhada por Édouard Riou durante a viagem da equipe de Paul Marcoy observa-se a cena. Um velho gordo, mais experiente, amarrou uma rede entre os mastros de duas embarcações e ali fumava seu cachimbo de cano longo; naquele lugar, mais elevado, o ataque dos insetos era menor e a fumaça do seu cachimbo ajudava a espantar os mosquitos que ainda o perturbavam, e também aproveitava a leve brisa deste ambiente mais elevado. Quando a maré começava a encher, parecia que o paraíso tinha chegado, o vento forte refrescava a vida, afastavam-se da costa e continuavam a viagem singrando aquelas águas louras. Estes índios tapuios tinham farinha armazenada e se alimentavam basicamente de peixes e chibé, mas na maré baixa alguns se embrenhavam nas matas de várzea para coletar açaí e incrementar as refeições.

veis situações relativas às atividades de

GRAVURA DE ÉDOUARD RIOU/ REPRODUÇÃO / ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI

A vida era difícil no estuário do rio Amazonas. A equipe era grande, as famílias inteiras nos barcos a vela viajavam a procura de floresta com muitas seringueiras para ali se instalar e trabalhar no preparo das pélas de látex de até 40 kg, que eram armazenadas para serem vendidas nas indústrias. Passavam dificuldades e fome, e acampavam na mata escolhida por longos períodos de até seis meses. Não existiam nas proximidades vilas, cidades, enfermaria, farmácia, comércio e nem sequer vizinhos. Quando encontravam outros navegando pelos rios, eram semelhantes, geralmente até em situação pior que a deles. Eram tempos de natureza virgem e selvagem entre os anos de 1840 e 1850. Quando encalhados na maré baixa aproveitavam para cavar em algum declive do terreno para conseguir água com menor teor de salinidade daquelas salobras. Parados, o vento da baixa maré não soprava, o calor maltratava mais, os insetos aproveitavam aqueles sangues quentes para buscar suas refeições. Durante o dia, os maruins, as mutucas e até carapanãs não davam sossego; aqueles cara-

divina da Virgem de Nazaré. Incontá-

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OLHARES NATIVOS

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À beira do caminho Na estrada para Bragança, um cenário dourado que nos remete às belezas naturais de uma Amazônia interiorana. FOTO: FERNANDO SETTE OUTUBRO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

Ribeirinhos

Idosa da etnia Mura transporta através da floresta alagada raízes de mandioca, herança sagrada de seus ancestrais FOTO: WALMERINSTON CORRÊA

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Madrugada

Nas primeiras horas do dia, o trabalhador do porto carrega paneiros para garantir o seu ganha-pão com a venda de açaí. FOTO: PAULA RODRIGUES

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OLHARES NATIVOS

Sabor da terra

O brilho das pupunhas atiça o paladar de quem é apaixonado pelo gosto do fruto amazônico FOTO: FERNANDO SETTE

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Esplendor

Fim de tarde no Forte do Castelo, onde pessoas contemplam a beleza da Baía do Guajará FOTO: JOÃO GONZAGA

Rio e cidade

Belém do Pará vista sob outro ângulo. Privilégio diário das populações ribeirinhas. FOTO: TARSO SARRAF

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OLHARES NATIVOS

Na estrada

Um velho armazém abandonado no interior do Pará FOTO: MARCO ANTÔNIO CARDOSO

Labuta

Na pedra do Ver-o-Peso, o trabalhador ganha a vida com a venda de pescado FOTO: PAULO CASTRO

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Na água

Um merecido banho no Ver-o-Rio após um dia quente em Belém do Pará FOTO: JOÃO GONZAGA

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OLHARES NATIVOS

Baiuca

À beira da estrada, a venda de produtos regionais garantindo uma renda extra para a família FOTO: FERNANDO SETTE .

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos

Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES ACERVO GOELDI / EDITORIA DE ARTE

IDEIASVERDES

Naturalista de visão

FERREIRA PENNA IDEALIZOU O PRIMEIRO MUSEU CIENTÍFICO DA AMAZÔNIA PÁGINA 34

ALIMENTAÇÃO

ESPERANÇA

A médica Clara Brandão defende a ingestão de alimentos saudáveis no combate à desnutrição e na melhoria da qualidade de vida. PÁG.30

Pesquisadores do Laboratório de tecnologia assistiva da Universidade do Estado do Pará desenvolvem próteses a baixo custo. PÁG.42


ENTREVISTA

C

lara Brandão é uma referência do trabalho social e do combate à desnutrição no País. Na década de 1970 foi a criadora da “multimistura”, um concentrado de vitaminas e minerais produzido com farelos, sementes e folhas que pode ser adicionado a alimentos variados. A médica esteve recentemente em Belém e alguns municípios do nordeste do Estado para uma série de palestras incentivando a educação alimentar, na qual falou sobre a contribuição de alguns alimentos tipicamente paraenses, como a mandioca, para o combate à desnutrição. Nascida em São Paulo, Clara Brandão é médica pediátrica de formação e, ao longo dos anos, se especializou também como nutróloga. Depois de formada, viveu em Tocantins e depois em Altamira, na Transamazônica, e em Santarém, no Baixo Amazonas, onde iniciou pesquisas sobre as preparações alimentares regionais disponíveis, motivada pelos alto índice de desnutrição infantil. Criou, em seguida, a ONG Seara - Sociedade de Estudos e Aproveitamento da Amazônia - e chegou a desenvolver um trabalho com cerca de 400 crianças em creches montadas em Santarém. Na entrevista a seguir, Clara Brandão conta como o desenvolvimento da multimistura é adaptado às diferentes realidades de alimentação no Brasil e, especialmente no Pará. Ela também fala sobre a contribuição da vivência nas regiões de Altamira e Santarém para esse trabalho revolucionário no combate a desnutrição infantil no país, e também sobre a importância de discussões atuais da área como a segurança e soberania alimentar e o reconhecimento do valor da alimentação regional. De que forma a multimistura ajuda no combate à desnutrição? Acredito e defendo que o alimento é

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“Acredito que o alimento tem que ser nosso remédio”

A MÉDICA CLARA BRANDÃO, CONHECIDA POR TER CRIADO A “MULTIMISTURA”, COMPOSTO DE VITAMINAS E MINERAIS QUE JÁ SALVOU DA DESNUTRIÇÃO MILHARES DE CRIANÇAS NO BRASIL E NO MUNDO, AFIRMA QUE A SOCIEDADE PRECISA SE VOLTAR PARA UMA REEDUCAÇÃO ALIMENTAR COM URGÊNCIA. TEXTO AMANDA ENGELKE FOTO FERNANDO SETTE


AGÊNCIA PARÁ

AGÊNCIA PARÁ

COMER MELHOR PARA PODER CRESCER A médica Clara Brandão defende que alimentos regionais, como tucupi, jambu e mandioca, podem ganhar novos usos alimentares além da culinária cultural

que tem que ser o nosso remédio e não um produto químico. E a multimistura nada mais é do que um reflexo disso. Antes de tudo, ela parte de um princípio básico da nutrição, que diz que o que dá a qualidade aos alimentos não são simplesmente as proteínas, como a carne, o leite, o peixe e o ovo, mas sim a variedade dos alimentos que você consome. Como é composta a multimistura e como isso se adapta as diferentes realidades do País?

A multimistura é feita com 70% de farelo (de arroz ou de trigo), 15% do pó da folha da mandioca e 15% de gergelim, que tem dez vezes mais cálcio do que o leite. Já a folha da mandioca é a mais desperdiçada no país. Por outro lado, essa mesma folha é uma das mais ricas em minerais. Nesse processo, a gente sempre tenta dar um aspecto sustentável àquilo que a gente está propondo e procuramos usar sempre o que tem em abundância em cada região. Além dos componentes básicos, aqui a gente trabalha muito também com o cariru e o jambu. São coisas que tem têm que estar todo o dia na mesa. É um pouco todo o dia que faz a diferença.

“A folha da mandioca consegue retirar determinados nutrientes, como é o caso do zinco e de selênio, dois fortes antioxidantes que precisamos para preservar a saúde e prevenir doenças” OUTUBRO DE 2016

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ENTREVISTA

No Pará temos o costume de usar bastante a mandioca. Dela se originam o tucupi, a farinha... A população daqui da região amazônica já tem o hábito de usar a folha da mandioca, é verdade, mas é especificamente em período de festa. Na multimistura nós ampliamos isso transformando-a em pó. Cada 5 kg de folha crua se transforma em 1 kg de pó. Isso significa que você concentra todas as vitaminas e minerais por cinco. Além disso, mesmo em solo pobre, a folha da mandioca consegue retirar determinados nutrientes, como é o caso do zinco e de selênio, dois fortes antioxidantes que nós precisamos para preservar a nossa saúde e prevenir doenças.

“No Brasil, a deficiência de cálcio é superior a 50%, como o Complexo B. E você pode repor com alimento e não com remédio. Daí a importância da educação alimentar”

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Existe alguma comprovação científica desses benefícios? Existem, sim, estudos nesse sentido, mas a verdade é que a alimentação não precisa ser baseada meramente em comprovações científicas. Se você estiver grávida e usar o que pode acontecer é acelerar o trabalho de parto. Mas por outro lado, a segunda causa de morte das mulheres grávidas é a hemorragia pós-parto, e o zinco, que tem muito tanto no farelo quanto na folha da mandioca, ajuda na contração da musculatura uterina e na eliminação da placenta. Com isso conseguimos impedir que as mulheres morram por conta de hemorragias. Além desse, quais são os outros benefícios dessa combinação? Ainda quanto as mulheres, outro benefício interessante é a redução de cólicas e da própria TPM (tensão pré-menstrual). Quando usamos a multimistura você retira o fator nutricional, principalmente a deficiência de zinco, cálcio e magnésio, que pode estar levando aquela mulher a sentir isso. É possível ainda acabarmos em uma semana com casos de piolhos e sarnas em comunidades ou escolas. Isso porque o Complexo B tende a deixa um cheiro na pele que não somos capazes de sentir, mas é fundamental para afastar tanto o piolho quanto o in-

seto da sarna. Além disso outra coisa que é muito comum: rachaduras no calcanhar. Se passar um monte de creme e não resolver é porque a causa é a deficiência de Complexo B. Além dos benefícios para a saúde, a senhora citou a questão da sustentabilidade. Como esse tipo de alimentação é benéfica social e economicamente? De muitas formas, mas uma coisa é bastante interessante: todo alcoólatra tem deficiência de vitamina B1 e zinco. De fato, eu não tenho como dar para todos um bom emprego, uma família estruturada. Mas se utilizar a multimistura que é rica em vitaminas e minerais eu tiro o fator nutricional. E, sim, ele pode


Na sua avaliação, qual a importância de uma alimentação saudável no combate a desnutrição infantil? É fundamental desde antes da mulher engravidar. Se faltar vitamina B6 e B12 quatros semanas antes de engravidar e nas quatro primeiras, você aumenta muito a probabilidade de a criança nascer com o lábio e a fissura palatina e também com má formação da coluna. Por isso, é preciso fazer o que eu chamo de memória alimentar. Aos seis meses de idade, a criança não sente praticamente cheiro e tem o paladar bastante reduzido. Ela distingue dois sabores: o adocicado do leite e discretamente o ácido. Nesse momento, você vai escaldar o jambu, o cariru e oferecer, junto com a laranja, o abacaxi e a carne. E isso vai fazer a memória da criança. Agora se você der biscoito, pirulito, ela vai aprender a gostar dessas coisas. É aí que você fazer realmente a educação alimentar. Ou seja, a recuperação de uma criança desnutrida começa antes mesmo dela nascer. E se ela nascer com menos de 2,5kg, o que chamamos de baixo peso ou desnutrida, você triplica a possibilidade de ela ser, na fase adulta, hipertensa, diabética e ter doença cardíaca.

parar de beber sem que seja preciso utilizarmos uma palavra. Não é mágica, é alimentação e nutrição contribuindo com a sociedade. Na economia é um grande incentivo a agricultura familiar. A média nacional da vaca é de produzir de três a quatro litros por dia. Só que para isso você precisa de um pasto, com no máximo três animais por hectare sem o sistema de rotação de pastagem. Você ainda tem que comprar a bezerra e ela leva em torno de nove meses para produzir o leite. Então, na verdade, quanto custa o litro do leite? Já o gergelim, por hectare, se você planta três quilos, em quatro meses você produz 500 a 800 quilos, e tem dez vezes mais cálcio, sendo que você não vai vender o quilo por menos de R$ 5.

Como a sua vivência em Altamira e Santarém contribuiu para esse trabalho? Uma das coisas que mais nos chamou atenção nessa época é que as nossas crianças tinham que fazer uma espécie de vestibular para entrar no primário, e de repente a gente reparou que as nossas crianças, que antes eram desnutridas e que a gente vinha fazendo o trabalho alimentar com ela, pegavam os primeiros lugares. Hoje, a gente tem muitas delas que terminaram o terceiro grau, com mestrado e professor da universidade. Ou seja, a partir da alimentação você muda vida de uma pessoa.

Esse combate à desnutrição então, na sua avaliação, está diretamente ligado à questão da soberania alimentar e do reconhecimento do valor da alimentação regional? Sem dúvida. Nesse tempo todo a gente ensinou que se deve usar o que tem. Se você mora no Pará, você vai usar o jambu, o cariru, o tucupi. Se você mora em São Paulo, você usa o chuchu, o talo e a folha da abóbora, que tem quatro vezes mais cálcio que o leite. Se você colocar todos os dias na sua comida, você terá níveis normais de cálcio. E, no Brasil, a deficiência de cálcio é superior a 50%, como o Complexo B. E você pode repor com alimento e não com remédio. Daí a importância da educação alimentar. Nas nossas creches em Santarém, por exemplo, todos os dias ela repete o que tem: farelo de arroz, mandioca, jambu, cariru, tucupi. Todos os dias, em todas as refeições. O que você acha que ela vai pedir em casa? Eu, enquanto médica, posso te indicar a dar essas coisas e você como mãe pode não dar, e se colocar na alimentação seus filhos podem não comer, mas ele pedir você, você como mãe, vai ou não colocar? OUTUBRO DE 2016

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CAPA

Museu Paraense Ferreira Penna, o fundador do

UM DOS CAPÍTULOS MAIS RELEVANTES DA CIÊNCIA NA AMAZÔNIA ACONTECIA HÁ 150 ANOS DANDO ORIGEM AO ATUAL MUSEU GOELDI TEXTO JOÃO CUNHA FOTOS ACERVO GOELDI E FERNANDO SETTE

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O

busto centenário retrata um homem de meia idade e traços sérios, a calvície em contraste com a barba e os bigodes fartos, bem assentados em um casacão de época. O chão de folhas caídas e as copas das árvores contornam o monumento, que pode passar despercebido em meio às muitas atrações do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. De certa distância, é possível ler a inscrição no pedestal de granito: “D.S. FERREIRA PENNA (1818-1888), INICIADOR DA IDEIA DO MUSEU PARAENSE”. Para os que conhecem a cidade, Ferreira Pena (assim, sem o duplo “n”) está nas ruas, transformado em uma via do bairro Umarizal. O nome completo, Domingos Soares Ferreira Penna, batizou o imponente casarão que hoje é sede das exposições temporárias do Museu Goeldi, e também uma biblioteca de Ciências Humanas e Naturais, o barco oficial e a estação científica da instituição, localizada na Floresta Nacional de Caxiuanã, ao sul do Marajó. A figura de Ferreira OUTUBRO DE 2016

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CAPA

Penna acompanha a história do primeiro e mais antigo museu da Amazônia, que nesse mês de outubro completa 150 anos. Primeiro diretor do Museu Paraense. Presidente da Associação Filomática. Naturalista do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Cientista nato e sem diploma, versado nas áreas de Geografia, História, Arqueologia, Etnografia e Botânica. Secretário de Governo de Província do Grão Pará e depois do Amazonas. Diretor da Biblioteca Pública. Professor da Escola Normal. Jornalista e redator de periódicos antimonarquia. Filiado ao Partido Liberal e um simpatizante da República, que, por muito pouco, viu seus ideais ganharem corpo, mas passou a vida inteira sob o regime imperial no Brasil. O currículo acima dá a impressão de terreno seguro e bem mapeado sobre a biografia de uma personalidade. Mesmo assim, pouco se sabe dos primeiros anos de Domingos Soares Ferreira Penna, nem mesmo por registros de seus amigos mais próximos e de admiradores, a exemplo do escritor e contemporâneo José Veríssimo (1857-1916). “Nós temos muitos escritos a respeito dele como naturalista, fundador e primeiro diretor do Museu Goeldi. Ainda faltam estudos que se ocupem da pessoa Ferreira Penna e o que aconteceu antes da sua chegada à Amazônia”, afirma o historiador da Universidade Federal do Pará (UFPA) e especialista em História Rural da Amazônia, Francivaldo Nunes. Sobre a infância e juventude em Mariana, uma pequena cidade na então província de Minas Gerais, e o convívio com outros membros da tradicional família Ferreira Penna, das mais influentes durante o Império, as informações são escassas. O mesmo ocorre com o período em que viveu entre São Paulo e Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de Secretário de Polícia da Corte. Para todos os efeitos, a vida notória de Domingos Soares Ferreira Penna na ciência e na política parece começar, de fato, aos 40 anos de idade quando recebe, no Rio de Janeiro, o convite do tenente-coronel Manuel de Frias e Vasconcelos 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“então recém nomeado Presidente da Província do Pará, para servir como Secretário de seu Governo”, como relata o pesquisador Osvaldo Cunha, um de seus biógrafos. “Ambos viajaram juntos, chegando a Belém no dia 8 de setembro de 1858, e tomando posse dos cargos no dia seguinte”.

PIONEIRISMO

Domingos Soares Ferreira Penna, hoje é lembrado com um busto em sua homenagem na entrada do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Pouco se sabe sobre sua vida pessoal, mas seu legado científico ficou para a história da Amazônia.


BELÉM: ROTA DE EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS O cenário encontrado por Ferreira Penna era de uma cidade em transformação e ainda marcada pela Cabanagem, desencadeada 23 anos antes. Os impactos da guerra estavam às vistas na capital e pelo interior, na baixa populacional, no espaço público degradado e na insegurança das elites. Em paralelo, punha-se em curso a reorganização administrativa e o crescimento econômico da província. “Nas décadas de 1850 e 1860, a borracha já é o principal produto de exportação pelo Pará. Até o final do século, o dinheiro gerado por esse insumo iria financiar grandes mudanças estruturais em Belém, incluindo o estabelecimento do Museu”, explica Nelson Sanjad, historiador do Museu Goeldi e autor do livro “A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República: 1866-1907”.

Além da borracha, as expedições científicas estavam em voga no século XIX. A ciência representava a urgência do progresso dos povos acima da linha do Equador e a Amazônia, desde então, era uma grande fronteira a ser explorada. Belém do Grão-Pará constituía parada quase certa dos viajantes estrangeiros antes de se porem no caminho do rio e das matas. Alguns deles, como o evolucionista inglês Alfred Wallace, fizeram da cidade morada e campo de pesquisas. A presença dos chamados naturalistas, pessoas de notório saber em diversos ramos da ciência, causava fascínio e, ao mesmo tempo, desagrado na sociedade paraense. “A remessa de grandes quantidades de objetos e espécimes amazônicos para o estrangeiro incomodava a elite ilustrada, enquanto que aqui não havia nenhuma instituição que poderia conservá-los”, diz Sanjad. “Muitos naturalistas, como Louis Agassiz, que esteve em Belém entre 1865 e 1866, lamentavam não existir um museu no qual eles pudessem ter um primeiro encontro com a fauna e a flora local, ou mesmo com objetos etnográficos locais”.

EXPEDICIONÁRIOS AO NORTE DO BRASIL

O naturalista suíço Louis Agassiz (acima), esteve em Belém entre 1865 e 1866, e chegou a propor um museu natural na cidade, já que a Amazônia atraía cada vez mais pesquisadores (no alto) da fauna e flora da região

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CAPA

UM NATURALISTA A SERVIÇO DOS POVOS DA REGIÃO O fluxo de expedições e o contato com cientistas tiveram grande influência sobre Ferreira Penna. Uma verdadeira mudança de vida. Sem ter curso em escola superior, ele foi um autodidata em diversos ramos de saber. “Sendo um estudioso, tornou-se um autêntico cientista, um pesquisador, das coisas que dizem respeito ao homem pré-histórico americano, dos eventos históricos e de tudo o que diz respeito à natureza amazônica, desde a Geografia à História Natural”, ressalta Osvaldo Cunha em

“Talento e Atitude: Estudos Biográficos do Museu Emílio Goeldi”. Em três décadas na Amazônia, Ferreira Penna dedicou-se aos estudos geográficos, abordando a geografia física, a geomorfologia, a geologia e a geografia econômica da região e, em particular, do Pará. “Foi um arqueólogo pioneiro nas pesquisas sobre a cerâmica e outros vestígios dos grupos primitivos que aqui viveram”, prossegue Cunha. Também foi um destacado etnógrafo, estabelecendo diálogo com grupos de etnias, como os Tembé e Amanajá, e um historiador do passado paraense. Os esforços de Ferreira Penna na investigação da Amazônia repercutiram Brasil afora e, na década de 1870, ele é contratado como naturalista viajante do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ao lado de Ladis-

lau Netto, diretor do Museu na época, coletou grande quantidade de urnas, vasos e outras peças arqueológicas na Ilha do Marajó destinadas à Exposição Antropológica Brasileira de 1882, um marco da divulgação científica no ocaso da era imperial. Em retrospecto, o percurso de Ferreira Penna pelas ciências o situa como um naturalista pioneiro no olhar a Amazônia para além de uma fonte de riquezas naturais e culturais, de acordo com Francivaldo Nunes. “Ele é dos primeiros cientistas a não apenas coletar as espécies regionais, mas também construir, a partir dessas coleções, um espaço de apresentação e conhecimento para a sociedade daqui. Isso é realizado a partir da fundação do Museu Paraense”. CONHECENDO A PRÓPRIA HISTÓRIA

O contato de pesquisadores com os povos tradicionais e a descoberta de vestígios de grupos ancestrais na Amazônia impulsionaram a criação do Museu Goeldi

E

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CONSTRUINDO UM MUSEU PARA A AMAZÔNIA A ideia de um museu de história natural no Grão-Pará não era novidade na década de 1860, conforme relatado em “A Coruja de Minerva”. Projetos nesse sentido foram tentados desde a década de 1840, incluindo “um museu criado na lei, mas nunca efetivamente implantado”. “Em todas essas iniciativas, as preocupações centrais convergiam para a instrução pública e para a montagem de uma exposição de produtos naturais amazônicos, que servissem a um só tempo como incentivo para empreendedores e como mostruário das riquezas naturais da região”, ressalta o autor Nelson Sanjad. Com o prestígio de uma carreira em ascensão no mundo científico e o poder que implicava o posto de Secretário da Província, Ferreira Penna tomou a frente da peleja pela criação de um instituto museológico em Belém. Em julho de 1866, fez circular nos jornais uma carta chamando os interessados para uma reunião cuja pauta era criar uma “Associação Filomática”, que reuniria “amigos” e apoiadores da ciência ou do conhecimento (foto no detalhe). O encontro inaugural da Associação aconteceu no dia 6 de outubro do mesmo ano. Reunidas no Palácio do Governo, algumas das personalidades mais eminentes daquela geração, a exemplo do Barão de Arary, primeiro vice-presidente da província, e de Francisco Acácio Corrêa, líder do Partido Liberal. Entre as diretrizes da associação estava fundar um museu de história natural e uma biblioteca na capital.

“Unindo o movimento ilustrado de uma elite paraense que ganha força nas décadas de 1850 e 1860 à influência dos viajantes naturalistas, temos aí um contexto que propicia e vai levar à origem de um museu regional de história natural em 1866”, afirma Sanjad. “E Ferreira Penna é uma figura que catalisa essa intenção”. Composto de 28 artigos, o estatuto da Associação Filomática a firmava como uma sociedade privada, com pagamento de anuidades e um regime de visitação pública para o nascente “Museu Paraense”. Cinco anos depois, contudo, o Museu incorpora-se à administração provincial, dotado de um novo regulamento e integrado diretamente à Diretoria de Instrução Pública. Seis seções foram criadas, que englobavam mais de dez ramos científicos diferentes e enfim a implantação de uma biblioteca. Ferreira Penna, responsável por arquitetar essas mudanças, foi nomeado o primeiro diretor da instituição. O “Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)”, organizado pela Fundação Oswaldo Cruz, lista parte do acervo do museu na época. “Entre as coleções do Museu estava uma coleção de minerais da Europa, que pertencia à repartição das Obras Públicas da Província do Pará; uma coleção de minerais do Brasil; a coleção de amostras classificadas de terrenos norte-americanos e da região amazônica doada pelo naturalista norte-americano Charles Frederic Hartt e, uma coleção numismática, com cerca de 500 moedas de cobre, bronze e prata, mas poucas de ouro. Quanto à parte ornitológica, a instituição possuía uma pequena quantidade de pássaros, doados sobretudo pelo naturalista norte-americano J.B. Steer. Havia também ali um início de coleção de ofídios, alguns peixes, conchas e insetos”.

DA IDEIA PARA A REALDADE

O Museu Paraense saiu do papel e foi conquistando o respeito e admiração de colaboradores e visitantes. A instituição foi implantada inicialmente com mais de dez ramos científicos diferentes e uma biblioteca.

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O MUSEU HOJE E A HERANÇA DE FERREIRA PENNA De 1866 para cá, o Museu Paraense presenciou a queda de um Império, as tramas, os interditos de liberdade e as idas e vindas de uma democracia em construção até hoje. Viveu o ostracismo e a quase extinção no final do século XIX, inaugurada novamente e ressignificada de acordo no raiar da República (veja no box “Emilio Goeldi e a transformação do Museu Paraense”, da página 41). Encontrou a aclamação popular com sua mostra da fauna e da flora regionais e o reconhecimento científico internacional, estabelecendo-se como referência nos estudos da sociobiodiversidade amazônica. Mudou de nome e endereço. O que permanece inalterado é o ideal encampado por Ferreira Penna em 1866, preservado com a própria existência e atuação do Museu Paraense Emilio Goeldi. “Tem um elemento central que parte do Ferreira Penna: o caráter do Museu Goeldi como espaço de guarda de um patrimônio material e histórico que expressa as características físicas e identitárias da Amazônia, um lugar de conhecimento sobre a região e de valorização para as populações locais”, afirma Francivaldo Nunes. “Quebrar o paradigma de construir o conhecimento sobre a própria Amazônia fora dela e pensar em um projeto para a região é o grande legado de Ferreira Penna”, considera o 25º e atual diretor do Museu Goeldi, Nilson Gabas Jr. A instituição foi federalizada durante o governo de Café Filho, em 1955 e, desde então, recursos foram investidos regularmente para ampliar a infraestrutura e o quadro de funcionários e pesquisadores. O Museu Goeldi hoje é uma das três maiores instituições detentoras de coleções científicas do país, com aproximadamente 4,5 milhões de itens tombados em 18 coleções científicas, que abrangem coleções etnográficas, arqueológicas, linguísticas, de minerais e fósseis, documentais, e biológicas. É um sistema com quatro bases físicas, in40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ACERVO ESPECIAL

A coleção de exemplares da fauna e da flora amazônica desperta o interesse de estudiosos locais e estrangeiros, gerando pesquisas inovadoras e diferenciadas ao longo da história


cluindo uma estação científica para estudos de campo em plena floresta amazônica e um Campus de Pesquisa especializado nas áreas de Zoologia, Botânica, Ciências Humanas e Ciências da Terra, com um acervo de milhares de peças etnográficas e arqueológicas e milhões de exemplares da fauna e da flora amazônica. A mais famosa dessas bases é o Parque Zoobotânico, na avenida Magalhães Barata: um quarteirão de 5,4 hectares de área verde no centro urbano de Belém, que recebe uma média de público de 400 mil pessoas por ano. Para Ana Vilacy, linguista e coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação do Museu Goeldi, o segredo da longevidade da instituição amazônica é se manter relevante ao longo do tempo. “Os pesquisadores do Museu Goeldi olham para questões que envolvem diferentes grupos sociais da Amazônia, como povos indígenas, sociedades quilombolas e organizações ligadas ao movimento de assentamento rural e urbano. Buscamos estar atentos a essas questões e tentar respondê-las e é aí que a instituição se mantém relevante na produção de conhecimento que a sociedade vai precisar”, comenta. “Nossa meta é atuar cada vez mais forte e trazer subsídios em todos os níveis do Estado, especialmente em políticas públicas, para dar um retorno ainda mais direto para a sociedade”. Em setembro do ano passado, o Museu Paraense Emílio Goeldi lançou o Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Evolução (PPGBE), o sexto curso pós-graduação de sua história e o primeiro realizado de forma autônoma. Hoje, para a comunidade científica mundial, o nome Museu Paraense Emílio Goeldi ecoa com as melhores recomendações no campo da produção de conhecimento ativo e sensível a respeito da Amazônia. Pelo pioneirismo e presença, para os paraenses ele é “O Museu”, apesar da grande rede espaços de museus no Estado. E para os que moram em Belém, em especial, o Museu Goeldi é sinônimo de afeto e memórias familiares, cenas de manhãs e tardes de passeio pelo parque e das primeiras descobertas sobre a natureza. Com raízes profundas na história recente da Amazônia, o Museu Paraense Emílio Goeldi mira o futuro dessa região, com uma capacidade impressionante de se renovar em seus 150 anos.

EMÍLIO GOELDI E A TRANSFORMAÇÃO DO MUSEU PARAENSE O governador Lauro Sodré estava insatisfeito no começar de 1894. Por mais feitos que tivesse em três anos de gestão, como o calçamento de ruas, sistemas de água e energia elétrica em Belém e a restauração do Teatro da Paz, o Museu Paraense era uma questão em aberto. Depois de integrar a estrutura pública, juntar coleções científicas notáveis e, por um triz, acabar-se junto com o Império Brasileiro, o seu presente era a obscuridade. Mais que uma reforma, o líder republicano queria um novo museu. Em comunicação de 7 de abril daque-

das ciências naturais e da etnologia amazô-

le ano ao Congresso Estadual, anunciou:

nicas”, como informa em relatório ao gover-

“Para erguê-lo (o museu) ao nível que deve

no. “Esse é o grande marco para o Museu. É

atingir para ser realmente útil, dei autoriza-

aí que está o que se pode chamar a essência

ção para que fosse contratado para exercer

do que a instituição é hoje”, afirma o histo-

o cargo de Diretor desse estabelecimento o

riador Nelson Sanjad.

Dr. E. Goeldi, naturalista bem reputado pelos

Emílio Goeldi planejou também um jar-

seus trabalhos e pelos seus serviços ao nos-

dim zoológico e um horto botânico, como

so país”. Tratava-se do suíço Emílio Augusto

anexos ao Museu. Para receber a estrutura

Goeldi (1859-1917), zoólogo e antigo subdi-

inédita, foi escolhida uma rocinha, um casa-

retor do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

rão de estilo neoclássico, na época distante

Com desempenho destacado na taxonomia

do centro da cidade. Inaugurado em agosto

de animais da fauna brasileira e nos estudos

de 1895, aos poucos o Parque Zoobotânico in-

de combate a pragas agrícolas, esse era um

corporou terrenos vizinhos e foi ocupado com

nome à altura das expectativas de Sodré.

espécies regionais da fauna e da flora, como

À frente do Museu, já em 1894, Goeldi

ainda é hoje. Pela direção inovadora, que

transformou inteiramente o Museu Paraen-

exerceu até 1907, o naturalista suíço foi home-

se. Organizou as coleções, definiu as seções

nageado com a inclusão de seu nome ao da

científicas e abriu mão de tudo que era exó-

instituição, tomando afinal, em 1931, a forma

tico à terra, conservando “estritamente o

que conhecemos: “Museu Paraense Emílio

caráter de estabelecimento para a cultura

Goeldi” ou, no popular, “Museu Goeldi”.

O NOME DO MUSEU

O suíço Emílio Augusto Goeldi (sentado de barba) trouxe sua experiência como zoólogo e subdiretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro para Belém. Com ele, a instituição ganhou colaboradores renomados e visibilidade global no mundo das ciências naturais.

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PESQUISA

Mão de força

Próteses fabricadas com material reaproveitado são esperança para pessoas amputadas TEXTO GABRIELA AZEVEDO FOTOS TARSO SARRAF

A

lcione de Souza, 25 anos, chegou a Belém em 2013. Há dois anos ela trabalhava em um açougue em uma feira da capital e foi operar uma máquina de moer carne. Segundo ela, mesmo alertando os chefes sobre a inexperiência no manuseio do aparelho, ela foi obrigada a usá-lo. Foi assim que Alcione perdeu a mão direita. O acidente a deixou deprimida. Sair de casa, não era mais uma opção. Para esconder o trauma, ela usava tipoias ou ataduras. Por um ano, morando só, a jovem enfrentou dificuldades diárias, sem procurar ajuda. Escovar os dentes, 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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comer e cozinhar eram tarefas que traziam a memória o dia em que ela perdeu a mão. Quando fi nalmente decidiu por um tratamento, Alcione começou uma terapia para troca de lateralidade, onde teria que desempenhar com a mão esquerda tudo que fazia antes com a mão direita. “Mas era muito difícil, eu não conseguia fazer nada. Comecei a faltar porque não gostava de sair de casa”, recorda. Foi há cerca de 10 meses que Alcione conheceu o trabalho do professor terapeuta ocupacional Jorge Rodrigues Jr., no laboratório de tecnologia assistiva da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

Há mais de 20 anos, Jorge fabrica órteses, adaptações e próteses de materiais reutilizados. “São materiais que a gente vê comumente disponíveis, mas não valoriza, aí que está a diferença”, afi rma. Ele criou uma prótese de treinamento feita com papelão para a Alcione. Mas o professor também usa outros materiais, como plástico de garrafa de detergente, tubo de PVC, esponja e lata. A união de cada componente com os respectivos mecanismos biocinéticos dá forma a cada um dos dispositivos. “A primeira vez que fi z um desses foi uma órtese. Foi ainda na faculdade, quando eu tinha um paciente com sequela de


AVC, ele ficava com a mão toda fechada. Hoje em dia já é difícil conseguir uma órtese, imagina 20 anos atrás. O custo é elevado e também há poucos profissionais qualificados para fazer. Aí eu quis fazer uma para ele. Depois de muito errar. Peguei um tubo de PVC e moldei com o calor sob medida pra ele”, relata o professor. Uma órtese simples custa, em média, R$ 500 porque é feita com material importado, segundo Jorge. Nos moldes em que ele faz, as peças não chegam a custar um terço desse valor. “Com um cano de seis metros a gente faz 80 órteses de membro superior. E esse cano custa R$ 120. Ou seja, eu não gasto R$ 30 de material para cada uma, se eu fosse acrescentar meu trabalho de terapeuta ocupacional, ainda sim o valor é bem menor”, comenta. As próteses parciais de mão são feitas em impressora 3D, com milhões de peças. O terapeuta estudou essa complexidade e fez dela um projeto de reaproveitamento de materiais. Como são mais simples, as peças de Jorge têm um número reduzido de fragmentos e é específica para atividade de vida diária. Atualmente, no laboratório da Uepa, o professor ensina as turmas do curso de Terapia Ocupacional a criar os mesmos dispositivos. “A nossa pesquisa é fazer o máximo com o mínimo. Eu comecei fazendo sozinho, depois entrei para trabalhar na Uepa e fui aos poucos implementando o trabalho com meus alunos. Juntos aqui já fizemos cerca de três mil peças”, revela. Antes de testar em pacientes, Jorge fez vários testes. “Fiz uma prótese, ainda universitário, de garrafa pet, era toda articulada. Mostrei para o meu professor e ele gostou. Aí comecei a estudar mais sobre isso. Depois que comecei a fazer para os meus pacientes, os meus

DISPOSITIVO

Alcione de Souza perdeu a mão direita no local de trabalho. Hoje, participa do programa de próteses experimentais desenvolvidopelo terapeuta ocupacional Jorge Rodrigues Jr., da Uepa.

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PESQUISA

colegas pediam para eu fazer para os deles também. Então fui melhorando a minha técnica, aprimorando os estudos”, conta. Além de terapeuta ocupacional, o professor é também inventor. Ele já criou, por exemplo, uma “maleta terapêutica”. Semelhante a um brinquedo infantil e que tem várias possibilidades de atividades, estimulando ações terapêuticas para treinar encaixe e força. “É um recurso para fazer qualquer tipo de habilitação do membro superior”, explica. Mas as criações não terminam nesse invento. “Fiz também a ‘adaptação universal’. Para quem não tem função na mão, não consegue segurar uma caneta, nem uma colher. Esse recurso, feito de couro – e posso até fazer de bolsa que fica

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mais fashion – prende na mão e tem essa espécie de gancho que segura a caneta, a colher, a escova de dentes”, exemplifica. Aos poucos, os pacientes começam a agir com naturalidade ao usar as peças. Alcione já se acostumou com a adaptação que o professor criou para ela. De acordo com ele, isso se chama “biofeedback”, quando o corpo responde aos mecanismos que lhe foram oferecidos. “Agora a gente treina com ela, usando a prótese de papelão. Mas ela ainda precisa vencer a força da mola que fica na prótese para realizar todas as tarefas”, comenta. Antes de começar a terapia, Alcione não fazia nenhuma das suas atividades diárias com facilidade. “Não fazia nada, eu esquecia que tinha esse braço e só queria usar o outro. Eu

não queria nem me olhar. Logo que comecei a usar a adaptação consegui comer só, chorei de emoção. E tomei açaí no primeiro dia”, diz. Ela descreve a sensação de usar a adaptação como algo instantâneo. “Parece que estou mais próxima da minha mão, mas quando eu tiro parece que não tenho nada e eu me escondo mais ainda. Não saio sem isso na rua. Ele melhorou muito minha vida, mas sei que gosto também porque ele me esconde. Um dia desses, eu queria comprar pão na rua de casa, mas não estava achando a prótese, então eu não saí até encontrar”, conta. Apesar de estar vencendo suas atividades diárias, a jovem ainda não venceu a própria aceitação. “Eu tento, eu falo para mim mesma que vou sair

REAPRENDER

Após o acidente, Alcione precisou desenvolver as habilidades cotidianas, como escrever e usar um computadir com a ajuda dos terapeutas


COMO CONSTRUIR UMA PRÓTESE Para fabricar os dispositivos é preciso paciência e dedicação

1

Para uma órtese ficar pronta, é preciso habilidade. O professor Jorge

na rua sem nada para me esconder e as pessoas vão ter que me aceitar do jeito que eu sou. Mas eu não consigo, eu chego na porta de casa e travo, não saio. Mas acho que isso é da minha cabeça, sinto que quando saio na rua fica todo mundo me olhando”, diz. O próximo passo para vencer esse trauma é arranjar um emprego. “Eu quero trabalhar porque eu fico muito em casa, fico sozinha, aí começo a me olhar e a lembrar. Mais um mês do dia do acidente. Tem gente que acha que é frescura, mas eu

passei e eu sei como foi”, diz Alcione. Passo que, para o professor, logo vai ter o auxílio da prótese que ele fez. “Isso é uma prótese de terapia ocupacional porque trabalhamos com as AVDs, que são as ‘atividades de vida diária’. Inventam as próteses só para abrir e fechar, a que inventei é para ser utilizada no dia a dia. Ela é funcional, leve, compacta e tem o mínimo de peças para evitar manutenção”, defende Jorge. Com tantos anos testando diferentes materiais e mecanismos, o terapeuta

alimentou um sonho que ele acredita realizar em breve. “Ninguém sabe mais do que eu, o quanto isso é importante. Aqui a gente trabalha com pacientes amputados, crianças com má formação congênita, gente que sofreu acidente de trabalho. São vários fatores clínicos que são motivos para que a gente utilize desse mecanismo. Mas para mim a principal aplicação dessa prótese não está no Brasil e sim, na África”, diz o terapeuta, ao revelar que quer fazer uma viagem para aplicar seu projeto no

Rodrigues Jr. ensina seus alunos a criar cada uma das peças. Para quem está começando é preciso paciência em todas as etapas.

2

É preciso cerrar os canos e depois aquecê-los no fogo para transformá-los em placas, como primeiro passo. Como muitos pacientes procuram o laboratório para pedir ajuda, moldes não faltam. Cada órtese é feita com as medidas exatas

DEDICAÇÃO

O pesquisador Jorge Rodrigues Jr. quer expandir a fabricação das próteses e realizar um sonho: ajudar as vítimas mutiladas nas dezenas de guerras civis da África.

de cada paciente. Depois de medir, mais corte. E novamente, o calor vai dar a forma ao tubo, que terá o formato do braço do paciente.

3

Depois é só questão de acabamento, lixar os cantos, forrar com EVA (uma espécie de emborrachado para dar mais conforto ao paciente. Para prender as peças, o velcro além de colado é fixado com taxas. OUTUBRO DE 2016

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PESQUISA

continente africano. “Lá tiveram muitas guerras civis e por isso eu teria muitos pacientes. Quando alguém era preso na guerra, tinha a mão amputada para não pegar mais em armas e não voltar para guerra. Eu vou para lá, é questão de tempo. O mais difícil eu fiz, inventei a prótese. Agora eu tenho vontade de pegar esse projeto e levar para lá. Sei que se eu chegar vou conseguir fazer”, acredita.

ATENDIMENTO

O professor Jorge Rodrigues Jr. e os alunos do estágio do curso de Terapia Ocupacional da Uepa recebem qualquer paciente de reabilitação física. Os atendimentos são realizados todas às segundas-feiras e quartas-feiras. Podem procurar o atendimento pacientes com amputação e com problemas físicos causados por questões neurológicas, por traumas, fatores ortopédicos e reumatológicos. O laboratório de Tecnologia Assistiva fica na Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (Uepa). O endereço é travessa Perebebuí, 2623, ao lado do Bosque Rodrigues Alves, no bairro do Marco, em Belém.

O ENCAIXE DE CADA UM

Órteses

Adaptações

Próteses

Auxiliam uma função, uma

Auxiliam nas atividades de

Substituem um membro

Conheça a diferença

pessoa com AVC, por exemplo,

vida diárias, por exemplo, tem

perdido e restaura a função

entre cada tipo de peça

pode acarretar uma deformi-

pessoas que não possuem fun-

comprometida com a ausência

dade na mão com a deficiência

ção para segurar uma caneta e

do órgão.

para contrair. Usando uma ór-

por isso têm dificuldade para

tese, ela vai favorecer a função,

escrever, com a adaptação é

alongando a musculatura e

possível escrever, substituindo

prevenindo a deformidade.

a função.

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ARTE, CULTURA E REFLEXÃO

Alegria alegria

FERNANDO SETTE

PENSELIMPO

A ESCRITORA E COMPOSITORA HELIANA BARRIGA PREZA PELA ARTE-EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA PÁGINA 48

HUMANISMO

MERCADO

O cônsul britânico Roger Casement foi um dos maiores defensores dos povos da Amazônia no final do século XIX. PÁG.52

Jornalista comenta sobre os desafios dos negócios sustentáveis diante da inovação social para inspirar mudanças. PÁG.58

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PAPO DE ARTISTA

brincante da palavra A ESCRITORA E COMPOSITORA HELIANA BARRIGA CELEBRA O AMOR PELA VIDA E PELA NATUREZA AO CRIAR PONTES DO CONHECIMENTO ENTRE A ARTE E O PÚBLICO INFANTOJUVENIL

TEXTO AMANDA ENGELKE FOTO FERNANDO SETTE

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C

om mais de três décadas de atividade dedicadas à literatura infantojuvenil, a escritora e compositora Heliana Barriga é praticamente uma unanimidade entre as crianças. Mas não só entre elas. O jeito espontâneo da artista, que largou a estabilidade do funcionalismo público na década de 80 para se dedicar à poesia, tem conquistado diferentes tipos de público em oficinas literárias para educadores e estudantes, performances poéticas e projetos culturais desenvolvidos em escolas municipais. Formada em Engenheira Agrônoma e mestre em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade de São Paulo (USP), Heliana já coleciona cerca de 50 livros e nove CDs. Tudo começou em 1985 com os livros “A Abelha Abelhuda”, “Perereca Sapeca” e “Minha Historinha”, este último título feito especialmente para filha Letícia quando ela tinha seis meses. “Lembro que quando ela viu o livro, ela queria que eu recolhesse todos do Brasil porque a história era dela”, comenta. Depois vieram o “Anta Antônia” e outros, que formam a coletânea de 18 obras publicadas, numa tiragem de mais de 150 mil exemplares. A escritora também inaugurou a série Acalanto, dedicada às crianças em fase de alfabetização, pela editora FTD. Na entrevista a seguir, Heliana Barriga fala sobre a principal razão de dedicar seu trabalho ao público infantojuvenil. “A poesia foi a forma que encontrei para ficar mais próxima dos meus filhos. Tudo sempre foi por eles. Para mim, era uma forma de amenizar a saudade que sentia, devido às diversas dificuldades que passamos na época”, conta emocionada. Além disso, a escritora também comenta sobre as particularidaOUTUBRO DE 2016

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PAPO DE ARTISTA

“Os meus textos são, antes de tudo, musicais. A literatura me dá os caminhos. O mais importante é o meu estado de poesia. Tudo é uma questão de provocação. Para mim, música e literatura andam juntas. O que faço é trabalhar o texto literário na minha música”

des e desafios do trabalho voltado ao universo infantil e importância da região amazônica em sua obra. Tu és engenheira agrônoma por formação. Como a arte e a literatura surgiram na tua vida? A música veio antes de tudo. Minha mãe contava que quando eu nasci, como eu tinha os dedos compridos, ela achava que iria ser professora de piano. Nasci em Castanhal e aos 10 anos ela me matriculou no Conservatório Carlos Gomes. Depois me interessei pelo acordeão e aos 15 anos me formei acordeonista. Então sempre tive uma relação com a música muito grande e nesse meio tempo sempre dava um jeito de organizar e participar de atividades culturais. Comecei a me dedicar mesmo à poesia no início da década de 80, porque foi algo arrebatador. Eu senti que tinha que fazer aquilo. Eu me senti viva. Mas nessa época tu já eras formada? Sim. Minha família construiu um hospital e achava que eu deveria ser médica. Mas eu queria trabalhar ao ar livre, por isso optei pela agronomia, mas depois entendi que emprego era tudo igual para qualquer pessoa. Foi quando larguei meu emprego federal como agrônoma e pesquisadora da Embrapa. Cheguei até a fazer mestrado na USP. Mas a poesia começou a dominar de uma tal maneira que não tinha como mais renegar aquilo. Lembro que uma vez estava fazendo uma prova de qualificação, mas não parava de escrever poemas. Eu senti que tinha que fazer aquilo e não conseguia entender como uma profissão tão poética que é plantar, fazer nascer um animal, não poderia ser expressada poeticamente, e sim tecnicamente. E porque o público infantil? Primeiro porque eu fui uma criança muito feliz por mim mesma. Eu tinha consciência do que era ser criança no interior, nos quintais, em meios às plantas e a natureza. Aquilo era uma lembrança forte. Depois por causa dos meus filhos. Cheguei a casar e meus filhos tiveram que ficar longe de mim,

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por conta de ter largado meu emprego. Foi o período mais difícil da minha vida, porque não tinha condições. Fico bastante emocionada de lembrar dessa época, é difícil até falar. A família toda me criticava, ninguém entendia o que era, achavam que eu estava louca por seguir o meu sonho. E naquela época a gente não tinha essa coisa da internet. Então a poesia foi a forma que encontrei para ficar mais próximos deles, como forma de amenizar a saudade que sentia. Tudo era em função deles. Naquela época, além os desafios pessoais, o mercado era difícil? Como era fazer literatura e arte na Amazônia? Muito, a gente tinha que se virar se quisesse fazer aquilo de verdade. Apesar do pouco apoio, sempre me virei com criatividade. E é assim até hoje. As editoras ficam com 90% das vendas. Tudo bem que elas têm todo o trabalho, mas o resto você ainda divide com o ilustrador e, agora, com o design. Além disso, acredito que um desafio da época que é bem atual é questão da mulher na literatura. Você tem que arcar muitos ônus para viver feliz e espontaneamente. Eu, por exemplo, tive que enfrentar muita coisa para resgatar a minha felicidade, minha espontaneidade. E hoje não é diferente. No fundo sempre existe uma cobrança de postura, como mulher e como escritora. Eu sinto que não tenho uma postura e, até por conta disso me dou tão bem com as crianças, porque elas são espontâneas. E hoje, como você avalia o mercado? A gente tem que jogar em todas as posições e saber administrar os recursos para vivermos bem. Eu sempre fico no conflito de fazer um livro caro e barato. Acho que tem que ser barato para as crianças comprarem. Mas eu tenho que fazer livro caro porque as pessoas também compram, elas investem até como uma obra de arte. Mas eu acho isso tudo válido, porque estimula nossa


criatividade. A nossa vida passa a ser um eterno desafio. E quando eu estou muito pressionada eu vou para o mato, buscar minhas raízes, e vou voltando ao mercado aos poucos. Quais as diferenças entre a música e literatura na tua obra? Eu sempre estou inspirada para fazer música. Ela veio antes de tudo. Os meus textos são, antes de tudo, musicais. A literatura me dá os caminhos. O mais importante é o meu estado de poesia. Tudo é uma questão de provocação. Para mim, música e literatura andam juntas. O que faço é trabalhar o texto literário na minha música. No geral, me considero uma brincante da palavra, porque sigo mais para o lado da poesia concreta, de ser livre, o que acredito que também cria uma conectividade com o público infantil, porque eles também são livres.

DO CORAÇÃO

Heliana Barriga superou dificuldades familiares e hoje espalha alegria e conhecimento às crianças amazônidas

A natureza é recorrente na tua obra. A Amazônia te inspira? A natureza me inspira, assim como as pessoas. Eu estou todo tempo conectada com a natureza, e a nossa região é a mais propicia para isso. A Amazônia é fundamental na minha obra. A agronomia me deu ainda mais esse olhar sobre a região. Além disso, a própria sabedoria popular me ajudou a construir muita coisa. Eu tinha um pouco do conhecimento técnico, mas a sabedoria popular é o que agrega nas minhas obras. A gente está sempre aprendendo uma coisa nova, e eu acho fantástico isso. Faz com que aguce meu estado de poesia e de criatividade. De que forma é importante as ações em movimentos de valorização e divulgação dos escritores regionais? Com eu produzo bastante, acredito que as pessoas até param para me ouvir. Mas a verdade é que ainda estamos aprendendo a lidar com tudo isso. Eu estou junto porque são pessoas que comungam do mesmo sonho. Acredito que Belém é um centro de sensibilidade cultural. A gente já vislumbra alguma coisa coletiva, apesar do mercado ser bastante competitivo. Acredito que a minha maior contribuição para valorizar e divulgar a arte regional é estar sempre produzindo. OUTUBRO DE 2016

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O cônsul das minorias TEXTO ANA PAULA MESQUITA

ILUSTRAÇÕES J.BOSCO

Roger Casement 1864-1916

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SETEMBRO DE 2016


A

extração da borracha na Amazônia não só rendeu muitos lucros aos europeus, como também rendeu uma intensa exploração de índios e trabalhadores coloniais. Esse período foi destaque aos olhos do cônsul britânico Roger Casement, que viveu em Belém no período de 1908-1909. Com muita coragem e indignação, relatou ao governo britânico da época os maus-tratos, tortura, morte de nativos e ilegalidade ocorridos no período da borracha. Mesmo denunciando os crimes contra a humanidade, Casement morreu na forca, acusado de trair a pátria. Nascido em Dublin, em 1º de setembro de 1864, partiu cedo de sua terra natal para Londres. Iniciou sua carreira como um jovem imperialista na África e chegou ao Congo em 1884, sendo nomeado agente colonial da Associação Internacional do Rei Leopoldo. Porém, se desiludiu e renunciou ao cargo. O resultado da comissão parlamentar, para a qual foi nomeado, foi um dossiê de provas coletadas a partir das declarações de vítimas do regime e de missionários da região. Ao retornar a Inglaterra, Casement apresentou o relatório que condenava a conduta imperial de Leopoldo II ao Ministério das Relações Exteriores. Um ano depois, em 1904, o relatório foi publicado com a omissão de nomes e referências diretas a funcionários coloniais e estimava a morte de três milhões de congoleses. Apesar da imparcialidade que buscou para redigir o relatório, nele transparece a condenação ao sistema que traía os princípios humanitários estabelecidos nos Atos de Berlim (1885) e de Bruxelas (1892). Casement finalmente se uniu a E. D. Morel e, juntos, fundaram a Congo Reform Association, que lutava por reformas administrativas, irritando ainda mais Leopoldo II. No Brasil, Roger Casement, em 1906, assumiu diferentes funções consulares em Santos, São Paulo, e em Belém e como cônsul-geral da Grã-Bretanha e da Irlanda no Rio de Janeiro. No Pará, Roger Casement, organizou a casa consular e produziu relatórios que faz considerações sobre o comércio, descrevendo observações sobra a população, educação e saúde pública da região.

Em 1910, foi escalado para uma missão oficial no noroeste da Amazônia para investigar uma denúncia de extração ilegal da borracha. Essa jornada na Amazônia lembrava muito o que Casement viveu na África, o que resultou em um relatório com as denúncias sobre as atrocidades ocorridas com os índios e funcionários coloniais. O trabalho de Roger na região ajudou a desmoralizar o sistema extrativista baseado no medo e na violência física contra os funcionários. Casement percorreu, por muito tempo, o vale do Putumayo - área de fronteira reivindicada na época pelos governos do Peru, do Brasil e da Colômbia - para investigar as atividades da Peruvian Amazon Company. A empresa era financiada por investidores de Londres, mas havia denúncias de maus-tratos a índios que lá trabalhavam. Depois dessa viagem, as preocupações sobre a exploração e poder dos impérios aumentaram. Desse modo, o governo britânico publica o Blue Books. Nele continha os relatórios de Casement, onde ele descrevia toda a situação de exploração e maus tratos aos trabalhadores da extração da borracha. O conteúdo da obra fez com que as autoridades britânicas transferissem para o sudoeste asiático a verba destinada à plantação de seringueiras na Amazônia. Roger Casement foi preso e considerado um traidor no dia 22 de abril de 1916 pelo governo britânico. Apesar de todos os esforços internacionais para pressionar o governo britânico a conceder um indulto, o irlandês foi rapidamente executado no dia 2 de agosto de 1916, exatamente após a eclosão da primeira guerra mundial. “Casement era um humanista. Pessoa sensível, que se valeu de sua posição consular, de autoridade, para expor as denúncias sobre maus-tratos aos índios e nativos da Amazônia e África. Ele, certamente, criou uma empatia com esses povos. Foi um lutador dos direitos humanos de fato”, diz a professora Valéria Augusti, cientista social e doutora em Teoria e História Literária. O livro “Roger Casement no Brasil: A borracha, a Amazônia e o Mundo Atlântico 18811916”, de Angus Mitchell, relata o legado do irlandês no país. SETEMBRO DE 2016

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AGENDA DIVULGAÇÃO

MEIO AMBIENTE Em novembro será realizado o V Simpósio de Estudos e Pesquisas em Ciências Ambientais na Amazônia. O evento é promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais – em nível de mestrado acadêmico – da Universidade do Estado do Pará (UEPA), e será realizado no Auditório do Centro de Ciências Naturais e Tecnologia da UEPA, de 16 a 18 do mês. Este ano o tema do simpósio será “Impactos Ambientais das Atividades Humanas”, e irá discutir sobre “alternativas que levem a uma convivência harmônica entre o homem e o meio ambiente, de modo a haver uma exploração sustentável dos recursos naturais, com geração mínima de impactos ambientais”. As inscrições podem ser feitas através do site www.uepa. br/paginas/pcambientais/simposio.

CHUVA Belém sediará a décima edição do Simpósio Brasileiro de Captação e Manejo de Água de Chuva. Promovido pela Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chu-

LÍBERO LUXARDO

Tem Woody Allen de graça

va (ABCMAC), o evento, que será realizado de 15 a 18 de novembro, está completando vinte anos de história e chega ao Norte

Em outubro a programação do Cine Líbero Lu-

para os fãs de Woody Allen. O mais recente

pela primeira vez. O simpósio será sediado

xardo conta com filmes para todos os gostos,

filme do diretor multifacetado, “Café Society”

na UFPA. O tema central desta edição será

com produções nacionais e internacionais. Até

(foto), segue em exibição até o dia 23, em horá-

“Desbloquear o potencial de aproveitamen-

o dia 16, às 18h, nas sessões regulares, está em

rios alternados – até o dia 16, às 20h, e de 19 a

to da água de chuva para o Brasil”. Para mais

cartaz o longa “A Comunidade”, de Thomas

23 às 18h. Além disso, serão exibidos os filmes

informações é só acessar o site do evento -

Vinterberg. O filme dinamarquês conta a his-

“As Mil e Uma Noites: Volume 1 - O Inquieto”, de

10sbcmac.ufpa.br/.

tória de um casal de acadêmicos dos anos 70

Miguel Gomes; “O Monstro de Mil Cabeças”, de

que, junto com a filha, montam uma comuna

Rodrigo Plá; “De Volta Para o Futuro – Parte III”,

FOTOGRAFIA

em um elegante bairro de Copenhague. A ideia

de Robert Zemeckis, em mais uma edição do

Está em cartaz na Fotoativa a exposição “Alfa-

é dividir a casa e viver em conjunto com outras

Cine Liso; “Her”, de Spike Jonze, em sessão do

beto de Ficções”. A mostra é fruto dos diálogos

pessoas, mas um caso de amor abala a con-

Cine Psique, entre outros títulos. Informações:

e experimentações dos artistas participantes

vivência em grupo. Outubro também é o mês

www.facebook.com/cineliberoluxardo.

do Laboratório de Projetos, grupo de estudos, pesquisas e práticas artísticas da Fotoativa,

CÍRIO DE NAZARÉ

coordenado pela pesquisadora Camila Fialho. A mostra, que explora a relação da fotografia

O Espaço Cultural Banco da Amazônia apresenta a exposição “O Círio Vai Passando Como

com o uso da palavra, tem uma proposta ino-

um Rio”, uma mostra coletiva que reúne os trabalhos de sete fotógrafas paraenses e que tem

vadora, e traz imagens que têm como ponto de

como objetivo traduzir as festividades do Círio em fotografias. Junto às fotos está o poema

partida uma letra do alfabeto através de diver-

“O Círio”, de João de Jesus Paes Loureiro. Segundo Guy Veloso, curador da mostra, o texto é

sas histórias. A mostra integra a programação

o “fio condutor para as fotografias, assim como a corda da procissão é para os romeiros”. O

do projeto “A Palavra é o Limite”. O projeto foi

acervo da exposição é composto por 25 imagens. Participam da mostra as artistas Ana Mokar-

contemplado pelo Prêmio Experimentação,

zel, Fatinha Silva, Irene Almeida, Joyce Nabiça, Nailana Thiely, Paula Giordano e Shamara Fra-

Pesquisa e Difusão Artística em 2016, através

goso. O público tem até o dia 21 para visitar a exposição. Mais informações: (91) 4008-3334.

do Programa de Incentivo à Arte e à Cultura – SEIVA, Fundação Cultural do Pará.

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OUTUBRO DE 2016


FAÇA VOCÊ MESMO

Estandarte de porta para o Círio

Assim como no Natal, o Círio de Nazaré, o “Natal dos Paraenses”, exige demanda enfeites para a casa, em homenagem à Virgem Maria. E usando materiais de fácil acesso é possível customizar um enfeite de porta único. Grande parte do material pode já estar disponível em casa e pronto para ser reciclado. O resultado pode gerar um presente

para o Círio, além de algo possível de se produzir em maior quantidade, sob encomenda, e vendido para ajudar no orçamento da casa. É uma época em que milhares de artesãos colocam a criatividade para funcionar e conseguem um bom retorno financeiro. Ou apenas como um passatempo. E ainda: o pagamento de alguma promessa à Santa.

• Uma imagem da Virgem de Nazaré impressa • Um CD • Tesoura com pontas arredondadas

Do que vamos precisar?

• Fitas de tecido • Flores de acrílico • Cola de silicone ou cola quente • Retalho de tecido americano • Retalho de tecidos estampados • Papelão • Linha • Agulha • Régua

DILMA TEIXEIRA: COORDENADORA DE ARTES VISUAIS/ OFICINAS CURRO VELHO / LUIZA NEVES: TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL IONALDO RODRIGUES: FOTOGRAFIAS /ÁUDIO VISUAL – FCP / JULIANA LEBREGO: INSTRUTORA OUTUBRO DE 2016

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FAÇA VOCÊ MESMO

4 7 10

Recorte o tecido americano para encapar o CD nas dimensões de 28 x 28 cm

Com a tesoura, faça picotes no tecido para facilitar a colagem no CD

Alinhave com agulha e linha as bordas do tecido e arremate ao final formando um fuxico

Cole o círculo encapado sobre a fita de cetim, na parte de trás do CD, para dar o acabamento

2 5 8 11

Centralize o CD e puxe o tecido recortado pelo furo central

Cole a parte picotada do tecido no CD

Corte um círculo menor (de aproximadamente 7 cm de diâmetro) no papelão e encape com um pedaço de tecido estampado de maneira semelhante à que foi feita com o tecido americano

Agora centralize a imagem de Virgem de Nazaré na parte da frente do CD encapado e decorar a seu gosto, colando peças de bijuterias e flores

3 6

Em seguida, corte a ponta do tecido que transpassou o furo

Corte o excesso de tecido, seguindo o formato circular a mais ou menos 3 cm da extremidade

9 12

Corte uma fita de cetim de, aproximadamente, 20 cm. Dobre ao meio e cole na parte de trás do CD para pendurar o estandarte

Para dar um tom neutro, foi usado o tecido americano para encapar, mas pode-se usar o retalho que tiver em casa, liso ou estampado

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

OUTUBRO DE 2016

RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


BOA HISTÓRIA

LEONARDO NUNES

Remadas

O rio plácido, a remada funda, a água escura, a mata longe, a beira cada vez menor. Era dia comum.

Nem domingo era, feriado menos. O silêncio guardava os piados das aves que dormiam nos galhos enganadas pela noite alta, nem se ouvia o vento nas folhas. A ideia era chegar do outro lado, já com o dia clareando, tateando o chão líquido que sabia de cor e salteado e o navegava de olhos fechados para economizar a vista no escuro. Abria de vez em quando para confirmar que estava só, como tanto gostava. Num desses lampejos, dentro da montaria, viu primeiro o feixe de luz. Foi rápido, não durou meio segundo, mas deixou ele alerta. Não teve medo, mas curiosidade. Fosse um mapará que engoliu vagalume, fosse uma flecha de fogo dentro d’água, fosse os desvios da madrugada de quem rema solitário por gosto. Alguma coisa haveria de ser, que não só um pensamento que fugiu feito raio da cabeça que não pensava em nada naquela antes da

aurora. Aquietou-se sem nervosismo algum e pensou que é tudo da lei, está tudo previsto, principalmente, o que não se pode explicar dentro do rio. Se ninguém viu além dele viu, não carece de explicação, porque ninguém há de perguntar sobre o que diacho de faísca foi aquela dentro d’água. O céu ganhou o primeiro tom rosa por detrás de uma ilha que parecia mais longe a cada força que fazia no remo. E, quando quase havia esquecido o corisco líquido, passaram mais dois, ao mesmo tempo, lado a lado na mesma direção. O coração contraiu, agora, sim, de susto. Não era imaginação, nem coisa do sono da hora. Disparou mais um, depois outros mais três, seguidos de já um número sem conta de riscos brilhantes no mesmo rumo O firmamento se tornou rosa vivo quase laranja e o rio, antes preto da noite, emprestou as primeiras cores do barrentas de sua tonalidade revelada todos os dias pelo Sol. Estava agora salpicado das luzes

que como balas corriam para se refugiar adiante. Se concentravam à frente, lugar ainda não sabido pelo canoeiro, já esquecido do que faria quando saiu cedinho de casa, depois de beijar a mulher e olhar os filhos por debaixo do mosquiteiro da rede. Encegueirado pela corrida disparatada de feixes ao fundo, ele seguiu mais rápido com os braços em sincronia, acostumado ao movimento desde que era muito jito. Entrou no vórtice por gosto, desceu a espiral de água e flashes para descobrir que estava certo quanto os peixes comedores pirilampo. Só não sabia da cidade sob as águas, sem porto, sem árvores, sem as cores de lodo que chegou a pensar ainda menino, época em que ouviu de olho arregalado a história que vivia no momento presente. Desceu da embarcação descalçado para vasculhar a definitiva morada, cansaço nenhum depois de remar dez mil braçadas sem perceber, encharcado e encantado para sempre. OUTUBRO DE 2016

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

Negócios sustentáveis com propósito

O tripé da sustentabilidade é bastante conhecido,

MAURA CAMPANILI é jornalista especializada em temas socioambientais. Desde 2004, atua através do NUCA-Núcleo de Conteúdos Ambientais (SP), através do qual presta serviços jornalísticos na área socioambiental para ONGs, empresas e governos. 58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

sobretudo quando se relaciona ao que é feito na Amazônia. Entretanto, produzir sem esgotar os recursos naturais parece ser insuficiente diante dos imensos desafios climáticos globais e da importância da Amazônia para o Brasil e o planeta. A necessidade imediata é que os negócios sejam sustentáveis e tragam um balanço positivo de benefícios ao meio ambiente. Além disso, o modelo deve garantir resultados duradouros para todos os envolvidos na cadeia de valor e gerar bem-estar para as comunidades. Reconhecer um negócio sustentável, porém, não é tão simples, especialmente diante da diversidade de experiências, nem sempre com êxito, já feitas e em andamento na região. Para que isso aconteça, um fator importante é que o negócio tenha a sustentabilidade como propósito, ou seja, traga essa intencionalidade desde o início, corrija seus rumos e se aperfeiçoe ao longo do caminho. Esse foi um dos pontos cruciais trazidos por participantes da Oficina de Aprendizagem sobre Negócios Sustentáveis na Amazônia, realizada recentemente pelo Fundo Vale, em parceria com o Fundo Amazônia, que desafiou representantes de empresas, governos, instituições financeiras e organizações da sociedade civil, com atuação em projetos na região, a definir o que um negócio precisa ter para ser reconhecido como sustentável.

OUTUBRO DE 2016

Para estes especialistas, embora a viabilidade e o retorno econômico sejam fundamentais, as externalidades precisam ser incorporadas aos custos de produção e comercialização, e a lucratividade deve estar condicionada à geração de benefícios ambientais, sociais e econômicos para o território e a sociedade. Pa ra ta nto, envolver a comunidade, com respeito à sua cultura e modo de v ida, é imprescindível, assim como ga ra ntir a equidade na repa rtição de benefícios. Isso só acontece qua ndo todos os elos da cadeia de produção compreendem a realidade local, na qual nem sempre os envolvidos estão interessados ou preparados para encarar questões como prazos ou escala de produção, exigidos pelo mercado. Todas essas premissas precisam ser garantidas por meio de controle social e gestão compartilhada, com definição de regras construídas de forma participativa por toda a cadeia produtiva e com indicadores claros de práticas sustentáveis passíveis de serem medidos, verificados e reportados. Os negócios sustentáveis precisam estimular a inovação social loca l de processos, produtos e ser v iços que for ta leça m a cadeia de va lor, e ten ha m a capacidade de i nspi ra r muda nças pa ra a lém das f rontei ras a ma zôn icas. Se u ma at iv idade é sustentável, ela é boa pa ra a huma nidade e colabora pa ra a cidada nia pla netá ria.

“Os negócios sustentáveis precisam estimular a inovação social local de processos, produtos e serviços que fortaleçam a cadeia de valor, e tenham a capacidade de inspirar mudanças para além das fronteiras amazônicas”


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