Suplemento Los Hermanos

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Los Hermanos um close pro fim Asas nos teus pés

Um passo pra trás?

Incertezas do caminho

Conheça novos projetos dos ex integrantes

Shows marcam fim temporário da banda

Uma banda de atitude: briga com a Abril


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los hermanos

Eu que controlo meu Não há necessidade de gancho quando o assunto é Los Hermanos. A banda que marcou o cenário musical brasileiro é sempre pauta seja na mídia alternativa, na conversa entre amigos ou na memória de seus fãs. A curta carreira de uma década parece não condizer com a biografia, que é recheada de desventuras e enternecimentos, em menor e maior grau nessa ordem. O nome resume a história do grupo. Além da paixão pela música, a amizade também foi o que motivou os cinco cariocas a se empenharem para lançar o primeiro disco, e foi pela falta dela que a banda prosseguiu com apenas quatro. Em 2007, ao anunciar uma pausa por tempo indeterminado, o motivo alegado foi a falta de tempo para investir em projetos paralelos. Nas entrelinhas, o recesso serviu também para evitar conflitos que afetariam a parceria que durante dez anos funcionou muito bem. Despretensiosos, os Caras Estranhos buscavam fazer músicas boas, com sinceridade, sem intenção de dominar o mercado. Simples é a definição que Marcelo Camelo acredita ser a mais adequada para a banda. O cineasta conterrâneo Walter Lima Jr afirma que “simples é a única coisa que poderia ser, é o irredutível”. Los

guidon

Hermanos, dono de uma história singular, controlou seu guidon, foi exatamente o que escolheu ser e aceitou a condição. O sucesso do megahit Anna Julia não subiu a cabeça dos barbudos. Por ser inadmissível abandonar suas convicções, Marcelo Camelo acredita que não foi coragem que eles tiveram para peitar a Abril Music, o que eles não tiveram foi opção. Refazer o disco para obedecer às leis do mainstream estava fora de cogitação. Los Hermanos beirou o esquecimento após o lançamento de seu segundo álbum, Bloco do eu sozinho. Sem o apoio da gravadora, a promoção se dava em pequenos shows, no boca-a-boca ou pelo site oficial do grupo. Apesar das adversidades, foi o Bloco que deu prestígio à banda e redefiniu seu público, que se tornou mais qualitativo do que quantitativo. Os três discos pós-Anna Julia consolidaram o grupo e suscitaram afirmações como “a banda mais inovadora desde Mutantes”. Em um ambiente musical permeado de skatistas, apologistas das drogas, donos de refrões grudentos e letras infantis, Los Hermanos podia ser visto como sinônimo de esperança na música brasileira ou como uma banda que destoava do contexto por soar diferente de todas as outras. Não havia meio termo entre o

público que ou se encantava e se envolvia com a perfeita combinação entre letra e melodia ou achava tudo morno demais, estranho demais. A banda que se renova a cada cd não se enquadra em nenhum estilo predeterminado a não ser no seu próprio. Segundo Nelson Motta, “da bossa nova pra cá tem tudo no Los Hermanos”. O caráter tão multifacetado da banda pode ser vinculado à falta de gostos comuns entre os integrantes. Essa divergência é visível no último cd, 4, composto por sete músicas de Camelo e cinco de Amarante que se polarizam, o primeiro rumando à MPB e o segundo ao pop rock. Seria um sinal do que estava por vir? Mudam-se os tons. A banda que mudou a música brasileira, agora muda o próprio tom. Nada mais condizente com Los Hermanos que abandonar temporariamente sua carreira no auge do sucesso, deixando a cena com um grand finale. Embora haja tantas incertezas sobre o futuro do grupo, os versos de Camelo e Amarante sabiamente já diziam: “Deixa ser/como será/tudo posto em seu lugar”.

Ana Paula Campos

Los Hermanos em sete cortes Graças à Anna Julia, banda é catapultada para o sucesso. Primeiro disco vende 300 mil cópias. 1999

1997 Quatro estudantes de comunicação se conhecem e decidem formar uma banda. Surge o Los Hermanos.

2001 Grupo peita gravadora e lança segundo álbum, sendo aclamado por crítica e público.

Ventura vaza na internet antes do lançamento oficial. Terceiro disco consolida a banda na história do rock brasileiro. 2003

Em abril, grupo anuncia recesso e, em junho, faz três shows de despedida na Fundição Progresso. 2007

2005 4 é o canto do cisne e marca a polarização entre Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante.

2008 Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante estreiam em carreira solo.

Suplemento especial “Los Hermanos: um close pro fim” produzido pelos estudantes do 4º termo de jornalismo da Unesp. Planejamento gráfico editorial e equipe de reportagem: Ana Paula Campos, Fernando de Paulo, Gabriel Innocentini, Igor Sternieri e Nitiayne Takemoto.


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A estrada vai além do que se vê Protagonistas Marcelo Camelo Chamado de o novo Chico Buarque, Marcelo Camelo nunca deu bola para essas comparações. Para a grande maioria do público, alia o bom mocismo com uma refinada postura de intelectual. Mas a verdade é que conquistou Maria Rita, a crítica e milhares de fãs sem aderir a esses rótulos propostos pela mídia.

Bruno Medina O tecladista Medina nunca esteve nos holofotes e sequer fez questão de estar. Nunca foi um dos símbolos da banda, contudo não é menos querido pelos fãs. No site do grupo, sempre foi o interlocutor com o público. Os amigos íntimos de Medina afirmam que no contato diário o tecladista não tem nada da postura séria e quieta dos palcos.

Rodrigo Barba Um dos fundadores da banda, o baterista Rodrigo Barba é o responsável pela pegada mais hardcore do grupo. Dos integrantes é o que tem o gosto mais voltado para o rock pesado. Assim como Medina, Barba também nunca foi um das figuras marcantes dos hermanos, já que tem uma postura mais fechada e introspectiva frente ao público.

Rio de Janeiro, final da década de 90. Os cds e vinis dos integrantes do grupo, espalhados pelo chão, vão desde Weezer a Cartola. O Los Hermanos divide a cena musical carioca com Acabou La Tequila. Assim como tentara fazer o Picassos Falsos no final da década de 80 e início de 90, era o momento de aliar o rock a outros estilos, em especial ao samba.

http://rabix.wordpress.com/2008/06/25/

Cenário

Rodrigo Amarante Na intimidade do grupo, o guitarrista e vocalista Rodrigo Amarante é apelidado de Ruivo. Amarante entrou na banda para ser flautista e backing vocal e se tornou um grande compositor. Antes de ser um hermano, o Ruivo nunca havia conseguido terminar uma composição. Como hermano, compos Último Romance, Sentimental...

Primeiro Ato

Segundo Ato

Terceiro Ato

Quarto Ato

Um fenômeno chamado Anna Julia

Deixa eu brincar de ser feliz

Bem-aventurança

Os últimos shows

Duas demos (Amor e Folia e Chora) chegaram aos ouvidos dos organizadores do festival Abril Pro Rock, em Recife. Na capital pernambucana, os hermanos proporcionaram ao público estranhamento e diversão, ao apresentarem suas canções de amor pontuadas pela mescla de ritmos musicais, começando, assim, a conquistar os primeiros admiradores. A repercussão positiva do show rendeu um contrato com a Abril Music, o que tirou a banda do cenário underground para ganhar os holofotes do rock brasileiro. O cd Los Hermanos – impulsionado pelo sucesso Anna Julia, um dos hits mais tocados nas rádios em 1999 – vendeu mais de 300 mil cópias. Foi o único cd a contar com 5 integrantes, já que o baixista Patrick Laplan saiu antes do lançamento do segundo álbum.

A Abril Music esperava um disco nos moldes do anterior.. E esperou até falir, já que Bloco do Eu Sozinho foi uma reviravolta musical ao colocar fim na toada mais pop e hardcore do primeiro cd. O Bloco correu o risco até mesmo de não ser lançado, mas, após uma nova mixagem com um novo produtor, a Abril colocou o cd nas lojas. O lançamento do disco, no entanto, não significou apoio por parte da gravadora, que abandonou os hermanos à própria sorte, ou melhor, ao próprio talento. O grupo bancou shows do próprio bolso e conquistou uma legião fiel de fãs em todos os cantos do Brasil. A cada vez que os hermanos retornavam a uma cidade, para um novo show, a platéia duplicava e se tornava a principal publicidade da banda. A identidade Los Hermanos já era uma realidade.

Ventura é o terceiro álbum dos hermanos e veio reiterar o sucesso e a qualidade do disco Bloco do Eu Sozinho. Sem o experimentalismo sonoro de seu antecessor, é um disco mais bem trabalhado, já que os arranjos caminham com mais naturalidade e desenvoltura. Já sob a tutela de uma nova gravadora (BMG), Ventura foi o primeiro cd brasileiro a vazar na internet antes de seu lançamento nas lojas. As músicas que caíram na internet eram de um dos muitos ensaios para a gravação do cd. Quando Amarante e companhia saíram em turnê pelo Brasil, o público já sabia de cor muitas composições do novo repertório dos hermanos. Ventura significa sorte, independentemente de ser boa ou má. No caso da ventura dos hermanos, não restaram muitas dúvidas quanto à sorte dos cariocas.

Em 2005, novo disco dos hermanos: 4. O quarto álbum serviu para comprovar que a banda foge de todos os rótulos e que classificá-la em determinado gênero musical beira o impossível. 4 é um disco que difere do Bloco do Eu Sozinho e do Ventura, principalmente quanto à sonoridade, já que prima por ritmos mais lentos e não há muito experimentalismo sonoro. Fica clara a separação e a distinção entre as músicas compostas por Amarante e por Camelo, permitindo, inclusive, crer que haja dois cds dentro de um. Em 2007, os hermanos vêem que, musicalmente, objetivavam rumos diferentes em suas carreiras e decretam recesso por tempo indeterminado após os shows na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, nos dias 09, 10 e 11 de junho do mesmo ano.

Quinto Ato A vida que segue

Rodrigo Amarante seguiu cantando com a Orquestra Imperial, coisa que já fazia nos tempos de Los Hermanos. No final de 2008, o Ruivo forma com Fabrizio Moretti, baterista dos Strokes, o grupo Little Joy. Marcelo Camelo vai para a carreira solo, lançando o cd Sou. Outro projeto de Camelo é o grupo Imprevisíveis. Bruno Medina toca teclado na turnê do último trabalho (Maré) da cantora Adriana Calcanhoto. Medina ainda tem o blog Instante Posterior no site da globo.com. Rodrigo Barba atualmente toca bateria na banda Canastra, depois de fazer parte dos grupos Jason e Latuya.

Igor Sternieri


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A doce solidão de Camelo Disco irregular marca estréia da carreira solo do hermano Gabriel Innocentini

Sou pode ser dividido em duas partes: a primeira, mais melancólica e reflexiva; a segunda, mais ensolarada e alegre. Téo e a Gaivota abre o disco de forma lenta e sombria, com longos solos instrumentais. É nessa canção que Camelo comete versos constrangedores como “todo ser humano pode ser um anjo”. Doce Solidão dá um pouco de alento e luz – “posso estar só/mas sou de todo mundo” – ao mesmo tempo em que representa a dicotomia Sou/Nós, expressa no poema visual de Rodrigo Linares que serve de capa ao álbum. Janta, parceria com a princesinha do folk brasileiro Mallu Magalhães, agora namorada de Camelo, empolga pela simplicidade: “eu te deixo ficar se você se render”. Reprodução

Em turnê de divulgação do álbum Sou (Sony BMG, RS22, em média), Marcelo Camelo questiona a platéia de seu show no Tim Festival: “Vocês estão muito quietos”. A cena é oposta ao show de estréia em Recife, quando o público, duas mil pessoas que esgotaram os ingressos em poucas horas, cantou em peso todas as músicas. A doce solidão de Camelo se explica: um ano depois de dar um tempo com os hermanos, ele volta a enfrentar o público que o consagrou. A crítica, que já o comparou a Chico Buarque, divergiu em relação ao seu trabalho mais recente. A comparação, óbvio, não cabe. O valor de Camelo está em conciliar a tradição da MPB e do samba-canção modernizando-a com o rock alternativo e harmonias intrincadas. O crítico musical Marcelo Costa discorda, afirmando que “Camelo tem um bom conhecimento de MPB, apenas isso. Fazer as mesmas coisas que vinham sendo feitas desde os anos 60 não é modernizar, mas ser tradicionalista”.

Segundo Artur Dapieve, “Camelo tem uma aura de santidade igual à de Renato Russo”. Protegido sob essa idolatria, ele tem se dado ao luxo de dizer bobagens como “o disco ficou com esse cheiro de mata atlântica, um tom muito brasileiro”, dando razão a críticos como Tiago Ney, que afirmou ser mais interessante ver seu “primo de Botucatu pintar uma cerca” do que ouvir o cd do hermano. Se antes Camelo se permitia belas rimas como em Azedume ou A Outra, agora os versos obedecem muito mais à melodia do que ao sentido, como ele diz: “Quando eu faço as músicas e as letras, cada vez menos eu penso em um objetivo, em chegar num lugar com elas. Eu mesmo não sei o que elas significam”.

É a partir de Mais Tarde, um bom samba-rock, que o lado solar se inicia. Menina Bordada não compromete, em mais um belo trabalho do grupo Hurtmold: “moça, por favor/cuida bem de mim”. Um dos pontos altos do disco é Copacabana, uma marchinha de carnaval, com destaque para o naipe de metais, que brada “segura que a minha alegria não quer parar”. Vida Doce é uma das melhores do álbum. A presença do Hurtmold, o coro ao fundo e a animação da música remetem aos Novos Baianos, mas com a presença de teclado. Versões instrumentais de Saudade e Passeando encerram o disco, que, para Marcelo Costa, funciona melhor ao vivo: “O show já melhorou muito o álbum, porque ao vivo ele consegue ter muito mais impacto, até mesmo visual: são sete caras ali fazendo música”. Agora, Camelo se dedica ao projeto Os Imprevisíveis, com Tati Ornellas, Alex Werner e Felipe Abrahão: músicas instrumentais com mais de cinco minutos de duração. O descompromisso é a palavrachave do grupo, cujo som pode ser ouvido em http://myspace.com/imprevisiveis.

Sob o sol da Califórnia Comandado por Rodrigo Amarante, Little Joy causa sensação nos EUA Quando a parceria entre Rodrigo Amarante e Fabrizio Moretti, baterista do Strokes, foi oficializada, muito se especulou sobre o estilo de Little Joy. Muitos fãs de Los Hermanos esperavam por algo parecido com o som do grupo, enquanto outros acreditavam em uma pegada mais Strokes na nova banda. Mas o fato principal é que a banda proporciona exatamente o que seu nome sugere: pequenos prazeres. Little Joy não se parece com Los Hermanos nem com Strokes. A maioria das músicas possui uma ginga bem trabalhada pelas guitarras, como mostram a agitada Keep Me In Mind e a envolvente Brand New Start. A nova banda, que conta ainda com Binki Shapiro, conseguiu adquirir uma cara própria, e bela, sem se prender aos estilos dos grupos de seus integrantes. O cd Little Joy (Rough Trade Records, U$ 11,00 em média, importado) tem um lado rock californiano da década de 60. Para o crítico Marcelo Costa, Little Joy lembra Beach Boys, principal banda dessa

época. “O mais marcante do álbum é o sol da Califórnia e a brejeirice do cd que nem é rock nem MPB, o disco é mais Beach Boys do que Los Hermanos e Strokes juntos”, afirma Costa. Segundo o crítico Luciano Branco, a banda tem repercutido nos EUA, principalmente no mundo indie. O álbum foi composto e produzido na Califórnia, nos EUA. Para Amarante, o clima do disco refletiu o ambiente onde foi feito. “Eu acho que o fato de ter sido feito na Califórnia deve ter influenciado a forma como o disco soa porque lá as coisas são bastante relaxadas, as pessoas sorriem para qualquer um na rua”, declara Amarante. De acordo com o vocalista, tanto ele como Fabrizio não se preocuparam em fugir ou perseguir o som tocado pelas suas bandas. As músicas saíram naturalmente diferentes dos grupos. Ele e Fabrizio se conheceram em 2006 no festival Lisboa Sounds, quando os hermanos abriram o show para os Strokes. “Ficamos amigos naquele dia, Fabrizio e eu bebemos até às 8 horas na beira do rio Tejo”, conta Amarante. Com o recesso

do Los Hermanos, Amarante foi para a Califórnia e os dois compuseram algumas músicas. Depois de um mês e de 15 canções, eles decidiram gravar um cd. As pitadas de Strokes no disco aparecem em pequenas doses. O Fabrizio Moretti, Rodrigo Amarante e Binki Shapiro formam o Little Joy riff de Keep Me In Mind e a batida de How To Hang a gado da maior parte do álbum, cedendo Warhol são algumas particularidades que lugar a batidas lentas ao violão. lembram o ritmo adotado pela banda de With Strangers é outra música que Fabrizio. foge do estilo do cd, já que possui um Já os momentos Los Hermanos es- tom mais sombrio. Para Amarante, a cantão mais camuflados no cd, visto que não ção remete a uma taverna à beira do cais, aparecem diretamente no ritmo das músi- um lugar escuro, sujo e suspeito. “Imagino cas. “Retrato Pra Iaiá já tinha uma batida esse ambiente porque se trata de uma múmais gingada, só que essas batidas estão sica sombria, sobre intenções macabras e climatizadas no Little Joy, tomaram banho abandono”, conta Amarante. de sol na Califórnia”, afirma Costa. Outro Amarante também dedica parte de seu momento hermano é a música Evaporar, tempo a Orquestra Imperial. Em 2008, cantada em português. A composição de ainda participou das turnês das bandas Amarante foge um pouco do estilo gin- Devendra Banhart e Mega Puss.

http://www.yeahjf.com/musica/little-joy

Igor Sternieri


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Um carnaval de fúria e doçura Gabriel Innocentini Reprodução

Azedume

Los Hermanos é o primeiro álbum dos barbudos. O rascunho desse disco pode ser conferido nas duas demos Amor e Folia (janeiro de 1998) e Chora (setembro de 1998). As versões, cruas, já apresentam o som característico da estréia da banda carioca: uma mistura de influências que vão desde o ska até o hardcore, passando pelo samba. O sucesso de Los Hermanos pode ser explicado pela maneira com a qual os compositores lidam com os temas amorosos. Como afirmou Medina: “Nossas músicas falam da pessoa por quem você se apaixona, mas não sabe se declarar, do amor platônico, daquela menina da escola que não sabia o seu nome mas por quem você era absolutamente apaixonado”. Essa proximidade com o ouvinte é conseguida no meio de um caldeirão de referências, tendo sempre a bateria pesada de Rodrigo Barba comandando o carnaval sonoro da banda. Influenciados por Acabou la Tequila, banda carioca seminal do fim dos anos 90, marcada pela mistura de rock com ritmos latinos, funk, samba e pelas letras irreverentes, o Los Hermanos absorveu muito bem essa lição. Por outro lado, para alguns críticos, como Artur Dapieve, “uma influência maior até do que a do Acabou

la Tequila é a do Picassos Falsos”, que conseguiu unir o rock ao samba de maneira precursora. O conhecimento musical do que ocorria dentro e fora do país proporcionou o êxito comercial do disco (300 mil cópias vendidas), em que pese a produção mal acabada – os músicos admitem que não souberam usar todos os recursos do estúdio. Para Luciano Branco, o som, que era “bem hardcore nas demos, ficou pasteurizado no álbum”, devido à produção de Rafael Ramos, descobridor dos Mamonas Assassinas. Para Rodrigo Amarante, “O primeiro disco é a folia, a festa do carnaval, celebração e romance, fúria e doçura”. É a juventude encarnada – eles tinham entre 20 e 22 anos em 99: ainda imatura, mas repleta de talento.

1. Tenha dó 2. Descoberta 3. Anna Julia 4. Quem sabe 5. Pierrot 6. Azedume 7. Lágrimas sofridas

8. Primavera 9. Vai embora 10. Sem ter você 11. Onze dias 12. Aline 13. Outro alguém 14. Bárbara

Marcelo Camelo, no limite do registro vocal, entoa versos que poderiam estar em um samba, mas estão envoltos por uma pegada hardcore: “Tira esse azedume do meu peito/E com respeito trate minha dor/Se hoje sem você eu sofro tanto/Tens no meu Primavera pranto a certeza de um amor”. Azedume, que quase virou o título do cd, também é uma das músicas mais Segunda música de trabalho do grupo, queridas dos fãs, além de ser uma das que mais depois do mega-hit Anna Júlia. Primavera foi foram tocadas depois de o grupo diminuir Anna Julia escolhida à revelia da banda, que preferia explorar a presença do álbum de estréia o potencial radiofônico de Quem Sabe. A balada, nos shows. A música que alçou o Los Hermanos para o sucesso. que conta com um trabalho marcante do naipe Anna Julia só entrou no disco por causa da insistência do de metais, tem direito a corinho de fundo produtor Rick Bonadio, ciente do potencial radiofônico da canção. e cresce no refrão, quando o peso das A música foi composta para um amigo da banda, que tinha em uma guitarras e da bateria entra em Anna Julia seu amor não-correspondido. A Abril Music investiu pesado cena. na divulgação da música: a atriz global Mariana Ximenes foi escalada para participar do clipe. Os integrantes participam apenas como a banda que anima o baile. Quem tem 15 anos sabe reconhecer logo de cara o primeiro acorde da canção, que desde os primeiros versos – “Quem te vê passar assim por mim/Não sabe o que é sofrer” – pinta um quadro na cabeça do ouvinte, que assimila o tema rapidamente. O refrão, grudento, completa a cena, gritando o nome do amor: “Oh Anna Julia, Oh Anna Julia”. Segundo Artur Dapieve, Anna Julia é “música com apelo universal, pop rock da melhor qualidade”. Com tanta exposição, depois do segundo disco, a banda deixou de tocar a música nos shows, pois, diziam os hermanos, ela já não cabia mais no roteiro.

Quem Sabe Uma das duas composições de Rodrigo Amarante no primeiro cd, Quem Sabe foi escolhida pela gravadora, atendendo aos apelos da banda, como a terceira música de trabalho – o que rendeu ao grupo seu terceiro clipe: uma colagem de imagens da banda nos shows e nos bastidores da turnê. A música é hardcore puro, cantada a plenos pulmões: “Quem sabe o que é ter e perder alguém/Sente a dor que eu senti”. O naipe de metais também comparece vivamente, nessa música que é uma das preferidas dos fãs de Los Hermanos.

Pierrot Uma das músicas mais pedidas pelos fãs nos shows, Pierrot é um clássico do álbum de estréia. “O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina/E é sua sina chorar a ilusão, em vão, em vão”. A música, que começa alegre e animada, estoura depois desses versos – graças ao casamento perfeito entre teclados e metais, sempre apoiados pelas baquetas pesadas de Barba e pelo bom trabalho das guitarras – e termina em uma explosão vocal, com o pierrot chorando por ter sido trocado pelo arlequim.


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Aqueles que depois Ùltimos shows da banda Los Heramos antes da pausa por tempo Fernando de Paulo Ao embarcar no ônibus que o levaria até a Fundição Progresso, o comportamento de Rafael Souza, aluno de jornalismo, não se assemelhava ao das outras vezes, quando geralmente estava tomado pela ansiedade e o pensamento se dividia entre as previsões para o show que estava para acontecer e as lembranças dos outros. Desta vez era diferente, porém. Rafael estava disperso, demonstrando tédio e indiferença. Como se não estivesse a caminho do “primeiro dia do resto de minha vida”, expressão criada por ele ao saber do fim da banda. O ônibus percorre a Lapa e pára na Rua dos Arcos, próximo à Fundição, local em que o último show da banda será realizado. Já há uma fila formada no lugar e Rafael avista algumas pessoas que ele já observara em outros shows do grupo carioca. Entre os rostos conhecidos está Gabriela Velasquez, hostess de um bar em Botafogo e fã de Los Hermanos desde que o segundo cd da banda, Bloco do eu sozinho, foi lançado em 2001. Ao contrário de Rafael, Gabriela é mais esparançosa em relação ao futuro da banda. “Não entendo o porquê de todos estarem achando que eles vão acabar. Ora, a banda anunciou que é uma pausa apenas. Isso pode durar meses ou anos, quem sabe?”, ela sentencia, para depois fazer uma ressalva. “A banda não disse que, se separando ou não, ainda reserva as quartas-feiras para jogar baralho? Então, que novas músicas possam ser compostas nessas reuniões!”, diz ela, querendo demonstrar otimismo. Localizada no coração da Lapa, ao lado do Circo Voador, a Fundição Progresso é um centro cultural que se divide em múltiplos espaços, geralmente privilegiando espetáculos de dança, teatro e circo, além dos mais variados shows. “Gosto bastante da Fundição, mas o som deles é baixo, a acústica deixa a desejar, quem não fica próximo do palco tem problemas para ouvir o som”, reclama Pedro Ribeiro, que demonstra certo nervosismo com os primeiros testes de som feitos pela banda, um comportamento incomum para um concerto único. “Espero que os técnicos desta vez acertem”, torce o jovem, antes de acender mais um cigarro. Após os instrumentos e os microfones serem testados, a iluminação ser posicionada e o som receber os últimos ajustes, o palco é esvaziado e as luzes se apagam. A expectativa e o nervosismo do público aumentam, o que se traduz em um amontoado de vozes clamando por eles, em vários gritos que se assemelham a uma torcida de futebol apoiando seu time. Essa espera dura não mais que quinze minutos, quando a cortina atrás do palco é levemente aberta para dar passagem aos integrantes da banda, com a dupla Marcelo

Camelo e Rodrigo Amarante na frente, acompanhados pelo baterista Rodrigo Barba e pelo tecladista Bruno Medina, estes seguidos pela banda de apoio. “Los Hermanos, Los Hermanos, Los Hermanos” grita em uníssono o público, enquanto Camelo emenda o riff de O vencedor, um dos hinos da banda e que geralmente abre os shows. A música inteira é cantada por uma platéia apaixonada e que sabe de cor todos os versos não só desta canção, como de todas. Versos como “olha lá, quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar” são a síntese do que está acontecendo naquele espaço e do que está por vir. Após O vencedor, alguns fãs mais exaltados ensaiam aplausos que são rapidamente interrompidos por Camelo cantando a plenos pulmões “moça, olha só, o que eu te escrevi”, verso que inicia Além do que se vê, hino com presença garantida entre as melhores músicas da banda. A próxima canção se incia com um solo dilacerante de trompete, o que é mais do que suficiente para colocar a Fundição abaixo, com os fãs pulando e se chocando. O restante da música segue na mesma toada, fazendo de Todo carnaval tem seu fim um dos momentos mais vibrantes do show. “Fiz aquele anuncio e ninguém viu, pus em quase todo lugar, a foto mais bonita que eu fiz, você olhando pra mim” é a estrofe inicial da calma Do sétimo andar, música que retrata o drama de quem foi – e é - incompreendido pela pessoa amada. Do sétimo andar é um dos momentos mais tristes do show e isso é bem visível nos rostos fechados e tomados por lágrimas dos muitos presentes na platéia, entre eles Gabriela, emocionada com a composição de Amarante. “É umas músicas que eu mais gosto de ouvir no show, toda vez que a ouço, fico emocionada”, derrete-se Gabriela, para depois fazer um paralelo entre os versos finais da canção e sua idolatria pela banda. “Se vocês forem, eu vou correr. Se forem, eu vou...”, grita ela em direção ao palco. O jogo de palavras que forma Cadê teu suin? antecede um dos momentos mais aguardados por quem está presente na Fundição, quando o teclado de Bruno Medina entoa as primeiras notas de Sentimental. Neste momento, Pedro passa a prestar atenção nos fãs ao seu redor. “É um dos meus momentos preferidos no show. Parece que estão todos hipnotizados pela emoção que a música transmite. Perco até as palavras”, afirma o jovem, para depois tecer inúmeros elogios à performance de Amarante durante a canção. “A melodia e a letra são maravilhosas, mas a força de Sentimental está no sofrimento e na angústia que ele imprime a cada verso”. Além de Amarante, Pedro enaltece também Bruno Medina. O motivo é no mínimo curioso. “Entre os integrantes da banda, ele é o mais tímido e fechado nos shows, raramente sorri, mas hoje ele está muito feliz, até mexe o pé como se estives-

A última apresentação do Los Hermanos na Fundição P

se pisando em cima de algo”, ri Pedro. Mas os elogios e as gargalhadas são substituídos por vários questionamentos e por um pouco de inconformismo ao comentar novamente a reação do público. “Eu fico olhando o rosto emocionado de cada pessoa presente na platéia e sempre me deparo com a mesma pergunta: a banda tem mesmo que parar? Não sei se é só uma pausa ou se estão separando-se em definitivo, mas será que instantes como esse não fazem com que os quatro queiram ao menos prolongar esses minutos?“, questiona, um pouco indignado. Cada show do Los Hermanos é único, repleto de significados e emoções. Cada fã presente na platéia tem o seu momento. Para Rafael, o instante a se guardar na memória chega com De onde vem a calma. “É a música da qual mais gosto. Na primeira vez que escutei, passou despercebida, porém foi ganhando corpo e peso conforme o tempo”. Ao ser tocada naquele que é supostamente o último show da banda, a canção se torna trasncendental, com a banda atingindo o ápice. Ao menos na visão de Rafael. “O que mais gosto na canção é o modo como os nossos medos e desejos são retra-


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s sorriram em paz indeterminado reforçam o laço entre o quarteto carioca e o público http://oglobo.globo.com/fotos/2008/08/14/14_MHG_hermanos.jpg (adaptada)

aproxima. O choro estampado no rosto de cada presente é por causa da emoção, mas tem um quê de raiva também, de indignação, de procurar entender porque a banda está encerrando as atividades, seja por algum tempo, na visão de alguns, como Gabriela, que continua esperançosa, seja em definitivo na visão da maioria, como Rafael e Pedro, mais céticos e nem por isso menos tristes. Quem sabe reforça a pergunta e a incerteza, assim como antecipa a dor causada pela perda de alguém quando Amarante grita a plenos pulmões “quem sabe o que é ter e perder alguém, sente a dor que senti”. De fato, alguns não sabem, mas estão aprendendo nesta noite. “Não sei como será daqui pra frente e nem quero fazer prognósticos. Mas estou curioso para saber o que cada um vai produzir em carreira solo”, diz um conformado Rafael. “Eles ainda tem muito pela frente”, limitou-se a dizer Gabriela. Progresso contou com 5 mil fãs que foram ao êxtase com a performance da banda Pedro tentava ser mais sensato que o restante, valorizando o que via. “Neste instante só consigo pensar no momento histórico tados. A tentativa e o esforço para se encaixar no mundo, a que estou presenciando, na comunhão perfeita entre banda e hostilidade da sociedade, a frieza e a indiferença dos homens artista. Só quero ver o fim do show e depois agradecê-los por para com eles mesmos, a procura pela liberdade e a certeza essa última apresentação”, afirma, para depois voltar a pular de que algo maior está reservado, enfim, tudo está retratado e a se esbaldar ao som de A Flor. na música”, afirma antes de ouvir versos como “não vão A catarse chega ao seu ponto máximo quando os primeiembora daqui, eu sou o que vocês são, não solta da minha ros acordes de A Flor chegam à platéia, naquele que é geralmão”, em que Camelo relata a fiel e apaixonada relação exismente o momento de encerramento do show. As palmas que tente entre a banda e seu público, em frases que parecem ter acompanham o ritmo da música contagiam pela última vez previsto o clima reinante naquela noite. “Repara na letra, a os integrantes da banda, os quais erguem seus instrumentos aproximação que é feita entre o artista e a platéia, o modo em sinal de agradecimento e de ovação ao público, que os como é retratado o laço de dependência que há entre um aplaude entusiasticamente por longos minutos. Por trás dos e outro, e, como esse laço, mesmo com o provável fim da aplausos, o sentimento é de dever cumprido para ambas as banda, vai permanecer”, afirma, para depois se calar e cantar partes. Amarante, Camelo, Medina e Barba vão caminhando para si o último verso da música, no qual Camelo diz que aos poucos para o fundo do palco, até serem escondidos de “e no final, assim, calado, eu sei que vou ser coroado rei de vez pela cortina. No camarim, um brinde regado à cerveja. mim”. Rafael, Gabriela e Pedro também caminham a lentos passos “E agora o amanhã, cadê?”, é a pergunta que o final da rumo à saída, engolidos pela multidão de fãs. Ao deixarem triste Dois Barcos deixa. Após duas dezenas de músicas, a à Fundição, uma agradável brisa os atinge, enquanto eles catristeza e o sentimento de perda tomam conta do público, minham em paz. não por causa de determinada canção, mas pelo fim que se

Tela cheia O último show rendeu também o dvd Los Hermanos: Na Fundição Progresso (Multishow Registro, R$28, em média). Este dvd apresenta a íntegra das 26 músicas tocadas no dia nove de junho de 2007, além de contar com cinco do dia seguinte. Se o som da casa de espetáculos é passível de críticas, o documento sonoro é impecável, de altíssima qualidade. Apesar de o áudio ser excelente, o dvd peca justamente nas imagens, sempre escuras e com o mesmo enquadramento. O registro não transmite o calor do show, para Bárbara Veloso: “Para mim, faltou emoção, faltou a verdadeira ‘vibe’. O dvd não traduz o show”. Neste quesito, o dvd anterior, Los Hermanos no Cine Íris (BMG, R$ 25, em média), gravado em 18 de junho de 2004 e que conta com 20 faixas, é superior, como afirma o fã Jefferson Melo: “Aqui, eles tentaram incorporar ao máximo a mesma emoção que você sente no show. Além dos hermanos, dá pra ouvir também a galera cantando”. O extra do dvd é o documentário de uma hora que apresenta a pré-produção para o disco Ventura, revelando o cotidiano dos músicos durante os ensaios e captando momentos íntimos entre eles. Na telona, a participação dos hermanos pode ser conferida nos filmes: Lisbela e o Prisioneiro, O Casamento de Romeu e Julieta e Casseta & Planeta: A Taça do Mundo É Nossa. Gabriel Innocentini


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Autonomia para pintar e cantar Nitiayne Takemoto

Reprodução

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1. Todo carnaval tem seu fim 2. A flor 3. Retrato pra Iaiá 4. Assim será? 5. Casa pré-fabricada 6. Cadê teu suin? 7. Sentimental

O nome do disco lembra o que o grupo passou em 2001: a banda ficou sozinha. Antes do lançamento de Anna Júlia, os fãs do grupo eram do underground, mas acharam que o grupo havia se vendido. Depois, passaram a ser quem ouvia sua música no rádio. Então a transformação musical do Bloco do Eu Sozinho para um som mais melancólico e introspectivo fez a maioria desses fãs sumir também. O Los Hermanos poderia ter criado mais “Annas Júlias” e continuado no auge, mas optou por enfrentar a gravadora, os críticos e o público para assumir a sua identidade. A Abril se recusou a investir e o cd vendeu apenas 40 mil cópias contra as 300 mil vendidas do primeiro disco, os shows também diminuíram de 145 para 56. Mas logo outros fãs (estáveis) começaram a aparecer. O crítico Rafael Fernandes explica que “A banda largou algumas influências de ska e optou por temáticas de letras e músicas mais adultas e rebuscadas”. O Los Hermanos se isolou num sítio, para fazer música de seu desejo. Outra mudança foi que o grupo deixou de ser um quinteto: o baixista Patrick Laplan não combinava com o estilo do disco, ele queria tocar hadcore. Patrick tocou no Biquini Cavadão, no Rodox e, hoje faz parte da banda Eskimo. Para o crítico Marcus Jacobson, a saída dele foi bem “digerida” pela banda, “tanto que ele não foi substituído oficialmente”. O baixista não-oficial passou a ser Kassin. Com o disco, o Los Hermanos mostrou que o artista pode mudar, ignorar a pressão comercial e ainda fazer sucesso. Com certeza o Bloco do Eu Sozinho marcou a história dos barbudos, Rodrigo Amarante até declarou: “É um disco para mostrar aos netos no futuro”.

8. Cher Antoine 9. Deixa estar 10. Mais uma canção 11. Fingi na hora rir 12. Veja bem, meu bem 13. Tão sozinho 14. Adeus você

Todo carnaval tem seu fim:

Cadê teu suín?:

É a primeira música do álbum. Portanto o susto de quem esperava uma segunda “Anna Júlia”. Rodrigo Amarante fez uma comparação entre o primeiro e o segundo cd: “Este segundo é justamente o fim do carnaval, a quarta-feira de cinzas, o fim do nascer do sol, o desconforto trazido pela realidade na hora de tirar a fantasia. É menos coletivo e mais introspectivo.” A letra de Marcelo Camelo também pede permissão para se libertar do comum: Pra que mudar?/Deixa eu brincar de ser feliz,/ Deixa eu pintar o meu nariz. Para o autor, esse refrão é o cerne de tudo que o disco pretende passar.

O ritmo chama-se Vaudeville, um gênero de melodia popular e satírico bem antigo e que se tornou um tipo de espetáculo nos Estados Unidos. A letra faz o jogo de excluir a última sílaba de cada verso e colocá-la no início do verso seguinte. Para o diretor do Portal das Cifras Marcus Jacobson, a música faz uma crítica à indústria fonográfica: “Camelo aborda a questão do apadrinhamento dos músicos, das imposições das gravadoras, critica a linhagem de artistas que carregam um sobrenome de peso e a intenção puramente comercial dos grandes empresários da música. Tudo isso misturado com uma boa dose de humor”.

A casa pré-fabricada:

A flor:

Segundo o próprio compositor Camelo “essa talvez seja a música com mais influência da banda americana Weezer, tem a guitarra pasada, ritmo rachado e um teclado moog”. A canção foi gravada por Maria Rita no disco Segundo e por Roberta Sá no álbum Brasileiro. As duas deixaram suas marcas pessoais, criando versões distintas sem perder a essência. Na opinião do crítico musical Rafael Fernandes, a canção está entre as singelas do disco de Maria Rita, que “não primam por complexidade harmônica e melódica ou não apresentam grandes inovações, têm a proposta de mostrar a beleza no simples”.

Camelo e Amarante dividem o vocal e a composição dessa música, que resultou em sucesso de público. Ela é formada por metais contagiantes, guitarras pesadas e tamborim de fundo, além do sofrimento de um amor não correspondido. A letra conta a frustração de um rapaz que deixou uma flor para conquistar a amada, mas não se identificou e ela pensa ter vindo de outro homem: “Eu fiz de tudo pra ganhar você pra mim, mas mesmo assim/ Minha flor serviu pra que você achasse alguém”. A música varia em ritmos mais leves em tom de lamentação pelo desencontro amoroso e ritmos mais pesados em tom de desespero.

Veja bem, meu bem: Foi gravada por Ney Matogrosso no álbum Inclassificáveis e, também na trilha sonora da novela da Rede Globo, Beleza Pura. Camelo diz que a letra é muito boa: “fala de uma relação entre duas pessoas, onde uma fala que trocou o parceiro por outro, porque estava difícil sobreviver nos dias ruins. Basicamente é um samba. É um lamento, também”. A interpretação da música se transforma ao longo da mesma. O “eu” da música sempre insinua que está se relacionando com outra pessoa por nomeá-la “alguém”. E só rompe essa expectativa no último verso: “Amor, veja bem, arranjei alguém/chamado saudade”.

Sentimental: A segunda música de autoria de Rodrigo Amarante no disco é responsável por comoção geral quando tocada em shows. O público canta e sofre junto com o vocalista em trechos como: “Eu só aceito a condição de ter você só pra mim/Eu sei não é assim, mas deixa eu fingir e rir”. A música retrata de maneira singular a dor de se perder alguém. “É uma música pesada, seja na letra como na melodia. Fala sobre se afastar, perder, sobre uma pessoa que você ama muito te deixar”, afirma Amarante. Fora dos padrões comerciais, a música reafirma o contexto proposto pelo álbum.


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O futuro está na web? Com a crise fonográfica, uma das alternativas é voltar os olhos para a internet Gabriel Innocentini O que Radiohead e Los Hermanos têm em comum? À primeira vista, nada parece vincular os britânicos aos cariocas, mas analisando a carreira das bandas, pode-se traçar um paralelo entre elas. As duas estouraram com uma música de refrão marcante, com características pop – Creep (em 93, na esteira do grunge de Seattle) e Anna Julia (em 99). Depois do sucesso, decidiram trilhar um caminho anticomercial, graças à autonomia conquistada dentro do mainstream, lançando álbuns considerados difíceis e inovadores: Ok Computer e O Bloco do Eu Sozinho. Por fim, os dois grupos tiveram de lidar, pioneiramente, com o problema de vazamentos de discos na internet. Se Kid A, dos britânicos, foi o primeiro cd da história, já em 2000, a cair na rede de forma integral antes do lançamento oficial, Ventura, três anos depois, é o representante brasileiro dos tempos digitais. Na época em que foi parar nos programas

de troca de música, o terceiro disco dos hermanos se chamava Bonança e estava em fase de pré-produção – as canções ainda não estavam completas e tinham nomes provisórios. Apesar de causar pânico na indústria fonográfica, o vazamento, via de regra, ajuda as vendagens. Um exemplo clássico é o do White Stripes, cujo disco Elephant caiu na web duas semanas antes do lançamento, em 2003. O resultado foi esplêndido: 15 dias depois de chegar às lojas, ele já tinha mais de 200 mil cópias vendidas, corroborando a tese do jornalista Lúcio Ribeiro, de que “o vazamento não atrapalha quando o artista é bom”. No Brasil, a gravadora Trama, na web desde 99, é ponta-de-lança no que se refere à tecnologia digital, vista como “a maior difusora de música da história da humanidade, convergindo divulgação e consumo em tempo real”, segundo o manifesto exibido em seu site. A empresa de João Marcelo Bôscolli acertou ao entender que tudo é música, desde camisetas

até mochilas. Apenas 20% do faturamento da Trama tem origem na venda de cds e dvds. As gravadoras independentes compreenderam que o que está em jogo é a questão da liberdade individual por parte do consumidor, que agora tem uma nova forma para obter música, diferente de antigamente, quando tinha de ir a uma loja e comprar o cd. A internet proporcionou a democratização do acesso à música via compactação digital de arquivos mp3. O mercado de downloads pagos no país ainda é pequeno, representando apenas 2% das receitas, enquanto nos EUA, Japão e Europa o índice é de 10%. No Brasil, o preço médio das faixas à venda nas megastores é de R$2,49. Estima-se que mais de um bilhão de brasileiros tenham baixado música de forma ilegal no ano passado. Marcelo Camelo colocou as músicas de seu novo álbum para audição gratuita na internet antes mesmo do lançamento, mostrando

estar antenado com os novos tempos. O Radiohead inovou ao vender In Rainbows de forma pioneira, criando uma terceira via entre a compra do cd e o download ilegal: o fã baixava as músicas no site do grupo e pagava o quanto quisesse. Dos 1,2 milhões de downloads, quase um terço foi graça, o que deu uma média de uma a quatro libras por cópia.

Crise na indústria? Melhor para os músicos Brigas com gravadoras escancaram falência do antigo modelo Em 2001, graças ao lastro de mais de 300 mil cópias vendidas, o Los Hermanos adquiriu independência para brigar com a Abril Music durante a produção de seu segundo disco. Enquanto a gravadora queria músicas pop com refrões marcantes, o grupo procurava novos rumos para a carreira. O caso se parece com o da banda de alt-country Wilco, cujo Yankee Hotel Foxtrot foi recusado pela Warner pelo mesmo motivo: o disco não era comercial. Tanto o Bloco do eu sozinho quanto o cd do Wilco revelaram que era possível fazer sucesso bancando suas próprias idéias. Os norte-americanos compraram as matrizes das músicas e as disponibilizaram na internet. Com o sucesso, a gravadora foi obrigada a recomprar o cd, para comercializá-lo nas lojas. No caso dos hermanos, a gravadora quis brecar a tentativa de uma sonoridade

mais elaborada mudando o produtor. O disco saiu como os músicos queriam, apesar da Abril não ter ajudado na divulgação das canções. Três anos depois, ela fechou as portas, por não ter compreendido a nova era que chegava. As brigas envolvendo artistas e gravadoras põem em xeque o antigo modelo da indústria fonográfica. Como afirma Marcelo Camelo: “As gravadoras entraram em um círculo vicioso de procurar sempre a próxima sensação, que vai estourar e vender e acabar em três meses. Parece um cachorro mordendo o próprio rabo”. Depois de décadas lucrando rios de dinheiro sobre o trabalho dos músicos, as majors agora sofrem um período de retração, devido à pirataria desenfreada, aos downloads ilegais e às novas propostas para arrecadamento de direitos autorais, além do crescimento das independentes, que todo ano abocanham uma fatia maior do mercado.

O conceito agora é o de lucrar em cima da propriedade intelectual, ou seja, dos direitos das canções, como fazem as editoras musicais. Para elas é indiferente que as pessoas comprem cds ou dvds, já que a cada execução de uma música, elas arLojas de discos cheias, uma cena em extinção recadam, seja no rádio, na internet ou no celular. nuarão ganhando dinheiro com shows. Uma história conhecida ajuda a entenA gravadora como uma representante dos artistas para o público não existe der o poder supremo do artista. Caetano mais, gerando uma nova forma de consu- Veloso discutia com um diretor da Unimo. Comprar um cd por causa do encarte versal quando este, invocando sua autonão é mais sedutor graças à chance de bai- ridade, afirmou: “Eu sou o presidente”. xar as músicas na web. O músico retrucou: “Você é o presidente Para os músicos, livres das pressões e da Universal. Eu sou a Universal”. A arte imposições do mercado, é a possibilidade triunfa sobre o negócio, eis a lição que as de liberdade artística. Eles sempre conti- gravadoras não aprenderam. http://www.gta.ufrj.br/arquivos/futuro/image012.jpg

Gabriel Innocentini


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los hermanos Reprodução

Prepare uma avenida Ana Paula Campos

ano s melhores do o d m u o ad er d deu às do álbum consi não correspon ra tu Ser o sucessor en V e. ad m d responsabili ve “Ventura é u ie ap D r u h rt A requer enorme ndo ém de perou-as. Segu mais pegada, al m te e u q expectativas, su , co lo nal do que o B ge de rótulos e gi fo ri 3 o 0 s 0 ai 2 m em co o is d nçad mpb el”. O disco la os fãs de rock, el p o d n sa ser mais palatáv as p s, s variadas tribo encanta as mai se Os her manos . co lo B o d es e samba. ld o taram o seguiu os m e dessa vez con se en A pré-produçã in m u fl r a o ente no interi ar as decisões d m at va ac o n iu m id ra ec la d o e is ril, qu uando a gravadora Ab s dois meses q ó ap a id p com o apoio d m o rr ente, não uilidade foi inte ia falido. Felizm av h ra banda. A tranq o d va ra g meios de que a eles. Já nos pri a ar p se is rr foram informad so e casa da para que a sort u como a nova to n se re demorou muito ap se ança dio, a BMG va pronto. Bon ta es ça an on ros dias no estú B um ia com a ês meses o álb de não condiz ta es p m banda e em tr te a d percussão. Por lmaria depois re ca a m ca ti ifi ó a gn m si u e u q co teve po, já que o Blo oa ou má. realidade do gru entura : sorte, b V difíceis, a r ga lu eu d caminhos mais s o ar isso, o título ilh tr a de s ostumado ilho: gravações ec p em m Desde 2001 ac u s ai m istória depararam com antes visto na h ca n u n o g os her manos se al , i et fato inédito fo zaram na intern se va s es io a sa te en en s fr u se rança o da leira. A insegu se de um reflex aav at tr e u da música brasi q a ao perceberem is, o disco foi lançado oficialcontrabalancead depo us fãs. Semanas ansiedade de se o que previsões sobre r ze fa mente. em am ósainda teimav uaisquer progn q e d o d n Se uns poucos gi fu ende opta Ventura surpre antecessor, nem u se e d l ta estava por vir, en idade dos e a linha experim ando na simplic rt ce A ticos. Não segu . m u b ais ál do primeiro s, “Ventura é m sa io n o m ar h pelo hardcore s dia rma o nto com melo mais diretas” afi es çõ n arranjos, conta ca m te co mais fácil e parece com cin m co te an ar acessível, desce m A ndo-se Costa. Rodrigo álbum, consagra o d ze in crítico Marcelo u q as Per meado de posições entre o. m el co am as C m e d si ís o el d b ao la ele, o de compositor a banda. Com d a m ri -p como um gran ra b o a é considerado l. afeto, o disco io cenár musica o n a lid so n co assar”. grupo se ue a gente vai p q a/ id en av a m “Prepara u

1. Samba a dois 2. O vencedor 3. Tá bom 4. Último romance 5. Do sétimo andar 6. A outra 7. Cara estranho 8. O velho e o moço 9. Além do que se vê 10. O pouco que sobrou 11. Conversa de botas batidas 12. Deixa o verão 13. Do lado de dentro 14. Um par 15. De onde vem a calma

Samba a dois - Um disco de rock cuja primeira faixa é um samba? Los Hermanos parecem não se preocupar com definições: “Quem se atreve a me dizer/do que é feito um samba/quem se atreve a me dizer?”. Composta para a namorada de Camelo na época, a música combina bem o balanço da guitarra com o teclado sempre certeiro de Medina. Samba a dois é uma resposta para Tem mais samba, de Chico Buarque. Certos versos são repetidos por Camelo, enquanto outros são revisitados de forma irônica.

A outra - Provocou polêmica por ser cantada por um homem, Marcelo Camelo, e mostrar o ponto de vista da mulher traída. Bobagens à parte, a música, que inicialmente era um samba, apresenta um trabalho fabuloso no arranjo de metais. Já a letra é um primor e prova que a dedicação de Camelo ao samba-canção filiado a Noel Rosa e Chico Buarque não foi em vão: “Se desta vez ela é senhora deste amor/pois vá embora, por favor/que não demora pra essa dor sangrar”.

O vencedor - Primeiro rock do álbum, já mostra logo a que veio no riff de guitarra da introdução. A música surgiu quando Camelo assistia ao Big Brother e um eliminado do programa foi tratado como herói. Para Camelo, “a música parte disso, dessa necessidade que as pessoas têm de ser vencedoras”. Neste contexto, como ele canta, “quem sempre quer vitória/perde a glória de chorar” – um hino looser, como se vê. A música virou clipe, gravado no mítico Circo Voador e mostra os fãs em vez da banda.

Encarte do cd Ventura

Último romance - Preferida de onze entre dez fãs, a composição de Rodrigo Amarante exala romantismo: “e até quem me vê lendo o jornal/na fila do pão sabe que eu te encontrei”. Um dos pontos altos de Ventura, a música tem como tema o amor de dois velhinhos – “e ninguém dirá/que é tarde demais/que é tão diferente assim” –, que se conhecem já no fim da vida (“sair de casa já é se aventurar”) e se amam até o fim: “e se o tempo for te levar/eu sigo essa hora e pego carona/pra te acompanhar”.

Cara estranho - Primeira música de trabalho, com direito a clipe bizarro, Cara estranho, para Camelo, “é um rock que fala de pessoas como eu, que às vezes não conseguem se encontrar direito”. Criticada por alguns por transmitir o sentimento looser, a música conta com um belo trabalho de Rodrigo Barba, mais contido nas baquetas, além de solo distorcido e vocais berrados de Camelo. Um dos grandes rocks da banda.

De onde vem a calma - Se Ventura começa em tom maior, termina em tom menor. Composta por Camelo, De onde vem a calma é uma das jóias do álbum. A música inicia lenta, pontuada pelo teclado, e vai crescendo aos poucos, com a adição dos outros instrumentos. A letra se refere a alguém inseguro, que vive em um “mundo hostil” e precisa de ajuda. Depois da ponte, a virada, emocionante: Camelo canta orgulhosamente que não vai mudar – “e no final, assim calado/eu sei que vou ser coroado rei de mim”.


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Os 2 últimos álbuns estão em 4 Em 2005, a banda Los Hermanos lançou seu último álbum. O nome 4 foi escolhido justamente por ser o quarto álbum do grupo. Segundo a própria banda, o nome em numeral foi uma forma de dizer que o disco tinha a intenção de ser simples. No entanto, simplicidade não faz parte do repertório de 4. Primeiramente porque o disco poderia ser dividido em dois: um com as composições de Marcelo Camelo e outro com as de Rodrigo Amarante. Talvez os mais apocalípticos na época do lançamento pudessem imaginar que o contraste entre as músicas de Camelo e Amarante fosse um indício do fim da banda. Ao olhar o transcorrer da trajetória do Los Hermanos, vê-se que os apocalípticos tinham certa razão. Enquanto as sete canções de Camelo no álbum beiram a mansidão, com rit-

mos lentos, batidas leves, tom de voz que não se altera, as cinco músicas de Amarante agitam o cd, seja nas guitarras mais movimentadas, seja no próprio Amarante que dá um ritmo diferente aos vocais. Segundo o crítico musical Marcelo Costa, o cd 4 perde um pouco do que era o Los Hermanos, já que a ruptura entre os dois compositores fica mais latente. Para Costa, Bruno Medina era o integrante do grupo que conseguia unir a pegada mais hardcore de Rodrigo Barba, as músicas de Camelo e as de Amarante, dando o toque final às composições. “A partir do momento em que o Camelo vai para um lado compor as suas músicas e que o Amarante vai para outro compor as suas músicas, o Medina não consegue entrar mais profundamente nisso e se perde um pouco do Los Hermanos”, afirma Marcelo Costa. O segundo ponto que rompe com o rótulo de simples, proposto pela banda,

é o caráter mais complicado do álbum, devido às peculiaridades das canções, mesmo que não haja pretensões experimentais. Para o tecladista Bruno Medina, a intensidade dos arranjos de 4 está nas próprias lacunas que as músicas deixam. São justamente esses pontos em abertos que tornam o cd tão particular. “Um disco com menos faixas, mas, possivelmente, o mais amplo e abrangente entre todos”, afirma Medina. Com todas essas particularidades, o quarto disco do Los Hermanos dividiu a crítica. Para Artur Dapieve, 4 é um cd de difícil assimilação e classificação. Marcelo Costa tem opinião semelhante, embora se posicione mais claramente quanto ao álbum. “É um disco que não gosto, mas talvez seja um disco mais perene, que você precise ouvir, ouvir e ouvir e um dia falar: nossa, bateu”.

O vento

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Igor Sternieri

1 Dois barcos 2 Primeiro andar 3 Fez-se mar 4 Paquetá 5 Os passáros 6 Morena O vento 7 Horizonte distante 8 Condicional 9 Sapato novo 10 Pois é 11 É de lágrima 12

Capa do cd 4

Fez-se Mar

O Vento foi o primeiro single do álbum. A guitarra dita o ritmo da melodia ao criar uma sonoridade consistente, mas é principalmente o suporte para a letra de Amarante ganhar os holofotes. A fugacidade do tempo e a instantaneidade dos momentos marcantes da vida norteiam a insegurança do personagem quanto ao futuro: sinto que é como sonhar / que o esforço pra lembrar / é a vontade de esquecer. No final, Amarante permite um fio de esperança: se tem que durar / vem renascido o amor / bento de lágrimas.

Samba típico, Fez-se Mar é um claro exemplo da linha lenta do álbum 4. A composição de Camelo adota uma bateria suave e as guitarras se harmonizam com as baquetas de Barba, mantendo o ritmo leve da melodia. No solo final, a distorção da guitarra quebra o ritmo sem, contudo, acelerá-lo. A letra veste muito bem a melodia. Para uma men-

Sapato Novo

sagem triste (a espera pelo amor), nada melhor do que uma melodia triste. Fez-se

É a faixa mais lenta do álbum. A voz de

Mar caberia muito bem em Sou, disco

Camelo e os acordes no violão não se alteram

solo de Camelo ,– e ainda seria um de

em momento algum. Sapato Novo é mais

seus pontos mais altos.

uma música que segue a fórmula melodia triste e letra melancólica (como se a alegria recolhesse a mão / pra não me alcançar), todavia não perde a elegância nem flerta com o banal. Com tanta tristeza reunida, é impossível não achar a música bela e até mesmo cativante. Os dois últimos versos (só levo a saudade morena / é tudo que vale a pena) mostram claramente o significado da canção.

Condicional Novamente, uma composição de Rodrigo Amarante acelera o ritmo do álbum. As batidas da guitarra, além de dar o tom à melodia, tornam-se impregnantes aos ouvidos. No entanto, mais uma vez a letra consegue sobressair-se sobre a melodia. O sentimentalismo de Amarante – no que de melhor a expressão pode oferecer – proporciona versos tão doces quanto melancólicos: eu sei é um doce te amar / o amargo é querer-te pra mim. É praticamente impossível deixar de cantar com Amarante.


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“Aqueles que tocam Anna Julia” A música que fez sucesso nacional foi apenas um começo No ano 1999, era uma das músicas nacionais mais tocadas e foi ela que projetou o grupo na mídia. Artistas desde Frank Aguiar até George Harrison regravaram a música. Mas o fato é que a banda mudou completamente o seu estilo musical no segundo disco, tornando Anna Júlia um passado distante que nem tocava mais nos shows. Muitos jornalistas escrevem que a banda renegou a música, um deles é Marcus Jacobson, que compara ao Roberto Carlos não tocar mais Emoções nos shows: “Se incomoda aos Los Hermanos tocarem Anna Júlia em seus shows, é que tem algo errado com a música”. Rafael Fernandes respeita a opção deles: “Há quem reclame, pelo fato de ser um hit que supostamente deveria ser tocado sempre. Mas é preciso lembrar que é o artista que entrega o trabalho e suas intenções ao seu

público, e não este que deve exigir isto ou aquilo”. Renegada ou não pelos Los Hermanos, a música os ajudou a guiar a carreira, mesmo que para outra direção. Na opinião do crítico musical Marcelo Costa, o fato de o primeiro disco ter vendido 300 mil cópias encorajou o grupo a peitar a gravadora e criar o segundo disco à sua maneira. Depois do sucesso, o grupo amadureceu musicalmente, deixou de ser lembrada apenas pelo hit, conquistou uma base firme de fãs e se consagrou entre as bandas brasileiras. Logicamente, por trás de tanto sucesso e músicas de ritmos variados deve haver influência de grandes bandas antecessoras. Uma das bandas internacionais mais citadas - principalmente por Camelocomo influência é a Weezer que, segundo Rafael “tem sonoridade próxima a muita coisa feita no indie rock, incluindo grava-

ções que soam, propositalmente, meio ‘sujas’”. No Brasil, o crítico cita a influência de Chico Buarque: “principalmente nas letras e em alguns pontos da harmonia”. Picassos Falsos (mais pop) e Acabou La Tequila (mais underground), já misturavam MPB, samba e rock nos Em 1999, Anna Julia foi o 57º hit mais tocado nas rádios anos 80 e 90. Dez anos depois de Anna Júlia, é o Los tras caprichadas. Porém, como o Los Hermanos que deixa marcas no cenário Hermanos é muito recente, Rafael ainda da música nacional. Já se fala na influên- não consegue notar uma banda com tancia deles em Gram, Mombojó, Móveis ta influência dele: “a influência principal Coloniais de Acaju, Nervoso, Ramirez, é de resgatar a junção do rock com outras Vanguart e Do Amor. Essas bandas se vertentes da música popular, aliando isso parecem por misturar ritmos e terem le- a letras bem construídas”.

Foto tirada do clipe oficial

Nitiayne Takemoto

Encontro de vozes e fusão de sentimentos A banda reúne ritmos, letras e outros músicos para fazer arte nova

http://loshermanos.fotoflog.com.br/foto6218819.html

músicas tocadas juntas por eles são Sobre o Tempo, que envolve as duas bandas e Ritmo da Chuva tocada por Fernanda Takai e Amarante. O hermano também fez a música tema do filme O Casamento de Romeu e Julieta com Erasmo Carlos.

No momento, cada integrante desenvolve sua carreira individual e se reúne com outros músicos para obter mais diversidade. Se um dia voltarem a formar o Los Hermanos, vai rolar troca de experiências e provavelmente mais misturas. 2

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1 - Los Hermanos toca com os mineiros do Pato Fu. 2 - Encontro de gerações com o Paralamas do Sucesso. 3 - Adriana Calcanhotto participa de show dos hermanos. 4 - Maria Rita fez sucesso com composições de Marcelo Camelo.

http://www.flickr.com/photos/felipeneves/2446121929/

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http://whiplash.net/000716-paralamasdosucesso.html

Certa vez Marcelo Camelo explicou a criação do cd 4: “Somos muito intuitivos. Vamos fazendo, achando bonito, e acreditamos que essa sinceridade é suficiente para que, no final das contas, o disco tenha uma unidade”. Vendo assim, parece fácil misturar diversos ritmos e unir as duas vertentes que compunham a banda: a de Camelo, mais bossa nova e MPB, e a de Amarante, mais rock e pop. Por fim, a intuição dos músicos não falhava e as misturas sempre davam certo. Ainda não foi diversidade musical o suficiente para os barbudos. Então abrem a roda para mais gente sambar: começam as parcerias. Logo em 2001, o roqueiro inglês Jim Capaldi registrou uma versão em inglês do sucesso Anna Júlia, com participação do ex-Beatle George Harrison na guitarra. Um início nada discreto para suas parcerias. Marcelo Camelo teve o nome em maior evidência devido às suas composições no primeiro disco de Maria Rita. A cantora não cansa de elogiá-lo: “Os elementos

música e letra andam juntos. As melodias são muito bem pensadas, as poesias são bonitas, as letras têm história”. O compositor cedeu para ela duas canções inéditas: Santa chuva e Cara valente. Segundo o crítico musical Marcus Jacobson, a voz de Maria Rita “se assemelha às composições de Camelo pela simplicidade e sentimento”. Camelo agradou com Maria Rita, mas muitos fãs não gostaram da sua participação no último cd da dupla Sandy e Júnior. O Los Hermanos participou da turnê Titãs + Os Paralamas do Sucesso. Ambas bandas do rock nacional dos anos 80, serviram de inspiração para os barbudos. Para o crítico Marcelo Costa, os Paralamas do Sucesso abriu caminhos para o Los Hermanos, principalmente no que se refere ao uso dos metais. A banda Pato Fu também já se encontrou muito com Los Hermanos, há empatia entre elas. Amarante já até usou o exemplo do Pato Fu para justificar as mudanças musicais de um cd para outro: “O Pato Fu está certo em não fazer uma mesma coisa duas vezes”. As principais

http://br.youtube.com/watch?v=RJZEv9q6TRo

Nitiayne Takemoto


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