Amazônia Viva Ed. 33 / Maio 2014

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL.. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

MAIO 2O14 | EDIÇÃO NO 33 | ANO 3 ISSN 2237-2962

TESOUROS DO PARÁ GUARDADOS NOS

MUSEUS Conheça o acervo histórico, científico, cultural e artístico de algumas das principais instituições do Estado que conservam objetos raros de alto valor para a formação da sociedade

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO


Nós valorizamos a Nós valorizamos a

A Vale apoia a música brasileira, uma das principais expressões A Vale apoia a música brasileira, principais expressões do nosso povo. Temos orgulho em fazer uma partedas da história da premiação do prestígio nosso povo. eme fazer parte da história premiação de maior daTemos músicaorgulho nacional em ter ajudado a criarda a turnê de maior prestígioBrasileira, da música nacional em teriniciativa ajudado aacriar a turnê do Prêmio da Música levandoe essa diversas dodo Prêmio Música Brasileira, levando essa iniciativa a diversas regiões país.da Para a Vale, incentivar a cultura é uma forma regiões do país. Para Vale,ao incentivar de inspirar as pessoas e daravida talento. a cultura é uma forma de inspirar as pessoas e dar vida ao talento.

A Vale patrocina o Prêmio da Música Brasileira por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). A Vale patrocina o Prêmio da Música Brasileira por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).

vale.com/brasil

vale.com/brasil



A riqueza dos museus O Estado possui um vasto acervo histórico, científico e cultural guardado em instituições públicas à espera de mais visitantes. ASSUNTO DO MÊS, PÁG. 36

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MAIO 2014


MAIO 2O14

MAIO 2O14 | EDIÇÃO NO 33 | ANO 3 ISSN 2237-2962

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL.. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

EDIÇÃO Nº 33 / ANO 3

NOSSA CAPA Relíquia da cultura paraense preservada no museu FOTO: CARLOS BORGES

Fabrício Marques

TESOUROS DO PARÁ GUARDADOS NOS

MUSEUS Conheça o acervo histórico, científico, cultural e artístico de algumas das principais instituições do Estado que conservam objetos raros de alto valor para a formação da sociedade

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

IDEIAS VERDES, PÁG. 33

Delicioso avuado CONCEITOS AMAZÔNICOS PÁG. 19

Josafá Barreto QUEM É?, PÁG. 18

E MAIS

CARLOS BORGES

EDITORIAL Casas da memória PRIMEIRO FOCO Notícias FATO REGISTRADO Fazenda Morelândia CARTA ABERTA Comentários dos leitores MUDANÇA DE ATITUDE Equipamentos elétricos EM NÚMEROS Herbário virtual da Embrapa OLHARES NATIVOS Temas amazônicos COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL São Félix do Xingu PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR Inverno amazônico VIDA EM COMUNIDADE Moqueio, a moeda e Mosqueiro CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE Preguiça ARTE REGIONAL Muiraquitãs vivos NA LISTA Pontos Heróis regionais UM DEDO DE PROSA Denis Bezerra MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS Alonso Rocha AGENDA DE EVENTOS Simpósios e artes FAÇA VOCÊ MESMO Porta-joias verde BOA HISTÓRIA Gaiola NOVOS CAMINHOS Inocêncio Gorayeb

FERNANDO SETTE

O6 O7 17 17 19 2O 22 44 46 47 5O 51 54 56 6O 62 63 65 66

Dinheiro social no bolso dos mosqueirenses Os moradores da Baía do Sol, em Mosqueiro, experimentam a Economia Solidária em suas relações comerciais através do moqueio, moeda própria que circula na ilha. VIDA EM COMUNIDADE, PÁG. 46 MAIO 2014

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DA EDITORIA

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA MAIO 2014 / EDIÇÃO Nº 33 ANO 3 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAN Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO cARLOS bORgES

Casas da memória

O

s museus são espaços que guardam a história de um povo, de um lugar. São locais onde o passado e o presente dialogam em favor da preservação da memória e da cultura para as gerações futuras. Por serem residência da dimensão criativa de uma sociedade, como afirma o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), são tão importantes para a formação pessoal dos cidadãos que suas visitações merecem ser mais estimuladas pelo poder público, empresas privadas, centros sociais, igrejas, escolas e universidades. Em alusão ao Dia Internacional dos Museus, em 18 de maio, propomos, nesta edição, tratar de um tema que poucas vezes se vê em rodas de debate: o reconhecimento e a valorização da própria história com ênfase nessas instituições. A

pauta para a reportagem de capa surgiu a partir da devolução ao Museu Goeldi do livro Rerum Medicarum Novae Hispaniae, obra desaparecida havia cinco anos e encontrada nos Estados Unidos numa casa de leilões. A obra do médico espanhol Francisco Hernandez estava avaliada em torno de 200 mil dólares. Como forma de mostrar a importância de zelar por esses espaços que preservam a nossa identidade, visitamos alguns museus do Estado, entre eles o próprio Goeldi, para apresentar um riquíssimo acervo histórico, científico, artístico e cultural existente na Amazônia. Um tesouro intelectual que não está restrito somente a grupos de pesquisa ou quem se interessa pelo assunto, mas a todos que desejam manter a memória da região amazônica sempre viva, pulsante e expressiva.

Diretor Corporativo de Jornalismo WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA Diretor de Novos Negócios RIBAMAR GOMES Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretores JOSÉ EDSON SALAME JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor chefe FELIPE MELO (SRTE-PA 1769) Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Vale, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Fundação Curro Velho (acervo); Thiago Barros, Camila Machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, Anderson Araújo, Moisés Sarraf, Abílio Dantas, Brenda Pantoja (reportagem); Moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Janine Bargas (produção); Hely Pamplona, Fernando Sette, Carlos Borges, Roberta Brandão, Oswaldo Forte (fotos); André Abreu, Leonardo Nunes, Jocelyn Alencar, Andrey Torres, Sávio Oliveira, Márcio Euclides (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9 Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br PRODUÇÃO

FeLIPe MeLo Editor chefe

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revista iMpressa CoM o papel CertiFiCaDo pelo FsC - Forest steWarDsHip CounCil


RObERTA bRANDãO

PRImEIRO PRImEIROFOCO FOCO o Que É NotÍcIa Para a AMAZÔNIA

Periferia com outros olhos Grupo Tela Firme produz documentários sobre a realidade e a cultura da Terra Firme, um dos bairros mais populosos de Belém Abílio Dantas

Monitoramento Municípios brasileiros podem prever grandes chuvas e se proteger de enchentes. Pág. 13

Roberta Brandão

Proteção Moradores de Carajás acompanham projeto de preservação de araras-azuis. Pág. 15 MAIO 2014

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PRIMEIRO FOCO

EM EQUIPE Harrison Lopes e Maílson Souza capturam imagens na Terra Firme para depois serem editadas e publicadas na internet

H

á mais de 50 anos, Antônio Trindade e a esposa escolheram um local, até então, pouco habitado em Belém para construir sua moradia e proporcionar uma vida melhor a seus filhos. Nesse processo de ocupação, as dificuldades foram muitas, como a falta de transporte público para outros locais da capital paraense e a ausência de saneamento básico. Hoje, Seu Trindade diz que a vida mudou. Assim como também mudou a parte da cidade que ajudou a criar e hoje abriga cerca de 90 mil habitantes: o bairro da Terra Firme.

Essa e outras histórias sobre a formação histórica e cultural do bairro estão na segunda edição do programa “Tela Firme”, divulgado na internet. Exibido no último programa, o minidocumentário “Terra Firme”, de aproximadamente 12 minutos, foi produzido com o intuito de compartilhar informações mais específicas sobre a dinâmica social do bairro e apresentar os locais que fazem parte da vida dos moradores. “Existe muito preconceito com as pessoas por conta da marginalização da Terra Firme feita pela mídia. Mas aqui existe uma cultura muito rica. Por isso, estamos mostrando

o outro lado”, afirma Thalisson Assis, de 17 anos, estudante e repórter da produção. Junto com Francisco Batista, geógrafo e apresentador; Fraan Silva, estudante e repórter; Vanessa Alves, roteirista e Maílson Souza, diretor, ele compõe o grupo Tela Firme, que também conta com a colaboração de Harrison Lopes, Matheus Melo e Verinaldo Melo. Formado por jovens moradores da Terra Firme interessados pela linguagem audiovisual, o Tela Firme nasceu a partir dos anseios em comum. “Desde 2011 tínhamos a ideia de criar um programa para ser exibido na internet. Aos poucos, fomos nos conhecendo e a brincadeira foi se tornando coisa séria”, lembra Francisco Batista. Alguns deles já possuíam experiências com vídeo. Fraan Silva e Thalisson começaram na área realizando um jornal de humor para web e Maílson Souza, após concluir o curso de Comunicação Popular do Instituto Universidade Popular (Unipop), ingressou no projeto como diretor e produtor. O grupo trabalha sem apoio financeiro e sustenta-se a partir da gestão coletiva. Tudo

INFORMAÇÃO Para o apresentador Francisco Batista, o Tela Firme ajudar a reduzir o preconceito pelo bairro

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é decidido de forma conjunta, inclusive os assuntos a serem abordados. A primeira edição do programa, intitulada “Carnaval”, teve como tema os vários aspectos da festa popular no bairro. Para o segundo programa, a escolha não poderia ser outra. “Precisávamos falar da Terra Firme. Das nossas particularidades, pois acreditamos que dar visibilidade ao bairro traz ganhos”, explica Francisco. Para a elaboração do roteiro, foram utilizadas informações da Cartografia Social da Terra Firme. A partir do documento foi possível conhecer o número atual de moradores e detalhes da vida religiosa e alimentícia do bairro. “Eu não sabia, por exemplo, que havia 100 pontos de venda de açaí na Terra Firme”, revela Fraan Silva. A cultura popular e o caos urbano são também alguns assuntos do documentário. As histórias e mitos amazônicos, como a Matinta Pereira, estão presentes na narrativa jornalística assim como da falta de limpeza nas feiras livres do bairro. “Partimos do ponto de vista de quem está dentro da realidade do bairro. Por isso, a comunicação popular é diferente da tradicional”, acredita o colaborador Harrison Lopes. Apesar do Tela Firme estar ainda no começo, com duas produções no catálogo, muitos planos já foram traçados. Existe a ideia de que não apenas a Terra Firme seja tema de notícias, mas também outros bairros da periferia de Belém. O audiovisual também não será a única linguagem a ser trabalhada.

MARTINICA

PAÍS CARIBENHO FAZ PARCERIA COM O PARÁ

EXPERIÊNCIA Fraan Silva é repórter do projeto “Queremos criar um núcleo de comunicação, que produza também jornais impressos e programas de rádio”, afirma Francisco.

SERVIÇO Assista aos programas do Tela Firme Carnaval #1: http://goo.gl/c0IDlP Terra firme #2: http://goo.gl/2BNJT5

REALIDADE O grupo percorre o bairro em busca de boas histórias para a pauta dos programas da web

O presidente do Conselho Regional da Martinica, Serge Letchimy (abaixo), assinou um termo de cooperação com o governo paraense para colaboração no desenvolvimento de energias renováveis, biodiversidade, transferência de tecnologia no campo da agroindústria e pecuária, entre outros aspectos. “Nós precisamos da experiência paraense em todas essas áreas de inovação. A biodiversidade, a bioquímica e as riquezas genéticas vegetais são áreas de pesquisa e criação que precisam ser exploradas juntas”, afirmou. Ele participou do seminário “Biodiversidade e Desenvolvimento”, na Universidade Federal do Pará, onde defendeu que discutir sustentabilidade e desenvolvimento econômico é fundamental para os governos atuais. EDUCAÇÃO DIVERSIDADES AJUDAM A COMPLEMENTAR O APRENDIZADO O professor José Carlos Libâneo (abaixo), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), participou do II Encontro Regional de Didática e Prática de Ensino da Amazônia (Erdipea), na Universidade do Estado do Pará (Uepa). Ele argumentou que, segundo os elementos da didática, devem ser consideradas as práticas socioculturais em que vivem os alunos, o que inclui a diversidade sociocultural. “São práticas determinantes para o modo de apropriação do conhecimento e para a constituição da identidade da pessoa”, enfatizou. Ele acredita que a diversidade deve ser integrada na prática, dentro da sala de aula, como parte dos conteúdos e metodologias dos professores, em vez de ser tratada em si mesma como um currículo separado. FOTOS: ALEXANDRE MORAES / divulgação

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PRIMEIRO FOCO RELATÓRIO

Ações sociais da Vale chegam a mais de 100 municípios Dados do Relatório de Sustentabilidade 2013 da Vale, lançado no dia 29 passado, dão uma dimensão da atuação social da empresa, que investiu US$ 265 milhões em ações sociais. Entre os destaques da publicação, estão os programas da Fundação Vale, que ano passado beneficiou 107 municípios brasileiros, contribuindo para o compromisso da Vale em deixar um legado positivo para as comunidades próximas às suas operações e projetos por meio da promoção do diálogo aberto e respeito mútuo. A Fundação Vale, que completou 45 anos no ano passado, trabalha sob a perspectiva do desenvolvimento territorial, realizando investimentos sociais voluntários a partir das demandas locais, como nas áreas de saúde, educação e geração de trabalho e renda, além da capacitação profissional de jovens. A partir do princípio de que de-

senvolvimento sustentável não é tarefa que possa ser realizada de forma isolada, por um único responsável, a Fundação Vale busca estabelecer alianças intersetoriais estratégicas, com base no conceito de Parceria Social Público Privada (PSPP), que pressupõe a união de esforços, recursos e conhecimento da sociedade civil, governos e empresas em torno de uma agenda comum. “Entre as parcerias fechadas em 2013, podemos destacar as alianças com o Ministério da Saúde, para ações voltadas nos municípios próximos à Estrada de Ferro Carajás e com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, para a realização de ações de mobilização para o enfrentamento da exploração sexual infantojuvenil”, explica a diretora de Relações com Comunidade da Vale e diretora-presidente da Fundação Vale, Isis Pagy.

atuação no país

TEATRO

RESTAURAÇÃO

O Teatro São Cristóvão será completamente restaurado e vai reviver os dias de glória das décadas de 1950 a 1970, quando era palco de manifestações da cultura popular. O prédio em ruínas, localizado no bairro de São Brás, já recebeu grandes nomes da música brasileira, como Roberto Carlos e Vinícius de Moraes. Serão corrigidos detalhes como a inclinação do piso da plateia, que possui 200 lugares e tratamento acústico, além de climatização. A reforma do imóvel erguido em 1913 é resultado do convênio entre o Ministério da Cultura e o Governo do Estado.

CULTIVO

OSTRAS

O cultivo de ostras deve ser implantado em Salinópolis, no nordeste paraense, no Parque Aquícola Marinho de Arapepó. O objetivo da Secretaria Estadual de Pesca e Aquicultura (SEPAq) é instalar uma Unidade Demonstrativa de Cultivo de Ostra Nativa na área e incentivar a atividade em todo o litoral paraense. O projeto está em fase de elaboração e será encaminhado ao Ministério da Pesca e Aquicultura, que deve apoiar com recursos financeiros e técnicos.

Conheça alguns números do Relatório de Sustentabilidade 2013 da Vale

CARROS

107

2 mil

é o número de municípios beneficiados pelo Fundo Vale no País

professores e gestores escolares receberam formação em 28 municípios

265 milhões

205 produtores

de dólares foi o investimento da Vale em ações sociais

23 mil

pessoas, entre crianças, gestantes e lideranças comunitárias, foram atendidas na área da saúde

familiares foram beneficiados em ações com foco em geração de trabalho e renda

1 mil

jovens foram capacitados profissionalmente

FONTE: Relatório de Sustentabilidade 2013 da Vale

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POLUIÇÃO

Em oito anos, a frota de automóveis no Pará vai ultrapassar a marca de um milhão, prevê o Departamento de Trânsito do Estado do Pará (Detran). Antes disso, em 2020, haverá pelo menos 343,5 mil veículos só em Belém, uma média de 25 para cada cem habitantes da cidade. A consequência inevitável do aumento da quantidade de carros parece ser a maior emissão de gases de efeito estufa, mas se a indústria brasileira de automóveis adotar a meta de eficiência energética europeia, estas emissões podem cair em 24%, mesmo com a estimativa de duplicação da frota atual do país até 2030. O cenário é apontado em um estudo divulgado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


FLAVYA MUTRAN / divulgação

paula sampaio / divulgação lúcia gomes / divulgação

ARTE

PROJEÇÃO

lucie scheiner / divulgação

Com a proposta de organizar uma mostra coletiva inovadora, o projeto “Projeções do Feminino” combina o trabalho de várias artistas em diferentes plataformas. O desafio da artista visual Roberta Carvalho foi o de desvendar a arte contemporânea produzida por mulheres da Amazônia. As obras, entre gravuras, fotografias e pinturas, foram transportadas para as ruas e monumentos históricos de Belém através do videomapping. A técnica de projeção permitiu que as imagens fossem dispostas na fachada da Igreja de Santo Alexandre, no bairro da Cidade Velha, em Belém. “As obras mapeadas geram um efeito único, lúdico e iluminado nos espaços ocupados pelo projeto, ressignificando o trabalho das artistas e a cidade”, explica Roberta. A iniciativa contempla outras seis mulheres: as fotógrafas Flavya Mutran e Paula Sampaio, além das artistas JJ Nunes, Keyla Sobral, Lúcia Gomes e Lucie Schreiner. No dia 15 deste mês, será a vez de Rio Branco, no Acre, receber a exposição. Todas as intervenções urbanas serão filmadas para compor um documentário.

A

DO FEMININO No sentido horário as obras de Flávia Mutran, Paula Sampaio, Lucia Gomes e Lucie Scheiner

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DIVULGAÇÃO

PRIMEIRO FOCO por apresentar consumo energético reduzido e possibilidade de recuperar as qualidades da área. A técnica aproveita os micro-organismos presentes e que demonstram capacidade de combate aos produtos contaminantes, sem queimar ou incinerar o solo. O laboratório é coordenado pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e é resultado de parceria com a Petrobras.

RADIOATIVO

ARMAZENAMENTO

MARAJOARA Hely Pamplona se inspira na região FOTÓGRAFO

Homenagem

SOLO

BIORREMEDIAÇÃO

Tecnologias para recuperar solos contaminados serão estudadas no Laboratório de Bioprocessos para Ensaios de Biorremediação nas Escalas de Bancada e Piloto, inaugurado em março pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A unidade vai desenvolver projetos de biorremediação de solos, uma tecnologia ambientalmente adequada

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CONCURSO

“Personalidades Negras” é o tema da segunda edição do Prêmio Curta Histórias, em homenagem ao centenário do ativista Abdias Nascimento, importante figura na luta pela igualdade racial no Brasil. O concurso é voltado aos alunos da Educação Básica na rede pública de ensino de todo o país e é promovido pelo Ministério da Educação, com apoio da Fundação Vale. Para concorrer, os estudantes elaboram vídeos, de até um minuto, que abordem as relações étnico-raciais, utilizando telefones celulares ou câmeras fotográficas digitais. O objetivo é combater as distintas formas de discriminação, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática e plural. A premiação ocorrerá em Brasília, no dia 28 deste mês. Mais informações, no site www.curtahistorias.mec.gov.br. DIVULGAÇÃO

O fotógrafo Hely Pamplona, colaborador da revista Amazônia Viva, foi homenageado pela Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam) durante o Fórum Marajó Sustentável, realizado em Belém, no mês passado. Ele foi uma das 50 personalidades agraciadas com a Honra do Mérito Marajoara, graças ao trabalho de conscientização ambiental que promove através da fotografia há mais de 30 anos. Durante o evento, ele também foi convidado pela prefeitura de Muaná e de outros municípios do arquipélago marajoara a ministrar minicursos de fotografia para os estudantes da região. “A Amazônia Viva é uma vitrine das nossas riquezas para o nosso próprio povo e para o resto do mundo. Agradeço à revista por ter me dado a oportunidade de divulgar a fauna, a flora e o cotidiano do ribeirinho”, afirmou Hely durante o evento.

O primeiro Prédio de Armazenamento para Materiais Radioativos na Amazônia foi inaugurado, em Manaus, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O local servirá para guardar dejetos radioativos e equipamentos emissores de radiação ionizante usados nos laboratórios do Inpa. A finalidade é garantir o confinamento seguro deste tipo de resíduo pelo tempo necessário à proteção do meio ambiente. O prédio deverá funcionar integralmente no próximo semestre, pois alguns equipamentos ainda estão em licitação. A obra custou R$ 444 mil e obedece às normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). No Brasil, há depósitos autorizados em Recife (PE), São Paulo e Rio de Janeiro.

CURTAS

açaí

exportação

O açaí cresce cada vez mais no mercado norte-americano, uma vez que o sabor e os benefícios que ele traz à saúde estão se popularizando entre os gringos. Segundo a Secretaria de Estado de Agricultura do Pará (Sagri), 79% do açaí paraense que sai do Brasil vai para a América do Norte, sendo os Estados Unidos o maior consumidor. O fruto ainda não faz parte do cardápio cotidiano dos norte-americanos, mas em 2012, o volume comercializado para lá chegou a 5,1 toneladas. O Pará é o maior produtor nacional de açaí, com uma produção anual em torno de 850 mil toneladas do fruto, enquanto a exportação gera quase R$ 677 milhões para o Estado, anualmente.

IGUALDADE Abdias defendeu o fim do preconceito AGRICULTURA

SOJA

O plantio de soja chama a atenção dos produtores no sul do Pará, região que desponta como fronteira agrícola do produto. O Sindicato Rural do município de Santana do Araguaia calcula que a agricultura ocupa atualmente 60 mil hectares do território da cidade. Em comparação a safra anterior, essa área é 30% maior. A chegada de agricultores de outras regiões do País ajudou a alavancar as plantações de soja e a previsão do sindicato é de alcançar 2 milhões de sacas produzidas.


MULHER

VIOLÊNCIA

MARcELO STuRARO / DivuLgAçãO

Cidades começam a prever grandes chuvas no País Ruas alagadas e deslizamentos de terra são algumas das consequências quando não se tem um programa de prevenção a fortes chuvas, principalmente em áreas de risco. Na tentativa de evitar esses problemas, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Cemaden/MCTI) iniciou a entrega de mais de 100 pluviômetros semiautomáticos em todo o país, inclusive na Amazônia. O

pluviômetro é um aparelho capaz de mensurar o volume de chuva a partir da coleta da água precipitada e do registro de data e hora do material armazenado. Os equipamentos que serão entregues são chamados de semiautomáticos porque serão operados por grupos locais especialmente treinados por equipes do MCTI. Desta maneira, os próprios moradores em áreas de risco podem ajudar no monitoramento e prevenção de desastres.

LÁ VEM ELA

Saiba como funcionam os pluviômetros nas comunidades iNFOgRAFiA: MÁRciO EucLiDES

Informação é fundamental para combater a violência contra as mulheres, que atinge pelo menos 1 a cada 3 mulheres no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. A Fundação Vale se comprometeu a elaborar um plano de ação para contribuir na campanha “Compromisso e Atitude: pela Lei Maria da Penha - A Lei é mais forte”, promovida pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Ao aderir à iniciativa, passa a ser papel da empresa a divulgação de informações sobre a lei e promoção de debates sobre o enfrentamento, com foco nos municípios onde a Vale atua. Divulgar a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) e outros serviços de utilidade pública é parte essencial da estratégia.

TECNOLOGIA

1

Os pluviômetros são instalados em áreas abertas, longe de paredes ou árvores

2

A chuva deve cair diretamente em um balde coletor de água

20mm

NOVIDADE Anfíbio vive na região leste paraense SAPO

PAPA-CHIBÉ

A expressão “papa-chibé”, usada para se referir aos paraenses, foi escolhida para batizar uma nova espécie de sapo descoberta na Amazônia brasileira. Chiasmocleis papachibe mede entre 24 e 32 milímetros, sendo que as fêmeas são um pouco maiores do que os machos. Os pesquisadores do Museu Americano de História Natural, em Nova York, também catalogaram outras duas espécies na região: Dendropsophus haddadi, encontrada no Amapá e na Guiana Francesa e royi, entre Acre e Rondônia. A equipe continuará estudando o animal, que pode estar restrito ao leste do Pará, tendo sido coletados apenas três exemplares adultos.

20l 3

A contagem do volume recolhido é feita em milímetros e repassada a um visor digital

1m2

4 A contagem em milímetros indica o volume em

litros de água que caíram em um metro quadrado de área. Assim, uma chuva de 20 milímetros corresponde à precipitação de 20 litros de água por metro quadrado, sempre na horizontal

5 Os índices dos apare-

lhos são coletados pelas equipes das comunidades e enviados à Defesa Civil Municipal ou outro órgão responsável FONTES: pORTAL DO MiNiSTÉRiO DE ciêNciA, TEcNOLOgiA E iNOvAçãO E pORTAL AgSOLvE

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CALENDÁRIOECOLÓGICO

PRIMEIRO FOCO SAMBA

PRÊMIO

ILUSTRAÇÃO: SÁVIO OLIVEIRA

O samba, ritmo que está nas raízes do povo brasileiro, será o grande homenageado na 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Belém será um dos destinos da turnê nacional, com show marcado para o dia 22 deste mês, no Teatro da Paz. A cidade de Parauapebas também faz parte do roteiro e a apresentação ocorrerá ao ar livre, na Praça de Eventos, no dia 25. O evento incentiva a descoberta de talentos, premiando artistas novos e consagrados, e a cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 14. A Vale é a patrocinadora exclusiva, com apoio do Ministério da Cultura, da premiação e da turnê, que também vai passar por Corumbá (MT), Vitória (ES), Belo Horizonte (MG) e São Luís (MA). No ano passado, o Prêmio trouxe a Belém artistas como Adriana Calcanhoto, Zélia Duncan, Zé Renato e Roberta Sá, que homenagearam o cantor João Bosco.

PRODUÇÃO

ÓLEO DE PALMA

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10 de maio Dia Mundial do Campo Como o homem desenvolveu a prática da agricultura?

22 de maio Dia Internacional da Biodiversidade Qual é o número aproximado da biodiversidade na região amazônica?

O Dia Mundial do Campo foi idealizado para ressaltar a importância da agricultura para o mundo. Segundo Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa, há cerca de 10 mil anos o ser humano iniciou a agricultura primitiva jogando sementes ao redor de suas cavernas, após verificar que era muito mais prático plantar que coletar produtos da natureza. Dessa forma, até hoje, domesticou pelo menos 3 mil plantas e centenas de animais que constituem a base alimentar dos mais de 7 bilhões de habitantes da Terra.

De acordo com o biólogo Fabrício Mendes,

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o Relatório Nacional para a Convenção da Diversidade Biológica, publicado pelo governo brasileiro em 1998, foi o primeiro documento a ressaltar que o Brasil é o detentor da diversidade biológica maior do planeta: quase 15% do número de espécies da Terra estão aqui. Dentre esses dados, a região amazônica figura como detentora de cerca de 60 mil espécies de plantas superiores, 2,5 milhões de artrópodes, 2.000 espécies de peixes e 300 espécies de mamíferos.

O projeto Belém Bioenergia Brasil prevê a produção de 335 mil toneladas anuais de óleo de palma em três polos agroindustriais paraenses, além da fabricação de 270 mil toneladas de green diesel por ano em Portugal. O investimento de cerca de R$ 576 milhões foi acordado entre Petrobras Biocombustível, Galp Energia e Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e os recursos virão do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA). A empresa já possui 27 mil hectares plantados, com mais de quatro milhões de mudas de palma nos munícipios de Tailândia e Tomé-Açu, Moju, Ipixuna e Mãe do Rio. A meta é chegar a 43 mil hectares ainda neste semestre. A estratégia inclui a formação de parcerias com agricultores familiares e produtores de médio e grande porte. Até 2015, aproximadamente 600 pequenos produtores integrarão o plantio.


ARQUIVO VALE

TRÊSQUESTÕES de corpo e alma na periferia da cidade Informar a sociedade por meio da cultura, buscando a inclusão social. Essa é a intenção do Coletivo Black Soul Samba com o projeto “Black Nos Bairros”. O produtor do evento, Uirá Seidl, explica que a combinação de arte, música, cultura e informação pode influenciar de forma positiva a comunidade.

PROTEÇÃO Comunidades do Mosaico de Carajás conhecem melhor a vida das araras-azuis da região

População de Carajás acompanha a preservação da arara-azul A terceira etapa do Projeto de Conservação das Araras-Azuis no Mosaico de Carajás e município de Canaã dos Carajás foi realizada em março deste ano. Com recursos do Projeto Ferro Carajás S11D, o programa foi iniciado no final de 2012, quando a Vale firmou convênio com a Universidade Estadual Paulista (UNESP) para promover a conservação da espécie. A iniciativa conta ainda com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além de coletarem dados so-

fundo

desenvolvimento

2

Por onde o projeto “Black Nos Bairros” já passou?

3

Por que levar esse projeto aos moradores da periferia?

São oferecidos, gratuitamente, aos moradores oficinas, vivências teatrais e palestras para crianças, jovens e adultos, sempre visando às alternativas de aprendizados. Além da apresentação dos DJ’s Black Soul Samba e bandas de diversos ritmos musicais ligados à cultura negra, brasileira e paraense.

Já fizemos ações nos bairros de Fátima e Icoaraci, em Belém. Oferecemos oficinas de grafite, palestras sobre hip hop e consciência cidadã, inclusão social através da musicalização e apresentações teatrais. Nosso desejo é fazer essas edições serem trimestrais.

Sabemos que seria fundamental a aproximação com a comunidade. Acreditamos que é importante oferecer esse tipo de inclusão cultural, num país com sérios problemas educacionais, além de permitir que esses jovens tenham acesso às manifestações culturais regionais, como o carimbó.

privadas e públicas, R$ 7 milhões nos primeiros três anos e até R$ 20 milhões em dez anos. A iniciativa foi lançada, em abril, pela organização ambiental The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e a Comissão Municipal do Pacto para o Fim do Desmatamento Ilegal em São Félix do Xingu.

hely pamplona

O Fundo Terra Verde é a nova ferramenta de captação e aplicação de recursos para a região de São Félix do Xingu, no sudeste do Pará. O primeiro repasse para financiar atividades de desenvolvimento sustentável foi de R$ 200 mil, mas o objetivo é alcançar, por meio de fontes

bre a espécie nesta época do ano, na área de influência do Projeto S11D e ao longo do rio Itacaiúnas, os pesquisadores realizaram uma exposição monitorada na Casa da Cultural, de Canaã dos Carajás, voltada para a comunidade. Além das belas imagens do fotógrafo ambiental João Marcos Rosa, a mostra apresentou materiais coletados pelos pesquisadores, como cascas de ovos e penas, e equipamentos usados nas pesquisas de campo, como ferramentas para rapel.

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Como são feitas as ações nos bairros da cidade?

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PRIMEIRO PRIMEIROFOCO FOCO

EUDISSE

Conseguimos transformar grandes porções de solos pobres em terras produtivas. Tropicalizar cultivos, adaptando-os à nossa realidade.” Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr

Maurício Lopes, presidente da Embrapa, na cerimônia de entrega do Prêmio Fazenda Sustentável, em São Paulo. (Portal Embrapa)

Entrei no palco satisfeito com o que tinha visto de Belém durante a tarde. As praças, as ruas com mangueiras, a cara das pessoas, o açaí sem xarope de guaraná, o Ver-o-Peso e o Feliz Lusitânia, tudo em bom estado, muito limpo e mantendo uma dignidade de causar inveja em qualquer Salvador” Caetano Veloso, cantor e compositor, sobre sua última vinda à capital paraense para um show (Caetanoveloso.com.br)

“Queremos mostrar o potencial que a Amazônia tem com relação às frutas. Um potencial nutricional enorme, que é desconhecido”

Bianca Alves, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal do Pará (UFPA), autora da dissertação que estudou o potencial nutricional de 22 frutas típicas da região amazônica, entre elas o açaí, o bacuri e o tucumã, ricos em cobre, ferro e manganês. (Portal da UFPA)

“Temos o dever de chegar até essas populações que fazem parte do nosso contexto sociocultural e que têm a maior relevância na nossa concepção de desenvolvimento” Raimunda Monteiro, nova reitora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), sobre as populações indígenas e territórios extrativistas na cerimônia de posse em Brasília no mês passado. (G1 Pará)

“A agroecologia é fundamental como forma de produção econômica, social e de desenvolvimento” Silvio Tendler, diretor dos documentários O Veneno está na Mesa e O Veneno está na Mesa II, ambos sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. (Agência Carta Maior)

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FATOREGISTRADO

Um dia de estudo das aves na Fazenda Morelândia século XIX, mas usada, em meados da década de 1970, para decorar a frente do casarão situado às margens do igarapé Baiacu. A fazenda sempre foi uma área de interesse à pesquisa dada sua vasta floresta primária bem conservada, cortada por dois igarapés que sofrem a influência das marés. Era um chamariz: bioma amazônico primário a poucos quilômetros do centro de Belém. Na fazenda, pesquisadores e visitantes realizaram coletas e pesquisas, além de desenvolverem experimentos com diversos grupos de seres vivos, num espaço que foi laboratório para que estagiários e alunos pudessem concluir seus cursos de pós-graduação. À família Moreli, que sempre autorizou a equipes realizar pesquisas na propriedade, e aos caseiros Soter Garcia Ferreira (já falecido), sua esposa conhecida como “Dudu” e seus filhos, que deram apoio aos cientistas, o muito obrigado do meio científico.

iNOcêNciO gORAYEb

Podia ser um japiim, um chincoã ou ainda um socó a figurar na imagem, não fosse a monocromia da foto em preto e branco, o certo é que o pássaro a ter seu peso aferido na imagem certamente contribuiu para o saber do ornitólogo Fernando da Costa Novaes, autor do livro “Aves da Grande Belém”. Estava lá, em 1976, o pesquisador e seus estagiários, numa cena do trabalho de campo, Fazenda Morelândia, município de Benevides, região metropolitana de Belém. De frente, o pesquisador, a balança de mão e um exemplar da fauna amazônica. Fernando da Costa Novaes e os estagiários registravam os dados e preparavam as etiquetas dos espécimes coletados em redes ornitológicas para a coleção do Museu Paraense Emílio Goeldi. Feita pelo entomólogo Inocêncio Gorayeb, a foto ainda revela o “centro” da fazenda Morelândia, tendo a casa como fundo. Em um dos cantos, uma charrete de ferro, datada do início do

CARTA ABERTA DESCOBERTAS o Museu paraense emilio Goeldi é um patrimônio universal na amazônia. Que bom saber que a entidade descobre a cada dia novas espécies em nossa região (“Museu Goeldi descobre 169 espécies”, primeiro Foco, edição nº 32, abril 2014).

Luís Alberto Ferreira Belém-Pará

EDUCAÇÃO parabéns pela matéria sobre o primeiro professor indígena da universidade Federal do pará, William Domingues (Quem É?, edição nº 32, abril 2014). seu exemplo mostra que é possível alcançar objetivos quando se busca por eles.

Ruth de Aragão Belém-Pará

FOTOS lindas as fotos publicadas na edição de abril, na seção olhares nativos. Gostei muito da que mostra a coleta de caranguejo no mangue de algodoal. parabéns!

Ezequias Cardoso Belém-Pará

parabéns ao fotógrafo Hely pamplona, que conseguiu captar o instante do pouso da borboleta na cabeça do tamaquaré.

Thiago Barbosa Belém-Pará

EIRÓ Gostei de conhecer um pouco mais da personalidade de um artista que já admiro há muito tempo. Jorge eiró é um dos mais competentes artistas do nosso estado (“salve, Jorge eiró”, um Dedo de prosa, edição nº 32, abril 2014).

gabriella Duarte Belém-Pará

RECANTO Novaes e estagiários registram dados de uma ave na fazenda Morelândia, em Benevides

para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários, dúvidas, críticas e sugestões para o email: amazoniaviva@orm.com.br ou escreva para o endereço: avenida romulo Maiorana, 2473, Marco, Belém - pará, Cep 66 093-000 ou FaX: 3216-1143.

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QUEM É?

Josafá Barreto

EvERALDO NASciMENTO

Doutor em Doenças Tropicais, fisioterapeuta se dedica ao estudo e combate da hanseníase, que ainda ronda o Estado

O

Pará aparece entre os cinco estados brasileiros com maior incidência de hanseníase nos últimos 10 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Apenas no ano passado, 3.494 casos foram registrados e o cenário da doença na região chamou a atenção de Josafá Barreto, doutor em Doenças Tropicais, que realizou uma pesquisa em campo e montou um mapa de ocorrência nas localidades estudadas. O estudo revelou uma alta taxa de prevalência oculta da hanseníase, ou seja, de casos que não foram diagnosticados. O objetivo é melhorar a análise dos padrões espaciais e temporais da transmissão, além de fornecer um suporte na elaboração de políticas públicas de combate à doença. Aproximadamente cinco mil pessoas foram avaliadas nos municípios de Breves, Marituba, Castanhal, Paragominas, Oriximiná, Altamira, Parauapebas e Redenção. Na rede pública de ensino, 1.592 estudantes entre 6 e 20 anos foram examinados, sendo que 4% estavam doentes e não sa-

NOME: Josafá Gonçalves Barreto 1

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biam. A estimativa dos pesquisadores é que existam 80 mil jovens com hanseníase e sem diagnóstico em todo o Estado. Uma vez confirmada a doença, é preciso acompanhar também as pessoas que tiveram contato direto com o paciente. “É muito grande a quantidade de casos não diagnosticados no Pará, o nosso sistema de atenção básica é insuficiente e cobre apenas 40% da população. Com o mapeamento, é possível trabalhar nos focos da doença”, reforça Barreto. Após a graduação em Fisioterapia, pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), Josafá trabalhou na antiga Colônia do Prata, em Igarapé-Açu e teve um contato mais próximo com a realidade da hanseníase. “Essa doença provoca sequelas físicas, deformidades e exige fisioterapia em muitos casos. Quis fazer algo para promover a prevenção da hanseníase, pois na maioria dos países já foi controlada e muitas pessoas se espantam ao saber que ainda é uma doença recorrente aqui na região”, afirma. O mestrado em Doenças Tropicais

IDADE: 37 anos

FORMAÇÃO: Fisioterapeuta

foi realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA), assim como o doutorado na mesma área, que incluiu um intercâmbio em Atlanta, nos Estados Unidos. A pesquisa, intitulada “Análise Espacial focando na Transmissão de Hanseníase entre Crianças de uma Área Hiperendêmica da Amazônia Brasileira”, rendeu a ele o prêmio Jovem Cientista pela melhor apresentação oral no tema Epidemiologia e Controle do 18º Congresso Internacional de Hanseníase, realizado no ano passado em Bruxelas, na Bélgica. O estudo foi orientado pelo professor Claudio Salgado, coordenador do Laboratório de DermatoImunologia (LDI), além de contar com a colaboração de outros pesquisadores do Brasil e do exterior e profissionais da saúde dos locais visitados. “A premiação mostrou que estamos no caminho certo, fazendo coisas interessantes e que é possível fazer ciência em nível internacional aqui no Pará, sem adotar a postura de coitadinhos, mas que, sim, estamos tomando atitudes que podem fazer a diferença”, defende.

TEMPO DE PROFISSÃO: 15 anos


Mudança de Atitude

PRIMEIRO CONCEITOS FOCO AMAZÔNICOS

Fique atento aos aparelhos elétricos

Matar a fome com um delicioso avuado Puxa da terra a minhoca, coloca na isca e amarra a poia, arremessa ao rio, arranca com força, joga para o jirau, limpa a escama, tira as vísceras, lava bem lavado, faz o fogo, põe na grelha, passa água, sal, limão, tira, serve e se delicia com o prato mais veloz de toda a culinária ribeirinha: o famoso avuado. Não importa a espécie do peixe, o conceito do avuado se refere à velocidade de captura e preparo, sem intermediários, sem conservantes, sem corantes: o peixe preparado é servido com farinha d’água e, se preferir, um bom açaí. A palavra designa, no seu conceito formal, aquela moleca ou moleque com a “cabeça no vento”, tonto, adoidado ou confuso. Já no nosso caso, se refere ao peixe feito às “três bicudas”, rápido, voando, avoado! Esse conceito pode não estar ainda listado no dicionário Aurélio, mas está bem explicadinho no livro “Amazônia, Zona Costeira: Termos técnicos e populares”, organizado pelos pesquisadores Alba Lins, Maria Luiza Videira, Almicar Mendes e Inocêncio Gorayeb, pesquisadores do Programa de Estudos Costeiro do Museu Paraense Emílio Goeldi. No livro, o avuado – com “u” mesmo, bem do jeito ribeirinho – aparece como “termo utilizado pelos pescadores da zona costeira amazônica para designar o método de preparar peixe assado, característico

O uso exagerado de equipamentos, como o ferro de passar roupa e o chuveiro elétrico, pode aumentar o valor da conta de luz no fim do mês. Mas com pequenas mudanças no cotidiano, esse desperdício pode ser diminuído. Em vez de passar as roupas em vários dias pode-se fazer todo o serviço de uma vez só em dia da semana. Desligar a televisão se não houver ninguém assistindo e optar por TVs de tecnologia LED são alguns dos exemplos. A professora e pesquisadora de Energia Elétrica, Carminda Carvalho, da Universidade Federal do Pará, recomenda que, sempre que possível, deve-se usar o ar condicionado e chuveiro elétrico de 220 V, pois as perdas elétricas serão menores, podendo influenciar no consumo de energia elétrica no final do mês. Quando o equipamento é monofásico (alimentado em 127 V), a corrente terá apenas uma fase para atravessar e será maior. Em um aparelho bifásico (alimentado em 220 V), a corrente que passa pelos condutores vai se dividir em duas fases e será menor, diminuindo as perdas. Uma alternativa para a redução da conta também é um tipo de chuveiro elétrico especialmente fabricado para a nossa região: o chuveiro elétrico tropical. Ele utiliza uma resistência menor e o consumo de energia, consequentemente, é menor, além de não esquentar muito a água, o que não é necessário para o nosso clima, trazendo no fim do mês benefícios ao bolso e à natureza.

da costa amazônica”. É feito bem rapidinho, começando pela captura e, então, o escamoso desafortunado, que pode ser da piaba à corvina, é limpo na água da maré mesmo, acomodado diretamente sobre os pedaços de carvão, com a pele encostada ao fogo. Em alguns minutos o banquete está servido. Não precisa de grelha, ou churrasqueira ou fogareiro. Basta depositar o carvão em um buraco na areia para protegê-lo do vento. E mais: há quem nem sequer use sal e limão; a água salgada da maré, no caso da costa amazônica, é o suficiente. As espécies mais apreciadas nesse processo são o bandeirado, a pescadagó, a caíca e a pratiqueira. Aí, meu amigo, depois de assado, é só jogar aquela farinha baguda, a pimenta e o limão. E pra ficar ainda mais roots tem que comer na pá do remo. Lá em Marapanim, no âmago da Amazônia atlântica, a rádio Mangue tem um programa intitulado “A Hora do Avuado”. Aquele singelo momento em que começam a acometer os urros do estômago, ávido pela pratiqueira tostadinha, brilhando na brasa, dourando ao sol, o vento do mar e aquele cheirinho de fumaça. No caso do avuado, especificamente nesse caso, nem fome tempera o peixinho.

BOM USO

MARÇO MAIO 2014

DivuLgAçãO

SÁviO OLivEiRA

Ferros elétricos não devem se tornar os vilões da conta de luz, mas precisam ser usados sem desperdício

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EM NÚMEROS

Acervo do herbário virtual amazônico Lançado no ano passado, o herbário virtual do Instituto de Agronomia do Norte (IAN), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária da Amazônia Oriental (Embrapa), é hoje uma importante ferramenta de suporte à pesquisa do terceiro maior herbário da Amazônia brasileira. Os dados podem ser facilmente acessados, dando retorno com imagens e informações técnicas. A alimentação utiliza o sistema BRAHMS - Botanical Research and Herbarium Ma-

nagement System ou Sistema de Gerenciamento de Herbário e Pesquisa Botânica, em português - e tem suporte de pesquisadores da Universidade de Oxford (Inglaterra). Mensalmente novos dados são incorporados ao herbário virtual e, eventualmente, todo o acervo físico do herbário, inaugurado em 1945, deverá ser digitalizado. O serviço disponível do herbário virtual IAN é semelhante a muitos outros sites de botânica. Entretanto, o diferencial está na

disponibilização de imagens de frutos, sementes, cortes de madeira, exsicatas (material desidratado) e imagens de campo. Brevemente serão disponibilizadas também imagens de plântulas (plantas jovens). Dessa forma, é possível desenvolver pesquisas com o auxílio de dados e imagens, em vários níveis e em diversas áreas. Qualquer pessoa pode acessar ao banco de dados através do endereço http://brahms. cpatu.embrapa.br

COLEÇÃO NA WEB

Conheça o acervo digitalizado de plantas do Instituto de Agronomia do Norte, da Embrapa

625 gêneros

19.769

2.243

400 acessos por mês

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registros botânicos de mais de 30 países

espécies

imagens

20

8.978 124 famílias

1,5 mil novos dados de exsicatas mensalmente


RONALDO ROSA / DivuLgAçãO

CATALOGAÇÃO Equipe do Instituto de Agronomia do Norte identifica e digitaliza o acervo de plantas para o banco de dados da Embrapa

EQUIPE TÉCNICA

3

SUPORTE AO ACERVO FÍSICO Mais de

191 mil espécimes

estão no herbário físico, grande parte já no banco de dados

analistas

Acima de

1

iAN / EMbRApA

3

botânicos

e com fotos.

2 mil

tipos de espécies estão catalogados

tecnólogo da Informação

8 mil exemplares de madeira compõem a xiloteca

2

pesquisadores da Universidade de Oxford

mais de

30 mil imagens

compõem a biblioteca FONTE: EMbRApA AMAzÔNiA ORiENTAL

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iAN / EMbRApA

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OLHARES NATIVOS

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Um diferente necessário Olhar a cidade de outro ângulo é mais do que necessário. Na selva de pedra, perdidos do tráfego entre os prédios da metrópole, é impossível sorver o azul sutil do cair da noite na outra margem do rio, onde as penumbras contemplam as luzes nascendo, preguiçosas. Observar os detalhes não é só uma premência, como também um acalanto que desembota, oxigena o olhar, humaniza – ou seria harmoniza o humano com o que a natureza oferece e o alça à condição divina através da beleza? É o refresco do pequeno pássaro na água; é a realeza de outro emplumado em pose contemplativa. É perceber a profundidade na solidão de singrar a rua aquosa no barco, faça chuva ou faça sol. É a ruga de quem viveu, é o brilho dos olhos dos que começam a enxergar o mundo hoje. Viver só se completa quando os sentidos estão desobstruídos. A rotina impõe o vício ao olhar a mesma paisagem, ao ouvir os mesmos ruídos, ao sentir a mesma fumaça da descarga dos carros. Fugir da repetição infinita, buscar o novo onde o novo não é esperado tampouco bemvindo, é o que faz tudo valer à pena, como nesta imagem ao lado, de Hely pamplona, em um fim de tarde na baía do Guajará, em Belém.

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OLHARES NATIVOS

REFRESCO No calor da metrópole, o pássaro repousa tranquilo na beira de rio, troca momentaneamente a amplidão do céu pelo frescor de um reflexo líquido, disponível, convidativo. De outro ângulo, um coração invertido em busca de paz. FOTO: HELY PAMPLONA 24

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REALEZA Leve, ele pousa no lustre. Faz-se rei, imita os donos do ar em postura e altivez emprestando nobre do dourado que o assenta numa sala nobre qualquer, numa entrada corriqueira sem intenção nenhuma no espaço que nunca foi seu. FOTO: OSWALDO FORTE


SALOON No olhar experiente, a preocupação e a placidez dos que sabem equilibrar a vida porque dela aprenderam tudo. Em uma rodoviária no interior do Pará, o velho cowboy amazônico aguarda pacientemente por uma nova jornada. FOTO: CARLOS BORGES maio 2014

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OLHARES NATIVOS

ALÉM DA MARGEM A vida é sinônimo de rio, o trabalho é sinônimo de rio. Rio também quer dizer força, também quer dizer coragem. No dicionário dos que dele e por ele vivem, rio quer dizer possibilidade, chance futuro, viagem nova, descoberta. FOTO: HELY PAMPLONA 26

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COMPANHEIROS A solidão da longa viagem se desfaz debaixo de sol ou chuva quando há o rio e a canoa. FOTO: HELY PAMPLONA

AVANTE A tarefa de manter o barco sempre em frente sobre o arrulho das águas e a atenção ao destino. FOTO: BRENDA PANTOJA

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OLHARES NATIVOS

O VERDE DOS SEU OLHOS O que dizem os olhos? O que há neles de tão expressivos que podem revelar tudo e tudo esconder em enigma indecifrável? Na imagem, o verde da Amazônia fincado e evidente na diversidade étnica dos povos da floresta. FOTO: CARLOS BORGES

A revista Amazônia Viva abre espaço para a publicação de fotos com temáticas amazônicas na seção “Olhares Nativos”. Entre em contato e saiba como participar. amazoniaviva@orm.com.br

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IDEIAS VERDES

“O problema do tráfico de animais é resultado de uma questão cultural” Biólogo investiga as particularidades do comércio ilegal de animais na Amazônia e defende uma fiscalização eficaz e de qualidade no combate a esse tipo de crime Abílio Dantas

Roberta Brandão

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IDEIAS VERDES

E

m todo o Brasil, o tráfico de animais é uma das quatro modalidades desse tipo de crime mais executada atualmente, ficando atrás apenas do contrabando de drogas e de armas. Na região amazônica, a prática não é nenhuma novidade. Desde o início da colonização portuguesa, os animais silvestres daqui são exportados para territórios europeus e de outros continentes. Segundo o pesquisador e professor Fabrício Mendes, autor de uma tese de doutoramento sobre o comércio ilegal, o tema possui diversas especificidades na Amazônia. Do padrão financeiro da população à formação histórica. Na entrevista a seguir, o biólogo explica a razão de escolher o assunto como objeto de investigação científica e apresenta as diferenças entre os estados do Pará e Amazonas, quando se discute as características dessa atividade ilegal. Qual é a principal diferença entre os dois temas: tráfico e comércio ilegal? Costumo dizer que não é porque uma pessoa tem um tucano em casa, por exemplo, que ela possa ser classificada como traficante. Mas posso afirmar, sim, que ela conseguiu esse animal no comércio ilegal, mesmo que o tráfico seja uma modalidade do comércio ilegal. Decidimos, portanto, não explorar muito a questão do tráfico de animais silvestres porque o acesso aos números reais é muito difícil. É complicado abordar um traficante e perguntar quais as espécies que ele está vendendo, quanto ele está lucrando e assim por diante. Delimitamos então a área do comércio ilegal para trabalharmos na tese de doutorado, por mais que citemos o tráfico. Sendo esse um tema amplo em uma área extensa como a região amazônica, como se deu a escolha do campo de análise da pesquisa? Primeiramente, fomos atrás dos dados do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) sobre o comércio ilegal de animais

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nos estados do Pará e Amazonas entre os anos de 1998 a 2008. Você pode perguntar: porque apenas Pará e Amazonas? Porque esses são os estados mais desenvolvidos da região Norte do Brasil. Se a situação nesses dois estados está complicada, é possível ter uma noção de como estão os outros. Feita essa delimitação, visitamos 18 municípios do Pará e Amazonas. Lugares como feiras livres foram visitados para a aplicação de questionários e realização de entrevistas.

“Não é porque uma pessoa tem um tucano em casa, que ela possa ser classificada como traficante. Mas posso afirmar, sim, que ela conseguiu esse animal no comércio ilegal”

Como ocorriam essas visitas e como era feita a interação com o público das feiras? Existe uma diferença entre a aplicação dos questionários e a conversa direta com as pessoas. O assistente aplicava o questionário e eu ia para outro lado, agindo como um turista, conversando com os feirantes e clientes. As pessoas acabavam falando muito mais na conversa, em que eu estava à paisana, do que no questionário. As perguntas do questionário também eram estratégicas. Não podíamos fazer perguntas tão diretas, para que não pensassem que éramos da polícia ou algo assim. Os questionamentos iniciais eram sobre a estrutura da feira, se eles estavam satisfeitos com ela, quais eram os produtos que eles mais consumiam, até chegar à questão dos animais. Nesse momento, perguntávamos, por exemplo: “Você costuma comprar carne de gado ou carne de caça?” Se a resposta era caça, continuávamos: “Qual o tipo de caça”? Paca? Você já comprou animais como araras para ter de estimação? Aplicávamos o questionário para quem aparecesse na feira, de vendedores a consumidores. Qual são as diferenças entre os traficantes e os consumidores do comércio ilegal? Os traficantes, que nós podemos entender também como atravessadores, agem como vendedores. A diferença é que a pessoa que compra no comércio ilegal, embora compre por meio do


tráfico, pode fazê-lo para fins de alimentação, como fonte de proteína, o que a nossa população da Amazônia faz muito por uma questão cultural, ou para ter em posse; pegar aquele animal que é silvestre e “transformá-lo” em um animal doméstico. Isso acontece principalmente com os papagaios. Como se deu a escolha dos 18 municípios visitados? Os municípios escolhidos foram aqueles pelos quais o Ibama já havia passado e pesquisado. Outro fator importante era o deslocamento para esses locais. É possível acessar esses municípios tanto por rodovia, hidrovia, quanto por aviões. São municípios estratégicos. Era óbvio que não poderíamos fazer a pesquisa em todos os municípios do Pará e Amazônia devido à extensão desses estados. Nós, então, escolhemos os lugares mais significativos em que o Ibama atuou. A partir dessa escolha, chegávamos cedo às feiras, trabalhávamos até 11 horas, depois pegávamos o carro, ou balsa, ou lancha, para chegarmos a outro município à noite. Esse trabalho todo foi feito em 2008, no período das férias de julho, quando há grande movimentação nas feiras. O senhor também visitou Portugal para coletar dados sobre o tráfico de animais da Amazônia. O que foi possível encontrar? Em Portugal eles possuem o ICNB, que é o instituto que atua de forma semelhante ao Ibama. Lá, também fiz o levantamento dos últimos dez anos (de 1998 a 2008) sobre todos os animais brasileiros, não só da Amazônia, que entraram ilegalmente no país. A informação é de que 100% desses animais eram aves. Principalmente araras e papagaios. Existem diferenças entre o comércio ilegal de animais no Amazonas e no Pará? No Pará, as pessoas na feira, em termos de animal de caça para consumo, compram muito mamíferos. No Amazonas, o consumo maior é de répteis. Eles têm mais afinidade em comer tartarugas e jabutis. Nos dois estados, a venda de aves

é também grande, mas não para alimentação, e sim para se ter em posse. Isso começou quando os portugueses chegaram aqui e se deparam com as populações indígenas que criavam papagaios, tucanos. Os portugueses, então, levaram esse hábito para a Europa. Para os europeus, ter esses animais tornou-se um símbolo de poder, de status. Existem relatos como o do navegador Alexandre Ferreira, que aqui veio, que atestam a presença de mais de três milhões de beija-flores dentro de um navio em certa ocasião. Isso era feito para abastecer a moda europeia na época; para enfeitar chapéus e roupas. Hoje em dia, qual é a relação entre as populações tradicionais da Amazônia, ribeirinhos e pescadores, e o comércio ilegal de animais? O problema do tráfico e comércio ilegal de animais é resultado de uma questão cultural. Com relação à carne de caça, as pessoas compram por causa do sabor, pois eles alegam que o animal criado em cativeiro tem gosto de ração, e também por conta dos impostos colocados sobre o preço da carne do gado. O animal do comércio ilegal é retirado da natureza sem imposto nenhum. Logo, as pessoas com condições financeiras muito baixas, como as da nossa região, preferem caçar um animal na floresta a comprar a carne do gado. É uma questão cultural e de necessidade.

“O animal é retirado da natureza sem imposto nenhum. Logo, as pessoas com condições financeiras muito baixas preferem caçar um animal na floresta a comprar a carne do gado

O senhor utilizou dados do Ibama em sua pesquisa. Como avalia o combate ao comércio ilegal de animais na Amazônia? No Pará, constatei que um pouco mais da metade dos municípios foi visitado pelo Ibama. No Estado do Amazonas, ele visitou 62% dos municípios. Esses números não são razoáveis porque descobrimos que durante aqueles dez anos, havia locais que o Ibama havia visitado apenas duas vezes. Ou seja; essa frequência é muito precária. Outra questão que analisamos nos dados da instituição é que as espécies apreendidas não são identificadas. Isso é uma questão complicada, que compromete nosso conhecimento sobre o tráfico. Isso só pode mudar com uma qualificação mais séria dos agentes do Ibama.

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ASSUNTO DO Mร S

ANTIGUIDADE Urnas funerรกrias para enterramento secundรกrio, de origem marajoara

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Tesouros culturais Museus do Estado guardam relíquias históricas, científicas e artísticas de alto valor para o conhecimento mundial Fabrício Queiroz

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Carlos Borges

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ASSUNTO DO MÊS

A

recente reintegração de um livro editado no século XVII ao acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi chamou a atenção da sociedade para o interesse que o patrimônio dos museus do Estado desperta. A obra rara, de autoria do médico e botânico espanhol Francisco Hernandez (1517-1578), é avaliada em torno de 200 mil dólares e foi furtada há cinco anos, sendo reencontrada somente em março passado em Nova York, nos Estados Unidos. A possibilidade de obter vantagens financeiras ao vender uma obra como essa é o que estimula um segmento do tráfico de proporções internacionais. O valor material, contudo, apenas sugere a importância de um patrimônio que revela a história, o conhecimento e valores essenciais para a cultura de um povo, porém nem sempre compreendidos como tal. Assim como o Rerum Medicarum Novae Hispaniae, outros tesouros bibliográficos, artísticos e históricos estão guardados nos museus paraenses. Somente nos 147 anos do Museu Goeldi, a instituição se constituiu como uma referência para as ciências naturais e humanas na Amazônia. O resultado desse trabalho é observado em pesquisas e projetos que têm como uma de suas principais vitrines o boletim científico editado pela instituição desde 1894. A distribuição desse material a universidades e centros de pesquisa do mundo todo ajudou na composição de um acervo bibliográfico que hoje ultrapassa as 300 mil obras. Essa coleção tem como abrigo a Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, que dedica um espaço reservado a cerca de três mil obras consideradas raras. A sala-cofre é uma das medidas de segurança que visam à proteção de um material cobiçado e pouco comum em outros espaços. Por isso, preciosos para o Museu e para a ciência local e internacional. “Para nós considerarmos uma obra rara, ela tem vários parâmetros. Não é só pela sua antiguidade. Ela tem algumas características, como o fato de serem edições limitadas, com marcas d’água nas páginas, muitas são in fólio (folha impressa e dobrada em

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duas páginas), além de que são referências para estudos em diversas especialidades. Então, elas têm um valor para nossos estudos”, comenta Olímpia Resque, da Coordenadoria de Documentação e Informação do Museu. Entre essas obras há, por exemplo, os três volumes do trabalho do historiador italiano Giovanni Bapttista Ramusio, que reuniu nessas publicações roteiros e relatos de viagens da época das navegações, no século XVI, apresentando, inclusive, o primeiro mapa do território que hoje é o Brasil. Ou, ainda, o livro Voyage, de Alexander Humboldt e Aimé

Bonpland, que descreve informações sobre a flora, a fauna, o clima e a geografia da América do Sul e Central obtidos em uma expedição científica realizada no novo continente durante o século XVIII. A Flora Brasiliensis (1840), de Carl Martius, e Plantarum brasiliae icones et descriptiones hactenus ineditae (1831), de Johann Emanuel Pohl, obras clássicas do século XIX sobre a flora brasileira, também são outras raridades pertencentes ao arquivo da biblioteca. Olímplia Resque ressalta minúcias do trabalho de preservação dessas obras, que preveem cuidados que vão da segurança


Bagagem de médico Pesquisador espanhol serve de referência para os estudos da floresta amazônica

RARIDADE Obras como a de Hernandez e de Humboldt requerem cuidado extremo em seu manueio, diz Olimpia Resque, responsável pelo acervo do Museu Goeldi. Na página à esquerda, Rerum medicarum. Acima, ilustrações de Pohl e Humboldt.

ao manuseio. A sala onde estão armazenadas é mantida em uma temperatura média de 20°C, o acesso é permitido somente a funcionários e a consulta ocorre somente mediante solicitação e análise da coordenadoria. No manuseio, luvas e máscaras são acessórios essenciais, além de uma boa dose de cuidado com o acervo. No Museu Goeldi, a cautela é uma virtude que ajuda a manter para o presente e para o futuro registros da história do conhecimento. “É um trabalho de preservação como esse que permite que possamos ver, por exemplo, obras do século XVII parecerem que foram feitas ontem, manten-

do a qualidade do papel, as letras visíveis e a tinta intacta”, afirma Olímpia. O zelo necessário, contudo, não afasta o público do acesso às obras do Goeldi. Uma das iniciativas para divulgar esse tesouro patrimonial é a digitalização do acervo. Por meio de uma página no portal da instituição (www.museu-goeldi.br) são disponibilizadas centenas de livros, o que possibilita a democratização da informação e a preservação do patrimônio: “Com isso, os pesquisadores podem consultar livremente as obras pela internet e a original fica completamente preservada”, diz Olímpia Resque.

Publicado em 1628, o livro Rerum Medicarum Novae Hispaniae (abaixo), do médico e botânico Francisco Hernandez (ao lado), reúne dados sobre a flora mexicana coletados durante uma pesquisa de sete anos na América do Norte. São descritas quase quatro mil espécies, em especial plantas medicinais da região. O conteúdo, aparentemente, não tem relação com a realidade amazônica, porém trata-se de uma obra essencial para estudos da área de botânica. “Hernandez apresenta plantas que geralmente não têm em nossa região, mas existem algumas curiosidades nisso. Por exemplo, nós encontramos referência ao cacau, ao mamão, à babosa, ao maracujá, às pimentas, enfim, plantas que não são típicas daqui, mas que foram introduzidas. Então, é uma obra muito relevante porque todo mundo que trabalha com plantas medicinais também trabalha com essas plantas que foram introduzidas por aqui”, explica Ricardo Secco, diretor do herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi. Além de seu valor científico, o trabalho de Francisco Hernandez adquire importância por ser uma das poucas edições presentes no mundo. Isso porque as anotações originais da expedição do botânico ao México foram perdidas em um incêndio ocorrido em uma biblioteca da Espanha onde estavam guardadas. Agora reintegrado ao arquivo do Museu, o livro de Hernandez passa por um processo de recuperação. “Infelizmente, ela está muito danificada, com marcas de umidade, páginas coladas até porque ela foi furtada e não sabemos as condições em que estava conservada. Mas nós temos aqui um serviço de conservação muito bom e que vai devolver as melhores condições para que ela possa ser consultada pelos pesquisadores”, diz Ricardo Secco.

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ASSUNTO DO MÊS

PASSADO E PRESENTE O museu como conhecemos hoje tem evoluído nos últimos 500 anos, mas nas sociedades antigas já havia o interesse por preservar objetos exóticos ou representativos de um determinado fato. É do passado, por exemplo, que vem o termo. Na Grécia Antiga, o “Museion” era o templo das musas, entidades que inspiravam a arte e a ciência. Em museus históricos, de arte, de ciências naturais, arqueológicos e outros, as diferentes sociedades preservam e difundem um patrimônio que ajuda a melhor interpretá-las. No Pará, o Sistema Integrado de Museus (SIM) gerencia o funcionamento de dez diferentes espaços sobre a arte, a memória e a produção material do passado e do presente da Amazônia. No Museu do Encontro, por exemplo, localizado no Forte do Presépio, encontra-se uma coleção arqueológica com peças que reconstroem a história e o conhecimento das populações tradicionais indígenas amazônicas, além do processo de colonização da região. Na primeira parte da exposição, destaque para objetos líticos como lâminas em pedra polida com seis mil anos de história, urnas funerárias e peças em cerâmica que demonstram a habilidade e a sofisticação estética das sociedades indígenas. Para o diretor do Museu, Samuel Sóstenes, “o acervo do Museu do Encontro, em sua totalidade, é de uma importância e valor históricos indiscutíveis. Ressalta-se nessas coleções artefatos da cultura marajoara, como urnas, vasos e tangas; e da cultura tapajônica como os muiraquitãs e vasos de cariatides, que remontam mais de 1.500 anos de história”. O segundo momento da exposição é dedicado ao período colonial, apresentando o contato dos colonizadores com os indígenas e a ocupação da Amazônia

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Urna marajoara

VISITANTES Público tem acesso aos vestígios das antigas das populações amazônidas


COLEÇÃO De acordo com o diretor do Museu do Encontro, Samuel Sóstenes, o acervo remete há mais de 1.5OO anos de história

Máscaras de rituais apalaí e tikuna, bonecos karajá, vasilha e barco wai wai.

Cariátides tapajônicas

Tangas marajoaras a partir de Belém. O acervo é em grande parte fruto das escavações realizadas no próprio forte, de onde foram resgatadas mais de 100 mil objetos e fragmentos. Na parte externa, está o sítio histórico de Belém, que em meio ao Complexo Feliz Lusitânia remonta a importância simbólica do local para a cidade. De acordo com Samuel Sóstenes, o museu é alvo de grande visitação pelo público local, turistas e pesquisadores, o que, para ele, demonstra a “importância indelével do espaço para a cidade e de se rememorar a vivência das populações amazônidas”.

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ASSUNTO DO MÊS DEVOCIONAL Expressão humana do belo e dos diferentes aspectos que permeiam o imaginário, a arte encanta o homem em suas diversas linguagens. Historicamente, o transcendental e a virtude religiosa foram grandes fontes de inspiração para muitos artistas. No universo católico, a representação de fatos bíblicos e figuras santas tem também o poder de comunicar aos fiéis os valores e o simbolismo da fé cristã. Não à toa, diversas expressões artísticas sempre foram cultivadas no seio da Igreja. Nas missões religiosas empreendidas no continente americano, por exemplo, os sacerdotes utilizavam a arte como forma de divulgar a nova fé. Registros dessa arte sacra estão por toda parte, mas carregam a história e as particularidades da cultura de cada lugar. O Museu de Arte Sacra do Pará (MAS), localizado na Igreja de Santo Alexandre, demonstra essa relação harmoniosa entre valores universais cristãos e a identidade da região. Para o diretor do museu, padre Ronaldo Menezes, o acervo de mais de 400 peças revela aspectos fundamentais da vida de todos os amazônidas. “Esse acervo não é só um registro da arte sacra, mas da história da nossa colonização que passa necessariamente pela religião que é a matriz da nossa cultura”, diz. “É também um registro do modo como nossos antepassados viam o mundo e nos legaram essa cosmovisão do mundo da qual compartilhamos. Então, quando vemos um acervo religioso vemos a relação do homem com o divino, com o sagrado, na dimensão histórica, política e social expressa em suas tradições e devoções”, completa. Além da constituição histórica única, o aspecto artístico das obras também fascina e surpreende quem as observa. Isso porque muitas foram produzidas por indígenas que viviam nas missões jesuíticas da Amazônia, que acabaram empregando novos traços aos tradicionais santos católicos. “Nós temos aqui anjos tocheiros, por exemplo, com traços tipicamente indíge-

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Santa Quitéria, Anjo Tocheiro e Nossa Senhora do Leite

nas que refletem a relação do homem com a natureza, a vida de quem está acostumado com as agruras da floresta”, comenta o padre, ressaltando que a aparência não diminui o potencial simbólico e estético das peças. “O modo de o estudante da Amazônia trabalhar se diferencia do modo europeu. A compreensão é outra, então ele reproduz para as imagens traços diferentes dos europeus. Não são finos e delicados, são mais rústicos, mas

nem por isso menos belos.”, explica Ronaldo Menezes. Obras científicas esculturas, artefatos, pinturas ou livros, apesar de se tratarem de peças diferentes têm muito em comum quando se tratam do patrimônio museológico do Pará. Sejam raros ou comuns, valiosos ou nem tanto, os acervos dos museus paraenses revelam as múltiplas faces da cultura que busca encontrar e reconhecer a si mesma.


Cultura local Museu de Arte abriga obras importantes sobre a história da capital paraense O talento regional, por sinal, é uma das grandes atrações nos museus do Estado. No Museu de Arte de Belém (MABE), localizado no Palácio Antônio Lemos, sede da prefeitura municipal. O acervo, com mais de 1.500 obras , é composto por pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, fotografias e exemplares de artes em mobiliário e porcelana, procedentes do Brasil e do exterior e produzidos entre os séculos XVIII e XX. É no museu que está exposta uma das mais significativas e famosas obras de autoria paraense: A Fundação de Belém (1908), de Theodoro Braga. A peça apresenta três cenas que dialogam para ilustrar a chegada dos portugueses, a recepção dos indígenas e a construção do Forte do Presépio. Além da grandiosidade – a tela possui mais de dois metros de altura e mais de cinco de comprimento -, a obra é rica em detalhes, como as águas barrentas da baia e as características da floresta. Do lado oposto do salão verde, outra obra impressiona. Em Os Últimos Dias de Carlos Gomes (1889), Domenico de Angelis e Giovanni Capranesi ilustram personalidades da cultura e da política local homenageando o grande maestro do império brasileiro em seu leito de morte, bem como indicando a ascensão de um novo regime político. Em outros espaços, a icônica figura do Cabano Paraense (1940), de Alfredo Norfini, ou da Vendedora de Cheiro (1947), de Antonieta Feio, mostram o encontro do museu com seu povo.

TRAÇOS REGIONAIS Nas pinturas de Norfini, Antonieta Feio e de Angelis-Capranesi se vê a expressão popular do Estado

Serviço A Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h, dia 15, no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, localizado na avenida Perimetral, 1901. Bairro: Terra Firme. Entrada gratuita. O Museu do Encontro e o Museu de Arte Sacra do Pará (MAS) funcionam de terça-feira a domingo, das 10h às 16h. Ambos fazem parte do Complexo Feliz Lusitânia, localizado na Praça Frei Ca-

etano Brandão, s/n. Bairro: Cidade Velha. Entrada gratuita às terças-feiras e R$ 2 nos demais dias. Aos feriados, o horário de funcionamento é das 9h às 13h. Até o dia 18 deste mês, os museus de Belém, Ananindeua, Barcarena, Marabá, Itaituba, Tucucuí, Cachoeira do Arari e Santarém oferecerão atividades abertas ao público durante a 12ª Semana Nacional dos Museus,

comemorada em maio. A programação pode ser conferida no site www.eventos.museus. gov.br O Museu de Arte de Belém (MABE) está localizado no Palácio Antônio Lemos, na Praça Dom Pedro II s/n. Bairro: Cidade Velha De terça à sexta, o museu funciona das 10h às 18h e aos sábados, domingos e feriados, das 9h às 13h. Entrada gratuita.

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COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL

Solo fértil e sustentável ARQuivO vALE

O combate ao desmatamento ilegal em São Félix do Xingu gera novas possibilidades aos moradores do município Abílio Dantas

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agroecologia é hoje um tema recorrente no Brasil quando se fala no combate aos problemas ambientais do país. Mas sem o incentivo de ações educativas e político-econômicas voltadas para as comunidades rurais, o desmatamento ilegal, uma das consequências do modelo de monoculturas, ainda pode ser encontrado em diversas regiões e municípios do Pará. Esse é um dos motivos do desenvolvimento do Fundo Xingu Sustentável, iniciativa apoiada pelo Fundo Vale e gerida pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com a Associação para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Alto Xingu (Adafax).

Segundo Carina Pimenta, gerente do Fundo Vale, em áreas com alto índice de desmatamento ilegal, como no município de São Félix do Xingu, sudeste do Estado, é fundamental estimular atividades de base sustentável para modificar essa realidade. “É isso que o Fundo Xingu Sustentável tem feito ao apoiar a agricultura familiar. Criado pelo IEB, o Fundo busca combater o desmatamento com o monitoramento e conservação de áreas ainda preservadas”, explica. Desde 2009, o Fundo Vale atua em São Félix do Xingu e em outros territórios paraenses por meio de parcerias com organizações da sociedade civil. A estratégia para o desenvolvimento de atividades, de acordo


ARQuivO iEb

com Carina Pimenta, se dá com a sensibilização da sociedade local para questõeschave da sustentabilidade por meio da educação ambiental e através da construção de uma agenda de desenvolvimento sustentável. “Nesses processos, valorizamos a troca de saberes entre as organizações parceiras do Fundo Vale e as comunidades locais, que possuem uma riqueza de conhecimento tradicional acumulado”, afirma a gerente. O Fundo Xingu Sustentável funciona por meio de editais, lançados uma vez ao ano. Associações, pequenos produtores e grupos comunitários de até dez famílias podem concorrer com uma proposta que atenda os requisitos apresentados no certame. O último edital, lançado em outubro de 2013, selecionou pequenos projetos que incentivam a experimentação de práticas agroecológicas, contribuindo para redução do desmatamento. Uma das iniciativas apoiadas pelo edital foi o projeto da moradora de São Félix do Xingu, Lenice Bezerra. Em maio de 2013, ela conheceu o Fundo e recebeu orientações para poder participar da seleção. “Fui aprovada e agora já tenho uma criação de abelhas para produzir mel orgânico”, afirmou a apicultora em matéria publicada em site do Fundo Vale. Hoje, o empreendimento de Lenice faz parte dos 17 projetos que impulsionam a transformação nos grupos comunitários apoiados. De acordo com Carina Pimenta, cerca de R$ 150 mil já foram investidos com a gestão financeira e administrativa do IEB. Trata-se de um fundo rotativo que financia projetos de até R$ 10 mil junto à comunidade local, com foco na agricultura familiar. A gerente afirma que o mais interessante desse trabalho é ver que “ao mesmo tempo em que os agricultores passam a desenvolver atividades de geração de renda, eles experimentam o uso racional dos recursos da floresta”. A nova forma de encarar a natureza é também fruto de técnicas de produções apresentadas em momentos de capacitação, que já beneficiaram cerca de 50 famílias com o objetivo de garantir a segurança alimentar e impulsionar novas economias. “Sem contar as famílias que receberam acesso à água a partir da adoção de técnica de manejo de recursos hídricos, possi-

FORMAÇÃO Famílias de agricultores de São Félix do Xingu recebem apoio do Fundo Xingu Sustentável bilitando ao mesmo tempo a preservação ambiental e o acesso a água em tempo de estiagem”, reforça Carina. São Félix do Xingu é um município paraense localizado a mais de mil quilômetros de Belém. Sua principal atividade econômica é a produção agropecuária, possuindo o maior rebanho bovino do país. Atualmente, também abriga outros importantes empreendimentos e está na área de influência da Mineração Onça Puma, gerida pela Vale. O Fundo Vale foi criado em 2009, pela mineradora, para promover o desenvolvimento sustentável ao induzir, conectar ou multiplicar soluções transformadoras para as sociedades, mercados e meio ambiente. Saiba mais em www.fundovale.org.

PARCEIROS O projeto Fundo Xingu Sustentável possui dois parceiros importantes para que possa existir. O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Associação para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Alto Xingu (Adafax). O primeiro tem como função a coordenação técnica e ges-

tão financeira, ou seja; a administração e manejo dos recursos aplicados. Já a Adafax “possui um grande reconhecimento técnico e capacidade de mobilização social em São Felix do Xingu e desde o início se somou às iniciativas desenvolvidas pelo Fundo Vale”, explica a gerente Carina Pimenta. Outras instituições locais também participam da iniciativa, como Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento (Semmas) e Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Semagri). Elas compõem o Comitê, que tem a missão de gestão, deliberação e monitoramento do Fundo. Para a gerente, os projetos apoiados pelo Fundo Xingu Sustentável são construídos a partir das necessidades levantadas pelos próprios grupos de comunitários, muitos deles moradores da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, e dessa forma os ajuda a entender melhor seu território e como preservá-lo, diminuir conflitos, de forma aliada à melhoria de suas condições de vida.

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PERGUNTA QUE NÂO NÃO QUER CALAR

Afinal, é certo usar o termo “inverno amazônico”?

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uando começam as chuvas na região logo se fala no “inverno amazônico”. Porém, a cada ano essa estação parece mais diferente: as chuvas começam mais tarde ou mais cedo, acabando mais rápido ou se estendendo por mais tempo. Então, realmente existe um inverno na Amazônia ou é somente um conceito criado para denominar um período mais chuvoso, já que não há quatro estações bem definidas por aqui? Para o meteorologista Alex de Oliveira, mestrando em Recursos Naturais da Amazônia, existe sim o inverno regional e ele é difundido inclusive no meio acadêmico, mas não se trata de um termo técnico ou oficial usado cientificamente. “O termo é usado para denominar o período chuvoso da nossa região. Inverno porque nosso período chuvoso ocorre no verão do hemisfério sul. Devido ao eixo de inclinação da Terra, ao movimento de translação e ao movimento aparente do sol para nossa região, não temos as quatro estações do ano definidas. Temos dois períodos bem distintos

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e caracterizados: um período chuvoso, de janeiro a maio, e um período menos chuvoso ou seco, de julho a novembro. Os meses de dezembro e junho são considerados meses de transição”, explica o meteorologista. Alex ressalta que a região tem peculiaridades climáticas que proporcionam tantas diferenças entre cada inverno amazônico. Por exemplo: trata-se de uma área de confluência dos ventos alísios (ventos úmidos); existem muitas superfícies hídricas expostas a muita energia solar; e ainda está localizada em um ramo ascendente da célula de Hadley, um modelo da circulação geral dos ventos. Tudo isso facilita a formação de nuvens. “O regime de chuvas da região é conduzido pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), caracterizada por uma grande área de faixa de instabilidade atmosférica e nebulosidade em grande escala. O regime de chuvas é altamente variável temporalmente e espacialmente”, observa. Com todas as peculiaridades listadas, chover na região é algo que independe de um inverno. O meteorologista observa

HELY PAMPLONA

que a característica do inverno amazônico é chuva mais demorada e em abundância, com temperatura do ar mais amena e umidade relativa do ar elevada, o que começa em dezembro, na transição, e só acaba de fato em maio. No período seco ou menos chuvoso, a partir da transição em junho, há uma redução da frequência da chuva, seguida de aumento da temperatura do ar e uma redução na umidade relativa do ar. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontam que as quatro estações no hemisfério sul seguem o seguinte roteiro oficial: outono, do dia 20 de março a 21 de junho; inverno, de 21 de junho a 20 de setembro; primavera, de 22 de setembro a 20 de dezembro; e verão, de 21 de dezembro a 20 de março, indo na contramão das estações amazônicas. No hemisfério norte, os dados retratam os conceitos de inverno e verão que se parecem com os de Belém: primavera vai de 21 de março a 20 de junho; verão, de 21 de junho a 20 de setembro; outono, de 21 de setembro a 20 de dezembro; e inverno, de 21 de dezembro a 20 de março.


VIDA EM COMUNIDADE

FREGUESIA Dono de uma mercearia, Maurício Fernandes usa o moqueio em seu empreendimento

Moeda própria

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o ano de 1616, Francisco Caldeira Castelo Branco, o fundador da cidade de Belém, deparou-se com uma bela orla praiana e pensou em ali instalar o ponto inicial da colonização portuguesa no território. Não o fez apenas por um motivo: a dificuldade de embarque causada pelas altas maresias. Após 398 anos, o local, hoje chamado de Baía do Sol, é um bairro da ilha de Mosqueiro, distrito de Belém, com pelo menos oito mil habitantes e que vive um novo momento em sua história, com a criação de um banco comunitário, iniciativa inédita no Estado. Há cinco anos, foi criado ali o Banco Comunitário Tupinambá. A moeda social da instituição se chama “moqueio”, em referência a uma técnica de conservação do peixe utilizada pelos Tupinambás, os primeiros habitantes da baía. Atualmente, a moeda é utilizada para ajudar a população em momentos difíceis, como afirma a cozinheira Sônia Maria Gomes. “A gente empresta os moqueios quando está com alguma dificuldade financeira”, comenta.

Banco Comunitário Tupinambá fortalece a economia local na Baía do Sol, em Mosqueiro, estimulando as relações sociais e solidárias entre os moradores Abílio Dantas

Fernando Sette

O valor do moqueio é equivalente ao do real, ou seja, um moqueio vale um real. Sua lógica de empréstimo é semelhante a do crédito comum que é feito nos bancos tradicionais. Há, no entanto, duas diferenças. Para a pessoa utilizar esse serviço é preciso realizar um curso organizado pelo próprio Banco Tupinambá sobre o conceito da moeda social. Nesse curso, os alunos aprendem que esse dispositivo de empréstimo é distinto por visar à emancipação de cada indivíduo, proporcionando maior fluxo de capital dentro da comunidade. A outra diferença são os juros para o pagamento dos empréstimos: de apenas um real a cada 100 moqueios depois dos prazos de 30 a 60 dias, estipulados no momento da operação. Segundo os fundadores do empreen-

dimento, Maria Ivoneide Vale, coordenadora do Instituto Tupinambá de Desenvolvimento e Socioeconomia Solidária, e Marivaldo do Vale Silva, coordenador do Banco, a ideia surgiu a partir do contato com o Banco Palmas, o primeiro banco comunitário do Brasil, localizado no bairro de mesmo nome em Fortaleza (CE). Na capital cearense, duas paixões tiveram início: a de Marivaldo e Ivoneide, hoje casados, e a de ambos com as causas sociais brasileiras. “Eu coordenei um projeto chamado Pró-Renda, em Fortaleza, que foi um projeto para fortalecer o bairro”, conta Ivoneide. Segundo ela, apesar de alguns problemas estruturais daquela comunidade terem sido resolvidos na ocasião, era notório que as pessoas não perma-

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VIDA EM COMUNIDADE neciam no local por conta de sua fragilidade econômica. Desse modo nasceu o primeiro banco comunitário brasileiro, visando à emancipação da população local. Isso ocorreu em 1998. Com a realização do Fórum Social Mundial em 2005, em Porto Alegre, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) passou a incentivar a criação de bancos comunitários em outros estados. “Como já tínhamos o convívio com o Banco Palmas e morávamos aqui na Baía do Sol, que é uma comunidade de ribeirinhos e pescadores, muito propícia para esse tipo de atividade, conversamos com o banco e tivemos o aval para começarmos um aqui em Mosqueiro”, conta a coordenadora do Instituto Tupinambá. Para iniciar o empreendimento, eram necessários uma sala, um computador, internet, telefone e uma instituição que pudesse dar suporte jurídico, com formalidades como o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). “Por essa razão, reativamos a Associação Cultural FM Tupinambá, uma rádio comunitária que fundamos em 2001, mas que já estava desativada há alguns anos”, relembra Marivaldo. Em 2011, a Associação transformou-se num Instituto, por ser esse modelo mais apropriado juridicamente a comportar um banco. Graças a essa mudança, foi possível o convênio com a Caixa Econômica Federal, firmado um ano depois. Integrante da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, hoje formada por 104 bancos, o Banco Tupinambá nasceu a partir de uma reunião com cerca de 50 moradores da comunidade, entre ribeirinhos e pescadores, que discutiram a proposta de criação da instituição democraticamente. “Depois que decidimos realizar o banco, começamos a promover uma série de seminários com todos os setores da comunidade, para esclarecer as metodologias que utilizaríamos e os princípios da economia solidária”, afirma Marivaldo. “Afirmamos que a ideia era criar um ins-

EM CIRCULAÇÃO Cédulas do Banco Tupinambá representam o exercício da economia soildária em Mosqueiro

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CREDIBILIDADE Alguns estabelecimentos da ilha recebem a moeda social como forma de pagamento trumento econômico diferente, que trouxesse o desenvolvimento da população”, completa o coordenador do Banco. Marivaldo explica que os princípios da economia solidária nascem da diferenciação entre dois caminhos. “Um é o caminho do lucro pelo lucro. O nosso é outro: acreditamos que o mais importante de tudo é o ser humano e seu papel de protagonista de sua própria história”, diz. O Tupinambá funciona com a ideia da autogestão. Isso significa que é a própria comunidade quem gerencia as atividades por meio de um Fórum dos Empreendedores e do Comitê de Aprovação de Crédito, que materializa a ideia de controle social. Logo, a relação

entre as pessoas que frequentam a instituição também é diferente. “Muitas vezes somos conselheiros, professores e psicólogos de nós mesmos aqui, pois fazemos parte da mesma realidade”, afirma Marivaldo Silva. O pensamento que rege o Banco é de que não existe comunidade pobre, mas sim comunidade empobrecida. Segundo o coordenador, em 2009, apenas 2% da população tinha práticas de consumo dentro da Baía do Sol. Dessa forma, o dinheiro não circulava e não era invertido na própria comunidade. Para modificar esse quadro, duas formas de empréstimo foram e, ainda são, executadas: o empréstimo produtivo e o empréstimo de moeda social. O primeiro tipo tem como objetivo estimular negócios locais, como é o caso de Maurício Fernandes. Hoje, dono de uma mercearia e de um frigorífico e empregador de quatro pessoas, Maurício iniciou a carreira apenas com uma pequena panificadora ao lado da esposa. “Graças a Deus, rece-


bemos o empréstimo. Hoje estamos, inclusive, pensando em fazer uma reforma”, afirma. Entre 2009 e 2010, houve certa rejeição ao uso da moeda social, mas hoje isso mudou. Ao andar pela comunidade é possível ver placas, confeccionadas pelo próprio Banco, que identificam os lugares comerciais que utilizam o moqueio normalmente. “Eu uso o moqueio no meu consumo diário”, afirma a microempresária Judith Macedo Monteiro, dona de um restaurante também beneficiado pelo empréstimo produtivo. O Banco Tupinambá modificou a vida na Baía do Sol. Hoje, 83% da população consome e produz no local e 800 empréstimos foram realizados em 2013, com uma taxa quase zero de inadimplência. A iniciativa ganhou, inclusive, reconhecimento de empresas privadas, como o Prêmio Reconhecer 2013, da Vale e Fundação Vale. “Ganhar o Prêmio foi muito importante para nós, pois podemos aumentar o lastro do moqueio com o dinheiro recebido. Hoje podemos emprestar mais”, diz Marivaldo. O Prêmio conquistado no ano passado pelo banco é promovido pela mineradora e sua fundação com objetivo de valorizar boas práticas que contribuem para o desenvolvimento de capacidades locais e melhoria da qualidade de vida das comunidades do Pará. O processo de transformação social na ilha, no entanto, está apenas no início. Uma prova disso é o Projeto Ceci Mulheres, inaugurado no ano passado. “As mulheres que fazem parte desse projeto e são beneficiadas pelo Bolsa Família, após o convênio do Banco Tupinambá com a Caixa Econômica Federal, passaram a retirar o dinheiro do programa no próprio banco comunitário da Baía do Sol. Dessa forma, tornaram-se o principal público usuário da instituição”, explica Ivoneide Vale. “Após certo tempo de trabalho, percebemos que essas mulheres são o coração do banco, por serem muito presentes e participarem do nosso Conselho”, completa. Hoje, dez mulheres participam do Projeto Ceci, fazendo cursos e oficinas de assuntos como gastronomia e educação financeira.

BONS NEGÓCIOS No alto, os fundadores do banco comunitário em Mosqueiro, Marivaldo e Maria Ivoneide Vale. A comunidade da Baía do Sol já agregou o moqueio ao dia a dia nas negociações financeiras do lugar.

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE PREgUIÇA

Um ato arriscado

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O NÚMERO 2 Preguiças se arriscam ao desceram das árvores para defecar no solo

bote. Messias observa que a única defesa das preguiças são as algas e fungos que crescem na densa pelagem e servem de camuflagem. “Na maioria dos casos, são predadas por oportunismo dos predadores, pois quase sempre as preguiças se mantêm bem camufladas no alto das árvores”, diz. Essas plantas que servem de camuflagem para as preguiças são também o alimento de outros seres não predadores, como as já citadas mariposas. Mas é como se a pelagem fosse um ecossistema completo, pois lá nos pelos estão presentes também fungos e ácaros, comuns nos tapetes de determinadas residências menos diligentes com a faxina. As mariposas do gênero Crypsotes, depois de colocarem os ovos nas fezes, buscam as preguiças no alto das árvores para se alimentar das algas enquanto buscam um parceiro.

Outros insetos se alimentam das plantas quando as preguiças estão no solo. O fato de as mariposas e outros insetos se alimentarem das algas, faz com que seja deixada uma carga de nitrogênio nos pelos, facilitando a propagação de mais algas e fazendo a manutenção da camuflagem, que protege o mamífero contra os predadores. Essa relação é explicada pelo biólogo Jonathan Pauli, da Universidade de WisconsinMadison, nos Estados Unidos, num estudo publicado no periódico científico Proceedings of the Royal Society B. Logo, o risco excessivo na hora da evacuação das preguiças justificaria a renovação da camuflagem protetora contra os predadores. A preguiça também depende da camuflagem enquanto está na copa das árvores, onde passa muito mais tempo.

hELY pAMpLONA

s preguiças comuns (Bradypus variegatus) são tão vagarosas que para defecar, o que só ocorre uma vez a cada uma ou duas semanas, descem de suas árvores prediletas ficando no solo expostas por até 30 minutos a ação dos predadores. Um risco grande e que tem diferentes explicações, indo de teorias evolutivas até uma relação mutualística com insetos, como mariposas, do gênero Crypsotes, que aproveitam as fezes para colocar ovos. Mas por que as preguiças não defecam de cima das árvores, já que isso faria ainda mais jus ao nome dado ao mamífero, advindo de um dos sete pecados capitais, além de garantir menos exposição aos predadores? O veterinário Messias Costa, do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), defende uma hipótese ao observar que quando os filhotes são colocados em superfícies frias, urinam e defecam com facilidade. “Testei vários adultos [preguiças] com resultado significativo. Considerando se tratar de animais muito lentos pelo baixo metabolismo, a exposição aos predadores quando nas descidas das árvores para defecar merecia uma explicação mais plausível. Evolutivamente, existiam as preguiças gigantes, de hábito terrestre e comedoras de folhas, que ao longo do processo evolutivo e adaptativo, mantiveram o hábito alimentar. Entretanto, diminuíram de tamanho e adquiriram o hábito de descer à terra para evacuar, facilitado pelo resfriamento da pseudo-cloaca através da terra úmida e fria, o que estimula o peristaltismo intestinal, facilitando o ato”, explica o veterinário. Raposas, cachorros-do-mato e jaguatiricas são alguns dos predadores que não perdem uma preguiça desprotegida. Jiboia e sucuris estão entre as serpentes aptas ao


Mauro Fernandes

PENSELIMPO PRIMEIRO FOCO arte | cultura | reflexão

Encantados? O fotógrafo Mauro Fernandes percorre a Amazônia para registrar espécies de sapos que inspiraram a lenda dos muiraquitãs. Página 52.

Phyllomedusa tomopterna

Do palco Pesquisador Denis Bezerra reúne as memórias de períodos icônicos do teatro. Pág. 56

Literatura O poeta Alonso Rocha é um nome impagável da cultura amazônica. Pág. 60 maio 2014

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ARTE REGIONAL

MAuRO FERNANDES

Muiraquitãs da natureza Fotógrafo percorre a Amazônia para registrar espécies de sapos da região. O objetivo é mostrar a importância da relação entre os animais e a população nativa no equilíbrio ecológico da floresta.

Fabrício Queiroz

Hypsiboas cf. raniceps

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MAuRO FERNANDES

Ranitomeya toraro MAuRO FERNANDES

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onsiderada a região com a maior biodiversidade do mundo, a região amazônica é o centro da atenção de muitos olhares curiosos, afinal parece não haver lugar no planeta onde a variedade de fauna e flora esteja associada a um pleno equilíbrio do ecossistema como aqui. Da mesma forma, a relação da população com a natureza revela modos únicos de ser, ver e viver a Amazônia. Esse olhar particular é o que alimenta o trabalho do fotógrafo Mauro Fernandes, de 30 anos. Belenense, mas tendo passado parte da infância no interior do Estado, ele via um encanto especial no ambiente de floresta e na maneira como a população vive. “Eu creio que todo fotógrafo seja um pouco poeta, um pouco amante da nossa terra. Com isso, eu via, contemplava, e comecei a perceber coisas que a natureza não revelava a todos e foi então que eu comecei a perceber que eu entrava em comunhão com a natureza. Foi quando eu ganhei uma câmera dos meus pais, e assim começou a minha saga para fotografar o belo, o encantador”, conta. Para Mauro, o trabalho oferece não apenas um registro contemplativo, mas também serve para trazer à tona os valores culturais das populações amazônicas e a maneira sustentável como lidam com o ambiente. “Como cidadão brasileiro, me sinto com o dever de contribuir com essa conscientização do povo da nossa terra, de ajudar não só com a fauna e a flora, mas de mostrar que a Amazônia não é só mato, mas que ela tem gente que precisa de respeito e educação. É uma região de usos, costumes e cultura muita rica”, defende. É nesse sentido que Mauro Fernandes busca mostrar uma cultura viva, em que as lendas e mitos saem do mundo da representação e são apresentadas como elementos de uma experiência real. Em um trabalho recente, por exemplo, aborda a famosa lenda dos muiraquitãs. Geralmente confeccionados em pedra jade ou cerâmica verde e em formato de sapo, os muiraquitãs são amuletos de sorte e felicidade para quem os possui. Registros arqueológicos mostram a sua prevalência no Baixo Amazonas, onde eram utilizados pelas populações indígenas tradicionais. Porém sua fama o le-

BONS ÂNGULOS Mauro Fernandes encontra na floresta amazônica a fonte de inspiração para a origem dos amuletos em forma de sapos

vou também para o mar do Caribe e, depois da chegada dos colonizadores, até a Europa. Hoje, raros, os muiraquitãs são peças de alto valor histórico e comercial. Para Mauro, contudo, o valor desses objetos está além de seu brilho. As representações zoomórficas revelam em especial um fascínio pela rica fauna amazônica. Tentando delinear uma confusa fronteira que mistura real e imaginário, o fotógrafo

dedicou-se a encontrar na floresta a fonte de inspiração para esses amuletos. Nessa jornada, capturou imagens de cerca de 30 espécies diferentes de sapos. Nesse universo, destaque para duas espécies de pererecas tipicamente amazônicas. “O nome científico delas é Phylomedusa e aqui na Amazônia nós temos apenas três que são a P. hhypochondrialis, P. tomopterna e a P. bicolor. Eu consegui duas delas aqui no Pará. Fui

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ARTE REGIONAL para Manaus (AM) tentar pegar a bicolor, mas infelizmente não consegui”, relata. Apesar disso, o resultado é motivo de orgulho para ele que fala do esforço para conseguir algumas fotos, como o caso do sapoflecha, temido por seu veneno letal. “É um sapinho que necessita de muita doação de parte do profissional que vai trabalhar com ele. Você precisa acampar, esperar muito, às vezes nem dorme. É um bicho muito peçonhento. Meu braço sofreu efeito de dormência em contato com o sapo, mas eu consegui o registro”, conta. Com o trabalho concluído, Mauro Fernandes apresenta um acervo ímpar sobre essas e outras peculiaridades da biodiversidade amazônica, o que para ele pode estimular uma reflexão sobre a importância de todos para o meio ambiente. “Trazer à tona o sapo é mostrar que eles têm uma importância para a ecologia e para a população de um modo geral. As fotografias buscam mostrar essa relação, a interação homem-natureza. Então, não é tão perigoso como as pessoas pensam, não é um animal asqueroso, muito pelo contrário é um animal bastante peculiar e fabuloso da nossa fauna”. Até o segundo semestre deste ano, Mauro Fernandes pretende lançar um livro fotográfico sobre os muiraquitãs e a diversidade de sapos da região, além de outro sobre a biodiversidade marajoara. Parte desse material pode ser conferido no blog maurofernandesamazonia.blogspot.com.br atualizado frequentemente.

Phyllomedusa hypochondrialis

FOTOS: Mauro Fernandes

Dendropsophus leucophyllatus

Rhinella magnussoni

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Trachycephalus typho-


NA LISTA

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Heróis regionais do Panteão Nacional O que Chico Mendes, Os Soldados da Borracha, Plácido de Castro e Barão do Rio Branco têm em comum? Todos estiveram envolvidos em grandes confrontos relacionados com a Amazônia e estão incluídos no Livro de Aço dos Heróis Nacionais, um registro dos feitos de várias personalidades da História do Brasil, presente no acervo do Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília (DF). O memorial fúnebre construído para homenagear personalidades, como Tiradentes, Zumbi dos Palmares e Santos Dumont, revela a história dos heróis amazônicos, tão importantes para o desenvolvimento do País. Veja quem são eles.

1 Barão do Rio Branco

Em 1845, nascia em São Paulo José Maria da Silva Paranhos Júnior. Bacharel em Direito e dedicado estudioso de história e geografia, tornou-se diplomata e chegou ao cargo de chanceler durante quatro mandatos na Primeira República. Atuou como cônsul geral do Brasil em Liverpool, no Reino Unido, ganhando destaque na Amazônia resolvendo o litígio entre Brasil e Guiana Francesa, durante a disputa territorial pelo Amapá. Foi como recebeu o título de Barão. No sul, solucionou as disputas limítrofes entre o Brasil e a Argentina, assim como a disputa entre Acre e Bolívia, quando dirigiu a negociação que resultou com o Tratado de Petrópolis. Hoje, dá nome ao Instituto Rio Branco, instituição de ensino vinculada ao Ministério das Relações Internacionais, responsável pela formação do corpo diplomático brasileiro.

2 Plácido de Castro

Quando o gaúcho José Plácido de Castro tinha 28 anos, Brasil e Bolívia estavam numa tensa relação por causa da disputa territorial pelo Acre. Ele organizou um levante armado, em 1902, contra o governo de La Paz e liderou a Revolução Acriana, que contou com 30 mil homens sob o comando dele. Mesmo em condições numericamente desfavoráveis, venceu o conflito contra um exército de 100 mil. Isso o levou ao governo do Estado Independente do Acre e então recebeu o título de presidente do novo país. Em 1903, depois do Tratado de Petrópolis, o Acre voltou a fazer parte do Brasil e o país acriano, dissolvido. Em 1906, Plácido foi nomeado governador, e ainda se tornou prefeito da região do Alto Acre.

3 Chico Mendes

Nascido no município de Xapuri (AC), em 15 de dezembro de 1944, desde os cinco anos de idade, o futuro líder político já trabalhava cortando lenha e carregando baldes d’água. Cresceu e se tornou um seringueiro. Aprendeu a ler com o pai e desde cedo despertou a consciência política. Chico organizou seringueiros no Acre e, em 1968, enviou uma carta ao presidente do Brasil, general Humberto de Alencar Castelo Branco, denunciando o sofrimento e exploração da categoria, além da devastação da floresta. Recebeu prêmios internacionais pela atuação. Viajou o Brasil e o mundo difundindo a defesa do extrativismo e participou da criação das primeiras reservas extrativistas no Acre. Porém, acumulou inimigos que, mesmo com as denúncias de ameaças, o assassinaram a mando de fazendeiros em 1988 nos fundos da própria casa.

4 Soldados da Borracha

Enquanto brasileiros eram enviados à Europa para combater na Segunda Guerra Mundial, na intimidade das matas da Amazônia outro conflito se desenrolava. Homens pobres vinham do Nordeste, em busca do sonho de riqueza, para extrair o látex de seringueiras para venda do material aos Estados Unidos, durante o governo de Getúlio Vargas. Quando o País concordou em entrar no conflito mundial, em 1942, o suprimento de látex também era um alvo dos inimigos. Pelo menos 30 mil homens morreram nas matas. Com as baixas frequentes no conflito, os seringueiros começaram a receber treinamento militar devido ao “esforço de guerra” e foi assim que ganharam o apelido de “Soldados da Borracha.

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FONTE: ALGUNS TRAÇOS DA TRAJETÓRIA DE CHICO MENDES, PAULA ANTUNES, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) / JORNAL O LIBERAL / O BARÃO DE ROTHSCHILD E A QUESTÃO DO ACRE, LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB) / INSTITUTO RIO BRANCO FOTOS: diretoriomonarquicodobrasil.blogspot (1); Wikimedia Commons (2) escola.britanica.com.br (3); DIVULGAção (4)

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UM DEDO DE PROSA

Memórias do palco O professor Denis Bezerra resume em livro a trajetória de um rico período do passado do teatro paraense, fazendo uma reflexão sobre a necessidade de mais espetáculos na cidade e da urgente valorização dos atores contemporâneos. Brenda Pantoja

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“Esse esforço de rememorar é uma forma de manter a cultura teatral ativa, fazê-la mais conhecida para a sociedade”

oi no Teatro Experimental Waldemar Henrique, resultado da mobilização da classe teatral por um espaço cênico no final da década de 1970, que o professor Denis Bezerra concedeu esta entrevista e falou sobre o cenário cultural do teatro paraense na segunda metade do século XX. Os intérpretes, as obras e o modo de fazer dos artistas são o objeto de estudo do livro “Memórias Cênicas: Poéticas Teatrais na Cidade de Belém (19571990)”, que recebeu o prêmio de Artes Literárias 2012, do Instituto de Artes do Pará (IAP), e traz à tona as memórias de um período fértil para as artes dramáticas, recontadas por alguns dos protagonistas que participaram ativamente da construção do teatro local. Mestre em Estudos Literários e doutorando em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Denis também tem formação como ator pela Escola de Teatro e Dança da UFPA. O contato com o teatro desde a graduação o levou a consolidar a pesquisa sobre o tema na dissertação de mestrado, da qual resultou em livro. Os processos de transformação promovidos pelos grupos de teatro da época são abordados, em especial os grupos Norte Teatro Escola e Cena Aberta. “O primeiro se pautava no texto, era focado na literatura dramática, enquanto o segundo surgiu comu ma nova proposta de encenação, pautada na experimentação, na exploração de temas tabus para a época”, explica. Para ele, buscar essa história nos recortes de jornal, e principalmente nos registros orais de pessoas como Maria Sylvia Nunes,

Benedito Nunes, João de Jesus Paes Loureiro, Claudio Barradas e Zélia Amador de Deus, ajuda a embasar as discussões sobre o presente e futuro do teatro paraense. “Encontrar fontes oficiais sobre o tema é uma grande dificuldade. Boa parte do acervo é particular, pois ainda é uma história recente, mas espero que este trabalho ajude futuros estudiosos”, afirma. Ao conversar com a revista Amazônia Viva sobre a trajetória do teatro nas quatro décadas estudadas, Denis menciona o diferencial e a contribuição das companhias teatrais, assim como as perspectivas para a área em Belém. Com a formação inicial em Letras, o que lhe motivou a desenvolver essa linha de pesquisa? Eu ingressei no curso de formação de atores da UFPA na metade da graduação e a partir desse contato passei a buscar caminhos, procurar pontos de encontro entre a literatura e o teatro. Cheguei a fazer o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o tema, a partir dos estudos do historiador Vicente Salles e uma análise da obra “Lei é lei e está acabado”, do dramaturgo Nazareno Tourinho. Já no mestrado, quis investigar as poéticas modernas do teatro paraense, mas como uma nova perspectiva histórica. Notei que existiam poucas fontes históricas e pesquisas voltadas para o teatro, então busquei trabalhar com a história oral e a memória. Cláudio Barradas, Paraguassú Élleres e Zélia Amador de Deus foram algumas das personalidades entrevistadas.

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UM DEDO DE PROSA

“Precisamos de mais espetáculos, precisamos descentralizar as casas de espetáculos, ir às periferias” Por que eleger o período de 1957 a 1990 para analisar as poéticas modernas do teatro? É possível observar a transição nesse recorte? Escolhi esse período porque em 1957 surgiu o Norte Teatro Escola no Pará, formado então por um grupo de jovens intelectuais da cidade, que se reuniam para ler poesias. Em entrevista, Maria Sylvia Nunes me contou que naquele momento passava por Belém um grande incentivador do teatro nacional, o Pascoal Carlos Magno, que era ministro da Educação e Cultura no governo de Juscelino Kubistchek. Ele estava organizando, para o ano seguinte, o Festival de Teatro dos Estudantes, em Recife (PE), e convidou o grupo ao vê-los montando a obra “Morte e Vida Severina”, que nunca tinha sido encenada até então. E esse era o diferencial do Norte Teatro Escola, eles buscavam oferecer ao público o que eles consideravam as grandes obras da literatura dramática brasileira e mundial. Eles (Norte Teatro Escola) foram vanguardistas no país, com alguns textos que montaram ou traduziram e tinham uma relação muito íntima com o texto. No entanto, esse conceito vai sofrer uma ruptura com a chegada do grupo Cena Aberta, mais lá na frente. A que se refere o conceito das poéticas teatrais, proposto por você na pesquisa? Quando eu falo em poéticas teatrais é no sentido do modo de fazer desses artistas. São os fazeres teatrais na nossa cidade. Na minha pesquisa de mestrado não pude pesquisar todos, por isso focalizei nas poéticas de dois grupos. Parti da leitura sobre o que eu tinha do que eram as poéticas modernas

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e me pautei na teoria de que o teatro moderno surgiu após a ruptura com a tradição do texto literário. O teatro girava em função dos textos dramáticos. A ruptura vai buscar autonomia, com o fortalecimento de uma figura muito importante para o teatro moderno, que é o encenador. Ele é o artista que vai conceber todo o espetáculo, ele é o poeta da cena. Incluindo o texto, luz, figurino e cenário, a obra é assinada por ele, mas antes era a figura do dramaturgo que se destacava. Com essa mudança, começa-se a valorizar o trabalho do ator, também, como criador. Nos meus estudos, percebi que o grupo Cena Aberta, já na década de 1980, representava essa concepção que eu buscava.

Cinquenta anos depois do Golpe Militar de 1964, há registros na sua pesquisa de como ele afetou o teatro paraense? A censura interferiu no processo artístico, tivemos autores censurados e o próprio Nazareno Tourinho foi um deles. O teatro também foi uma forma de resistência encontrada, o que vai influenciar futuramente, por exemplo, o grupo Cena Aberta. Eles começam a experimentar a corporeidade e a nudez, mas os censores proibiam. Na peça chamada “Theastai, Theatron”, em que os atores ficavam nus, eles tiveram que alterar o espetáculo inteiro.


De que modo a sua pesquisa contribui para compreender os próximos passos do teatro na região? Antes de tudo, estou trabalhando com memória e vivemos em uma cidade onde, constantemente, as pessoas reclamam que a memória não é preservada, valorizada. A grande contribuição é deixar um trabalho que possa servir para futuros estudiosos, algo muito importante no meio acadêmico. Esse esforço de rememorar é uma forma de manter a cultura teatral ativa, fazê-la mais conhecida para a sociedade. Não se trata de criar mitos, de afirmar que aquele foi o apogeu do teatro paraense, por exemplo. Não, o importante é conhecermos a trajetória, porque se hoje temos espaços como o teatro Waldemar Henrique e a Escola de Teatro da UFPA, é resultado da atitude de pessoas que lutaram por estes espaços, pela arte.

DEBATE EM CENA O grupo Norte Teatro Escola se reunia para ler poesias e fazer montagens teatrais de textos polêmicos, como Morte Vida e Severina, de João Cabral de Melo Neto

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FOTOS: ARQuivO O LibERAL (1), cAMiLA LiMA (2), cARLOS bORgES (5), DivuLgAçãO (3 E 4)

Como você vê o teatro paraense agora, mais de 20 anos depois do fim do período estudado na pesquisa? Você vê um processo de amadurecimento ou de ruptura? Atualmente a gente vê poucos incentivos na cena teatral, no sentido de tornála um elemento orgânico da sociedade. O teatro local ainda é amador, não no sentido de ser ruim, mas porque ainda não se profissionalizou. Não temos federação ou sindicato e a maioria dos atores faz trabalhos que não são profissionais. Temos o curso técnico, que completou 50 anos, assim como agora temos graduação em dança, teatro, além do mestrado em artes. Ou seja, entende-se que o campo acadêmico amadureceu muito e que, apesar de todas essas dificuldades, as pessoas continuam fazendo teatro. É claro que sempre queremos mais e melhor. Hoje, Belém precisa se reconhecer no teatro, precisa viver o teatro. Enquanto nós, que estamos envolvidos com a arte, não pensarmos estratégias que fortaleçam a relação do teatro com a sociedade, vai se passar mais 30 ou 40 anos e os mesmos problemas estarão sendo discutidos. Precisamos de mais espetáculos, precisamos descentralizar as casas de espetáculos, ir às periferias, valorizar o artista e criar um canal de relação entre a cidade e o teatro.

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PENSADORES Personalidades como o filósofo Benedito Nunes, os atores Cláudio Barradas e Maria Sylvia Nunes e o poeta Paes Loureiro mudaram a cena teatral no Estado nos anos 6O

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Alonso Rocha (1927-2O11)

Um príncipe entre os poetas paraenses

Dono de um texto rígido à forma e ao conteúdo, poeta é uma referência na construção de sonetos que beiram a perfeição

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a importância da poesia, da criação em linguagem, em detrimento ao envelhecimento normal do corpo humano. Aos 15 anos, junto com os jovens Max Martins, Jurandyr Bezerra e Antônio Cumaru Leal, fundou uma academia de Letras ousada e irreverente, a Academia dos Novos. “Naquele período, o modernismo estava entrando em sua fase mais forte, com Carlos Drummond de Andrade. E esses quatro meninos resolveram fundar a Academia dos Novos com a finalidade de manter viva a poesia clássica contra a poesia moderna”, explica Edy-Lamar. A Academia existiu até 1945 e viveu sua fase áurea com a entrada de Benedito Nunes e Haroldo Maranhão. Naquele período, Haroldo conseguiu que as publicações da Academia, o jornal “A Pacotilha” e a revista “Bohemia”, fossem publicadas pela gráfica do jornal “Folha do Norte”, de seu avô Paulo Maranhão. O fim do grupo de jovens poetas foi devido à mudança de pensamento de Max sobre poesia e a entrada de Jurandyr Bezerra, na Academia Paraense de Letras aos 18 anos. Em 1963, Alonso Rocha tornou-se também imortal. Até o seu falecimento, em 2011, dedicou-se inteiramente às suas atividades na Academia Paraense de Letras, exercendo diversos cargos, tais como primeiro secretário. “Ninguém jamais fez igual ao seu trabalho realizado na Academia Paraense de Letras. Ele jamais faltou uma sessão de plenária”, relembra a biógrafa. Segundo a ensaísta, o poeta acreditava que a instituição precisava ser composta por intelectuais de alta envergadura, que fossem capazes de promover discussões importantes. Fiel amiga e defensora da memória de Alonso Rocha, Edy-Lamar D’Oliveira é autora de um livro de 500 páginas sobre o poeta. Nele, além da análise literária da obra, há informações sobre sua vida e aspectos específicos do fazer poético do autor. O trabalho, no entanto, ainda aguarda incentivos para a publicação

ILUSTRAÇÕES: JOCELYN ALENCAR

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xistem muitas definições para o significado da palavra poesia. Para o poeta e pesquisador mexicano Octavio Paz, entre outras coisas, a poesia é a subversão do corpo; o momento em que o ser humano, por meio da linguagem, desrespeita a ordem natural das coisas e cria novas formas de existência. É preciso se ter isso em mente ao lembrarmos a vida daquele que foi eleito o quarto Príncipe dos Poetas do Pará, Raimundo Alonso Pinheiro Rocha. Autor de dois livros de poesia publicados, “Pelas Mãos do Vento” e “O tempo e o Canto”, Alonso Rocha tem como principal característica de sua poesia a rigidez com que se dedicou à forma do poema sem deixar de ser eclético. “Acredito que ele é um gigante em todas as formas de poesia. No entanto, sua especialidade é o soneto”, explica Edy-Lamar D´Oliveira, poetisa, ensaísta, amiga e biógrafa de Alonso Rocha. Segunda ela, sua relação com o poeta começou com uma grande admiração. “Sempre admirei os poetas sonetistas por sua capacidade de concisão. O Alonso era um estupendo sonetista. Ele, inclusive, foi escolhido como um dos 100 melhores poetas sonetistas do Brasil em todos os tempos”, afirma a estudiosa. Como outros artistas da palavra, como Castro Alves, Alonso Rocha descobriu sua vocação muito cedo. Aos 13 anos, em 1940, escreveu seu primeiro poema em uma situação dramática. “A poesia do Alonso explodiu num momento de dor. Quando ele perdeu a mãe. Ao voltar do enterro, escreveu o poema intitulado Órfão”, diz Edy-Lamar. Nesses versos, já é possível perceber a influência da poesia simbolista do seu pai, o também poeta, Rocha Júnior. O simbolismo se caracteriza pelo trabalho com elementos imagéticos da palavra. Um exemplo disso é a capa do livro “O tempo e o Canto”. Segundo a biógrafa, o poeta optou por grafar a palavra “tempo” com a primeira letra em minúscula e a palavra “canto” em maiúscula para evidenciar


AGENDA DE EVENTOS CERÂMICA

A exposição “Memória no Barro” pode ser visitada até o dia 15 de maio, no Hall dos Elevadores do Hangar. Inspirada nas cerâmicas arqueológicas marajoara, tapajônica e a amapaense Cunani, a mostra apresenta um recorte da coleção de peças de grande porte em cerâmica produzidas pelos mestres ceramistas e alunos do Liceu Escola de Artes e Ofícios Mestre Raimundo Cardoso. A entrada é gratuita. Mais informações (91) 3344-0100.

PRÊMIO IAP ADRiANA vichi / DivuLgAçãO

ENCONTRO Milton Hatoum é autor de obras importantes como Órfãos de Eldorado e Dois Irmãos

Feira do Livro traz a Belém célebre autor amazonense A XVIII Feira Pan-Amazônica do Livro, que acontecerá entre os dias 30 de maio e 8 de junho, está cheia de novidades. Os grandes homenageados desse ano são o país Qatar e o autor amazonense e descendente de libaneses, Milton Hatoum. A troca de ideias entre o escritor e seus leitores e entre os próprios escritores da região é a grande expectativa de Milton Hatoum, autor de obras consagradas como Órfãos de Eldorado e Dois Irmãos. Para ele, o evento é importante para a interação entre jovens, adultos, crianças, professores, alunos e escritores com a literatura local, nacional e mundial. Autor de diversas obras, entre contos, romances, crônicas, poesias, ensaios, criticas, traduções, além de obras infantojuvenis, teve seu trabalho reconhecido por diversas premiações na área literária, além de parcerias como a que fez com o escritor e filósofo paraense Benedito Nunes no livro “Crônicas de Duas Cidades”.

COMUNICAÇÃO

Sobre a homenagem ao Qatar, a diretora de Cultura da Secult, Ana Catarina Brito, explica que ele é um país novo, que cresceu bastante nos últimos tempos. Além disso, este ano será o ano do Brasil no Qatar e o ano do Qatar no Brasil. Cinco estados foram escolhidos pelas autoridades qatarianas para receber a programação do evento internacional e um deles é o Pará. Ana Catarina antecipa ainda uma parte da programação. “Vamos ter uma programação especial para comemorar o centenário de Dorival Caymmi, vamos falar sobre sustentabilidade, com a presença da apresentadora Regina Casé, e, claro, vamos falar de futebol na literatura, no cinema, nas artes, pois estamos em ano de Copa do Mundo”, ressalta. Para mais informações sobre a Feira do livro basta acessar o site feiradolivro. pa.gov.br ou pelo telefone da Secretaria de Estado de Cultura (91) 4009-8700.

De 27 a 30 de maio, a Universidade Federal do Pará recebe os principais pesquisadores do campo da Comunicação no Brasil, no 23º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). Na programação, além das reuniões dos grupos de trabalho e da entrega do Prêmio Compós de Teses e Dissertações, haverá um seminário internacional com o professor Nick Couldry, da London School of Economics. Mais informações no site compos.org.br.

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O Instituto de Artes do Pará (IAP) abriu as inscrições para a 13ª edição do Prêmio IAP de Artes Literárias, que vai premiar obras em oito categorias, com até dois livros por categoria. As inscrições seguem até 16 de maio, no horário das 9h às 17h. Os escritores selecionados terão os livros publicados com a tiragem de 500 exemplares cada. As inscrições são gratuitas. O edital com todas as informações da premiação está disponível no site www.iap.pa.gov.br.

ARTES

A visitação para a exposição “Ambiência – Pinturas e Objetos”, de Emanuel Franco, Geraldo Teixeira, Jorge Eiró e Ruma de Albuquerque segue até o dia 25 de maio, no Sesc Boulevard. Segundo Emanuel Franco, “o que se pode esperar das obras dos quatro artistas não são respostas, mas questionamentos e caminhos sobre um espaço que é mais do que físico”. Contatos: (91) 3224-5305 / 3224-5654. Entrada franca.

PARASITAS

A Universidade do Estado do Pará (Uepa) está com inscrições abertas para o doutorado em Biologia Parasitária na Amazônia, realizado pelo Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS). As inscrições vão até o dia 28 de novembro. O candidato interessado em se inscrever deve apresentar alguns documentos na secretaria do programa, no CCBS, entre 8h e 14h, de segunda a sexta. As informações podem ser encontradas no site www.uepa.br.

FLORESTA

O workshop do grupo Processos do Dossel, da União Internacional de Organizações Florestais (IUFRO) acontecerá em Belém entre os dias 2 a 8 de junho, sendo destinado a pesquisadores, estudantes e profissionais que atuam na área de ecologia florestal. A submissão de trabalhos pode ser pelo no site colloque.inra. fr/iufro-canopy-processes-2014.


FAÇA VOCÊ MESMO

Para guardar emoções Porta-joias sustentável é uma boa opção para o presente do Dia das Mães

Pulseiras passam, gargantilhas também, mas já pensaram em confeccionar um “porta-emoções”? Vamos explicar como fazer, passo a passo, um objeto para guardar os maiores tesouros sentimentais. Tudo o que é criado pelo ser humano no mundo material sempre esteve ligado às necessidades que gradativamente se apresentaram. Além disso, cada criação traz uma história, uma emoção ou um momento ligado a sua natureza.

Na edição deste mês da revista Amazônia Viva, em parceria com a Fundação Curro Velho, apresentamos um objeto que, além de ter sua própria história, guarda muitas outras no seu interior: o portajoias sustentável. Mais que guardar rubis ou esmeraldas, este feito para guardar os presentes do coração. E o melhor: construído com materiais reciclados, você pode aproveitar o presente no melhor estilo Dia das Mães ambientalmente correto.

DO QUE VAMOS PRECISAR? • Caixa tetra pak (caixa de leite ou suco); • Cola branca; • Pincel; • Fita crepe; • Papel kraft; • Papelão;

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Estilete; Lápis; Fio barbante; Retalho de tecido; Tesoura com pontas arredondadas; Régua; Pistola para cola quente;

iNSTRuTOR SiLviO NASciMENTO. cOLAbORAçãO DEuSARiNA vAScONcELOS E cLÁuDiA RêgO bARROS FOTOS: DANiEL SOuzA / EDiçãO DAS FOTOS: FELipE pAMpLONA MODELO: cLEONiLDE gONçALvES

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Pegue o pedaço de papelão e marque com lápis nove retângulos para serem recortados: um de 17,5 cm x 21 cm com as bordas de 0,5 cm; dois retângulos de 21cm x 6,5cm; dois retângulos de 18cm x 6,5cm; dois pedaços de 21cm x 3cm; e dois pedaços de 17cm x 3cm

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Com a tesoura, corte e retire uma das laterais da caixa tetra pak com comprimento de 19,70cm, formando a entrada do presente

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Rasgue pequenos pedaços de papel kraft, eles serão usados na colagem. Passe a cola branca nos pedaços do papel e monte uma camada de kraft no papelão

Para saber mais

Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que estejam acompanhadas por um adulto responsável

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Recorte todos os retângulos marcados com o estilete e passe cola quente nas beiradas para montar o porta-joias

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Com a fita crepe, reforce a estrutura do objeto colando as arestas dos retângulos

Comparando a caixa tetra pak e o retângulo de papelão, marque a altura e recorte as sobras da caixa de leite para fazer a divisória do porta-joias. Novamente, prenda com a fita crepe para reforçar a divisória do objeto

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Utilizando a sobra da caixa tetra pak, faça a divisão interna do portajoias, também reforçando com a fita crepe

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Por fim, cole tecidos no fundo do porta-joias para fechar e abrir a tampa. Feito isso, está pronto o “porta-emoções” da mamãe!

Corte um pedaço de barbante dobrado e cole na tampa do porta-joias para trancar e, na frente da base, cole um pequeno pedaço de papelão para fechar objeto

Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas da Fundação Curro Velho, do governo do Estado do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109.

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RECORTE AQUI

FAÇA VOCÊ MESMO


BOA HISTÓRIA

ILUSTRAÇÃO: LEONARDO NUNES

Sentado à beira do trapiche minúscu-

Anderson Araújo é jornalista, escritor e blogueiro

lo da própria casa, ele olhava as embarcações passarem impressionado com o deslizar das canoas a cada remada do piloto levando as mulheres de sombrinha, sentadinhas do casco, pacientemente. Prestava atenção como ninguém. Sabia diferenciar, por exemplo, o barulho das catraias e das rabetas de alumínio. Com o tempo adivinhava o nome dos donos dos barcos a motor quando passavam ao longe. Se fosse noite e ele não reconhecesse o ruído, gravava na memória o rufar intercalado na esperança de sabê-lo pela manhã. Sonhava com os velhos catamarãs e contava com ricos detalhes a única viagem feita em uma “chatinha” aos nove anos. Agora estava ali, embriagado de tinta a óleo, depois de calafetagem com resina de sua peça maior até aquele momento. Antes havia lixado todo o casco por fora com uma dedicação de mãe catando os piolhos do filho caçula. Deixou tão uniforme e liso que parecia ter sido feito pela melhor máquina da indústria náutica da época. Queria desde o início fazer um trabalho primoroso, queria desde sempre que fosse para si, mas o destino colocou a encomenda com metade do pagamento adiantado em suas mãos numa quarta-feira de maio, época de chuvas esparsas, sol alto e marés calmas para navegar. Desde o dia do pedido não fez outra coisa que não fosse se dedicar à construção. Antes de pôr a mão na massa, ele foi conversar com Leodoro, o car-

pinteiro mais antigo da cidade, também construtor de grandes embarcações com um currículo de fazer inveja contando a feitura de mais de 80 gaiolas e para mais de 250 popopôs em 50 anos de profissão. Já cego, contou os segredos do ofício como só os mestres sabem contar. Ele ouviu atentamente e partiu para começar os preparativos no pequeno estaleiro. Para tanto, arrumou a melhor madeira, moldou as peças uma a uma. Ergueu o esqueleto com tanta harmonia que poderia ser exposto em qualquer museu do mundo como obra de arte. Não quis auxílio e se dedicou com tanto afinco num exercício solitário de esforço e felicidade quase impossível de conciliar, que muitos acharam que estava ele perdendo o juízo numa hipnose artesanal nunca vista naquela beira de rio. A pintura chegou ao fim. Teve autonomia na escolha, mas a criatividade lhe faltou para nomear sua primeira e comovente obra de arte feita para cruzar distâncias aquáticas imensas. Pintou sem medo algum no lado direito da parte de fora da proa o nome “Esperança”. A única ajuda que lhe serviu nos dias seguintes foi para assentar o motor e demais mecanismos. Quando sentiu que tudo estava pronto, entrou em júbilo e a ansiedade o obrigou a colocar o barco na água, em uma tarde clara, para rumar em águas barrentas, como sempre sonhou desde que ainda era menino e escutava o ronco dos motores de longe, sonhando com o dia que guiaria uma gaiola feita por ele mesmo.

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NOVOS CAMINHOS

Inovação: Conceito e abrangência

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conceito de inovação é conhecido desde o século XVIII, pelo filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), que estudava a relação entre acumulação de capital e a tecnologia da manufatura, estudando conceitos relacionados a mudanças tecnológicas, divisão do trabalho e competição. Em 1934, a partir do trabalho do economista austro-húngaro Joseph Schumpeter (1883-1950) é que foi estabelecida uma relação entre inovação e desenvolvimento econômico. Sua teoria da “destruição criativa” consiste em novas firmas, novas tecnologias e novos produtos para substituir constantemente os antigos; em outras palavras, inovações que destroem o modo como se fazia determinada atividade. Em 1996, foi divulgada a 3ª edição do “Manual de Oslo”, que define quatro tipos de inovações que estão relacionadas a um amplo conjunto de mudanças nas atividades das empresas: inovação de produtos, de processos, organizacionais e de marketing. Na prática, para se definir uma inovação o requisito mínimo é que o produto, processo, método de marketing ou organizacional, sejam novos. Um produto novo ou melhorado é implementado quando inserido no mercado. Todas as inovações devem conter um grau de novidade: nova para a empresa, nova para o mercado e nova para o mundo. A inovação pressupõe certa dose de incerteza, pois os resultados do esforço inovador dificilmente podem ser conhecidos de antemão. Uma das definições marcantes de inovação veio de Ron Johnson, vicepresidente de varejo da Apple. “Inovação é a fantástica intersecção entre a imaginação de alguém à realidade”. Em março deste ano, em Brasília

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(DF), ao fim de mais um painel do Seminário sobre Sistemas de Inovação e Desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), debatedores concordaram que só é possível promover a “Inovação Inclusiva” nos países identificando as especificidades de cada região. Lakhwinder Singh, da Índia, afirmou que uma das estratégias do governo indiano é garantir mais recursos a estados menos desenvolvidos, na tentativa de ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação, para o desenvolvimento local. Lindile Ndabeni, da África do Sul, ressaltou que a inovação inclusiva precisa refletir os “interesses e necessidades de cada região”. Ele acrescentou que é necessário reforçar as políticas federais com foco no “local”, reconhecendo as desigualdades e a pobreza de cada região. A secretária de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento do Brasil, Esther Bermeguy, coordenadora do painel, acrescentou: “falar de inovação inclusiva sem observar a dimensão continental dos países, com a diversidade cultural e social, é falar de inovação que favorecerá apenas as regiões mais desenvolvidas, onde a acumulação de capital é maior”. No Brasil, Ciência, Tecnologia e Inovação ainda estão muito concentradas em algumas regiões, as iniciativas estão mais localizadas no Sudeste e no Sul do país, mas têm que chegar a todos os brasileiros. É importante que as instituições de ensino e pesquisa, as empresas, organismos de gestão dos poderes públicos, ONGs e entidades representativas da sociedade em geral promovam atividades para que a “inovação” seja compreendida e praticada. O Brasil está atrasado nesse aspecto em relação a outros países do seu “top”.

“Todas as inovações devem conter um grau de novidade: nova para a empresa, nova para o mercado e nova para o mundo” Para ler mais: Inventta http://goo.gl/u8Wgi1 Manual de Oslo http://goo.gl/nOiuoC Livro Verde do MCT http://goo.gl/CHzlJk

Inocêncio Gorayeb é mestre e doutor em Entomologia, pós-doutor em sistemática zoológica e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi


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