Revista Amazônia Viva ed. 63 / novembro de 2016

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NOVEMBRO 2O16 | EDIÇÃO NO 63 ANO 6 | ISSN 2237-2962

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

QUEM SÃO OS

IORUBÁS

Integrantes das comunidades de origens africanas em Belém, como o Pai Serginho de Oxóssi, ainda têm a voz da religiosidade e dos costumes abafada pelo preconceito contra a herança cultural dos negros escravizados na Amazônia

SMART CITY

O desafio de tornar Belém uma “cidade inteligente”

VIROLOGIA

Programa de pós-graduação faz avanço no controle de doenças

EDUCAÇÃO

Projeto estimula o hábito da leitura em deficientes visuais


Programa Vale Música De um bairro da periferia de Belém para a Universidade Estadual Nicholls, na Luisiana, nos Estados Unidos. Alexandre Negrão realizou o sonho de se especializar em música. Ele descobriu o talento ainda pequeno, no Programa Vale Música, entrou no bacharelado em violino e, agora, ganhou o mundo.

Talentos que Coordenado pela Fundação Amazônica de Música com patrinspiram ocínio da Vale, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, oContém: programa vem transformando a vida de Alexandre e de e jovens outr1000 as cricrianças anças e adolescent es da redebeneficiados pública de ensino daFormação Grande Belém,Musical permitindo a profissionalização e uma Oportunidade oportuni dade de renda. e renda Programa Vale Música

Para a Vale, é um orgulho contribuir com iniciativas que melhoram a vida das pessoas.

De um bairro da periferia de Belém para a Universidade Estadual Nicholls, na Luisiana, nos Estados Unidos. Alexandre Negrão realizou o sonho de se especializar em música. Ele descobriu o talento ainda pequeno, no Programa Vale Música, entrou no bacharelado em violino e, agora, ganhou o mundo. Coordenado pela Fundação Amazônica de Música com patrocínio da Vale, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, o programa vem transformando a vida de Alexandre e de outras crianças e adolescentes da rede pública de ensino da Grande Belém, permitindo a profissionalização e uma oportunidade de renda.

Conheça as histórias de quem cresce lado a lado com a gente. Acesse vale.com/ladoalado

Para a Vale, é um orgulho contribuir com iniciativas que melhoram a vida das pessoas.

Conheça as histórias de quem cresce lado a lado com a gente. Acesse vale.com/ladoalado


Foto Roberto Ribeiro

EKO

vale.com/brasil

Alexandre tem 19 anos e foi formado pelo Vale MĂşsica


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA NOVEMBRO 2016 / EDIÇÃO Nº 63 ANO 6 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA FERNANDO SETTE

PRESENÇA NA SOCIEDADE

Os jovens do Coletivo de Juventude do Cedenpa são alvos de preconceito pela forma de se expressar no dia a dia

A identidade negra da Cidade Morena

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

Belém é um cidade plural. É uma capital que abriga várias culturas, crenças e ideologias. É um lugar onde a diversidade existe e está aí para ser mostrada e vivida. Mas ainda assim representantes das comunidades iorubás, originadas na África, enfrentam o preconceito e a discriminação de pessoas desinformadas sobre a história do espaço em que vivem. Nesse mês em que somos convidados a refletir sobre a consciência negra no país é preciso falar sobre a presença dos negros na Amazônia. Somos todos herdeiros da cultura de homens e mulheres escravizados e trazidos do continente africano para a região na segunda metade do século XIX. Elementos da religiosidade, da língua, da música e dos costumes estão presentes em nosso dia a dia e é preciso reconhecer isso. Ter orgulho da miscigenação da população brasileira nos ajuda a conhecer e a respeitar as pes-

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soas. “Temos que caminhar, mesmo com os preconceitos. Preconceitos esses que fazem doer na alma, no coração”, desabafa a Mãe Neia de Oxumaré, do Ilé Axé Idan Besin Olú Órun Áiyé, no bairro do Tapanã. Os negros de hoje, assim como os do passado, também resistem às opressões. Jovens dos vários coletivos de Belém marcam a presença e a identidade iorubá na cidade. “No momento em que a gente tá nas ruas, estamos nos fortalecendo também, porque andar sozinha é uma coisa, andar em grupo é outra bem diferente”, diz Tainá Oliveira, do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa). Esses representantes de uma nova geração de pessoas que defendem seus ideais por uma causa maior e comum nos mostram a urgência do acolhimento e da tolerância em nossa sociedade neste século. Conscientes de nossa negritude amazônica, tenham uma boa leitura. Axé!

Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará Oficinas do Curro Velho (acervo); Alinne Morais, Amanda Engelke, João Cunha, Natália Mello, Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Fernando Sette (fotos); Anderson Araújo e Inocêncio Gorayeb (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar, Leonardo Nunes e Waldez Duarte (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Fernando Sette AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 63 / ANO 6

30

Influência afroamazônica

A cultura iorubá está presente em Belém, mas ainda sofre preconceito devido à falta de conhecimento e ao desrespeito pelas pessoas de diferentes segmentos religiosos e sociais. CAPA

SAÚDE

MÚSICA

O Programa de Pós-Gra-

A cantora Sammliz lança

MODERNIDADE

duação em Biologia de

CONHECIMENTO

seu primeiro disco solo,

O pesquisador Denis do

Agentes Infecciosos e Pa-

O projeto “Lamparina

Mamba. Reinventando-se

Rosário Lima defende

rasitários (BAIP) da UFPA

para cegos”, da Uepa,

como artista, ela se pre-

o conceito de “cidades

está ajudando a desven-

leva conhecimento

para para alçar voos mais

inteligentes” para a região

dar novos controles de

cultural a deficientes

altos em sua carreira,

amazônica com o objetivo

doenças de populações

visuais através da leitura,

que marcou época ainda

de melhoria de qualidade

humanas e animais na

devolvendo a autoestima

nos tempos da banda

de vida da população.

Amazônia.

desse público.

Madame Saatan.

ENTREVISTA

PESQUISA

EDUCAÇÃO

PAPO DE ARTISTA

JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

NAILANA THIELY

FERNANDO SETTE

AKIRA ONUMA

40 26 44

48

E MAIS 4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 20 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS OLHARES NATIVOS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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FERNANDO SETTE

NOVEMBRO2016


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

INOCÊNCIO GORAYEB

MUSEU GOELDI Um viva à Amazônia Viva por lembrar de um ilustre desconhecido no campo da Ciência na Amazônia. A reportagem “Ferreira Penna, o fundador do Museu Paraense” (Capa, outubro de 2016, edição nº 62) foi muito além das homenagens aos 150 anos do Goeldi, pois fez um grande serviço à memória da nossa cidade. Dário Rodrigues Belém-Pará

ARRAIAL DO PASSADO

A foto do arraial de Nazaré na década de 1970, publicada na seção “Fato Registrado” da edição passada teve o maior número de likes em nosso Instagram ACERVO MUSEU GOELDI

Graças à reportagem de capa da revista Amazônia Viva de outubro fiquei sabendo que o Museu Paraense Emílio Goeldi completou 150 anos. A figura de Ferreira Penna é tão pouco conhecida assim como do próprio museu que ajudou a criar. Parabéns à equipe. Bernadeth Alves Belém-Pará Sou professora do Ensino Fundamental e sempre organizo visitas com meus alunos ao Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Com a edição sobre os 150 anos da instituição eu pude aprofundar meus conhecimentos sobre o museu e repassar isso aos estudantes. Obrigada. Carmen Lúcia Paes Belém-Pará

PRÓTESES

MUSEU HISTÓRICO

A reportagem sobre o pesquisador Ferreira Penna, fundador do Museu Paraense, mais tarde chamado Emílio Goeldi, foi a mais curtida no Facebook FERNANDO SETTE

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A reportagem sobre as próteses alternativas fabricadas pelo pesquisador Jorge Rodrigues Jr., da Uepa, mostra uma nova luz no fim do túnel da vida dos amputados (“Mão de força”, Pesquisa, outubro de 2016, edição nº 62). Giorge Ferreira Belém-Pará

para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE OUTUBRO

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


REPRODUÇÃO

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

Tragédia anunciada

ESTUDO CIENTÍFICO REVELA DETALHES DO IMPACTO DA CAÇA COMERCIAL E DESENFREADA NA AMAZÔNIA NO SÉCULO PASSADO E QUE TEM REFLEXOS NOS DIAS DE HOJE PÁGINA 8 E 9

RISCO DE EXTINÇÃO

CHUVA TROPICAL

Instituto Araguaia estima que a população de boto-do-araguaia seja de no máximo 1.500 animais em toda a região amazônica. PÁG.12

Pesquisadores conseguem desvendar por que chove tanto na Amazônia, mesmo em períodos fora do “inverno regional”. PÁG.15

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ACERVO IBGE

PRIMEIRO FOCO

Comércio milionário e irracional

ACERVO ANTUNES 2015

A caça comercial, na f loresta amazônica, no século X X, causou impactos históricos - alguns quase irreversíveis -, resultando numa movimentação de US$ 500 milhões entre 1930 e 1960, apenas com as onze espécies mais exploradas. É o que aponta um estudo brasileiro publicado na revista Science Advances. A pesquisa, do especialista em fauna André Antunes, da Wildlife Conservation Society Brasil (WCS Brasil), mostra que a caça comercial causou o colapso de populações de espécies aquáticas. Já a exploração de espécies terrestres persistiu, mesmo diante dos riscos de extinção do animais mais visados. Isso porque encontraram abrigo próximo de áreas de conservação e territórios de 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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povos tradicionais. O estudo estima ainda que, entre 1904 e 1969, um total de 23,3 milhões de animais, de 20 espécies de mamíferos e répteis selvagens, foram caçados para a extração de suas peles nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. A praça comercial de Manaus era movimentada, principalmente, por

peles e couros de onça-pintada, maracajá-açu, maracajá-peludo, ariranha, lontra, queixada, caititu, veado-vermelho, capivara, peixe-boi, anta, cutia, jacaré-açu, jacaré-tinga, iguana, sucuri, jiboia, jacuraru e jacuruxi. O queixada - mamífero com cascos nas extremidades dos membros -, por andar em grandes grupos, pode ter sido sobre-explorado. “É impossível de contabilizar os animais mortos em decorrência de ferimentos graves, ou mesmo as peles contrabandeadas ou não aproveitadas devido ao mal estado de conservação”, aponta a pesquisa de Antunes, que é resultado de um doutorado pelo ADEREÇOS MORTAIS

Animais, como a onça-pintada, eram caçados por causa das peles exóticas, comercializadas como fantasias para a alta sociedade


ACERVO IGHA MANAUS

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Universidade de Auckland (Nova Zelândia). Participaram também os pesquisadores Rachel Fewster (orientadora pela Universidade de Auckland), Eduardo Venticinque (orientador pelo INPA) e Glenn Shepard (co-orientador pelo Museu Paraense Emílio Goeldi). Colaboraram também para o estudo Carlos Peres (Universidade de East Anglia, do Reino Unido), Taal Levi (Universidade do Estado de Oregon, EUA) e Fábio Rohe (INPA). “O comércio de peles em Ma naus, prev ia mente mínimo e focado no veado-vermelho, se diversif icou e intensif icou logo após a crise nos preços da borracha, em 1912. Atingiu um pico nas décadas de 1930 e 1940 e depois na década de 1960, a mbos impulsionados pela aceleração nos preços das peles dev ido à dema nda crescente pelos mercados

dos Estados Unidos e Europa”, a f irma m os autores. No Brasil, a caça foi oficialmente proibida em 1967. Contudo, há brechas permitindo o comércio de peles armazenadas. A fiscalização fraca facilitou a caça ilegal até a ratificação da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), em 1975. O comércio clandestino de peles silvestres persistiu até 1980, quando a demanda internacional começou a diminuir em resposta à intensificação da CITES e ao declínio da popularidade de peles na indústria da moda. A conferência ECO 92 consolidou a consciência ambiental internacional em 1992. “Enquanto as áreas alagáveis representam cerca de 12% da Amazônia centro-ocidental brasileira, a maioria das habitações humanas são estabelecidas ali. Além do que, o acesso é facilitado pelo uso de embarcações,

o principal meio de transporte na região onde não há estradas. Em contraposição, as f lorestas de terra firme, além de mais extensas, são restritamente acessadas por meio de caminhadas, garantindo extensos refúgios para a fauna. Os refúgios mantêm populações íntegras, onde as espécies podem se reproduzir livremente da caça. Através da migração, podem repor os indivíduos caçados nas áreas mais próxima das habitações humana”, diz o estudo. Esse mecanismo é conhecido por “dinâmica populacional de fonte-sumidouro”. Os autores também alertam que o sistema, apesar de ter garantido a sobrevivência das espécies, deve entrar em colapso. Isso porque o desmatamento não para. As populações perdem habitat e refúgios, reduzindo o potencial de sobrevivência. Consequentemente, ameaça os hábitos alimentares de povos tradicionais. TRISTE EXPOSIÇÃO

Em meados da década de 1950 era comum lojas de artigos colocarem à mostra os resultados das caças de animais silvestres na Amazônia

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PRIMEIRO FOCO NAILANA THIELY

PRODUÇÃO CULTURAL

O pesquisador russo Andrey Pavlovitch Zhukov conheceu o grandioso Teatro da Paz, em Belém

PADRE ANCHIETA

Literatura jesuíta por um olhar russo na região amazônica Com a vinda das missões de jesuítas para o Brasil colonial e o contato com os indígenas, uma vasta literatura de caráter religioso, de autos a farsas, foi produzida com a finalidade de evangelizar os nativos. Esses textos eram produtos de seu tempo e obedeciam à estética do teatro medieval, caracterizado pela mistura de elementos da vida cotidiana, do fantástico e da religião, aos quais eram incorporadas a língua e mesmo a cultura indígena. Explorar essa produção literária é o objetivo do professor da Universidade Estatal de São Petersburgo (SPBU), Andrey Pavlovitch Zhukov, que atuou como pesquisador visitante na Universidade do Estado do Pará (Uepa). O docente esteve na Uepa para fazer levantamento bibliográfico sobre a obra dos jesuítas e a história da colonização no Brasil e na Amazô-

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nia. O foco de Zhukov é a obra do padre José de Anchieta, mas a escolha por uma universidade amazônida se deu pela força da colonização e pelo papel dos jesuítas como ordem religiosa de força no Grão-Pará. O teatro de jesuítas é central nessa produção literária do período colonial, pois possui similaridades com o teatro dos séculos XVI e XVII na Espanha e em Portugal. “Eles acreditavam ter a missão de dar luz àqueles povos que estavam aqui, procurando falar na língua deles. Anchieta escreveu poesias em tupi e o teatro foi como uma escola, pois vendo uma peça de teatro, esse povo indígena compreendia e estudava o principal da cultura cristã e europeia”, explica Andrey Zhukov, que espera concluir sua pesquisa logo no ano que vem.

PROTEÇÃO

SAUIM-DE-COLEIRA O Ministério Público Federal no Amazonas recomendou aos órgãos ligados à proteção do meio ambiente em Manaus que adotem medidas urgentes para garantir o espaço necessário para a proteção dos sauins-de-coleira. A recomendação pede que os órgãos remetam ao MPF um mapa com a dos empreendimentos públicos ou privados que incidam em áreas com ocorrência do primata. A espécie é considerada “criticamente em perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza desde 2003. Por sua distribuição geográfica restrita a Manaus a extinção local da espécie significa sua extinção total da natureza. Por isso, o MPF pede que as áreas de vivência do sauim-de-coleira sejam prioritariamente preservadas diante da real ameaça de extinção da espécie.


TRÊSQUESTÕES

EM 40 ANOS

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

População de animais selvagens caiu 58%

A jornalista Carla Vianna lançou o

ramentas para consertar esse problema e precisamos usá-las agora, se quisermos preservar o planeta vivo para a nossa própria sobrevivência,” disse Marco Lambertini, diretor da W WF, em comunicado geral. Para chegar aos dados, os pesquisadores analisaram as mudanças no tamanho das populações de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis. O estudo aponta que as mudanças climáticas, a destruição dos habitats naturais e o tráfico de animais silvestres são as principais causas da diminuição dessas espécies. Entre as principais ameaças enfrentadas pelos animais a pesquisa destaca o aumento da caça ilegal dos elefantes africanos e a caça predatória dos tubarões e dos lobos-guará.

livro de poesias “Horas Solitárias”. Para ela, é a entrega de fragmentos de 25 anos da própria alma ao leitor, mas com temas fortes, de impacto e num ritmo mais moderno, sem rimas. Os 33 poemas ela começou escrevendo para si, como a maioria dos poetas, em legítimas horas solitárias. O título “Horas Solitárias” vem da conhecida solidão dos poetas? Não é raro o poeta escrever pra si. Não tão radical como João Cabral de Mello Neto, que afirma “não se importar com a opinião do leitor”. No momento em que se revela poemas “caros e reservados”, um pedaço de você corre nas mãos do leitor. No dia do lançamento, algumas pessoas chegavam perto, SAGE ROSS / WIKIMEDIA

no momento de autografar, e falavam: “Esse poema é meu! Faça sua dedicatória nesta página!”. Até aquele momento, eram poemas só meus, por 25 anos! Jornalismo e poesia conseguem casar bem, com mundos tão distintos? Minhas poesias são líricas. Não são poemas com rima, com aquele ritmo mecânico, rançoso. Grandes poetas foram jornalistas. Não vivo sem ler e escrever poesia. Mas, infelizmente, não posso viver só de poesia. O atual cenário é favorável apesar da presença da literatura estrangeira? No mercado brasileiro é difícil de se aceitar novos poetas. No mercado internacional, o poeta pode viver de poemas. Até mesmo os jovens poetas procuram os mais antigos. Morei na Europa e lá um pequeno livro de versos, com dez páginas, é lançado com louvor. Já aqui... Porém, cito: “Porque eu sou do tamanho do que vejo. E não do não do tamanho da

DESPROTEGIDOS

minha altura”. Sábio Fernando Pessoa. Animais selvagens, como o lobo-guará, perdem cada vez mais espaço, alerta relatório ambiental

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FERNANDO SETTE/ DIVULGAÇÃO

A população de animais selvagens do planeta caiu 58% entre os anos de 1970 e 2012. Os dados preocupantes fazem parte do relatório The Living Planet Report 2016, divulgado pela Zoological Society of London em parceria com a organização ambiental World Wildlife Fund (WWF). Segundo o estudo, a destruição da biodiversidade pode ter um impacto profundo na sobrevivência humana porque compromete a qualidade da água, dos alimentos e também as temperaturas globais. “A perda não é apenas das maravilhosas espécies que amamos. A biodiversidade é a base de f lorestas, rios e oceanos saudáveis. Sem essas espécies, os ecossistemas entram em colapso junto com o ar limpo, a água e comida que nos fornecem. Temos fer-

A solidão convertida em livro de poesias


PRIMEIRO FOCO

REGIÃO

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A floresta amazônica guarda as chaves biológicas para iniciar uma quarta revolução industrial se a sua biodiversidade for protegida. A descoberta foi feita por cientistas brasileiros e publicada no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences. Segundo o estudo, as novas tecnologias digitais como impressão 3D e computação quântica criam o potencial para que as plantas únicas da

DESCOBERTA

Amazônia conduzam avanços importantes na medicina e na engenharia. NICOLE DUTRA

MUNDURUKU

ÍNDIOS HOMENAGEADOS A mostra SP de Fotografia, promovida pela DOC Galeria, está com uma exposição que homenageia os índios Munduruku, que venceram a luta contra a construção da hidrelétrica no rio Tapajós. As imagens que retratam o povo e seus costumes estão coladas em oito muros da Rua Medeiros de Albuquerque, em São Paulo.

QUADRINHOS

CASTANHA DO PARÁ A vida de um jovem da periferia criado solto entre as barracas do mercado do Ver-o-Peso é retratada em traços e cores pelo artista visual Gidalti Moura Jr. no HQ “Castanha do Pará”. A obra foi produzida ao longo de três anos e passa por campanha de financiamento coletivo na internet para que possa ser publicada em 2017. No livro, o personagem principal apresenta forma de menino e cabeça de urubu para mesclar traços da realidade com elementos do mercado.

IDENTIFICAÇÃO

PLANTAS E ANIMAIS

PRESERVAÇÃO

Boto-do-araguaia está sob ameaça de extinção no país Há dois anos, uma nova espécie de boto, conhecida como boto-do-araguaia ( Inia araguaiaensis) (foto acima), foi reconhecida pela comunidade científica. A maior população desse animal está localizada na região média do rio Araguaia, em um área com cerca de 2 mil quilômetros de extensão. Mas nem tudo é motivo para celebração. Atualmente a espécie está severamente ameaçada de extinção. O Instituto Araguaia estima que a população desse tipo de boto seja de no máximo 1.500 animais. Esse número vem sendo reduzido por pescadores comerciais, que culpam os botos por roubar peixes de suas redes e revidam com tiros ou iscas envenenadas. Além da ação do homem outro

fator que também vem contribuindo em larga escala para a morte desses animais é a seca que atinge a região. Um episódio recente ilustra o risco. Em um esforço conjunto, pesquisadores do Naturantins, do Instituto Araguaia e do Instituto Nacional de Pesquisas das Amazônia (Inpa) resgataram 12 botos do Araguaia encalhados em uma lagoa no rio Formoso, em Tocantins. “Doze animais parece pouco, mas representam quase 1% da população total dessa espécie. Se não tivéssemos feito o resgate, 1% de toda a população do boto do Araguaia teria morrido em apenas uma semana”, explica Thais Susana, coordenadora de pesquisa do Instituto Araguaia.

Uma expedição realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) à Serra da Mocidade, em Roraima, já identificou

AZULEJAR

56 novas espécies de insetos aquáticos e

NOVO APLICATIVO

terrestres, além de plantas e outros animais.

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Pará criou o aplicativo “Azulezar”, que localiza

As novas espécies estavam situadas em

dezenas de prédios históricos da cidade cobertos de azulejos. O aplicativo é interativo e muito fácil de

uma das partes mais isoladas da floresta

ser usado. Basta apontar o smartphone para o prédio que logo aparecem as informações detalhadas

amazônica.

de cada azulejo. Entre elas, a origem e a importância de cada peça para a história de Belém.

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ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

ESTÃO DE OLHO

Drones são utilizados para monitorar botos amazônicos Uma parceria entre o Instituto Mamirauá e o WWF-Brasil realiza a estimativa populacional de botos amazônicos com uso de drones (foto abaixo). A ideia da iniciativa é coletar dados por meio de vídeos e estabelecer um modelo de utilização do equipamento para a contagem dos animais. Miriam Marmontel, pesquisadora do Instituto Mamirauá, explica que a proposta é testar uma metodologia que possibilite a coleta de dados por meio dos vídeos gravados pela nova tecnologia. “O projeto piloto foi realizado no lago Tefé durante dois dias e permitiu testar diferentes altitudes e velocidades de voo com o drone, assim como diferentes ângulos da câmera”, conta

Urutau no toco do pau Essa ave é conhecida vulgarmente como urutau, mãe-da-lua, emenda-toco, pássaro-fantasma, kúa-kúa e uruvati.

ela. “Após a análise das imagens geradas, será possível definir os parâmetros mais adequados e desenvolver um algoritmo de identificação automática de botos”, explica. A metodologia atual de uso dos drones envolve cerca de dez pessoas, posicionadas na proa de um barco. Com os olhos fixos na água, eles registram os animais avistados em um raio de 180º e depois disso o número de animais vistos passa por análises estatísticas para geração de dados. Após a comparação das informações dos vídeos com as informações registradas pelos pesquisadores eles esperam alcançar um modelo completo de utilização do drone para a contagem dos botos.

Seu nome científico é Nyctibius griseus e significa “pássaro cinza que vive a noite”. O termo vem do grego nux, que significa noite, bios, que é vida, e do latim griseus, que significa cinza. O urutau é noturno e vive nas bordas de florestas em árvores de campos e cerrados. Ele se alimenta de insetos e pequenos vertebrados e pode ser encontrado na Costa Rica, Bolívia, Uruguai e em todo o Brasil. A ave se camufla muito bem com troncos e tocos de paus e pode permanecer parada por um longo tempo. Os olhos do urutau tem uma adaptação com duas fendas na pálpebra superior, que lhe permite ver mesmo com os olhos fechados. Essa espécie está relacionada a várias lendas. Para alguns, como os sertanejos, o AMANDA LELIS/ INSTITUTO MAMIRAUÁ

urutau aparece na hora em que a lua nasce, já para outros o pássaro seria uma mulher índia que perdeu seu amado assassinado e foi procurá-lo na floresta, onde acabou se transformando na ave. No Brasil, ele também é relacionado à lenda do curupira, pois seu canto é atribuído como sons desse personagem do folclore, e ainda há superstições populares que atribuem a ave ao agouro e a má sorte fazendo com que ela seja rejeitada por alguns.

SAÚDE

DOCUMENTÁRIO

IMPACTOS NO XINGU

O caju atualmente vem sendo usado para fins

O documentário “Belo Monte – Depois da

estéticos. O óleo da castanha é empregado em

inundação”, do diretor Todd Southgate,

cosméticos como hidratantes e também ajuda

percorreu a cidade de Altamira e parte

na amenização de rachaduras nos pés. Já o

do rio Xingu para registrar como estão

extrato glicólico (líquido) do fruto é usado para

indígenas e ribeirinhos após o enchimento

fabricação de produtos para cabelo e pele.

do reservatório da Usina de Belo Monte.

FERNANDO CARVALHO

COSMÉTICO DE CAJU

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FATO REGISTRADO

ACERVO MUSEU GOELDI

Museu Paraense na Belle Époque A i magem é u ma homenagem aos 150 a nos do Mu seu Pa raen se E m í l io G oeld i, complet ados em out ubro, e most ra o espaço ent re a s jau la s da s onç a s e a latera l da Roci n ha em 1902. Uma pequena c a sa onde f u ncionav a o laboratór io de fotog ra f ia hoje é con hecido como espaço E r nest L oh se e abr iga u ma bibl iotec a . At ua lmente, o loc a l abr iga u ma bibl iotec a e é con hecido como Espaço E r nest L oh se. O nome do préd io homenageia o fotóg ra fo, desen h ist a e l itóg ra fo a lemão E r n st L oh se, que reg ist rou a i magem e 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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t raba l hou na i n st it u iç ão ent re os a nos de 1897 e 1911. A foto pertence ao acer vo da Coordenação de Documentação e Informação e foi feita no Pa rque do Museu, em frente à jaula das onças. Nela é possível obser va r três senhoras traja ndo vestidos longos, blusas de ma ngas compridas e bufa ntes e chapéus tipo “porkpie”. Esses trajes era m a moda utilizada na A ma zônia no período da Belle Époque, que tinha forte inf luência europeia. O Museu Paraense, desde essa época já era ponto de visitação para

a sociedade. Importantes cientistas naturalistas da Europa e da América, que fizeram expedições pioneiras na Amazônia, tinham o Museu como uma base importante para suas pesquisas. A lém das descobertas os cientistas ta mbém ajuda ra m a desenvolver o acer vo do museu com suas pesquisas pioneiras nas á reas de A ntropologia, Arqueologia, Botânica, Geologia, Geografia, Zoologia e outras ciências. Também foram pioneiras as atividades de museologia, difusão, documentação e informação no local.


PERGUNTA-SE É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES EVERALDO NASCIMENTO / ARQUIVO O LIBERAL

FERNANDO SETTE

PATRIMÔNIO NATURAL

As constantes chuvas já são “marca registrada” da região, que tem alto índice pluviométrico

TEMPESTADE TROPICAL

Estudo desvenda porque chove tanto na Amazônia Há duas décadas, pesquisadores que estudam a formação das nuvens na região já sabiam que as gotículas de água produzidas pela floresta são insuficientes para provocar as constantes tempestades. Agora, um estudo publicado na revista Nature descobriu que uma parte das gotículas vêm de grandes altitudes. Os aerossóis (nanopartículas) que estão na atmosfera a cerca de 15 mil metros de altitude, exatamente na faixa por onde voam os aviões comerciais, se somam às partículas vindas das árvores e alimentam as nuvens da região amazônica. Essas partículas microscópicas suspensas no ar desempenham um papel fundamental para o clima, pois dão origem aos chamados núcleos de condensação de nuvens, que são partículas sobre as quais o

vapor d’água presente na atmosfera se condensa para formar as gotas de nuvens e a chuva, como explicam os autores. De acordo com novos resultados da pesquisa, conduzida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no âmbito da campanha científica Green Ocean Amazon Experiment (GoAmazon), as partículas precursoras desses núcleos são formadas na alta atmosfera e transportadas para perto da superfície pelas nuvens e pela chuva e se combinam com os gases das árvores. Neste encontro, as partículas crescem rapidamente e formam as gotículas e as nuvens. Junto a elas correntes de convecção, que são movimentos circulares na astenosfera, a segunda camada da Terra, dão início as chuvas.

PROTAGONISMO

MULHERES TAPAJÔNICAS O coletivo Clímax Brasil criou o projeto Mulheres Tapajônicas, uma série de ilustrações/ pôsteres para mostrar as vozes das mulheres da região da Bacia do rio Tapajós para um público mais amplo. Por meio das ilustrações são abordados temas como a mudança do clima, os impactos socioambientais das hidrelétricas, o modelo energético brasileiro,

Grávida pode tratar filhote pescado em dia de lua cheia?

A crença é bem específica. E até hoje, nas feiras e mercados, o peixeiro avisa se o filhote foi pescado em período de lua cheia, como um alerta para que nenhuma grávida pense em tratar o peixe. O professor especialista em Gastronomia Antônio Comaru, da Universidade da Amazônia, afirma que isso é um mito e que se sustenta em outras histórias, como o que de mulheres não podem fazer sushi, devido à temperatura das mãos. Isso porque, em períodos menstruais, na menopausa e gravidez, a temperatura corporal tende a variar devido aos hormônios femininos, como progesterona, estrogênio e gonadotrofina. “No caso específico, o filhote ainda não está incluído entre as espécies protegidas da pesca no período do defeso, portanto, ainda não existe restrições à pesca da espécie”, explica Comaru, para justificar que um período de lua cheia em nada tem a ver com o peixe estar mais sensível ou impróprio para preparo. Há dezenas de crenças populares também a respeito da lua cheia e das grávidas, mas tudo é mito e que faz parte da cultura regional e nacional.

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

desmatamento, acesso à água, mineração e protagonismo feminino. NOVEMBRO DE 2016

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EU DISSE

Achim Steiner, diretor do Programa das Nações Unidas do Meio Ambiente (Pnuma), sobre as mortes prematuras de 12,6 milhões de pessoas por ano por causa da poluição e degradação do meio ambiente. O número é 234 vezes superior ao provocado pelos conflitos armados. DIVULGAÇÃO

“Nossa geração é a primeira a sentir os efeitos do aquecimento global”

“Nossas economias matam muita gente em nome do desenvolvimento, uma de cada quatro ou cinco mortes prematuras são causadas por nós mesmos”

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, em discurso na Casa Branca ao lançar o Plano de Energia Limpa, que busca reduzir a poluição causada pela queima do carvão em 32% nos próximos 15 anos.

“Hoje existe uma maior preocupação em preservar o meio ambiente, o que também gera mais embates” Isolete Wichinieski, coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, sobre os conflitos por recursos naturais.

“A curto prazo não há o que fazer. É uma situação absolutamente inédita e trágica. Agora temos que fechar a torneira e rezar” Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água, sobre os problemas de falta de água no planeta.

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APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“Estou em êxtase por Bob Dylan ter ganhado o Nobel. Uma grande coisa em uma época de podridão e tristeza.”

Calm Precisando relaxar um pouco? Controlar a ansiedade ou ter um sono mais tranquilo?

Stephen King, escritor norte-americano, ao

Essa é a ideia do Calm. O app gratuito traz

comemorar a nomeação do músico para o Nobel

várias meditações guiadas, exercícios de

de Literatura deste ano.

respiração, mensagens positivas ou apenas imagens com fundo musical relaxante. Há exercícios mais especializados na versão

“Hoje, mais do que nunca, precisamos que a política e a economia se coloquem a serviço da vida”

paga do aplicativo. É em inglês, mas tudo é bastante visual e intuitivo, sem necessidade de grande domínio do idioma. Plataformas: iOS e Android

Doce e Diet

Papa Francisco em seu Twitter.

Um app de receitas bem específico: só para diabéticos. Todas sem adição de açúcar. THIAGO CHEDIAK / WIKIMEDIA

Incluem bolos, pães, tortas e alguns salgados. Há um modo de visualização específico, permitindo que o celular não entre na tela de descanso e nem fique mudando, facilitando a hora do preparo. Contudo, nunca deixe de procurar orientação com nutricionistas e com seu médico. Gratuito e em português. Plataformas: iOS e Android

Debt O app gratuito fornece um novo canal de comunicação entre uma pessoa e uma instituição com a qual tenha débitos pelo

“Um dos momentos que mais me chocaram foi ver o desmatamento de cima. Constatar claramente o lindo tapete verde que a nossa floresta é e, logo ao lado, cortes geométricos enormes” Gisele Bündchen, modelo brasileira em entrevista à revista Vogue, edição de novembro. Na edição, ela conta como ficou triste ao presenciar as queimadas na Amazônia.

país. Basta informar o CPF e o aplicativo usa o banco de dados do SPC e do Serasa para contatar a credora e arranjar uma negociação. Isso evita ligações em horários indesejados e já conta com a presença de todos os bancos e várias grandes redes de varejo do Brasil. Plataformas: iOS e Android FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CESAR A. C. FAVACHO

CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Pau-brasil ganha gênero próprio Pau-brasil é um dos nomes populares da árvore de espécie Paubrasilia echinata . Em alguns idiomas, como o francês e o italiano, a árvore é chamada de “pernambuco”, já em outros locais é conhecida como ibirapiranga, ibirapita, muirapiranga, orabutã, brasileto, pau-rosado e pau-de-pernambuco. Vários desses nomes são relativos à cor da resina vermelha contida em sua madeira. Agora, um estudo que comparou sequências de DNA do pau-brasil com os de 200 outras plantas geneticamente próximas, também provenientes dos trópicos, revelou que a árvore brasileira representa uma linhagem evolutiva distinta e única. Isso conferiu o direito de ter um gênero próprio, que foi batizado de Paubrasilia . A descrição do novo gênero foi publicada na revista científica Phytokeys por um grupo internacional de pesquisadores coordenado por Edeline Gag18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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non, da Universidade de Montreal, no Canadá. O estudo também contou com os brasileiros Haroldo Cavalcante de Lima, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e Luciano Paganucci de Queiroz, da Universidade Estadual de Feira de Santana. O pau-brasil é uma madeira pesada que contém um extrato que gera um tipo de tinta vermelha. A madeira é muito utilizada na fabricação de instrumentos musicais como violinos, harpas e violas. Atualmente, a espécie corre perigo de extinção e sua ocorrência natural é muito baixa. Para tentar preservar a árvore foi desenvolvida uma Lei Federal que considera crime o corte desta espécie. Nos dias atuais o pau-brasil é comumente encontrado em arborização urbana de parques, praças e sítios de todo o país. Em Belém, ele pode ser visto nas praças Brasil e Batista Campos e em vários outros ambientes.

No início da colonização os índios utilizavam o pau-brasil para fabricar arcos e f lechas e também utilizavam a substância colorida como tintura para seus adornos. Já os portugueses utilizavam a madeira para fins econômicos e rapidamente tornaram a exploração exclusiva da coroa. Os franceses não deram importância a isso e viajaram pela costa brasileira para também explorarem o pau-brasil, mas logo foram repelidos pelos portugueses. Nesse período a devastação da espécie foi enorme e ela foi considerada extinta no final do século XIX até o ano de 1928, quando foram encontradas espécies naturais em Pernambuco. Para registrar sua importância para a história e desenvolvimento do país o pau-brasil ganhou algumas homenagens. Em 1961, foi declarado árvore símbolo nacional e, em 1972, uma lei o declarou como Árvore Nacional, instituindo o 3 de maio como seu dia.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Tucandeira Popularmente, o termo é utilizado para se referir a calças compridas que estão curtas. No entanto, tucandeira é uma palavra de origem indígena que identifica as formigas gigantes que vivem na Amazônia. Constantemente duas espécies são confundidas e chamadas de tucandeira. A primeira é a espécie Dinoponera gigantea. Ela mede de 3 a 4 cm e sempre é vista caminhando isolada no chão da floresta. Com coloração preta a formiga vive em territórios da Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Colômbia, Venezuela e no Brasil. Já a outra espécie é a tucandeira verdadeira,

Barraca de açaí no Ver-o-Peso

gião Neotropical e é abundante na Amazônia. Sua picada promove 24 horas de dor e pode até levar a morte. O povo da tribo Sateré-Mawé, que vive na fronteira entre o Pará e Amazonas, usa as formigas tucandeiras como parte de seus ritos de iniciação para se tornar um guerreiro. Para que sejam usadas as formigas são primeiro desmaiadas com um sedativo natural, e em seguida, centenas delas são amarradas em luvas feitas de folhas. Quando as formigas recuperam o sentido os jovens da tribo devem usar a luva por dez minutos. Ao fim do ritual, que é feito várias vezes ao longo de meses ou anos, a mão do índio e parte de seu braço ficam temporariamente paralisados por causa do veneno da tucandeira.

WALDEZ

descritível”. Para ele, aquela não era somente uma imagem, mas centenas. Todas se fundindo umas as outras e mudando de cor, como em um caleidoscópio. Ele destaca que aquela não era uma cena de rua com seu movimento rápido, segundo ele, por ali, ninguém estava com pressa, era como se todos estivessem em um estado crônico de “passear”. Herbert também destacou dentro e registrou a presença do pequeno galpão escuro que no fundo abrigava duas mulheres mulatas que estavam preparando o açaí. Ele conta que no momento da imagem elas estavam separando a polpa da fruta das bagas em tigelas com água, esmagando-as vigorosamente com as mãos nuas. Segundo ele, a massa espessa resultante era peneirada com uma peneira de vime e distribuída aos clientes ansiosos. O autor conta também que por várias vezes era possível ouvir o provérbio “Quem veio para o Pará parou. Quem bebeu Assaí ficou”. Smith cita que Henry Bates (1848-1859) e Louis Agassiz (1866), outros naturalistas, também já haviam se referido a frase em outras ocasiões.

clavata. Essa formiga habita florestas da re-

GRAVURA DE HERBERT HUNTINGTON SMITH/ REPRODUÇÃO / ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI

Herbert Huntington Smith resolveu viajar para a Amazônia em 1874. Durante a expedição fez explorações geológicas no vale do Tapajós, no rio Curuá em Monte Alegre e serras do Ererê. Sempre muito observador, durante um passeio ao mercado do Ver-o-Peso ele observou e registrou a venda de açaí e o comportamento de negras e indígenas que por ali transitavam e trabalhavam. Em 1879, quando estudou história natural, geologia, zoologia, botânica, geografia, história, etnologia, política e costumes da população, publicou o livro “Brazil. The Amazon and the Coast”, que apresenta alguns desses registros. Da obra é possível destacar a imagem de uma venda de açaí, representada acima, e alguns outros assuntos que são comentados por Smith ao longo do livro. Na passagem pelo local Herbert destaca e observa as cestas de açaí que ficavam pelo mercado. Para o naturalista, o fruto era muito semelhante à uva, tanto na cor quanto no tamanho, e ele lembra esse detalhe em um trecho do livro. Herbert define a cena registrada dentro da venda de açaí como “in-

conhecida cientificamente como Paraponera

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OLHARES NATIVOS

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O garoto do beco

O menino na entrada da vila posa para o tempo que passa diante do seu olhar. FOTO: FERNANDO SETTE NOVEMBRO DE 2016

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OLHARES NATIVOS

Pescaria

O homem lança a tarrafa no rio em busca do alimento. As garças o acompanham em seu trabalho cotidiano. FOTO: OSWALDO FORTE

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Delicadeza

O voo singelo da garça sob a beira do rio FOTO: OSWALDO FORTE

Na água

A embarcação singra calmamente o rio Pará FOTO: OSWALDO FORTE

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OLHARES NATIVOS

Paz aos homens

Igreja cenetnária de Nossa Senhora da Conceição, na Vila Conceição, município de Irituia, à margem do rio Guamá, Pará. FOTO: MARCO ANTONIO CARDOSO

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos

Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES

Herança africana RELIGIOSIDADE, LÍNGUA, MÚSICA E COSTUMES VINDOS DA ÁFRICA AJUDARAM A MOLDAR A CULTURA DA AMAZÔNIA PÁGINA 30

VÍRUS

EDUCAÇÃO

O Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários da UFPA tem feito novas descobertas na região. PÁG.40

O projeto “Lamparina para cegos” leva conhecimento cultural a deficientes visuais através do mundo da leitura. PÁG.44

FERNANDO SETTE

IDEIASVERDES


ENTREVISTA

M

udar o modo como as pessoas e enxergam o local em que vivem e suas relações é o maior desafio para se pensar cidades inteligentes. Apesar de novo, o conceito é cada vez mais discutido em nível mundial e nacional. Em Belém, o debate ganhou força em outubro, durante um evento organizado por pesquisadores locais da Sociedade Brasileira de Computação e da Universidade Federal do Pará (UFPA), com o tema “Belém 400 anos: a caminho de ser uma cidade inteligente?”. O foco foi discutir e aproximar as principais iniciativas de Inovação e Soluções em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), voltadas para o desenvolvimento da região amazônica. A União Europeia define as “Smart Cities” (Cidades Inteligentes) como sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida. Esses fluxos de interação são considerados inteligentes por fazer uso estratégico de infraestrutura e serviços e de informação e comunicação com planejamento e gestão urbana para dar resposta às necessidades sociais e econômicas da sociedade. Na entrevista a seguir, o pesquisador Denis do Rosário Lima apresenta o conceito dentro de Belém e da Amazônia. Graduado em Ciências da Computação e com Pós-doutorado em Engenharia Elétrica, Denis foi um dos pesquisadores que participou da XV edição da Escola Regional de Informática Norte 2 (XV ERIN), da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Atualmente é professor efetivo do Programa de Pós-graduação em Ciências da Computação (PPGCC) da UFPA, com pesquisas voltadas para a Computação Ubíqua e Pervasiva, Qualidade de Serviço, Qualidade de Experiência, Mobilidade e Multimídia.

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“É preciso pensar na cidade aliada à tecnologia” O PESQUISADOR DENIS DO ROSÁRIO LIMA DEFENDE A IMPLANTAÇÃO DE UM MODELO DE “SMART CITY” EM BELÉM, PARA QUE A POPULAÇÃO TENHA UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA NA CAPITAL PARAENSE TEXTO AMANDA ENGELKE FOTO AKIRA ONUMA


AKIRA ONUMA / ARQUIVO O LIBERAL

ALERTA DE CHUVA

Para o pesquisador, Belém precisa de dispositivos acessíveis que informem as pessoas sobre pontos de alagamentos no período chuvoso

serviços de rede e dados confiáveis para cidadão em qualquer parte da cidade.

O que torna uma cidade inteligente? São vários aspectos, desde a população em si até o desenvolvimento das tecnologias e incentivo do poder público. Isso quer dizer que a própria população precisa ser, antes de tudo, engajada em utilizar as plataformas oferecidas. Por outro lado, o governo também precisa permitir e auxiliar na implantação e divulgação desses novos serviços. No centro de tudo está a própria tecnologia que precisa prover, através das ciências da computação e de inteligência artificial,

Qual a importância do desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação no ambiente social? É fundamental. Esse desenvolvimento tem que estar interligado com qualidade de vida daquela cidade ou população, tem que ser uma via de mão dupla. Não adianta provermos de serviços que não atendam as necessidades daquela cidade, ou seja, que os próprios cidadãos não têm interesse ou até mesmo não têm como utilizá-los no dia a dia. Temos sempre que estar focados em coisas que a população esteja interessada e que melhore a sua qualidade de vida.

“Todos têm que estar interligados. A comunidade acadêmica tem a missão de pesquisar e propor tecnologias e novos serviços inteligentes, sempre dentro do contexto social daquele ambiente” NOVEMBRO DE 2016

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ENTREVISTA

Qual papel deve desempenhar as instituições cientificas, as empresas privadas e o poder público para esse desenvolvimento? Todos têm que estar interligados. A comunidade acadêmica tem a missão de pesquisar e propor tecnologias e novos serviços inteligentes, sempre dentro do contexto social daquele ambiente, no nosso caso, dentro da Amazônia. Esse, inclusive, é um dos principais objetivos do PPGCC. O governo, por outro lado, tem o papel de incentivar esse desenvolvimento, financiando projetos, apoiando iniciativas inovadoras e depois consumindo, absorvendo essas iniciativas. As empresas também podem produzir inovação através de pesquisas, em parcerias com as proporias universidades e com o governo, e também devem comercializar esses recursos. Isso passa por uma visão de empreendedorismo e inovação.

“Para garantir tecnologia e sustentabilidade, uma cidade inteligente precisa interligar diversos fatores como eficiência da gestão de meio ambiente, transporte integrado, projetos do poder público” 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Quais são as áreas com maior potencial de utilização desses novos recursos? Meio ambiente, mobilidade e sensoriamento. Aqui em Belém por exemplo, ainda sofremos muito com enchentes ou alagamentos no período chuvoso e não dispomos de nenhum tipo de serviço efetivo que ajude a população a saber se aquela área vai encher ou não, qual o nível do rio naquele dia e qual a projeção do nível de transtorno que a aquela situação pode causar. Com um serviço interligado que poderia ser acessado a qualquer momento de um smartphone o morador já poderia saber se aquele nível de chuva ou do rio vai alagar a sua casa ou não, o impacto disso no meio ambiente e até mesmo as consequências disso para trânsito naquele momento. Quais soluções propostas podem ser inseridas em serviços para a população? Nas minhas pesquisas o foco é prover de serviços de rede e dados com qualidade para a população. Ainda somos muito carentes nesse sentido. Hoje o que se tem é busca por conteúdo na chamada “nuvem”, e estamos avançando nas pesqui-

MELHORIA NAS VIAS

O BRT, segundo Denis Lima, pode ser um pontapé importante, se funcionar conforme sua proposta inicial, com uma rede interligada de serviços e tecnologia à disposição da população

sas para um novo modelo, o Foge. Em termo gerais, esse modelo busca trazer essas “nuvens” para perto do usuário, de forma que eu melhore a qualidade dele, principalmente em locais com grande quantidade de pessoas, onde a tendência é que o servidor de rede seja prejudicado. Para isso, também propomos uma infraestrutura melhor dentro da cidade para que esse usuário possa assistir ou transmitir um vídeo com uma melhor qualidade. Assegurar segurança de dados e uma melhor experiência é fortalecer a rede para uma cidade inteligente. Hoje existe alguma cidade em nível nacional ou mundial que seja considerada inteligente? Um projeto que é referencia quan-


OSWALDO FORTE/ ARQUIVO O LIBERAL

do falamos em cidade inteligente é o “Smart Santander”, na cidade de Santander, na Espanha. Lá estão instalados infinidade de sensores na cidade que monitoram coisas variadas, desde vagas de estacionamento até temperatura dos locais. Tudo isso é fornecido em um aplicativo de rápido acesso pela população através de qualquer smartphone, com um serviço de dados que funciona. O objetivo disso sempre é oferecer uma qualidade de vida melhor. Existem outras cidades em nível mundial, mas lá é a nossa maior referência. No Brasil, existem cidades que estão fomentando bastante isso, principalmente no Sul e Sudeste, mas ainda com projetos pontuais.

Como você avalia Belém dentro desse cenário? Ainda estamos no início. Existem projetos pontuais, mas muito ainda precisa ser feito. O BRT pode ser um pontapé importante, se ele funcionar dentro daquilo proposto inicialmente, ou seja, dentro de uma rede interligada de serviços e com a tecnologia necessárias para atender as demandas da cidade. Em Curitiba, Paraná, ele funciona bem perto do desejável, ou seja, de forma satisfatória. Aqui em Belém ainda é uma incógnita. Mas, sem dúvida, pode ser conspirado um avanço para a cidade interligada que queremos e pode ajudar a incentivar outras iniciativas tecnológicas para uma cidade inteligente.

Quais são os principais desafios para que Belém se torne uma “Smart City”? Para garantir tecnologia e sustentabilidade, uma cidade inteligente precisa interligar diversos fatores como eficiência da gestão de meio ambiente, transporte integrado, projetos do poder público entre outros. A tecnologia, neste caso, é o meio para isso. Aqui ainda temos muito desafios, desde a vontade e o incentivo a esses novos recursos, até mesmo a própria conscientização dos benefícios disso para população. Para isso, ainda precisamos avançar em muitas coisas estruturais, como a questão de conectividade, com pontos fortalecidos de internet, além de segurança de dados. A partir disso, é preciso pensar no próprio desenvolvimento da cidade aliado a tecnologia. Ou seja, entendermos cada vez mais como esses novos recursos podem melhorar a qualidade de vida da nossa população. NOVEMBRO DE 2016

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Belém iorubá CASA DO POVO

RELIGIOSIDADE, LÍNGUA, MÚSICA E RESISTÊNCIA. MANIFESTAÇÕES DA CULTURA DE UM DOS MAIORES POVOS DA ÁFRICA FAZEM PARTE DO DIA A DIA DA CAPITAL PARAENSE TEXTO JOÃO CUNHA FOTOS FERNANDO SETTE

O

cheiro doce e forte é uma mistura de erva de breu branco, incenso e mirra e vem, em pequenos rolos de fumaça, do endereço de esquina na passagem São Vicente de Paula, bairro do Tapanã, em Belém. No assoalho, um caminho de folhas de aroeiras e mangueiras guia os convidados que chegam em grupos de dois, cinco, dez, e aos poucos vão enchendo a casa. É noite nublada de um sábado de outubro, dia de candomblé no Ilé A xé Idan Besin Olú Órun Áiyé. A cerimônia marca a iniciação de um novo filho na casa de Mãe Neia de Oxumarê. A sacerdotisa carrega no nome o orixá, divindade do panteão do candomblé, que é seu pai na religião. Representado por uma cobra e um arco-íris, Oxumarê pertence à terra e ao céu, é homem e mulher, e exprime a continuidade e a transformação da vida.

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“Meus primeiros f ilhos de sa nto estão completa ndo sete a nos no ca ndomblé. A cobra muda de esca ma a cada sete a nos, e eu ta mbém estou muda ndo de ciclo, de v ida, porque Ox uma rê é mov imento, renovação. Hoje é um dia de festa e de agradecer”, diz Mãe Neia. O Ilé (casa) de Mãe Neia pertence a uma rede bem estabelecida, apesar de ainda pouco conhecida pelos não praticantes, de comunidades tradicionais de terreiro de matriz africana na capital paraense. Segundo o projeto “Mapeando o A xé”, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2010 eram 1.189 casas dessa natureza na Região Metropolitana de Belém. Um cenário extremamente plural, onde convivem o candomblé, a umbanda, o batuque, o tambor de mina, a pajelança, dentre outras variantes. Nesse universo de tradições em constante conexão e diálogo, uma se destaca pela grande influência e expressão. A fonte dela e de muitas das palavras que provavelmente são desconhecidas pelo leitor até o momento, está há milhares de quilômetros do Pará, acima, na África Ocidental, terra do povo `yorubá. Cativos, escravizados, milhares de iorubás fizeram uma diáspora forçada até o Brasil, na segunda metade do século XIX. Sobrevivendo e se adaptando por gerações, seus descendentes atuaram e continuam a agir ativamente na construção de identidades e culturas nacionais. Um legado que percorreu o território e está muito vivo na Amazônia, bem mais do que se imagina. 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RITUAL DA FRATERNIDADE

Na casa da Mãe Neia de Oxumarê (abaixo), os novos integrantes são recebidos em dia de festa. A cerimônia do Ilé Axé Idan Besin Olú Órun Áiyé marca uma espécie de “batismo” dos filhos de santo da sacerdotisa iorubá.


DE IFÉ A BELÉM: A CULTURA NEGRA IORUBANA Em que momento a palavra iorubá passou a denominar um povo inteiro ou o conjunto de populações ligadas por uma mesma língua falada e por traços comuns da história e tradições é um debate sem ponto final. Uma corrente de pesquisadores afirma que o termo ainda nem tinha sido cunhado no século XIX. O que é notório é que os iorubanos são um dos maiores grupos étnicos da região onde hoje é a Nigéria. Calcula-se que existam de 22 a 30 milhões de falantes do idioma iorubano, a maior parte deles concentrado na parte oeste de África. A cidade de Ifé, onde foram encontrados registros milenares de ocupação humana, e o extinto Reino do Daomé, atual região do Benin, eram grandes centros da cultura iorubá. Os iorubás foram um dos grupos étnicos

derradeiros a aportar no Brasil, no ocaso do longo período comercial de tráfico humano escravista entre a costa africana e a América. “Junto à mão de obra importada à força, veio um complexo sistema ideológico-mítico-religioso de ver e de estar no mundo. A filosofia de vida dos africanos, que cruzara o vasto Atlântico, procurou, no novo mundo, sob a fúria dos açoites, um modo de resistir, de subsistir, de adaptar-se, de permanecer”, escreve o doutor em Letras, Flavio Garcia, no prefácio de “Cultura Iorubá – Costumes e Tradições”. Para o pesquisador em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Wanderlan Gonçalves, a posição histórica dos iorubanos no país foi favorável para preservar e perpetuar grande parte de seus costumes e sistemas de crença e sociabilidade. “Como a cultura do povo iorubá é oral, compartilhada pela fala, contribuiu muito o fato deles serem os últimos a chegar”, afirma. “Eles estavam mais próximos às suas origens e influenciaram outros povos que estavam aqui há mais tempo, como os bantus e os jejes”.

HERANÇA NA AMAZÔNIA

Os iorubanos são um dos maiores grupos étnicos da região onde hoje é a Nigéria. Na década de 50, o Pai Astianax consolidou o candomblé em Belém, hoje seguido por centenas de adeptos, como a Mãe Neia (acima).

Resistindo à pressão cristã do mundo branco, os iorubanos escravizados em contato com outros povos, desenvolveram ainda no século XIX uma religião que tem muitas semelhanças com suas tradições, o candomblé de nação ketu, atualmente a mais conhecida das nações do candomblé. “A partir de Salvador, na Bahia, o núcleo de concentração do iorubá no Brasil, e da atuação de personalidades como Mãe Menininha do Gantois, Maria Bethânia, Caetano Veloso, praticantes do ketu, a religião teve grande difusão pelo Brasil e pelo mundo”, credita o historiador e candomblecista Pai Cordeiro. “Na cultura brasileira, hoje percebemos marcas que vieram dos iorubanos e da nação ketu no candomblé, como o turbante, o acarajé e os ritmos, como o samba e o axé music”. NOVEMBRO DE 2016

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REPRESENTATIVIDADE

Pai Serginho de Oxóssi é uma das principais lideranças do candomblé no Pará. Segundo ele, a diferença do ketu para as outras nações religiosas, como a angola e o jeje, vai além dos cânticos, rezas e saudações, todas feitas no idioma iorubá.

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A trajetória do candomblé da nação ketu em direção à Amazônia e ao Pará, em específico, é relatada de diferentes formas dentro da própria comunidade afrorreligiosa local, as versões variando de acordo com a interpretação de cada liderança de santo. Recentemente, estudos acadêmicos buscam demarcar e restituir ao candomblé ketu as bases de sua gênese em Belém. Wanderlan Gonçalves afirma que o candomblé chega a Belém nos anos 1950 com Pai Astianax, que foi a Salvador para ser “feito no santo”, ou seja, iniciado na religião. É durante a década 1970 que o culto aos orixás começa a se estruturar. Segundo Mãe Neia de Oxumaré, descendente de Astianax na religião, as práticas litúrgicas foram mantidas quase as mesmas, mas para se firmar no novo ambiente, o candomblé ketu passou por algumas adaptações, como no caso da gameleira, árvores que não é típica da região amazônica e é ligada a Iroko, uma das principais divindades iorubanas. A jaqueira foi escolhida e até hoje é usada para prestar reverência a esse orixá. Pai Serginho de Oxóssi é uma das principais lideranças do candomblé no Pará. Para ele, a diferença do ketu para as outras nações religiosas, como a angola e o jeje, vai além dos cânticos, rezas e saudações, todas feitas no idioma iorubá. São os detalhes, vi36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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síveis apenas àqueles iniciados no candomblé, que determinam se o culto pertence a uma nação, a outra ou se é uma mistura de mais de uma. “É a maneira de se dançar para o orixá, de trançar uma vestimenta, de bater o atabaque e principalmente, o seguimento fiel da liturgia do início ao fim”. A essência de todos, porém, é o culto ao divino que há na natureza e no próprio ser, representados pelos orixás. “Os orixás são luz divina que moram dentro da gente. É a energia, a vida onde não enxergamos, mas que podemos sentir. Nas matas, nas águas, no ar, na noite”, diz Mãe Neia, que se entristece ao falar do preconceito com que ainda é encarada sua profissão de fé e caminho de vida. “Temos que caminhar, mesmo com os preconceitos. Preconceitos esses que fazem doer na alma, no coração. Se as pessoas de fora procurassem entender o que nós passamos dentro de uma casa de santo, cuidando de cada filho, cada célula que a gente brota aqui dentro, eles saberiam que existe amor entre a gente, respeito e família”, comenta. Fora das comunidades tradicionais de terreiro, os símbolos iorubás fazem sucesso entre pessoas negras que procuram se ligar com o passado e a história de seus povos ancestrais e também enfrentam o preconceito pela via da resistência e afirmação de valores.


MATRIZ AFRICANA

Pai Cordeiro (abaixo) é historiador e candomblecista. Segundo ele, a cultura brasileira absorveu elementos iorubanos e da nação ketu no candomblé, como o turbante, o acarajé e os ritmos, a exemplo do samba e axé music. À esquerda, integrantes da casa da Mãe Neia de Oxumaré.

A ESTÉTICA IORUBÁ FALA Comoção de manhã cedinho na ladeira da rua mais antiga de Belém. Não deveria, mas é assim. A presença de um grupo jovem e negro, mais ou menos 20 deles, bem vestidos e sorridentes a descer os ladrilhos rumo à feira atrai olhares curiosos, enviesados, piadinhas e comentários abafados. Nos olhos, bocas, braços, pernas e cabeças, as cores habitam tecidos de amarrações, padronagens e texturas diversas, turbantes, maquiagens e grandes brincos, colares, pulseiras e anéis. Seus corpos vêm a passos ritmados, em formação, quase em câmera lenta. A reação dos trabalhadores e passantes daquela parte do centro histórico de Belém mostra que aquela não é uma simples caminhada. “Quando a gente usa o (cabelo) black isso é um ato político, porque o nosso corpo fala muito pela gente. Estar num lugar, usando essas roupas, usando um turbante é enfrentar o que a sociedade disse pra gente que não é bonito, que é feio o nosso cabelo, o nosso jeito de vestir”, diz Tainá Oliveira, estudante de jornalismo e membro do Coletivo de Juventude do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa). Fundado por ativistas paraenses, como Zélia Amador e Nilma Bentes, o Cedenpa tem 36 anos na linha de frente do debate e prática em prol do movimento negro da região. Bem mais recente, o coletivo ex iste há sete meses, criado pela vontade de reunir a juventude negra local em torno do que ela sente falta e reivindica, o que passa pela visibilidade e respeito.

Foi por esse motivo que Tainá e boa parte do coletivo estavam de pé e arrumados desde as primeiras horas de Sol de um feriado de sexta-feira, prontos para realizar o percurso descrito antes. A cena foi registrada e fará parte de um vídeo promocional da AFROnto, festa de celebração das culturas negras e mais uma entre as ações da juventude do Cedenpa. “Falta uma balada mais black na cidade e feita pela galera preta”, afirma uma das coordenadoras do coletivo, a produtora e fotógrafa Aíssa Matos. O grupo organiza também a AfroGincana, um dia de contação de histórias, exposição fotográfica, exibição de filmes, oficinas de abayomi (palavra em iorubá que, em tradução ao português, significaria “encontro precioso” e denomina um tipo de boneca negra feita de pano), música e trança. Toda a programação tem por base tradições de matriz africana, com destaque para a iorubá, e é voltada para crianças na Cremação, bairro periférico onde está a sede do Cedenpa. “Quando a gente tá fazendo uma AfroGincana e percebe que uma criança preta tá se reconhecendo, vendo outras pessoas pretas e tá soltando o black, porque em casa ela não solta por até mesmo a família repreender, isso é muito gratificante, a gente vê que está quebrando preconceitos diários”, conta Tainá. Para ela, o incentivo ao conhecimento e à interação com as origens negras é um caminho de autoestima, que se consuma individualmente e em coletivo, junto aos companheiros e amigos da juventude. “No momento em que a gente tá nas ruas, andando com o nosso cabelo ao natural, se vestindo do jeito que a gente que a gente quer, estamos nos fortalecendo também, NOVEMBRO DE 2016

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CAPA

porque andar sozinha é uma coisa, andar em grupo é outra bem diferente”. “A juventude tá aí nas periferias, em vários espaços, sofrendo o preconceito e uma série de violências que a gente precisa estar organizado pra combater”, completa Gilvan Souza, o Mano Gil, músico e também participante da juventude do Cedenpa. No exercício rotineiro do enfrentamento às discriminações, a estética dos corpos e vestimentas tem um discurso de resistência e afirmação de valores e de identidades de povos negros. Muito além do guarda-roupa, o uso de elementos trajados orgulhosamente por essa turma e por cada vez mais jovens negros em Belém tem raízes no grupo étnico-linguístico iorubá. Os turbantes, por exemplo, apesar de não serem um invento dos iorubás, foram 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RESPEITO E VISIBILIDADE

Jovens negros simpatizantes da cultura iorubá buscam o incentivo ao conhecimento e à interação com as origens negras em Belém. A expressão corporal e de pensamento é um caminho de autoestima, o qual querem percorrer de forma individual e coletiva.

adaptados e popularizados no Brasil a partir do crescimento e consolidação do candomblé, com maior expressão para a nação ketu ou iorubá. Também conhecidos como ojá ou torços, eles são característicos de cargos femininos nas casas de santo, como as yalorixás e as ekédis, e são usados em diversas partes do corpo e fora dele também, inclusive, como ao redor dos atabaques em cerimônias importantes. Enrolados em volta da cabeça,


servem para guardar o axé, a força vital. As batas e panos da costa ou alakás são outros objetos emblemáticos do visual iorubá que, fora das religiões de matriz africana, representam uma conexão de descendentes negros com parte de sua história que não está registrada em livros, nem é contada nas escolas. “Quando a gente conhece a história, tanto do povo iorubá, quanto dos bantus, dos jejes, que são os primeiros povos negros que chegaram ao Brasil, a gente se reconhece também. Aí a gente vai também construindo e reconstruindo a nossa identidade, porque antes a gente tem uma identidade que foi forjada pra nós”, fala a professora de filosofia, Lívia Noronha. Integrante do coletivo jovem do Cedenpa, ela costuma dizer que antes era morena e, há cerca de quatro anos, é preta. “Como estamos na Amazônia, com essa carga forte da miscigenação, muitos de nós demoramos pra nos reconhecer enquanto pretos, enquanto pretas”, opina. “Tenho cabelo ondulado e quando eu deixava longo me identificavam como índia, mesmo tendo todos os traços pretos na cara. Não porque socialmente é bonito ser índia, mas é porque é muito feio ser preto, tu sempre tens que negar”, diz Lívia. Sob a alcunha de “Cidade Morena” que, em músicas e outras expressões artísticas, é personificada na figura de uma mulher cabloca, do cheiro cheiroso e faceira, Belém esconde várias

identidades e conflitos quanto à sua cor, a cor de quem nela mora. De acordo com o “Mapa da Distribuição Espacial da População Segundo a Cor ou Raça”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e publicado em 2013, 76,7% dos belenenses se declarou preto ou pardo. É a maior taxa entre as unidades da federação. Porém, desse total, apenas 7,2% se autodenominou negro. O restante optou pela definição pardo, categoria presente nos levantamentos, mas que não encontra eco nas ruas, que quase sempre recorrem ao termo “moreno”, variando de tom. Lívia Noronha acredita que o reconhecimento como negro e dos elementos da cultura iorubá como partes também do ser negro em Belém e no Brasil é um caminho gradual. “A gente vive na Cidade Morena e aí a gente é taxado com esse ‘morena’, ‘moreno’, que é algo para nos esconder. Antes de usar o turbante, eu comecei a estudar a história dele, estudar filosofia africana, o legado dos iorubás e aí foi quando eu realmente comecei a usar esse e outros elementos. É um processo. A gente vai vendo que esses elementos também fazem parte de quem a gente é. Não é só um acessório, é parte mesmo da gente, das nossas origens”.

CASA DE TODOS

Veja onde conhecer melhor a cultura iorubá em Belém CENTRO DE DEFESA E ESTUDOS DO NEGRO NO PARÁ (CEDENPA) Fundado há mais de três décadas, o Cedenpa é uma associação de negros e negras, que, por meio da arte e educação, contribui no processo de superação do racismo, preconceito e discriminação. Sede Rua dos Timbiras, Passagem Paulo VI, 244 – Cremação (entre 14 de Março e Generalíssimo Deodoro) Cep 66.045-520 Ingá - Quilombo da República Praça da República, Assis Vasconcelos com Av. Nazaré – Centro AFRONTO Festa pela juventude negra para a juventude negra de Belém ao som de ritmos black: hip-hop, rap, funk, R&B, trap, ragga, kuduro. Essa edição vai acontecer no dia 19, véspera do Dia da Consciência Negra. Hora: a partir das 22 h Local: Urbano - Travessa Piedade, 587, bairro do Reduto, Belém

AFRO AMAZÔNICOS E SEUS SÍMBOLOS Projeto do Museu Paraense Emílio Goeldi em parceria com as lideranças representantes dos povos tradicionais de matriz africana em Belém, mostra a relação entre práticas afrorreligiosas, incluindo o candomblé ketu, e elementos da natureza amazônica. NOVEMBRO DE 2016

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PESQUISA

Esperança no laboratório Programa de pós-graduação em Biologia abre novos caminhos para o controle de doenças virais na Amazônia TEXTO AMANDA ENGELKE FOTOS FERNANDO SETTE

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esquisas desenvolvidas pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (BAIP) da Universidade Federal do Pará (UFPA) têm ajudado a desvendar um pouco mais acerca do universo científico e biológico de populações humanas e animais na Amazônia, ajudando, inclusive, a apontar soluções para controle de doenças na região. Um dos trabalhos identificou, recentemente, cin-

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co indivíduos imunes a Aids no Pará, apesar de serem portadores do vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Em linhas gerais, isso significa que o sistema imunológico dessas pessoas possui uma defesa natural contra o vírus e, portanto, a probabilidade de desenvolverem os problemas associados à doença é praticamente nula, podendo inclusive nunca chegar a desenvolver qualquer sintoma, mesmo sem fazer a terapia retroviral. Eles são

os chamados “controladores de elite” (capazes de manter níveis indetectáveis de carga viral por longos períodos) e de viremia (que apresentam carga viral baixa, mas detectável nos exames laboratoriais). A descoberta reacendeu um possível caminho para o controle da doença e acendeu um alerta entre os pesquisadores da UFPA. De 2012 até junho deste ano, 5.448 casos de contaminação pelo HIV foram registrados no Pará,


de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estadual de Saúde Pública. Do total de infectados pelo vírus, 3.885 se declaram heterossexuais na faixa etária de 20 a 40 anos. Os homens ainda predominam nas estatísticas. No período, 3.444 pessoas do sexo masculino foram diagnosticadas com o vírus, contra 2.004 registros femininos. Para identificar os controladores, o doutor Antonio Carlos Vallinotto, coordenador do grupo de pesquisadores da área da Virologia, explica que foram necessários dois anos de uma intensa análise das amostras armazenadas desde 1997 no laboratório da UFPA. Para se ter uma ideia, semanalmente, cerca de 200 amostras são encaminhadas ao laboratório de diversos pontos da rede de saúde para análise da carga viral. Para ele, a exata compreensão dos mecanismos biológicos que norteiam a não progressão para a Aids entre os controladores de Elite e de Viremia poderá trazer grandes avanços para o tratamento e possível cura da doença. Em meio aos esforços para controle da doença, o alerta dado pelo pesquisador é quanto aos riscos acerca do tratamento imediato recentemente preconizado pelos órgãos da saúde. “Isso tem seus prós e contras. Tem a corrente que defende, mas isso não é uma unanimidade entre os pesquisadores. Quando a gente olha essas pessoas que não precisam fazer uso algum de medicação, ainda que representem uma parcela mínima do todo, é complicado, porque elas vão fazer uso desses remédios sem precisarem, e isso pode acarretar sim complicações. Além disso, a gente acaba perdendo um grupo que parece naturalmente controlar a infecção. Estudá-lo é fundamental”, defende Vallinotto.

PERSISTÊNCIA

Doutor Antonio Carlos Vallinotto, coordenador do grupo de pesquisadores da área da Virologia, diz que foram necessários dois anos de uma intensa análise das amostras armazenadas desde 1997 no laboratório da UFPA

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PESQUISA

ATUAÇÃO CIENTÍFICA

Ainda na linha da virologia, o Programa desenvolve pesquisas voltadas para a nanotecnologia quanto a produção de vacinas e também com o estudo de vírus emergentes, através do Instituto Evandro Chagas, a exemplo do zika vírus. Na área de Taxonomia de Helmintos, estão os professores doutores Jeannie dos Santos e Adriano Furtado. Na linha de Protozoologia atuam as professoras Marinete Povoa, com estudos sobre a malária e outros vetores, e Edilene Oliveira, na pesquisa sobre novos fármacos a partir de bioprodutos no combate a leishmaniose. Atualmente, o Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (BAIP) da UFPA é o único PESQUISADORES

Os doutores Jeannie dos Santos e Adriano Furtado fazem parte do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (BAIP), da UFPA, acompanhando as pesquisas de outros biólogos no Estado

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de nível 5 fora da região Sudeste e Distrito Federal, que aborda as áreas de Imunologia, Microbiologia e Parasitologia em todos os seus contextos. A avaliação, numa escala de 3 a 7, é da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC) responsável pela expansão e consolidação stricto sensu (mestrado e doutorado) no Brasil. O reconhecimento e a constante produção acadêmica e científica têm proporcionado parcerias com diversas instituições nacionais e internacionais, integrando o Programa de Estudantes - Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), que proporciona intercâmbio a professores universitários, pesquisadores, profissionais e

graduados do ensino superior de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém Acordo de Cooperação Educacional, Cultural ou de Ciência e Tecnologia. Ao todo, o BAIP conta com 36 alunos de mestrado e 62 de doutorado. O doutorando Davi Fernandes Conga, 32 anos, foi um dos que optaram pela pós-graduação ofertada pela UFPA. Formado em Veterinária pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, no Peru, ele chegou ao Pará em busca de conhecimento na sua área de pesquisa, de “Taxiononia de Helmintos”. Antes de chegar à UFPA, ele cursou mestrado em Saúde e Produção Animal na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), sob a orientação do professor Nicolau Serra Freire.


Através de seu orientador, Davi também conheceu o BAIP da UFPA. “Antes de tudo, vim pela oportunidade de aprender outra língua, outra cultura e estudar e produzir aqui com o material coletado lá com animais silvestres, e acredito que fiz a escolha certa”, diz. Na UFPA ele é orientado pela professora Jeannie dos Santos. Além dele, o Programa conta com outros alunos de estrangeiros de países como a Colômbia, Honduras e Moçambique. Outro braço de atuação do Programa é o fortalecimento de outras pós-graduações e na formação de mestre e doutores tanto no Pará quanto em outros estados no Norte, a exemplo do Acre, do Amapá e de Rondônia, Roraima. “O programa sempre teve um histórico de formação muito grande, de pessoas dispostas a saírem de sua zona de conforto e difundir conteúdo. E esse reconhecimento nos permite, cada vez mais, contribuir com a formação de mestre e doutores em toda a região”, destaca o coordenador do BAIP, doutor Adriano Furtado. Neste ano, com o término do quadriênio avaliativo, a expectativa do corpo docente é subir mais um degrau e obter a nota 6 junto a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), quando a pós-graduação desempenha uma elevada e relevante produção cientifica e quando ela mantém parcerias internacionais consolidadas. “A gente tem batalhado muito nos últimos anos para isso e estamos confiantes. Não só pelo mero

reconhecimento, mas sobretudo porque isso tem um impacto grande no desenvolvimento das nossas pesquisas. É por essa avaliação que são destinados os aportes para manutenção das pesquisas”, explica Furtado. Na última avaliação realizada pela Capes, em 2013, o Brasil apresentava 32 programas vinculados a área de Ciências Biológicas III, sendo que apenas cinco estavam localizados na Região Norte (três no Pará, um em Rondônia e um no Amazonas). No relatório de avaliação, concluiu-se que a região Sudeste concentra a maior quantidade de PPGs, que apresentam maiores notas, sendo a única região do país com programas de conceito 6 e 7. Nas outras Unidades da Federação, apenas o Pará e o Distrito Federal apresentam PPGs com nota 5. Entretanto, apesar expectativa pela avaliação do trabalho realizado nos últimos quatro anos, o resultado de 2016 só deverá ser divulgado, de fato, em 2018. Isto porque as instituições têm até o início de 2017 para enviar os relatórios dos projetos e somente no segundo semestre o comitê avaliador se reúne para decidir sobre as notas dos PPGs. A divulgação ocorre então entre o final de 2017 e o início de 2018. “Muita coisa já foi feita, mas tenho certeza que podemos fazer ainda mais. Nossa luta é para que consigamos cada vez mais contribuir com a nossa região e a sociedade em geral”, finaliza Adriano Furtado. NOVEMBRO DE 2016

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EDUCAÇÃO COMUNIDADE

Uma luz que não se apaga O projeto “Lamparina para cegos” leva conhecimento cultural a deficientes visuais através da leitura

TEXTO FERNANDA MARTINS FOTOS NAILANA THIELY

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em cá, menino! Traz a lamparina pra eu ler uma história pra vocês”. A lembrança da fala da avó da professora mestra Joana Martins foi a inspiração para o título do projeto, tema da sua dissertação de mestrado, aprovada com louvor no mês passado no Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará (Uepa). “Lamparina para Cegos: literatura acessível na Amazônia”, trabalha o desenvolvimento de livros falados para pessoas com deficiência visual, além de formar ledores – os intérpretes dos livros convertidos -, e programar diversas atividades para dar visibilidade à luta por acessibilida44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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de para a pessoa cega, principalmente entre acadêmicos. Nos próximos meses, o projeto pretende disponibilizar livros falados de grandes nomes da literatura amazônica, como Haroldo Maranhão, Dalcídio Jurandir e Eneida de Moraes. Joana se descreve como uma leitora voraz e atribui ao pai a paixão pela leitura. “Ele lia muito, sempre. E lia para nós. Criou oito filhos leitores”, relembra. A relação dela com a cegueira também veio através do pai, que perdeu totalmente a visão com o avançar da idade. Tornou-se educadora especial, voltada para o ensino de pessoas com deficiência visual. “Sinto neles essa

mesma paixão pela leitura e é lamentável que o acervo para pessoas cegas seja tão limitado. Por isso, minha vontade de fazer algo para mudar essa realidade”, diz. O projeto Lamparina é parte do Núcleo de Pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas (Cuma) da Uepa e integra o programa Cartografias Poéticas da Amazônia. Sob a orientação da professora doutora Josebel Fares, Joana realizou pesquisa com alunos e professores cegos da Unidade Técnica José Álvares de Azevedo, dedicada à educação especial, após o desenvolvimento do primeiro produto do projeto: a tradução da obra de Daniel da Rocha Leite,


PARTILHA DE VIDA

Mestra em Educação pela Uepa, Joana Martins criou o projeto inspirada na avó, que lia para os netos sob a luz de lamparina nas noites escuras do interior do Estado

A História das Crianças que Plantaram um Rio. Joana e Daniel foram os ledores da obra e o autor cedeu os direitos autorais da gravação, hoje disponível gratuitamente em diversos sites. A bela narrativa tocou Fábio Ribeiro, de 24 anos, cego desde os oito. “Quando ouvi o livro pela primeira vez, me emocionei bastante. Lembrei-me de quando era criança e passava férias no sítio da minha avó, em Abaetetuba. Eu pude visualizar a história, lembrar o rio, de nadar nele”, conta. Ele participou da pesquisa de Joana e ressalta a importância do acesso à literatura local. “Essas histórias falam de lugares que conhecemos, da nossa identidade enquanto paraenses, ama-

zônidas. Nós, cegos, não temos acesso a esse conteúdo, mas queremos ter. Precisamos ter”, comenta o rapaz, que tornou-se ávido leitor por volta dos 14 anos, devorando títulos em braile e audiolivros. O professor doutor da Universidade Federal de Pernambuco e cego de nascença, Francisco José de Lima, é referência no assunto da audiodescrição – explicação falada de imagens, lugares e pessoas. Ele esteve em Belém para participar da banca de defesa de Joana e ressaltou a importância de trabalhos que tratam sobre acessibilidade na academia. “Nós formamos aqueles que um dia serão professores, logo, é nossa responsabilidade. Esse trabalho chega

a ser uma forma de denúncia no campo da Educação”, diz. “Acredito que, a cada dia, teremos mais e mais pesquisas como essa, até chegar o dia em que toda escola incluirá em seu currículo o ensino de Libras e braile, que também são línguas oficiais no Brasil”, completa. O projeto trabalha ainda o aperfeiçoamento dos chamados ledores. “Todo ledor é leitor, mas nem todo leitor é ledor. Para sê-lo, precisa ser bom de prosódia. Desenvolver mais livros falados requer mais ledores. E eles são necessários também fora daqui. Nas escolas, nas comunidades. Por isso, incluímos essa qualificação no trabalho”, explica Joana Martins. A equipe NOVEMBRO DE 2016

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EDUCAÇÃO

de ledores já está trabalhando na interpretação de Miguel, Miguel e A Porta Mágica, de Haroldo Maranhão; Zeus, ou a Menina e os Óculos, de Maria Lúcia Medeiros; Carro dos Milagres, de Benedicto Monteiro; Aruanda, de Eneida de Moraes; A Cidade Ilhada, de Milton Hatoum; e Chove nos Campos de Cachoeira, de Dalcídio Jurandir. Ainda não há uma data prevista para o lançamento dos livros, feitos com base na Lei nº 9.610/98, que assegura a reprodução de obras literárias para fim de educação de pessoas com deficiência visual, desde que não haja fim lucrativo. Mas o professor de braile do Álvares de Azevedo, Ronaldo de Carvalho, já comemora os avanços do projeto. “Ter esse tipo de literatura será muito importante para a educação das crianças cegas, que poderão ter em sua formação esse tipo de conteúdo tão rico e que descreve bem o mundo à sua volta”, avalia. Feliz com o retorno obtido com o projeto junta aos deficientes visuais, Joana Martins pretende dar uma pausa antes de iniciar a tese de doutorado para poder concluir o trabalho prático e planejar as ações do Lamparina, sempre voltadas ao acesso das pessoas com deficiência visual à leitura. “Para a literatura ficar compreensível na ausência de luz, tem que acender a lamparina. Então, estamos tentando acender essa lamparina para as pessoas cegas, que têm direito a esse conteúdo”, conclui Joana. Ouça o livro A História das Crianças que Plantaram um Rio, de Daniel da Rocha Leite.

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ARTE, CULTURA E REFLEXÃO JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

PENSELIMPO

Madame mamba A CANTORA SAMMLIZ LANÇA SEU PRIMEIRO DISCO SOLO, UM SALTO EM SUA CARREIRA ARTÍSTICA

PÁGINA 48

LITERATURA

PROGRESSO

O gaúcho Raul Bopp foi poeta, cronista, jornalista e diplomata, mas, na Amazônia, ficou conhecido por divulgar a lenda da Cobra Norato. PÁG.52

A expansão da demanda da energia elétrica no país abre o debate sobre a instação das usina hidrelétricas na região Norte. PÁG.58

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PAPO DE ARTISTA

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U

m universo de referências sonoras e pessoais começava a vibrar em uma mesma frequência há cerca de três anos, quando Sammliz engatinhava no que seria o seu primeiro disco solo. “Mamba”, embora projete uma imagem que reflete o que a cantora e compositora quis ecoar musicalmente desde o dia em que se compreendeu como ser humano, é resultado de novas vestes e experimentações ao longo de mais de uma década de produção da artista. Frenética, imersa, metamórfica. A música de Sammliz é como mamba: fatal. É reinvenção pura de si mesma. O que arde dentro se traduz em fortes e, ao mesmo tempo, suaves acordes vocais. O novo disco exprime essa inquietude e transborda a força da mulher à frente de qualquer produção. “Eu lembro quando a gente era sozinha engolida por aquela coisa opressora, e hoje em dia ainda é, mas é menos, e vai ser cada vez menos”, pontua. Depois de morar seis anos em São Paulo, o retorno a Belém foi marcado pela aposta num novo ritmo de vida, fora do “way of life” paulistano, desta vez voltado para as suas pesquisas. Sammliz chegou para produzir o álbum sozinha, entretanto, assim como ela mesma, o curso desse plano desviou e a harmonia ao lado de Leo Chermont e João Lemos – também produtores do disco – foi virando “aurora”. O disco foi concebido após um processo de imersão dos três músicos dentro de uma casa no município de Salinópolis, durante 10 dias. Com a assinatura artística de Carlos Eduardo Miranda, “Mamba” apresenta um conceito sonoro e estético único. E embora ela conte com parceiros indispensáveis, Sammliz se lança sozinha, e não para de “trocar a pele em seu profundo amor”: a música.

A música fatal de Sammliz TEXTO NATÁLIA MELLO

JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

A FEROCIDADE CRIATIVA DA CANTORA E COMPOSITORA PARAENSE REFLETE UM NOVO CICLO NA CARREIRA DA ARTISTA COM O PRIMEIRO DISCO SOLO, “MAMBA”

O que tu trazes de referências dos anos como vocalista e compositora do Madame Saatan? São referências que sempre vão fazer parte de mim, assim como as referências desse disco, que sempre estiveram em mim, mas não encontraram um escoamento naquele momento. Era uma banda onde eu escrevia as letras, fazia as músicas também, mas era uma situação coletiva, onde várias pessoas optavam. Então, essas várias referências se misturavam. NOVEMBRO DE 2016

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PAPO DE ARTISTA JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

“Eu acho ótimo que eu faça rock, porque é um som urbano, que dialoga com o mundo todo, mas a minha regionalidade, o meu ser paraense está totalmente nesse disco, seja desconstruído, da forma que eu sempre trabalhei, seja em referências que as pessoas não vão sacar de cara, porque não é tão óbvio”

Uma das minhas referências que estão é Black Sabbath, os reis máximos do rock pesado. Eu continuo fazendo rock. Agora eu achei um jeito de fazer tudo aquilo que eu gosto e é isso que eu quero fazer daqui em diante, deixar que todas as coisas que fazem parte de mim escoem. A maioria das músicas é composição tua. Comenta um pouco as tuas autorais. Esse disco é um tanto autobiográfico, mas os assuntos das músicas são inerentes a todos nós: amor, mudança, tempo, morte, essa coisa da gente estar trocando de ciclo. “Mamba” é uma referência a algo que eu escrevi há muito tempo, um poema que se desconstruiu completamente para virar o que virou. Falava do “oro borus”, um símbolo místico de uma cobra engolindo o próprio rabo, e simboliza a autofecundação, o fim, o início, ou não fim, não início, que é o ser humano. É um disco muito feminino, feito por uma mulher, não por uma garota. Então é onde eu cito as forças do feminino em tudo que há, como em “Magnólia”. O que o som do teu disco reflete sobre as tuas influências sonoras? Eu sempre fico meio assim de citar porque é muita coisa, mas Black Sabbath, PJ Harvey – que eu sou muito fã, musa maior, Silches And The Banshees, essa parte do pós-punk da década de 80 é algo que eu gosto muito, está presente. O pop eletrônico feito na década de 90 também. Eu escutei muita cumbia louca, psicodélica, porque eu gosto desses ritmos. Eu gosto de pesquisar, eu tenho um projeto com o Leo, e “Meu Bem” é a música com ele que eu roubei desse projeto. Eu estava escutando muito esses ritmos, eu gosto dessa coisa simples, desses ritmos como levam a gente a dançar. Tem o brega. São coisas que eu fui buscar na minha infância. Claro, que também tem as influências dos meninos. Foi essa união de mundos que ocorreu. Quais são as tuas parcerias? Desse disco, Leo e João foram meus dois braços direitos, porque eles foram essenciais no trabalho. Eu tive o Miranda na dire-

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ção artística, que foi um cara excepcional e eu conheço há muitos anos, desde as primeiras vindas a Belém, ele sempre ficou me pilhando, dizendo: “Faz a tua carreira”, e eu sempre mostrei as minhas coisas para ele. Quando chegou a hora de eu fazer, eu disse: “tá aqui”, e ele quis entrar e participar, foi superquerido, e foi mais referência. E ele é um cara muito safo em arrematar, de fazer o que a gente chama de “perfumaria” na música, que é borrifar um pouco aqui, outro pouco ali, dá uns toques muito minimalistas e precisos que dão toda a diferença no resultado. Então, é um disco feito por três produtores e foi a primeira vez que eu produzi um trabalho meu. Fiquei muito feliz. Letras minhas, modifiquei arranjo, só não entrei para tocar no lugar deles, mas eu ainda vou dar um jeito nisso. É o próximo passo (risos). Como dialogas com as diferentes sonoridades regionais e até mesmo do rock? Eu acho ótimo que eu faça rock, porque é um som urbano, que dialoga com o mundo todo, mas a minha regionalidade, o meu ser paraense está totalmente nesse disco, seja desconstruído, da forma que eu sempre trabalhei, seja em referências que as pessoas não vão sacar de cara, porque não é tão óbvio. “Quando Chegar O Amanhã”, aquela pegada de baixo, de bateria, ela vem do lundu, só que a gente foi entrando nessa parte mais escura. Eu faço um trabalho de rock, pop, feito por uma mulher paraense, que tem o sotaque daqui, que é impresso até no meu chiado. Acho ótimo ser reconhecida como uma artista paraense que faz música contemporânea, urbana, que dialoga com o agora, que também se posiciona politicamente. Meu trabalho dialoga com o trabalho da Luê, da Aíla. Não foi à toa que eu as chamei para fazer a participação comigo. Além da completa sintonia afetiva que nós temos, meu disco conversa com quem está fazendo música no Brasil agora. Tem muita gente fazendo música no Brasil e tem muita mulher fazendo mú-


JULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

sica no Estado e nesse país. Existe essa harmonia no que a gente quer dizer socialmente para a música. São mulheres que estão à frente do seu trabalho. Estão gerando coisas, trabalhos, é uma cadeia que se constrói ao nosso redor e em quem está fazendo esse tipo de trabalho também. O que tu achas do cenário da produção musical e temáticas femininas na música paraense? A mulher está produzindo, ela já está inserida nesse mercado. A mulher está tocando. Eu sou a favor que a mulher cada vez mais se autoproduza em todos os momentos, sua pré-produção, entenda os processos, os mecanismos de gravação, de mercado, saiba se autogerir. Torço por mais mulheres compositoras, mais mulheres fazendo gravação, não foi à toa que eu chamei a Inês Fernandes para tocar comigo, que é uma musicista incrível. Não quero tocar só com homem. Eu tive uma banda só de mulheres quando tinha 14, 15 anos. E eu falei que queria uma vibe feminina. Então acho que a gente vai demorar um pouco pro negócio ficar totalmente equilibrado, mas eu torço muito, trabalho e faço a minha parte para ver esse cenário cada vez mais profissionalizado, mais meninas produzindo e entendendo de A a Z, desde a produção até o produto final, que elas entendam, mais sobre o seu trabalho, sobre o seu papel, e tenham muito mais poder por causa disso. O que as pessoas podem esperar da Sammliz? Espero morrer velhinha, tocando, não sei o que, que tipo de som vou fazer. Todo trabalho é um trabalho único, a gente nunca sabe. Passei 11 anos com uma banda e de repente tudo muda, fui morar em São Paulo, nunca achei que fosse morar fora, a gente não sabe, não tem controle. Estou produzindo outro clipe já, entro no estúdio em novembro para gravar outra música que não tem nesse disco, que eu vou lançar em algum momento ano que vem. E já estou fazendo outro disco.

BOTE PRECISO

Com influências de Black Sabbath e PJ Harvey, Sammliz construiu uma carreira sólida à frente do Madame Saatan. Hoje, ela se lança em seu primeiro disco solo com coragem e ousadia.

USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR VER O CLIPE DE MAMBA, NOVO TRABALHO DE SAMMLIZ

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O poeta da Cobra Norato TEXTO ALINNE MORAIS

ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Raul Bopp 1898-1984


P

oeta, cronista, jornalista e diplomata. Essas atividades foram exercidas por Raul Bopp, gaúcho que marcou seu nome na primeira geração de modernistas do Brasil. Ele participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e deu uma significativa contribuição ao chamado movimento antropofágico com sua obra “Cobra Norato”, inspirada na homônima lenda amazônica. Raul nasceu em 4 de agosto de 1898, no Rio Grande do Sul, no distrito de Vila Pinhal, e morreu no Rio de Janeiro, no dia 2 de junho de 1984, com quase 86 anos de idade. Nos primeiros meses de vida ele se mudou para Tupanciretã, cidade gaúcha onde, mais tarde, iniciou seus trabalhos como escritor por meio da fundação de dois semanários: “O Lutador” e “Mignon”. Em 1918, Bopp entrou para a faculdade de Direito e para concluir o curso resolveu estudar um ano letivo em capitais diferentes do país. Assim, ele conheceu cidades como Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Belém. Em solo paraense, Raul Bopp logo se enturmou com os jovens modernistas locais, entre eles, Bruno de Menezes. “Esse grupo com o qual Bopp fez amizade era formado por jovens que estavam em busca de conhecer o verdadeiro Brasil. O Brasil profundo e as suas tradições populares”, explica Aldrin Figueiredo, professor e doutor em História da Universidade Federal do Pará. “Eles queriam descobrir algo mais perto daquilo que seria a verdadeira identidade do povo brasileiro”, completa. Em Belém, Bopp fez um duplo contato com os modernistas. Primeiro se tornou amigo dos intelectuais da “Academia ao Ar Livre”, que se reuniam no terraço do Grande Hotel, onde hoje está situado o Hotel Princesa Louçã, antigo Hilton Hotel, e assim conseguiu toda a bagagem erudita da época, e logo depois ele passou a integrar as reuniões populares dos jovens da “Academia do Peixe-Frito”, no Ver-o-Peso. “O Raul transitou desde essa área mais simples até a mais nobre”, destaca o professor. “Ambos os grupos tinham ideias meio parecidas e o Bopp conseguiu se encontrar com os dois e pegou influencia de todos os lados”, explica Aldrin. Durante sua estadia na cidade Raul também

conheceu diversos pontos da capital além de lugares próximos, como as ilhas e a região amazônica. Encantado com a cultura popular Bopp visitou a periferia urbana, conheceu a pajelança, o batuque, os terreiros, as comidas típicas e as lendas. Em meio a tantas viagens e relatos Raul acabou ouvindo dos amigos intelectuais e das pessoas mais próximas a narrativa da Cobra Norato. A lenda que conta a história de uma índia da tribo amazônica que deu à luz a duas crianças gêmeas, que na verdade eram cobras, logo serviu de inspiração para Bopp. “Ele era poeta. Era um cara que gostava da poesia. Então, ele pegou essa história, adaptou e fez um poema”, conta o professor. Escrito em 1928 e publicado em 1931, o livro mostra as aventuras de um jovem que estrangula a Cobra Norato na selva amazônica. A obra nasceu a partir do fascínio de Bopp pela região e logo se tornou um dos grandes marcos do movimento Antropofágico. “’Cobra Norato’ é o clímax desse momento. É a lente que mostra a Amazônia dentro do Modernismo Brasileiro”, avalia Aldrin. “A obra também carrega um pouco da memória de tudo que o Raul viveu aqui”, explica o professor. Após sua estadia em Belém, Raul Bopp se mudou para São Paulo, onde manteve contato com o grupo modernista Verde Amarelo, de Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. Anos depois ele se aproximou de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, e passou a integrar o Movimento Antropofágico e acabou gerente da Revista de Antropofagia. Além de Cobra Norato, Raul publicou “Urucungo, Poemas Negros” e “Poesias”. O autor também escreveu outras obras literárias entre elas: “Os Movimentos Modernistas”, “Vida e Morte da Antropofagia”, “América, Notas de um Caderno sobre o Itamaraty” e “Memórias de um Embaixador”. A literatura de Raul Bopp se caracteriza pelo tom satírico, pela recorrência de cenários naturais brasileiros, oralidade e presença de diálogos. Para o professor Aldrin Figueiredo, todas as obras do autor sempre são boas opções para quem quer mergulhar em uma boa leitura e conhecer mais do modernismo e outros temas. NOVEMBRO DE 2016

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AGENDA DIVULGAÇÃO / GQ ESTÚDIOS

BIRDMAN O Cine Psique do Libero Luxardo apresenta “Birdman ou A inesperada Vir tude da Ignorância”, de Alejandro González Iñarritu. A sessão será dia 19 de novembro, às 14h30. O filme conta a história de Riggan Thomson, um ator que fez muito sucesso interpretando o Birdman, um super-herói que se tornou um ícone cultural. Mas, desde que Thomson se recusou a estrelar o quar to filme com o personagem sua carreira começou a decair. Logo após a exibição do filme, que foi vencedor do Oscar 2015, haverá o debate “O Conflito de um Ar tista entre a Neurose e a Psicose”, com Edvan Brandão, da Liga Acadêmica de Psiquiatria do Pará (L APP). A entrada do evento é franca. Informações: Facebook.com/ cineliberoluxardo

EDUCAÇÃO De 23 e 24 de novembro, será realizado o II Encontro de Iniciação à Docência - Pro grama Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade

MODA

10º Amazônia Fashion Week

do Estado do Pará. O evento terá como tema central “Univer sidade e E scola: e xper iências , caminhos e desafios para

O Amazônia Fashion Week, considerado o mais

por Vaine Cunha apresentará peças em tecidos

for mação de profes sores no conte x to

importante evento de moda da região Norte,

nobres pintados por dez artistas plásticos para-

amazônico” e será realizado em Belém,

chega à 10ª edição com o tema “Identidades Bra-

enses. O evento também contará com a presença

no auditório do Centro de Ciências Natu-

sileiras na Moda”. A programação será realizada

de várias marcas locais e desfile conceitual de

rais e Tecnologia (CCNT), da Uepa. Infor-

entre os dias 8 e 13 de novembro, e ocupará vá-

peças criadas por alunos de Moda.

mações: (91) 3131-1704.

rios espaços da cidade como o Museu do Estado,

A grande novidade do evento ficará por conta da

Estação das Docas, Espaço São José Liberto e

feira de produtos autorais, que será realizada no

SÃO JERÔNIMO

Centro Cultural do Carmo.

Centro Cultura do Carmo. Além dela, a progra-

A e xposição “Residência São Jerônimo”,

A programação do Amazônia Fashion Week

mação do Fashion Week também contará com a

de Ale xandre Se queira, es tá em car taz

contará com uma série de desfiles, entre eles “A

mesa de debates “AFW: 10 anos de contribuição

na Kamara Kó Galer ia. O projeto foi con -

moda veste a arte”. A coleção criada por Felícia

para o cenário da moda no Brasil”. Mais informa-

templado com o Prêmio Cr iação, e xper i-

Assmar Maia e Danai Vasques e confeccionada

ções no site do evento amazoniafashionweek.

mentação, Pesquisa e Divulgação Ar tística da Fundação Cultural do E s tado do Pará e ficará em e xibição até o dia 26 de

ARTE PARÁ

novembro. A antiga casa da família do

A 35ª edição do Arte Pará apresenta 18 artistas selecionados de todas as regiões do Brasil.

ar tis ta foi o local que inspirou a mos-

O evento também conta sete paraenses convidados e cinco homenageados, entre eles Ema-

tra. Na e xposição Ale xandre apresenta

nuel Franco, Geraldo Teixeira e Geraldo Corrêa. Os trabalhos apresentam uma diversidade de

diver sos regis tros de imagens que mis-

linguagens artísticas e trazem para o público pinturas, esculturas, vídeos, instalações, foto-

turam

grafias e gravuras. Com curadoria geral de Paulo Herkenhoff, a exposição segue aberta para

de visitação de “Residência São Jerôni-

visitação até o início de dezembro. A mostra está em exposição na Casa das Onze Janelas, no

mo” é de terça a se x ta, das 15h às 19h,

Museu da Universidade Federal do Pará (UFPA) e no Museu Paraense Emílio Goeldi. Informa-

e aos sábados , de 10h às 13h. A entrada

ções: frmaiorana.org.br

é gratuita. Infor mações: facebook .com/

pas sado e presente. O horár io

kamarakogaler ia 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO DE 2016


FAÇA VOCÊ MESMO

BRINQUEDO DE ORIGAMI BILBOQUÊ As artes em dobraduras em papel, comuns no Oriente, inf luenciaram em muitos produtos usados até hoje, como embalagens de produtos, moda, móveis... São muitas opções além, do popular passarinho papel. Origami, além de uma brincadeira, ajuda a melhorar a memória, a concentração e a coordenação motora.

Do que vamos precisar?

Mas a a rte ou brincadeira com origa mi pode gera r outras brincadeiras, como o brinquedo “bilboquê”. Fácil de fa zer e requer pouquíssimos materia is. Pode render belos brindes em festas de a niversá rio infa ntis. Pode ta mbém ser a entrada à técnica do origa mi pa ra posteriores a rtes ma is complexas.

• 1 folha quadrada de papel colorido • 1 pedaço de barbante • 1 tesoura • 1 tampinha de creme dental • 1 palito de fósforo

CRISTIANO AMORIM: COORDENADOR DE ARTES VISUAIS DAS OFICINAS CURRO VELHO / LUIZA NEVES: TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL-FCP JACK NILSON : FOTOGRAFIA E ÁUDIO VISUAL– FCP / SIMONE JARES: INSTRUTORA / LUCA RIBEIRO: MODELO NOVEMBRO DE 2016

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FAÇA VOCÊ MESMO

4 7

Pegue uma folha de papel quadrado, nas dimensões 15 cm x 15 cm

Agora dobre a ponta do triângulo para dentro da aba lateral

Faça um furo com a tesoura em uma tampinha, depois transpasse um pedaço de barbante e faça um nó para prender a tampinha em uma das pontas

2 5 8

Dobre o quadrado ao meio, formando um triângulo

Aperte as laterais abrindo o “copo”

Para finalizar o bilboquê, faça um pequeno corte com a tesoura no fundo do “copo” por onde vai passar o barbante.

3 6

Em seguida, dobre as pontas laterais do triângulo para formar o “copo” do brinquedo

Agora dobre o triângulo que sobrou para dentro do “copo”

9

Passe o fio de barbante pelo corte e amarre na outra ponta um pedacinho de fósforo, para ficar preso ao fundo do brinquedo.

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


BOA HISTÓRIA

LEONARDO NUNES

TRAVESSIA A cidade, de longe, ruía.

Imperceptível, caso não prestasse muita atenção, mas desmoronava átomo por átomo. Era o tempo, que da canoa em que o homem remava mal percebia acelerar em uma rotação impensável. Tinha um motor de popa potente, mas quis remar. Atravessar da ilha à cidade enquanto pensava um monte de coisa. Coisas pequenas, coisas humanas. De trabalho a picuinhas, do rancho do mês a estar só no rio em um deslize lento provocado pela força dos braços. Nada o parava. As águas estavam plácidas como nunca. A calmaria perfeita, não incomodada nem pelo vento, fraquinho, um sopro de criança. Ele se fixava agora na força que empregava na tarefa mecânica de chegar. Nada demais, porém intensa a cada metro avançado. Estava enferrujado, a idade já dobrava o corpo. A musculatura flácida resmungava. Talvez por estar mais velho decidira provar a si que atravessaria sem motor, como muito antes.

Adiante, na cidade, o tempo, o outro tempo. Não o do relógio ou das distâncias encurtadas. Sim, o senhor de todos, o que esgota impassível. A entidade que mastigava o cenário, as pessoas, plantas e animais na cidade que ora dissolvia, transmutava, despia o novo como se fosse uma roupa tomada pelos tachis. As fachadas dos casarios ganhavam musgos e se enfeitavam de heras. Os jovens embranqueciam os cabelos, ampliavam as rugas, fragilizavam as mãos, desfaleciam em cadeiras de espaldar alto nas cozinhas e também nas camas das alcovas, sob os alpendres, nos fundos de quintais enquanto viam morrer o alecrim em velocidade recorde. O fenômeno atingia ainda os jardins, os bichos domésticos, as árvores da praça, os objetos caseiros, as máquinas industriais, os espaços públicos. Em horas, os imóveis recém erguidos estavam prestes a desabar e os veículos tirados da loja cobertos de uma camada fina e laranja de óxido. Não dava

tempo para compreender. Até as crianças pereciam antes da compreensão de tudo. O homem remava voltado para si, suas lidas diárias, seus pequenos problemas, suas vinganças pessoais, seus desejos por realizar e, obviamente, na obsessão vaidosa de chegar para provar a si que podia chegar. Nem se deu conta do porto estragado ao encostar a montaria. E assim que pisou no chão onde o mato amarelava, o primeiro fio de barba empalideceu. A cidade já era um farelo, borrada em velharias e gente inteira sumiu. O homem nem quis saber, nem notou a solidão ampliada pelos estragos do doido relógio invisível: adentrou no mercado sem se importar com o que sua memória nem via. Havia vencido sua batalha pessoal e era o que valia. Só se percebeu os efeitos ao sentir o próprio peso e as mãos enrugadas. Olhou, de longe, a montaria apodrecida e se esqueceu do porquê saiu de casa e depois do próprio nome. NOVEMBRO DE 2016

Anderson Araújo

é jornalista e escritor • REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 57


NOVOS CAMINHOS

Debate sobre hidrelétricas O setor elétrico brasileiro vem se expandindo e suas prioridades apontam para a Amazônia e seus rios. As de-

INOCÊNCIO GORAYEB é mestre e doutor em Entomologia, pós-doutor em sistemática zoológica e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi 58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

mandas de geração de energia são crescentes e o modelo para expansão tem foco na hidroeletricidade. O processo decisório vem atuando de forma fechada e autoritária, mas precisa ser democratizado. Essas são colocações introdutórias do livro recentemente publicado, muito importante para instruir a sociedade, qualificar o debate, aumentar a resistência dos povos atingidos, da defesa do meio ambiente, e da luta por direitos. O livro está disponível em: www.internationalrivers.ong/tapajos. Trata-se da obra: Alarcon, D. F.; Millican, B. & Torres, M. (Orgs.). 2016. ACEKADI: Hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na bacia do Tapajós. Brasília, DF; International Rivers Brazil; Santarém, PA: Programa de Antropologia e Arqueologia da UFOPA. 534p. A apresentação desse livro acrescenta que é hora de ampliar o debate público avaliando os elementos envolvidos, refletir sobre escolhas, sobre os meios e formas de participação democrática, fontes alternativas de geração, pesquisa, planejamento e promoção de maior eficiência e conservação de energia. O planejamento sobre expansão e geração hidrelétricas com deficiência democrática tem causado

NOVEMBRO DE 2016

conflitos socioambientais, perda de bio e sócio diversidade e prejuízos ao próprio setor, pois tem lidado com questões socioambientais vendo-as como entraves, ignorando-as e negando-as, perpetrando sistemáticas violações de direitos. A falta de diálogos e alinhamento entre os setores do governo tem como resultado a dissociação entre planejamento da expansão e o projeto constitucional socioambiental. As falhas no licenciamento ambiental e sistemática violação dos direitos humanos na instalação dos projetos deveriam levar ao aperfeiçoamento dos procedimentos e à garantia de direitos. Acekadi é um termo da língua Munduruku que significa “nosso rio” ou “rio do nosso lugar”. Refere-se ao Tapajós que se estende pelos estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas, conectando os biomas Amazônia e Cerrado. Nessa bacia, povos indígenas, ribeirinhos e camponeses vivem historicamente, mas hoje vêem-se diante de ameaças. Violações de direitos, impactos deletérios de uma enorme quantidade de projetos de exploração energética e outros cogitados para a bacia do Tapajós. O livro reúne artigos de pesquisadores do Brasil e do exterior, agentes do poder público, de ONGs e movimentos sociais. Contém 25 artigos além de prefácio, apresentação e resumo executivo.

“Acekadi é um termo da língua Munduruku que significa ‘nosso rio’ ou ‘rio do nosso lugar’. Refere-se ao Tapajós que se estende pelos estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas, conectando os biomas Amazônia e Cerrado”


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