Revista Amazônia Viva ed. 69 / maio de 2017

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

MAIO 2O17 | EDIÇÃO NO 69 ANO 6 | ISSN 2237-2962

VIDAS COMO AJUDAR A SALVAR

O banco de sangue da Fundação Hemopa vive uma crise no estoque. A meta de coleta diária é de 350 comparecimentos, mas este número não chega nem à metade. O hemocentro nunca precisou de tantos voluntários como agora.

ALIMENTAÇÃO

Pesquisadores estudam as propriedades alimentícias de plantas amazônicas

SUSTENTÁVEL

Estado incentiva prefeituras paraenses a produzirem com consciência ambiental

LITERATURA

O escritor Age de Carvalho fala de sua trajetória entre livros e poesias


Concerto de jovens talentos Meninos e meninas de Belém se apresentam em concerto, neste mês de maio, para mostrar o que estão aprendendo com o Vale Música. O programa, voltado para crianças de escolas públicas, promove a formação musical e contribui para a difusão da cultura, além de contribuir para a profissionalização de jovens.

27/05, sábado, às 09h.

Local: Art Doce Hall, Magalhães Barata, 1022 (ao lado do Hospital Ophir Loyola).

Concerto da Orquestra Jovem Vale Música

Entrada Franca

Aula Concerto do Vale Música

28/05, domingo, às 18h.


Patrocínio

Realização Foto Fernando Sette

EKO


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA MAIO 2017 / EDIÇÃO Nº 69 ANO 6 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA

A Fundação Hemopa depende de mais voluntários para manter o estoque de sangue ativo e salvar vidas

Dar sangue por uma boa causa

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

Os apelos constantes da Fundação Hemopa por meio das campanhas que convocam voluntários para doarem sangue refletem a precária realidade do estoque do hemocentro. Mas a crise no banco de sangue no Pará não se dá somente pela falta da disposição de doadores. Uma série de fatores contribui para que o centro de captação no Estado opere quase sempre em baixa. O déficit, no entanto, é global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), menos da metade dos 193 países do planeta, seguindo a contagem oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), tem um suprimento seguro de sangue para os seus pacientes. De acordo com a entidade, são colhidas anualmente 108 milhões de doações, metade em países de alta renda, onde estão menos de 20% da população mundial. No Brasil, conforme o Ministério da Saúde, apenas 1,8% da população doa sangue com

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TARSO SARRAF

PRECISA-SE DE DOADORES

regularidade, percentual que fica abaixo dos 2% considerados ideais pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Já no Pará, a crise no banco de sangue do Estado se agrava ainda mais, sendo que o Hemopa enfrenta, somente em Belém, uma redução de 60% em seus comparecimentos diários. Sendo a meta por dia de 350 doações, este número fica em torno de 140 comparecimentos no hemocentro, em função dos períodos chuvosos e de outras campanhas, como as de vacinação regular. O fato é que se faz necessário uma tomada de consciência da sociedade em geral para ajudar a abastecer o estoque do Hemopa. O material coletado ajuda a salvar vidas de vítimas de acidentes, de quem precisa se submeter a cirurgias das mais diversas complexidades e mesmo quem sofre de doenças, como anemia. O apelo do hemocentro é real e urgente. E os pacientes estão esperando.

Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará Oficinas do Curro Velho, Embrapa (acervo); Alinne Morais, Ana Paula Mesquita, Carlos Henrique Gondim, Natália Mello Victor Furtado (reportagem); Fabrício Queiroz (produção); Everaldo Nascimento, Fernando Sette, Tarso Sarraf (fotos); Anderson Araújo e Inocêncio Gorayeb (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar e Leonardo Nunes (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Coleta de sangue no Hemopa, por Tarso Sarraf AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br

PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 69 / ANO 6

TARSO SARRAF

MAIO2017

32 Vamos ao Hemopa Hemocentro convoca novos voluntários para doar sangue e abastecer o estoque, que opera com menos de 50% da meta ideal CAPA

O pesquisador da

ANGELIKA KROPEJ

ALIMENTAÇÃO

RONALDO ROSA/ EMBRAPA

EVERALDO NASCIMENTO

FERNANDO SETTE

20

28

E MAIS

48 44 LITERATURA

O escritor Age de Carva-

IMAGENS

Embrapa Amazônia

CAMPO

lho apresenta em uma

Fotos enviadas pelos

Oriental Sebastião Ribeiro

O cultivo de bacuri ganha

entrevista especial

leitores e profissionais co-

Xavier Júnior estuda as

novas pesquisas na área

suas primeiras experi-

laboradores da Amazônia

propriedades de grupos

da sustentabilidade, am-

ências com a poesia, sua

Viva mostram a beleza

de plantas não conven-

pliando as possibilidades

trajetória literária e como

amazônica na relação

cionais que podem ser

de produção e ajudando a

as influências de Max

entre o ser humano e a

incluídos na dieta humana

gerar renda para as famí-

Martins se consolidaram

natureza.

com sucesso.

lias de agricultores.

na sua obra.

OLHARES NATIVOS

ENTREVISTA

PESQUISA

PAPO DE ARTISTA

4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 40 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS SUSTENTABILIDADE AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

RIO AMAZONAS

GREENPEACE / DIVULGAÇÃO

Li na edição da Amazônia Viva uma notícia sobre a idade do Rio Amazonas publicada no periódico Global and Planetary Change (Primeiro Foco, nº 68, abril de 2017). Informo que eu e o professor paraense Emilio Alberto Amaral Soares, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), escrevemos um artigo técnico mais aprofundado e detalhado sobre o assunto em junho do ano passado, chegando a conclusões semelhantes com metodologia diferente. Foi analisada geologicamente a distribuição das águas na região, desde antes da quebra do Continente Gondwana, no Cretáceo, entre África e América do Sul até o presente. Mario Vicente Caputo MERGULHO EM BUSCA DE CORAIS AMAZÔNICOS

A reportagem sobre a descoberta de corais na foz do rio Amazonas foi a mais curtida e compartilhada na edição passada em nosso Facebook.

Aposentado da Petrobras e da Faculdade de Geologia da Universidade Federal do Pará

THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ

INDÍGENAS A reportagem com o advogado indígena Alan Tembé na edição passada (“Sabemos do que os povos indígenas são capazes”, Entrevista, nº 68, abril de 2017) mostrou a força de um povo marginalizado e os caminhos que a Educação pode abrir na vida de um ser humano. Janaína Marcel Braga Belém-Pará

CRIANÇAS Fantástica, comovente e inspiradora foi a reportagem com os pequenos pacientes da Santa Casa que sofrem de insuficiência renal UMA BELA PAISAGEM DO RIO AMAZONAS

A foto de Thiago Gomes, da Agência Pará, que mostra um pôr do sol encantador foi a mais curtida em nosso Instagram na edição de abril

crônica (“Brincadeira de criança, Pesquisa, nº 68, abril de 2017). É diante de histórias como essas que nos fazem pensar o quanto devemos valorizar nossas vidas e fazer muito mais pelo próximo.

GREENPEACE

Elinara Borges Ananindeua-Pará

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Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


TEXTOS VICTOR FURTADO E ALINNE MORAIS FERNANDO SETTE

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

Entre verdades e mentiras

ENTRAMOS NA BRINCADEIRA QUE AGITOU AS REDES SOCIAIS E LISTAMOS NOVE VERDADES E UMA MENTIRA SOBRE A REGIÃO AMAZÔNICA. TENTE DESCOBRIR QUAIS SÃO. PÁGINA 8 E 9

DESCOBERTA

FILOSOFIA

Pesquisadores vinculados ao Museu Paraense Emílio Goeldi descreveram uma nova espécie de peixe-elétrico da ordem do poraquê amazônico. PÁG.10

A UFPA lança o livro “Heidegger”, obra póstuma do filósofo Benedito Nunes, estudioso da obra do pensador alemão. PÁG.15

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PRIMEIRO FOCO

NOVE PAPOS DE ROCHA E UMA POTOCA

A brincadeira tomou conta do Facebook. Nove verdades e uma mentira. Cabe a quem ler descobrir. E uma região cheia de mitos, como a Amazônia - principalmente do que falam sobre ela - não poderia ficar de fora da corrente. Será que os leitores conseguem identificar qual é a mentira? Vamos dar a resposta na próxima edição, mas até lá vocês estão desafiados a identificar o que é certo e errado sobre a nossa região E fiquem à vontade para nos escrever dizendo o que acreditam ser verdade e mentira sobre a Amazônia :)

1.

EXISTEM VÁRIAS AMAZÔNIAS

Existem ao todo nove Amazônias. Cada uma com legislações próprias e identidades específicas. Há “Amazônias” no Brasil, no Peru, na Colômbia, na Bolívia, na Guiana, na Venezuela, no Suriname, no Equador e na Guiana Francesa. Todas compõem, juntas, a conhecida como “Pan-Amazônia” ou “Amazônia Maior”. Juntas, somam 8.187.964 km2 de área e cerca de 40 milhões de habitantes. Contudo, a maior delas é a Amazônia Brasileira, que representa 67% da população e 57% do território totais.

TEXTO: VICTOR FURTADO FOTOS FERNANDO SETTE

7. COMPROMISSOS ANTES E DEPOIS DA CHUVA DA TARDE

6. MODA

INCOMPATÍVEL COM O CLIMA

Grandes lojas costumam estabelecer a coleção da estação. E quase sempre o que não combina são as peças com o clima. Coleções de inverno chegam quando está fazendo bastante calor. As coleções de verão aparecem nos períodos de mais chuva - não que não faça calor em períodos chuvosos. Contudo, o clima na região é diferente mesmo e tem peculiaridades que confundem os próprios habitantes. 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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SIDNEY OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

De fato a chuva da tarde é uma tradição, principalmente em Belém. Mas devido a mudanças climáticas, essa chuva da tarde mudou (veja mais na última edição da revista Amazônia Viva). Isso se deve a um fenômeno chamado Oscilação Decadal do Pacífico. A cada ciclo de 20 a 40 anos, ocorre uma mudança de fases, que faz chover mais ou menos durante da tarde, com maior ou menor frequência. Atualmente é uma fase fria, com mais chuvas e mais frequentes. Já está se marcando compromissos para antes ou depois da chuva de novo.

FONTES: UFPA, IBGE, 2º DISME E REPORTAGEM

2. INDÍGENAS

ANDAM NA RUA

O conceito é amplamente difundido, de forma pejorativa, para indicar a falta de desenvolvimento ou atraso na região. De fato, vários indígenas andam pelas ruas de várias regiões amazônicas, mas não pelados e sempre com pinturas tribais. Muitos estão trabalhando ou estudando em algum lugar. Usam roupas comuns. Os mais conscientes e apegados às raízes e à identidade usam algum adereço típico ou pintura. E isso não é sinal de atraso. É sinal de valorização da identidade étnica e cultural. Dos quase 40 milhões de habitantes da Pan-Amazônia, apenas 1 milhão é indígena e a maioria não vive em tribos.


4. A AMAZÔNIA É O PULMÃO DO MUNDO

3. MORADIAS

NO MEIO DO MATO E ANIMAIS SILVESTRES NAS ZONAS URBANAS

Ainda sobre uma visão pejorativa e preconceituosa, diz-se que no lugar de casas e prédios há ocas. Pelas ruas, as pessoas convivem com jacarés, cobras e outros animais silvestres. Cabe destacar que 60% da população pan-amazônica mora em centro urbanos bem desenvolvidos. Entretanto, todas as Amazônias foram urbanizadas com avanços sobre áreas silvestres e também territórios indígenas. Há unidades de conservação para proteger o que sobrou. Logo, não é impossível alguém realmente encontrar cobras, jacarés e macacos se misturando com o cenário. É raro, mas acontece. Os animais são resgatados e levados a locais adequados. Mas há quem crie em casa um papagaio ou macaquinho. Gatos e cachorros também são normais.

8. A MAIOR FESTA RELIGIOSA E A MAIOR FEIRA

Há quem conteste, mas são muitas as fontes que confirmam que o Círio de Nossa Senhora de Nazaré é a maior festa religiosa do mundo pelo número de procissões e pessoas envolvidas em todos os eventos. E o Ver-o-Peso, quase tão antigo quanto a cidade de Belém, é a maior feira livre a céu aberto da América Latina. No caso do mercado, há outras feiras bem maiores em outros lugares do planeta. Ambas estão em Belém, conhecida como “Metrópole da Amazônia”. Esse sim é um conceito questionável.

A Amazônia é o pulmão do mundo. Não são as algas que fornecem quase 55% do oxigênio do planeta e a Amazônia não consome a maior parte desse oxigênio produzido. Por sinal, o que a própria região produz em oxigênio não é consumido nem mesmo pelo próprio ecossistema.

5. O “CUSTO-

AMAZÔNIA”

As coisas na região amazônica do Brasil costumam ser mais caras. Isso porque a logística costuma ser baseada principalmente em estradas e hidrovias. Essas estradas não estão em boas condições e o transporte hidroviário ainda é pouco desenvolvido em todo o país. E ainda: as dimensões da região são continentais. Isso vale tanto para mercadorias e matérias-primas que importadas ou exportadas.

9. MAIOR

BIODIVERSIDADE DO PLANETA O livro “Wilderness: Earth’s Last Wild Places”, da Conservation International e da Agrupación Sierra Madre, garante que isso é verdade. São mais de 40 mil espécies de plantas, quase 1.294 espécies de aves, 427 espécies de mamíferos, 427 anfíbios, 378 répteis e muitos insetos e peixes. Nada no planeta se aproxima de tamanha diversidade. E ainda há várias espécies não descobertas. Por isso a preservação de todos os biomas de todas as Amazônias é tão importante. Em 2005, em dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente, havia mais de 4,2 mil espécies de animais. E ainda soma-se a isso 200 povos tradicionais de várias etnias.

10. AÇAÍ É

TRADIÇÃO AMAZÔNICA

Não há uma precisão histórica de quando o açaí começou a ser consumido por indígenas para então entrar no cardápio de povos amazônicos e então ganhar o país. Por isso é explicado em lendas. Mas é fato que a tradição é da Amazônia Brasileira e o Pará é o Estado mais representativo na produção e consumo. Por conta dessa tradição é que paraenses são os que mais criticam as formas de consumir o fruto no eixo centro-sul do Brasil. Por aqui, é com farinha d’água, tapioca e talvez açúcar. Ou nada disso. A granola, a aveia e o leite condensado são considerados heresias em relação à tradição.

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GUILHERME DUTRA/ DIVULGAÇÃO

PRIMEIRO FOCO

FIQUE LIGADO

Pesquisadores descrevem nova espécie de peixe-elétrico

FAUNA AQUÁTICA

O peixe-elétrico descoberto pertence ao gênero Eigenmannia e faz parte da mesma ordem do poraquê amazônico, Gymnotiformes

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Os pesquisadores Guilherme Moreira Dutra, Carlos David de Santana e Wolmar Benjamin Wosiacki, vinculados ao Museu Paraense Emílio Goeldi, descreveram uma nova espécie de peixe-elétrico. O animal pertence ao gênero Eigenmannia e faz parte da mesma ordem do poraquê amazônico, Gymnotiformes. A nova espécie descrita foi encontrada pelos pesquisadores no Panamá. Ela é o primeiro peixe-elétrico visto nas bacias da América Central, uma vez que os peixes da ordem Gymnotiformes comumente são encontrados em águas sul-americanas. Antes da descoberta, apenas 19 espécies desse gênero eram conhecidas. O peixe foi batizado de Eingenmannia meeki, em homenagem ao cientista norte-americano Seth Eugene Meek, autor do primeiro livro sobre peixes de

água doce do Panamá. De acordo com os estudiosos locais, nove características diferenciam a nova espécie descrita das já conhecidas. Entre elas eles destacam padrão de coloração, número de escamas e disposição dos dentes. Além de ampliar o conhecimento da diversidade da espécie, a pesquisa identificou ainda potenciais áreas de ocorrência deste animal. Isso, segundo os pesquisadores, vai facilitar investigações futuras sobre impactos ambientais e possíveis ameaças à espécie. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica “Copeia”, periódico oficial da Sociedade Americana de Ictiologia e Herpetologia, dedicada ao estudo de peixes e répteis. De acordo com os estudiosos, agora, o próximo passo é investigar o relacionamento entre as espécies do gênero Eigenmannia .


TRÊSQUESTÕES RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Na passarela: a moda da Amazônia A valorização da moda amazônica tem sido o foco de muitos cursos de Moda de universidades da região. A marca, a identidade e os materiais comumente usados aqui influenciam a moda no mundo todo. Fernando

(Unama), fala sobre os desafios do setor em busca de reconhecimento e espaço. Como a moda amazônica influencia a moda internacional?

Mudanças na natureza comprometem modo de vida de povos indígenas Para os indígenas, cada uma das mudanças que ocorrem na natureza são extremamente simbólicas. De acordo com Paulo Junqueira, especialista do Instituto Socioambiental (ISA) e coordenador adjunto do Programa Xingu, o tempo, os rituais, a cultura material e a base alimentar dessa população são elementos que estão sendo alterados pela mudança climática e pelo desmatamento. Segundo o coordenador, além de depender diretamente de um funcionamento equilibrado do meio ambiente, os indígenas têm nos sinais da natureza indicadores para diversos acontecimentos. “Uma determinada formação de nuvens com trovoadas é sinal de chuva, e um deles me relatou que hoje tem a trovoada, tem a nuvem, mas não chove, ou o contrário, a chuva vem antes dos indicadores que eles conheciam”, explica Junqueira. No Xingu, o pesquisador explica

Moda da Universidade da Amazônia

ARQUIVO PESSOAL

THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ

SÉCULO XXI

Hage, coordenador do curso de

ainda que o principal problema para os indígenas da região é o fogo. Junqueira conta que por causa do desmatamento no entorno e das mudanças do clima, a floresta está mais seca, eles têm menos espaço para mobilidade e o fogo está avançando cada vez mais. Além do fogo, a população indígena do local sofre ainda com prejuízos na alimentação. O especialista conta que os indígenas da região tiveram várias perdas de plantações por falta de chuvas, além disso, os peixes, que são fontes principais da alimentação desse povo, estão deixando de subir o rio por causa da seca. Todos esses dados foram coletados pelo coordenador e por demais participantes do ISA durante a produção do curta-metragem “Para Onde Foram as Andorinhas”. A obra conta como os povos do Xingu estão percebendo e sentindo em seu dia a dia os impactos das mudanças ambientais.

A Amazônia é muito rica em termos culturais e na diversidade de matérias-primas. É crescente o número de designers que buscam inspiração na região, assim como procuram inovar em seus produtos usando materiais regionais, como escamas de peixe, látex e juta. Hoje temos, através da joalheria local, o uso de materiais alternativos como madeira, ossos, chifres e pigmentos, que se tornaram referência mundial. A população brasileira tem aceitado bem nossa moda regional? A região amazônica e sua cultura vêm ganhando cada vez mais destaque na mídia nacional e internacional, principalmente através da música e da culinária. Então é cada vez maior o interesse e aceitação de elementos característicos de um estilo mais local na moda nacional. Quais os desafios da moda amazônica no país e no mundo? Nosso maior desafio é fazer com que designers locais busquem gerar cada vez mais novas formas e tecnologias para o uso das matérias-primas da região. É preciso um investimento maior em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para que toda a riqueza da Amazônia possa se transformar em produtos de valor agregado, que desenvolvem a economia local e geram interesse global, desmitificando a região como local apenas do extrativismo.

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M

R

U o N o R


PRIMEIRO FOCO

CHRIS MUENZER / WIKIMEDIA

ÁRVORES

DIVERSIDADE De acordo com um levantamento inédito feito pela instituição inglesa Botanical Gardens Conservation International (BGCI), o Brasil é o país com a maior diversidade de árvores do mundo. O estudo apontou que há 8.715 espécies de árvores no território brasileiro. O número corresponde a 14% das 60.065 existentes no planeta. Ainda de acordo com a pesquisa, em segundo na lista vem a Colômbia, com 5.776 espécies, e logo em seguida a Indonésia, com 5.142.

CARBONO

AMAZÔNIA Recentemente, pesquisadores da rede Pan-Tropical do Observatório de Florestas Tropicais Manejadas publicaram o primeiro mapeamento de recuperação de carbono nas florestas amazônicas. O estudo concluiu que a colheita de madeira por meio de manejo florestal fez com que as árvores da floresta ao norte da Amazônia recuperassem sua capacidade de absorver CO2 da atmosfera mais rapidamente que as as florestas do sul.

PACU

DESCOBERTA Uma nova espécie de peixe pacu foi descrito, depois de 30 anos, pelo pesquisador doutor Marcelo Andrade, do Grupo de Ecologia Aquática (GEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). O animal passou a ser cientificamente reconhecido como Tometes

siderocarajensis.

ESPÉCIES

MONITORAMENTO Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram colares GPS para monitorar espécies selvagens em diferentes biomas brasileiros. A tecnologia vai ajudar os estudiosos a acompanharem os caminhos percorridos pelos animais e assim poder compreender melhor o modo de vida dessas espécies. 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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VIDA ANIMAL

Fora de perigo de extinção, peixe-boi ainda está ameaçado Os peixes-boi não são mais uma espécie em perigo de extinção. A notícia foi confirmada por especialistas norte-americanos após décadas de esforços para recuperar a população desses animais em diferentes locais do mundo. Ainda segundo eles, os animais agora são considerados “ameaçados”, o que significa que eles estão protegidos pela Lei de Espécies Ameaçadas de Extinção, e não estão em perigo iminente de desaparecer. De acordo com os especialistas, a população de peixes-boi em locais como as Índias Ocidentais, na Flórida, abriga hoje cerca de 6.620 exemplares. Para eles, esse índice é considerado uma grande “reviravolta” se comparado a década de 1970, quando restavam apenas algumas centenas de animais dessa espécie.

A decisão de retirar o animal da lista de ameaçados de extinção foi positiva para os estudiosos. Eles explicam que inicialmente a medida se aplica ao peixe-boi das Índias Ocidentais, que inclui a subespécie do peixe-boi da Flórida, encontrada no sudeste dos Estados Unidos, e ao peixe-boi antilhano. Este último é encontrado em locais como Porto Rico, México, América Central, norte da América do Sul e Grandes e Pequenas Antilhas. Em nota oficial, Jim Kurth, diretor do Serviço para Peixes e Vida Selvagem, disse que mesmo com os resultados positivos ainda há muito trabalho a ser feito para recuperar totalmente as populações de peixes-boi. Segundo ele, o próximo passo é conseguir mais parcerias para ajudar ainda mais na preservação dessa espécie.


INSTITUTO MAMIRAUÁ

ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL INOCÊNCIO GORAYEB

GALEGO NA ÁREA

Pesquisadores registram a maior onça-pintada na várzea amazônica Pesquisadores registraram recentemente a maior onça-pintada já encontrada em toda a várzea amazônica. Galego, como foi batizado, é um macho de aproximadamente seis anos de idade e pesa 72 kg. Ele foi encontrado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, e surpreendeu os especialistas. De acordo com as avaliações iniciais, o animal está em excelentes condições físicas. O pesquisador Emiliano Esterci Ramalho, que atua no Instituto Mamirauá, conta que o felino é o maior registrado em quase dez anos na reserva. Ainda de acordo com ele, Galego pesa em torno de onze quilos a mais que o macho que era considerado o mais pesado até então. O animal estava preso em uma das armadilhas de laço instaladas em trilhas da floresta. Com 17 kg acima da média dos outros sete machos de onça-pintada que atual-

mente são monitorados pelo Grupo de Pesquisa de Felinos do Instituto Mamirauá, Galego também se diferencia em outro aspecto: em seu corpo foram identificadas cinco larvas de um tipo de mosca raramente visto na várzea. Agora, o animal será monitorado e cuidado pelos estudiosos do Instituto e vai ajudar nos estudos sobre onças-pintadas. “O acompanhamento do Galego será muito interessante para sabermos qual é o limite de tamanho de uma onça-pintada que é energeticamente viável para a várzea”, afirma Emiliano. As pesquisas com onças-pintadas desenvolvidas pelo Instituto Mamirauá têm por objetivo entender a ecologia dessas espécies nas Florestas de Várzea da Amazônia. Em quase uma década de atuação, os estudos já descobriram que essas florestas abrigam cerca 10 onças a cada 100 Km².

Mangue vermelho

Em 1998, uma equipe do Museu Paraense Emílio Goeldi esteve na costa do município de Viseu, nordeste do Pará, estudando a biodiversidade para basear a proposta de criação da APA Jabotitiua-Jatium. Naquela ocasião, tivemos a oportunidade de registrar o fenômeno conhecido como “Mangue Vermelho”, que ocorre quando bancos de árvores de siriúba (Avicenia germinans) se apresentam com as folhas avermelhadas. Esta cena parece com a caducifólia, comportamento de árvores de caducar suas folhas, que ficam marrons avermelhadas, comum no outono das zonas temperadas. Entretanto, confirmamos que na zona costeira amazônica o fenômeno se trata do intenso ataque de lagartas que devoram as folhas das siriubeiras, que secam e debilitam as árvores. As lagartas são da espécie de mariposa Hyblaea puera, defoliadora de árvores de teka, nativa do sudeste da Ásia, e que também está presenta na África e América Central. Na zona costeira amazônica devem ter sido introduzidas por meio de pupas que vinham no fundo de embarcações para fazer lastro e aqui eram eliminadas. Esta superpopulação de Hyblaea puera e o grande ataque as siriúbas ocorre em intervalos de 3 a 5 anos, sem regularidade. Os pescadores dizem que quando o mangue fica com a cor vermelha vai ter muito camarão. Isso ocorre porque a grande quantidade de matéria orgânica depositada na lama dos mangues pelas folhas trituradas e mortas, além das fezes das larvas e as próprias larvas e pupas que caem, é farto recurso para o crescimento da população de camarões. Por INOCÊNCIO GORAYEB

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FATO REGISTRADO

INOCÊNCIO GORAYEB

O trem da Jari TEXTO INOCÊNCIO GORAYEB

Na década de 70, a Empresa Jari Florestal e Agropecuária Ltda. (Jari Celulose S.A.) se instalou no norte do Pará, bem próximo da divisa com o Estado do Amapá. Uma estrada de ferro foi construída para transportar madeira para a fábrica de celulose do Projeto Jari e entrou em operação em 1979. Ela tem uma extensão de 68 km e liga o povoado de Monte Dourado ao porto de Mungubá. Naquele ano, ela transportou 1,1 milhão de tonelada de mercadorias como bauxita, madeira cultivada e brita. O projeto foi baseado em extensas áreas de monocultura de Gmelina arborea e Pinus caribea para produção de celulose. Aproximadamente 100.000 hectares foram desmatados de 1969 a 1979. Sessenta mil estavam plantados com G. arborea. 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Houve uma ampla discussão sobre o projeto, porque ele foi sugerido e se apresentava, entre muitos planejadores, como modelo adequado para ser copiado em grande escala em outras partes da Amazônia. Muitas críticas também foram feitas quanto a viabilidade e sustentabilidade econômica e ecológica do desenvolvimento da Jari. Os plantios de G. arborea não estavam sendo satisfatórios, com problemas de solos e pragas. Os de P. caribea também e dependiam de altos investimentos em adubação e inseticidas aplicados por aviões. O projeto tinha forte dependência da necessidade de continuar abandonando áreas plantadas e desmatando florestas virgens para ampliação dos plantios. A completa dependência de

energia da queima de floresta derrubada e de óleo diesel também apontava para uma dificuldade econômica e ambiental. Muitas críticas foram feitas porque muitos consideravam o projeto como um experimento gigantesco e porque ele não foi baseado em resultados científicos prévios, sendo uma aventura econômica que deixaria o fracasso para os brasileiros. Felizmente o projeto não foi replicado ou copiado em outras áreas da Amazônia, mas muitas outras partes do Amapá foram desmatadas para plantios de espécies que venderiam madeira para o Jari. Portanto, o projeto estava longe de ser considerado um modelo para o desenvolvimento da Amazônia e isso foi comprovado nas décadas seguintes.


PERGUNTA-SE É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES

FILOSOFIA NA AMAZÔNIA

Benedito Nunes ganha livro sobre Heidegger A Universidade Federal do Pará (UFPA) lançou recentemente o livro “Heidegger”, obra póstuma do filósofo Benedito Nunes (foto abaixo). O trabalho traz escritos inéditos do paraense sobre o pensamento de Martin Heidegger, estudioso alemão que havia sido analisado pelo filósofo paraense. A obra foi organizada pelo professor Victor Sales Pinheiro, do Instituto de Ciências Jurídicas, que também assina a apresentação do livro. Considerado o maior filósofo do Pará, Benedito Nunes nasceu em Belém, em 1929, e foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, que posteriormente foi incorporada à UFPA. Seus artigos e ensaios foram publicados internacionalmente e,

Tomar banho aumenta a febre?

Quando alguém tem febre, essa é uma das máximas da cultura popular: nem pensar em banho. Mas aí vêm seriados e filmes médicos que quebravam esse conceito. A resposta é não. Banhos não pioram as febres. Na verdade, ajudam a equilibrar e estabilizar a temperatura. É o que afirma o enfermeiro Francisco Jadson Bandeira, especialista em Urgência e Emergência e professor do Centro Universitário do Pará (Cesupa). “O banho diminui a febre sim. Não precisa necessariamente ser frio, devido a possíveis desconfortos. A água apresenta propriedades condutoras, que promovem a troca de calor entre os meios interno e externo do corpo humano. Proporcionam, assim, a redução da temperatura corporal no caso de uma febre”, explica Francisco Jadson. O banho é uma opção para espertar o paciente e reduzir a temperatura, mas o indicado é repouso e alimentação. Consultar um médico é importante para detectar a causa da febre. O tratamento prescrito deve ser seguido corretamente. Então não há por que ter medo se houver vontade de se limpar um pouco após tanto tempo deitado.

após sua aposentadoria, Nunes recebeu o título de professor emérito da instituição, em 1998. Filósofo e crítico literário, Benedito Nunes teve seu trabalho reconhecido pela Academia Brasileira de Letras, que lhe concedeu o prêmio Machado de Assis em 2010. O filósofo paraense morreu em fevereiro de 2011, na capital, e deixou um imenso legado para a filosofia da local. Segundo Victor Sales Pinheiro, organizador do livro, a publicação é uma forma de manter viva a memória e de Benedito Nunes. Ele também destaca que assim é possível permitir que a comunidade acadêmica conheça mais sobre o trabalho do paraense.

PASCAL MONTSMA / FREEIMAGES

ELZA LIMA / SECULT

MÓVEIS

SUSTENTÁVEIS Instalada no final de março na Região Metropolitana de Santarém, no Pará, a Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona) reaproveita madeira e galhos da Floresta Nacional de Tapajós para a fabricação de móveis. Toda matéria-prima utilizada no empreendimento é extraída via manejo florestal comunitário, com a avaliação do Instituto Chico Mendes de

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

Conservação e Biodiversidade (ICMBio). MAIO DE 2017

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EU DISSE

“Eu aceito o meu corpo do jeito que ele é e levo a minha música do Pará, que é diferente, para todo o Brasil. Eu não cedo pela pressão do mercado ou das pessoas.” Gaby Amarantos em entrevista à colunista Heloisa Tolipan, sobre seu posicionamento na sociedade e no meio artístico.

“A cada dia só piora, só piora... O Brasil não merece isso. Somos ricos, poetas, capazes.” Maria Bethânia, cantora em entrevista ao Jornal do Commercio, sobre o atual cenário político-econômico brasileiro.

“Não é verdade que ainda não temos a cura para o câncer.” Paulo Hoff, diretor geral do Hospital Sírio-Libanês, oncologista e membro da Academia Nacional de Medicina. Ele explica que muitos casos de câncer já foram curados com tratamentos adequados, o que contraria a expressão popular que câncer não tem cura.

“Eles querem produzir, eles querem ter vida própria. O índio quer universidade, quer ser médico, engenheiro, dentista, enfermeiro, advogado, e temos de dar condições a eles de avançar nesse mercado.” Antônio Costa, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), em entrevista a BBC Brasil.

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APPLICATIVOS BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

“Quando os poderosos usam sua posição para intimidar os outros, todos nós perdemos.”

Nheengaré App educativo para aprender mais sobre línguas indígenas do Brasil. O nheengatu é uma língua artificial derivada do tronco tupi. Até o século XIX, foi veículo da catequese e da ação social e política luso-brasileira na Amazônia.

Meryl Streep, atriz norte-americana sobre o posicionamento do presidente dos EUA, Donald Trump.

Atualmente é falado por cerca de 8 mil pessoas na região do vale do Rio Negro. Gratuito para Android.

“Só tem exploração ilegal porque as pessoas compram sem questionar. ”

Aikuma2 Um aplicativo de voz, voltado à preser-

Maria Fernanda Ribeiro, colunista do Estadão, após passar 12 dias com os índios

vação de linguagem e histórias de povos

Paiter Suruí, de Rondônia, que lutam contra a exploração.

tradicionais do mundo todo. As histórias contadas de geração em geração, muitas vezes se perdem ou se transformam via DIVULGAÇÃO / ONU

oral. Neste app gratuito para Android e iOS, as histórias gravadas viram documentos disponíveis para todo o mundo. Leve e fácil de usar. Possível usar em oito idiomas, incluindo português.

Índio Pataxó Considerado o primeiro aplicativo voltado ao apoio cultural da comunidade indígena brasileira. Possui imagens da primeira tribo encontrada pelos invasores portugueses, entre Cabrália e Porto Seguro, na Bahia, o

“O mundo precisa parar de tratar os oceanos como uma ‘piscina de lixos’ da poluição” José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), durante o lançamento de um navio de pesquisa em Oslo, Noruega.

marco zero da exploração. O aplicativo pode ser útil na educação, facilitando o ensino de linguagens tradicionais aos alunos de forma mais prática e divertida, além de abranger o estudo sobre a história e a geografia das terras tupiniquins. É gratuito para Android. FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Escamas do pirarucu, um poderoso escudo TEXTO E FOTO INOCÊNCIO GORAYEB

O pirarucu (Arapaima gigas) é um dos maiores peixes de água doce e chega até a quatro metros de comprimento e mais de 200 quilos. O nome é indígena “pira” (peixe) e “urucum” (vermelho). As escamas protegem o animal do ataque de piranhas, pois são duras no exterior e flexíveis no interior. Isso foi revelado em exames de raios feito por pesquisadores norte-americanos. O estudo foi publicado em 2012, na revista britânica “Advanced Biomaterials”. Ainda segundo a pesquisa, as escamas atuam como uma armadura natural com vários níveis de defesa e não perdem em nada para os coletes à prova de balas usados por militares e policiais. Essas estruturas são sofisticadas e de elementos biológicos simples. O segredo 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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da blindagem tão eficaz está na superfície com apenas meio milímetro de espessura, mas rica em minerais e muito dura, capaz de impedir a penetração dos dentes dos predadores aquáticos. Logo abaixo há uma segunda camada mais flexível, duas vezes mais grossa, composta de lâminas de colágeno, orientadas em diferentes direções e capazes de se alinhar em função da pressão a qual são submetidas. É uma versão natural, porém mais aperfeiçoada do acolchoado que os cavaleiros medievais usavam por baixo da malha das armaduras. Os cientistas informaram que o estudo serve como ponto de partida para criação de escudos protetores hiper-resistentes. Esses novos materiais são tão fortes que poderão ser utilizados não apenas para proteção pessoal e veicular,

mas até para blindar espaçonaves contra choque de micrometeoritos e lixos espaciais. Como o material é basicamente uma cerâmica flexível, ele poderá encontrar outras aplicações. Os pesquisadores disseram ainda que os materiais que a natureza tem não são muito fortes, mas ela os combina de formas engenhosas para produzir componentes e estruturas resistentes. Quando você empilha as fibras, da forma que estão sobrepostas no pirarucu, elas assumem diferentes orientações, o que lhe dá uma resistência homogênea em todas as direções. As fibras mais moles dão ao revestimento cerâmico duro, acima delas, uma espécie de flexibilidade, podendo acomodar a uma tentação de perfuração, sem simplesmente trincar e quebrar.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Arengar O termo é utilizado para se referir aqueles que tentam convencer ou animar os ouvintes para que realizem algo, ou para levá-los à exaltação religiosa, política, militar e desportiva. A palavra significa discursar, falar, dizer de forma aborrecida, discorrer, discutir, disputar, intrigar, fuxicar, mexericar e muito mais. Pode ser vista em exemplos como os jogadores escutam o discurso do técnico ou do capitão do time, que estão “arengando” para eles. Ou, os militares que “arengam” para preparar a tropa para a conduta militar. Entretanto, o termo é também utilizado em outras conotações, como simular que trabalha mas não faz quase nada, ou no ato de implicar, criar confusão com outra pessoa. Algumas situações em que o termo é aplicado: Eu gosto de “arengar” com este menino e ele adora este “arenga-arenga”.

ACERVO MUSEU GOELDI

As genitálias dos insetos

Pesquisadores entomologistas estudam os insetos. Dentre eles, existem aqueles que se dedicam à classificação e à identificação de grupos desses aniamais. Esses são estudiosos são chamados de taxonomistas e sistematas. A classificação dos insetos é baseada nos caracteres morfológicos externos e em muitos casos, para diferenciar as espécies, é necessário estudar os caracteres das genitálias. Para isso, os pesquisadores precisam observar os insetos em grande aumento, em microscópio estereoscópico ou microscópio de transparência. Os especialistas preparam os insetos em uma sequência de substâncias, cortam os três últimos segmentos abdominais e dissecam com estiletes separando as peças da genitália. Depois, preparam as peças entre lâmina e lamínula para serem

observadas no microscópio. A fotografia é muito utilizada para ilustrar as peças genitais e as diferenças entre as espécie. No entanto, o desenho científico ainda é muito útil e em certas situações, indispensável. A figura apresentada acima é um desenho da genitália da fêmea de mosca da família Asilidas, da espécie Aphestia annulipes. Foi apresentada no estudo de revisão das espécies de Asilidae, de artigos de Papavero e Serra, em 1991. Observam-se na figura 23 os três últimos segmentos abdominais em vista ventral e a genitália representada no interior do abdômen; existe ainda uma linha horizontal com uma escala para se ter uma ideia do tamanho. Na figura 24 está destacada e ampliada a genitália com a furca e os dutos genitais.

Esse cara é “arengueiro” e acaba arranjando briga. O pastor tanto “arengou” que ninguém estava escutando o que ele dizia. Na Amazônia, o termo ainda é muito utilizado, e com mais frequência, como “arengueiro”, sendo sinônimo de briguento, implicante, fuxiqueiro, intrigueiro. Na botânica, o termo Arenga é um gênero de plantas. Por INOCÊNCIO GORAYEB

Por INOCÊNCIO GORAYEB

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OLHARES NATIVOS

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Proteção

O povo de Belém diz que aqui temos dois períodos anuais, um que chove todo dia e outro que chove o dia todo. Os carapanãs aproveitam os meses mais chuvosos quando estão em altas populações e causam grandes incômodos nos horários noturnos. O mosquiteiro é o método mais apropriado para se defender destas pragas urbanas e rurais. FOTO: NAILANA THIELY

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OLHARES NATIVOS

Olhar para o futuro

O amazônida enxerga dias melhores, apesar das dificuldades do presente. Sendo gente do bem, busca cultivar uma cultura de paz, mesmo em tempos de adversidades FOTO: FERNANDO SETTE

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Ver e provar

Os indígenas, no passado, viviam no litoral, mas muitos grupos migraram para o interior e outros sempre viveram nas matas interiores. Os jogos indígenas na praia de Marudá, Pará, lhes proporcionaram ver e provar o mar salgado mais uma vez. FOTO: FERNANDO SETTE

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OLHARES NATIVOS

Reflexos da natureza

No inverno amazônico, as águas crescem, sejam as vindas do céu como àquelas das enchentes dos rios e das marés grandes. As margens ficam alagadas e os fotógrafos enxergam a beleza dos reflexos e brilhos das luzes da natureza. FOTO: FERNANDO SETTE 24 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Pausa para o café

Às vezes é um gostoso cafezinho quente, por outras uma lapada de conhaque. Isso ajuda a lida nas embarcações, feiras e outras atividades de trabalho rotineiras, principalmente nestes tempos do inverno amazônico. FOTO: KARLA FARIAS

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OLHARES NATIVOS

Mestiço Guajará

Trabalho pelos caminhos da história e transito lembrando o passado que me fez este mestiço amazônida das beiras do Guajará. Rua Siqueira Mendes, Belém, Pará. FOTO: OSWALDO FORTE

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos

Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES HEITOR RODRIGUES/ DIVULGAÇÃO

IDEIASVERDES

Planta pra comer PROPRIEDADES ALIMENTÍCIAS DE PLANTAS NÃO CONVENCIONAIS SÃO TEMAS DE PESQUISA CIENTÍFICA

PÁGINA 28

SAÚDE

SUSTENTABILIDADE

O Hemopa precisa de mais doadores de sangue. O estoque passa por uma crise e a ajuda de voluntários é cada vez mais necessária. PÁG.32

Governo do Pará lidera frente de municípios pelo desenvolvimento sustentável do Estado, adotando novas medidas socioambientais. PÁG.40


ENTREVISTA

J

á imaginou que aquela saladinha que comemos no almoço poderia ser feita com o capim do quintal? Pois é. Pesquisas afi rmam que isso é possível. Que o rústico mato pode fazer parte do nosso cardápio diário e ser consumido sem receio. Essa é o mais novo “boom” do momento, que vem instigado o mundo gastronômico e das ciências: as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs). Grande parte de nossa alimentação vem dos vegetais. Utilizamos uma porcentagem mínima de espécies nativas ou estrangeiras que poderiam complementar o cardápio e a renda familiar. Sabendo que muitas pessoas hoje não têm acesso a uma alimentação nutritiva e equilibrada, aliando-se à rusticidade e ao fácil manejo, as PANCs são espécies com grande importância ecológica, econômica, nutricional e cultural. Foi por esses motivos que em abril houve em Belém, na Estação Gasômetro, o encontro “A Amazônia é PANC – A Amazônia Descobre a Amazônia”. Chefes de cozinha, pesquisadores e mateiros participaram do evento para trocarem conhecimentos e experiên28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“Plantas amazônicas são pouco estudadas” O PESQUISADOR DA EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL SEBASTIÃO RIBEIRO XAVIER JÚNIOR DEFENDE AS PROPRIEDADES DE GRUPOS DE VEGETAIS NÃO CONVENCIONAIS QUE PODEM SER INCLUÍDOS NA DIETA HUMANA COM SUCESSO TEXTO ANA PAULA MESQUITA FOTO EVERALDO NASCIMENTO


FOTOS: HEITOR RODRIGUES/ DIVULGAÇÃO

“PANCs é uma sigla que é utilizada para Plantas Alimentícias Não Convencionais. São plantas que encontramos facilmente e que a maioria das pessoas não conhece sua função alimentar.”

EM VOLTA DA MESA

O encontro “A Amazônia é PANC – A Amazônia Descobre a Amazônia” reuniu chefes de cozinha, como o paulista Alex Atala (foto do centro), pesquisadores e mateiros numa troca de conhecimentos, experiências e saber tracionais

cias da ciência, saber tracionais e da gastronomia para as diversas formas que as PANCs podem ser utilizar no dia a dia das pessoas. Na entrevista a seguir, o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental Sebastião Ribeiro Xavier Júnior, biólogo responsável pelo Labo-

ratório de Botânica, explica as propriedades desse grupo de plantas. O que pode ser considerado PANCs? PANCs é uma sigla que é utilizada para Plantas Alimentícias Não Convencionais. São plantas que encontramos

facilmente e que a maioria das pessoas não conhece sua função alimentar. Muitas são consideradas matos espontâneos, ou seja, plantas que crescem espontaneamente nos quintais. Plantas que não são encontradas com facilidades em feiras e supermercados e que não apresentam MAIO DE 2017

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ENTREVISTA

Qual a participação da Embrapa na pesquisa sobre as PANCs? A Embrapa tem trabalho com grupo de plantas que já são muito bem conhecidas. Mas ela tem buscado encontrar alternativas para a utilização das PANCs. Dentro do laboratório de botânica da Embrapa ainda não iniciamos esse tipo de pesquisa. O que nós fazemos aqui é o processo de identificação das espécies. E esse processo de identificação ajuda a saber quais são as plantas que podem ser comestíveis ou que não possuem nenhum tipo de substância tóxica. É interessante que tenhamos novas alternativas de plantas comestíveis, porém é importante que identifiquemos corretamente nossos materiais. Algumas PANCs já foram identificadas pela Embrapa no Pará? Sim. Mas olha só. Esse é o ponto que quero chegar. Tem um estudo, mas nunca direcionado para a indústria alimentícia, e sim, para outras utilizações. Por exemplo, existe um estudo das mamoranas ( Pachira aquatica) ela é achada em mata ciliar, é possível fazer trabalhos com ela, para que nós cheguemos a uma conclusão 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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HEITOR RODRIGUES/ DIVULGAÇÃO

Por quem foi criado o termo PANCs? O termo PANCs foi criado pelo botânico e pesquisador Valdelly Ferreira Kinupp, com objetivo de desmistificar os preconceitos com plantas consideradas “daninhas”, ou com plantas desvalorizadas. Ele escreveu o livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”, em parceria com o engenheiro agrônomo Harri Lorenzi.

HEITOR RODRIGUES/ DIVULGAÇÃO

sistema de produção. Adaptadas ao clima, têm baixa necessidade hídrica e baixa exigência de solo, sendo, inclusive, indicadoras de solo. O agrotóxico não é necessário para seu crescimento, pois ela é adaptada e conta com controle biológico, decorrente de ambientes biodiversos.


se ela pode ser utilizada no alimento. Fizemos o processo de identificação para consumo alimentar. A ideia do estudo é que seja possível aproveitar toda a potencialidade da planta. Ou seja, aproveitar toda a planta e de várias maneiras. Assim como a mamorana, há estudos com a caapeba-amazônica (Piper peltatum), taioba ( Xanthosoma taioba) e catinga-de-mulata (Aeollanthus suaveolens) estão sendo identificadas pela Embrapa para serem utilizadas no alimento, embora sejam ervas consideradas medicinais.

EXPERIMENTAR E PÔR EM PRÁTICA

Para Sebastião Xavier, a Embrapa tem trabalho com grupo de plantas que já são bem conhecidas e utilizadas na gastronomia. Mas as pesquisas têm buscado encontrar alternativas para a utilização das PANCs.

De que forma pode-se entender os valores culturais e científicos das PANCs? Eu penso em quem olha isso pela primeira vez. Pode começar achar muito estranho. Do ponto de vista científico, ter a possibilidade de ter plantas que eram identificadas vulgarmente como plantas de mato, isso é fantástico. Pois elas são novas formas de alimentação alternativa. Isso é um ponto muito significativo sob a ótica científica. No ponto de vista cultural é que a maioria das PANCs que estão sendo descobertas são através de trabalhos de etnobotânica, que são trabalhos realizados com identificação de plantas nos povos quilombolas, indígenas, ribeirinhos e nas comunidades afastadas. Outra coisa interessante é que a maioria das PANCs é de fácil cultivo. Por exemplo, há a possibilidade de cultivar uma PANC em apartamento, no quintal da casa. São plantas que ocorrem de forma espontânea em lugares comuns. A que o senhor atribui o desconhecimento das pessoas sobre existência das PANCs? O que pode ter acontecido é que com o passar do tempo, houve a destruição de vários biomas, o crescimento do agronegócio entre outras situações. Com isso, teve uma redução drástica no número de plantas que são servidas na alimentação humana. Outro fator é a diversidade cultural, com o abandono de saberes tradicionais associados ao consumo de espécies de plantas de ocorrência local ou regional. Vivemos num país

“A maioria das PANCs é de fácil cultivo. Por exemplo, há a possibilidade de cultivar uma PANC em apartamento, no quintal da casa. São plantas que ocorrem de forma espontânea em lugares comuns.” riquíssimo em ingredientes mas acabamos por consumir sempre as mesmas coisas. Enquanto isso, milhares de espécies são esquecidas e, muitas delas, extintas. Qual o potencial do desenvolvimento da pesquisa sobre PANCs na região amazônica? Eu penso que tem um potencial muito grande. Principalmente porque temos algumas plantas amazônicas que são pouco estudadas, e se são estudadas, não é com esse propósito. Eu já tive oportunidade de ver que tem algumas plantas com valor nutricional muito interessante. Tem plantas que são ricas em carboidratos, em lipídios e em proteínas. É interessante fazermos estudos de forma completa. Entendendo a planta em todo sua plenitude e contexto. MAIO DE 2017

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Alerta VERMELHO O BANCO DE SANGUE NO PARÁ SOFRE BAIXAS RECORRENTES NO ESTOQUE. MAS O HEMOPA TEM SE DESDOBRADO EM CAMPANHAS E INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS PARA REVERTER ESSE QUADRO. TEXTO CARLOS HENRIQUE GONDIM FOTOS TARSO SARRAF

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D

e acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), menos da metade dos países tem um suprimento seguro de sangue para os seus pacientes. Segundo a entidade, são colhidas anualmente 108 milhões de doações, metade em países de alta renda, onde estão menos de 20% da população mundial. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, 1,8% da população doa sangue com regularidade, percentual que fica abaixo dos 2% considerados ideais pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). No Pará, essa situação tem se agravado ainda mais devido a uma série de fatores e o banco de sangue da Fundação Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Hemopa) apresenta em Belém uma redução de 60% em seus comparecimentos diários. A situação é encarada pela instituição como uma crise, que fortalece as campanhas junto à população para conseguir atender à crescente demanda. A presidente do Hemopa, Ana Suely Leite Saraiva, explica que para atender todos os pacientes, são necessários cerca de 350 comparecimentos diários na sede do Hemocentro, na capital paraense. No entanto, este número caiu para uma média de 140 comparecimentos, em decorrência de uma série de doenças. “Neste período do ano, todos os serviços no Brasil apresentam queda no número de doações em virtude das viroses. Houve cidades mais afetadas com o zika, a chikungunya e, um tempo atrás, a dengue. Neste ano, esses casos ficaram mais controlados, mas depois houve mais ocorrências de chikungunya. E agora nós estamos com a febre amarela. Todos com o mesmo vetor, que é o Aedes aegypti. Isso é um contexto nacional”, aponta a farmacêutica, habilitada em Bioquímica e especializada em Gestão de Hemocentros e Epidemiologia. “No Pará, o nosso problema está associado ao inverno amazônico e às viroses também. Ao mesmo tempo, clui a informação: antes de se proteger contra as viroses, doe sangue. Porque a vacina promove uma inaptidão temporária MAIO DE 2017

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de 30 dias, dependendo de qual for a vacina”, completa a presidente. Ana Suely aponta que até as condições meteorológicas influenciam na redução no número de doadores. “Em Belém, a nossa localização dificulta nesse período chuvoso. Por isso, a fundação lança mão de campanhas estratégicas, de caravanas solidárias, de mobilização junto à comunidade civil organizada. Este ano, não temos conseguido nem esta manutenção, mesmo com esta mobilização”, admite a presidente. A fundação possui um setor dedicado especificamente a procurar novos doadores e estabelecer um relacionamento mais próximo com os chamados doadores de repetição, aqueles que doam pelo menos duas vezes em um intervalo de 12 meses. Para isso, a Gerência de Captação de Doadores mantém uma série de projetos e estabelece várias parcerias com instituições, associações, escolas, igrejas e diversas outras entidades. “Nós temos como desafio crescer em 20% por ano o número de doadores voluntários e aumentar o número de doadores de repetição de 50% para 70%”, informa Juciara Farias, gerente do setor de coleta de sangue. “A captação tem como missão sensibilizar a população para esse processo da doação de sangue de maneira clara, objetiva, que estimule o voluntariado, que precisa se dar de maneira permanente. É um trabalho que envolve a sociedade como um todo, desde a promoção da doação de sangue, dentro de um contexto maior, que é a questão da saúde. Para fazer frente a essa grande responsabilidade, nós procuramos envolver toda a sociedade. Isso significa buscar parcerias diariamente. Que essas parcerias tenham como resultado a doação de sangue. São parcerias que vêm desde o movimento de uma 34 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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NOVE VERDADES E UMA MENTIRA SOBRE A DOAÇÃO DE SANGUE

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Para doar sangue, é preciso estar bem alimentado e não em jejum.

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Menores a partir de 16 anos podem doar, desde que levem autorização dos pais ou responsáveis. A Fundação Hemopa tem como desafio aumentar em 20% por ano o número de doadores voluntários e crescer o número de doadores de repetição, aqueles que doam pelo menos duas vezes em um intervalo de 12 meses, de 50% para 70%.

3

Entre uma doação e outra, é preciso respeitar um intervalo mínimo de 60 dias (para homens) e 90 dias (para mulheres).

4

Quem passou por tratamento dentário em até 72 horas antes de doar sangue não pode realizar o procedimento.

5

Mulheres grávidas não podem doar sangue.

6

Portadores de epilepsia e diabetes podem doar sangue normalmente.

7

O doador deve pesar pelo menos 50 quilos.

8

Quem teve hepatite até os 10 anos de idade pode doar sangue.

9

A idade máxima para doar sangue é de 69 anos.

10

Os doadores recebem gratuitamente os resultados de todos os exames a que são submetidos. RESPOSTA: A AFIRMATIVA Nº 6 É FALSA. PORTADORES DESTAS DOENÇAS NÃO PODEM DOAR SANGUE.

TÁ NA VEIA

comunidade até uma universidade”, afirma Juciara Farias. O resultado desse trabalho aparece nos corredores da fundação. A doméstica Teresinha Fernandes de Sousa, de 48 anos, é uma dessas doadoras de repetição. “Sou doadora há cinco anos. Venho espontaneamente, gosto de fazer esse ato, por amor à vida. De seis em seis meses, estou aqui”, conta. Servidora do Hemopa, Ana Lúcia de Oliveira, de 39 anos, também é doadora frequente. “Desde que entrei na fundação, há oito anos, me tornei doadora. Pelo fato de trabalhar com pacientes que precisam de transfusão, posso ver e sei a dificuldade de precisar do sangue”, relata. A presidente da fundação esclarece que nem todas as pessoas que comparecem ao Hemopa tornam-se doadores de fato. “Comparecimento não significa bolsa doada. E bolsa doada nem sempre vai significar em componente disponível. Entre o comparecimento e a triagem clínica, pode haver uma inaptidão clínica, que está em torno de 18%. Da bolsa doada a ter um componente pronto para a doação, pode haver uma inaptidão sorológica. Isso faz com que a nossa meta tenha que ser um pouco mais audaciosa em relação ao número de produtos disponíveis para doação”, diz Ana Suely Saraiva. A presidente também aponta que alguns desses novos doadores têm dúvida se devem comparecer ao Hemopa em jejum. “Quando é a primeira vez, as pessoas continuam com essa impressão de que precisa vir em jejum, pelo fato de associar à coleta de sangue para exames laboratoriais. Como é preconizada a importância do jejum para fazer análises bioquímicas, muitas pessoas ainda tendem a procurar a fundação em jejum. Agora a gente já reforça isso no momento de uma palestra de captação, no momento de uma entrevista, no momento de uma divulgação maior, de que não é preciso estar de jejum. Tem que estar bem dormido e alimentado”, destaca. MAIO DE 2017

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TECNOLOGIA A FAVOR DA DOAÇÃO DE SANGUE Para atender a população com qualidade e segurança, o Hemopa tem investido em equipamentos capazes de agilizar exames e fazer com que as bolsas coletadas sejam liberadas para transfusão mais rapidamente. “A partir do momento que você incorpora novas metodologias e novas tecnologias, isso faz com que você tenha um ganho de escala no momento da liberação desses exames. Para nós, minutos já fazem a diferença. Antigamente, nós demorávamos sete horas para liberar uma bolsa. Hoje, a gente consegue reduzir isso mais um pouco. Também fica mais ágil o atendimento para o doador”, analisa Ana Suely Saraiva. “Sem dúvidas, esses equipamentos ofertam para nós uma maior sensibilidade, uma maior especificidade no momento da análise do sangue que é doado. As metodologias que a Fundação Hemopa utiliza são as consideradas ‘padrão ouro’, são as melhores para poder promover, com qualidade e segurança, as atividades na saúde, esse binômio entre doador e paciente. Esses processos precisam estar bem assegurados”, explica a presidente da fundação. A modernização do parque tecnológico do Hemopa é possível através de convênios com o Ministério da Saúde e de processos licitatórios específicos. “Nós podemos assegurar que nosso parque tecnológico é sempre atualizado. Todas as vezes que vamos realizar um certame licitatório a gente sempre tem muita atenção de verificar e solicitar insumos de última geração. Com isso, o parque tecnológico vem todo atualizado. Nos preocupamos muito com a qualidade da saúde do doador e a manutenção dessa saúde. Inclusive, 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ALTO NÍVEL

O Hemopa investe em equipamentos capazes de agilizar exames e fazer com que as bolsas coletadas sejam liberadas para transfusão mais rapidamente, garantindo qualidade e segurança à população


esses equipamentos trazem benefícios também para o doador. O candidato à doação só vai doar se ele estiver em boas condições de saúde. Acaba que todo mundo ganha. A população ganha. É isso que nós precisamos assegurar sempre. O doador recebe esses exames e pode obtê-los tanto aqui na fundação quanto on-line”, afirma Ana Suely.

OS NOVOS DESAFIOS DO HEMOPA A Fundação Hemopa possui atualmente unidades espalhadas por todas as regiões do Pará, que atuam diretamente na coleta de sangue. “Temos três regionais, cinco núcleos e a unidade de coleta no pórtico Castanheira, em Belém. Mas todas as análises laboratoriais são centralizadas aqui na sede. Por exemplo, o cidadão doa em Castanhal, a bolsa de sangue doada fica lá para ser processada e uma amostra é enviada para o hemocentro coordenador. E aqui são realizados os testes no setor de sorologia e do NAT [teste que detecta se doador foi recentemente infectado pelos vírus da Aids e hepatite]. Isso facilitou com que o controle de qualidade fosse mais aprimorado”, avalia Ana Suely. A presidente conta que a fundação está sempre correndo contra o tempo para evitar o desperdício do material doado. “A nossa logística no Estado não é fácil, por causa das estradas e da malha aérea. E esse resultado precisa ser liberado logo. Nós temos alguns desafios que nos são postos por questões técnicas mesmo. Um concentrado de plaquetas tem validade de cinco dias. Um concentrado de hemácias tem validade de 42 dias. Então, muitas das vezes, só de logística eu perco dois. Isso tudo tem que ser gerenciado diariamente, para não termos perda MAIO DE 2017

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CAPA

do produto em si nem reflexo na população”, explica. Um desafio a mais para a fundação surge a partir do momento em que novas clínicas e hospitais são inaugurados em todo o Estado. “O número de leitos aumentou. A oncologia por si só já demanda um número maior de transfusões. Clínicas de hemodiálise também aumentaram. Somado a tudo isso, esse desenvolvimento não foi só em Belém. Hoje, nós temos os hospitais regionais em Santarém, Redenção e Altamira. São hospitais onde já temos transplante de órgãos. Isso faz com que tenhamos que cada vez mais lançar mão de estratégias que possam nos aproximar de polos de doadores ou possíveis doadores. Foi o que vez com que instalássemos uma unidade de coleta no pórtico Castanheira. No primeiro ano, em 2015, nós tivemos 30% de doadores de primeira vez em função da unidade de coleta fixa instalada lá. São pessoas que residem naquela área e que têm o seu ritmo de vida lá”, analisa a presidente da fundação.

TAMBÉM PRECISA-SE DE MEDULA ÓSSEA Além da doação de sangue, uma das missões do Hemopa é promover campanhas de conscientização da população para a doação de medula óssea. “A fundação tem procurado investir muito na conscientização da população no sentido de que fazer parte do Redome [Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea] é fazer parte de um registro de doadores voluntários que dá visibilidade nacional e, quiçá, internacional. O Brasil é o terceiro banco de registro de doadores. Os primeiros são Estados Unidos e a Alemanha”, diz Ana Suely Saraiva. Isso faz com que tenhamos uma responsabilidade de informar a população para que eles possam se sentir partícipes desta instituição. A razão de ser do Hemopa é a população, que precisa estar muito bem assistida, tanto no 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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MOBILIZAÇÃO CONSTANTE

A presidente do Hemopa, Ana Suely Leite Saraiva, explica que para atender todos os pacientes, são necessários cerca de 350 comparecimentos diários na sede do Hemocentro, na capital paraense. No entanto, este número caiu para uma média de 140.

aspecto transfusional, mas também nos cuidados e tratamentos relacionados à área do sangue”, completa. A presidente do Hemopa esclarece ainda que doar sangue é um ato voluntário, não remunerado, e que o material doado não pode ser comercializado. “A doação de sangue é gratuita. Ninguém pode pagar por doador de sangue. É proibido. A legislação é bem clara quanto a isso”, pontua. Recentemente, a Fundação Hemopa obteve a reacreditação pelos padrões da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH), em convênio com a Associação Americana de Bancos de Sangue (AABB). “É como um selo de qualidade chancelado para alguns hemocentros no Brasil. O Pará foi um dos cinco eleitos pela coordenação geral de sangue e hemoderivados. Em 2014, conquistamos a nossa primeira acreditação e no ano passado asseguramos essa acreditação, tendo o reconhecimento da reacreditação”, conta a presidente.

BUSCA POR VOLUNTÁRIOS É INCESSANTE A gerente de Captação de Doadores do Hemopa, Juciara Farias, afirma que a procura por doadores nunca cessa. “A gente trabalha 100% com voluntariado e a busca por ele é incessante. Falamos sobre doação de sangue todos os dias. O desafio é falar de maneira diferente, atrativa, que consiga persuadir as pessoas para este gesto. Nós elegemos vários projetos para trabalhar dentro da captação de doadores, atingindo públicos específicos. Um deles é o programa Doador de Sangue do Futuro, que visa a sensibilizar, dentro das escolas, o corpo docente e discente, com esse conteúdo da doação de sangue, para que no futuro não vá se comprometer um doador em potencial. Hoje, jovem a partir de 16 anos já pode doar sangue. Então, ele precisa estar consciente que ele pode


COMO DOAR

Para doar sangue, procure a unidade mais próxima do Hemopa em sua cidade, levando um documento de identificação com foto. ENDEREÇOS: Hemocentro Coordenador - Belém Trav. Serzedêlo Corrêa com Caripunas - Batista Campos. Fone: (91) 3224-5048 Estação de Coleta Hemopa Castanheira - Ananindeua. BR-316, km 1 Hemocentro Regional de Castanhal - HRC Trav. Floriano Peixoto, Alameda Rita de Cássia, Conj. Maria Alice, casa B-2 e B-3. Fone: (91) 34124400 Hemocentro Regional de Santarém - HRS Av. Frei Vicente, S/N. Entre Alameda 30 e alameda 31. Aeroporto Velho. Fones: (93) 3522-7763 / 35221448 / 3522-1143 Hemocentro Regional de Marabá - HRM Rod. Transamazônica, Quadra 12, S/N. Entre Av. Hiléia e Av. Amazônia. Bairro: Amapá. Fones: (94) 3312-9152 / 3324-1096 Núcleo de Hemoterapia de Altamira Av. Brigadeiro Eduardo Gomes, S/N. Bairro: Recreio entre Trav. Batalho e Av. João Rodrigues. Fone: (93) 3515.2168 Núcleo de Hemoterapia de Tucuruí Rua D. Cornélio Verman, S/N. Fone: (94) 3787.4444 Núcleo de Hemoterapia de Redenção Av. Santa Tereza, S/N. Bairro: Centro. Fone: (94) 3424.4099 Núcleo de Hemoterapia de Capanema Rodovia PA-242, Km 0, S/N. Bairro: São Cristóvão. Fone: (91) 3462.2744/2329 Núcleo de Hemoterapia de Abaetetuba Av. Santos Dumont, S/N. Fone: (91) 37511394/4031 Mais informações: www.hemopa.pa.gov.br / 0800-280-8118

fazer parte desse papel também. Outro projeto é um projeto de captação hospitalar, que tem como objetivo sensibilizar o corpo clínico e familiares de pacientes para a importância da doação de sangue e o impacto disso na vida daqueles pacientes que estão esperando por uma bolsa de sangue”, afirma a gerente. A fundação busca estar sempre próxima da população e facilitar o processo de doação. “Trabalhamos com campanhas externas, que dão acesso a pessoas em locais mais distantes. Fazemos esse trabalho através da nossa unidade móvel e também com estrutura montada. Trabalhamos ainda com a caravana solidária, que são grupos que são formados para vir doar no Hemopa. A nossa unidade fixa de coleta, no shopping Castanheira, é outra possibilidade que a gente tem de descentralizar a coleta e dar acesso àquelas pessoas que queiram fazer a doação”, explica Juciara Farias. Entre os parceiros da fundação, estão os dois grandes clubes de futebol do Pará, Remo e Paysandu. “São parceiros no estímulo à doação de sangue. Temos realizado campanhas periódicas, com torcedores dos grandes times de Belém. É uma ação que precisa ser compartilhada. O serviço de captação se coloca à disposição para fazer qualquer ação”, diz Juciara. A gerente de captação reforça que o Hemopa precisa contar com o apoio da população na mesma medida em que a população precisa do Hemopa. “Estamos precisando muito que a população se dê as mãos, porque nós estamos com período de baixa de estoque de todos os tipos de sangue. Nós estamos trabalhando com uma redução de 60% no estoque, em comparação com o estoque adequado, que possa oferecer uma tranquilidade para a saúde da população. O estoque adequado seria uma média de 350 doações por dia, para fazer frente à demanda transfusional, que cresce muito. Todos os dias, temos alguém que precisa de uma bolsa de sangue. O ideal é que tenhamos o mesmo número de voluntários e de pacientes”, comenta a gerente. MAIO DE 2017

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SUSTENTABILIDADE

CRISTINO MARTINS / AGÊNCIA PARÁ

Modelo a seguir Governo do Pará lidera frente de municípios pelo desenvolvimento sustentável do Estado

S

etenta e seis municípios já assinaram o termo de manifestação de interesse em aderir ao programa Municípios Sustentáveis, apresentado pelo governo do Pará durante o Fórum Permanente de Prefeitas e Prefeitos do Pará Sustentável, realizado nos dias 26 e 27 de abril no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém. Outros municípios deverão fazer a adesão ao longo de futuros encontros e reuniões entre equipes técnicas das prefeituras e do 40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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governo estadual. Na prática, o decreto que institui a Política de Desenvolvimento Harmônico Sustentável do Estado do Pará – Pará Sustentável, assinado pelo governador Simão Jatene, vai englobar ações governamentais e articular parcerias com o setor privado e a sociedade civil, para promover o desenvolvimento do Pará, incluindo ações que serão realizadas em conjunto com as prefeituras, por meio do Programa Municípios Sustentáveis.

Durante a apresentação do programa, Simão Jatene destacou que mais de um terço dos municípios que assinaram a iniciativa não integram a base aliada. “A diversidade de gestores, de diferentes regiões e filiações partidárias e ideológicas, demonstra claramente que alcançamos o objetivo, que foi demonstrar muito claramente que esta não é uma ação de governo e sim de Estado, que deverá se perpetuar, constituindo-se numa fundamental política pública que tem como objetivo reduzir a pobreza

UNIDOS PELO MEIO AMBIENTE

Em dois primeiros dias de abertura do programa Pará Sustentável, 76 gestores de diversos municípios e filiações partidárias assinaram o termo que indica interesse na parceria entre governo e prefeituras


IGUALDADE DE RENDA As ações do Pará Sustentável serão norteadas por três grandes pilares: o econômico, o social e o ambiental. No eixo econômico, cujo conjunto de políticas foi denominado Pará 2030, a meta do Pará Sustentável, para os próximos 15 anos, é igualar a renda per capita do Pará à média nacional, e promover um crescimento de 5,3% ao ano, criando 3 milhões de empregos até 2030.

RODOLFO OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

REUNINDO EXPERIÊNCIAS

De cima para baixo, a secretária Extraordinária dos Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene; o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar; e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Adnan Demachki: Fórum marcou o empenho do governo do Estado em buscar e reforçar alianças para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do Pará

ANTONIO SILVA / AGÊNCIA PARÁ

THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ

e a desigualdade”, destacou. O Governo do Estado também apresentou as condições gerais de adesão das cidades ao programa, que contempla um conjunto de financiamentos e um pacote de projetos e serviços estruturantes nos municípios, tendo como contrapartida ações voltadas à melhoria da qualidade de vida da população. Para isso, a secretária Extraordinária dos Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene, destacou a importância da integração de políticas públicas. “O que precisamos é customizar uma relação entre Estado e município, sem perder de vista o valor do que é público, resgatar esse valor e fortalecer a gestão, sobretudo fortalecer o apoio ao ajuste fiscal. Hoje, nós temos aproximadamente 134 municípios paraenses impedidos de conseguir parcerias para receber novos recursos. Ajudar esses municípios a sair dessa situação é um dos principais objetivos do Programa Específico de Apoio à Gestão, que já vamos colocar em prática dentro do programa”, anunciou. O governador Simão Jatene explicou que a instituição do Pará Sustentável como política de Estado só foi possível após a garantia do equilíbrio das contas públicas do Estado, mesmo em tempos de crise econômica no País. Com isso, o governo quer deixar um legado à sociedade, pois estabelece um novo modelo de desenvolvimento. “Significa buscar que a riqueza que nós criamos fique cada vez mais aqui no Estado. “Nós pegamos o desafio de reduzir pobreza e desigualdade e unimos aos objetivos globais de desenvolvimento sustentável”, explicou o governador.

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SUSTENTABILIDADE

UM ESTADO PARA TODOS

O governador Simão Jatene acredita que o Pará Sustentável não é uma ação de governo e, sim, de Estado, que deverá constituir-se numa fundamental política pública para reduzir a pobreza e a desigualdade RODOLFO OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

O decreto estabelece que o Estado compatibilize, no planejamento de seu desenvolvimento, o crescimento da produção e renda com sua distribuição entre os vários segmentos da população e as diversas regiões; combater as causas da pobreza e os fatores de vulnerabilidade, assegurando aos cidadãos e suas famílias a proteção social; proporcionar os meios de pleno acesso a direitos fundamentais, como educação, cultura, saúde e assistência pública, bem como proteção e garantia a pessoas com deficiência, e promover ações de construção de moradias dignas e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Ainda de acordo com o decreto, caberá ao Centro de Monitoramento de Políticas Públicas do Estado do Pará realizar o “monitoramento geoespacializado das políticas públicas” e promover ações entre as secretarias estaduais nas esferas econômica, social e ambiental, e nas regiões e municípios, garantindo a transparência das informações. O Pará 2030 pretende criar um paradigma diferenciado do modelo de desenvolvimento atual, baseado no extrativismo e em um modelo exportador de matéria-prima. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Adnan Demachki, 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ressaltou que o Pará 2030 foi construído por muitas mãos, e cria um ambiente propício ao desenvolvimento estadual. Uma das metas é ter 60% das empresas como indústria de transformação, e não de exportação. Como exemplo, ele citou a produção de eucalipto. “O Pará ganha R$ 80,00 por metro cúbico exportando a madeira. Se construíssemos MDF aqui, o Pará agregaria valor, geraria mais empregos a cadeia produtiva”, acrescentou. Com a inauguração neste ano do Centro Integrado de Monitoramento Ambiental Gabriel Guerreiro (Cimam), que tem como objetivo a coleta de dados e produção de conhecimento sobre fatores que geram impacto no meio ambiente, o governo do Estado fortaleceu as metas

do Pará Ambiental, utilizando a tecnologia e o conhecimento para o desenvolvimento da Amazônia. O Cimam faz parte do Pará Sustentável, e utiliza de forma inédita um sistema automatizado de monitoramento e controle do desmatamento, usando imagens de satélite com precisão de até três metros de distância da área monitorada. Coordenado pela Secretaria Extraordinária de Integração e Políticas Sociais (Seips) e executado por diversas outras secretarias, o Programa Pará Social é determinante na criação de um novo modelo de sociedade, com menos pobreza, mais igualdade, bem-estar, inclusão para todos e desenvolvimento sustentável, respeitando o meio ambiente. THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ


THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ

“Definir objetivos e metas integralizadas e centralizadas é fundamental no processo de construção do planejamento que complementa o Pará 2030, já que só o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita não garante a diminuição da desigualdade”, ressaltou o titular da Seips, Heitor Pinheiro.

PREFEITOS TROCAM EXPERIÊNCIAS Durante o Fórum Permanente de Prefeitas e Prefeitos do Pará Sustentável, que reuniu mais de 100 prefeituras durante dois dias, em Belém, foram apresentados os eixos de desenvolvimento propostos para o Estado, através dos focos na questão social, ambiental e econômica. Logo no primeiro dia, após a assinatura do decreto que cria o Pará Sustentável, o governador Simão Jatene também assinou ordens de serviço para obras em escolas estaduais de 13 municípios paraenses na área de educação, totalizando recursos da ordem de R$ 60 milhões. Deste montante, R$ 40 milhões serão destinados apenas para reforma e construção de escolas, nos seguintes municípios: Ananindeua, Belém, Benevides, Bragança, Conceição do Araguaia, Inhangapi, Maracanã, Pau D’Arco, São Miguel do Guamá, Salinópolis, Salvaterra, Santarém Novo e Uruará. As obras incluem, ainda, melhorias e adaptações das unidades. Segundo a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), além das ordens de serviço assinadas durante o evento, mais 13 serão abertas somente este ano. Um dos maiores problemas enfrentados pelos municípios brasileiros, a gestão de resíduos sólidos, também foi debatido durante o encontro. O consórcio entre empresas privadas com a participação do Estado como sócio pode ser uma solução para essa ques-

tão. O modelo apresentado pelo professor PHD no tema, o engenheiro civil Mauro Russo, demonstrou como isso foi adotado por Portugal na década de 1990 e mudou a destinação do lixo naquele País. A experiência de Russo com a tese “Avaliação dos Processos de Transformação de Resíduos Sólidos Urbanos em Aterro Sanitário”, foi responsável pelo fechamento de 12 lixões municipais existentes em Portugal, em 1996. O prefeito de Santarém, Nélio Aguiar, vê no Pará Sustentável uma oportunidade de parceria para fortalecer este modelo de desenvolvimento em sua região. “Nós já entendemos que esta linha de desenvolvimento sustentável é o ideal para o nosso mu-

nicípio. Essa parceria do governo do Estado com os municípios, assumindo responsabilidades conjuntas, tem o poder muito grande de transformação da realidade”, destacou. Minervina Barros, prefeita de São Félix do Xingu, disse que seu município vai aderir ao Pará Sustentável, pois pretende criar na cidade o programa São Félix do Xingu Sustentável. Os primeiros passos, explicou a prefeita, são equilibrar as contas do município e trabalhar em parceria com o governo. “Nós somos o maior produtor de carne bovina, com mais de 2 milhões de cabeças de gado, além de outras produções, como cacau. Esta política de desenvolvimento sustentável só vem ajudar”, afirmou. MAIO DE 2017

AÇÃO FIRME E CONJUNTA

“Fico muito feliz por ter a chance de estar aqui e, através dessa integração, levar melhorias para o meu município”, disse a prefeita do Acará, Amanda Martins, ao aderir ao programa Pará Sustentável. A prefeita de São Félix do Xingu, Minervina Barros (na foto na página à esquerda), também participou do evento.

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PESQUISA

Novidade na plantação

O

fruto do bacurizeiro que chega à mesa dos consumidores in natura ou na forma de suco, doces, sorvetes e outros produtos tem sua origem na coleta realizada pelas populações do nordeste paraense e de parte do arquipélago do Marajó, regiões onde essa espécie frutífera ocorre em abundância. Nos últimos anos, o preço de sua polpa congelada apresentou expressiva valorização, o que indica a dificuldade desse extrativismo em atender a crescente demanda pelo fruto. Com preços e a procura em alta, plantar o 44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RONALDO ROSA/ EMBRAPA

Produção de bacuri na Amazônia enfrenta desafios para superar o extrativismo descontrolado e gerar frutos de qualidade

bacurizeiro seria uma boa oportunidade de geração de renda para os agricultores, mas essa espécie apresenta certas dificuldades no seu cultivo. Seguindo métodos tradicionais, as mudas levam até três anos para ficarem aptas à enxertia e, quando levadas a campo, apresentam baixa sobrevivência. O tempo para a planta começar a produzir frutos também é longo. “São problemas de espécies ainda não domesticadas”, explica o pesquisador Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental. Conduzir as características de uma espécie

silvestre para que atenda aos interesses do homem é o trabalho de domesticação. “A maçã que Adão e Eva provaram no Paraíso em nada se assemelha a que conhecemos hoje”, exemplifica. O trabalho de seleção ao longo de milhares de anos resultou na maça doce e cheia de polpa que é cultivada atualmente. Cacau, seringueira e guaraná são exemplos de produtos vegetais que a Amazônia ofereceu a seus habitantes e, no passado, geraram grande riqueza para a região. O roteiro dessas histórias é bem conhecido por Homma. “São os ciclos extrativistas que fo-


RONALDO ROSA/ EMBRAPA RONALDO ROSA/ EMBRAPA

DO POMAR PARA O LABORATÓRIO

Os bacurizeiros são plantados de forma experimental na Embrapa. Em seguida, os frutos são avaliados em laboratório pelos pesquisadores. Abaixo, plantio de bacurizeiros em Aurora do Pará com a técnica da semeadura direta sob orientação da Embrapa.

JOÃO CARLOS COIMBRA/EMBRAPA

ram encerrados pela domesticação do recurso natural fora da Amazônia, em outras regiões ou países”, explica. Lá foram cultivados e tornaram pouco rentável o extrativismo na região amazônica. Para o bacuri não ter o mesmo destino, o agrônomo afirma que é preciso investimento em pesquisas para a domesticação da fruta e incentivo ao seu cultivo. O pesquisador José Urano de Carvalho, da Embrapa Amazônia Oriental, estuda o bacurizeiro há anos e quanto ao melhor método de propagação da espécie ele chegou a uma conclusão. A ideia, no entanto, não foi completamente original. “Há cerca de 25 anos vi um agricultor nipo-brasileiro cultivando bacurizeiros com a semeadura direta no campo. Na época, achei um absurdo”, lembra. A condenação do pesquisador se devia ao elevado número de perdas que ocorriam, seja pela ação de roedores os caroços ou pela própria infertilidade das sementes. E também pelo fato de a semeadura direta não ser comum em espécies arbóreas, pois em geral o plantio é efetuado em campo com mudas preparadas antes em viveiro. No caso do bacurizeiro, no entanto, essa tecnologia é uma alternativa válida para a propagação da planta. “A sobrevivência em campo é superior a 90% após um ano de plantio, momento em que podem ser enxertadas”, afirma. Além disso, a vigorosa raiz do bacurizeiro pode se prolongar no solo, enquanto nos casos de produção da muda em viveiro ela precisa ser cortada antes de ser levada a campo. A semeadura deve ser efetuada durante a estação das chuvas, com o plantio em campo de três caroços. Para protegê-los dos roedores, principalmente cutias, o pesquisador recomenda o uso de vasos sem fundo ou garrafas PET, cortadas em rodelas e sem fundo. Um ano após a semeadura, pelo menos uma semente terá germinado em cada cova e, de seis a oito meses após a germinação, as plantas estarão aptas para serem enxertadas com a parte aérea de um bacurizeiro que tenha boa produção de frutos. Os primeiros frutos surgem de quatro a seis anos após a enxertia.

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PESQUISA

NA LAVOURA

O produtor João Coimbra (à direita) cultiva 9 mil pés de bacurizeiros em sua propriedade. O pesquisador da Embrapa Urano de Carvalho acompanha o trabalho.

VINÍCIUS BRAGA/ EMBRAPA

EXPERIMENTO PIONEIRO NA REGIÃO O trabalho da domesticação de uma espécie silvestre também conta com a ajuda do agricultor. Mesmo sem o rigor do trabalho científico, eles são orientados pela busca por frutos que atendam melhor seus interesses. E assim acaba selecionados variedades que apresentam maior tamanho, melhor de polpa, característica gustativa entre outras. Baseado no que a pesquisa até o momento alcançou sobre o cultivo do bacurizeiro, o representante comercial João Carlos Coimbra deu início em 2012 a um pioneiro plantio comercial de bacurizeiro, em sua propriedade rural no município de Aurora do Pará, no nordeste paraense. Até o momento, ele possui em torno de 9 mil pés plantados com a técnica da semeadura direta. Desses, quatro mil já foram enxertados e outros cinco mil aguardam atingir o ponto de enxertia. O objetivo de Coimbra é alcançar um plantio com 12 mil pés de bacurizeiros. Nos seus primeiros plantios com semeadura direta, cerca de 3,5 mil pés foram consumidos pelo fogo. “Por um in46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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cidente o fogo invadiu o pomar e não sobrou nada dos pés de bacurizeiros”, conta. No entanto, o episódio demonstrou uma das vantagens do método de semeadura direta para o bacurizeiro. Como a raiz se projeta a uma grande profundidade desde o início da germinação, a espécie frutífera pôde apresentar toda sua rusticidade. Os pés de bacuri voltaram a crescer e foram novamente enxertados.

POLINIZAÇÃO

Um dos cuidados que o produtor João Carlos Coimbra teve de observar na formação do pomar foi a seleção de enxertos com origem em diferentes bacurizeiros que apresentavam características

desejáveis. “No município de Bragança, encontrei um agricultor que coletava bacuri nativo e sabia quais produziam os frutos mais saborosos e de melhor rendimento de polpa. Selecionei 36 matrizes e levei as ponteiras para fazer a enxertia”, conta Coimbra. Essa variação é necessária porque a reprodução do bacurizeiro e a produção de frutos depende troca de pólens entre diferentes árvores. O produtor busca garantir um pomar produtivo que atenda uma agroindústria que ele pretende instalar na propriedade quando os pés de bacuri estiverem em plana produção. “Quero aproveitar todo o fruto para a produção de polpa, compota, doce e óleo a partir do caroço para a indústria de perfumaria”, afi rma. RONALDO ROSA/ EMBRAPA

AJUDA DA NATUREZA

Os pássaros são importantes polinizadores dos bacurizeiros na Amazônia


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO PIERRE VERGER

PENSELIMPO

A vida em preto e branco O FOTÓGRAFO FRANCÊS PIERRE VERGER REGISTROU COM SENSIBILIDADE OS POVOS TRADICIONAIS DO BRASIL E DA ÁFRICA

PÁGINA 52

POETA

ALERTA

O escritor Age de Carvalho fala de sua poesia e de sua amizade com um dos principais nomes da literatura paraense, Max Martins. PÁG.46

O biólogo Inocêncio Gorayeb analisa as consequências da redução das unidades de conservação no país. PÁG.58

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PAPO DE ARTISTA

O caminhar de Age de Carvalho ESCRITOR REVELA SUAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM A POESIA, SUA TRAJETÓRIA LITERÁRIA E COMO AS INFLUÊNCIAS DE MAX MARTINS SE CONSOLIDARAM NA SUA OBRA TEXTO NATÁLIA MELLO

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ANGELIKA KROPEJ

A

adolescência é lugar de dúvida e de descoberta para a maioria das pessoas e para Age de Carvalho não foi diferente. Foi em meio a esse turbilhão de sentimentos e busca pelo seu lugar no mundo que despontaram suas primeiras expressões artísticas, impressas em cada verso transposto para o papel ainda aos 16 anos. O primeiro livro, em 1980, foi resultado dos primeiros anos de reconhecimento poético. Mas foi a essência de uma amizade genuína que, segundo Age, permeou o seu caminhar ao longo dos anos como poeta, com ninguém menos que Max Martins. Sua influência é tamanha que Age decidiu organizar a obra do escritor e relançá-la. Sobre essa curadoria e seus projetos como poeta, o que ele denomina como experiência mística, o escritor conversa com a revista Amazônia Viva na entrevista a seguir. Qual é a tua história com a poesia, Age? Como começou? Começou como acontece com todo jovem que, em certo momento da adolescência, procura uma forma de expressão artística para dar conta do mundo com o qual se depara pela primeira vez. Acontece com todos: geralmente é um violão, arranhado sem grande conhecimento musical, ou as primeiras tentativas de

“botar no papel” em versos as dores do mundo. Em ambos os casos, entretanto, há muito sentimento e pouca técnica: aquilo ainda não é música, tampouco é poesia a versalhada mal ajambrada supostamente inspirada. Comigo não foi diferente. Sem nenhuma habilidade para tocar instrumentos, preferi lápis e papel, escrevendo letras de músicas para o meu parceiro idem imberbe que tocava violão, Abílio Henriques, grande amigo desde a primeira infância. Com o Abílio escrevi várias letras, todas esquecidas por mim, cujos cadernos devo ter perdido. Com ele, em seguida, passei a integrar uma banda musical, o Madeira-Mamoré (Abílio, Careca Braga, José Luiz Maneschy, Manel, Moura, Joãozinho Bereré, Jonas e eu, na formação ‘original’), onde prossegui como letrista e — temeridade! — percussionista. Isso começou pelos meus 16 anos. Mas logo vi que trabalho em grupo não era o meu forte (aversão que dura até hoje) e caí fora. Já nessa época eu escrevia os meus primeiros poemas, e não me custou muito deixar o grupo. São desse tempo os primeiros poemas que iriam integrar mais tarde o meu livro de estreia, Arquitetura dos ossos, saído em 1980, poemas escritos entre os 16 e 20 anos. Com esse livro eu encerrava a minha adolescência, aqui se iniciava nova etapa de vida.

POEMAS REUNIDOS

O livro Ainda: em viagem reúne a produção de Age de Carvalho, no período de 2009 a 2014, e considerado pelo autor um dos seus melhores trabalhos publicados

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PAPO DE ARTISTA

“Não posso dizer que tenha ‘inspirações’ para os poemas que escrevo, mas, é verdade, todo poema carrega uma dimensão mística, e preciso de uma certa predisposição de ordem psíquica e intelectual, uma paz de espírito para sentar e trabalhar no poema, o que evidentemente não ocorre diariamente.”

ANGELIKA KROPEJ

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Em que medida a amizade com o Max Martins influencia o teu trabalho? Conheci o Max justo nesse momento do primeiro livro, em abril de 1980, apresentado por Benedito Nunes, que me concedera há pouco, como jurado, o prêmio-publicação da então Secretaria Estadual de Cultura, a Semec: Arquitetura dos ossos dividiria com O risco subscrito, do Max, o primeiro lugar do certame. Esse empate, feliz empate, seria o início da nossa amizade e de futuros projetos juntos. Até então eu nada conhecia da poesia dele, mas tampouco conhecia a de outros poetas importantes, exceto aqueles titulares de qualquer antologia publicada nos anos 70. É da idade essa falta de bagagem intelectual, é natural. O que, entretanto, me inquietava na época. Mas tomar conhecimento da poesia do Max e, mais até que isso, tomar parte do que ele lia, pensava, o que generosamente passava adiante em indicações de leituras e conversas (que valeriam por verdadeiras aulas, sem jamais pretender ensinar o que quer que fosse) foi, para mim, experiência inigualável do que seja a amizade. Foi exatamente isso: conheci a grande experiência que é a amizade. Isso, bem mais que a própria poesia dele, ressoa ainda hoje nos meus poemas. A influência dele se expandiu e ocupa, difusa, plasmada, um imenso lugar na poesia que escrevo. Aliás, tínhamos muito orgulho ambos dessa amizade, não raro tematizada em inúmeras cartas que trocaríamos mais tarde, até enquanto pôde manter a nossa correspondência epistolar, antes de adoecer. Por sinal: essa correspondência, tanto a ativa quanto a passiva, trocada ao longo de 22 anos, detenho em meu arquivo e no momento vem sendo organizada e digitalizada pela Mayara Ribeiro Guimarães, professora da Universidade Federal do Pará, com quem prepararei uma futura edição de uma seleção dessas cartas, acompanhada de minuncioso texto

introdutório dela. Será, de certa forma, o nosso próximo projeto, meu e do Max. No momento, me alegro com a reedição de A fala entre parêntesis, livro que escrevemos juntos, lançado em 1982 e que comemora agora 35 anos de publicação. Farei o lançamento da nova edição, saída pela editora da UFPA (ed.ufpa), durante a próxima Feira Pan-Amazônica do Livro. Quais as tuas inspirações? A noção do poeta ‘inspirado’ é uma concepção do romantismo alemão, que persiste até hoje na memória popular. Não posso dizer que tenha ‘inspirações’ para os poemas que escrevo, mas, é verdade, todo poema carrega uma dimensão mística, e preciso de, digamos, uma certa predisposição de ordem psíquica e intelectual, uma paz de espírito para sentar e trabalhar no poema, o que evidentemente não ocorre diariamente. Tampouco tenho ‘temas’ preconcebidos sobre os quais gostaria de escrever. A poesia não funciona assim. O que posso dizer é que o que escrevo tem a ver diretamente com a minha experiência diária e pessoal, que aos poucos, às vezes a partir de uma pedra-de-toque inicial (que pode ser uma palavra isolada, uma imagem, um verso) me leva a uma nova visão dessa experiência vivida, se transformando — se tenho sorte — nesse artefato que é o poema. Se consigo expressar artisticamente essa nova realidade do que foi antes vivido, então o poema acontece. É difícil falar sobre essas coisas. Aliás, não se deveria jamais falar sobre o que é mágico e carrega um segredo. É nesse sentido que digo que a poesia é uma experiência mística.

Podes comentar como se deu o processo de produção do livro Ainda: em viagem, que concorreu ao prêmio Oceanos? Não tenho exatamente um plano de livro. Escrevo e acumulo os poemas até formarem bom volume para publicar, geralmente em torno de 60 a 70 poemas. Ainda: em viagem reúne a produção do período


EDUARDO KALIF / AGÊNCIA PARÁ

2009-2014, dando seguimento — também no que diz respeito a uma certa linguagem mais consciente de suas intenções — aos dois livros anteriores, Caveira 41 (2003) e Trans (2011). Esses três livros, me parece, são os melhores dentre os que publiquei. Com relação a prêmios, confesso que perdi a confiança nisso, vendo a lista dos jurados. Contam-se nos dedos de uma mão os críticos brasileiros que podem falar de poesia, hoje. E esses geralmente não se encontram no júri, infelizmente.

EM MEMÓRIA DE UM AMIGO

Age de Carvalho presta uma espécie de homenagem póstuma a Max Martins (acima), reeditando a obra do poeta paraense através da ed.ufpa

Como foi ser escolhido para a curadoria e organização da coleção das obras de Max? A coisa não se deu dessa forma: fui eu que, em 2014, propus à ed.ufpa a reedição da poesia completa do Max, projeto que foi acolhido com entusiasmo pela sua diretora, Simone Neno, viabilizando o empreendimento e topando o que eu pedia: uma edição, livro a livro, com projeto gráfico refi nado e irrestrita autonomia na organização e realização do projeto. Resolvi ampliar a fortuna crítica do Max, dar-lhe enfi m a justa atenção merecida, convidando nomes realmente expressivos da crítica brasileira para escreverem os prefácios dos livros: aí temos Davi Arrigucci Jr., Luiz Costa Lima, Flora Süssekind, Maria Esther Maciel, Eliane Robert Moraes, entre outros, além do primeiro leitor e crítico, certamente o maior conhecedor da poesia do Max, que foi Benedito Nunes. Convidei também aqueles próximos da sua poesia, que o acompanharam de perto e escreveram sobre ele. Com esse time de bambas e o suporte da ed.ufpa, os livros vieram lentamente à lume, compondo atualmente sete volumes publicados do total de onze, agora com o apoio do atual reitor, Emmanuel Tourinho, que leva o projeto adiante com determinação. Sou grato à UFPA. Logo após a morte do Max, prometi-me reeditar a obra completa do meu amigo, voltar a colocá-la em circulação em grande estilo, sem saber direito como e quando. Quando apareceu a oportunidade, em 2014, não pensei duas vezes e mergulhei nessa aventura. MAIO DE 2017

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Pierre Verger 1902-1996

Pelas lentes de um aventureiro TEXTO ANA PAULA MESQUITA ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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P

ierre Edouard Leopoldo Verger adotou como suas paixões as viagens e a fotografia. Realizou trabalhos fotográficos que registravam o cotidiano e as culturas populares pelos lugares que visitou. Essas paixões e registros lhe renderam o título de antropólogo e etnólogo e seus trabalhos ganharam destaque em vários campos de atuação como, museus, universidades e jornais. Nascido em Paris, França, em 4 de novembro de 1902, Verger escreveu 18 obras. Entre as mais importantes estão “Lendas Africanas dos Orixás”, com Carybé, e “Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos Entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos nos Séculos 17 a 19”. Verger era um aventureiro. De família rica, aos 30 anos de idade, já sem pai e mãe, decidiu correr o mundo. Aprendeu com o amigo Pierre Boucher noções de fotografia e com uma câmara Rolleiflex deu início a uma vida livre e de não conformismo. Partiu para a primeira viagem de muitas pelos cinco continentes: o Taiti. Foram quase 14 anos consecutivos de viagens ao redor do mundo, vivendo apenas da fotografia, que eram negociadas com jornais e centro de pesquisas. Paris se tornou um lugar de visita, apenas para rever os amigos, que eram muitos. A pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Denise Cardoso, diz que Pierre Verger veio ao Brasil porque, em sua época, muitos fotógrafos franceses estavam fazendo registros da realidade brasileira. Ela conta que Verger já conhecia obras de artistas plásticos e escritores brasileiros, o que despertou o interesse de conhecer o Brasil. Mas o que chamou a atenção do fotógrafo no país foi a riqueza da diversidade cultural da Bahia. Tanto que fixou morada por muitos anos em Salvador. Pierre Verger preferia a companhia do povo e dos lugares mais simples. Os negros, que eram a maioria na Bahia, despertavam sua atenção. O fotógrafo não perdia tempo, os registrava. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos.

Mas o francês também conheceu a Amazônia. Como sua preferência era registrar as diversidades culturais e aqueles que eram “invisíveis” na sociedade, Verger não encontrou dificuldades na região. A feira do Ver-o-Peso foi um dos principais locais capturados pelas lentes do pesquisador-fotógrafo. “Aqui ele manteve essa marca e as imagens, principalmente são do Ver-o-Peso, da pedra do Ver-o-Peso, das embarcações, das pessoas na dinâmica do mercado. Assim como em outras regiões do Brasil, ele fez esse apanhado imagético”, aponta Denise Cardoso. Já no candomblé, Pierre Verger encontrou a vitalidade do povo baiano e se tornou um estudioso do culto aos orixás. Esse interesse pela religiosidade de origem africana lhe rendeu uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948. Foi o início do fotógrafo no campo da pesquisa. O envolvimento com o candomblé foi tão intenso que em 1953, Verger foi iniciado na religião dos povos iorubás como babalaô (“pai do segredo”), recebendo, assim o nome de Fatumbi, que significa – “nascido de novo graças ao Ifá”, sendo o “Ifá” um oráculo do candomblé. A história, os costumes e a religião praticada pelos povos iorubás na África e na Bahia, passaram a ser os temas centrais da obra de Verger. O fotógrafo que tornou-se antropólogo colaborando para várias universidades, registrou todas as suas pesquisas em artigos e livros. Em 1960 o seu trabalho foi reconhecido internacionalmente e recebeu o título de doutor pela Universidade de Sorbone. “Pierre Verger une a estética da fotografia com a questão da antropologia e a diversidade cultural. Nas fotografias dele existe muita beleza, muita significação, um jogo de sombra e luz e toda uma dinâmica do cotidiano que retratava as práticas culturais de diferentes povos”, destaca Denise Cardoso. O etnólogo e fotógrafo francês Pierre Fatumbi Verger morreu no dia 11 de fevereiro de 1996 em Salvador, Bahia, de edema agudo no pulmão e insuficiência cardíaca, aos 93 anos, e foi enterrado no cemitério da Ordem Terceira, um dos mais humildes da capital baiana. MAIO DE 2017

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AGENDA CLAUDIO SANTOS / AGÊNCIA PARÁ

FLORESTA

A exposição fotográfica “Já Fui Floresta”, de José Medeiros, pode ser vista no Espaço Cultural Banco da Amazônia, na avenida Presidente Vargas, 800, até o dia 16 de junho. A mostra aborda a relação dos indígenas com o mundo globalizado e mostra o cotidiano e costumes dessa população. O horário de visitação é de segunda a sexta, das 9h às 17 horas. A entrada é gratuita.

DESCOLONIZAR

CONHECIMENTO

Feira Pan-Amazônica do Livro 2017 De 26 de maio a 4 de junho o público vai poder participar da XXI edição da Feira Pan-Amazônica do Livro. O evento vai ser realizado no Hangar, na avenida Dr. Freitas, bairro do Marco, no horário de 10h às 22h. A entrada é gratuita. Este ano, a feira presta uma homenagem ao poeta Mário Faustino e à Poesia. Mário nasceu em Teresina, no Piauí, e ainda muito jovem se tornou redator e cronista na Província do Pará e na Folha do Norte. Em 1955, o autor publicou seu único livro de poemas “O Homem e sua Hora” e logo se mudou para o Rio de Janeiro, onde ficou conhecido por seu trabalho de divulgação da poesia no Jornal do Brasil. Em 1962, aos 32 anos, o jovem poeta morreu em decorrência de um acidente de avião.

ASTRONOMIA

Além de homenagear o autor, a programação da XXI edição da Feira do Livro vai contar ainda com diversas atrações. Entre os convidados já confirmados para o evento estão o cantor e compositor Moraes Moreira, que participará de um encontro de escritores no qual apresentará seu trabalho sobre cordel, Arnaldo Antunes, que fará o show de encerramento, e a escritora portuguesa Dulce Cardoso, que vem ao evento contar mais de seu trabalho e experiência. A última edição da Feira do Livro teve a participação de mais de 310 mil pessoas e contou com mais de 755 mil obras literárias vendidas. Este ano, de acordo com os organizadores, a expectativa é que os números sejam ainda maiores.

O Núcleo de Astronomia da Universidade Federal do Pará (Nastro) está com as inscrições abertas para receber turmas de alunos do ensino fundamental e médio das escolas de Belém. O espaço promove diversas atividades, incluindo observações astronômicas e estudos sobre o universo. A ideia é estimular o desenvolvimento científico dos visitantes. Mais informações: (91) 3201-7889.

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O projeto Descolonizar, que visa proporcionar um pensamento crítico sobre temas atuais, apresenta o debate “Movimento de Negritude, Negritude em Movimento”, com Zélia Amador, dia 16 de maio, às 19h30, no Sesc Boulevard, localizado na Boulevard Castilhos França, 522, Campina. A programação é gratuita e acessível em Libras. Os ingressos serão entregues uma hora antes, no dia do evento. Mais informações na página descolonizar.tumblr.com.

DANÇA Estão abertas as inscrições para a oficina de dança do projeto “Do nosso Jeito” . O curso é voltado para a inclusão social de deficientes físicos e intelectuais e atende pessoas com Síndrome de Down, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), deficiência auditiva, paraplegia e paralisia cerebral. As aulas são realizadas às terças e quintas, das 14h às 16h, na Casa das Artes, localizada ao lado da Basílica. O projeto é gratuito e fica aberto até o fim do ano.

SAÚDE O Congresso Nacional Multidisciplinar da Saúde e Bem-Estar será realizado nos dias 16, 17 e 18 de maio, de 14h às 21h, no Centro de Eventos Ismael Nery, no Centur, na avenida Gentil Bittencourt, 650. O tema do encontro será “Os Desafios Encontrados pelos Profissionais da Saúde no Tratamento Humanizado na Saúde Pública”. Mais informações no site conmsaber.com.br.


FAÇA VOCÊ MESMO

Peixinho de garrafa PET As garrafas PET são recursos que podem ser reciclados de muitas formas, indo de vassouras a brinquedos. E para as crianças ou apenas para decoração, os instrutores da Fundação Cultural do Pará - Oficinas Curro Velho ensinam a fazer um peixinho. Bem colorido e barato de fazer,

Do que vamos precisar?

Garrafa PET

Tinta para artesanato

Pincel

Fita adesiva transparente

Olhos grandes de

além de ajudar na reciclagem do plástico. Dá para fazer de vários tamanhos e cores. E ainda vai entreter os pequenos com uma atividade manual artística e ambientalmente educativa. E como os peixes são bem coloridos, é possível experimentar muito e variar nos materiais.

plástico ou EVA •

Tesoura com pontas arredondadas

Cola quente

DILMA TEIXEIRA, COORDENADOR DE ARTES VISUAIS/ OFICINAS CURRO VELHO | LUIZA NEVES, TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL FLÁVIA FREITAS, INSTRUTORA | JORDANE DOS SANTOS, MODELO | LEANDRO RIBEIRO, FOTOGRAFIAS / ASCOM/FCP

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FAÇA VOCÊ MESMO

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Comece retirando a tampa da garrafa PET e recortando o fundo;

Junte as laterais cortadas em ponta de lança usando pedaços de fita adesiva transparente;

2

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Amasse a garrafa, pressionando-a com as mãos;

Pinte o peixe, com as tintas escolhidas, e espere secar muito bem a peça antes de continuar a confecção;

3

6

Corte, um pouco acima do fundo da garrafa, duas pontas de lanças, uma de cada lado da garrafa, para terminar de criar a cauda do peixinho;

Para finalizar a peça, assim que estiver bem seca, basta colar os olhos em seu peixe, com a pistola de cola quente. O peixinho sustentável está pronto!

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


BOA HISTÓRIA

Mofo

que zanzava, também diziam sem provas, como um diligente hóspede. Nunca confirmaram nada. A bobagem da boataria cessou aos poucos e só moradores muito antigos mencionavam. A casa dilapidada se incorporou à paisagem de forma inofensiva ou como algo muito antigo que ninguém se incomoda mais com a existência. As estórias pararam de vez com a chuva incessante que durou mais de dez anos e devastou os condomínios ao redor. A área se tornou tão calamitosa que os prédios viraram enormes caixas de sapato vazias, porque os moradores abandonaram tudo em busca de um lugar sem a torrente diária. A casa, por milagre, não foi ao chão, mas a madeira ganhou consistência de rolha nas partes mais firmes e papelão nas mais frágeis. Os esteios e ripas do telhado estavam prestes a sucumbir a umidade e aos cupins. O estio veio aos poucos, num maio qualquer, mas o ar se manteve molhado por meses e o fedor de mofo se espraiava por tudo. No primeiro Sol, a porta da casa se moveu pela primeira vez em anos. O homúnculo olhou pela fresta para a solidão provocada pelos temporais e os raios de um dia bonito como poucos iluminaram um rosto esverdeado, quase transparente, com um sorriso desgastado e falho. Perdeu o medo e saiu do pequeno sobrado, de fraque e cartola para cobrir a cabeça com pouquíssimos fios, como quem salta de dois séculos atrás, para ganhar a rua e descobrir o que aconteceu com a cidade desde os tempos do seu exílio pessoal.

LEONARDO NUNES

Derrubaram tudo em volta, mas ninguém localizou o dono daquela casa para negociar a propriedade e, então, derrubar, escavar, fundear, construir e arranhar o céu da cidade. Depois de muita procura infrutífera, ergueram os espigões ao redor e esqueceram o terreno, de mato baixo e árvores com troncos cinzas e copas como grandes mãos a proteger o sobrado com átrio a varanda. À noite, a imagem atraia os passantes: a luz em torno dos muros monitorados com câmeras e coroados com cerca elétrica mal chegava ao casario de beleza esvanecida. Estava aos cacos: a pintura descascadas, uma pichação ilegível encimava a platibanda, as vidraças eram olhos vazados por pedradas e a porta, nada convidativa, vivia entre aberta à espera das visitas que nunca apareciam. Até tentaram por um tempo. Gente estranha, vidrada, de estranhos hábitos, vazios por dentro: mal entraram já foram embora, assombrados sem contar nada. Os boatos sobre o morador do casarão começaram do nada. Diziam que o vulto passeava tranquilo pelo abandono da moradia, como se nela estivesse tudo em lugar devido e não a reviravolta dos saques e das violações seguidas impostas pelos anos. Em noite de breu, eram os barulhos de passos quase imperceptíveis que simulavam cenas de um cotidiano inexistente: alguém arrumando uma estante, varrendo um corredor, seguindo para a cozinha, inquieto ao redor da cama. Nas de lua nova ou relâmpagos, era a sombra

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

A redução das Unidades de Conservação

INOCÊNCIO GORAYEB é mestre e doutor em Entomologia, pós-doutor em sistemática zoológica e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi 58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Neste ano, uma comissão mista de deputados e senadores apreciou a Medida Provisória 756/2016, que propõe a redução de um conjunto de áreas protegidas do oeste do Estado do Pará, na área de influência da BR-163. Esta proposta poderá deixar vulneráveis cerca de 660 mil hectares de áreas protegidas da Amazônia. Conforme a proposta, a Floresta Nacional do Jamanxim perde em torno de 486 mil hectares que se transformariam em Área de Proteção Ambiental do Jamanxim; sendo a APA a mais frágil de todas as categorias de Unidades de Conservação (UCs) quanto a permissividades de atividades de uso da terra, alterações de florestas e propriedade da terra. São terras públicas da União com grandes áreas de florestas, que poderão ser transformadas em propriedades privadas com explícito interesse especulativo, pecuário e minerário. A Medida Provisória também transforma em APA mais de 180 mil hectares da Reserva Biológica da Serra do Cachimbo e ainda reduz mais de 20% o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina. Trata-se de uma fronteira agrícola estabelecida de crimes ambientais como grilagem de terras públicas, garimpo ilegal, tráfico de madeira e invasão de áreas protegidas. Organizações não governamentais, ambientalistas e pesquisadores têm criticado a diminuição das UCs, como um precedente perigoso porque beneficia e premia os grileiros, pecuaristas, desmatadores, mineradores, especuladores e outros que invadiram áreas de UCs e hoje seriam premiados, por não terem sido punidos e ainda ganhariam a propriedade destas MAIO DE 2017

terras. Seria uma novidade que abre formas para desrespeitar a legislação ambiental e as instâncias de decisão que deveriam participar, pelo menos com argumentação técnica, do processo de análise destas questões. A decisão através de Medida Provisória, nestes casos, é uma novidade, sem escutar, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio, os Conselhos das UCs, o Conama, as instituições de Ensino e Pesquisa, a SBPC e organizações da sociedade civil. É provável que a sociedade e a comunidade mais relacionada com estas UCs em questão são contra as áreas protegidas, porque há anos a economia destas vilas e cidades dependem do processo ilegal de invasão, uso e desmatamento das terras protegidas. É muito fácil e lucrativo invadir terras protegidas da União, vender a madeira, desmatar e instalar a pecuária e agricultura, e depois conseguir a propriedade das terras. Este processo está acontecendo no momento em que o desmatamento vem aumentando nos últimos anos e desrespeita compromissos assumidos internacionalmente no âmbito das convenções do clima e da biodiversidade da ONU, e também ameaça a agricultura e o abastecimento da água no centro sul do país, porque a Amazônia é responsável por grande parte da chuva que ocorre nestas regiões. Espera-se que um debate mais amplo, obviamente necessário, seja reaberto para ampliar a instrução sobre a questão e não permita a vitória vergonhosa de um pequeno grupo de deputados que têm se posicionado em favor dos grileiros, desmatadores e invasores de terras.

“Espera-se um debate mais amplo sobre a questão e que não permita a vitória vergonhosa de um pequeno grupo de deputados”


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