Revista Amazônia Viva ed. 34 / Junho de 2014

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

JUNHO 2O14 | EDIÇÃO NO 34 ANO 3 | ISSN 2237-2962

No mês da Copa do Mundo no Brasil, conheça como o esporte que se tornou paixão nacional chegou à região no início do século 20 REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO




Origem do futebol na Amazônia Junto com a chegada dos ingleses à região Norte veio a prática esportiva já bastante conhecida na Europa. E para se disseminar por aqui bastou um pontapé inicial. ASSUNTO DO MÊS, PÁG. 36

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JUNHO 2O14 NOSSA CAPA Na várzea, a T-Model, bola da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai

Heraldo Maués

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

EDIÇÃO Nº 34 / ANO 3

JUNHO 2O14 | EDIÇÃO NO 34 ANO 3 | ISSN 2237-2962

AMAZÔNIA, TERRA DO

FUTEBOL No mês da Copa do Mundo no Brasil, conheça como o esporte que se tornou paixão nacional chegou à região no início do século 20 REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

IDEIAS VERDES, PÁG. 33

Meandros da região CONCEITOS AMAZÔNICOS PÁG. 19

Luiz Carlos Bassalo QUEM É?, PÁG. 18

E MAIS

JOCELYN ALENCAR

O6 O7 17 17 19 2O 22 5O 58 44 52 56 59 6O 62 63 65 66

EDITORIAL A herança de Mr. Miller PRIMEIRO FOCO Notícias FATO REGISTRADO Malva do igarapé CARTA ABERTA Comentários dos leitores MUDANÇA DE ATITUDE Uso de sacolas plásticas EM NÚMEROS Altitudes da Amazônia OLHARES NATIVOS Temas amazônicos PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR Cabelos brancos CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE Fogo fátuo COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL Flona do Tapirapé-Aquiré UM DEDO DE PROSA Junior Soares

Cuidando do sorriso dos alunos da Apae

ARTE REGIONAL Dança curimbó NA LISTA Pontos Vilões do consumo de energia MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS Ismael Nery AGENDA DE EVENTOS Simpósios e artes

Em Marabá, entidade se preocupa com a saúde bucal de mais de 400 pessoas assistidas por programa social.

FAÇA VOCÊ MESMO Banquinho ecológico

VIDA EM COMUNIDADE, PÁG. 47

BOA HISTÓRIA Floresta NOVOS CAMINHOS Thiago Barros CARLOS BORGES

JUNHO 2014

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DA EDITORIA

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA JUNHO 2014 / EDIÇÃO Nº 34 ANO 3 ISSN 2237-2962

A herança de Mr. Miller

O

DIVULGAÇÃO

William Miller, filho de pai escocês e mãe s ingleses foram responsáveis brasileira com descedência inglesa. Ainpela colonização do futebol da jovem, foi para Inglaterra estudar e de em vários países e domínios lá trouxe toda a manha para se jogar bola no início do século 20, mas o nos campos do País afora. título de nação geradora da modalidade é No mês em que vivenciamos a realização da China. Há mais de cinco mil anos, dude mais uma Copa rante a dinastia Ming, do Mundo, desta ocorriam pelejas com vez no Brasil, reregras que lembram solvemos inveso bola-pé praticado tigar as origens na Europa medieval. desse esporte tão Japoneses, egípcios, popular na Amagregos e romanos zônia. A paixão também estão entre nacional pelo fuos pioneiros, mas a tebol também tem diversão com pelota fiéis seguidores já não era novidade na região, mais na América quando conhecida pela navegantes portuguehistória de times ses e espanhóis aporclássicos como taram no Novo MunRemo e Paysandu, do. Murais pintados mas que também em Tepantitla - localipor outras equidade então dominada pes que represenpelos maias, no Métam a pátria de xico - 500 anos antes VISIONÁRIO Charles Miller deu o chuteiras ao Norda expansão dos paípontapé inicial ao esporte que se tornou te do Brasil como ses Ibéricos mostram um dos principais símbolos do Brasil Tuna Luso, Águia, homens chutando Cametá, Time Nebolas, provavelmente gra, São Raimundo, São Francisco, Naciofabricadas com borracha natural. nal, Cruzeiro do Sul, Tarumã, Princesa do Mas aqui no Brasil o football se popularizou pelos pés do paulistano Charles Solimões, Trem Desportivo...

Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAN Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor Corporativo de Jornalismo WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA Diretor de Novos Negócios RIBAMAR GOMES Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretores JOSÉ EDSON SALAME JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor chefe FELIPE MELO (SRTE-PA 1769) Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Vale, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Fundação Curro Velho (acervo); Thiago Barros, Camila Machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, Anderson Araújo, Moisés Sarraf, Abilio Dantas, Brenda Pantoja, Carmen Palheta, Tatiane Smoginski, Luiz Cláudio Fernandes (reportagem); Moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Janine Bargas (produção); Hely Pamplona, Fernando Sette, Carlos Borges, Roberta Brandão, Teotônio Silva (fotos); André Abreu, Leonardo Nunes, Jocelyn Alencar, Andrey Torres, Sávio Oliveira (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9 Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

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REVISTA IMPRESSA COM O PAPEL CERTIFICADO PELO FSC - FOREST STEWARDSHIP COUNCIL


PRIMEIRO PRIMEIROFOCO FOCO O QUE É NOTÍCIA PARA A AMAZÔNIA

Efeito Copaíba Pesquisa no campo da odontologia investiga os efeitos do óleo amazônico na aplicação de enxertos ósseos Abílio Dantas

Everaldo Nascimento

Exposição Embrapa completa 75 anos na Amazônia e faz série de programação. Pág. 13.

Borboletas Mais de seis espécies nascem no Margal das Garças todos os meses. Pág. 14. JUNHO 2014

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PRIMEIRO FOCO

PESQUISA O odontólogo Augusto Peres desenvolve um estudo inovador na Amazônia para viabilizar a recuperação da mandíbula

“P

assa óleo de copaíba que resolve”. Qual é o paraense que nunca escutou essa afirmativa para curar um ferimento ou uma inflamação na garganta? Amplamente conhecido na região amazônica e utilizado há séculos pelas populações indígenas, o óleo extraído da árvore Copaifera officinalis, popularmente conhecida como copaíba, consiste num líquido predominantemente claro e abundante. Segundo a Grande Enciclopédia da Amazô-

nia, de Carlos Rocque, o óleo possui propriedades medicinais e cosméticas e também é usado contra desinteria, bronquite, catarro pulmonar, blenorragia, leucorreias e outras enfermidades. Foi pensando no vasto uso do produto natural que o odontólogo e pesquisador Augusto Cézar Rodrigues Peres optou por estudar suas propriedades em sua pesquisa de mestrado intitulada “Efeito do Óleo de Copaíba na Incorporação de Enxertos em Mandíbula de Ratos”, em curso no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universi-

ESTUDO Pesquisador diz que o uso do óleo pode impedir processos inflamatórios nos tratamentos dentários

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dade Federal do Pará (UFPA). A pesquisa tem como objetivo investigar as reações do óleo em humanos quando utilizado em enxerto ósseo, tipo de transplante que restabelece a função de membros comprometidos de indivíduos. No campo da odontologia, a redução do funcionamento da mandíbula acarreta na perda precoce dos dentes. Com a deficiência dentária, ocorre o processo de reabsorção do osso alveolar de suporte, camada que envolve a raiz dos dentes. Isso provoca sérias mudanças na estrutura óssea. “A perda compromete as funções básicas de mastigação e fonação. Além disso, os dentes atuam na função estética e sua perda precoce compromete as relações sociais”, explica Augusto. Por estes motivos, quando os casos de reabsorção estão em estágio avançado, é necessária a utilização de substitutos ósseos capazes de integrar-se ao corpo humano. “O enxerto é importante para restabelecer a altura e espessura óssea perdidas, a fim de receber os implantes dentários e suportar sua carga funcional”, afirma o odontólogo. De acordo com o pesquisador, diversas substâncias têm sido incorporadas aos enxertos a fim de minimizar sua taxa de reabsorção e garantir a sua viabilidade. Há, no entanto, polêmica entre os estudiosos sobre qual seria a melhor solução. Os antibióticos, por exemplo, são alvos de diver-


NATURAL O poder das plantas regionais, como a andiroba, estão sendo estudadas pela Ciência

HELY PAMPLONA

gências sobre sua eficácia. Segundo Augusto, alguns estudos indicam que ao serem aplicados ao enxerto ósseo eles prejudicam a sua incorporação. Neste contexto, o óleo de copaíba tornase uma alternativa por diversos motivos. Possui efeitos anti-inflamatório, antioxidante e de cicatrização, por exemplo, e pode ser obtido com facilidade na região amazônica. Seu custo também pode ser considerado baixo em comparação com o uso de materiais sintéticos. “Aqui, na Amazônia, temos um potencial enorme de produtos da natureza a serem experimentados e com fácil acesso”, defende o pesquisador. “Nosso principal objetivo com este trabalho é ampliar nosso conhecimento sobre a biodiversidade da Amazônia, trazendo, assim, benefícios para a população”, completa.

A pesquisa de Augusto Peres está sendo realizada em Belém, no Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade Estadual do Pará (UEPA) e deve ser finalizada até o ano que vem.

PLANTAS Segundo Augusto Peres, a utilização de plantas com fins medicinais, como a andiroba e arnica, para tratamento, cura e prevenção de doenças, é uma das mais antigas formas de prática medicinal da humanidade. No início da década de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que de 65% a 80% da população dos países em desenvolvimento dependiam de plantas medicinais como única forma de acesso aos cuidados básicos de saúde, e em relação à população mundial, cerca de 60% faz uso de plantas medicinais.

DA TERRA A árvore da copaíba produz um óleo natural amplamente usado na Amazônia

LÍNGUAS PROFESSORA PARAENSE É DESTAQUE EM PRÊMIO NACIONAL O prêmio “Palma de Ouro Barroca de Minas Gerais” foi entregue à professora Rita de Cássia Paiva, representando o Guamá Bilíngue, projeto de extensão da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FaLem) da Universidade Federal do Pará (UFPA). A premiação é concedida a mulheres de grande atuação nas áreas de Turismo, Cultura e Educação. A iniciativa existe há cinco anos e ensina espanhol aos alunos de escola pública no Guamá, área periférica de Belém, além de promover o resgate social de jovens em situação de risco. Neste ano, pela primeira vez, dois alunos do projeto foram aprovados no vestibular da UFPA, nos cursos de Nutrição e Computação.

PECUÁRIA VERDE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL LOCAL GANHA RECONHECIMENTO NO PAÍS O projeto Pecuária Verde, desenvolvido no município de Paragominas, foi um dos destaques do BeefSummit Bem-Estar Animal, um dos maiores eventos do setor produtivo. O evento realizado em Ribeirão Preto (SP) abriu espaço para que o Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas (SPRP) mostrasse os resultados do trabalho, que se tornou uma das principais linhas de frente para a adequação de passivos ambientais no ramo da pecuária de corte. O diretor executivo do projeto, Mauro Lúcio Costa, destacou que no primeiro ano do projeto existia uma diferença de 252% nos níveis de produtividade entre as fazendas participantes, mas essa diferença caiu para 20% no segundo ano. As metas do projeto para este ano são de alcançar 3,55 UA/ha (Unidade de Animal por hectare) na taxa de lotação, produtividade mínima de 35,95 arrobas por hectare, e margem líquida de 8,75 arrobas por hectare. FOTOS: ADOLFO LEMOS / DIVULGAÇÃO

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PRIMEIRO FOCO APLICATIVOS

GIGANTES

ÁRVORES

Baleias encalham no Pará Cena que não é nenhuma novidade, mas que sempre impressiona quando acontece, o encalhe de baleias no litoral paraense instiga até mesmo os pesquisadores da vida marinha. Uma baleia da espécie Cachalote, com 10,5 metros de comprimento encalhou na praia do Crispim, região nordeste do Pará, em abril passado. Segundo Leandro Aranha, chefe da Divisão de Fauna e Pesca do Ibama, esse tipo de acidente costuma ocorrer na região. “As baleias sempre estiveram por aqui. O aumento das ocorrências pode estar

ligado ao aumento populacional dessas espécies e a uma maior atenção da sociedade em geral em relação ao tema”, diz. De acordo com o pesquisador, os dados das migrações na costa paraense são poucos. No entanto, como praticamente todas as espécies de baleias se alimentam em áreas mais frias como a Antártica e a Ártica e se reproduzem em regiões quentes como Caribe e no Nordeste brasileiro, é possível afirmar que as espécies encontradas no Pará podem ter encalhado no meio do caminho nesse trajeto.

O TAMANHO DO PROBLEMA Conheça as espécies de baleias que encalharam na costa paraense nas últimas décadas MINKE

Balaenoptera bonaerensis

Conhecida também como baleia-anã, seu comprimento chega, no máximo, até 9,8 metros nos machos e a 10,7 metros nas fêmeas. Um indivíduo encalhou em Santarém e outro em Curuçá em 2007.

JUBARTE

Megaptera novaeangliae

Os machos da espécie medem de 15 a 16 metros; as fêmeas, de 16 a 17 m. O peso médio é de aproximadamente 40 toneladas, sendo que o maior exemplar já visto possuía 19 metros. O último caso de encalhamento no Pará foi em 2008, em São João de Pirabas.

CACHALOTE Pode ter até 18 m de comprimento. Originárias do Atlântico Norte. Seu último registro de encalhamento foi este ano, na praia do Crispim. Também houve um caso em Colares, em 2000.

FIN

Balaenoptera Physalus

Pode atingir 23 m pesando até 45 toneladas. Encalhou em São João de Pirabas em 2010.

FONTE: DIVISÃO DE FAUNA E PESCA DO IBAMA

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PLANTAS

TECNOLOGIA

Por meio de uma fotografia de uma folha, será possível identificar o nome da espécie vegetal a que ela pertence e o local onde é encontrada, além de outras informações para construir uma base de dados. A tecnologia chamada Digital Plants ainda está em desenvolvimento pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV), com parceria das universidades federais do Pará (UFPA) e do Estado de São Paulo (Unesp). A ideia é utilizar a plataforma como ferramenta auxiliar no trabalho de licenciamento ambiental, na etapa de levantamento de florestas. Os testes iniciais, realizados na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), apontaram quase 98% de acertos na identificação das espécies. Em uma próxima etapa, a pesquisa será levada para a região de Carajás, no Pará.

ECOSSISTEMA

Physeter catodon

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A febre dos aplicativos de dispositivos móveis também pode ser usada em favor do meio ambiente. O GreenBaby é um programa desenvolvido por cinco alunas paraenses do ensino médio e permite que usuários de qualquer parte do mundo adotem uma árvore. As meninas de Santarém tiveram a ideia após se inscreverem na disputa internacional “Technovation Challenge”, que incentiva mulheres a criarem produtos tecnológicos que resolvam problemas da sociedade. O usuário terá que contribuir com um valor anual para que as árvores sejam plantadas e cuidadas na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós - Arapiuns.

VIRTUAL

O primeiro sistema de simulação virtual capaz de prever a degradação do meio ambiente e o futuro da Terra foi desenvolvido pela empresa de informática Microsoft e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Os cientistas poderão entender melhor como todos os organismos de um determinado ecossistema interagem, graças à tecnologia de código aberto, denominada Madingley. No site de apresentação da plataforma (www. madingleymodel.org) os pesquisadores mostram como funciona o simulador.


VALE / DIVULGAÇÃO

ONGS

INICIATIVA

FESTA Mariene de Castro, Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Dudu Nobre, Zélia Duncan e Altay Veloso: noite memorável

SAMBA

Artistas celebram ritmo brasileiro em turnê patrocinada pela Vale Com shows em Belém e Parauapebas, a turnê regional do 25º Prêmio da Música Brasileira chegou ao Pará, no mês passado, trazendo os cantores Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Dudu Nobre, Altay Veloso, Zélia Duncan e Mariene de Castro. Os artistas homenagearam o samba em um espetáculo que vai ficar por muito tempo na memória do público. Na capital paraense, a apresentação foi no Theatro da Paz, e em Parauapebas ocorreu na Praça de Eventos da cidade. Em mais de duas horas de show a plateia cantou, se emocionou e se divertiu com sambas consagrados da música popular brasileira nas vozes de grandes intérpretes. A cantora paraense Gigi Furtado também subiu ao palco do Theatro da Paz e fez o público vibrar com a canção “Flor de Lis”, do músico Djavan. O Prêmio conta

com patrocínio exclusivo da Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei Rouanet. Além do Pará, a turnê passou por Corumbá (MS), Vitória (ES), Belo Horizonte (MG) e São Luís (MA).

PARAENSE Gigi Furtado levantou o público

Três organizações não governamentais que atuam na Amazônia ficaram entre as dez finalistas ao prêmio de R$ 1 milhão do concurso Desafio Impacto Social, promovido pelo Google Brasil. A Associação Eco inscreveu o projeto da Rede Info Amazônia, que pretende usar mais de 80 sensores para mapear a qualidade da água em fontes de captação em Belém (PA), Manaus (AM), Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC). O Instituto Socioambiental (ISA) concorreu com a proposta das Miniusinas Open Source, que serão utilizadas para produzir produtos florestais e gerar sustentabilidade na Amazônia. Já o projeto Máquina de Gelo Solar é do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, com sede em Tefé (AM). O equipamento não utiliza baterias e é feito para conservar alimentos em comunidades isoladas na Amazônia, além de preservar o comércio do pescado na região, com energia solar. Os critérios foram o impacto na comunidade, inovação, viabilidade e escalabilidade. Os nomes de todos os finalistas estão disponíveis no site g.co/desafiobrasil.

CIÊNCIA

CÓDIGO

Dar mais liberdade para a pesquisa científica no país e derrubar a burocracia excessiva é a principal missão de um conjunto de leis que vão integrar o novo código para a ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e que está em tramitação no Congresso Nacional. O tema foi discutido no 8º Congresso da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (ABIPTI), em Brasília. A descontinuidade de recursos e o exagero de regulamentos foram apontados como problemas na área, que exige mais flexibilidade. As propostas são de uma abertura maior na relação com a iniciativa privada, com a definição do que é custeio e o que é investimento em pesquisas e a definição dos conceitos de atividade meio e atividade fim. O Código de CT&I, constituído pelo Projeto de Lei (PL) 2.177/2011, está em tramitação na Câmara e a previsão é que seja votado somente depois das eleições.

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PRIMEIRO FOCO LIVRO

FOTOGRAFIAS

ARQUIVO VALE

REUNIÃO O encontro ocorreu na Reserva Natural Vale (RNV), em Linhares, no Espírto Santo

Parceiros do Fundo Vale debatem sobre restauração florestal

5 DE JUNHO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE Quando surgiu o conceito de sustentabilidade? Várias fontes foram responsáveis pelo surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo a ONG Recriar.com, o livro “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, publicado em 1962, foi o início das discussões internacionais sobre meio ambiente. A ideia de que o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes não pode comprometer as gerações futuras, ganhou ainda mais força com a Conferência da Biosfera, organizada pela Unesco em 1968. Esta conferência foi muito importante por priorizar os aspectos científicos da conservação da biosfera e pesquisas em Ecologia.

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17 DE JUNHO DIA MUNDIAL DE COMBATE À SECA E À DESERTIFICAÇÃO Qual é a diferença entre deserto e área desertificada ? Segundo o trabalho “O que é desertificação?”, de Maria José Roxo, Pedro Cortesão Casimiro e Tiago Miguel Souza, o deserto é uma região de semiárido onde a evaporação potencial é maior que a precipitação média anual. Por isso, caracteriza-se por apresentar solos ressequidos; cobertura vegetal esparsa, presença de xerófilas e plantas temporárias. A área desertificada, por outro lado, origina-se pela intensa pressão exercida por atividades do homem sobre ecossistemas frágeis, cuja capacidade de regeneração é baixa. No caso da região amazônica, o Estado de Rondônia corre grande risco de início do processo de desertificação; várias áreas são desmatadas para fins agrícolas e ocupação indiscriminada do solo.

ILUSTRAÇÃO: SÁVIO OLIVEIRA

CALENDÁRIOECOLÓGICO

vimento sustentável dos territórios. O Fundo Vale foi apontado pela Fundação Moore como um dos 10 maiores financiadores para a conservação do bioma, sendo o único de origem privada, segundo o estudo “Análise do Financiamento Internacional para a Conservação da Amazônia”. A Feira de Trocas foi uma das atividades, onde cada organização listou suas ofertas e demandas ou assuntos em que são especialistas e podem apoiar outros.

DIVULGAÇÃO

Dezoito organizações parceiras do Fundo Vale se reuniram para discutir restauração florestal e o potencial de colaboração entre as instituições. O encontro ocorreu na Reserva Natural Vale (RNV), em Linhares (ES). A produção sustentável como alternativa para uma nova economia foi um dos tópicos abordados, mas também foram debatidos os arranjos institucionais, políticas públicas e governança para o desenvol-

“Fotografia significa escrita com a luz”. É dessa maneira que o fotógrafo Fernando Sette (abaixo) descreve o que, para ele, representa o ato de fotografar. O resultado dessa interpretação o colaborador da revista Amazônia Viva concretizou em seu primeiro livro de fotografias “Espia o Pará”, editado pela Imprensa Oficial do Estado (IOE). O lançamento ocorreu durante a XVIII Feira Pan-Amazônica do Livro. Com mais de 700 fotos, o livro foi dividido por temas como lendas, turismo, cidade, pessoas, ribeirinhos, culinária, chuva, novos fotógrafos e artistas convidados. “Nele estão fotos desde o tempo que eu fotografava de forma amadora, com câmera compacta, até agora, com as câmeras digitais”, contou. “O livro”, avisa o fotógrafo, “não tem a pretensão de mostrar todas as belezas do Pará. É um recorte das coisas que vi e que me encantaram nas cidades que visitei”, completa. São cenas do dia - a - dia de Belém, Mosqueiro, Icoaraci, Salvaterra, Salinas, Itupanema, Caripi e outras do Estado.


NHEENGATU

EMBRAPA

EXPOSIÇÃO

A Embrapa Amazônia Oriental completa 75 anos de pesquisa agropecuária na região e, para marcar a comemoração, organizou a exposição fotográfica “Estação 75”. Com curadoria do fotógrafo Everaldo Nascimento, colaborador da Amazônia Viva, as fotos representam a história e a missão da instituição, mostrando o universo da pesquisa retratado em imagens emblemáticas de búfalos, paneiros de açaí, laboratórios, rios, frutas tropicais, abelhas sem ferrão, pirarucu e dendê, dentre outras frutas e animais. As fotografias são assinadas por profissionais, comunicadores e pesquisadores da Embrapa. O Laboratório de Solos, que estava fechado para reforma, foi reaberto também em alusão ao aniversário. A mandioca foi um dos destaques da semana de comemorações e foi o tema de palestras e degustações.

MATO GROSSO

SUSTENTABILIDADE

O governo do Mato Grosso criou o Programa Mato-grossense de Municípios Sustentáveis, que terá como função fortalecer a economia local, melhorar a governança e a segurança pública, promover a conservação dos recursos naturais, a preservação ambiental e reduzir as desigualdades sociais. Prefeituras, entidades da sociedade civil e empresas privadas uniram esforços para desenvolver ações de regularização ambiental e cadeias produtivas sustentáveis. As experiências deram certo e acabaram influenciando a criação da política pública. Modelos de gestão como este, que

ORIGENS Os roqueiros dos Titãs analisam o atual cenário brasileiro batizando o novo disco com uma língua extinta do país conta com a participação da sociedade civil, também vem dando certo no Pará, como é o caso do Programa Municípios Verdes. Entre as instituições que ajudaram na construção do programa no Mato Grosso estão o Instituto Centro de Vida, Instituto Socioambiental, The Nature Conservancy, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Fundação Avina e Fundo Vale, além de vários governos municipais do Estado.

EVERALDO NASCIMENTO

Três décadas depois do primeiro álbum, os Titãs lançaram novo disco. “Nheengatu” é o 14º disco de estúdio da banda de rock paulista. As faixas trazem críticas a temas como pedofilia, preconceito, racismo, pobreza e drogas. O nome do álbum é uma referência a uma palavra indígena que significa “Língua Geral”, uma compilação que os jesuítas fizeram no século XVII dos diferentes dialetos indígenas brasileiros para que índios e portugueses se entendessem. Estudos mostram que o idioma geral foi muito falado no Maranhão e no Pará e era baseado no cruzamento do dialeto tupinambá com idiomas indígenas da Amazônia. O nheengatu foi praticado em Belém e São Luís e chegou a ser ensinado pelos jesuítas, junto com o português. Cansado da confusão na comunicação, o Marquês de Pombal baixou um decreto proibindo o ensino das línguas nativas em 1758, mas ainda hoje ela é falada no alto Rio Negro e na Venezuela por cerca de 30 mil pessoas.

DIVULGAÇÃO

TITÃS

COMEMORAÇÃO O fotógrafo Everaldo Nascimento reuniu icônicas imagens para exposição da Embrapa

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FOTOS: DIVULGAÇÃO VALE

PRIMEIRO FOCO

CIRCUITO

Músicos pegam a estrada no Pará

HELY PAMPLONA

Fazer os artistas paraenses circularem pelo Estado é o objetivo do projeto Música na Estrada, que encerrou a quarta edição com saldo positivo. O circuito de shows, que tem o patrocínio da Vale, via Lei Rouanet, passou pelas cidades de Parauapebas, Curionópolis, Canaã dos Carajás e Marabá no mês passado. Subiram ao palco nomes regionais como Beto di Mayo, Camila Honda, Pedrinho Callado, Natália Matos, Allan Carvalho e a banda de rock Molho Negro. Para Márcio Macedo, coordenador do projeto, a iniciativa permite aos artistas a circulação de suas obras no Estado e atingir diversos públicos, despertando neles o interesse pela música autoral paraense. As três edições anteriores foram realizadas

em 2010, 2011 e 2013 e a ideia original prevê a realização em 12 municípios paraenses. As apresentações acontecem na carreta-palco e a cada temporada é aberto um edital para inscrições. O regulamento e todas as notícias sobre o projeto estão disponíveis no site www.musicanaestrada.com.br.

BORBOLETA

REPRODUÇÃO

A espéci e de bor bole ta olh o-de -cor u j a ( foto) n ão é e n con tr ada faci lme n te n a capi tal par ae n se , mas é qu ase ce r to topar com u ma n o Man gal das Gar ças, qu e v oltou a r e pr odu z i -la n o bor bole tár i o - o mai or da Amé r i ca L ati n a, com 1 . 4 0 0 m². Ao todo, tr ê s espécies estão sendo reproduzidas: júlia (Dryas iulia), ponto-de-laranja ( Anteos menippe )

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VIAGEM O projeto Música da Estrada, com patrocínio da Vale, levou cantores regionais, como Larissa Leite, Camila Honda, Alan Carvalho e Beto di Mayo, a quatro municípios do interior do Estado no mês passado

e olho-de-coruja ( Caligo illioneus ). A metamorfose do ovo até a fase adulta leva cerca de um mês e o ciclo de vida varia de um a três meses. A olho-de-coruja chega até 25 cm de envergadura, sendo considerada a maior borboleta brasileira, enquanto a ponto-de-laranja só é produzida o ano inteiro no Mangal. Cerca de 200 a 300 borboletas são soltas diariamente no borboletário, o que resulta na criação de cerca de seis mil animais ao mês.


TRÊSQUESTÕES

Jovens musicistas representam o Pará em festival de Minas Gerais

NOTAS

Ao contrário do que foi publicado na edição passada, a Fundação Vale não se comprometeu em criar ações para combater a violência contra a mulher na campanha “Compromisso e Atitude: pela Lei Maria da Penha - A Lei é mais forte”, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. A Fundação aderiu à iniciativa para elaborar um Plano de Ação da campanha com foco nos municípios onde a Vale atua. O objetivo é divulgar informações sobre a Lei Maria da Penha, promover debates sobre o enfrentamento, divulgar a Central de

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Por que fazer esse trabalho de forma voluntária?

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Como esse trabalho influencia as pessoas?

Consiste em desenvolver e envolver ações que levem o grafite às comunidades, revitalizando e intervindo nos espaços sociais, principalmente nas periferias da cidade. Além de revitalizar os espaços abandonados pelo descaso do poder público, nosso trabalho é uma atividade que vai muito além das disposições artísticas.

SOCIAL Jovens do projeto Vale Música se apresentaram no 2o Festival de Maio Cordas e Piano, em Belo Horizonte O Vale Música é um projeto da Fundação Vale, em parceria com a Fundação Amazônica de Música, que tem por objetivo promover o ensino de música e a preservação das manifestações culturais locais entre crianças e adolescentes. A iniciativa também possibilita a formação de grupos musicais, corais e orquestras e oferece orientação profissional em atividades ligadas ao universo do entretenimento, visando alternativas futuras de geração de renda e profissionalização.

Atendimento à Mulher (Ligue 180) e outros serviços de utilidade pública. Também na mesma edição, de acordo com o Relatório de Sustentabilidade da Vale 2013, 107 é o número de municípios brasileiros beneficiados pela Fundação Vale e não pelo Fundo Vale, como foi noticiado. Na edição de Maio, foi veiculado um informe publicitário sobre os investimentos da Vale em projetos de valorização da nossa música cujos créditos das fotos do cantor Pinduca e da Banda Gang do Eletro são do fotógrafo Carlos Borges. As demais são de divulgação dos artistas ou integram o arquivo da Vale.

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Como é realizado o trabalho do coletivo?

Amamos o que fazemos. Promover atividades que possam chegar e alegrar as comunidades de forma independente e conectando pessoas de diferentes segmentos sociais é o que fortalece nosso coletivo.

Através de nossas intervenções nas periferias, entramos em contato com toda a comunidade, principalmente crianças e adolescentes que se aproximam e se interessam pelo nosso trabalho, oferecendo a possibilidade de mostrar um ofício que ultrapassa as barreiras socioeconômicas e atinge toda a sociedade.

HELY PAMPLONA

RETIFICAÇÃO

O Coletivo Conexão Rodovia Crew surgiu da ideia de três amigos que fazem grafites nos arredores da rodovia Augusto Montenegro. Uma das integrantes do grupo, Priscila Tapajós, afirma que atualmente o Crew já conta com dez grafiteiros que ajudam a desenvolver a arte urbana pela cidade.

ARQUIVO VALE

O 2º Festival de Maio – Cordas e Piano, realizado em Belo Horizonte (MG), contou com a participação de 12 musicistas, entre 16 e 19 anos, da Orquestra de Violinos, do programa social Vale Música . O conc er t o d os v i ol i n i s t a s paraens e s t e v e c o m o c o n v i d a d a e s p e c i a l a p i a n i s ta A n a Ma r i a A da de e f oi c oo r d en a do po r R ona ldo S a r m a n h o e S er gu ei F i r sa nov. N o r ep er t ór i o , es t a v a m pe ça s clá ss i c a s c omo “ Pa s s a c a g lia ” , de H a n d el , e “O O u t on o ” , de Vivaldi. Três grandes músicos brasileiros foram homenageado s nesta edição: a pianista Berenice Menegale, pelos seus 80 anos; e os compositores César Guerra-Peixe e Alberto Nepom u c e n o , q u e c o m p l e t a ria m res pe ctiva m e nt e, 10 0 e 15 0 a n os d e vida . O V a le Mú s i c a c on t emp l a ce r ca de 3 0 0 es t u d a n t es d a r ed e púb lica de en s i n o da G r a n d e B el é m e é uma parceria da Fundação Vale com a Fundação Amazônica de Música.

POR UMA CIDADE MAIS PULSANTE E COLORIDA

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PRIMEIRO PRIMEIROFOCO FOCO

EUDISSE

“É necessário que haja uma descentralização da cultura brasileira para que a própria riqueza cultural se manifeste mais plenamente.” EDUARDO KALIF / DIVULGAÇÃO

ANTÔNIO MOURA, poeta paraense, ganhador do prêmio de literatura John Dryden, na Inglaterra. (PORTAL ORM NEWS)

“Empreender globalmente e difundir tecnologias brasileiras: é isso que vai sustentar uma estrutura social e econômica de qualidade e mais igualitária, de forma consistente e perpétua” NALDO DANTAS, secretário executivo da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), em debate no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). (PORTAL MCTI)

“Discutir as peculiaridades de cada região é de extrema importância para que as políticas públicas para a educação do campo sejam viabilizadas.” Edson Anhaia, coordenador geral da Educação do Campo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério de Educação (MEC), durante o Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC), realizado em Belém. (PORTAL DA UFPA)

“Conseguimos evoluir em pouquíssimo tempo o que outras instituições demoram décadas. É a tecnologia e conhecimento em saúde desenvolvidos em Santarém sendo exportados para todo o Brasil.” Herbert Moreschi, diretor geral do Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), ao receber o prêmio nacional dos melhores projetos e práticas de Gestão Hospitalar em São Paulo. (PORTAL G1 SANTARÉM)

“É preciso investir em automação, bem como em mão de obra especializada, ferramentas imprescindíveis para a agricultura do futuro”

Ladislau Martin Neto, diretor-executivo de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa, durante a III Convenção da Rede de Agricultura de Precisão em São Carlos, São Paulo. (PORTAL EMBRAPA)

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FATOREGISTRADO

Manejo artesanal de malva O plantio, o manejo artesanal e a obtenção da fibra da malva fazem parte de um processo que, hoje, raramente é visto na Amazônia. Desde que o nylon passou a substituir, ainda na década de 1970, as aplicações para fibras de malva e juta, aquele ciclo econômico se esvaiu até praticamente desaparecer. Uma história que não se perdeu de todo: fora registrada em 1975, mostrada na imagem abaixo, em que uma família quilombola trata a malva para a retirada da fibra, às margens de um igarapé na área rural do município de Bujaru, nordeste paraense. A foto retrata a malva ( Urena lobata), uma espécie muito cultivada nas várzeas do rio Amazonas, assim como a juta (Corchorus capsularis). Aquela área era a preferida dos produtores porque nelas não há necessidade de adubação, uma vez que o rio deposita anualmente as aluviões – formadas pelas partículas em suspensão na água – ricas em nutrientes. As espécies, por sua vez, cresciam rapidamente, colhidas no ciclo anual entre as cheias do rio.

O manejo artesanal, como retratado na imagem, geralmente era feito por famílias, que transmitiam tradicionalmente a técnica às gerações seguintes, mas que aos poucos foi sendo substituído pelo processamento industrial do nylon. Apesar da crise do último quarto do século XX, há uma nova promessa para essas fibras na Amazônia. Com a demanda por produtos ecologicamente corretos, juta e malva podem ser requisitadas, já que não se utiliza agrotóxicos e nem fertilizantes industriais na produção. O produto limpo poderá ser uma alternativa à produção de sacarias e embalagens, que passariam a ser confeccionadas com as fibras naturais. Mesmo com uma longa história na Amazônia, a malva não é nativa. É provavelmente originária da China e do sudeste asiático, mas alguns pesquisadores sugerem uma origem na África. A espécie ocorre em abundância na Amazônia e em toda a América do Sul. Ereto e fino, esse arbusto pode chegar a três metros de altura.

CARTA ABERTA MUSEUS Aplausos para a reportagem sobre os museus do Estado. (“Tesouros Culturais”, Assunto do Mês, maio de 2014, edição nº 33).

Eugênia Matos Belém-Pará

TELA FIRME Gostei de conhecer um pouco mais do Grupo Tela Firme (“Periferia com outros olhos”, Primeiro Foco, maio de 2014, edição nº 33), que conta a história do bairro da Terra Firme numa matéria sensacional. Parabéns!

Picanço D’Araújo Belém-Pará Jovens do Grupo Tela Firme mostram que as periferias contam com gente honesta e que sonham com um Brasil melhor.

Cídio Amaral Belém-Pará

ALONSO Adorei ver uma matéria sobre nosso inesquecível poeta Alonso Rocha (“Um príncipe entre os poetas paraenses”, Memórias Biográficas, maio de 2014, edição nº 33). Ele foi um dos maiores poetas do Pará e não ser esquecido pode nunca.

Maria da Conceição Barros Belém-Pará

FOTOS Uma das partes que eu mais aprecio na Amazônia Viva é a das fotos. É uma mais bonita que a outra.

INOCÊNCIO GORAYEB

Bárbara Caldeira Belém-Pará

EM FAMÍLIA Quilombolas retiram a malva das margens de um igarapé, no nordeste paraense

Para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários, dúvidas, críticas e sugestões para o email: amazoniaviva@orm.com.br ou escreva para o endereço: Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.

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QUEM É?

ROBERTA BRANDÃO

Luiz Carlos Bassalo

Pesquisador populariza as leis da Física entre os alunos do Ensino Médio

O

atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física da Universidade Federal do Pará (UFPA), Luís Carlos Crispino, tem uma opinião em comum com a maioria de seus colegas cientistas: “ser pesquisador na Amazônia é um desafio”. Mas os obstáculos se tornam ainda maiores para os físicos, que atuam em uma área ainda pouco divulgada e apreciada na região por ser uma disciplina menos atrativa para os alunos que pretendem abraçar a ciência como profissão. Um dos idealizadores do projeto Física e Tecnologia para a Escola, que aproxima o conhecimento científico dos estudantes do Ensino Médio, professor Crispino aposta no potencial científico dos jovens alunos em vista da formação de futuros pesquisadores da Amazônia. Referência em estudos da Física com ênfase em Teoria Geral de Partículas e Campos, dedicando-se, entre outros assuntos,

NOME: Luiz Carlos Bassalo Crispino 18

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à investigação da Física Quântica e de buracos negros, Crispino é professor há mais de 20 anos. Membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho da Sociedade Brasileira de Física, ele dedica boa parte do seu tempo a projetos de extensão como o Laboratório de Demonstrações e o Núcleo de Astronomia, nos quais cerca de 20 mil estudantes de escolas públicas recebem por ano conhecimentos básicos, tornando o aprendizado da Física menos complicado e mais divertido. Segundo o professor, a deficiência nos ensinos Fundamental e Médio no Brasil faz com que poucos estudantes cheguem devidamente qualificados à Universidade. Assim, a formação de novos mestres e doutores fica comprometida. “Para desenvolver a ciência em um local é preciso formar cientistas e, para isso, a educação básica não pode deixar a desejar”, diz. No mês passado, quando o projeto Física e Tecnologia para a Escola completou 10 anos, ele

IDADE: 43 anos

FORMAÇÃO: Físico

fez uma palestra para os alunos da Escola Estadual José Veríssimo, onde fez parte de seus estudos primários. Além de trabalhar na formação de promissores cientistas desde o Ensino Médio, Luiz Carlos Crispino quer formar doutores de alta qualificação na Amazônia. “Os cursos que são oferecidos aqui devem ser tão bons quanto os de quaisquer outros lugares como São Paulo, Londres, Nova York, Tóquio. Não devemos ser meros importadores de ciência e tecnologia, nós devemos produzi-la”, afirma. Crispino lembra que até 2010, um jovem físico que quisesse se especializar na área tinha de sair da Amazônia. Hoje, Belém já possui o curso de doutorado em Física pela UFPA, que ajudou a criar. “Hoje, estamos cada vez mais competitivos e as pessoas querem vir e ficar aqui. A Amazônia, mais do que nunca, está conectada com o mundo”, destaca.

TEMPO DE PROFISSÃO: 22 anos


Mudança de Atitude

PRIMEIRO CONCEITOS FOCO AMAZÔNICOS SÁVIO OLIVEIRA

Pelos meandros da vida A paisagem-base da beleza cênica amazônica – o rio e as camadas de floresta ao redor –, da qual emergem cenários nas várias faces das Amazônias, é um ciclo sem fim. Milênios se passaram para que se escavassem, pouco a pouco, as marcas dessa imagem, mas esse processo não acabou. A cada nova maré, cheias e vazantes anuais, os rios ganham novos formatos através de seus meandros, em um processo comum a muitos rios da região: uma tela arte-finalizada diariamente pelo artista. Mecanismo ainda mais comum aos rios que percorrem a planície, o meandro é uma curva acentuada no curso d’água correndo na planície aluvial – terrenos mais baixos e planos, que correm junto aos cursos d’água, formados por sedimentos de argila, silte e areia. Com o processo contínuo de erosão e deposição de sedimentos em suas margens, o canal do rio muda constantemente a cada ida e vinda das águas. A margem externa do meandro é chamada de centrífuga da corrente fluvial. Ela apresenta um barranco que sofre erosão progressiva, sendo que em sua margem interna, a oposta, ocorre deposição de sedimentos. Nessa dialética natural, o rio se autotransforma: a curvatura do meandro se acentua tanto que se torna uma volta

inteira. Em seguida, se une como em um laço; nesse ponto de intersecção vai passar o novo curso do rio. A curva abandonada, por sua vez, forma um lago em forma de foice ou como a letra U. Essa dinâmica de correntes, com grandes variações periódicas de vazão, esculpem rapidamente margens e cursos, provocando o fenômeno conhecido como “terras caídas” – quanto a água penetra o solo, derrubando a resistência do material: a terra é engolida pelo rio em movimento em uma grande erosão. Foi isso que ocorreu em Manaus (AM) e, mais recentemente, em Abaetetuba (PA), região do Baixo Tocantins. As alças que se formam por meandros abandonados, seja em forma de foice ou na letra U, terminam em lagos. Eles se tornam refúgios de água parada, com biodiversidade e produtividade biológica especiais; peculiaridades que se diferem biologicamente do leito do rio. Quando vêm as grandes enchentes, esses lagos voltam a se comunicar com o rio, provando uma interação periódica: reações tróficas que enriquecem ambos. No movimento eterno do rio que anda na Amazônia, além da metáfora filosófica de Heráclito, de fato não se banha duas vezes nas mesmas águas.

Substitua as sacolas plásticas A questão de abolir ou reduzir o uso das sacolas plásticas no dia a dia ainda divide muitas opiniões entre os consumidores, principalmente quando se refere à sua utilização como sacos para descartar o lixo. Estimativas do Ministério de Meio Ambiente apontam que, no País, são consumidas 33 milhões de sacolas plásticas por dia e 12 bilhões por ano. Porém, é possível substituir as sacolinhas por produtos sustentáveis, como bolsas de pano, sacos de papel e caixas de papelão. Uma alternativa é o uso do bioplástico, feito de etanol obtido de processos fermentativos de recursos renováveis, como milho, canade-açúcar e beterraba, e que é reciclável. O engenheiro químico José Antonio da Silva Souza, da Universidade Federal do Pará, afirma que para se reduzir o uso das sacolas plásticas é preciso um programa de educação ambiental, com a participação maciça das empresas, que devem oferecer atrativos para quem não utilizar as sacolas. Em países da Europa, cita o pesquisador, as sacolas precisam ser compradas, um custo que no fim do mês pode fazer diferença, o que induz a população a levar a suas próprias sacolas de compras. Além disso, cada um pode usar a sacola de lixo feita com plástico reciclável, as do tipo preto, vendidas em feiras, que têm o formato de sacolas convencionais. Quanto maior o tamanho, melhor: economiza-se dinheiro e plástico. E há ainda as sacolas de jornal, que de uma vez só pode se reaproveitar o papel e ainda ajudar a reduzir o uso dos plásticos.

POLÊMICO O uso das sacolas plásticas faz parte de um debate ainda não concluído na sociedade

MARÇO JUNHO MAIO 2014

19


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EM NÚMEROS

Pico da Neblina (AM)

Pico 31 de Março (AM)

3.014

2.972

metros de altura

PRA CIMA

metros de altura

Conheça alguns pontos mais altos da Amazônia

Relevo amazônico temos indicadores de que o nível do mar está subindo. Mas esse tipo de processo pode levar milênios para ocorrer, ou seja, podemos tomar atitudes preventivas para diminuir os riscos que poderão ocorrer no futuro”, ressalta a professora da Faculdade de Geografia e Cartografia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutoranda em Geografia Física, Luziane Mesquita da Luz.

Uma extensa região como a Amazônia tem uma vasta diversidade de relevos, solos, bacias hidrográficas, formas de ocupação específica e variações de altitude. Essas variações devem ser sempre observadas para o planejamento de diversas ações do poder público na tomada de decisões e medidas preventivas contra acidentes naturais, principalmente no que diz respeito ao nível do mar. “Hoje, já

VASTAS TERRAS Saiba como se classifica os solos a partir da altura de suas elevações

Baixas

Atingem até

100 metros, correspon-

dendo a extensões no vale amazônico, na área de planície dos grandes rios e a ilha do Marajó, na área de baixos planaltos como Planalto do Tapajós, Planaltos rebaixados da Amazônia e Planalto Setentrional do Pará-Maranhão.

Intermediárias Alcançam de

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De

300 a 600 metros ou mais. São os

ferentes aos terrenos colinosos e áreas de

mais elevados da região, como os pla-

depressão ao norte e ao sul do vale ama-

naltos dissecados, residuais e serras. No

zônico. São formadas por colinas baixas,

sul do Pará estão as serras do Cachimbo,

colinas amplas são áreas de contato entre

Cubencraquem e Carajás. Ao noroeste

os terrenos baixos e os terrenos mais

estão as serras do Acari, Tumucumaque e

elevados.

Ipitinga.

FONTE: IBGE, ATLAS ESCOLAR DO ESTADO DO PARÁ, PROFESSORA LUZIANE LUZ (UFPA) / FOTO: ICMBIO

20

100 a 300 metros, re-

Altas


Rio Amazonas nasce a

Planícies dos rios, planície costeira amazônica e ilha do Marajó: até

5

5.300

metros de altitude, nos Andes peruanos.

metros de altura

ALTOS E BAIXOS De

Veja a altura de planaltos e planícies da Amazônia

metros estão os plalinas, relevos escarpa-

do mar ficam as depressões

dos e ocorrem em uma

interplanálticas, relevos

metros e ocorrem em todo

vasta extensão do sul

colinosos sustentadas por

o vale amazônico, como

do Pará.

rochas cristalinas e que

o planalto do Tapajós, o

apresentam ampla ocor-

res alcançam até

A planície amazônica se forma até

5 metros,

com relevos planos de baixa altitude, observa-

10 metros estão

os terraços, relevos de baixa altitude até que ocorrem próximo aos grandes rios, mas não

200

planalto rebaixado da

rência no sul e noroeste do

Amazônia e planalto

Estado, configuram formas

Setentrional do Pará-

de relevo de baixas altitu-

Maranhão. No nordeste

des como morros e colinas.

paraense observamos a

de mar) e mangues do

Como exemplo há a depres-

ocorrência dos planaltos

nordeste paraense.

são Norte Amazônica e

rebaixados e colinas do

depressão Sul Amazônica.

dos na ilha do Marajó, no litoral de rias (braço

sofrem influência de inundações.

naltos e serras crista-

400 metros ao nível

Até Os planaltos sedimenta-

Até

500 a 800

Gurupi.

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OLHARES NATIVOS

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No meio do caminho Os arranha-céus de Belém sob o céu de junho não escondem as fogueiras. A cidade não dorme ao suave e insistente som dos tambores, foles e cordas e acompanha a lua mudar com os quatro santos da época. Marçal surge quase escondido, secreto na supernova dos esquecidos. Antônio, apresentado, é todo amor na casa 13. João chega com cheiro de ervas para renovar as esperanças, espantar o cansaço. E Pedro, o pioneiro, chega com as redes cheias, a chave nas mãos, a barba longa de quem sabe de tudo e a fartura do rio. Estão sob o signo febril do fogo, do rosto em brasa pela a dança, das noites de mesa cheia que o crepúsculo anuncia em céu vivo, como a memória viva das quadrilhas da aurora de nossas vidas. Seja na selva de pedra ou no interior nem tão pacato como antes, o tempo é de festa, de cores estourando nas retinas de meninos e meninas, de estrondos ocos, de encantamento com as toadas e bailado da morena. De também começar a desligar os motores para a pausa exigida pelo corpo, pelo espírito que vai festejar até não poder mais ao redor do braseiro e vislumbrar os próximos capítulos da breve história das próximas luas e celebrações de santos que fecham este ciclo. FOTO: OSWALDO FORTE

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OLHARES NATIVOS

RAÍZES A paz dormente das florestas, que sob cenário melancólico, esconde a vida pulsando na superfície ou submersa no rio, sugere mistério e revela transformação lenta e insistente da natureza. FOTO: CARLOS BORGES

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VER-SE O pássaro avisa: bem te vi. O pássaro inveja: bem te vi, como quem anseia também se ver. Na foto, o flagrante do bem-te-vi contemplando o reflexo na água da chuva. FOTO: CARLOS BORGES

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OLHARES NATIVOS

SORRISO Sem ter como expressar, entre o contraste do couro e do limo, o lagarto demonstra a singela alegria da vida integrado ao ambiente com os olhos vĂ­vidos. FOTO: CARLOS BORGES

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CENA Despenca a noite sob o clichê secular de um lugar à margem, sem descanso, incrível e úmido: Ver-o-Peso. FOTO: OSWALDO FORTE

À MESA Posa plácida em fruto e cacho, antes de ganhar textura oleaginosa e o melhor sabor das merendas inesquecíveis da tarde acompanhada pelo fumegante café: pupunha. FOTO: EVERALDO NASCIMENTO

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OLHARES NATIVOS

MENSAGEM Quem disse que precisa de grandes esforços para melhorar o que existe? Na leveza corriqueira e pousar sobre o pólen, a borboleta enfeita a vida, floreia o mundo, ensina sem ensinar nada. FOTO: HELY PAMPLONA

A revista Amazônia Viva abre espaço para a publicação de fotos com temáticas amazônicas na seção “Olhares Nativos”. Entre em contato e saiba como participar. amazoniaviva@orm.com.br

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Usina extratora de 贸leo de palma, da Biopalma, no munic铆pio de Moju.


IDEIAS VERDES

“Na Amazônia, temos uma tradição cultural que se agrega aos festejos” Para o antropólogo Heraldo Maués, as festas e manifestações religiosas populares, como dos santos Antônio, João e Pedro, neste mês de junho, Círio de Nazaré, em outubro, têm um sentido muito mais amplo do que o espiritual, pois expressam a relação humana entre culturas. Dominik Giusti

Roberta Brandão

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IDEIAS VERDES

A

o lado das devoções religiosas, das íntimas práticas de fé, coexistem tradições festivas, alegres. O contraste dessas duas esferas delimita o que é propriamente religioso do que pode ser considerado puro divertimento, com base em um evento da religião, de acordo com o professor Raymundo Heraldo Maués, doutor em Antropologia, que possui inúmeros estudos em manifestações religiosas na Amazônia. O estudo dessa relação entre fé e festa, comum no Catolicismo, mas presente também em outras crenças, revela elementos da cultura brasileira, essencialmente híbrida, como as festas dos santos populares de junho e o arraial de Nazaré durante o Círio, em outubro, exemplos de como essas relações são construídas e ganham novos significados com o passar dos anos. A partir de quando e como as manifestações religiosas começaram a ser estudadas na Amazônia? O que isso revela da nossa condição sociocultural? Começaram no século XIX por pessoas que genericamente eram chamadas de folcloristas. Eles se interessavam por peças religiosas, por pássaros, por bois, e faziam pesquisa para conhecer como essas manifestações se apresentavam. Alguns desses estudiosos são pessoas notáveis como o poeta Bruno de Meneses, que na primeira metade do século XX tem uma grande importância para esses estudos. Essas questões também foram estudadas por outras pessoas, como o literário paraense José Veríssimo. O historiador Artur Viana também se preocupava com o registro das festas religiosas. Ele foi uma das primeiras pessoas que escreveu sobre o Círio de Nazaré. É um trabalho muito interes-

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“A partir do momento em que se desenvolveram as pesquisas no Goeldi e na UFPA, outras facetas das manifestações populares foram estudadas, como os bois e os pássaros”

sante, até hoje consultado por pesquisadores. Esse trabalho inicial depois serviu de inspiração para antropólogos que resolveram também estudar essas questões. Um deles foi o diretor de antropologia do Museu Paraense Emílio Goeldi, Eduardo Galvão. Arthur Napoleão Figueiredo também foi influenciado, na Universidade Federal do Pará. Eles se dedicaram ao estudo da religião do caboclo, catolicismo, pajelança. A partir do momento em que se desenvolveram as pesquisas no Goeldi e na UFPA, outras facetas das manifestações populares foram estudadas, como os bois e os pássaros, que não são práticas religiosas, mas fazem parte das comemorações juninas, relativas a São João, São Pedro e Santo Antônio. Essas manifestações populares marcam a alegria, a identidade do povo amazônida? As festas e as manifestações populares de junho têm um sentido muito mais amplo. Elas correspondem, de um lado, a celebrações de santos católicos e, de outro, a mudanças de estações. Referem-se, pois a festas cristãs e pagãs. Embora nosso hemisfério não seja o mesmo da Europa, de onde vinham nossos colonizadores, elas correspondem ao solstício de verão e se relacionam com antigas festas pagãs que precedem a entrada da primavera e do verão, que homenageiam a fertilidade, tanto das plantas como dos animais, incluindo o ser humano. Para esses deuses, a homenagem e o sacrifício eram praticados desde antes do cristianismo. Agora são sublimados com a presença de santos católicos. Um dos elementos mais importantes desses cultos tem a ver com o “mastro” dos santos. Trata-se de representação erótica que homenageia a fertilidade, tanto das plantas como das


mulheres. Claro que isso são estruturas de longa duração que persistem vivas na contemporaneidade, mas que não deixam de celebrar práticas e cultos tão antigas, que se constituíram antes do cristianismo. Elas são, porém, adaptadas ao nosso contexto regional, pois esses arquétipos, no sentido sociológico, se transmutam no contexto cristãocatólico; eles não existem em outras formas de cristianismo. Além disso, adaptam-se ao nosso contexto regional, exprimindo elementos ricos de nossa própria identidade amazônica. Como o profano e o espiritual coexistem nas manifestações populares como Círio, e nas festas religiosas agora de junho? A religião trabalha com o sagrado, que é, digamos, a parte mais separada, especial, característica do religioso. O oposto do sagrado é o profano. Nas festas religiosas aparecem as duas coisas: você tem o espaço do sagrado, mas você tem também o espaço profano. Se você toma a Festa de Nazaré tal como ela é hoje e leva em conta o arraial, com a Praça Santuário, o parque de diversões, são áreas que se aproximam do profano, as pessoas vão para se divertir, embora o sagrado também esteja presente, porque se coloca a imagem de Nossa Senhora na praça, onde se fazem pregações. Mas o local especialmente sagrado é a igreja. Todo aquele espaço é sacralizado de alguma forma, mas há gradações: o mais sagrado está dentro da igreja e o menos sagrado está nas áreas das brincadeiras. Hoje em dia já há uma proibição quanto ao consumo de bebidas alcoólicas naquela área. Mas o profano do arraial circunscreve o sagrado, está nas margens, na periferia. Sempre houve muito atrito entre autoridades religiosas e leigos, desde a colonização, que queriam fazer festas dançantes, uso de bebidas alcoólicas, tornando a questão conflituosa.

Qual a relação homem-natureza dessas festas? Existe um senso de valorização do que é próprio da Amazônia, como a preservação da cultura? Como seres humanos somos todos animais, embora diferentes dos demais, pela nossa capacidade de simbolização e nossa estrutura anatômica, que nos conferem o espírito e a aparência. Mas também incorporamos nossa identidade regional, onde fomos nascidos e socializados. Na Amazônia, além da forte presença da natureza, com características próprias, temos também uma tradição cultural que se agrega aos festejos. No Pará se festeja muito, como se festeja em outros lugares. Mas aqui, próximos à linha do Equador, nossos festejos são certamente influenciados pela exuberância da natureza. Nossas tradições unem as celebrações juninas com as de bois e de pássaros. Nosso riquíssimo folclore tem papel mais que relevante em nossa identidade brasileira e regional. Todos esses elementos são retrabalhados por intelectuais amazônidas para nos proporcionar uma celebração quase religiosa de nosso passado, nossos antepassados, nossas crenças e mitos, nossa cultura.

“Como seres humanos somos todos animais, embora diferentes dos demais, pela nossa capacidade de simbolização e nossa estrutura anatômica, que nos conferem o espírito e a aparência”

E que recebeu a influência de outras culturas. Sim, uma cultura que se constituiu fundando-se numa base indígena encontrada pelo colonizador, que também nos trouxe elementos tão ricos forjados na Europa e que foram, como na conhecida “fabula das três raças”, fundidos com a presença de populações originárias da África, desde o século XVII, tal como atestam os historiadores mais modernos, e que enriqueceram esse rico legado histórico e cultural que podemos hoje vivenciar na culinária, com o pato no tucupi, maniçoba, caruru, vatapá, tacacá; nas festas e danças populares de bois, pássaros, mastros, arraiais, bailes, e uma profusão de santos e santas da devoção dos europeus.

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ASSUNTO DO MÊS

Uma breve história sobre o football na Amazônia Ingleses que aportaram nas principais cidades da região no primeiro ciclo da borracha disseminaram a prática do esporte, deixando uma herança viva aos apaixonados pelo futebol Thiago Barros

M

ais de 100 anos após as primeiras partidas de futebol registradas no Norte do Brasil, a seleção inglesa vai encarar, na Arena da Amazônia, em Manaus, a manifestação de um fenômeno que o Império Britânico impulsionou: a paixão do brasileiro pelo futebol. O jogo contra a Itália, no dia 14 deste mês, pela Copa do Mundo, simbolizará um reencontro entre criador e criatura. O “English Team” vai fincar as travas das chuteiras pela primeira vez na região desde que os navios ingleses começaram a singrar pela bacia amazônica, na virada do século 19 para o 20, auge das relações comerciais do primeiro ciclo da borracha, trazendo chuteiras,

Jocelyn Alencar

bolas e uniformes na bagagem, dando início à propagação do football. Na transição do Império para a Primeira República no País, a rota marítima Brasil-Inglaterra se intensificou no Atlântico Norte pela demanda mundial por borracha, produzida a partir do látex, matéria-prima até então extraída exclusivamente dos seringais da Amazônia. No vaivém de navios, um dos produtos mais valorizados pelas indústrias à época – de fabricação de suspensórios a itens de carros – era exportado para vários países. Como retorno, a região recebia uma circulação de dinheiro nunca antes vista e um choque de novos costumes, entre eles a prática do futebol moderno, uma febre em clubes e universidades ingleses.


Quando chegavam aos principais portos da Amazônia para receber toneladas de borracha, os navios ingleses traziam também equipamentos para infraestrutura – como galpões de ferro, motores e outras máquinas –, encomendas para os barões da borracha e, sobretudo, homens ávidos por disputar uma partida de futebol o quanto antes, após dias em alto mar. Bastava encontrar um local plano, de terra batida ou grama, para a bola correr. Eram os colonizadores em ação. Esse ritual se repetia em várias cidades da região, quase sempre com uma intrigada plateia local. Contudo, pela pequena varie-

dade de canais para registro, os relatos sobre os “matches” de várzea se perderam ao longo das décadas, sobrevivendo nas histórias contadas pelas testemunhas. Esta característica da chegada do futebol à Amazônia reforça a argumentação do historiador brasileiro Hilário Franco Junior, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), sobre o desenvolvimento da prática da modalidade e em relação aos interesses do Império Britânico, que comandava o comércio mundial no início dos anos 1900. Ele prefere não buscar as origens do fenômeno de forma

puramente relacionada às atividades esportivas do mundo antigo e da era medieval, como o “calccio” jogado na Itália entre os séculos 15 e 18, mas, sim, na direção da organização do football pelas universidades britânicas, entre as principais Oxford e Cambridge, com pitadas de darwinismo social: “Concepção pedagógica que pretendia desenvolver a fibra moral da elite britânica destinada a governar regiões longínquas e inóspitas, plena de súditos hostis e pouco civilizados”, aponta Franco Junior no livro “A Dança dos Deuses: Futebol, Sociedade, Cultura” (Companhia das Letras, 2007).

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ASSUNTO DO MÊS

A prática embrionária do futebol na Amazônia requeria a nacionalidade britânica. Somente após os anos 1900 brasileiros iniciados começaram a receber o aval para compor os times amadores, desde que cumprissem uma série de pré-requisitos, entre eles trabalhar para alguma empresa inglesa instalada na região, ter estudado em universidades da Europa ou até mesmo pela influência do poder econômico e classes sociais. Partidas de futebol eram arenas de negócios, a exemplo do estereótipo atual das quadras de tênis e campos de golfe dos principais centros comerciais do mundo, lotados de executivos. Disputar um jogo ao lado dos estrangeiros no primeiro ciclo da borracha poderia garantir parcerias econômicas extremamente lucrativas – além de distinguir socialmente o iniciado no game. Relato registrado por periódico paraense do início do século 20, que pode ser encon-

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trado no livro “A História do Clube do Remo”, do historiador Ernesto Cruz, confirma esta peculiaridade da relação ingleses-brasileiros em Belém, cidade com um dos portos mais movimentados do mundo à época: “Efetuouse no domingo, 11 de março de 1906, às 4,30 da tarde, um jôgo de futebol entre dois bons disputantes. A partida foi realizada na praça de S. Braz, estando os dois conjuctos assim formados: Lloyd; Redigg e Clissold; Wright, Melio e White; Dehr, Balley, Compton, Delfim Guimaraes e A. Andrade. O outro conjucto disputante foi este: Bill Balley; Timbridge e Breach; Wesley, Ruiz e Borges; J. Borges Alves, C. Andrade, P. Palmério, D. Danin e Weitzman. Diziam os jornais daquele tempo que o time que tivesse Lloyd no goal sairia vencedor”. Para o historiador e doutorando em História Social da Amazônia, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Itamar Rogério Pereira Gaudêncio, o relato mostra que os

praticantes locais do futebol buscavam uma identidade europeia, moderna e progressista que suprimisse o atraso que regiões como o Norte do país possuíam, de acordo com o discurso dominante no período. “Até os próprios materiais que eram importados para a prática futebolística, assim como uma série de outras mercadorias que eram comercializadas na nossa região, representavam uma tentativa de hegemonia cultural europeia que existia através da chamada circulação de capital simbólico”, analisa o pesquisador na dissertação “Diversão, Rivalidade e Política: O Re-Pa nos Festivais Futebolísticos em Belém do Pará (1905-1950)”. “O capital financeiro que circulava em Belém também era acompanhado de mercadorias que representavam o modo de vida europeu, simbolizando o que existia de mais progressista e moderno na época, no sentido de costumes e tradições que tentavam submeter à cultura local”, complementa Gaudêncio.


Pelejas semelhantes às de Belém também passaram a ocorrer em Manaus, capital do Amazonas, e Porto Velho, Rondônia, outras cidades estratégicas no mapa do ciclo da borracha. Diversos relatos apontam que ingleses que residiam temporariamente na capital do Amazonas costumavam jogar futebol nas proximidades do igarapé do Mindu, onde atualmente está instalado o Parque dos Bilhares. A movimentação de marinheiros, empresários e despachantes estrangeiros começou a chamar a atenção dos manauaras por volta de 1906, com a posterior inauguração da Sede dos Ingleses e do Bosque Clube. Na primeira década do século 20, o futebol chegou ao extremo ocidente da Bacia Amazônica, descendo pelo rio Madeira. Em 1907, na recém-criada cidade de Porto Velho - que se tornou capital do Estado de Rondônia somente em 1943 -, um tipo de futebol adaptado às agruras da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré começou a ser disputado por operários e funcionários da Railway Company, empresa responsável pela controversa obra. Histórias sobrevivem no imaginário local, mas carecem de comprovações: enquanto homens derrubavam parte da floresta e fincavam estacas, outros, provavelmente em raros momentos de folga, jogavam com bolas de látex, em antigos seringais.

PONTAPÉ INICIAL NO BRASIL? Belém do Pará. Em um dia perdido de 1890, funcionários ingleses da Amazon Steam Navigation Company Ltda, empresa que dominava a navegação marítimo-fluvial na Amazônia, escolheram o local onde hoje se encontra a praça Batista Campos, no centro da cidade, para disputar o que seria a primeira partida de futebol no Brasil - cinco anos antes de Charles Miller ter voltado dos estudos da Inglaterra com todos os apetrechos necessários para a prática do esporte em São Paulo e reunido amigos para a primeira pelada tupiniquim. Mas, diferente da versão oficial, não há provas sobre o batebola na capital paraense, uma das mais destacadas do país à época, por conta do ciclo da borracha. Contudo, há indícios que ainda geram discussões entre pesquisadores. O jornalista paraense Loris Baena, atualmente radicado no Rio de Janeiro, era um dos que não descartavam esta possibilidade, como destacou no capítulo 1 da primeira edição de seu livro “A Verdadeira História do Futebol Brasileiro”. Loris, que inclusive entrevistou Charles Miller, falecido em 1953, argumentava que a companhia de navegação inglesa Both Line mantinha uma linha regular Belém-Liverpool e era

“Os materiais para a prática futebolística eram importados, assim como uma série de outras mercadorias que eram comercializadas na nossa região” Itamar Gaudêncio HISTORIADOR

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ASSUNTO DO MÊS

“Para que partidas fossem disputadas em 1896 por brasileiros, bem antes de 1895 os aficionados teriam um aprendizado do jogo com os ingleses” Júlio Lynch JORNALISTA

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mais rápido e econômico viajar do Pará à Inglaterra do que pegar o navio no Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo. Nesta época, empresas do país europeu dominavam o cenário belenense, como a Parah Gaz Company e a Western Telegraph. “Os jogos se desenvolviam junto à atual praça Batista Campos e no largo de São Brás (hoje a praça Floriano Peixoto, no conjunto IAPI), em imensos terrenos baldios”, diz Baena. Mas o jornalista atualmente descarta esta possibilidade. No máximo, diz ele, o Pará foi o segundo ou terceiro Estado do Brasil a praticar o futebol, ao lado do Rio de Janeiro, em 1896, um ano após a partida organizada por Charles Miller na Chácara Dilley, em São Paulo. O primeiro jogo oficialmente registrado em solo paraense ocorreu em 1906, no primeiro Campeonato do Estado, não finalizado por desavença entre as equipes. O Parah Foot-Ball Club venceu o Belém Club (time dos ingleses) por 7 a 0. O torneio foi organizado pela Parah Foot-Ball Association. No início do século 20, o futebol praticamente não era noticiado nos jornais paraenses. Mas na edição da “Folha do Norte”, de 24 de dezembro de 1903, leitor identificado somente com as iniciais M. F. contestava, em carta, a coluna “Notas Sportivas”, que comentava o esporte como novidade no Pará. O leitor afirmava que “em 1896 se disputava com frequência partidas de futebol na praça Batista Campos entre os associados da Associação Dramática Recreativa Beneficente”. O jornalista paraense Júlio Lynch, falecido em 1998, diante da declaração de M. F., argumentava que, para que existisse a prática regular do futebol em 1896 entre paraenses, seria necessário um aprendizado, provavelmente em anos anteriores, proporcionado por funcionários das empresas inglesas em Belém. As pesquisas de Júlio Lynch, neto de um funcionário da Amazon Steam Navigation e descendente de ingleses, não foram levadas adiante. Antes de morrer, o jornalista tentava encontrar um homem - de nome não conhecido pela


família Lynch e não encontrado no espólio dele -, morador de Belém, que teria fotos e documentos sobre as primeiras partidas no Pará. Júlio Lynch era um defensor ferrenho de suas hipóteses: “Os ingleses já estavam aqui. Será que muitos deles preferiram esquecer um esporte que já dominava o Reino Unido, ou tão logo chegaram e começaram a praticar entre si, provocando o interesse dos brasileiros? Para que partidas fossem disputadas em 1896, por brasileiros, tudo leva a crer que bem antes de 1895 os aficionados teriam um

aprendizado do jogo com os ingleses”, defendeu ele, em um de seus últimos artigos. O jornalista esportivo Ferreira da Costa, uma das maiores autoridades sobre história do futebol no Pará, cita em seu livro “A Enciclopédia do Futebol Paraense” os relatos do pesquisador F. F. Alves da Cunha, outro defensor do Estado como pioneiro na prática do esporte no Brasil. Segundo Cunha, a primeira partida foi disputada em 1892, por associados do “Clube de Esgryma” no largo de Nazaré, em frente

à sede da associação, onde, posteriormente foi instalado o Teatro Chalet e, depois, o Cinema Moderno, em Nazaré. Atualmente, o espaço abriga um prédio residencial. “Aliados aos ingleses que aqui trabalhavam, os paraenses que regressavam da Europa contribuíram para a disseminação do esporte na capital do Estado”, argumenta o pesquisador, ao comentar o tempo em que era mais fácil chegar à Europa do que ao Sudeste do Brasil, com saída de Belém.

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ASSUNTO DO MÊS DA ARISTOCRACIA PARA O POVO Ferreira da Costa acredita que o desenvolvimento do futebol paraense foi tão acelerado entre 1910 e 1920, que despertou a atenção dos dirigentes da Confederação Brasileira de Desportos (CBD, a precursora da CBF, entidade máxima do futebol nacional), instalada no Rio de Janeiro, então capital federal. Enquanto os paulistas se deleitavam com os espetáculos do goleador Arthur Friedenreich, o primeiro ídolo do futebol nacional, os paraenses só falavam em Antônio Barros Filho, mais conhecido como Suíço. Astro do Paysandu, ele é considerado

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o primeiro atleta de um clube da Amazônia a ser convocado para compor a seleção brasileira. O jogador, que atuava em todas as posições, participaria do Campeonato SulAmericano de 1921, na Argentina, mas foi prejudicado por má administração na CBD. “A convocação de Suíço não se realizou porque a CBD sofreu um rombo de 150 mil contos de réis, por problemas administrativos, e não tinha dinheiro para comprar a passagem do jogador para o Rio de Janeiro, de navio, no Lloyd Brasileiro”, comentou Ferreira da Costa, ao acrescentar que, naquela época, o futebol paraense continuou a exportar craques de “primeira grandeza” para os clubes do Rio e São Paulo. “A qualidade

“A qualidade dos atletas locais mostra o fruto de uma prática consolidada do futebol na região amazônica, algo que não se desenvolve em poucos anos” Ferreira da Costa

JORNALISTA E PESQUISADOR


desses atletas locais, com certeza”, aponta o jornalista e pesquisador, “é fruto de uma prática consolidada do futebol na região amazônica, algo que não se desenvolve em poucos anos”. Tanto que Remo, Paysandu e Tuna, clubes centenários e fundados no auge da Belle Époque na Amazônia, se profissionalizaram rapidamente e já tinham estrutura semelhante às maiores agremiações brasileiras quando os primeiros amistosos e torneios nacionais começaram a ser disputados. Até a década de 1920, os clubes ainda eram reduto da elite, mas as atuações fantásticas de Suíço e outros jogadores ajudaram a implodir os muros que separavam o futebol da população em geral. Os jogadores, ainda sob a influência da empreitada de colonização do foolball inglês, disputavam seguidos matches no campo da firma Ferreira & Comandita, com acesso restrito, mas a paixão pela bola já se espalhava pela periferia de Belém. O exemplo da capital paraense, encravada na floresta amazônica, respeitadas as suas particularidades, também se encaixa no histórico de expansão da modalidade em outras grandes cidades do país – com destaque para São Paulo, onde o futebol foi adotado pela classe operária. “É importante compreender como o futebol na capital paraense, pouco a pouco, foi ganhando graça popular, constituindose em motivo de lazer e transformado ao longo do século 20 na grande paixão entre os dois clubes da terra: Clube do Remo e Paysandu Sport Club”, ressalta a historiadora e mestre em História Social da Amazônia (UFPA), Sinei Soares Monteiro, autora de estudo sobre as relações políticas e sociais que envolveram o futebol paraense no período da ditadura militar. E foi justamente a paixão do povo brasileiro – impulsionada também por estratégias políticas e econômicas – que proporcionou uma mudança de status do futebol nacional, a partir das conquistas dos mundiais de 1958, 1962 e 1970, imortalizadas pelos espetáculos proporcionados pelas gerações comandadas por Garrincha, Pelé e companhia: de colonizado a recolonizador do futebol. De mero espectador de facetas do processo civilizatório europeu a país mundial do football.

FUTEBOL DE ÍNDIO Nativos da floresta disputavam partidas com bolas de látex O escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, autor de uma bela e apaixonada história do futebol em prosa – Futebol ao Sol e à Sombra (L&PM Editores, 1995) –, após longas pesquisas, listou alguns costumes de indígenas que habitavam porção da floresta amazônica que atualmente abriga o território da Bolívia: “Tem origens remotas a tradição que os leva a correr atrás de uma bola de borracha maciça, para metê-la entre dois paus sem fazer uso das mãos”. Segundo relatos do engenheiro José Alberto Masô, autor do primeiro mapa geral do Acre, indígenas que habitavam a região no final do século 19 disputavam um jogo com regras parecidas às

do futebol praticado nas praças das principais cidades europeias no início da era moderna: todos os habitantes da tribo participavam e corriam para chutar uma bola feita de látex de seringueira, em confrontos que poderiam se estender por vários dias. Várias etnias extintas durante a colonização do território brasileiro praticavam jogos com bolas, chutes e cabeceios. Atualmente, grupos da região do rio Xingu, na divisa entre o Mato Grosso e o Pará, disputam partidas em que a pelota só pode ser golpeada com os joelhos. O Xikunahity, conhecido como futebol de cabeça, voltou a ganhar espaço entre as tribos, que se enfrentam anualmente nos Jogos Indígenas.

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COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL

Jubileu de Prata na floresta Três unidades de conservação do Mosaico Carajás chegam aos 25 anos colecionando histórias de avanços na preservação da natureza Fabrício Queiroz

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o sudeste do Pará, uma área de 1,2 milhão de hectares preserva a maior extensão de floresta contínua da região. O Mosaico Carajás é formado por cinco unidades de conservação - a Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, a Reserva Biológica Tapirapé, a Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado, a Floresta Nacional de Carajás e a Floresta Nacional Itacaiúnas - que juntas representam um dos mais significativos espaços da biodiversidade amazônica. No último mês, três dessas unidades completaram 25 anos de criação, marcando uma trajetória de compromisso com o meio ambiente e com a sociedade. As unidades do Mosaico Carajás pos-

suem características únicas na Amazônia por apresentarem a convivência de dois ecossistemas distintos: floresta ombrófita e savana metalófita, também conhecida como canga. Desde 1989, uma área de mais de 300 mil hectares, onde estão localizadas as aniversariantes Flona Tapirapé-Aquiri, a Rebio do Tapirapé e a APA do Igarapé Gelado, conserva essas características. A área de floresta ombrófita é marcada pela densidade de espécies vegetais de grande porte como castanheiras e mogno, além de frutíferas nativas. O espaço verde também serve de abrigo para milhares de animais. Já o território de canga é caracterizado pela presença de áreas abertas, onde o solo possui substratos minerais. Para se ter uma ideia da importância des-


PROTEÇÃO Na Flona de Tapirapé-Aquiri, quase 6OO espécies de animais já foram registradas pelo ICMBio

COOPERAÇÃO André Macedo, chefe da Flona Tapirapé-Aquiri: manejo mineral é aliado da conservação ambiental se território, o plano de manejo da Flona Tapirapé-Aquiri, maior das três unidades, com 190 mil hectares, aponta a presença de quase 600 espécies de animais, sem contar que na unidade foi descoberta no final da década de 1970 uma grande jazida de cobre chamada Salobo. De acordo com a Lei nº 9985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), áreas de proteção ambiental, florestas nacionais e reservas biológicas são categorias diferentes de unidades de conservação de uso sustentável. Uma APA, como a do Igarapé Gelado, tem como objetivo “proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação humana e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”. Já as reservas

biológicas, como a Rebio do Tapirapé, são lugares onde a biota deve ser protegida integralmente sem interferência humana, mas que permitem a execução de medidas de recuperação do ecossistema. E as florestas nacionais, como a Flona Tapirapé-Aquiri, devem ser espaços para a pesquisa científica e produção sustentável dos recursos Exemplo dessa condição, o projeto Salobo é responsável pela maior mina de produção de cobre do Brasil, e, desde 1989, o seu desenvolvimento é acompanhado pelo compromisso de preservação da biodiversidade local. Por essa razão, há 25 anos foi criada a Flona, unidade de conservação de uso sustentável administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e que

comporta o projeto da mineradora Vale. André Macedo, analista ambiental do ICMBio e chefe da Flona Tapirapé-Aquiri, afirma que o manejo mineral desenvolvido na área é um grande aliado da conservação ambiental. Segundo ele, a Vale apoia projetos que disponibilizam estrutura para pesquisas científicas na reserva, além de cooperar com diversas ações de proteção e fiscalização nas unidades. “A empresa tem prestado um apoio bastante significativo nas ações de proteção. O ICMBio juntamente com o Ibama atua em diversas etapas no processo de licenciamento, mas temos também uma interação muito forte com a mineradora. Ela dispõe, por exemplo, de uma equipe de guarda florestal que dá um apoio essencial

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COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL à fiscalização. É um contingente de pessoas muito bem preparadas e que são pagos pela empresa”, diz o analista ambiental. A Floresta Tapirapé-Aquiri possui um conselho consultivo formado por 20 membros, entre representantes do governo e da sociedade civil. A produtora rural Elizan de Sousa, de 27 anos, é uma dessas integrantes. Ela mora há onze anos na região e viu na participação na gestão da Flona uma oportunidade para qualificar sua produção. “Essas reservas são muito importantes porque com a preservação e o auxílio aos pequenos produtores, os igarapés estão conservados e se mantém a floresta viva”, comenta. Os 25 anos da Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado, da Reserva Biológica do Tapirapé e da Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri foram comemorados no último dia 7 de maio com a reunião do conselho consultivo das unidades e com a realização de uma solenidade. No evento, a comunidade e gestores locais discutiram a importância das unidades para o desenvolvimento, a ciência e a conservação no sudeste do Pará. Para André Macedo, um dos principais motivos para comemorar no aniversário das UCs do Mosaico Carajás é o avanço na gestão compartilhada das reservas. “Nesses 25 anos avançamos muito na gestão integrada de todas as unidades. Isso é bastante importante porque resulta em ganho de eficiência de gestão dessas unidades”.Até 6 de julho, as comemorações seguem com uma exposição do fotógrafo João Marcos Rosa sobre a Flona Tapirapé-Aquiri, em um shopping de Marabá. Logo depois, será a vez de Belém receber a exposição e conhecer os encantos deste cenário único na Amazônia. “Dar visibilidade à existência dessas Unidades de Conservação é um dos legados que estamos contribuindo para deixar. Quando a comunidade toma conhecimento, ajuda a proteger e a pensar em ações de proteção também. Além disso, temos aqui um exemplo de que é possível desenvolver a região sem degradar, afinal a porção conservada da Floresta Tapirapé-Aquiri, por exemplo, está na área de atuação da Vale, onde está implantada a mina de cobre Salobo”, afirma Nelcindo Gonsalez, diretor de Metais Básicos Atlântico Sul da Vale

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HARMONIA Espécies animais e vegetais estão protegidas nas unidades do Mosaico Carajás, no Pará

PERFIL DAS ANIVERSARIANTES

Algumas características das unidades criadas em 5 de maio de 1989, no sudeste do Pará

FLORESTA TAPIRAPÉ-AQUIRI

APA DO IGARAPÉ GELADO

190 mil hectares

23 mil hectares

Área total:

Localização:

Entre Marabá e São Félix do Xingu

Área total:

Localização:

Parauapebas

RESERVA BIOLÓGICA DO TAPIRAPÉ Área total:

99 mil hectares

Belém

Localização:

Marabá

Entre Marabá e São Félix do Xingu FONTE: ICMBIO

São Félix do Xingu

Parauapebas


VIDA EM COMUNIDADE

Sem medo do dentista O projeto Saúde Bucal ao Alcance de Todos cuida do sorriso de mais de 400 pessoas assistidas pela Apae de Marabá Tatiane Smoginski

Teotônio Silva

“A

s pessoas vão sempre me ver assim sorrindo”. Esta é uma regra de vida para Francine Gomes, de 20 anos, que há 16 anos participa das atividades do Centro de Atendimento Educacional Especializado “Casa Despertar”, da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), em Marabá, no sudeste do Estado. Os movimentos e a fala comprometidos por causa da paralisia cerebral não são obstáculos para que a jovem deixe de expressar a alegria de fazer parte da entidade. A gratidão pelo apoio e o acolhimento que Francine recebe desde os quatro anos na Apae está expressa em um sorriso honesto e cativante sempre que ela fala da importância do centro em sua vida. “Tudo o que aprendi devo a Deus, a minha família e a Apae”, resume a jovem, sem deixar de mencionar o responsável por seu elogiado sorriso – o atendimento odontológico do projeto Saúde Bucal ao Alcance de Todos, que atende mais de 400 alunos da entidade.

A iniciativa promovida há 10 anos pela Apae de Marabá se destaca como referência dentre os atendimentos prestados às comunidades do município. O projeto dá atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e

BOCA SAUDÁVEL Os atendimentos são feitos com foco na prevenção e no tratamento específico de cada beneficiário da Apae de Marabá

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VIDA EM COMUNIDADE

adultos com deficiência intelectual e múltipla e autismo. Os atendimentos são feitos com foco na prevenção e no tratamento específico de cada usuário. Maria do Socorro Cavalcante, diretora da unidade da Apae de Marabá e coordenadora do projeto, explica que a iniciativa surgiu devido à dificuldade das famílias dos assistidos em encontrar atendimento especializado de dentistas. “Alguns odontólogos diziam que não eram capacitados para atender a esse público”, conta a coordenadora. Ela afirma que a instalação do consultório dentro da Apae torna os atendimentos mais humanizados, já que os pacientes se sentem familiarizados com o espaço. “A Apae é a segunda casa deles, então o hábito de ir ao dentista acaba se tornando uma atividade rotineira na vida de cada um”, destaca. Amanda Carvalho, de 22 anos, é aluna da Apae há nove anos. Ela, assim como a maioria dos usuários da unidade, nunca havia visitado um consultório odontológico antes de conhecer o Saúde Bucal ao Alcance de Todos. “Agora, o dentista me ensina como cuidar dos meus dentes e eu repasso tudo o que aprendo para os meus amigos e a minha família”, disse. Os profissionais que atendem ao projeto da Apae foram cedidos pela Prefeitura de Marabá por meio de um convênio. Odontologista do projeto, Adriano Bila diz que atender pessoas com deficiência requer atenção redobrada. “De forma geral, os problemas detectados nos alunos da Apae são os mesmos da maioria da população, sendo que as cáries aparecem em primeiro lugar. O diferencial desse atendimento se caracteriza por uma maior atenção, já que esses pacientes requerem cuidados especiais. Nesse caso, cada tratamento tem sua particularidade, que procuramos conhecer a fundo, respeitando a necessidade de cada um”, diz o dentista. O tratamento integrado é realizado por uma equipe multidisciplinar, que também promove campanhas e palestras socioeducativas de saúde e higiene bucal. Adriano Bila

SORRIA No alto, Francine, que sempre tem um sorriso a oferecer, assim como os outros alunos da Apae

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conta que durante as consultas, os familiares dos pacientes, geralmente as mães, são orientados a também ajudarem no tratamento. “No consultório, mostramos a elas onde está o problema, quais são as causas e como devem proceder diante disso, assim trabalhamos com as famílias a parte preventiva, que é o nosso principal objetivo”, reforça.

DESAFIOS Manter o projeto de tratamento odontológico dos alunos da Apae de Marabá tem um custo alto, mesmo com o apoio da prefeitura municipal. A diretora da entidade, Maria do Socorro Cavalcante, diz que custear as despesas com a manutenção do consultório e a compra de materiais odontológicos tem sido um desafio. Atualmente, as parcerias com o empresariado e o poder público são o que garantem a continuidade da iniciativa. Mais uma premiação conquistada em novembro do ano passado pelo projeto Saúde Bucal ao Alcance de Todos que deu um novo ânimo aos profissionais e pais de alunos da Apae. A entidade ficou em segundo lugar na categoria “Saúde em Comunidades”, do Prêmio Reconhecer 2013, promovido pela Vale e Fundação Vale, com a finalidade de incentivar e reconhecer iniciativas desenvolvidas por organizações sociais consideradas boas práticas que visem a melhoria da qualidade de vida das comunidades paraenses. A Apae recebeu R$ 20 mil como premiação, valor que será investido na aquisição de um aparelho de sedação inalatória consciente, considerado, atualmente, o mais seguro para o controle do medo e ansiedade dos pacientes quando estão na cadeira do dentista. “A participação no Prêmio Reconhecer 2013 foi excelente e deu ainda maior visibilidade à importância do nosso projeto”, avalia Maria do Socorro. Segundo ela, o dinheiro da premiação também será investido na capacitação dos profissionais da entidade.

ATENDIMENTOS Quando a Apae de Marabá iniciou as atividades, em 1998, havia apenas 30 vagas para o atendimento. Após 16 anos de atuação no município, o centro atende a 485 alunos regularmente matriculados, que recebem atendimento pedagógico e de reabilitação clínica.

ACOMPANHAMENTO O odontólogo Adriano Bila e a diretora da Apae de Marabá, Maria do Socorro (acima), dizem que a família é fundamental no projeto, que assiste crianças como Emily Vitória, de 3 anos De acordo com Maria do Socorro Cavalcante, a fila de pessoas cadastradas à espera de uma vaga na instituição ainda é bastante extensa. A contribuição para a formação dos alunos e a sua inclusão na sociedade, em escolas comuns e no mercado de trabalho é desenvolvida por professores especializados na área de educação especial e inclusiva. As atividades da unidade contam ainda com uma equipe técnica formada por especialistas nas áreas de fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia, odontologia, Terapia Ocupacional, Hidroterapia, Serviço Social,

Psicopedagogia e psicomotricidade. Marluci Gonçalves, mãe de Emilly Vitória, de 3 anos, conta que a vitória não está apenas no nome da filha. Para ela, o atendimento da Apae foi um divisor de águas na vida da criança e de toda a família. “A minha filha não andava, não falava e a coordenação motora dela era totalmente comprometida. Após ser atendida na Apae tudo isso ficou no passado. Hoje, eu digo que existe uma Emilly antes e outra depois de vir para a Apae”, conclui a mãe que encontrou no avanço do tratamento da filha motivos para sorrir.

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PERGUNTA QUE NÂO NÃO QUER CALAR

Arrancar os cabelos brancos faz nascer outros no lugar?

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m dos mais conhecidos tabus a respeito do avanço da idade é o aparecimento de cabelos brancos. E, associado a um dos indicativos do passar do tempo, está um mito sem qualquer embasamento científico: arrancar um fio de cabelo branco faz nascer mais no lugar. Apesar de não ser recomendado arrancar fios de cabelo, sejam eles brancos ou não, quem porventura arrancar um fio esbranquiçado não precisa se preocupar. A dermatologista Deborah AbenAthar Unger, professora mestre da Universidade Federal do Pará (UFPA), reforça que tudo é apenas mito. “O aparecimento precoce ou não de cabelos brancos, chamado canície, é determinado geneticamente. A canície ocorre por uma manutenção insuficiente de células-tronco melanocíticas, responsáveis pela cor do pelo”, explica.

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“No final da fase anágena, quando ocorre o crescimento do pelo, a maioria dos melanócitos destruídos é reposta durante a próxima fase anágena a partir do reservatório dessas células-tronco que dão cor aos fios. Mas nas áreas já insuficientes dessas células aparecem os cabelos brancos. Presume-se, então, que quando arrancados nestes locais, possam nascer novamente brancos”, explica a dermatologista, mostrando como se formou o mito. Também não há qualquer fundamentação científica sobre outro fato a respeito dos cabelos brancos: que nascem a partir de preocupações. Esse é um bordão muito comum, usado por pais das gerações da década de 80 e por trabalhadores que vivem sob forte estresse. Na série de TV Millennium, o protagonista Frank Black (Lance Henriksen) tem todos os cabelos negros transformados em brancos ao passar por uma

forte situação de estresse e risco. Deborah ressalta que o estresse emocional pode provocar, sim, queda de cabelo, chamada de eflúvio telógeno. A queda de pelos, que é em torno de 120 fios por dia, passa a ser de 400 fios por dia. “O único modo de atenuar os cabelos brancos é fazer coloração dos fios usando diversas substâncias contendo ou não amônia. Algumas pessoas podem ter dermatite de contato a essas substâncias e é recomendado que outros procedimentos, como alisamento e permanente, sejam feitos pelos menos duas semanas antes da coloração e não concomitantemente”, orienta. Mas não é por isso que se pode sair por aí arrancando os cabelos brancos para se livrar deles. As mulheres podem até se sentir mais incomodadas, mas os homens, principalmente com uma vasta cabeleira grisalha, são considerados mais charmosos.


FERNANDO SETTE

PENSELIMPO PRIMEIRO FOCO ARTE | CULTURA | REFLEXÃO

Arrastão da felicidade O Arraial do Pavulagem se prepara para colocar o boi e os tambores na rua e encher Belém de alegria nos dias de festa junina. Página 52.

Corpo A Companhia de Investigação Cênica usa o curimbó como instrumento de pesquisa . Pág. 56

Surreal O paraense Ismael Nery consagrou seu nome na arte plástica contemporânea. Pág. 60 JUNHO 2014

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UM DEDO DE PROSA

Encantador de multidões Natália Mello

Carlos Borges / Fernando Sette

O Arraial do Boi Pavulagem reinventou a quadra junina em Belém, “arrastando” 20 mil pessoas, em média, pelas ruas do centro da cidade no período festivo. Júnior Soares, um dos fundadores do grupo, diz que não fazem “nada de diferente”, apenas partilham a felicidade amazônida. 52

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as ruas do centro de Belém exala a essência do povo caboclo durante o mês de junho. Aos domingos, um colorido cortejo envolve e fascina cerca de 20 mil pessoas, arrastadas deliberadamente por uma série de ícones representativos de uma das maiores manifestações culturais do Pará. A batida marcada do retumbão, o balançar faceiro do carimbó e do Boi Pavulagem roubam a cena, e se sobrepõem às quadrilhas juninas tradicionais. Para contemplar essa mistura legítima de expressões populares do imaginário amazônico, basta abrir caminho e deixar passar o Arrastão do Pavulagem. A riqueza folclórica de Bragança, terra natal do cantor, compositor e um dos fundadores do grupo, Júnior Soares, está presente categoricamente no cerne do arrastão. A Marujada de São Benedito, iniciado por escravos para homenagear o santo preto; o rio Caeté, que banha o município; as fitas coloridas, usadas por marujos e marujas; o retumbão e o xote, ritmos de dança peculiares à zona bragantina. Todos esses elementos contribuíram para a formação do “sotaque” atribuído com originalidade ao Arraial do Pavulagem. “É a nossa forma de tocar o boi paraense”, conclui o músico. Contudo, a valorização da cultura popular amazônica é a principal aposta do grupo há 27 anos. Ainda que as manifestações populares dos municípios do nordeste do Estado e da região do Baixo Tocantins sejam uma importante fonte de inspiração para a banda, o Boi Pavulagem

que comanda o cordão de junho tem os dois pés na festa do boi-bumbá maranhense, e empresta também do Estado vizinho o suingue do reggae para embalar a multidão. Cercado por uma diversidade étnica imensurável, o boi azul que começou pequenino e elevado por um pedaço de miriti se transformou em uma das principais identidades do cortejo, e, se hoje é grande, é para acompanhar o tamanho do encantamento dos brincantes. É em meio a esse contexto cultural em que se revelam as raízes do Arraial do Pavulagem que Júnior Soares recebeu a revista Amazônia Viva. O artista explica a relação com o junho, fala sobre os símbolos marcantes dessa manifestação e confessa: viver da cultura popular amazônica é uma grande realização para o grupo. Como foi o início do Arraial do Pavulagem Aos 17 anos, eu vim para Belém para estudar, mas quis aprender violão e acabei conhecendo várias pessoas da área musical. Aí vieram os encontros em frente ao teatro Waldemar Henrique aos domingos. Em 1987, acabamos fundando o que viria a ser o Arraial do Pavulagem. Não começamos a nos encontrar com o objetivo de formar um grupo, mas sim trocar uma ideia sobre o que fazer para ter uma música mais da nossa terra. A intenção era resistir à quadra junina importada. Então os encontros foram ganhando corpo e quando a gente tomou a decisão de fazer um boi tinha que ser em junho.

“Nós trabalhamos com educação para a cultura, para que as pessoas gostem de cultura popular” JUNHO 2014

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UM DEDO DE PROSA

ARY SOUZA / ARQUIVO O LIBERAL

“Nós temos um sonho de formar uma escola de educação para a cultura da Amazônia, mas ainda não conseguimos porque precisa de espaço e muito mais trabalho.”

E como surgiu o ícone do boi? Vim ter contato com a manifestação do boi-bumbá aqui, já com o Ronaldo Silva (à direita, de óculos escuros, na página ao lado), o Rui Baldez. Desses encontros, a gente passou a propor essas coisas: “vamos fazer uma toada, vamos fazer música”, e os dois passaram a compor. Aí pensamos: “se é para fazer um boizinho, vamos inventar”. Era uma brincadeira, porque o boi tem uma figura embaixo que entra para fazer evolução, e a gente tinha apenas um boizinho com a tala de miriti que saía na frente. Adotamos um nome não muito tradicional para os bois-bumbás, que normalmente têm a ver com o dia a dia do fazendeiro, do vaqueiro, e surgiu o Boi Pavulagem do Teu Coração. A influência de Bragança no arrastão foi algo natural?

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Eu nasci em Bragança, no litoral paraense. O encanto com a cultura popular paraense já veio comigo de lá, mas meio adormecido, da memória remota da Marujada. Lá, a gente morava perto do barracão, então ouvíamos todos aqueles batuques e danças da festividade. Até demoramos a colocar isso na nossa música, mas absorvemos o xote, o retumbão, as fitas coloridas usadas nos chapéus de marujos e marujas. Hoje, Bragança aparece naturalmente nas nossas letras e melodias. O arrastão também sofre influência do cordão de pássaros juninos? A forma de organização do cortejo que fazemos hoje, que sai dançando e é feito para uma caixa acústica, se aproxima do cordão. Os estandartes presentes nos cordões de pássaros, inclusive, que são mais

tradicionais na Região Metropolitana de Belém, nós incorporamos ao arrastão. É um dos nossos elementos. Vocês imaginavam que o Arrastão do Pavulagem tomaria as proporções de hoje? Nós trabalhamos com educação para a cultura, para que as pessoas gostem de cultura popular. Nós atraímos essas pessoas para o arrastão, fizemos com que elas se interessassem, mas trabalhamos na rua, então a responsabilidade aumenta, é complicado gerenciar. Alguns vão para namorar, outros vão interessados na manifestação, outros vão para vender coisas. Então, se você coloca mil pessoas na rua, você precisa de um aparato de segurança, de estrutura, imagina quando você coloca 20 mil pessoas.


CARLOS SODRÉ / AGÊNCIA PARÁ

Quais elementos amazônicos estão presentes no Arraial do Pavulagem? Um é o boi, que vem de todo esse processo cultural forte da Amazônia e acabou sendo incorporado por ter tudo a ver com a cultura popular. Mas o boi sozinho foi só por uns cinco anos, porque pensamos em uma manifestação que representasse a nossa região como um todo. Aí incluímos carimbó, retumbão, xote, mazurca, reggae, e fomos ampliando. Foi quando houve a necessidade de mudar o nome, e pensamos: “onde acontece uma festividade? No arraial”. Aí modificamos e a palavra boi acabou desaparecendo, mas ela está implícita, porque é o Arrastão do Boi Pavulagem. E o Instituto Arraial do Pavulagem? Foi criado em 2003, após 16 anos de atividades. Ser pessoa jurídica se tornou essencial. A gente não conseguia mais dar a volta na praça porque era muita gente. Aí decidimos formar pessoas na cultura popular, até porque tínhamos problema na execução. A saída foi universalizar o acesso e criar as oficinas de música, de dança. O Instituto é quem estabelece convênio com o Estado e as empresas. Este é o segundo ano que a Vale patrocina o arrastão. Como você vê o apoio da iniciativa privada? O apoio das empresas é fundamental para continuar a manifestação. Nós trabalhamos com um produto 100% gratuito para a população, então, como vamos gerar recursos para isso sem re-

ceber incentivo financeiro? Nós resistimos a ideia de cobrar, somos contra esse modelo de cultura de mercado. Nós queremos que as pessoas venham para o meio da brincadeira, e para que ela permaneça gratuita, nós temos que ter alguém bancando isso. E é aí que entra a iniciativa privada, no financiamento dessa festa. A cada ano, o público aumenta. Vocês já pensam em novos projetos? Nós temos um sonho de formar uma escola de educação para a cultura da Amazônia, mas ainda não conseguimos porque precisa de espaço e muito mais trabalho. O que nós fazemos na rua já nos ocupa o suficiente (risos). Até para gravar disco nós demoramos muito porque o arrastão nos consome bastante.

Como é se manter e viver da cultura popular? Viver da cultura popular é muito bom, mas tem seus obstáculos. O que torna o nosso trabalho fácil é que todos nós adoramos o que fazemos, apesar de todas as adversidades, do desafio de estar na rua, da eminente falta de segurança, da não parceria completa dos órgãos públicos, a gente sente o maior prazer. É uma realização ver no rosto das pessoas essa alegria, esse olhar diferenciado, isso é muito louco. Nós não fazemos nada tão diferente, nós fazemos música e manifestação de rua. Acho que o nosso grande mérito é reunir num mesmo lugar pessoas felizes ou que conseguem absorver um pouco da nossa felicidade de trabalhar pela cultura amazônica.

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ARTE REGIONAL

Conectados pelo curimbó Companhia de Investigação Cênica pesquisa e interconecta o som do tambor tipicamente paraense a várias linguagens artísticas Carmen Palheta

O

som que reverbera do couro curtido que cobre um tronco oco de árvore indica os passos tão bem marcados e firmes dos intérpretes em cena. Outros sons vão dominando o ambiente e ora se traduzem em poemas declamados; ora são espécies de grunhidos; ou barulhos de serras que saem das bocas e parecem cortar, de cima a baixo, o corpo do outro, em uma linguagem quase gutural. A marcação do ritmo dessa miscelânea de corpos em movimento, em pares, em grupos ou solitários, vem do curimbó, um dos instrumentos-base, de origem indígena, da dança tipicamente paraense. As cenas que chegam a instigar o espectador formam parte do espetáculo Fader, montado e apresentado pela Companhia de Investigação Cênica, resultado de um longo processo de pesquisa sobre o curimbó. A montagem compõe a trilogia de um projeto maior, o Conexão Dança Curimbó, que tem como principal objetivo mostrar o olhar e as apreensões de coreógrafos estrangeiros a partir da imersão na cultura paraense. Maya Carroll, coreógrafa de origem israelense, foi uma das convidadas do bailarino e intérprete – como prefere ser chamado –

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Danilo Bracchi, para submergir no universo amazônico e daí conceber o espetáculo. Em seguida, chegaram do exterior o marido de Maya, o músico Roy Carroll, e a coreógrafa grega Nina Capla, reforçando o projeto. “O próximo passo é trazer o olhar oriental de Minako Seki para ‘conectar o butoh’ – dança surgida no Japão pós-guerra – com os sons do curimbó”, antecipa Danilo. Ele é coordenador e idealizador da Companhia de Investigação Cênica, que surgiu em 2008, com a ideia de investigar a dança contemporânea e suas diversas misturas, a partir de um trabalho feito com atores de teatro. Faz parte da Trama - Associação de Teatro e Dança da Amazônia, fundada em março de 1996. Como finalidade, a associação promove pesquisas, experimentos e projetos artísticos dentro e fora do país. “A Companhia se traduz como uma espécie de interface de linguagens”, sintetiza Danilo Bracchi, acrescentando que ele mesmo começou com a fotografia, experimentou o teatro e transitou bastante pelo universo da dança contemporânea, como bailarino de uma das companhias de dança mais famosas do Brasil, o Vila Dança, da Bahia. “Essa trajetória e as experiências em várias áreas deram o arcabouço para a

criação da Companhia”, completa. Antes da vinda de Maya Carroll a Belém, Danilo havia recebido uma Bolsa de Pesquisa do Instituto de Artes do Pará (IAP). Foi quando começou a aprofundar as pesquisas sobre o curimbó e apresentou, pela primeira vez, o projeto Conexão Dança. Isso foi em 2010, com o Prêmio Klauss Vianna. “Eu queria trabalhar com a formação de intérpretes e abrir espaço para artistas regionais”, lembra Danilo. Para colocar em prática a proposta, a Companhia organizou e convocou artistas da Região Norte e, a partir de uma audição, chegou ao jovem bailarino Jhullyam Breno, de Itaituba, nordeste paraense, originário do movimento hip-hop. Por dez meses, Breno fez residência artística em Belém. O trabalho intenso envolveu criação e atuação em espetáculos e aulas não apenas de dança, mas também de teatro, circo e pilates. “A residência foi uma experiência que se voltou para a formação do artista local”, arremata Milton Aires, integrante do grupo. Marluce Oliveira, que possui experiência no teatro e no canto, afirma que a Companhia de Investigação Cênica alia e intercala as várias artes cênicas e conhecimentos de todos


CORPO E SOM os lados, como a dança, a música, o teatro, a fotografia. “Não somos uma companhia clássica de dança, mas não negamos as técnicas clássicas vindas de áreas como o balé, a dança clássica, a própria atividade de pilates, dentre tantas outras. Nosso interesse está em interconectar e valorizar o que cada uma dessas áreas possui e, dessa forma, propor uma linguagem multifacetada da arte”. Em cinco anos de atuação, a Companhia já montou seis espetáculos e recebeu sete prêmios: Bolsa de Pesquisa, experimentação e criação artística, do Instituto de Artes do Pará 2008, que resultou no espetáculo “Depois de Revelada Nada Mais Muda”; Prêmio Klauss Vianna Funarte Petrobras 2009 e 2010, para a criação do espetáculo “Tão Bonito de Tão Feio” e realização da primeira ação do projeto Conexão Dança; Bolsa de Pesquisa, Experimentação e Criação Artística, do Instituto de Artes do Pará 2010, com a apresentação do documentário “Curimbó”; Bolsa Funarte de Residências em Artes Cênicas 2010, segunda ação do projeto Conexão Dança; Prêmio Klauss Vianna Funarte Petrobrás 2012, para a execução da terceira ação do projeto Conexão Dança; e o Prêmio Funarte Petrobras Carequinha de Estímulo ao

Os artistas da Companhia de Investigação Cênica buscam nas raízes culturais amazônicas a magnitude de uma arte cosmopolita

Circo 2012, tendo como resultado o espetáculo “Ciao! Buonanotte, finito...”. Para Marluce Oliveira, a imersão no universo e cultura paraenses realizada por Maya, Roy e Nina, que visitaram a ilha do Combu, participaram de uma tradicional festa de carimbó, em Icoaraci, e foram ao Mercado do Ver-o-Peso, é fundamental para a montagem dos espetáculos Fader e “Chromata tou Kosmou” (Cores do Universo), este

último apresentado em janeiro deste ano, no Teatro Cláudio Barradas, em Belém. Tudo leva a crer que o batuque que vem do tambor amazônico ainda tem muitos cenários e espaços para reverberar e provocar, através da dança contemporânea, novas sensações e múltiplos sons para outras partes do mundo. O público paraense, com certeza, já está preparado por essas interconexões.

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

FOGO-FÁTUO

Nada de sobrenatural

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m áreas pantanosas ou onde há a incidência de matéria orgânica morta, uma reação química pode provocar um baita susto em pessoas desavisadas ou muito sensíveis ao imaginário sobrenatural: o fogo-fátuo. É como uma chama azulada que paira no ar, desaparece rapidamente e consegue se movimentar a uma curta distância. O termo deriva do latim Ignis (fogo, chama) e fatuus (transitório, com pouca duração ou bobo, tolo). Para algumas pessoas, o fenômeno é entendido como uma manifestação paranormal e, na Amazônia, onde a incidência ocorre em regiões como a do Marajó, costuma ser atrelada a lendas como o boitatá, a cobra-de-fogo. Quem vir o fenômeno em áreas como cemitérios e pântanos, pode ficar tranquilo que não se trata de nenhuma assombração ou visagem, apesar de muitas culturas, inclusive a amazônica, associarem o fenômeno ao imaginário sobrenatural. Na cultura britânica e norte-americana, o fenômeno é associado ao espírito “Will-o’-the-wisp”. Também, na cultura europeia, há associações do fogo-fátuo às chamas do inferno.

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Crenças à parte, o professor José Pio Iúdice de Souza, da Faculdade de Química da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica, cientificamente, do que se trata a tal chama azul. “Quando um ser vivo morre, várias espécies de bactérias entram em ação para decompor a matéria orgânica. Nesse processo, ocorre a produção de dois gases, o metano e a fosfina, que serão os responsáveis pelo fenômeno do fogo-fátuo”, diz. “Aos poucos, a concentração desses gases cresce, por exemplo, dentro de um caixão. Isso aumenta a pressão no subsolo, fazendo com que a mistura vaze por pequenas fendas e suba em direção à superfície, esgueirandose pelos poros da terra. Na superfície, em contato com o oxigênio do ar, os dois gases entram em combustão espontânea, produzindo uma chama azulada. Tudo ocorre rápido e a chama não dura mais que alguns segundos”, detalha. Por essa razão, o fenômeno é comum em cemitérios e pântanos. Mas como os dois ambientes são ligados à morte, qualquer alteração pode significar algo do oculto. “Para quem está perto do fenômeno, a reação instintiva é correr. O problema é que

esse movimento causa um deslocamento brusco de ar, puxando a chama e dando a impressão de que ela tenta perseguir a vítima, como um fantasma, uma alma penada ou o boitatá dos índios brasileiros”, observa José Pio. “Suspeita-se que algumas lendas indígenas, como o boitatá, tenham se originado desse fenômeno. O fogo-fátuo chegou a ser descrito, ainda em 1560, pelo jesuíta português José de Anchieta: “Junto do mar e dos rios, não se vê outra coisa senão o boitatá, o facho cintilante de fogo que rapidamente acomete os índios e mata-os”. O fascínio pelo fogo-fátuo no imaginário universal popular também levou o fenômeno para a cultura pop. Os adolescentes, em geral, conhecem o termo do jogo de RPG Magic: The Gathering. Nele, há uma carta chamada “Ignis fatuus”. Ao final da descrição das habilidades da estampa ilustrada, há uma frase: “Somente os tolos temem o Ignis fatuus”. Também existe uma banda finlandesa de metal melódico e progressivo com o mesmo nome da reação química, assim como um dos personagens alienígenas do desenho animado Ben 10.


NA LISTA

vilões do consumo de energia

No lares modernos do Brasil é cada vez mais difícil faltar equipamentos como condicionadores de ar, computadores, televisores com mais de 25 polegadas e micro-ondas. Ferros elétricos de passar roupas e geladeiras já fazem parte dos bens de muitas casas, mesmo de baixo poder aquisitivo. Mas muitos desses equipamentos gastam bastante energia e são responsáveis por

eventuais sustos quando a conta chega no fim do mês. Contudo, o uso consciente dos aparelhos eletrodomésticos e pequenas mudanças nos hábitos diários podem reduzir consideravelmente os gastos e valor cobrado depois. Evitar desperdícios, além de equilibrar o orçamento familiar, ainda ajuda a preservar o meio ambiente, principalmente freando mudanças climáticas. “Na compra de um novo aparelho, é impor-

LÂMPADA INCANDESCENTE As de 60 W tem consumo médio mensal 9,0 kWh, com utilização de 5 horas por dia. Se possível, instale lâmpadas fluorescentes, que duram mais e gastam menos energia.

CHUVEIRO ELÉTRICO Com potência 3.500W pode consumir até 70 kWh, com utilização de 40 minutos. Banhos mais curtos economizam, além de energia, água.

FORNO DE MICRO-ONDAS Pode consumir até 12,0 kWh, com utilização de 20 minutos. Evite utilizar o forno várias vezes ao dia para aquecer alimentos simples, como uma xícara de café.

AR-CONDICIONADO Aparelhos com mais de 10 mil BTUS ligados durante 8 horas podem consumir até 162 kWh. Não deixe o aparelho ligado se for ficar muito tempo fora do cômodo.

COMPUTADOR Pode consumir até 16,2 kWh, com utilização de 3 horas por dia. Evite o modo stand by do monitor. Quando terminar o uso, desligue completamente.

GELADEIRA Pode consumir até 30 kWh. Não coloque roupas para secar na parte traseira, isso aumenta o consumo. A manutenção e limpeza também são importantes.

tante verificar se ele possui o selo Procel de consumo reduzido. Monitorar o tempo de uso de equipamentos de alto consumo, como ferro de passar roupa e chuveiro elétrico, bem como evitar a utilização nos horários de pico de consumo entre 18h e 22h, e não deixar luzes acesas onde não há pessoas, ajudam na redução do consumo de energia elétrica”, ensina a gerente de Pesquisa, Eficiência e Geração da Celpa, Giorgiana Pinheiro.

TELEVISOR DE 29’’ Pode consumir até 16,5 kWh, com utilização de 5 horas por dia. Evite deixar o aparelho em modo stand by. Isso também gasta energia.

FREEZER Pode consumir até 50 kWh. Não encoste o eletrodoméstico em paredes ou móveis e o mantenha longe de raios solares e fontes de calor, como fogões ou estufas.

FERRO ELÉTRICO Para cada hora ligado o aparelho com potência de 1000 W pode consumir até 12,0 kWh. Acumule o máximo de roupas para que o ferro seja ligado o mínimo de vezes possível.

FONTE: CELPA E UNESP / ILUSTRAÇÕES: ANDRÉ ABREU

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Ismael Nery (19OO-1934)

Um artista surreal que retrata a alma humana

Pintor paraense quebrou padrões artísticos e propagou seu nome no mundo contemporâneo

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humano. Um conjunto de princípios ligados a seu humanismo cristão, que seriam a síntese das suas meditações. Deixou uma vasta produção de desenhos, aquarelas e pinturas espalhadas pelo mundo. Morreu aos 34 anos, vítima de tuberculose, sem ter o reconhecimento de seu trabalho. De acordo com Carlos Pará, Nery participou da Semana de Arte Moderna, em 1922. “Por duas vezes visitei o Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, e conheci muitas de suas obras e desenhos”, conta o jornalista. Ele diz que viu alguns originais e encontrou uma foto que o causou inquietação: Nery morto, vestido com um manto franciscano. Tratava-se de um pedido do artista católico antes de morrer. Foi no Rio de Janeiro que Nery iniciou suas atividades artísticas e estudou na Escola Nacional de Belas Artes. De lá viajou à Europa, no auge da arte moderna e da arte surrealista, onde teve contato com artistas consagrados como Marc Chagal, De Chirico e André Breton. Na França, pôde mostrar suas originais criações, diferente do que se produzia na época no Brasil, merecendo atenção e reconhecimento principalmente pelos surrealistas, arte de vanguarda na Europa naquele momento. Frequentou a Academia Julian, em Paris, que ensinava pintura e escultura a Henri Matisse, Marcel Duchamp, Tarcila do Amaral e Theodoro Braga. No Rio de Janeiro fez sua segunda e última exposição individual e conheceu amigos que foram fundamentais na sua vida, além da poeta Adalgisa Nery, que se tornou o amor da sua vida e com quem se casou. Adalgisa era a sua modelo nas pinturas. “Nery foi se identificando com a figura humana em suas dimensões físicas e sentimentais, retratos, autorretratos e nus. Buscava na representação do homem, seu tema central, o retrato da opressão que sentia. A agonia e a glória de ser humano tornam-se mais universais e rompe-se com ditames e limites de uma arte oficial”, define Carlos Pará.

ILUSTRAÇÕES: JOCELYN ALENCAR

smael Nery não foi um artista comum. Leia-se em caixa alta no seu currículo: “artista de vanguarda”. Com suas formas antitradicionais de arte o pintor paraense de notoriedade mundial marcou as suas obras com o surrealismo. Conseguiu transformar o cartão-postal de Belém, o Ver-o-Peso, com suas cenas rotineiras do vaivém de feirantes e fregueses, em algo a despertar o olhar da condição humana e social. Utilizou-se de detritos, representou o odor, a presença de urubus como elementos de uma paisagem que se alimenta das vísceras e dos restos do mercado. Isso assustou muita gente em Belém na época da quebra da bolsa de valores, na década de 1930, e da decadência da borracha, pois a cidade ainda estava permeada de valores clássicos e tradicionais. Apesar do espanto e desprezo por sua arte, Nery fez a primeira exposição em Belém, onde nasceu. A mostra ocupou o hall do Palace Theatre, no célebre Grande Hotel, em 1929. A expectativa pela exposição noticiada pelos jornais e pela trajetória internacional do artista era grande. O poeta Bruno de Menezes escreveu na Folha do Norte convidando à première. Chamava os espectadores do meio culto e admiradores das belas artes para examinar os quadros de Nery e “desvendar neles o desdobramento interior de quem os elaborou, dissecando a verdade, o belo e o horrível, o poético e o trágico, o doloroso sentimento humano”. Para o jornalista Carlos Pará e estudioso da obra do artista, Ismael Nery, que hoje empresta o nome ao centro de eventos da Fundação Cultural Tancredo Neves – Centur, no Pará, nunca teve a pretensão de ser um artista profissional e tornou-se um dos maiores expoentes da pintura no Brasil. Aos 10 anos foi morar com os pais no Rio de Janeiro e lá iniciou a atividade artística. Além de pintor, também foi considerado o “Poeta do Essencialismo”, elaborando reflexões teóricas acerca de questões metafísicas e da essência do ser


AGENDA DE EVENTOS HELY PAMPLONA

FRANÇA O Festival da Canção Francesa abriu as inscrições do concurso que vai escolher a melhor interpretação de músicas francesas ou francófona de 2004 a 2014. Candidatos profissionais e amadores ainda podem fazer a inscrição. Os participantes concorrem a uma viagem a Paris. O regulamento e a ficha de inscrição podem ser acessados no site www.afbelem.com. Informações no telefone (91) 3224 3998.

CERÂMICA

ACERVO Fotografias e peças do século XIX estão à mostra no Museu Goeldi

Museu Goeldi expõe registros de antropóloga alemã entre os índios DIVULGAÇÃO

A Exposição “Diálogos: os Snethlage Emilie Snethlage (1868-1929) foi e as Ciências Humanas no Museu Goeldiretora do Museu Goeldi durante a I di” segue aberta ao público. O objetivo Guerra Mundial. Em 1914 realizou uma é apresentar a faceexpedição à região entre ta antropológica de os rios Tapajós e Xingu e Emília Snethlage e o coletou objetos da cultupovo Xipaya, que atura material dos povos inalmente vive em uma dígenas Xipaya e Kuruaya área reduzida próximo (Tupi). Essas peças só foram a Altamira. A exposição redescobertas no acervo conta com registros dos do museu alemão em 1991, Xipaya e Kuruaya feiquase 80 anos depois que tos pela pesquisadora foram obtidas. há 100 anos. A exposição é uma iniAlém disso, a mosciativa do Museu Goeldi tra traz fotografias de com a Casa dos Estudos peças selecionadas Germânicos da Universidesse acervo, com anodade Federal do Pará e o PESQUISADORA tações inéditas feitas povo Xipaya. Os interesEmilie Snethlage foi uma das pela antropóloga alesados podem conferi-la primeiras mulheres a estudar os mã Beatrix Hoffmann, no Pavilhão Domingos Socostumes dos índios amazônicos do Museu Etnológico de ares Ferreira Penna (RociBerlim. A exposição apresenta ainda objetos nha), no Parque Zoobotânico.O funcioe uma documentação em vídeo da atual culnamento é de terça-feira a domingo, de tura material do povo Xipaya, como contri9h às 17h. A entrada do Parque custa buição dos próprios Xipaya. R$ 2. 62

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O 43º Encontro Nacional da Indústria de Cerâmica Vermelha, considerado o maior evento nacional do setor e terceiro maior do mundo, será realizado de 30 de julho a 2 de agosto, em Belém. O objetivo é provocar o debate entre empresários, sindicatos, associações, pesquisadores fornecedores, instituições públicas e privadas, organizações internacionais e consumidores. Informações sobre as inscrições podem ser encontradas no site www.anicer.com.br.

AUDIOVISUAL Já estão abertas as inscrições para o Festival de Audiovisual de Belém – FAB 2014. Em sua segunda edição, o festival contará com mostras competitivas nas categorias “Curta Metragem”, “Videoclipe”, “Campanha Publicitária Audiovisual”, “Videoarte, entre outros. Contará ainda com dois novos locais de recebimento de vídeos: Capanema (PA) e Belo Horizonte (MG). Informações no site www.portalfab.com/.

JUNINA A Praça do Povo do Centur segue até o dia 16 com várias atrações dentro da programação do “Arraial de Todos os Santos”. Uma das novidades foi a reabertura do teatro Margarida Schivasappa durante o período da festa, que reinaugurou no dia 6 com a apresentação dos Pássaros Juninos. Quadrilhas Mix e Miss Mix se apresentarão no 13. Além disso, o evento conta com as atrações de vários grupos Parafolclóricos durante todo o período e também com apresentações de quadrilhas todos os dias. O evento é uma realização da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (FCPTN/Centur) em parceria com o Governo do Estado do Pará. Mais informações pelo telefone (91) 3202-4399.


FAÇA VOCÊ MESMO

Um banquinho renovado Aprenda a customizar um objeto usado para deixar sua casa mais colorida

Aquele banquinho de plástico, de tão velho, já não pode receber visitas, mas não precisa ir para o lixo. Pode tirá-lo do canto da cozinha, pois na edição deste mês, a Fundação Curro Velho mostra, passo a passo, como transformar o banquinho desgastado em um objeto útil e belo, que vai dar um ar novo a sua sala. Customizar objetos velhos, transformando-os em peças exclusivas para re-

novação do ambiente, é uma boa opção para estimular a criatividade sem gastar quase nada. Além de terapêutico, essa atitude é boa lição de sustentabilidade para transmitir aos familiares e amigos. Essa e outras técnicas podem ser conhecidas nas oficinas de arte e ofício na sede do Curro Velho. Então diga: sua casa não vai ficar mais colorida com esse novo banco?

DO QUE VAMOS PRECISAR? • • • • • • •

Banquinho de plástico Tesoura com pontas arredondadas Cola extra forte (adesivo PVA) Pincel Rolinho de esponja Retalhos de tecido Verniz fixado

INSTRUTORA: ADRIANA CAVALCANTE COLABORAÇÃO: DEUSARINA VASCONCELOS FOTOS: FABRIZIO RODRIGUEZ

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Passe a cola no banquinho de plástico. Em seguida, pregue os retalhos de tecido no objeto com a cola ainda fresca;

Agora, vire o banquinho com acento para baixo. Passe cola e siga o mesmo processo de fixação;

Passe uma camada de cola por cima para fixar ainda mais o tecido no banquinho;

Para saber mais

Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que estejam acompanhadas por um adulto responsável

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Corte as sobras do tecido deixando uma sobra de “quatro dedos” em todos os lados do banquinho;

Tire o excesso do tecido. Cole o tecido nas pernas do banquinho;

Para seu objeto ficar mais charmoso, cole fitas ou outro adorno, conforme seu gosto;

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Levante as sobras que restaram. Depois, estique bastante para fixar a cobertura.

Neste ponto é hora de fazer o acabamento interno do banquinho;

E o último passo: passe verniz fixador para o acabamento final. O seu “bom, bonito e barato” banquinho está pronto.

Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas da Fundação Curro Velho, do governo do Estado do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109.

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RECORTE AQUI

FAÇA VOCÊ MESMO


BOA HISTÓRIA

ILUSTRAÇÃO: LEONARDO NUNES

Poderia muito bem ser o começo do dia

Anderson Araújo é jornalista, escritor e blogueiro

ou o fim da tarde. Ele se deitou de barriga para cima e tentou observar os fragmentos do céu que escapavam entre o vão de uma folha e outra. A copa das árvores forrava o infinito. Ele ouvia a própria respiração enquanto procurava uma escada para chegar até o alto. Escutou um pio agudo, distante, comum. Buscou o dono do assovio, mas viu só um vulto pequeno, saltitante. Identificou no ato como um macaco, igual ao mico amestrado que havia visto na feira com modos de gente. Sentado em um galho, o bicho estava entretido em algo que parecia uma goiaba. Mexia no fruto como um relojoeiro concentrado. Levantou para luz o objeto, como se avaliasse uma pepita. Mordeu e jogou fora. Pulou imediatamente para um pé de cupuaçu e saiu acompanhado de outro primata, que parecia esperá-lo escondido. Saíram como dois homens apressados para fechar negócios. A sobra deixada para trás foi apanhada sem demora por uma cotia. Ela não analisou nada. Pegou e saiu correndo. Como ele estava deitado, quieto, apenas o pescoço erguido para apreciá-la, a danada passou pertinho na saída. Ouviu as pisadas leves das patinhas se distanciando. O silêncio retomou o espaço, mas era um silêncio que ciscava, que soprava, que chiava, grunhia, uivava, silvava, roncava, que se movia intranquilo, como se ali não houvesse nunca a possibilidade de ausência de som. Continuou espichado na terra revolvida por minhocas,

marcadas por pisadas de animais pesados que podiam ser antas, capivaras, queixadas ou algo maior. Estava agora interessado na imensa árvore no flanco esquerdo. O tronco amplo, a raiz na altura do telhado da casinha da avó. Pensou que alguém pudesse morar dentro daquele tronco. E não apenas uma pessoa, porque era do tamanho dos edifícios que viu num passeio de carro havia uns dois anos. De repente, haveria andares e, em casa um deles, gente assistindo televisão ou cozinhando ou dormindo ou vigiando o lugar. Colocou as mãos atrás da nuca e percebeu passos. Não houve nenhum tipo de estranhamento quando o gigante coberto de pelos, a cabeça descomunal, os braços desproporcionais, os pés com unhas pontudas de um palmo cada, atravessou a picada a poucos metros. Duas serpentes o seguiam e eram tão longas como uma Maria-fumaça de 50 vagões. Os três o viram estirado no solo, mas não deram bola. Rumaram como se voltassem do trabalho, com cara de cansados. Um retardatário surgiu correndo, esbaforido: um anão com feições caprinas. Acenou quando o quarteto desapareceu definitivamente. Levantou e estalou as costas, preparado para refazer o caminho de casa. Quase chegando, a pantera azulada cruzou o caminho. Curiosa, mas sempre altiva, não deu trela ao intruso. A estrela Dalva já brilhava e uma meia lua enfeitava o firmamento ainda claro. Todos estavam à sua procura. Imundo e empolgado, o menino não via hora de contar o que viu na sua primeira incursão sozinho na floresta.

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NOVOS CAMINHOS

Meios e fins justificáveis

O

ser humano extremamente urbano e agora com comportamento voltado a uma esfera pública digitalizada, contraditoriamente, ainda carece de informações sobre como sua pegada no planeta pode interferir, isolada ou coletivamente, no ecossistema no qual está inserido. Este fenômeno é latente em regiões de fronteira econômica, como a Amazônia, onde as atividades produtivas avançam sobre a floresta e trazem de carona a ampliação dos aglomerados urbanos e suas lógicas de reprodução social. As cidades amazônicas são exemplo certeiro do comportamento de mercado que domina as relações sociais e encobre o conceito de prosperidade a partir de um viés economicista. Mas como essa questão é observada na prática? Vejamos: uma família de uma comunidade do interior consegue comprar uma máquina de lavar a muito custo, tem uma sensação de inserção na modernidade, mas, por outro lado, não possui água encanada ou sequer potável a dezenas de quilômetros. Moral da história: o consumo é uma variável que pode, sim, ser agregada à construção do desenvolvimento, mas atualmente reina isolado. Seguindo esta lógica, se cada morador da Amazônia ou de outras regiões em desenvolvimento no Planeta tivesse um padrão de consumo similar ao de um europeu ou norte-americano de classe média-alta, o impacto ao meio ambiente seria elevado exponencialmente. Essa dicotomia mostra que classes privilegiadas e dominantes – sobretudo os governantes – precisam repensar seus hábitos, sob pena de que o cidadão de áreas periféricas do sistema capitalista não possa ter acesso aos benefícios da modernidade. E, mais importante ainda, que o mundo não consiga suportar o ritmo

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JUNHO 2014

– e não nos faltam exemplos de fadiga da natureza diante de intensiva pressão. Afinal, qual legado pretendemos deixar para o futuro? Essa discussão reforça a importância das variáveis moral, coletividade e igualdade para o conceito e a prática em busca do desenvolvimento. A igualdade não pode estar baseada nos padrões atuais de consumo, de extremo luxo, mas, sim de uma visão justa: não o que “quero ou consigo consumir”, mas “o que eu necessito”. O desafio da consciência ambiental vai além de escolhas do dia a dia, como reutilizar plásticos, reduzir o consumo de energia ou comprar produtos menos agressivos ao meio ambiente. É uma batalha política, educacional e cultural que deve ser levada adiante contra excessos provocados pela lógica capitalista em busca do lucro, proporcionando crescimento com meios e fins inadequados. Felizmente, existe uma corrente contrária, com iniciativas inspiradoras: prêmio Nobel de Economia em 1998, o indiano Amartya Sen, um dos responsáveis pela criação do conceito de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) pela ONU, faz a defesa do “desenvolvimento como liberdade”. Para ele, renda e riqueza são meios e não fins; na mesma linha, o economista bengali Muhammad Yunnus, prêmio Nobel da Paz em 2006, criou o Grameen Bank, mais conhecido como Banco dos Pobres, que oferecia crédito em pequenas quantias para que agricultores de Bangladesh não suspendessem suas produções; na década de 70, o rei Wangchuck do Butão propôs a criação do Índice de Felicidade Interna Bruta - em oposição ao PIB, ligado às riquezas econômicas -, que alia o desenvolvimento espiritual e material. Para eles, harmonia com o meio ambiente, liberdade e felicidade são fins. Bem-estar que não depende da lógica do mercado.

“A igualdade não pode estar baseada nos padrões atuais de consumo, de extremo luxo, mas, sim de uma visão justa: não o que ‘quero ou consigo consumir’, mas ‘o que eu necessito’”

THIAGO BARROS é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros


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