Amanda Quick
O Engano
Tradução/Pesquisa: GRH Revisão Inicial: Sueli Jansen Revisão Final e Formatação: Ana Paula G.
Comentário da Revisora Sueli Jansen: “A partir de um chalé rústico e aconchegante, em Dorset, diretamente para uma magnífica mansão repleta de segredos, nos chega um conto deslumbrante de amor e de um lendário tesouro pirata perdido...” Acho que nem preciso dizer que Amanda Quick é uma de minhas autoras preferidas, junto com uma infinidade! E, é sempre um prazer enorme encontrar um novo livro, dessa autora simpática e muito bem humorada. Esse livro esteve relegado durante algum tempo, por causa do título em inglês, onde imaginei encontrar uma mocinha triste e decepcionada com sua vida amorosa, mas felizmente, o engano foi exclusivamente meu! Amanda Quick jamais nos decepciona! Dessa vez somos brindados com um conto fascinante, e para minha surpresa, ambientado fora dos tempos vitorianos, numa época imprecisa, mas não menos emocionante. Nossa estória começa quando Jared, um descendente de piratas excêntricos e aventureiros, aceita escoltar as mercadorias e um diário, há muito tempo procurado por sua própria família, que estão sendo enviadas para Olympia, uma pesquisadora de lendas antigas, por seu tio. É claro que a mocinha é inocente, é claro que nosso herói desconhece esse fato, é claro que eles se apaixonam e, também é claro que encontrarão dificuldades até que tudo esteja resolvido entre eles. Aí, leitor, você me pergunta: Qual a graça de se ler um livro cujo enredo possui a mesma fórmula de tantos outros? Eu respondo que a graça reside na criatividade da autora em armar as cenas e diálogos inteligentes e divertidos. É impossível resistir a um livro onde todos os elementos que fazem parte do nosso imaginário infantil estão presentes. Como por exemplo: órfãos que foram rejeitados por seus
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familiares, e que agora, encontraram quem os proteja e os ame, e justamente, por causa disso, defendam com as armas que conhecem a sua adorada tia Olympia. Um cão encantador, mas necessitando urgentemente passar algum tempo com Cesar, o encantador de cães mais famoso do mundo. E, mais: piratas, tesouros, enigmas, ex-noivas despeitadas por terem sido rejeitadas, enfim, uma leitura adorável para quando você precisar agradar a sua criança interior... Mas, sem nos esquecermos das cenas hots e românticas, porque afinal de contas, sonhar é preciso.
Comentário da Revisora Ana Paula G.: Confesso que uma das coisas que admiro na Amanda é sua capacidade de criar histórias aparentemente simples, mas super criativas.Sempre tem algo acontecendo, por mais que o romance pareça simples.Uma bela estória de amor com um dos ingredientes que adoro em uma autora: um humor afiado que nos prende do princípio ao fim! Excelente!
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Resumo Houve uma época em que Olympia Wingfield estava livre para dedicar todo o seu tempo a sua verdadeira paixão: o estudo de lendas antigas e tesouros perdidos. Mas agora, com três sobrinhos endiabrados para criar, sobrava pouquíssimo tempo para a bela e distraída jovem continuar com suas investigações. Tudo parece estar sem controle, quando inesperadamente um lindo estranho aparece na biblioteca de Olympia, sem aviso prévio e passa a organizar seu mundo caótico. Alto e moreno, com longos cabelos negros, revoltos pelo vento, Jared Chillhurst é a personificação dos sonhos mais exóticos de Olympia. Um pirata ousado, disfarçado em trajes de professor, cujos beijos e histórias de viagens rapidamente ganham seu coração. No entanto, muito em breve, a inocente Olympia vai descobrir que o enigmático, sensual e perverso Sr. Chillhurst não é um humilde tutor, mas um futuro conde com uma riqueza de segredos, do tipo que poderá levá-los, tanto em uma busca perigosa por um tesouro escondido quanto a um amor mais valioso do que o ouro.
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Uma Lição de Paixão
Jared pousou o copo de conhaque e ficou de pé. ─Como você tem sempre fala, Srta. Wingfield, uma pessoa não precisar viajar muito para ganhar conhecimento do mundo. ─É verdade. ─Ela o observou, enquanto ele caminhava deliberadamente em sua direção. ─Isso é alguma coisa sobre a matéria, Sr. Chillhurst? ─Sr. Chillhurst? ─Sim. ─Ele caminhou ao redor da mesa, estendeu a mão, e levantou Olympia de sua cadeira. ─Existe uma coisa que eu gostaria de saber esta noite, Srta. Wingfield, e só você tem a resposta. ─Sr. Chillhurst, ─Olympia mal podia respirar. Faíscas de excitação brilhavam através dela ─qual é a sua pergunta, senhor? ─Você vai me beijar, Srta. Wingfield? Olympia estava tão abalada que mal conseguia encontrar as palavras para responder. Então, ela fez a única coisa que podia. Colocou os braços em volta do pescoço de Jared e ergueu a boca para a dele, em um convite silencioso. ─Sereia. ─Os braços de Jared fecharam-se firmemente em torno dela, enquanto ele esmagava seus lábios, embaixo dos seus...
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Prólogo ─ Diga a ela para tomar cuidado com o Guardião. ─ Artemis Wingfield estava recostado na mesa do botequim. Seus claros olhos azuis eram muito intensos, sob suas sobrancelhas espessas e grisalhas. ─ Ouviu isso, Chillhurst? Ela deve ter muito cuidado com o Guardião. Jared Ryder, visconde de Chillhurst, apoiou os cotovelos sobre a mesa cruzou os seus dedos e olhou para seu companheiro com seu único olho bom. Nos últimos dois dias, Wingfield tinha aprendido a sentir-se mais confortável com ele, a ponto de não precisar olhar fixamente o tampão de veludo negro que lhe cobria o olho inútil. Obviamente, Wingfield aceitara Jared pelo que este assegurava ser: outro inglês aventureiro como ele, que agora tinha se dedicado a viajar quando finalmente a guerra contra Napoleão havia terminado. Ambos haviam passado as duas últimas noites na mesma hospedaria, em um porto francês imundo esperando os navios que os levariam a seus respectivos destinos. O suor corria pela testa de Wingfield, perdendo-se entre suas costeletas. Era uma noite quente de final de primavera. O botequim estava cheio de fumaça e de gente. Jared pensou, secretamente, que Wingfield estava sofrendo o calor desnecessariamente. O colarinho da camisa do velho, sua gravata elegantemente atada, o apertado colete e a jaqueta de alfaiate contribuíam de maneira inútil para o seu evidente desconforto. Esse traje formal não combinava em nada com noite quente e nem com a periferia do botequim portuário. Wingfield. Entretanto, era o tipo de pessoa que dava prioridade às aparências acima de tudo, inclusive da comodidade pessoal, Jared suspeitava que seu novo conhecido vestia-se formalmente para jantar todas as noites, mesmo que esse jantar fosse apenas uma carpa.
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─Entendo suas palavras, senhor, ─Jared tamborilou os dedos ─mas, não sei a que se refere. Quem ou o que é esse Guardião? Wingfield franziu o sobrecenho. ─Apenas tolices, para ser totalmente honesto. É parte de uma velha lenda relacionada com um diário que devo enviar de volta à Grã-Bretanha. O velho conde que me vendeu o livro me fez essa advertência. ─Entendo.
─disse Jared amavelmente. ─Cuidado com o Guardião, não é?
Interessante. ─Como já lhe disse, é simplesmente o que resta de uma velha lenda relacionada com um diário. Entretanto, ontem à noite ocorreu um estranho incidente e alguém deve agir com prudência. ─Um estranho incidente? Wingfield entrecerrou os olhos. ─Acredito que enquanto estava jantando, alguém revistou meu quarto. Jared franziu o sobrecenho. ─Não mencionou nada a respeito esta manhã. ─Não tinha certeza. Não levaram nada, entende. Mas, durante todo o dia, tive a estranha sensação de que me observavam. ─Que desagradável. ─Certamente. Mas, sem dúvida nenhuma, nada tem nada a ver com esse diário. Claro que isto me preocupa um pouco. Não quero expô-la a nenhum perigo. Jared separou os dedos e bebeu um gole de sua cerveja. ─Do que se trata esse diário, que você diz que enviará a sua sobrinha? ─Na realidade, é o diário de uma dama - explicou Wingfield. ─Pertenceu a uma mulher chamada Claire Lightboume. Isso é tudo o que sei a respeito. Praticamente tudo o que está escrito ali é incompreensível para mim. ─Por quê?
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─Aparentemente, está escrito em uma miscelânea de grego, latim e inglês. É como se fosse um código particular. Minha sobrinha acredita que o diário de Lightboume contém pistas que devem conduzi-la a um fabuloso tesouro. Wingfield bufou. ─Não acredita nessa história, não é? ─Nem por um momento, se lhe interessa saber. Mas Olympia vai se divertir muito tentando decifrar esse diário. Ela fica encantada com esse tipo de coisa. ─Aparentemente, trata-se de uma mulher muito especial. Wingfield riu. ─É verdade. Mas não por culpa dela, suponho. Foi criada por uma tia bastante excêntrica e a companheira desta. Nunca conheci muito bem esse ramo da família, mas se dizia que a tia e sua amiga assumiram a responsabilidade de criar Olympia por conta própria. Encheram-lhe a cabeça de coisas estranhas. ─Que tipo de coisas? ─Graças à educação que recebeu, Olympia não se importa nem um pouco com bens materiais. Não me entenda mal. É uma jovem refinada. Sua reputação é impecável. Mas não tem nenhum interesse no tipo de coisas pelas quais as jovens se interessam. Entende o que digo? ─Por exemplo? ─Moda, para começar. Não se interessa por roupas. E, essa tia jamais lhe ensinou as coisas úteis que toda moça deve saber, como por exemplo, dançar, flertar e a ser simpática com as pessoas, em especial, com um possível candidato. -Wingfield meneou a cabeça. ─Uma criação muito estranha, no meu entender. Suspeito que essa tenha sido a razão principal pela qual não conseguiu encontrar um bom marido. ─Que tipo de coisas interessa a sua sobrinha? –Mesmo sem intenção, por alguns momentos, a curiosidade em Jared aumentava.
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─Tudo o que esteja relacionado com os costumes e lendas de terras longínquas fascina a essa jovenzinha, entende? Ela tem uma participação muito ativa na Sociedade de Viagens e Explorações, embora jamais tenha saído de Dorset, em toda sua vida. Jared o olhou. ─Sem viajar, como é que tem uma participação tão ativa nessa sociedade? ─Dedica-se à pesquisa em velhos livros, diários e cartas que se referem a viagens e explorações. Estuda os fatos que encontra e a seguir escreve suas conclusões. Nos últimos três anos publicou vários artigos na edição trimestral da sociedade. ─Verdade? ─Jared sentia-se cada vez mais intensamente intrigado. ─Sim. ─Uma fugaz expressão de orgulho passou pelos olhos de Wingfield. ─São artigos muito famosos, porque incorporam todo tipo de informação instrutiva sobre usos e costumes exóticos. ─Como ela descobriu o diário de Lightboume? ─ perguntou com cuidado. Wingfield encolheu os ombros. ─Por uma série de cartas que encontrou durante suas investigações. Levou quase um ano, mas finalmente localizou o diário aqui, em uma aldeia da costa francesa. Originalmente fazia parte de uma biblioteca muito maior, que foi destruída durante a guerra. ─E você veio aqui especificamente para comprar o diário para sua sobrinha? ─Eu estava de passagem ─disse Wingfield. ─Estou indo para a Itália. Aparentemente, nos últimos anos, o diário passou por várias mãos. O velho que me vendeu estava muito deprimido. Como precisava de dinheiro estava mais que disposto a vender seus livros. Durante a negociação, escolhi um número considerável de volumes interessantes para a Olympia. ─Onde está o diário neste momento? ─Oh, bem lembrado ─Wingfield parecia tranquilo. ─Ontem, eu o embrulhei e me assegurei que fosse guardado no depósito do Chama do Mar, junto com as demais mercadorias que estou enviando para Olympia. ─Não fica preocupado com as mercadorias que estão a bordo do navio?
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─Oh, não, claro que não. O Chama do Mar é um dos navios de Flamecrest. Têm uma excelente reputação. A tripulação é digna de confiança e tem uma longa experiência, e os capitães são muito idôneos. Totalmente confiáveis. Não, não, não. Minhas mercadorias estarão bem e a salvo, enquanto estejam em alto mar. ─O que o deixa intranquilo é a segurança dos caminhos terrestres da Grã-Bretanha, não é verdade? Wingfield fez uma careta. ─Sinto-me muito melhor agora, que sei que você pessoalmente acompanhará as mercadorias até Upper Tudway, em Dorset. ─Aprecio sua confiança. ─Sim, senhor. Minha sobrinha vai vibrar de alegria quando vir esse diário. Por dentro, Jared chegou à conclusão que Olympia Wingfield era, realmente, uma criatura muito estranha. E, lembrou-se que ele mesmo conhecia um par de criaturas estranhas. Afinal de contas, ele também tinha sido criado por uma família de espalhafatosos e extravagantes. Wingfield reclinou-se e começou a observar o botequim. Seu olhar se deteve em um homem robusto, com várias cicatrizes, que estava sentado à mesa ao lado. O indivíduo portava uma faca e tinha uma expressão tão beligerante que ninguém teria se atrevido a compartilhar a mesa com ele. Típico de muitos donos de botequim. ─Gente mal encarada, não é? ─comentou Wingfield, inquieto. ─A metade dos homens que você vê aqui, esta noite, é apenas um pouco melhor que piratas, ─disse Jared. ─são soldados que não tinham para onde ir após a derrota de Napoleão. Marinheiros à espera de algum navio. Homens em busca de alguma prostituta bem disposta ou de alguma briga. A gentalha que sempre circula nas cidades portuárias. ─E a outra metade? Jared sorriu brevemente. ─Trata-se mais provavelmente, de piratas.
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─Não me surpreende. Você disse que viajou muito, senhor. Portanto, deve ter visto muitos lugares como este. Espero que tenha aprendido a mover-se neste meio. ─Como pode ver, até o momento, consegui sobreviver. Wingfield olhou significativamente o pedaço de veludo que cobria o olho mutilado de Jared. ─Mas, não completamente ileso, conforme vejo. ─Não, não completamente ileso. ─Jared fez um sorriso desprovido de qualquer senso de humor. Sabia perfeitamente bem, que de maneira geral, seu aspecto não inspirava nenhuma confiança. E, não somente pelo tapa olho. Mesmo nas ocasiões em que seu cabelo tinha sido cuidadosamente cortado e suas roupas eram mais elegante, toda a sua família o lembrava do fato de que ele parecia um pirata. Claro que a principal tristeza de todos os seus parentes era justamente porque Jared não agia como um pirata. Jared sabia que, falassem o que falassem, fizessem o que fizessem, ele era um homem de negócios, não o espetacular e brioso filho de sangue quente que seu pai esperava, para que continuasse com as tradições familiares. Wingfield tinha sido muito cauteloso com ele, a princípio. Jared sabia que eram suas maneiras gentis e sua forma educada de falar que tinham convencido o velho, e não seu aspecto físico. Assim, Wingfield aprendeu a aceitá-lo como seu igual, como a um cavalheiro. ─Desculpe que lhe pergunte, mas como perdeu seu olho? ─É uma longa história ─disse Jared. ─E, bastante dolorosa. Prefiro não falar sobre isso agora. ─É claro, é claro. ─Wingfield ficou envergonhado. ─Desculpe-me a impertinência. ─Não se preocupe. Estou acostumado que as pessoas fiquem me olhando. ─Sim, bom, digamos que ficarei bem menos preocupado uma vez que o Chama do Mar zarpe pela manhã. Saber que você estará a bordo do navio e que, além disso, escoltará as
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mercadorias até Upper Tudway é uma grande tranquilidade para mim. Agradeço-lhe uma vez mais a responsabilidade que aceitou. ─Como também estarei de volta para Dorset, me alegro em poder ajudar. ─Não me envergonha lhe dizer que, com isto, economizei alguns trocados ─confiou Wingfield. ─Não terei que solicitar os serviços prestados pela empresa em Weymouth para que se encarregue das mercadorias, e assegurar que cheguem às mãos de Olympia. Foi muito conveniente para mim, não ter que pagar pelos serviços desta vez. São muito caros, e infelizmente Olympia não conseguiu a soma de dinheiro suficiente que eu esperava para as duas últimas remessas. Embora estejamos um pouco mais adiantados do que o esperado. ─O mercado de artigos importados é imprevisível ─disse Jared. ─Sua sobrinha é uma mulher inteligente em questões comerciais? ─Oh, eu acredito que não. ─Wingfield riu orgulhoso. ─Olympia não tem visão para os negócios. É notável, mas os aspectos financeiros não lhe interessam nem um pouco. Acredito que saído à minha família. Gosta de muito viajar, assim como eu, mas claro, é impossível. ─Uma mulher desacompanhada teria grandes dificuldades para viajar para qualquer parte do mundo. ─comentou Jared. ─Isso não teria impedido a minha sobrinha. Como já lhe disse, não é uma típica senhorita britânica. Já tem vinte e cinco anos e é muito inteligente. Só Deus sabe o que teria feito se tivesse obtido uma renda mais substancial, e não tivesse tido que carregar os três diabinhos que tem por sobrinhos. ─Ela está criando os seus sobrinhos? As costeletas de Wingfield se contraíram espasmodicamente. ─Ela diz que são seus sobrinhos os menininhos que a chamam tia Olympia, mas isto não é verdade; o parentesco é um pouco mais distante. Eles são filhos de um primo e de sua esposa, que morreram em um acidente de carruagem, há anos. ─E como foi que os meninos ficaram sob a proteção de sua sobrinha?
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─Sabe como são essas coisas, senhor. Depois da morte de seus pais, ficaram rodando de parente em parente, até que por fim aterrissaram na porta da casa de minha sobrinha, seis meses atrás, e Olympia os aceitou. ─É muita responsabilidade para alguém tão jovem. ─Especialmente, quando se trata de uma mulher que só se preocupa em investigar outras terras e outras lendas. ─Wingfield franziu o sobrecenho pensativamente. ─Esses jovens estão crescendo como selvagens. Já reduziram a pó três professores que conheço. Não são maus, mas sim muito travessos. A casa toda parece sempre uma bagunça quando estão presentes. ─Entendo. ─O próprio Jared tinha sido criado em uma casa que era sempre um tumulto e a experiência não era agradável. Preferia uma existência mais tranquila e ordenada. ─É claro que eu tento ajudar Olympia. Faço o que posso enquanto estou na Inglaterra. Porém, jamais fica na Inglaterra o tempo suficiente para pôr a esses rapazes em seu lugar, não é? ─pensou Jared. ─Que outras coisas você está enviando à sua sobrinha além do diário de Lightbourne? Wingfield bebeu o último gole de sua cerveja. ─Gêneros, especiarias e umas bugigangas. Ah! E, livros, claro. ─E ela se encarregará de vendê-los em Londres? ─Tudo, menos os livros. São para sua biblioteca. Mas, o resto vai para Londres. Utiliza parte do dinheiro para saldar os gastos de sua casa, e o resto para financiar minhas viagens. O esquema sempre nos deu bons resultados até o momento, mas como já lhe disse, esperávamos ganhar um pouco mais. ─É muito difícil ser vitorioso no ramo comercial se não estamos dispostos a dar atenção ao aspecto contábil. ─observou Jared secamente. Pensou nos problemas que tinha tido em seus próprios negócios, durante os últimos seis meses. Teria que investigar sobre o assunto com maior seriedade. Não havia dúvidas de
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que milhares de libras haviam sido desviadas do significativo império financeiro Flamecrest. Jared não estava nem um pouco satisfeito com a ideia de ter sido trapaceado. Não gostava de fazer papel de idiota. Cada coisa ao seu tempo, recordou. No momento, devia resolver o assunto do diário. ─Tem toda razão quanto a prestar a devida atenção aos bens contábeis, senhor, mas o problema é que nem Olympia, nem eu, temos tempo suficiente para nos ocuparmos dessas ninharias. Dessa forma vamos levando. ─Wingfield olhou firmemente Jared. ─Tem certeza que não se importa em me fazer este favor? ─Tenho toda certeza. ─Jared olhou pela janela, o porto envolto nas sombras da noite. Conseguia ver a silhueta do Chama do Mar, ancorado, esperando zarpar na manhã seguinte. ─Agradeço-lhe muito, senhor. Tive muita sorte por ter encontrado um cavalheiro como você nesta parte da França. E, mais afortunado ainda porque você se dirige à Inglaterra, a bordo do Chama do Mar. Jared apenas sorriu. ─Sim, foi muita sorte. ─Perguntou-se o que diria Wingfield se ficasse sabendo que Jared controlava não só o Chama do Mar, mas também a toda a frota Flamecrest. ─Bem, bem, sinto-me muito mais tranquilo agora que sei que você se encarregará que a mercadoria e o diário cheguem seguros à mãos de Olympia. Portanto, poderei seguir com a etapa seguinte de meu itinerário. ─Está indo para a Itália, não é? ─E dali para a Índia. ─Os olhos de Wingfield deixavam transparecer a antecipação do viajante inveterado. ─Sempre quis conhecer a Índia, sabe. ─Desejo-lhe uma boa viagem. ─disse Jared. ─O mesmo para você, senhor, E mais uma vez, muito obrigado. ─Não há de que. ─Jared extraiu seu relógio de ouro do bolso, para consultar a hora. ─Agora, rogo-lhe que me desculpe. ─Guardou novamente o relógio no bolso e ficou de pé. Wingfield o olhou.
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─Parece que irá se deitar cedo esta noite, não é mesmo? ─Ainda não. Acho que caminharei um pouco pelo cais, para desanuviar a mente antes de subir ao meu quarto. ─Cuidado com suas costas. ─advertiu-lhe Wingfield, em voz baixa. ─Eu não gosto muito das caras que vejo por aqui. Só Deus sabe o tipo de miseráveis que devem estar por aqui a estas horas. ─Não se preocupe comigo, senhor. ─Jared inclinou a cabeça em cordial saudação. Virou-se e se encaminhou para a porta. Um ou dois homens que estavam sentados em uma mesa, inclinados sobre seus respectivos jarros, olharam especulativamente para as caríssimas botas de Jared. A seguir, subiram um pouco mais o olhar, até a faca que tinha amarrada à perna e, mais acima ainda, até o tapa olho de veludo negro que usava. Ninguém tentou segui-lo. A brisa da noite alvoroçou a longa e exótica cabeleira de Jared. Ao contrário de Wingfield, vestiu-se conforme o clima ameno reinante. Não usava lenço no pescoço. Detestava-os, da mesma forma que as gravatas. Tinha o colarinho da sua camisa de linho branco, aberto e arregaçara as mangas até os cotovelos. Jared começou a andar pelo caminho de pedras, com a mente nos negócios que tinha em mãos e os sentidos atentos à sua volta. Um homem que já tinha perdido um olho tinha todo o direito do mundo de cuidar eficazmente do que restava. Uma lanterna era sacudida rapidamente, de cima para baixo, no outro extremo do píer. Quando Jared se aproximou, viu dois homens que surgiam das sombras. Ambos eram robustos, quase tão altos quanto Jared e aproximadamente da mesma largura de ombros que este. Seus rostos rudes eram emoldurados com costeletas brilhantes e espessas cabeleiras brancas. Caminhavam orgulhosamente, com passos largos e presunçosos, embora os dois já passassem bastante dos sessenta anos. Dois velhos bucaneros, pensou Jared, embora afetuosamente.
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O primeiro dos dois homens recebeu Jared com um sorriso que se iluminou, apesar da escuridão. A cor de seus olhos parecia desbotada à luz da lua, mas para Jared esse tom de cinza era muito familiar. Via esse mesmo matiz todas as manhãs, frente ao espelho, enquanto se barbeava. ─Boa noite, senhor. ─Jared saudou seu pai formalmente. Logo fez um gesto afirmativo com a cabeça ao outro homem. ─Tio Thaddeus. Linda noite, não é verdade? ─Já era hora de você aparecer. ─Magnus, conde de Flamecrest, alinhou suas sobrancelhas. ─Começava a pensar que seu novo amigo o manteria ocupado, conversando a noite toda. ─Wingfield adora conversar. Thaddeus elevou mais a lanterna. ─Muito bem rapaz? O que você soube? Jared tinha trinta e quatro anos. Fazia muito tempo que tinha deixado de ser jovem. De fato, frequentemente sentia-se mais velho que qualquer de seus familiares. Mas não havia nenhum sentido corrigir Thaddeus. ─Wingfield acredita que encontrou o diário de Claire Lightbourne. ─disse Jared com toda tranquilidade. ─Por todos os demônios. ─A satisfação no rosto de Magnus foi mais que notável, apesar da pouca luz produzida pela lanterna. ─Finalmente encontrou-se esse diário após todo esse tempo. ─Maldição! ─exclamou Thaddeus. ─Como diabos terá feito Wingfield para colocar suas mãos nele, antes de nós? ─Acredito que tenha sido sua sobrinha que o tenha encontrado primeiro, na verdade. ─disse Jared. ─Como vocês já devem saber, o famoso diário foi encontrado aqui na França. Portanto, meus primos não fizeram nada além de perder tempo quando saíram correndo para a Espanha há dois meses, para buscá-lo.
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─Bom, Jared, ─apaziguou Magnus ─Charles e William tinham motivos válidos para acreditarem que essa obra tinha sido levada para lá, durante a guerra. Você só está um pouco aborrecido porque seus primos permitiram que fossem capturados por esses bandidos. ─Todo esse assunto foi muito desagradável. ─comentou Jared pesaroso. ─Além disso, me custou quase duas mil libras de resgate, sem contar, todo tempo e esforço que perdi, longe de meus negócios. ─Maldição, filho. ─protestou Magnus. ─Não pode pensar em outra coisa? Só em seus assuntos de negócios? Raios, por suas veias corre sangue de pirata, mas no seu coração e em sua alma não passa de um comerciante. ─Estou plenamente consciente que constituo uma decepção para você e para o resto da família, senhor, ─Jared se apoiou contra a parede de pedra, frente ao porto. ─Mas como já discutimos o assunto em diversas ocasiões, não acredito que seja necessário falar sobre isso nesta noite também. ─Tem razão, Magnus. ─respondeu Thaddeus imediatamente. ─Temos coisas mais importantes para tratar esta noite. O diário está praticamente em nossas mãos. Eu até diria que já o temos. Jared arqueou uma sobrancelha. ─Quem de vocês dois foi quem tentou apoderar-se dele ontem à noite? Wingfield disse que seu quarto foi revistado. ─Valia a pena tentar. ─respondeu Thaddeus descaradamente. Magnus assentiu com a cabeça. ─Foi apenas uma olhada. Jared engoliu um impropério, exasperado. ─O diário está no porão do Chama do Mar, desde ontem á tarde. Teremos que descarregar o navio todinho para o encontrarmos. ─Uma pena. ─declarou Thaddeus derrotado. ─De qualquer maneira ─continuou Jared, ─o diário pertence à senhorita Olympia Wingfield, de Meadow Stream Cottage, em Dorset. Ela o comprou e pagou por ele.
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─Ora, o diário é nosso ─disse Magnus estoicamente. ─É uma relíquia de família. Eu diria que ela não tem nenhum direito de possuí-lo. ─O que você parece ter esquecido, é que embora tenhamos sorte suficiente de nos apossarmos dele, é muito pouco provável que possamos decifrá-lo. Entretanto... ─Jared se deteve o tempo suficiente para intrigar seu pai e seu tio. ─Sim? ─perguntou Magnus, ansioso. ─Artemis Wingfield está seguro de que sua sobrinha poderá decodificar o que está escrito nesse diário ─disse Jared. ─Segundo ele, a Srta. Wingfield é uma perita na matéria. O rosto de Thaddeus se iluminou imediatamente. ─Dir-se-ia então, rapaz, que seu curso de ação já está bem definido, não é? Vai seguir o diário ao seu destino e logo se insinuará à Srta. Wingfield, para que ela caia aos seus pés e conte-lhe tudo. ─Uma ideia brilhante. ─As costeletas de Thaddeus moviam-se com entusiasmo. ─Tem que deixá-la encantada por você. Seduza-a, quando se derreter em suas mãos, faça com que revele tudo o que saiba sobre o diário. A seguir, o arrebataremos de seu poder. Jared suspirou. Era muito difícil ser a única pessoa sã e sensata, em uma família onde sobejavam os excêntricos e os insólitos. A busca do diário de Lightboume havia preocupado todos os homens Flamecrest, durante gerações, exceto Jared. O pai, o tio e os primos de Jared o tinham procurado durante certo tempo. Seu avô e também seus tios avós. O tesouro tinha um efeito surpreendente em um clã que descendia de autênticos bucaneros. Porém, tudo tinha um limite. Algumas semanas antes, os primos de Jared quase acabaram mortos por culpa do famoso diário. Jared tinha decidido que já tinha chegado a hora de terminar com essa tolice do diário de uma vez por todas. Desgraçadamente, a única maneira para concretizar esse plano era recuperar esse diário e comprovar se realmente continha os segredos procurados, sobre o tesouro escondido. Ninguém reparou quando Jared anunciou que era a sua vez de sair a procura da fortuna misteriosa que havia se perdido há mais de cem anos. Para dizer a verdade, os dois
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mostraram-se, especialmente seu pai, muito agradecidos pelo interesse que todo o assunto havia despertado em Jared. Ele sabia que a família o respeitava graças à sua habilidade para os negócios. Mas, também sabia que na realidade isso não tinha grande importância em uma família famosa por seus homens arrojados e de sangue quente. Seus parentes o consideravam tristemente insosso. Diziam que lhe faltava o fogo dos Flamecrest. Jared, por sua vez, sustentava que o que lhes faltava era saber como se comportarem, além de bom senso. Claro que nenhum deles vacilava em recorrer a ele cada vez que tinham que resolver um problema, ou quando lhes faltava dinheiro. Jared tinha sido o encarregado de organizar as coisas e de assumir a aborrecida responsabilidade de velar pelos detalhes da vida dos Flamecrest, desde que estava com dezenove anos. Todos os seus parentes concordaram que aquela era a única atividade em que Jared sobressaía. Jared pensava que sempre tinha que estar resgatando um ou outro de seus familiares como se isso fosse uma constante. Às vezes, quando ficava acordado até tarde, escrevendo anotações em sua agenda, perguntava-se se algum dia um deles viria resgatá-lo. ─Para vocês dois é muito fácil falar de encantamento, de sedução, ─disse Jared ─mas todos nós sabemos que eu não herdei esse talento dos Flamecrest. ─Ora. ─Magnus descartou o comentário com um movimento de sua mão. ─O problema é que você nunca se preocupou por consegui-lo. Uma expressão de profunda preocupação se desenhou no rosto de Thaddeus. ─Bom, Magnus, eu não diria que nunca tenha se esmerado para conseguir. Simplesmente, esse moço teve má sorte há três anos, quando tentou conseguir uma esposa. Jared olhou para seu tio. ─Acredito que poderíamos deixar de lado a discussão sobre esse assunto. Não quero seduzir a Srta. Wingfield nem a qualquer outra pessoa para conseguir descobrir os segredos do diário.
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─E então, como conseguiremos a informação, rapaz? ─perguntou Thaddeus. ─Oferecer-lhe-ei a compra dessa informação. ─respondeu Jared. ─Comprá-la? ─Magnus parecia contrariado. ─Acredita que pode comprar um segredo lendário como este, somente com dinheiro? ─Por experiência, sei que alguém pode comprar quase tudo com dinheiro nesta vida. ─observou Jared. ─Uma aproximação direta e comercial obtém maravilhas em qualquer situação que se possa imaginar. ─Rapaz, rapaz, o que vamos fazer com você? ─grunhiu Thaddeus. ─Devem deixar que eu controle este assunto a minha maneira. ─dispôs Jared. ─Enquanto isso, eu quero que me deem a sua palavra que não esquecerão esse acordo. ─Que acordo? ─perguntou Magnus, desconcertado. Jared apertou a mandíbula. ─Enquanto eu estiver ocupado com este assunto, vocês não se meterão, sob nenhuma hipótese, nas questões comerciais dos Flamecrest. ─Por todos os demônios, filho, seu tio e eu dirigimos as questões comerciais da família desde muito antes que você nascesse. ─Sim, senhor, eu sei. E, dirigiram tão mal que a empresa foi a pique. O bigode de Magnus se elevou, em um gesto furioso. ─Não foi nossa culpa que tivéssemos tido um pouco de má sorte. Os negócios não andavam muito bem nessa época. Jared, astutamente, decidiu não seguir insistindo no assunto. Era amplamente sabido que a falta de senso comercial do conde, junto com as igualmente indesejáveis habilidades de seu irmão, Thaddeus, combinaram-se para destruir o pouco que restava da fortuna dos Flamecrest. Foi Jared quem teve que se encarregar de tudo, com a pouca idade de dezenove anos, apenas com tempo suficiente de salvar o único e decrépito navio que ainda pertencia à família. Empenhara o colar de sua mãe para conseguir o dinheiro que necessitava. Claro que nenhum de seus familiares lhe perdoou por haver tomado uma medida tão drástica, nem
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sequer sua própria mãe. Até mesmo, há dois , em seu leito de morte, sua mãe fez questão que ele soubesse.No entanto, Jared estava muito emocionado, para lembrar à sua mãe que ela mesma havia gozado ao máximo dos frutos de uma nova fortuna Flamecrest, como qualquer outro membro do clã. Jared tinha conseguido reconstruir o império Flamecrest a partir daquele único navio que compunha todo o patrimônio. De todo coração, esperava não ter que repetir tão árdua tarefa quando retornasse dessa louca aventura que havia empreendido. ─Já temos fortuna ─assinalou Jared. ─Não precisamos desse tesouro roubado que o capitão Jack e seu companheiro Edward Yorke enterraram naquela maldita ilha, há mais ou menos cem anos. ─Não era um tesouro roubado. ─explodiu Magnus. ─Como deverá lembrar senhor, o bisavô foi pirata enquanto viveu nas Índias Ocidentais. ─Jared arqueou uma sobrancelha. ─É altamente improvável que ele e Yorke conseguissem esse tesouro de uma maneira totalmente honesta. ─O capitão Jack não era nenhum pirata. ─disse Thaddeus de uma maneira feroz. ─Era um inglês leal que navegava seguindo as ordens recebidas. Esse tesouro lhes pertencia legalmente, porque foi o botim de uma embarcação espanhola, pelo amor de Deus. ─Seria interessante escutar a versão dos espanhóis. ─debochou Jared. ─Ora! ─disse Magnus. ─Eles não tiveram culpa dessa situação. Se os malditos espanhóis não os tivessem acossado, o capitão Jack e Yorke não teriam tido que enterrar o botim nessa maldita ilha e nós tampouco estaríamos aqui, esta noite, tentando recuperá-lo. ─Sim, senhor. ─disse Jared, cansado. Já tinha escutado esse argumento várias vezes anteriormente e sempre lhe aborrecia do mesmo jeito. ─O único verdadeiro pirata foi Edward Yorke. ─continuou Magnus. ─Esse vadio mentiroso, trapaceiro e assassino, que delatou seu bisavô diante dos espanhóis. Só pela graça de Deus o capitão Jack pôde escapar da armadilha.
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─Tudo aconteceu há cem anos. Não podemos ter a certeza que Yorke tenha traído efetivamente o capitão Jack. ─disse Jared tranquilamente. ─De qualquer maneira, isso já não tem muita importância neste momento. ─É obvio que tem. ─disse Magnus. ─Você descende de uma orgulhosa tradição, meu rapaz. É sua obrigação encontrar esse tesouro perdido. Pertence-nos e temos todo o direito de reclamá-lo. ─Afinal de contas ─adicionou Thaddeus, com gesto sério, ─você é o novo Guardião, rapaz. ─Inferno! ─queixou-se Jared. ─Tudo isto é uma estupidez e vocês sabem muito bem. ─Não é nenhuma estupidez. ─insistiu Thaddeus. ─Você ganhou esse título há anos, na noite em que tirou a espada do próprio capitão Jack para salvar seus primos do contrabandista. Já esqueceu? ─É muito pouco provável que me esqueça de algo assim, senhor. Custou-me um olho. ─resmungou Jared. ─Mas de qualquer forma, não estava com disposição para discutir estúpidas lendas familiares. Já estava muito ocupado com todo esse assunto de encontrar um tesouro enterrado. ─Não se descarta o fato de que você é o novo Guardião. ─disse Magnus com expressão solene. ─Cobriu de sangue a adaga. Além disso, é a própria imagem do capitão Jack quando jovem. ─Já chega! ─Jared tirou o relógio do bolso e o aproximou da lanterna para poder olhá-lo melhor. ─É tarde e devo me levantar cedo amanhã. ─Você e esse seu maldito relógio. ─grunhiu Thaddeus. ─Aposto que também tem seu livro de anotações. ─É obvio! ─confirmou Jared. ─Sabe que dependo dele. Jared pensou que as coisas mais importantes que tinha na vida eram seu relógio e seu livro de anotações. Durante anos, ambos os elementos tinham lhe ajudado a estabelecer uma
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ordem e uma rotina em um mundo que, frequentemente, tornava-se caótico e instável por causa de sua família tão louca e imprevisível. ─Não posso acreditar. ─Magnus meneou a cabeça, resignado. ─Está a ponto de zarpar para encontrar o tesouro perdido e só se preocupa em consultar esse tolo relógio e seu livro de anotações, como um desagradável homem de negócios. ─Sou um desagradável homem de negócios. ─disse Jared. ─Isso é mais que suficiente para fazer chorar qualquer pai. ─destrambelhou Magnus. ─Tente mostrar um pouco do fogo dos Flamecrest, rapaz. ─urgiu Thaddeus. ─Estamos a um passo de recuperar a herança perdida, filho. ─Magnus se aferrou à beira da embarcação e contemplou o mar escurecido na noite. Era a imagem do homem que pode ver além do horizonte. ─Sinto no mais profundo de minha alma. Depois de todo esse tempo, o tesouro Flamecrest está praticamente em nossas mãos. E, você terá a honra suprema de recuperá-lo para nós. ─Asseguro-lhe, senhor ─declarou Jared cortesmente, ─que minha excitação diante desta perspectiva não conhece limites.
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Capítulo 1
─Tenho também outro livro que pode lhe parecer muito interessante, Sr. Draycott. ─Olympia equilibrava-se com um pé sobre a escada da biblioteca, enquanto, com o outro, se apoiava na beira de uma prateleira e se esticava para alcançar um volume que estava na parte mais alta do armário. ─Este também contém informação fascinante sobre a lenda da Ilha do Ouro. E, me parece que existe mais um, que deveria examinar. ─Por favor, tome cuidado, Srta. Wingfield. ─Reginald Draycott sustentava a escada por ambos os lados, para mantê-la equilibrada. Observava Olympia, que voltava a esticar-se para pegar outro livro em uma prateleira alta. ─Certamente vai cair se não tomar cuidado. ─Não se preocupe. Asseguro-lhe que estou acostumada com estas coisas. Bom, eu utilizei esta obra quando escrevi meu último relatório para a publicação trimestral da Sociedade de Viagens e Exploração. É muito útil porque contém dados sobre os hábitos incomuns dos habitantes de certas ilhas dos mares do sul. ─Você é muito amável por me emprestá-lo Srta. Wingfield, mas realmente estou muito preocupado por vê-la nessa posição sobre a escada. ─Não se inquiete, senhor. ─Olympia olhou Draycott com um sorriso tranquilizador, mas notou que o homem tinha uma expressão muito estranha. Seus olhos pálidos e cansados estavam imóveis e tinha a boca aberta. ─Está passando mal, Sr. Draycott? ─Não, absolutamente, querida. ─Draycott umedeceu os lábios e continuou olhandoa fixamente. ─Tem certeza? Parece que está nauseado. Caso seja o seu desejo, posso descer estes livros em outro momento.
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─Oh, não! Não poderia esperar mais outro dia. Juro-lhe que estou bem. A verdade é que você reavivou minha curiosidade sobre a lenda da Ilha do Ouro, querida. Não poderia sair daqui sem mais material para estudar. ─Bom, então, se tem certeza... Este livro trata sobre os fascinantes costumes da lendária Ilha do Ouro. Pessoalmente, sempre achei os costumes de outras terras fascinantes. ─De verdade? ─Oh, sim! Como uma mulher do mundo, penso que essas coisas são muito estimulantes. Os rituais da noite de núpcias dos habitantes da Ilha do Ouro são particularmente interessantes. ─Olympia virou várias páginas do antigo livro e a seguir se atreveu a olhar para Draycott novamente. Decididamente, algo estava errado, pensou Olympia. A expressão de Draycott realmente começava a inquietá-la. Não a olhava diretamente nos olhos; porém, mais abaixo. ─Falava dos rituais da noite de núpcias, Srta. Wingfield? ─Sim. Costumes muito insólitos, por certo. ─Olympia franziu a testa, concentrada. ─Supostamente, o noivo entrega à noiva um grande objeto de ouro, em forma de falo. ─Você disse de falo, Srta. Wingfield? ─A voz do Draycott soou como se alguém estivesse lhe estrangulando. Finalmente, Olympia se deu conta que da posição em que estava, Draycott via perfeitamente o que tinha por baixo de suas saias. ─Meu Deus! ─Olympia perdeu o equilíbrio e se agarrou no degrau superior da escada. Um dos livros que tinha na mão caiu sobre o tapete. ─Aconteceu algo errado, minha querida? ─perguntou Draycott imediatamente. Mortificada ao se dar conta que havia exposto a maior parte de suas pernas, vestidas com meias, ao olhar desavergonhado do homem, Olympia se sentiu muito acalorada. ─Nada de errado, Sr. Draycott. Já encontrei os livros que queria. Já vou descer, por favor, chegue para o lado. ─Me permita que lhe ajude. ─As mãos suaves e gordinhas de Draycott, sob as saias de musselina, roçaram as panturrilhas de Olympia.
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─Não, por favor, está tudo bem. ─respondeu ela, agitada. Jamais havia sentido as mãos de nenhum homem sobre suas pernas. O contato com Draycott alarmou-a terrivelmente. Tentou voltar a subir novamente a escada para escapar das mãos de Draycott. Mas ele a segurou pelo tornozelo, antes que ela pudesse escapar. Olympia esforçou-se para retirar a perna, para livrar-se das mãos do outro, mas sem sucesso. ─Se tivesse a gentileza de ficar ao lado, Sr. Draycott, eu poderia descer sem problema. ─Não posso me arriscar a deixá-la cair. ─Draycott deslizou os dedos um pouco mais acima e a apertou. ─Não preciso de nenhuma ajuda. ─Outro dos livros que Olympia segurava em sua mão caiu no chão com um ruído seco. ─Tenha a amabilidade de soltar o meu tornozelo, senhor. ─Só estou tentado ajudá-la, querida. Mas então, Olympia já estava furiosa. Fazia anos que o conhecia. Não podia acreditar que não fizesse de propósito. Começou a dar chutes, enlouquecida. E, conseguiu bater no ombro de Draycott. ─Ai! ─Draycott cambaleou, deu um passo para trás e olhou Olympia com expressão de dor. Olympia não prestou atenção nenhuma à expressão acusatória de seus olhos. Desceu apressadamente a escada, em uma revoada de musselina. Sentiu que seus cabelos escapavam do coque que tinham sido confinados. Sua touca de musselina havia saído do lugar. Quando tocou o chão com os pés, sentiu que Draycott, por detrás, segurava em sua cintura. ─Minha querida Olympia, eu já não posso ocultar mais os meus verdadeiros sentimentos.
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─Já extrapolou os seus limites Sr. Draycott. ─Abandonando qualquer intenção de conduzir a situação de uma maneira feminina, Olympia cravou-lhe o cotovelo no diafragma. Draycott se queixou, mas não a soltou. Ofegava próximo de sua orelha. Olympia notou o aroma de cebola em seu fôlego. Revolveu-lhe o estômago. ─Olympia, querida, você já é uma mulher madura, não uma jovenzinha que acaba de sair da escola. Tem estado encerrada aqui, em Upper Tudway, durante toda a sua vida. Não teve oportunidade de experimentar as sortes da paixão. Já está na hora de viver. ─Acho que vou vomitar em cima de suas botas, Sr. Draycott. ─Não seja ridícula. Certamente, está um pouquinho nervosa porque não está acostumada aos prazeres do desejo físico. Não tenha medo. Eu ensinarei tudo o que precisa saber. ─Me solte, Sr. Draycott. ─Olympia deixou cair o último livro e lhe cravou as unhas nas mãos. ─É uma mulher encantadora que nunca saboreou o amor. Não vai querer negar-se a mais sublime experiência sensual, não? ─Sr. Draycott, se não me soltar agora mesmo, vou começar a gritar. ─Não tem ninguém em casa, querida. ─Draycott a arrastava para o sofá. ─Seus sobrinhos saíram. ─Tenho certeza que a Senhora Bird deve estar por aqui. ─Sua governanta está lá fora, nos jardins. ─Draycott começou a olhar para o pescoço. ─Não tema querida, estamos sozinhos. ─Sr. Draycott. Comporte-se. Não sabe o que está fazendo. ─Me chame de Reggie, querida. Desesperada, Olympia tentou pegar a estátua do cavalo troiano de prata que tinha sobre a escrivaninha. Mas foi em vão. Entretanto, para sua surpresa, Draycott gritou e a soltou. ─Por todos os demônios! ─protestou Draycott.
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Livre, finalmente, mas totalmente desequilibrada, Olympia cambaleou e quase caiu, mas agarrou-se à escrivaninha para manter-se em pé. Às suas costas, sentiu que Draycott voltava a queixar-se. ─Quem diabos é você? ─perguntou, totalmente agitado. Ouviu-se o nauseante ruído de carne chocando-se contra carne e logo um repentino golpe seco. Com a touca caindo sobre uma orelha, Olympia deu meia volta imediatamente. Afastou várias mechas de seu rosto para poder contemplar, atônita, Draycott. Estava estendido, esparramado, no chão. Com uma estranha sensação do inevitável, o olhar de Olympia se dirigiu ao par de botas negras que se encontravam muito perto de Draycott. Lentamente, elevou a vista. Imediatamente, surpreendeu-se ao observar o rosto de um homem, que poderia muito bem ter saído de uma lenda de tesouros escondidos em ilhas misteriosas, localizadas em mares não explorados. Sua imagem a inspirava profundamente, por aquela cabeleira escura, castigada pelo vento, o emplastro de veludo que lhe cobria o olho e a adaga que tinha amarrada a sua coxa. Era o homem de aspecto mais poderoso que tinha visto em toda sua vida. Alto, de ombros largos e de aspecto longilíneo, o homem irradiava força e graça masculina. Seus traços haviam sido esculpidos com descaramento e insolência pela mão de um escultor que menosprezava a sutileza e o refinamento. ─Por acaso, você é a Srta. Olympia Wingfield? ─perguntou o homem com toda serenidade, como se o fato de ter um homem estendido no chão, inconsciente, fosse algo comum para ele. ─Sim. ─A voz de Olympia elevou-se a tal ponto que pareceu um guincho, mais que uma resposta. Pigarreou e voltou a tentar. ─Sim, sou eu. Qual é seu nome, senhor? ─Chillhurst.
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─Oh! ─Olhou para ele, sem lhe ver. Jamais tinha escutado esse nome antes. ─ Muito prazer, Sr. Chillhurst. Sua roupa de montar caía-lhe muito bem, mas inclusive ela, que havia vivido toda a sua vida no campo, se deu conta que estava totalmente fora de moda. Um homem de poucos recursos, obviamente. Ao que parecia, tampouco lhe sobrava para comprar uma gravata, porque não usava nenhuma. Tinha o colarinho da camisa aberto. Ao ver sua garganta nua Olympia advertiu algo incivilizado nela, até primitivo. Até podia ver-se uma parte do peito. Aparentemente, estava coberto por pelo escuro e ondulado. O homem parecia perigoso, parado ali, em sua biblioteca. Perigoso e sinceramente fascinante. Sentiu um estremecimento, embora em nada parecido aquele tão desagradável que tinha experimentado quando Draycott a segurou pelo tornozelo. Este estremecimento foi de excitação. ─Não acredito conhecer ninguém com o nome de Chillhurst. ─conseguiu dizer Olympia, com doçura. ─Seu tio, Artemis Wingfield, enviou-me. ─Tio Artemis? ─sentiu-se profundamente aliviada. ─Você o conheceu em alguma de suas viagens? Ele está bem? ─Muito bem, Srta. Wingfield. Eu o conheci na costa da França. ─Isto é maravilhoso. ─Olympia lhe ofereceu um sorriso radiante. ─Estou ansiosa para escutar as notícias. Tio Artemis sempre conta aventuras tão interessantes. Como lhe invejo. Deve jantar esta noite conosco, Sr. Chillhurst e nos contar tudo. ─Você está bem, Srta. Wingfield? ─Perdão? ─Olympia olhou para ele confusa. ─É claro que estou bem. Por que não estaria? Minha saúde é excelente. Sempre foi. Obrigado por perguntar. Chillhurst arqueou a sobrancelha escura de seu único olho bom. ─Referia-me à experiência que acaba de ter nas mãos desta pessoa que está no chão. ─Oh! Entendo. ─De repente, Olympia se lembrou da presença de Draycott na biblioteca. ─Ai meu Deus! Quase me esqueci dele.
─Viu que Draycott começava a
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pestanejar e se perguntava o que teria que fazer. Não era muito habilidosa para dirigir situações sociais difíceis. Nem tia Sophy, nem tia Ida se preocuparam de lhe ensinar essas sutilezas. ─Este é o Sr. Draycott. Um vizinho. ─disse Olympia. ─Faz anos que o conheço. ─E, você sempre sobre do seu costume de atacar às mulheres em suas próprias residências? ─perguntou Chillhurst secamente. ─O quê? Oh, não! ─Olympia ficou envergonhada. ─Bem, pelo menos é o que eu acho. Aparentemente, apagou. Acha que eu deveria chamar a minha governanta para que traga vinagre? ─Não se preocupe. Deve despertar a qualquer momento. ─Sim? Nunca tive experiência com os efeitos do pugilismo. Entretanto, meus sobrinhos são grandes admiradores desse esporte. ─Olympia olhou para ele inquisitivamente. ─Você parece muito versado nisto, estudou em alguma das academias de Londres? ─Não. ─Pensei que sim. Bem, não tem importância. ─Voltou a olhar Draycott. ─ Certamente, estava ficando impertinente. Espero que tenha aprendido a lição. Devo dizer que, se continuar com esse comportamento, não vou permitir que você volte a usar minha biblioteca. Chillhurst a olhou como se estivesse meio louca. ─Srta. Wingfield, me permita dizer-lhe que este sujeito não deve voltar a entrar em sua casa sob nenhuma circunstância. Por outro lado, qualquer mulher, na sua idade, deveria saber que não é aconselhável receber homens a sós em sua biblioteca. ─Não seja ridículo, senhor. Tenho vinte e cinco anos e muito pouco a temer de homens desacompanhados que venham me visitar. De qualquer forma, sou uma mulher do mundo e, como tal, não vou deixar me intimidar por circunstâncias incomuns ou extraordinárias. ─É esse o caso, Srta. Wingfield?
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─Certamente. Acredito que o pobre Sr. Draycott foi simplesmente uma vítima desse tipo de paixão intelectual que nasce, frequentemente, a partir do interesse por lendas antigas. Todo esse assunto de tesouros perdidos tem um interesse irritante em certas pessoas.
Chillhurst a olhou. ─E, em você, também surte o mesmo efeito, Srta. Wingfield? ─Sim, certamente. ─Olympia interrompeu, ao ver que Draycott começava a recuperar os sentidos. ─Olhe, está abrindo os olhos. Acha que ficará com dor de cabeça por causa desse golpe tremendo que você lhe deu? ─Com um pouco de sorte, sim. ─respondeu Chillhurst. ─Demônios! ─lamentou-se Draycott. ─O que aconteceu? -Durante alguns minutos, ficou olhando para Chillhurst, sem entender a situação. Logo arregalou os olhos, atônito. ─Quem diabos é você, senhor? Chillhurst olhou para ele. ─Um amigo da família. ─Como se atreveu a me atacar? ─perguntou Draycott, tocando com cuidado a mandíbula. ─Vou denunciá-lo às autoridades por essa ação, senhor. Por Deus. ─Não fará nada disso, Sr. Draycott. ─disse Olympia, irritada. ─Como já deve saber, seu comportamento foi atroz. Certamente desejará partir agora mesmo. ─Primeiro terá que desculpar-se com você, Srta. Wingfield. ─sugeriu Chillhurst, sem demora. Olympia olhou surpresa para ele. ─Sim? ─Maldita seja. Eu não fiz nada de errado. ─queixou-se Draycott, ofendido. ─Simplesmente, estava tentando ajudar a Srta. Wingfield a descer da escada. E, veja o agradecimento que recebi. Chillhurst se agachou, agarrou Draycott pelo lenço do pescoço e lhe obrigou a ficar de pé.
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─Vai desculpar-se. ─ordenou-lhe determinadamente. ─E depois partirá. Draycott piscou várias vezes. Olhou Chillhurst nos olhos, que estavam imutáveis, e comentou incomodado. ─Sim, claro. Foi um engano, lamento muito. Chillhurst o soltou repentinamente. Draycott cambaleou e, rapidamente, afastou-se dele para que não pudesse voltar a segurá-lo. Dirigiu-se a Olympia com uma expressão de inconfundível desconforto. ─Lamento muito qualquer mal entendido que possa ter surgido entre nós, Srta. Wingfield. ─disse Draycott, tenso. ─Não foi minha intenção ofendê-la. ─É claro que não. ─Olympia não pode ignorar a diferença que havia entre um homem e outro. Draycott parecia pequeno e indefeso ao lado do Sr. Chillhurst. Por conseguinte era muito difícil lembrar o medo que havia tido durante aqueles minutos, antes que aparecesse o Sr. Chillhurst. ─Acredito que será melhor que esqueçamos todo este incidente. Faremos de contas que nada disso nunca aconteceu. Draycott olhou de esguelha Chillhurst. ─Como desejar. ─Ajeitou a jaqueta e a gravata. ─Agora, se me desculpar, devo me retirar. Não se incomode em chamar a sua governanta. Conheço a saída. O silêncio envolveu a biblioteca no momento em que Draycott saiu apressadamente. A seguir, Olympia olhou Chillhurst. Ele, em troca, estava observando-a com uma expressão indecifrável. Nenhum dos dois pronunciou uma palavra, até o momento em que escutaram o ruído da porta do vestíbulo, que se fechava detrás de Draycott. Olympia sorriu. ─Obrigado por vir me resgatar, Sr. Chillhurst. Foi muito galante de sua parte. Nunca haviam me resgatado antes. Foi uma experiência inédita para mim. Chillhurst inclinou a cabeça com irreverente cortesia. ─Não foi nada, Srta. Wingfield. Fico feliz por ter sido útil. ─Claro que foi. Sem a sua intervenção, provavelmente o Sr. Draycott se atreveria a algo mais que a roubar um beijo.
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─Será? Olympia franziu a testa diante o cepticismo presente nos olhos do Chillhurst. ─Na realidade, não é uma má pessoa. Faz muito que o conheço. Desde que vim viver aqui, em Upper Tudway. Mas, devo admitir que sua atitude ficasse mais estranha depois que sua esposa morreu, há seis meses. ─Fez uma pausa. ─Interessou-se repentinamente pelas antigas lendas, que, justamente, é o que mais me interessa. ─Não sei por que, mas não me surpreende. ─O que? Que eu também me interesse por isso? ─Não, não. Que Draycott, repentinamente, tenha demonstrado interesse nessas lendas. ─A expressão de Chillhurst ficou sombria. ─Obviamente, o motivo foi para seduzila, Srta. Wingfield. Olympia estava sobressaltada. ─Pelo amor de Deus, não estará insinuando que o que se passou aqui, esta tarde, tenha sido intencional, não é verdade? ─Tenho uma grande suspeita que tudo isto tenha ocorrido de forma muito intencional, Srta. Wingfield. ─Entendo. ─Olympia considerou a observação por alguns segundos. ─Não havia pensado nessa possibilidade. ─É claro que não. De qualquer maneira, será melhor que não volte a receber esse homem estando sozinha. Olympia descartou o conselho. ─Bom, tampouco é para tanto. Já terminou. E, eu estou esquecendo minhas boas maneiras. Talvez, lhe agrade beber uma xícara de chá, o que acha? Provavelmente, deve ter tido uma longa viagem. Vou chamar minha governanta. O ruído da porta exterior que se abria repentinamente impediu que Olympia chamasse a sua criada, a Sra. Bird. Uns latidos ensurdecedores ecoaram no vestíbulo. Unhas de cães rasgavam a porta de madeira, do lado de fora da biblioteca. Saltos de botas. Vozes de crianças que vibravam em coro como uma bomba.
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─Tia Olympia? Tia Olympia, onde você está? ─Já estamos em casa, tia Olympia. Olympia olhou Chillhurst. ─Acho que meus sobrinhos acabaram de voltar de sua pescaria. Ficarão ansiosos para conhecê-lo. Gostam muito do tio Artemis e, sem dúvida, vão querer saber tudo o que você tem para nos contar sobre ele. Também poderia mencionar suas habilidades de pugilista. Meus sobrinhos irão bombardeá-lo com perguntas sobre o assunto. Nesse preciso momento, um cão peludo, de raça indeterminada, entrou abruptamente na biblioteca. Ladrou uma só vez, mas intensamente, para Chillhurst e a seguir avançou a trote para Olympia. Estava ensopado e com suas enormes patas, deixou rastros de barro no tapete do ambiente. -Ai, Meu Deus! Minotauro você fugiu novamente. ─Olympia se preparou para o que a esperava. ─Sentado, Minotauro. Sente-se, vamos. Muito bem, isso, assim se faz. Minotauro continuou avançando torpemente, movendo a língua de um lado para o outro, em sua boca aberta. Olympia afastou-se dele rapidamente. ─Ethan? Hugh? Por favor, chamem o cão. ─Aqui, Minotauro! ─gritou Ethan do corredor. ─Aqui, rapaz. ─Volte aqui, Minotauro! ─gritou Hugh, por sua vez. Minotauro não lhes prestou nenhuma atenção. Estava muito disposto para saudar Olympia e não havia quem o impedisse. Parecia um monstro, mas era muito simpático, e Olympia tinha aprendido a amá-lo desde que seus sobrinhos o encontraram abandonado, e decidiram trazê-lo para casa. Por desgraça, o petulante tinha péssimas maneiras. O enorme animal parou em frente a ela e tomou impulso sobre suas patas traseiras. Olympia tentou colocar suas mãos entre ambos, para defender-se, mas soube desde o primeiro momento que não serviria para nada. ─Quieto, rapaz, quieto. ─disse Olympia sem muitas esperanças. Por favor, sente-se. Por favor.
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Minotauro ladrou, saboreando a vitória. Suas patas sujas começaram a inevitável descida, apoiando-se, é claro, sobre a frente impecável do vestido de Olympia. ─Bom, já basta! ─disse Chillhurst. ─Nunca gostei de ter cães desobedientes em casa. De rabo de olho, Olympia notou que Chillhurst avançou com apenas um passo, que lhe serviu para segurar a coleira de couro do animal. Assim, pressionou-lhe para baixo até que Minotauro apoiou suas quatro patas imundas sobre o chão. ─Fique quieto. ─ordenou Chillhurst ao cão. ─Sente-se. Minotauro lhe olhou, com autêntico assombro canino. Durante um momento, ambos se olharam fixamente nos olhos. Logo, para surpresa de Olympia, o animal se sentou sobre suas patas traseiras. ─Não posso acreditar. ─disse Olympia. Como demônios conseguiu isso? Minotauro jamais obedece às ordens. ─Simplesmente, precisa de uma mão firme. ─Tia Olympia? Está na biblioteca? ─Ethan entrou no recinto como um furacão. Seu rosto de oito anos revelava genuíno entusiasmo. Tinha o cabelo castanho claro colado à cabeça e a roupa tão molhada e enlameada como a pelagem de Minotauro. ─Há uma carruagem desconhecida na entrada. É enorme e parece carregada com muitos baús. Por acaso o tio Artemis veio nos visitar novamente? ─Não. ─Olympia olhava com o cenho franzido a roupa em estado lamentável de seu sobrinho, e estava a ponto de lhe perguntar por que tinha ido nadar vestido. Mas, antes que pudesse falar, o gêmeo de Ethan, Hugh, entrou tão intempestivamente como seu irmão na biblioteca. Além disso, tinha a camisa rasgada. ─Tia Olympia, temos visitas? ─perguntou Hugh, ansioso. Seus olhos azuis brilhavam de entusiasmo. Ambos os meninos pararam repentinamente, quando viram Chillhurst. Ficaram olhando para ele, imóveis, enquanto a água e o barro jorravam sobre o tapete, ao redor de seus pés.
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─Quem é você? ─perguntou-lhe Hugh, sem rodeios. ─Veio de Londres? ─perguntou Ethan. ─O que carrega na carruagem? ─ O que aconteceu com seu olho? ─perguntou Hugh. ─Hugh, Ethan, onde estão suas maneiras? ─Olympia olhou para ambos com expressão de reprovação. ─Essa não é maneira de saudar uma visita. Por favor, subam imediatamente para trocarem a roupa. Parece que caíram em um rio. ─Ethan me empurrou, então eu o empurrei, também. ─explicou Hugh brevemente. ─E depois, Minotauro se atirou no rio conosco. Ethan ficou imediatamente furioso. ─Eu não empurrei você na água. ─Sim, empurrou-me. ─Não, eu não empurrei. ─Isso, agora não importa. ─interrompeu Olympia imediatamente. ─Subam e fiquem apresentáveis. Quando descerem, vou apresentá-los ao Sr. Chillhurst como é devido. ─Ai, tia Olympia! ─queixou-se Ethan de forma tão desagradável, e que ultimamente tinha aperfeiçoado a ponto de chegar a ser insuportável. ─Não seja tão desmancha prazeres. Diga-nos primeiro quem é esta pessoa. Olympia se perguntou onde esse menino teria aprendido a falar. -Explicarei tudo mais tarde, e lhes asseguro que será muito excitante. Mas, vocês estão muito enlameados e primeiro precisam subir e ficar apresentáveis. Já sabem que a Senhora Bird fica muito aborrecida quando encontra o tapete sujo de barro. ─Que vá para o inferno a Sra. Bird! ─expressou Hugh. ─Hugh! ─exclamou Olympia. ─Bom, ela se queixa por qualquer motivo, e você sabe muito bem, tia Olympia. ─Olhou para Chillhurst. ─Você é um pirata? Chillhurst não respondeu. Provavelmente, porque escutou outro barulho colossal no corredor. Dois cães de águas irromperam na sala. Ladravam contentes, anunciando sua chegada, sem deixar de movimentarem-se como selvagens. A seguir, atravessaram correndo
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toda a biblioteca, para averiguar que demônios estava acontecendo com Minotauro, que ainda continuava sentado sobre suas patas traseiras, junto aos pés de Chillhurst. ─Tia Olympia? O que aconteceu? Há uma carruagem desconhecida na entrada. ─Quem está aqui? ─Robert, dois anos mais velho que os gêmeos, apareceu na porta. Tinha o cabelo mais escuro que seus irmãos, mas a cor de olhos era do mesmo azul vivaz. Embora não estivesse molhado como os outros dois, tinha as botas cobertas com uma crosta de barro e muita sujeira no rosto e nas mãos. Levava um gato enorme debaixo do braço. A cauda longa e suja do animal se arrastava pelo chão, atrás dele. Três pequenos peixes penduravam-se em uma linha que sustentava com a outra mão. Deteve sua marcha quando advertiu a presença de Chillhurst. Arregalou os olhos desmesuradamente. ─Olá. Como vai? ─saudou Robert. Quem é você, senhor? A carruagem que está fora é sua? Chillhurst ignorou os agitados cães de água e observou pensativo, os curiosos rapazinhos. ─Meu nome é Chillhurst. ─disse por fim. ─Seu tio me enviou. ─De verdade? ─perguntou Hugh. Como foi que conheceu tio Artemis? ─Conhecemo-nos recentemente. ─disse Chillhurst. Soube que eu vinha para a Inglaterra e me pediu para passar por Upper Tudway. A expressão do Robert se acendeu. ─Isso significa que, talvez, tenha nos enviado alguns presentes. Estão na carruagem? ─Tio Artemis sempre nos envia presentes. ─explicou Hugh. ─Isso é verdade. ─corroborou Ethan. Onde estão nossos presentes? ─Ethan, ─disse Olympia. É má educação pedir a um convidado nossos presentes, sem lhe dar previamente, a oportunidade de refrescar-se um pouco depois de uma viagem tão larga. ─Não se preocupe, Srta. Wingfield. ─disse Chillhurst suavemente. Voltou-se para Ethan. ─Entre outras coisas, seu tio me enviou.
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─A você? ─Ethan parecia desolado. ─E, para que teria que enviá-lo? ─Porque eu vou ser o novo professor de vocês três. ─disse Chillhurst. Um implacável silêncio reinou na biblioteca. Olympia observou os rostos de seus jovens sobrinhos, que trocaram do entusiasmo ao espanto. Ficaram olhando atônitos para Chillhurst. ─Por todos os demônios. ─resmungou Hugh. ─Não queremos outro professor. ─Ethan enrugou o nariz. ─O último era insuportável. Não parava de encher nossa cabeça com grego e latim. ─Não precisamos de nenhum professor. ─assegurou Hugh a Chillhurst. ─Não é verdade, Robert? ─É verdade! ─confirmou Robert imediatamente. ─Tia Olympia pode nos ensinar tudo o que precisamos aprender. Diga-lhe que não queremos nenhum professor, tia Olympia. ─Não compreendo, Sr. Chillhurst. ─Olympia ficou contemplando o pirata que estava quieto em sua biblioteca. ─Certamente, meu tio não iria contratar um professor para meus sobrinhos sem me consultar previamente. Chillhurst se voltou para ela, com uma estranha expressão em seus olhos cinza prata. ─Mas foi exatamente isso o que fez. Espero que isto não lhe traga problemas. Percorri todo este longo caminho, com a promessa que obteria o posto. Confio lhe ser de utilidade. ─Acredito não estar em posição de poder pagar a outro professor. ─disse Olympia lentamente. ─Não tem que preocupar-se com meus honorários, porque seu tio já me pagou tudo adiantado. ─esclareceu Chillhurst. ─Entendo. ─disse Olympia, embora não soubesse o que dizer. Chillhurst se voltou de novo para os três garotinhos que o olhavam com franco desgosto e apreensão. ─Robert, você voltará pelo mesmo caminho que entrou. Irá à cozinha levar esses pescados e limpá-los.
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─A Senhora Bird é quem sempre os limpa. ─esclareceu Robert imediatamente. ─Você os pescou. Você os limpa. ─respondeu Chillhurst com toda serenidade. ─Ethan, Hugh, vocês levarão estes cães daqui, imediatamente. ─Mas os cães sempre entram na casa. ─disse Ethan. ─Ao menos, Minotauro é que entra. Os outros dois são do vizinho. ─Portanto, só Minotauro terá direito a entrar na casa, sempre e quando estiver limpo e seco. Se encarreguem de que os outros dois cães voltem para sua casa e se ocupem do de vocês. ─Mas, Sr. Chillhurst, ─Ethan começou outra vez com esse tom esganiçado tão exasperante. -Nada de lamentações. Incomodam-me demais. ─repreendeu Chillhurst. Tirou seu relógio de ouro do bolso e olhou a hora. ─Bem, têm meia hora para tomar banho e trocar de roupa e pôr uma limpa. ─Eu não preciso me banhar. ─grunhiu Robert. ─Mas irá fazê-lo e o fará rapidamente. ─Voltou a guardar o relógio no bolso. ─Uma vez que tenham terminado nos reuniremos e falaremos dos diferentes estudos que terão que seguir enquanto eu esteja neste cargo, entendido? ─Inferno! ─murmurou Robert. ─É um louco perdido. Isso é o que é. Ethan e Hugh seguiam olhando Chillhurst com expressões aterrorizadas. ─Perguntei se está entendido. ─Repetiu Chillhurst com uma voz perigosa. Os olhos do Ethan e do Hugh se centraram na faca que Chillhurst levava na perna. ─Sim, senhor. ─disse Ethan imediatamente. Robert dirigiu a Chillhurst um olhar rebelde, mas não discutiu. ─Sim, senhor. ─Podem retirar-se. ─disse Chillhurst. Os três garotinhos voltaram-se e partiram para a porta. Os cães os seguiram com a mesma urgência. Por um breve momento, houve um alvoroço na saída, porém logo foi resolvido.
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Mais um momento, e a paz reinou novamente na biblioteca. Olympia ficou olhando a porta, vazia, sem conseguir acreditar. ─Isso foi absolutamente incrível, Sr. Chillhurst. Pode considerar que o posto é seu. ─Obrigado, Srta. Wingfield. Dedicar-me-ei plenamente a minha tarefa com a finalidade de ganhar meus honorários.
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Capítulo 2
─Devo ser totalmente honesta com você, Sr. Chillhurst, ─Olympia colocou uma mão em cima da outra, sobre a escrivaninha e observou Chillhurst. ─Nos últimos seis meses eu contratei três professores diferentes e não consegui que nenhum deles ficasse mais de quinze dias. ─Asseguro-lhe que ficarei aqui o tempo que seja necessário, Srta. Wingfield. ─Jared se reclinou contra o encosto de sua cadeira, apoiando os cotovelos sobre os braços estofados da mesma. Uniu as pontas dos dedos e olhou Olympia por cima da figura que tinha criado com suas mãos. Maldição, pensou. Não podia tirar os olhos de cima dela. Olympia o tinha fascinado desde o primeiro momento que a viu na biblioteca. Não, corrigiu-se, pois lembrou que sua fascinação havia começado aquela noite, no imundo botequim francês, quando Artemis Wingfield havia descrito a sua original sobrinha. Durante toda a travessia, enquanto cruzava o canal, Jared não tinha feito outra coisa mais que especular sobre a mulher que tinha sido capaz de localizar o diário Lightboume. Vários membros de sua família tinham tentado chegar até ele, em vão. Que espécie de mulher tinha podido vencê-los? Entretanto, até admitindo abertamente que a moça despertava-lhe grande curiosidade, não podia explicar essa sensação estranha que experimentou quando entrou na biblioteca e encontrou Draycott segurando-a pelo tornozelo. Nesse momento, seu impulso foi perturbador, quase selvagem em sua intensidade. Era como se sua própria mulher estivesse sendo atacada por um estranho. Teria estrangulado Draycott, mas ao mesmo tempo, ficou enfurecido pela falta de bom senso de Olympia. Gostaria de sacudi-la, arrastá-la para o tapete e fazer amor com ela. Jared estava assombrado pelo poder dos seus sentimentos. Recordou o que tinha vivido no dia que viu sua noiva, Demetria Seaton nos braços de seu amante. Nem nesse
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momento, tinha tido uma reação tão violenta como a que experimentou com Olympia. Não tinha sentido. Não tinha lógica alguma. Mas até mesmo tendo esse fato como parâmetro, Jared tomou uma determinação em questão de segundos. Todos aqueles planos, francamente lógicos e friamente concebidos, desapareceram em um piscar de olhos. Toda intenção de caçar o diário e seus segredos para em seguida retornar aos seus negócios de costume, desvaneceram-se em um instante. Com um desdém incomum pela racionalidade, totalmente atípico nele, mandou o diário Lightbourne para o inferno. A última coisa que desejava era fazer um frívolo pacto comercial com Olympia. Na verdade, não suportava nem sequer esse pensamento. Desejava-a. Desejava-a. Uma vez que havia chegado à essa incrível verdade, a única coisa que lhe parecia realmente importante era que finalmente, havia achado a maneira de ficar perto de sua linda sereia. Jared precisava explorar essa atração feroz, poderosa e apaixonada, nem que fosse a única coisa que fizesse na vida. No momento, nada lhe importava tanto quanto isso: nem seu plano tramado para conseguir o diário e terminar dessa forma com a caçada familiar do mesmo, nem seus assuntos comerciais agora tão distantes, e nem mesmo sequer descobrir a pessoa que lhe estava extorquindo. Sua família, assim como seus negócios e o maldito estelionatário podiam esperar mais um tempo. Pela primeira vez em sua vida, estava a ponto de fazer algo que realmente queria, e mandaria para o inferno todas as suas responsabilidades. Com sua sagacidade natural, Jared havia se agarrado à solução mais óbvia: apresentar-se como o novo professor. E, lhe pareceu extremamente simples, como se o destino tivesse tomado as rédeas do assunto. Pouco tempo depois, Jared teve a oportunidade de refletir sobre seu impulso. Perguntou-se se não estaria ficando louco. De qualquer jeito, não podia arrepender-se do que havia feito. Sabia que o desejo que sentia em suas vísceras e o calor que corria por suas veias constituíam uma séria ameaça
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para seu tão prezado autocontrole. Mas, embora ignorando o porquê, não se importava nem um pouco com as consequências. Essa despreocupação era o que mais chamava a atenção. Algo que Jared sempre tinha valorizado na vida eram a calma, a frieza e a lógica com que empreendia cada aspecto de sua vida. Em uma família em que todos seus membros sempre pareciam estar à mercê de suas paixões e caprichos, o autocontrole e a ansiedade calculada sempre tinham brindado Jared com paz interior e senso de ordem. Tinha aprendido a dominar suas emoções a tal ponto, que chegou a perguntar-se se ainda restaria alguma. Mas agora, Olympia Wingfield havia demonstrado que sim. Definitivamente, ela era uma sereia, pensou Jared. Uma sereia do tipo que ainda desconhecia os alcances do seu poder. Não foi a beleza de Olympia o que havia conseguido penetrar na couraça com que Jared se protegeu durante tanto tempo. Admitia que a beleza de Demetria fosse muito mais refinada e elegante. Mas, Olympia, com seu cabelo ruivo e selvagem, seus traços expressivos e olhos da cor de um lago escondido, iam além da beleza, pensou Jared. Era excitante. Intrigante. Vivaz. Havia um encanto inocente nela, tão cativante que Jared jamais imaginaria. Jared tinha a sensação que aquele corpo magro, de curvas pouco pronunciadas, entoava uma canção silenciosa e sensual, debaixo do vestido de musselina que estava usando. Todos os Reginald Draycott do mundo teriam que ir a outro lugar para procurar companhia feminina, porque ele queria Olympia e não permitiria que nenhum homem se aproximasse, enquanto ele estivesse sob o encanto do seu feitiço. Apesar de ainda estar sob a influência da curiosidade e da fascinação, Jared percebeu que havia um ar de desorganização e de pressa em torno de Olympia. Seu vestido apresentava um toque divertido, da touca torcida sobre sua cabeleira de fogo, até a meia três quartos, de algodão, que deslizou sobre a panturrilha e caía sobre seu tornozelo. Tinha o
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aspecto de uma mulher presa entre o mundo cotidiano e alguma fabulosa paisagem que só ela podia ver. Era uma sabichona, uma mulher para ser exibida, mas, aparentemente, mostrava-se contente com seu destino. Jared poderia muito bem ter imaginado que para Olympia fosse agradável o seu celibato. Portanto, sem dúvida nenhuma, a jovem teria descoberto que havia pouquíssimos homens capazes de entender, e muito menos compartilhar, o seu mundo privado interior. Olympia mordeu o lábio inferior. ─É muito amável de sua parte prometer ficar, e estou segura de que tem as melhores intenções. A questão é que meus sobrinhos são um pouco difíceis de lidar. Tiveram problemas para adaptarem-se a viver aqui. ─Não se preocupe, Srta. Wingfield. Eu me encarregarei deles. ─depois de anos de convívio com comerciantes ladinos, beligerantes capitães de navios, um ou outro pirata e os membros de sua própria família, a perspectiva de manobrar três rapazinhos malcriados não intimidava Jared. Por um instante, a esperança se acendeu nos magníficos olhos verde azulados de Olympia. Logo, bufou repentinamente. ─Confio que seus métodos de educação não se apoiem nos açoites, Sr. Chillhurst. Não permitirei que os machuquem. Já sofreram o suficiente nestes últimos dois anos, depois da morte de seus pais. ─Não compartilho da ideia de controlar uma pessoa ou um cavalo com um chicote, Srta. Wingfield. ─Humildemente, Jared se surpreendeu ao ouvir-se dizer a mesma frase, que anos atrás seu pai lhe havia dito. ─Esses métodos só servem para quebrar o espírito ou criar um comportamento vicioso na vítima. Olympia voltou a animar-se. ─É exatamente o que eu penso. Sei que muitos acreditam que essas velhas técnicas disciplinadoras dão bons resultados, mas eu não as compartilho. Meus sobrinhos são bons meninos.
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─Entendo. ─Faz apenas seis meses que os tenho sob a minha proteção. ─continuou Olympia. ─Depois do falecimento de seus pais, foram passando de um parente a outro. Quando chegaram a minha casa, estavam ansiosos, embora decepcionados. Hugh, ocasionalmente, tem pesadelos. ─Entendo. ─Já sei que são terrivelmente indisciplinados, mas ao menos tenho a satisfação de que nos últimos meses estarem mais contentes. Durante as primeiras semanas, eram muito calados. Eu presumo que esse estado de alvoroço constante em que vivem seja um sintoma de sua nova felicidade. ─É muito provável que sejam mais felizes agora. ─concedeu Jared. Olympia entrelaçou os dedos, apertando-os. ─Sei como se sentiram no dia em que seus tios de Yorkshire os deixaram aqui, comigo. Sofri em minha própria carne aquela dolorosa solidão e apreensão quando me depositaram na casa de tia Sophy. ─Quantos anos você tinha na ocasião? ─Dez. Quando meus pais se perderam no mar, tive que passar de parente em parente, assim como meus sobrinhos. Na realidade, ninguém queria carregar a responsabilidade de me criar, embora alguns tentassem cumprir com seu dever. ─O dever não substitui o afeto. ─Perfeito, senhor. E uma criança sabe muito bem a diferença. Finalmente, vim parar aqui, na casa de tia Sophy. Tanto ela, como tia Ida tinham mais de sessenta anos na época, mas me aceitaram e me ensinaram o que era um lar de verdade. Eu tenho a intenção de fazer o mesmo com os meus sobrinhos. ─Muito louvável, Srta. Wingfield ─Infelizmente, não tenho muita experiência em como educar meninos. ─admitiu Olympia. ─Às vezes tenho medo de repreendê-los, para que não se sintam rejeitados.
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─Uma disciplina de ordem e rotina razoáveis não faz com que um menino se sinta rejeitado. ─disse Jared com voz serena. ─Normalmente, acontece o contrário. ─Você acredita nisso, de verdade? Jared tamborilou as pontas dos dedos. ─Em minha opinião de professor, um esquema de hierarquias firmemente estabelecido e atividades instrutivas beneficiarão em muito os seus sobrinhos. Olympia suspirou aliviada. ─Não duvide que ficarei imensamente agradecida se esta casa recuperar um pouco de sua ordem habitual. Eu lhe juro que é quase impossível trabalhar com todo o ruído e o alvoroço que se escuta de longe. Nos últimos meses, não pude escrever nenhum artigo. Parece que estamos vivendo constantemente em crise. ─Em crise? ─Domingo passado, Ethan levou uma rã para a igreja. Você não vai acreditar no alvoroço que aconteceu. Faz poucos dias, Robert tentou montar o cavalo de um vizinho e terminou caindo no chão. O vizinho ficou furioso porque não tinha dado permissão ao Robert para que montasse o animal e eu estava enlouquecida se por acaso meu sobrinho houvesse se machucado seriamente. Ontem, Hugh e o pequeno Charles Bristow se envolveram em uma briga. A mãe do menino ficou histérica e provocou um escândalo. ─Por que eles brigaram? ─perguntou Jared com curiosidade. ─Não tenho a menor ideia. Hugh não quis me dizer. Mas o nariz sangrava profusamente. Pensei que estivesse quebrado. ─Devo entender que Hugh perdeu a briga? ─Sim, mas isso não vem ao caso. O importante é que não deveria ter brigado, em primeiro lugar. Eu estava muito assustada. A Sra. Bird me disse que eu deveria ser mais firme com esse menino, mas eu, de fato, não farei isto. De qualquer modo, você poderá ter uma ideia do tipo de vida que eu levo há alguns meses. ─Hmmm.
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─E sempre parece haver tanto barulho. ─continuou Olympia, desolada.
─Isto
parece um manicômio. ─alisou a sobrancelha. ─Devo confessar que, às vezes, fica difícil. ─Não se preocupe, Srta. Wingfield. Está em boas mãos. Vou organizar uma rotina para os meninos, de maneira que você possa prosseguir com seu trabalho. E falando sobre o assunto... Devo confessar que sua biblioteca me impressiona. ─Obrigada. ─Momentaneamente distraída pelo comentário, Olympia olhou o espaço com orgulho e carinho. ─Herdei a maior parte dos livros de minhas tias Sophy e Ida. Em sua juventude, ambas viajavam muito, traziam todos os livros e manuscritos que encontravam nos lugares que visitavam. Há muitos, muitos tesouros nesta sala. Jared conseguiu afastar o seu olhar de Olympia o suficiente para poder examinar mais atentamente o material bibliográfico. O recinto era tão imprevisível e intrigante como ela. Tratava-se de um lugar para intelectuais, cheio de volumes, mapas e globos terrestres. Não havia livros com flores secando, nem cestas de costura à vista. A mesa de Olympia era grande e forte, feita em mogno lustrada, em nada similar às delicadas mesinhas que a maioria das mulheres usavam para escrever. ─Quanto ao seu trabalho aqui, Sr. Chillhurst ─Olympia franziu a testa em sinal de incerteza, ─acredito que devo lhe pedir referências. A Sra. Millón, minha vizinha, me informou que não é conveniente contratar um professor que não tenha excelentes referências de vários trabalhos anteriores. Jared a olhou. ─Seu tio me enviou. Acredito que é uma recomendação mais que suficiente. ─Oh, sim! ─A expressão da Olympia recuperou a tranquilidade. ─Sim, é obvio. Quer melhor referência que essa? ─Me alegro que pense assim. ─Então, fica tudo combinado. ─Olympia estava feliz de não ter que entrar nesses minuciosos detalhes de ter que recolher referências do homem como professor. ─Quer dizer que conheceu tio Artemis na França?
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─Sim, eu me dirigia da Espanha para a Inglaterra. ─Esteve na Espanha? ─Olympia se mostrou excessivamente entusiasmada. ─Sempre quis ir a Espanha. E a Itália. E a Grécia. ─Bom, eu visitei todos esses lugares. ─Jared fez uma pausa para estudar a reação da moça. ─E também as Índias Ocidentais e América. ─Que excitante, senhor! Como lhe invejo! Você é, indubitavelmente, um homem de mundo. ─Alguns diriam que sim. ─concordou Jared. Mas interiormente, se disse que não era mais que um homem. E como tal, não podia evitar sentir-se cativado pela luz de feminina admiração que brilhou nos olhos da sereia. ─Então, imagino que você será muito versado no conhecimento dos costumes dos habitantes de outros países. ─Olympia olhou para ele, ansiosa. ─Fiz algumas observações. ─disse Jared ─Eu me considero uma mulher de mundo graças a excelente educação que recebi de minhas tias. ─confiou-lhe Olympia. ─Mas, realmente não realizei nenhuma viagem ao exterior. Minhas tias não me deixaram muito dinheiro antes de morrer. Eu vivo da pouca herança que me deixaram, mas é claro, não chaga para pagar uma viagem dessa natureza. ─Compreendo. ─Jared sorriu pela ideia que Olympia tinha sobre ser uma mulher de mundo. ─Bom, Srta. Wingfield, eu acredito que há ainda um par de coisas que devemos discutir com respeito ao meu trabalho nesta casa. ─Existe? ─Temo que sim. ─Pensei que havíamos esgotado o assunto. ─Olympia se acomodou em sua cadeira e exalou um suspiro quase imperceptível, muito sensual, que em qualquer outra mulher teria delatado sinais de paixão. ─Nunca conheci nenhuma outra pessoa que tenha viajado tanto como você, senhor. Realmente eu adoraria lhe fazer algumas perguntas e confirmar suas respostas com alguns dados que extraí que meus livros.
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Jared se deu conta de que Olympia estava lhe observando como se fosse o homem mais bonito, mais fascinante e mais desejável da face da terra. Nenhuma mulher, antes, tinha lhe observado com tanta naturalidade. Aparentemente, nem sequer parecia preocupar-se com o olho que tinha coberto com um emplastro. Jared nunca se considerou um hábil sedutor de mulheres. Para começar, desde os dezenove anos, tinha estado muito ocupado para dedicar mais tempo a essas coisas. E, tal como sempre dizia seu pai, faltava-lhe o fogo dos Flamecrest. E, não porque os apetites masculinos normais lhe faltassem, pensou Jared. Pelo contrário, tinha-os bem identificados. Sabia perfeitamente bem o que era passar uma noite em claro, ansioso por ter entre seus braços uma quente e generosa mulher. O problema relacionado com tudo esse assunto era que não se considerava partidário de envolver-se em romances passageiros e insignificantes. Os que tinham tido nos últimos tempos haviam deixado uma espécie de vazio, totalmente insatisfeito. E, suspeitava que suas companheiras também tinham se sentido dessa forma. Como Demetria havia deixado bem claro, uma vez superado o deslumbramento por seu título e demais coisas, ficava muito pouco para descobrir. Porém, nesse dia em particular, um profundo instinto masculino lhe indicou que podia seduzir Olympia Wingfield. Com ela não teria que recorrer a ramos de flores, nem a poemas, nem a olhares especiais. Tudo o que teria que fazer seria impressioná-la com as histórias, de suas viagens. Considerou como empreenderia a sedução. Indubitavelmente, Olympia sorriria pelas histórias que ele pudesse contar-lhe sobre Roma ou Nápoles. Provavelmente, iria se derreter com alguma anedota de uma viagem a América. E, vai saber do que seria capaz se começasse com os relatos sobre as Índias Ocidentais. Seu corpo endureceu ao analisar todas as possibilidades. Jared inspirou profundamente e tentou repelir essa repentina sensação impetuosa que o afligia. Fez o que sempre fazia cada vez que sentia o corpo fraquejava. Colocou a mão no
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bolso interno de sua jaqueta para segurar seu livro de anotações. Percebeu que Olympia olhava muito interessada, enquanto ele consultava os compromissos que tinha apontados para esse dia. ─Primeiro devemos ver as mercadorias que seu tio despachou e que deixou aos meus cuidados. ─anunciou Jared. ─Sim, é claro! ─disse ela rapidamente. ─Foi muito amável de sua parte ter trazido as mercadorias até aqui. Tio Artemis e eu chegamos a um acordo muito rentável, que eu espero que ele já o tenha explicado. Ele escolhe certos artigos que lhe pareçam interessante durante suas viagens e me envia de onde estiver. A seguir, eu os vendo em algum mercado de Londres. Jared tentou imaginar Olympia como uma vendedora ardilosa de artigos de luxo importantes, mas não conseguiu. -Importa-se se eu lhe perguntar como consegue seus compradores potenciais, Srta. Wingfield? Ela o obsequiou com um sorriso radiante. ─É muito simples. Um de meus vizinhos, o latifundiário Pettigrew, teve a gentileza de colaborar comigo nesse aspecto. Ele diz que é o de menos que pode fazer, em respeito às minhas queridas tias que, durante tantos anos, foram vizinhas dele. ─E, Pettigrew cuida das mercadorias? Olympia agitou a mão em um vago gesto. ─Creio que seu homem de confiança em Londres se encarrega de todos os detalhes. ─E você acredita que o homem de confiança do latifundiário Pettigrew faz bons negócios? ─insistiu Jared. Olympia sorriu e se inclinou para frente, dando a entender que lhe faria uma confidência. ─Com o ultimo envio, conseguimos quase duzentas libras. ─De verdade?
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-Claro que aquele embarque havia sido excepcional. Tio Artemis enviou uns quantos metros de seda e uma grande variedade de especiarias nessa ocasião. Não acredito que desta vez sejamos tão afortunados. Jared pensou nas aproximadamente três mil libras em mercadorias que ele tinha escoltado da França. Viu-se obrigado a contratar dois homens forçudos, como protetores, depois que o navio ancorou em Weymouth. Jared tirou uma folha de papel dobrado do seu livro de anotações. ─Esta lista enumera os artigos que seu tio lhe enviou neste embarque. ─entregou a Olympia. ─Como é em comparação com a remessa anterior? Olympia pegou a folha de suas mãos e a examinou franzindo a testa, distraída. ─Não lembro exatamente o que incluía o despacho anterior, mas acredito que desta vez não há tantos bordados. E, tampouco vejo nenhum desses leques italianos que tio Artemis incluiu em sua viagem anterior. ─Há vários cilindros de seda e um pouco de veludo nessa remessa. ─assinalou Jared. Olympia apenas encolheu os ombros. ─O latifundiário Pettigrew me disse que, infelizmente, o mercado de sedas e de veludo está muito caído na atualidade. Em dinheiro, acredito que desta vez reuniremos menos que a anterior. Mas, de todo jeito, tiraremos nossa fatia disto, como dizem meus sobrinhos. Jared se perguntou quantas vezes o latifundiário Pettigrew teria enganado Olympia. ─Tenho certa experiência no negócio de mercadorias importadas, Srta. Wingfield. ─É mesmo? ─Olympia olhou para ele verdadeiramente surpresa. ─Sim. ─Jared pensou nas centenas de milhares de artigos que enchiam os porões dos navios dos Flamecrest todos os anos. ─Se você quiser eu posso me encarregar deste embarque para você. ─É muita generosidade de sua parte. ─Obviamente, Olympia estava fascinada diante da oferta de colaboração. ─Mas você tem certeza de que quer assumir essa responsabilidade?
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O Senhor Pettigrew me diz que é uma tarefa que consome muito tempo, e que se deve ter muito cuidado com os estelionatários. ─Espero que ele saiba do que está falando. ─Interiormente, Jared pensou que o latifundiário Pettigrew deveria reconhecer imediatamente um estelionatário quando o via, porque, sem dúvida seria como ele. ─Mas, pelo menos, acredito que com esta remessa poderei obter os mesmos lucros que obteria o Senhor Pettigrew, se não melhores. ─Terá que ficar com uma boa comissão por seus serviços, é claro. ─Isso não será necessário. ─O cérebro calculista de Jared começou a analisar a questão, pesando e avaliando o trabalho. Encomendaria a tarefa ao seu homem de confiança, Félix Hartwell. E, quando enviasse as instruções a ele, aproveitaria a ocasião para continuar indagando sobre os fundos que lhe haviam sido usurpados. ─ Irei considerar esta tarefa como parte de meu trabalho na casa. ─ Sério? ─Olympia olhou para ele encantada. ─Que estranho. Nenhum professor consentiu em estender suas responsabilidades fora da sala de aulas. ─Espero que minha presença lhe seja de grande utilidade. ─disse Jared calmamente. A porta da biblioteca se abriu bruscamente, permitindo a entrada de uma mulher gordinha, que usava um avental e uma touca. Sustentava uma bandeja entre suas mãos avermelhadas pelo trabalho. ─O que está acontecendo? O que é toda esta história de novo professor? ─olhou para Olympia, bastante irritada. ─Vai destruir novamente os sonhos e esperanças de outro pobre infeliz que acredita ser capaz de educar esses monstros? ─Meus sobrinhos não são uns monstros. ─Olympia olhou para a mulher mais velha com grande desaprovação. ─Senhora Bird, apresento-lhe o Sr. Chillhurst. Tio Artemis o enviou até mim e acredito que me será de grande utilidade. Sr. Chillhurst, esta é a Sra. Bird, minha governanta. Jared pensou que nada na Sra. Bird passava a imagem de uma boa criatura delicada e feminina. Era uma mulher robusta, de cara redonda e nariz longo, que parecia ter passado
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toda a sua vida com os pés bem firmes sobre a terra. Seus olhos cansados revelavam uma expressão constantemente alerta. ─Continuando, ─Bird apoiou a bandeja ruidosamente; olhou para Jared de rabo de olho, enquanto servia o chá. ─quer dizer que esses diabos que estão lá encima tinham razão. Você parece mais um valente pirata do que um professor, Sr. Chillhurst. ─Sério? ─Jared arqueou as sobrancelhas, diante da intimidade com que a criada expressava, mas percebeu que para Olympia, nada estava fora do lugar. Aceitou a xícara e o prato com fria gentileza. ─Não importa. ─A Sra. Bird olhou para ele significativamente. ─Precisa-se de alguém que saiba usar um porrete e uma pistola com esses safados. Quase destroçaram os três pobres homens sábios que a Srta. Olympia contratou. Sim, eles fizeram isso. Olympia olhou imediatamente para Jared. Seus olhos demonstravam um grande alarme. ─Sra. Bird, realmente não me parece justo que assuste o Sr. Chillhurst desse modo, dando-lhe tão má impressão. ─Por que não? Cedo ou tarde, ele vai se inteirar da verdade. Eu gostaria de saber quanto tempo isso vai durar, eu gostaria muito. ─Vai colocá-lo na mesma casa guardas florestais que pôs os outros três? Olympia sorriu para Jared. ─A Sra. Bird se refere à cabana que está à beira do caminho. Talvez a tenha visto quando chegou? ─Sim. Estará em perfeitas condições para mim. ─Estupendo. ─Olympia pareceu aliviada. ─Vejamos agora. O que mais resta para acertarmos? Ah, sim. Será uma honra que compartilhe a mesa conosco. No andar de acima há uma sala que pode servir perfeitamente como sala de aulas. E, é claro que tem plena liberdade para usar minha biblioteca. ─Fez uma pausa, aparentemente como se estivesse esquecido de mencionar alguma coisa. ─Pode começar amanhã cedo. A Sra. Bird revirou os olhos.
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─E como irá receber seu pagamento? ─deu um olhar de advertência a Jared. ─Tem que saber que a Srta. Olympia é muito ruim com os números. Sempre se esquece de pagar e alguém tem que ficar lhe lembrando dessas coisas. Não seja tímido para lhe pedir seu dinheiro. Olympia olhou furiosa para ela. ─Já chega, Senhora Bird. Fala como se eu tivesse o cérebro de um mosquito. Acontece que o Sr. Chillhurst já recebeu seu salário adiantado, das mãos de meu tio Artemis. Não é verdade, Sr. Chillhurst? ─Não tem nenhum motivo para preocupar-se com meus honorários, Srta. Wingfield. ─respondeu Jared com cortesia. Olympia dirigiu um olhar triunfante à sua criada. ─Viu, Senhora Bird? A Sra. Bird resmungou de forma que pudesse ser ouvida. Não estava absolutamente convencida, mas deixou as coisas como estavam. ─Se for jantar com a família, deve saber que há um vinho rosé e cherry na adega. ─Obrigado. ─disse Jared. ─A Srta. Sophy e a Srta. Ida sempre tomavam um ou dois goles, de um ou do outro depois de jantar, e um ou dois goles de brandy antes de irem para cama. É bom para fazer a digestão, sabe? A Srta. Olympia segue com a mesma tradição. ─Especialmente, desde que chegaram meus sobrinhos. ─desabafou Olympia. ─Obrigado, Sra. Bird. ─Jared sorriu brevemente para Olympia. ─Agradeceria se pudesse beber uma ou duas taças de clarete antes do jantar de hoje. Foi uma longa viagem. ─Posso imaginar. ─disse a Sra. Bird. ─Quanto tempo demorou? ─O suficiente. ─respondeu Jared. ─A propósito, a que horas é servido o jantar nesta casa? ─Como eu posso saber? Tudo depende de quando a Srta. Olympia consiga trazer esses demônios para a mesa. Nunca são pontuais para as refeições. Têm sempre uma desculpa.
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─Compreendo. ─disse Jared. ─ Nesse caso, Sra. Bird, esta noite e em todas as noites subsequentes, o jantar se servido às seis horas. Todos os que não estiverem presentes à mesa nesta hora ficarão sem comer. ─Está claro? A Sra. Bird olhou para ele espantada. ─Sim, está claro como água. ─Perfeito. Já pode retirar-se, Sra. Bird. A mulher olhou para ele totalmente surpresa. ─E, quem é o que vai dar as ordens por aqui agora? ─Até segunda ordem, eu. ─respondeu Jared com toda frieza. Viu que Olympia começava a arregalar os olhos desmesuradamente. ─Em nome de minha patroa, é óbvio. ─Ora, de qualquer maneira, me parece que lhe vai durar pouco, esse negócio de dar ordens. ─declarou a Sra. Bird antes de retirar-se. Olympia mordeu o lábio. ─Não leve isso em conta, Sr. Chillhurst. É um pouco rude, mas bem intencionada. A verdade é que não sei o que teria feito sem ela. A Sra. Bird e seu falecido marido trabalharam durante anos para minhas tias e depois continuou comigo. Eu sou muito agradecida a ela. Não é qualquer pessoa que aceitaria trabalhar para mim. Sabe? Aqui, em Upper Tudway, acham que sou um pouco estranha. Jared percebeu a solidão em seus olhos. ─Sem dúvida, Upper Tudway não está acostumada a ter uma mulher do mundo entre seus habitantes. Olympia sorriu debilmente. ─É verdade. É o que sempre me diziam tia Sophy e tia Ida. ─Não se preocupe. ─Tenho certeza que a Senhora Bird e eu nos sairemos muito bem. ─Jared bebeu um gole do seu chá. ─Há outro ponto que eu gostaria de discutir com você, Srta. Wingfield. Olympia entrecerrou os olhos, preocupada.
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─Me esqueci de algo? Afinal de contas, a Senhora Bird tem razão. Sempre deixo de lado as coisas que para mim são superficiais, mas que para outros podem ser de grande importância. ─Não esqueceu nada importante. ─assegurou-lhe Jared. ─Graças a Deus. ─Olympia, relaxou em seu assento. ─Seu tio me pediu que lhe informasse que, além das mercadorias para vender, envialhe uns quantos livros. Entre eles, um velho diário. O encantador ar permanentemente distraído desapareceu da expressão da moça em um abrir e fechar de olhos. Concentrou toda sua atenção. ─O que disse? ─Que entre as mercadorias há um livro, o diário de Lightbourne Srta. Wingfield. ─Jared não precisou esperar muito para ver a reação da jovem. ─Ele encontrou. ─Olympia ficou levantou-se como impulsionada por molas. Tinha o rubor característico de um entusiasmo exagerado. Os olhos brilhavam como uma chama turquesa. ─Tio Artemis encontrou o diário de Lightbourne. ─Foi isso o que ele disse. ─Onde está? ─perguntou Olympia entusiasmada. ─Está embalado em um dos baús que estão na carruagem. Nãotenho certeza em qual deles. E, não porque não tivesse tentado encontrá-lo. A verdade foi que não teve oportunidade de parar e ficar procurando o diário. Uma vez que o navio chegou ao porto. Só dedicou-se a encontrar uma carruagem, os dois guardas e a carregar todos os baús. A seguir viajou a noite toda até chegar a Weymouth. E, só parou no momento de chegar à Upper Tudway. Preferiu correr o risco de ser assaltado pelo caminho a deixar as mercadorias em alguma hospedaria desconhecida, a mercê de qualquer ladrão. ─Devemos descarregar essa carruagem imediatamente. Estou ansiosa para ver esse diário. ─Olympia não conseguia conter a excitação e o entusiasmo.
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Rodeou sua mesa, recolheu a saia e foi correndo para a porta. Jared a observou, divertido, enquanto ela saía da biblioteca. Pensou que se fosse obrigado a viver nessa casa caótica por algum tempo, teria que ser ele quem estabeleceria as regras e quem as pusesse em vigência. Nada suplantava a ordem de uma boa rotina. Devia começar de acordo como pensava continuar. Sozinho na biblioteca, Jared terminou tranquilamente o seu chá. A seguir deixou a xícara sobre o prato e tirou o relógio de seu bolso. Olhou a hora. ─Faltavam dez minutos para que seus jovens alunos estivessem a ponto de descer. Decididamente, ficou de pé e caminhou para a porta.
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Capítulo 3
Vários dias depois, a Sra. Bird entrou bruscamente na biblioteca com a bandeja de chá. ─Parece-me muito estranho que haja tanto silêncio por aqui ultimamente. ─Apoiou, sem cerimônia alguma, a bandeja sobre a escrivaninha de Olympia. ─Muito estranho, não há discussões. A contra gosto, Olympia abandonou a leitura do diário Lightbourne, que oferecia uma linguagem muita complicada. E, resmungou para Sra. Bird. ─De que raios está falando? Pensei que o silêncio fosse algo agradável. A verdade é que, a partir de agora, estamos aprendendo o significado da palavra paz, algo que ignorávamos desde que meus sobrinhos chegaram. Os últimos dias tinham sido de verdadeira felicidade, no que se referia a Olympia. Não podia acreditar que Jared Chillhurst tivesse implantado uma mudança tão radical em sua casa, num prazo tão pequeno. Já não havia mais botas enlameadas nos corredores, nem sapos nas gavetas de seu escritório, nem falatórios constantes a uma distância audível. Os três meninos chegavam pontualmente à mesa, na hora de comer, mas o mais extraordinário era que eles se apresentavam limpos e prolixos. ─Não é normal. ─A Sra. Bird serviu o chá na única xícara que havia sobre a bandeja. ─Eu queria saber o que esse pirata está fazendo ali em cima com esses três diabos. ─O Sr. Chillhurst não é um pirata! ─repreendeu-lhe Olympia severamente. ─Já lhe falei para parar de chamá-lo assim. É um professor. E, um professor muito bom, pelo que nos demonstrou até o momento. ─Sei!Sei! Está lá em cima, torturando esses pobres menininhos. Isto é o que está fazendo. Olha, aposto a minha cabeça que os está ameaçando andarem pela prancha, caso não se comportem bem.
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Olympia sorriu brevemente. ─Não temos pranchas por aqui. ─Bom. Então, deve está fazendo com que acreditem que irá golpeá-los com um chicote, se não fizerem o que ele diz. ─Tenho certeza que Robert teria vindo a mim imediatamente, se o Sr. Chillhurst estivesse os ameaçando tão gravemente. ─A menos que o pirata lhes tenha dito que cortaria em pedacinhos o pescoço de quem falasse com você. ─Oh! Pelo amor de Deus, Sra. Bird. Você, ultimamente, não fazia outra coisa a não ser me dizer que o que meus sobrinhos precisavam era de uma mão firme. A Sra. Bird colocou o bule sobre a bandeja e se apoiou sobre a escrivaninha. ─Mas não disse que deveria aterrorizá-los para que se comportassem bem. Afinal de contas, bem no fundo, são bons meninos. Olympia bateu com sua pluma sobre a mesa. ─Realmente acredita que o Sr. Chillhurst os ameaçou com medidas violentas para que se comportem como é devido? ─Bom, já que me perguntou isso, irei dizer-lhe que não há nada melhor, nada mais efetivo que a violência para conseguir que uns meninos muito peraltas se corrijam em pouco tempo. ─A Sra. Bird olhou atentamente o forro do teto. Olympia seguiu o seu olhar. Não se escutavam pancadas, nem ruídos no piso de cima. Tampouco gritos distantes. Esse silêncio tão antinatural começou a colocar Olympia um pouco nervosa. ─Suponho que o melhor será que suba para olhar o que está acontecendo. ─Olympia fechou o diário com certa reserva e ficou de pé. ─Terá que prestar muita atenção, Srta. Olympia. ─advertiu-lhe a Sra. Bird. ─Parece que o Sr. Chillhurst quer sempre lhe dar uma boa impressão. Certamente não vai querer ficar mau, não, não vai. Se souber que você o está olhando, vai comportar se como um santo.
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─Tomarei cuidado. ─Rapidamente, bebeu um gole de chá, para fortalecer-se. Quando terminou, deixou a xícara em seu lugar e avançou rapidamente para a porta. ─Ah, antes que me esqueça, ─gritou a Sra. Bird as suas costas. ─o Senhor Pettigrew mandou um bilhete. Diz que já voltou de Londres esta manhã, e que vai vir aqui, esta tarde. Com certeza que irá querer ajudá-la em relação com as coisas que chegaram ontem.
Olympia parou diante da porta. -Oh, Deus! Esqueci-me de lhe avisar que não necessitarei do seu assessoramento neste assunto. A Sra. Bird franziu a testa. ─Por que não? ─O Sr. Chillhurst me disse que se encarregará de todos esses detalhes, tão desagradáveis, para mim. A expressão da Sra. Bird mudou da desaprovação para o genuíno sinal de alerta. ─E como devemos entender isso? ─Da forma como parece, Sra. Bird. O Sr. Chillhurst será o responsável pela última remessa de mercadorias que tio Artemis me enviou. ─Mmm, parece-me muito duvidosa tanta gentileza. E, se o Chillhurst o subtrair os artigos? ─Bobagens. Em primeiro lugar, se quisesse "subtrair-me" as mercadorias como você diz, jamais teria feito com que chegassem até mim. Poderia havê-las roubado quando chegou a Weymouth. ─Bom, é possível que não queira roubá-las, mas pode enganá-la. ─advertiu-lhe a Sra. Bird. ─E como você como vai saber disso? Só terá a sua palavra de que as vendeu ao preço mais caro que conseguiu. Já sei o disse. Esse homem parece um pirata. O melhor é que deixe o Senhor Pettigrew se encarregar dessas coisas. Olympia perdeu a paciência.
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─Tenho certeza que podemos confiar no Sr. Chillhurst. Tio Artemis o fez. ─saiu da biblioteca antes que a Sra. Bird tivesse a oportunidade de responder. Chegou até o patamar da escada e parou para escutar. Até ali reinava o silêncio. Nas pontas dos pés, caminhou pelo corredor e, quando chegou à sala de aulas, apoiou a orelha contra a porta. O murmúrio da voz de Jared, similar ao do mar, filtrava-se pelos painéis de madeira. ─A princípio, foi um plano perverso. ─dizia Jared. Mas o capitão Jack adorava as loucas aventuras. Mais tarde, essa predileção ficou provada ser um traço típico da família. ─Isso significa que havia outros piratas na família do capitão Jack? ─perguntou Ethan, ansioso. ─O capitão Jack preferia ser chamado de bucaneiro. ─comentou Jared. Embora, não acredite que tenha havido outros na família; temo que vários descendentes da mesma se dediquem ao livre comércio. ─O que é o comércio livre? ─perguntou Hugh. ─O contrabando. ─explicou Jared secamente. A família do Capitão Jack vivia na ilha Flame. É um lugar muito bonito, mas fica muito longe. Robert mostre-nos onde fica a ilha Flame, no mapa. ─Aqui. ─indicou Robert orgulhoso. Na costa de Devon. Há um pequeno ponto aqui. ─Muito bem, Robert. ─elogiou-lhe Jared. Como vocês podem ver, a ilha está situada em um lugar excelente para o contrabando. Bastante perto da costa da França e da Espanha, mas, convenientemente afastada das autoridades. O serviço vigilância raramente aparece na vizinhança, e os aldeãos jamais se atreveriam a falar com estranhos. ─Conte-nos algo sobre os contrabandistas. ─disse Ethan. ─Não, primeiro eu quero escutar o plano que o capitão Jack tinha para cruzar o istmo do Panamá. ─disse Robert. ─Sim. Conte-nos o plano dos bucaneiros para capturar o galeão espanhol, Sr. Chillhurst. ─disse Hugh ansiosamente. ─Amanhã poderá falar sobre os contrabandistas.
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─Muito bem. ─admitiu Jared, ─Mas primeiro devem saber que a ideia não apenas foi muito tola, mas também muito perigosa. O istmo do Panamá é um território muito traiçoeiro. Está cheio de bosques densos e de estranhas e horrendas criaturas. Muitos homens morreram tentando alcançar o mar do outro lado. ─Mas por que o capitão Jack desejou cruzar o istmo? ─perguntou Ethan. Por que não ficaram nas Índias Ocidentais? ─Pelo ouro. ─respondeu Jared sucintamente. ─Nesse momento, o capitão Jack tinha um sócio. Tinham ouvido falar de um tesouro lendário, que a Espanha estava transportando de suas colônias na América. Os dois bucaneiros decidiram ver se poderiam atravessar o istmo do Panamá, com um grupo de homens, capturar um ou dois navios espanhóis e ficarem ricos da noite para o dia. ─Por todos os demônios! ─exclamou Robert. ─Que aventura emocionante! Oxalá eu tivesse podido estar com o capitão Jack quando fez essa viagem. Olympia já não conseguiu aguentar por mais tempo. As palavras tesouro lendário e bucaneiros a deixaram encantada. Estava tão embevecida, assim como seus sobrinhos com os relatos de Jared. Abriu a porta muito devagar e entrou no salão. Ethan, Hugh e Robert estavam agrupados ao redor do globo terrestre. Não levantaram os olhos quando Olympia entrou no salão. Estavam muito concentrados no globo. Jared estava com eles, sustentando o globo terrestre em uma das mãos. Na outra, a ponta de sua adaga, assinalava a região das Índias Ocidentais. Olympia franziu a testa ao ver a adaga. Há dois dias que a havia visto, pois Jared já não a levava mais amarrada a sua coxa, como quando chegou. Portanto, Olympia pensou que a teria embrulhado em algum de seus baús. Mas, essa manhã a tinha levado consigo e era evidente que a manejava com destreza natural. Parecia muito perigoso como sempre, pensou Olympia, enquanto examinava seu rosto sob a luz da manhã. Mas, começava conhecê-lo muito bem, pois Jared tinha o costume de reunir-se com ela na biblioteca, todas as noites, depois do jantar.
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Logo, Jared estabeleceu o hábito de compartilhar uma taça de brandy com ela antes de retirar-se para a velha cabana do guarda-florestal. Na noite anterior, tinha lido durante um momento e a seguir começou com suas viagens, atraindo a atenção de Olympia com cada palavra. ─Todos os professores viajaram tanto como você, senhor? ─ perguntou-lhe ela. Jared a olhou com uma expressão indecifrável. ─Oh, não. Eu tive muita sorte nesse aspecto. Trabalhei para várias pessoas, cujas atividades comerciais os obrigavam a viajar. E, a maioria de meus empregadores preferia viajar com suas famílias. Olympia concordou com a cabeça. ─Naturalmente, queriam que o professor de seus filhos lhes acompanhasse durante suas longas viagens. Que carreira maravilhosa escolheu, senhor! ─Porém, somente há pouco tempo lhe dei o devido valor. ─Jared se levantou da cadeira, dirigiu-se para a garrafa de brandy e serviu um pouco mais daquele líquido ambarino na taça de Olympia. ─Vejo que tem uma boa carta de navegação pendurada na parede, Srta. Wingfield. Descreve muito bem os mares do Sul. ─Fiz várias investigações sobre as lendas que se originaram nessa parte do mundo. ─Entre os efeitos do brandy e do fogo que ardia na lareira, Olympia experimentava uma prazerosa sensação de calidez e relaxamento. Uma mulher do mundo conversando com um homem do mundo, pensou satisfeita. Jared se serviu de mais um pouco de brandy e colocou a garrafa novamente em seu lugar. ─Uma de minhas viagens mais interessantes, foi a certo número de ilhas dessa região. ─comentou pensativo. Voltou a sentar-se em sua cadeira. ─De verdade? ─Olympia lhe observava maravilhada. ─Deve ter sido muito emocionante.
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─Oh! Claro que foi. ─Jared uniu as pontas dos dedos. ─Como você deve saber muito, essa região é famosa pelas lendas relacionadas a ela. Há uma em particular, que me intrigou sobremaneira. ─Eu adoraria escutá-la. ─murmurou Olympia. A biblioteca parecia saída de um sonho, como se todo o recinto, incluindo Jared e a ela mesma, houvessem sido transportados para outra época e outro lugar. ─Trata-se de um jovem casal apaixonado, que não podiam casar-se porque o pai da moça se opunha à relação. Olympia bebeu outro gole de brandy. ─Que triste. E o que aconteceu com os amantes? ─Sua paixão era tão grande, que estavam dispostos a tudo para viver juntos. ─disse Jared. ─Então, resolveram ser encontrar à noite, na praia, em uma caverna abandonada. ─Suponho que ficaram conversando até o amanhecer. ─disse Olympia. ─Sem dúvida nenhuma, devem ter murmurado palavras poéticas. Compartilhado seus segredos mais íntimos. Sonhando um futuro juntos. Jared olhou para ela. ─Na verdade, passaram a noite fazendo amor apaixonadamente. Olympia piscou. ─Em uma praia? ─É claro. Olympia pigarreou. ─Mas não seria desconfortável? Quero dizer, por causa da areia e essas coisas. Jared apenas sorriu. ─E o que é um pouco de areia para um casal de apaixonados que está desesperado um pelo outro? ─Sim, é claro. ─disse Olympia imediatamente. Tinha a esperança que Jared não achasse que ela era muito ingênua.
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─E, além disso, essa praia era muito especial. Dizia-se que estava consagrada a certa deidade insulana, quem, ao que parece, sentia muita simpatia pelos amantes. Embora Olympia ainda não estivesse completamente convencida que fazer amor na praia fosse muito confortável, mesmo assim, preferiu não continuar falando do assunto. ─Por favor, continue senhor. Prossiga com a lenda. ─Uma noite, o enfurecido pai da noiva os surpreendeu na praia. Matou o rapaz. ─Que terrível. E o que aconteceu? ─Naturalmente, a jovem estava angustiada, aflita pelo infortúnio e pela dor. Entrou no mar e desapareceu. A divindade que protegia a praia ficou enfurecida. Castigou o pai da moça convertendo toda a areia da praia em pérolas. ─E esse foi um castigo? ─perguntou ela, assombrada. ─Sim. ─Jared sorriu indiferente. ─O homem estava tão excitado por ter descoberto a praia de pérolas que correu para casa, e despertou a família toda. Mas a divindade enfeitiçou a caverna abandonada, fazendo com que ficasse invisível aos olhos de todos aqueles que a procuravam. ─Então jamais encontraram a praia das pérolas? Jared meneou a cabeça. ─Os ilhéus ainda continuam falando sobre ela até o dia de hoje. Muitos a procuraram. Mas ninguém jamais a viu. Falam que só poderá ser encontrada por um casal de amantes cuja paixão seja igual ao daquele casal que tinha optado por encontrar-se ali, para fazer amor à luz da lua. Olympia suspirou. ─Puxa vida, arriscar tudo em nome do amor, Sr. Chillhurst. ─Comecei a acreditar que uma grande paixão é como uma grande lenda. ─comentou Jared lentamente. ─Vale a pena correr qualquer risco por ela. Olympia estremeceu. A princípio sentiu calor, a seguir, frio. ─Sem dúvida nenhuma, deve ter razão. De qualquer maneira, agradeço-lhe a história. Foi muito bela. Jamais havia escutado.
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Jared a olhou nos olhos. Algo escuro e perturbador surgiu em seus próprios olhos. ─Sim, muito bela. Nesse momento, Olympia quase se convenceu que Chillhurst falava dela e não da lenda. Experimentou uma estranha sensação, similar a que vivia cada vez que investigava uma lenda, mas muito mais poderosa. Estava agitada, um pouco aflita. ─Sr. Chillhurst...? Jared tirou seu relógio do bolso. ─Vejo que está muito tarde. ─disse, com evidente pesar. ─Está na hora de voltar para minha cabana. Talvez, amanhã à noite, tenhamos a oportunidade de conversar sobre outro costume, bastante original, que praticavam os habitantes de outra ilha dos mares do Sul que, por acaso, cheguei a conhecer. ─Ah! Eu adoraria! ─suspirou Olympia... ─Boa noite, Srta. Wingfield. Eu a verei amanhã no café da manhã. ─Boa noite, Sr. Chillhurst. Uma vibrante sensação de desejo se aninhou na alma da Olympia, enquanto acompanhou Jared até a porta de saída. Ficou ali, parada, olhando para ele enquanto observava a escuridão da noite, até que se perdeu nela. E, quando foi dormir, sonhou que Jared a beijava, em uma praia de pérolas. Nesse momento, em plena luz do dia, enquanto escutava Jared contar histórias aos seus sobrinhos, se deu conta que ele havia se convertido em uma parte muito importante de seu pequeno lar, e em muito pouco tempo. Estava aprendendo muito sobre tudo que fosse relacionado com esse homem com o rosto de um pirata. Percebeu que gostava muito dele. Demais, talvez, pensou. Não devia esquecer que algum dia, Jared partiria e que ela ficaria sozinha outra vez com sua biblioteca, sem nenhuma companhia adulta com quem pudesse compartilhar todos os prazeres intelectuais que esta continha. Nesse momento Jared levantou os olhos e a viu parada dentro do salão de aulas. Rapidamente esboçou um sorriso.
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─Bom dia, Srta. Wingfield. Deseja alguma coisa? ─Não, não, continue. Eu, simplesmente, queria observar a aula. ─É claro. ─Jared assinalou o globo terrestre. ─Estamos estudando geografia esta manhã. ─Eu percebi. ─Olympia aproximou-se deles. Ethan sorriu. ─Estamos aprendendo tudo sobre as Índias Ocidentais, tia Olympia. ─E sobre um pirata que se chamava capitão Jack. ─acrescentou Robert. Jared pigarreou suavemente. ─Devemos lembrar que o capitão Jack era um bucaneiro, não um pirata. ─Qual é a diferença? ─perguntou Hugh. ─Na verdade, a diferença é muito pequena. ─explicou Jared. ─Mas certas pessoas insistem muito nessa distinção. Os bucaneiros navegavam em uma missão. Na teoria, estavam autorizados pela coroa, ou pelas autoridades locais das Índias Ocidentais, a atacar os navios inimigos. Claro que, às vezes, o assunto se complicava muito. Por que você acha que acontecia isso, Robert? Robert elevou os ombros. ─Suponho que porque havia muitos países que tinham colônias nas Índias Ocidentais, senhor. ─Precisamente. ─Jared sorriu em sinal de aprovação. ─Na época do capitão Jack, havia navios ingleses, franceses, alemães e espanhóis na região. ─E, com certeza, os bucaneiros não deveriam atacar os navios e as cidades de seus respectivos países. ─acrescentou Ethan. Franziu o cenho. ─Isso significa que os ingleses teriam que atacar os franceses, os espanhóis e os alemães. Os franceses teriam que ter atacado os ingleses, os espanhóis e os alemães. ─Parece muito complicado. ─disse Olympia. Deixou de fingir ser apenas uma interessada observadora nos métodos de instrução de Jared. Cruzou rapidamente o salão para
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reunir-se com seus sobrinhos. ─O que foi toda essa aventura de querer cruzar o istmo do Panamá para procurar um tesouro? O sorriso de Jared foi preguiçoso e misterioso. ─Gostaria de ficar conosco para escutar a história, Srta. Wingfield? ─Sim, claro! ─disse Olympia. Sorriu-lhe agradecida. ─Eu adoraria. Tenho muito interesse nesses relatos. ─De acordo. ─disse Jared lentamente. ─Aproxime-se um pouco mais. Eu não gostaria que perdesse nenhum detalhe, Srta. Wingfield.
O Senhor Pettigrew chegou às três da tarde. Olympia já estava de volta em sua biblioteca quando escutou o ruído das rodas da carruagem, na entrada da casa. Levantou-se da cadeira e se aproximou da janela, para ver o Senhor Pettigrew sair do seu veículo. Pettigrew era um homem corpulento, de quase cinquenta anos. Em sua época, teve fama de bom rapaz e, na atualmente, continuava agindo como se todas as mulheres do mundo ainda lhe considerassem irresistível. Olympia não entendia que as mulheres teriam visto no latifundiário. A verdade era que o homem podia ser muito chato, para ser delicada. Olympia sabia que seu julgamento não era muito suficiente sobre o assunto. Afinal de contas, para ela, a maioria dos homens de Upper Tudway era insossa e tola. Eram raras as vezes que tinham os mesmos interesses e objetivos que ela e, no geral, os homens gostavam de impor suas inquietações sobre as mulheres. Pettigrew não era uma exceção, claro. Pelo que Olympia sabia, suas principais paixões eram os cães sabujos, a caça e o cultivo da terra. Entretanto, Olympia sabia muito bem que estava em dívida com ele por atendê-la em todas as remessas de mercadoria que seu tio lhe despachava. Sentia-se muito agradecida por tudo o que o latifundiário Pettigrew fazia por ela. A porta da biblioteca se abriu exatamente no mesmo momento em que Olympia voltava a sentar-se. Pettigrew entrou na sala. O aroma de sua colônia predileta antecipou sua entrada.
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O latifundiário Pettigrew viajava a Londres com muita frequência e aproveitava a oportunidade para ficar ali um tempo e se inteirar da moda. Nessa tarde, usava calças debruadas com numerosos babadinhos. Sua jaqueta era muito justa, com a cintura modelada. A parte posterior da mesma caía em duas caudas longas, que chegavam até seus joelhos. Em baixo desta, vestia uma camisa plissada elaboradamente. A gravata estava tão alta e dura que Olympia achou que só poderia estar engomada. ─Boa tarde, Srta. Wingfield. ─Pettigrew lhe ofereceu um sorriso que tentou ser amável, enquanto se aproximava da escrivaninha. ─Hoje sua aparência está excelente. ─Obrigado, senhor. Por favor, sente-se. Tenho notícias muito interessantes para você. ─De verdade? ─com um gesto muito hábil, Pettigrew separou as caudas da jaqueta para poder sentar-se. ─Suspeito que irá me falar sobre a última remessa de mercadorias que seu tio fez. Não se preocupe minha querida. Os rumores já chegaram até mim e, como sempre, estou disposto ajudá-la. ─É muito amável de sua parte, senhor. Mas, justamente, a boa notícia é que não necessitarei de seus serviços para vendê-las. Pettigrew pestanejou diversas vezes, como se tivesse um cisco no olho e, em seguida, ficou imóvel. ─Como disse? Olympia sorriu-lhe com muita simpatia. ─O senhor foi de grande ajuda para mim e o agradeço profundamente. Mas, já não posso seguir lhe incomodando. O Senhor Pettigrew franziu a testa. ─Veja, Srta. Wingfield. Eu não considero incomodo nenhum ajudá-la a vender as mercadorias. Na realidade me sinto obrigado a colaborar com você. Estaria faltando com os meus deveres de amigo e de bom vizinho se lhe permitisse cair nas mãos de algum vigarista, sem escrúpulos, que não vacilaria em aproveitar-se de uma moça inocente como você. ─Não tem motivos para preocupar-se com a Srta. Wingfield. ─disse Jared da porta. ─Ela está em muito boas mãos.
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─Mas que diabos? ─Pettigrew virou-se bruscamente para a porta. Observou Jared. ─Quem é você, senhor? Do que está falando? ─Meu nome é Chillhurst. Olympia percebeu uma tensão repentina no ar entre os dois homens. Esforçou-se para que desaparecesse fazendo as apresentações necessárias. ─O Sr. Chillhurst é o novo professor de meus sobrinhos. Faz poucos dias que está conosco, mas tem feito maravilhas. Esta manhã, os meninos estiveram estudando geografia e aposto que agora devem saber muito mais sobre as Índias Ocidentais que qualquer outro garoto de Upper Tudway. Sr. Chillhurst, me permita lhe apresentar o Senhor Pettigrew. Jared fechou a porta atrás de si e caminhou para a escrivaninha. ─A Senhora Bird mencionou que havia chegado. O olhar do Senhor Pettigrew fixou-se automaticamente no parche de veludo negro que lhe cobria o olho. Em seguida, tacitamente, reprovou a nudez de seu pescoço, porque estava com o colarinho da camisa aberto. ─Demônios, homem. O que você menos aparenta é ser um professor. O que está acontecendo por aqui? Olympia estava irritada. ─Não há dúvidas que o Sr. Chillhurst seja um professor, e excelente. Tio Artemis o enviou. ─Wingfield lhe enviou? ─Pettigrew lançou-lhe um olhar de irritado. ─Você tem certeza? ─Sim, é claro que tenho certeza. ─Olympia lutou para conservar a paciência. ─E acontece que o Sr. Chillhurst é perito em assuntos financeiros. Ofereceu-se para ser a pessoa de minha confiança. Essa é a razão pela qual já não necessitarei de seus serviços para vender a mercadoria que meu tio me enviou. ─Sua pessoa de confiança. ─Pettigrew estava indignado. ─Bom, mas você não necessita nenhum homem de confiança. Para isso tem a mim, para que eu administre suas coisas.
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Jared sentou-se. Apoiou os cotovelos sobre os braços da poltrona e juntou as pontas de seus dedos. ─Já ouviu a Srta. Wingfield. Ela não necessitará de seus serviços, latifundiário Pettigrew. O homem cravou-lhe um olhar cheio de ódio e em seguida se dirigiu a Olympia. ─Srta. Wingfield, em diversas oportunidades lhe aconselhei sobre os perigos que existem ao negociarmos com pessoas cujos antecedentes ignoramos completamente. ─O Sr. Chillhurst é um homem perfeitamente respeitável. ─disse Olympia firmemente. ─Meu tio jamais o teria contratado para trabalhar nesta casa de outra forma. Pettigrew voltou a olhar desdenhosamente Jared. ─Verificou suas referências, Srta. Wingfield? ─Meu tio se encarregou dessas coisas. ─defendeu Olympia. Jared sorriu friamente ao Senhor Pettigrew. ─Asseguro-lhe senhor que não há razão nenhuma para preocupar-se. Vou me encarregar que a Srta. Wingfield obtenha lucros substanciais a partir das mercadorias que seu tio lhe enviou. ─E quem pode dizer o que é um ganho substancial? ─replicou Pettigrew. ─A Srta. Wingfield não terá possibilidade alguma de saber se você a enganou, não é mesmo? Irá depender exclusivamente de sua palavra. ─Da mesma maneira que se viu obrigada a depender da sua palavra no passado. ─respondeu Jared calmamente. Pettigrew ficou tenso. ─Está insinuando alguma coisa, senhor? Porque, se for assim, me permita lhe informar que não vou tolerar. ─Absolutamente. ─Jared tamborilou as pontas dos dedos de uma mão contra as outras, em uma cadência silenciosa. ─A Srta. Wingfield me comunicou que da última remessa obteve duzentas libras.
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─Correto. ─corroborou o latifundiário Pettigrew, tenso. ─E foi muito afortunada ao reunir essa soma. Porque se não fossem os meus contatos em Londres, não teria conseguido cem, ou cento e cinquenta, no máximo. Jared inclinou a cabeça. ─Será interessante ver se eu consigo desempenhar esse encargo tão bem como você, não é? Talvez, eu até consiga melhorar seus esforços. ─Eu digo ─respondeu Pettigrew, indignado, ─que não me importa sua atitude senhor. ─Sua opinião, também, pouco me importa. ─observou Jared, conservando um tom calmo. ─Mas lhe asseguro que vigiarei bem de perto os assuntos comerciais da Srta. Wingfield. Afinal de contas, ela precisa de dinheiro, pois não? Uma mulher solteira que deve manter três meninos tem que aproveitar até o último centavo daquilo que puder ganhar. O rosto cheio de Pettigrew ficou desagradavelmente vermelho muito vivo. ─Olhe, senhor. Não posso permitir que leve as mercadorias da Srta. Wingfield assim sem mais nem menos. Seria muito provável que as levasse e sumisse para sempre. ─O que desapareceu foram as mercadorias. ─interrompeu Olympia. Bom, é apenas um modo de dizer. O Sr. Chillhurst as despachou para Londres esta manhã. O Senhor Pettigrew arregalou os olhos desmesuradamente, furioso. ─Srta. Wingfield, não posso acreditar que tenha sido tão precipitada a ponto de permitir que este homem que levasse as mercadorias de Upper Tudway. Jared continuou tamborilando as pontas dos dedos. ─Estão seguras Pettigrew. Foram acompanhadas de um vigilante. Um conhecido meu, em quem confio profundamente, irá recebê-las quando chegarem a Londres, para encarregar-se de sua posterior venda. ─Por Deus, homem. ─Pettigrew se aproximou. ─O que você fez? Isto é roubo. Darei parte imediatamente às autoridades. Olympia ficou em pé repentinamente.
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─Já chega, Sr. Pettigrew. Não tenho nenhuma dúvida que o Sr. Chillhurst tenha em mente outra coisa além de defender meus interesses. Não quero ser grosseira, mas tampouco desejo que prossiga com todo este falatório insultante. O Sr. Chillhurst poderia defender-se. ─Sim. ─Jared seguia tamborilando os dedos, enquanto considerava a possibilidade. ─Poderia. Pettigrew moveu a boca por uns instantes, mas não conseguiu articular nenhuma palavra. A seguir, fora de controle, dirigiu-se a Olympia. ─Bem, Srta. Wingfield. Isso é tudo. Se você prefere depositar sua confiança em um estranho em lugar de em um vizinho a quem conhece há anos, é problema seu. Mas, desejo que se arrependa rapidamente do que está fazendo. Seu novo professor mais parece um maldito pirata. Olympia estava escandalizada. Afinal de contas, Jared era seu empregado e, portanto, competia a ela defendê-lo. ─Realmente, Sr. Pettigrew, você já foi muito longe. Não posso permitir que fale dessa forma com nenhum de meus empregados. Que o senhor tenha um bom dia. ─Bom dia, Srta. Wingfield. ─Pettigrew caminhou para a porta. ─Só espero que não você perca uma dinheirama nas mãos deste... deste... indivíduo. Olympia ficou olhando até que a porta se fechasse às costas de Pettigrew. Em seguida, olhou rapidamente para Jared. Sentiu-se aliviada ao comprovar que já tinha parado de tamborilar os dedos. Suspeitava que esse gesto não era um bom sinal. ─Peço-lhe desculpas por esta cena desagradável. ─disse Olympia. ─O Senhor Pettigrew tem boas intenções, mas acredito que se sentiu ofendido ao saber que confiei todas as mercadorias a você, ao invés de entregá-las a ele. ─Me chamou de pirata. Olympia pigarreou delicadamente. ─Sim, mas, por favor, não se ofenda. Não podemos culpá-lo por ter feito o comentário. A verdade é que a Senhora Bird, antes, fez a mesma comparação. Há algo em você, senhor, que faz alguém imaginá-lo como um pirata.
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Jared esboçou um sorriso. ─Espero que não fique decepcionada com o homem que irá encontrar sob o rosto de pirata. ─Oh, não. ─sussurrou Olympia. ─Seria impossível decepcionar-me, senhor.
Na noite seguinte, Olympia estava sentada diante de sua escrivaninha, olhando o cabelo de Jared. Negro e abundante, penteado por trás das orelhas, chegando até o colarinho da camisa. Não havia dúvidas de que seu estilo estava fora de moda e que contribuía para o seu aspecto selvagem. Mas Olympia não se importava. Tudo o que desejava fazer era poder passar as mãos sobre ele. Era a primeira vez na vida que sentia o desejo de percorrer com os dedos os cabelos de um homem. Jared estava sentado em uma poltrona, em frente à lareira, com as pernas estendidas. Usava botas e lia um livro que havia escolhido em uma prateleira próxima. O brilho do fogo acentuava ainda mais suas duras feições. Após o jantar tirou sua jaqueta. Olympia já havia se habituado a que não usasse gravata, porém o que ainda a perturbava era o fato de que estivesse em mangas de camisa, na mesma sala que ela, sozinhos. Essa embriagante sensação de intimidade a elevava dois centímetros do chão. Tinha calafrios. Não podia evitar perguntar-se se Jared não estaria sentindo outra coisa, além do cansaço costumeiro do dia. Era quase meia-noite, mas ainda não tinha dado sinais de querer retirar-se para sua cabana. A Senhora Bird foi para o seu quarto após o jantar. Ethan, Hugh e Robert haviam se deitado há horas. Minotauro tinha ido para a cozinha. Olympia estava a sós com Jared, corroída por uma estranha e desconhecida inquietação. Esses sentimentos tinham estavam aumentando de intensidade a cada noite,
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desde a chegada de Jared. Pelo que lhe concernia, ele não se mostrava para nada desconfortável diante dessa inquietude. Olympia sentiu uma enorme necessidade de falar com ele. Vacilou. A seguir fechou o diário de Lightbourne com um golpe forte. Jared levantou a vista de sua leitura e lhe sorriu com picardia. ─Está progredindo, Srta. Wingfield? ─Acredito que sim ─disse Olympia. ─A maioria dos dados é trivial. A primeira vista, não é nada mais que um diário onde os eventos diários são relatados. Parece referir-se ao período que a Srta. Lightbourne se comprometeu, até os primeiros meses de casada, com um tal Sr. Ryder. O olhar de Jared tornou-se enigmático. ─Ryder? ─Ela parece muito feliz com ele. ─Olympia sorriu. ─Ela o chama de seu “amado Sr. Ryder". ─Entendo. ─De fato, é a única maneira que empregada para chamá-lo, embora esteja casada com ele. Estranho, mas é assim. Deve ter sido uma dama muito formal. ─É o que parece. ─A voz de Jared soava estranha. Estava quase aliviado. ─Como já lhe falei, o diário parece algo comum, com a diferença que está escrito em uma combinação de inglês, grego e latim. Mas, a cada certo número de páginas, encontro uma série de números inseridos entre os parágrafos, que não parecem fazer nenhum sentido. Acredito que esses números e essas palavras são as chaves do que estou procurando. ─Parece bastante complicado, mas acredito que sejam códigos. ─Sim. ─Olympia detectou uma falta de interesse em Jared. Sabia que tinha chegado a hora de mudar de assunto. Começava a perceber que, por alguma razão, o mistério do diário de Lightbourne não apresentava nenhum interesse intelectual para Jared. De fato, mostrava-se verdadeiramente aborrecido quando ela o mencionava.
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E isso a decepcionava, porque adoraria discutir suas descobertas com ele. De qualquer maneira, não podia queixar-se por ele desejar evitar o assunto, pensou. Pois, sempre estava mais que disposto a conversar sobre qualquer outra coisa com ela. ─Você sabe latim e grego? ─perguntou Jared, quase com indiferença. ─Oh, sim! ─assegurou-lhe Olympia. ─Tia Sophy e tia Ida me ensinaram os dois idiomas. ─Sente falta de suas tias, não é mesmo? ─Muito. Tia Ida morreu faz três anos. E, logo em seguida, tia Sophy, faz alguns meses. As duas eram a única família que eu tive, até que chegaram meus sobrinhos. ─Esteve sozinha por um bom tempo. ─Sim. ─Olympia vacilou. ─Uma das coisas que mais sinto falta é das conversas que estávamos acostumadas a ter todas as noites. Sabe o que é não ter ninguém com quem falar, Sr. Chillhurst? ─Sim, Srta. Wingfield. ─respondeu ele suavemente. ─Sei muito bem. Tenho sentido a falta de uma companhia próxima a mim, durante a maior parte de minha vida. Olympia olhou os seus olhos e percebeu que Jared estava lhe permitindo afundar brevemente em sua alma. É justo, pensou, pois também havia lhe mostrado parte de seu interior. A sua mão tremeu quando bebeu outro gole de brandy. ─Aqui em Upper Tudway ninguém se interessa pelas lendas e costumes de outras terras. ─confiou-lhe Olympia. ─Nem sequer o Sr. Draycott. Embora, por um tempo, eu tenha pensado... ─Sua voz se desvaneceu. Jared apertou a taça com força. ─Draycott não está interessado nessas questões, Srta. Wingfield, mas eu sim. ─Eu pressenti. Realmente você é um homem do mundo. ─Olympia olhou o brandy que havia em sua taça e logo voltou a elevar os olhos. ─Ontem à noite você mencionou conhecer certos costumes pouco comuns, que os habitantes de uma ilha nos mares do Sul praticavam.
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─Ah, sim! ─Jared fechou o livro e olhou o fogo. ─Alguns dos hábitos de galanteria desses ilhéus são muito interessantes. ─Você me prometeu me dar mais detalhe esta noite. Lembra? ─Claro. ─Jared tomou um gole de seu brandy e assumiu uma expressão contemplativa. ─Aparentemente, dita a tradição do lugar que o suposto pretendente deve levar sua dama a um lugar da selva que se considera mágico. Disseram-me que se trata de uma lagoa, onde uma enorme cascata cai sobre um muro de rochas. ─Parece encantador. ─Olympia bebeu outro gole de brandy. ─E, depois o que acontece? ─Se a dama desejar que o homem lhe faça a corte, então permite que a beije debaixo da cascata. ─Jared fez girar a taça com suas mãos. ─Entrega-lhe uma amostra de seus sentimentos, como símbolo de seu amor. A lenda diz que uma união que começa desse modo será harmoniosa e proveitosa. ─Que interessante! Olympia se perguntava como seria um beijo de Jared. Seu físico era perfeito, poderoso e forte, ali, sentado junto a ela. Pensou que poderia levantá-la com uma só mão, se quisesse. Perguntou-se como se sentiria se Jared a levantasse entre seus braços. E a estreitasse contra seu peito. E a cobrisse sua boca com a dele. Aturdida pelo curso que seus pensamentos haviam tomado, Olympia assustou-se e a taça quase caiu de suas mãos. O brandy derramou sobre a escrivaninha. ─Srta. Wingfield, você está bem? ─Sim, sim, é claro. Rapidamente, Olympia endireitou a taça e a apoiou sobre a mesa. Mortificada diante de sua estupidez, secou o brandy derramado com um lenço, enquanto procurava desesperadamente algum assunto intelectual que a salvasse dessa situação tão embaraçosa.
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─E, falando de símbolos de amor nos mares do Sul... ─Olympia se concentrou em terminar de enxugar até a última gota de brandy derramada. ─Recentemente tenho lido algo em relação com uma prática muito fora do comum, nessa parte do mundo. ─Verdade. Srta. Wingfield? ─Parece ser que, entre os habitantes de uma das ilhas, é tradição que o noivo entregue à noiva um grande objeto de ouro, em forma de falo. Do outro lado da sala, produziu-se um profundo silêncio. Olympia levantou os olhos, pois acreditou que Jared não havia escutado. Experimentou uma estranha sensação quando viu seus olhos perturbados. ─Um falo de ouro? ─perguntou Jared. ─Bom, sim. ─Olympia deixou o lenço empapado em brandy sobre a mesa. ─Um costume muito estranho. Você não acha, senhor? O que supõe que alguém possa fazer com um grande falo de ouro? ─Não poderia dizer de antemão, mas suspeito que exista uma resposta interessante para essa pergunta. ─Sem dúvida. ─Olympia suspirou. ─Mas jamais conhecerei a resposta porque nunca viajarei para os mares do Sul. Jared deixou sua taça de brandy e ficou de pé. ─Como você mesma disse, Srta. Wingfield, não se precisa viajar muito para ter experiência sobre o mundo. ─É verdade. ─Olhou, enquanto ele, deliberadamente, se aproximava. ─Algum problema, Sr. Chillhurst? ─Sim. ─Rodeou a escrivaninha, estendeu os braços e levantou a Olympia da cadeira. ─Há algo que quero saber esta noite, e só você conhece a resposta, Srta. Wingfield. ─Sr. Chillhurst, ─Olympia quase não podia respirar pela excitação que ardia em seu interior. Sentia que estava a ponto de derreter. ─Qual é essa pergunta, senhor? ─Beijar-me-ia, Srta. Wingfield?
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Olympia estava tão agitada que não conseguia achar as palavras para responder-lhe. Fez a única coisa que podia. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e elevou sua boca para a dele, em um silencioso convite. Com repentina e absoluta certeza, deu-se conta que havia esperado esse momento durante toda sua vida. ─Sereia. ─Jared a estreitou com todas suas forças entre seus braços, ao mesmo tempo em que possuía seus lábios, com grande intensidade.
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Capítulo 4
Fogo, como uma chama selvagem e implacável, correu nas veias de Olympia. Estava tão alarmada, como excitada. A boca de Jared era quente, persuasiva e exigente. Convencia-a, conquistava-a. Em reação a seus lábios, que se moviam sobre os dela sem cessar, Olympia não deixava de tremer. Sentia o calor do corpo de Jared e a firmeza de suas mãos. Sabia que estava tornando-se terrivelmente vulnerável diante dele, mas não lhe importava, porque estava saboreando muito aquela experiência. Abraçou Jared com mais força ainda, como se dele dependesse toda a sua vida, enquanto ele a conduzia a um mar de sensações. Jared gemeu quando ela abriu a boca, diante de sua gentil insistência. ─Estou ansioso para escutar sua canção, minha querida. ─murmurou ele contra seus lábios e imediatamente estava no interior de sua boca. Quando Jared tocou sua língua com a dele, Olympia se assombrou e, instintivamente, tentou retirá-la. ─Ainda não. ─pressionou Jared. ─Quero saboreá-la. Olympia sentiu-se cativa dessas palavras. ─Me saborear? ─Assim. ─Jared voltou a tomar a boca de Olympia uma vez mais, saboreando-a plenamente. ─E, assim. Por Deus, é mais embriagante que o mais puro brandy. Olympia jogou a cabeça para trás e fechou os olhos, totalmente abandonada à delícia de experimentar ser beijada por Jared. Sentiu que Jared mudava seus braços de posição. Passou um por trás de seus joelhos e o outro, ao redor dos ombros. Olympia suspirou profundamente quando ele a levantou para transportá-la para o outro lado da sala.
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Então, abriu os olhos e olhou para ele, quando a colocava sobre os almofadões de veludo do sofá. Percebeu que nos olhos do Jared havia um apetite incontrolável, e foi assim que soube que dentro dela também havia algo que respondia a esse apetite. Nunca havia se sentido tão gloriosamente viva. ─Tudo isto é muito estranho. ─Olympia tocou-lhe o rosto, encantada. ─Sinto-me como se estivesse a ponto de começar uma longa viagem para uma terra desconhecida. ─Eu também. ─O sorriso de Jared foi lento e sensual. Ajoelhou-se, no chão, ao lado do sofá. ─Faremos esta viagem juntos, minha encantadora sereia. Sem poder dizer palavra alguma. Olympia tomou-lhe a mão e a levou aos lábios. Beijou-lhe a palma, com uma profunda emoção. ─Meu Deus, não tem ideia do que está me fazendo. ─Jared apoiou a palma de sua outra mão, sobre o pescoço e a seguir, deliberadamente, desceu, até pousá-la sobre seu peito. Olympia olhou para ele através de seus cílios. ─Isto é paixão, não é mesmo, Jared? ─Sim, Olympia, isto é paixão. ─Não sabia que tivesse tanto poder. ─murmurou. ─Agora entendo porque é o motivo de tantas lendas. ─ergueu-se para levar sua boca a até a dele, mais uma vez mais contra a sua. Enquanto a beijava, Jared explorou a forma de seu seio com a palma da mão. Olympia percebeu que todo seu corpo pulsava, com uma estranha ansiedade. Moveu-se no sofá, procurando uma maior intimidade. Jared suspirou profundamente e começou a desatar as fitas do vestido de Olympia. Seus poderosos dedos tremeram ligeiramente. ─Jared? Está sentindo o mesmo calor que eu? ─Não se trata simplesmente de calor, minha doce sereia. Estou ardendo. ─Oh, Jared! Está acontecendo exatamente o mesmo comigo. ─Tenho medo que quanto mais longe formos nesta viagem, mais nos custará voltar. ─Jared desceu o vestido de Olympia até a cintura.
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Olympia estremeceu da cabeça aos pés, quando Jared tomou um de seus mamilos entre os lábios. ─Não quero voltar nunca mais. ─Tampouco eu. ─Jared levantou a cabeça para olhá-la intensamente nos olhos. ─Mas, por muito que eu a deseje, não quero levá-la mais longe do que você quiser chegar. Caso queira que eu pare, será melhor que me diga isso enquanto eu ainda posso fazê-lo. ─Tenho vinte e cinco anos, Jared. ─disse ela, acariciando seu rosto. ─Sou uma mulher do mundo; não uma menininha recém-saída da escola. Ensinaram-me a tomar as minhas decisões, sem prestar atenção ao que normalmente se entende por apropriado ou formal. Jared sorriu lentamente. ─Haviam-me dito que era uma mulher excepcional. ─Baixou os olhos para contemplar seus seios nus. ─Mas também é muito bonita. Olympia tremeu por antecipação. Estava em uma encruzilhada. Por um lado havia o impulso de escapar do olhar intenso de Jared, mas, por outro daria qualquer coisa lhe parecer atraente. Nunca havia se considerado bonita, mas agora quando Jared a olhava assim, sentiase gloriosa. ─Sabe quanto a desejo? ─Jared acariciou o mamilo com o dedo. ─Pode imaginar remotamente, pelo menos? ─Sinto-me feliz, profundamente feliz que me deseje, Jared. Olympia se arqueou contra a palma de sua mão. Sentiu que seu seio inchava, adquirindo turgidez. Os mamilos pareciam insuportavelmente sensíveis ao contato com sua pele. ─Você vai me levar à loucura, mas eu vou me abandonar nesta viagem. ─Jared levou a mão até o tornozelo de Olympia, para deslizar a mão por baixo de suas saias. Olympia sentiu a mão na parte interna de suas pernas e algo em seu interior começou a pulsar. O calor a derretia. De repente, se deu conta de que precisava tocá-lo, explorá-lo da mesma maneira que ele a estava tocando e explorando seu corpo.
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Procurou sem jeito os botões da camisa, mas por fim conseguiu abri-la. Os escuros e anelados pelos de seu peito lhe fascinaram. Apoiou a mão sobre este e sentiu a rigidez de seus músculos. ─Sabia que seria assim. ─Suspirou maravilhada. ─Tão quente, tão forte, tão poderoso. ─Olympia... Minha sereia... Jared apertou com mais força a coxa da jovem, por cima da cinta-liga, enquanto beijava apaixonadamente o vale entre seus seios. Um grito breve, de temor e angústia, apunhalou a nuvem de paixão que envolvia Olympia. Ficou gelada, como se acabasse de cair em uma correnteza fria. Jared levantou a cabeça imediatamente. ─Que raios foi isso? ─É Hugh. ─Olympia lutou por sentar-se. Tremiam-lhe os dedos enquanto tentava recompor o vestido. ─Já lhe disse que em determinadas ocasiões, tem pesadelos. Devo ficar ao seu lado imediatamente. Lentamente, ficou de pé. Ele a contemplava enquanto ela tentava voltar a atar as fitas de seu vestido. ─Me permita. Agradecida pela ajuda, Olympia virou-se e esperou com impaciência que ele terminasse de recompor o corpete do seu vestido de musselina. ─Por favor. Rápido. Hugh fica muito assustado. ─Pronto. ─Jared retrocedeu. Olympia correu para a porta. Abriu e saiu apressadamente pelo corredor, em direção às escadas. Sabia perfeitamente bem que Jared a estava seguindo. Quando voltou e olhou para trás, por cima do ombro, notou que ele, estava abotoando-a camisa, metodicamente, e colocando-a por dentro da cintura de suas calças. Uma vez no andar de cima, Olympia seguiu o corredor, até o quarto de Hugh. A porta da esquerda se abriu quando ela passou. Robert apareceu com seu camisão.
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─Tia Olympia? ─Robert esfregou os olhos, para acordar. ─Acho que escutei o Hugh. ─Sim, foi ele. ─Olympia parou rapidamente para tocar-lhe o ombro. ─Outro pesadelo, com certeza. Volte para a cama, Robert. Eu vou ajudá-lo. Robert concordou e começou a fechar a porta. Parou ao ver que Jared estava ali. ─Sr. Chillhurst. O que está fazendo aqui, senhor? ─Estava com sua tia quando escutamos o grito de Hugh. ─Oh! Sabe, Hugh se assusta muito. ─Por que? ─perguntou Jared. Robert encolheu de ombros. ─Tem medo que nos tirem daqui e nos mandem para a casa do próximo parente que queira nos receber. Ethan tem o mesmo medo também. Eu lhes digo que têm que ser valentes, mas ainda são muito pequenos, sabe. Demora muito para que entendam. ─Ninguém será tirado desta casa, Robert. ─disse Olympia firmemente. Já falei isso. ─Sim, tia Olympia. ─respondeu Robert, com uma estranha e sinistra gentileza. Olympia suspirou. Sabia que Robert não acreditava inteiramente, embora ela insistisse sobre esse assunto durante os últimos seis meses. Mas, não havia tempo para pensar sobre esse assunto esta noite. Primeiro, deveria atender ao Hugh. Percorreu o corredor até chegar ao quarto de Hugh. Os soluços do menino eram ouvidos mesmo com a porta fechada. Olympia abriu a porta vagarosamente e entrou em quarto escuro. À pálida luz da lua, a moça conseguiu ver um montículo, patético, aninhado debaixo das cobertas. ─Hugh? Hugh? Sou eu, tia Olympia. ─aproximou-se da cama e se sentou sobre esta, perto do montinho. Puxou as cobertas e pôs a mão sobre o ombro de Hugh, que não parava de tremer. ─Já passou. Tudo terminou. Eu estou aqui. ─Tia Olympia. ─Hugh se sentou lentamente e olhou para ela com olhos muito grandes, aterrorizados. Então, se jogou em seus braços, soluçando. ─Eu tive aquele sonho outra vez.
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─Eu sei querido. Mas, foi isso, apenas um sonho. ─Olympia o estreitou com mais força ainda, e o embalou. ─Está seguro aqui, comigo. Ninguém vai levá-lo a outro lugar. Agora esta é sua casa, seu lar. Ouviu-se um ruído na escuridão. O quarto se iluminou quando Jared acendeu uma vela. Hugh, imediatamente, levantou a cabeça para espiar por cima do ombro de Olympia. ─Sr. Chillhurst. ─Hugh piscou e escondeu a cabeça. Obviamente, sentia-se muito envergonhado diante da evidência de lágrimas em seu rosto. ─Não sabia que ainda estava aqui. ─Estava lá embaixo, na biblioteca, quando você teve esse sonho. ─respondeu Jared tranquilamente. ─Já está melhor? ─Sim, senhor. ─Hugh secou as lágrimas do rosto com a manga do camisão. ─Ethan diz que eu sempre estrago tudo. ─É mesmo? ─Jared arqueou uma sobrancelha. ─Senão me falha a memória, Ethan estragou umas algumas margaridas ontem, quando caiu da árvore. O rosto de Hugh se acendeu. ─Fez isso mesmo. Não é verdade? Olympia olhou Jared. ─Ninguém me disse que Ethan havia caído de uma árvore. ─Não foi tão terrível. ─declarou Jared. ─Tudo que houve foi um raspão no joelho. ─O Sr. Chillhurst disse que não havia necessidade de lhe contar isso. ─explicou Hugh. ─Disse que as mulheres fazem um grande escândalo por um pouquinho de sangue. ─Ah sim? ─Olympia dirigiu a Jared um olhar de reprovação. ─Bom isso é uma amostra do muito que o Sr. Chillhurst conhece sobre as mulheres. O sorriso do Jared foi perigosamente divertido. ─Está insinuando que meus conhecimentos sobre as mulheres são incorretos em alguns aspectos, Srta. Wingfield? ─Isso é exatamente o que estou insinuando, Sr. Chillhurst.
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─Então, talvez, tenha que me dedicar com mais afinco a estudar esse assunto. Afinal, é minha obrigação profissional atingir o grau máximo da educação e instrução. Claro que, para minhas investigações, necessitarei de um espécime voluntário. Você se importaria em ser essa voluntária? Olympia sentiu uma grande confusão. Sabia que ele estava brincando, mas não entendia o significado. Estaria ele subestimando-a, agora que a tinha visto meio nua em seus braços, no sofá da biblioteca. Tia Sophy e tia Ida lhe tinham advertido que muitos homens, secretamente, desaprovavam às mulheres do mundo liberadas, ainda que na maioria dos casos, esses mesmos homens se sentissem muito felizes ao ficarem íntimos dela. Por um instante, no qual seu coração quase parou, Olympia se perguntou se não teria julgado mal Jared. Talvez ele não fosse o tipo de homem que ela acreditava. Talvez, em nada diferisse de Reginald Draycott, nem de outros homens de Upper Tudway. Sentiu calor e, depois, frio. Alegrou-se que apenas uma vela estivesse iluminando o quarto. ─Você está bem, tia Olympia? ─perguntou-lhe Hugh, franzindo o cenho de preocupação. Um tanto envergonhada, Olympia voltou a olhar para ele. ─É obvio que sim. E, o que me diz de você? ─Estou bem. ─limpou o nariz com a manga do camisão. ─Lamento havê-la alarmado. ─De vez em quando, todos nós temos pesadelos, Hugh. ─disse Jared. Hugh piscou. ─Até você? ─Até eu. ─Que tipo de pesadelos você tem? ─perguntou Hugh, com interesse genuíno. Jared notou que Olympia estava com seu rosto virado. ─Tem um sonho em particular que sempre se repete em minha vida. Sonho que estou em uma ilha desconhecida e que, ao longe, vejo um navio no porto.
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─E o que acontece no sonho? ─.inquiriu Hugh, mais interessado que antes. ─Sei que o navio está a ponto de zarpar e que eu devo subir a bordo ou me deixarão ali, abandonado. Porém, não posso alcançá-lo. Passo o tempo olhando para o meu relógio, mas, mesmo fazendo o impossível, jamais chegarei ao navio por meus próprios meios. Se alguém não vier me resgatar, irão me deixar abandonado na ilha. Olympia levantou a vista imediatamente. ─Eu sempre tive sonhos como esse. ─sussurrou. A gente sabe que estará sozinho para sempre e não consegue tolerar essa ideia. ─Sim, é muito desagradável. ─Jared olhou para ela. Por um instante, uma antiga solidão, combinada com um profundo e irrefreável desejo, brilhou em seu olhar. Nesse instante, Olympia concluiu que não havia julgado mal a esse homem. Estavam unidos por um laço que não poderia ser traduzido em palavras. Perguntava-se se Jared compreenderia com a mesma clareza que ela. ─Mas, é apenas um sonho, tia Olympia. ─reconfortou-a Hugh. Olympia livrou-se do feitiço que temporariamente a tinha apanhado, e sorriu ao seu sobrinho. ─Tem toda razão. São apenas sonhos. Bem, acredito que já discutimos bastante esse assunto. ─levantou-se da cama. ─Se tiver certeza que poderá voltar a dormir, Hugh, então nós partiremos. ─Ficarei bem, tia Olympia. ─Hugh se cobriu com as mantas. ─Então, muito bem. ─Olympia se abaixou para lhe dar um beijo. Hugh fez uma careta de desgosto, como sempre, mas nãovirou o seu rosto. ─Nos veremos amanhã no desjejum. Hugh esperou até que Olympia apagasse a vela e chegasse até a porta. ─Tia Olympia? ─Sim, querido? ─voltou-se para olhá-lo.
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─Robert diz que Ethan e eu devemos ser corajosos, porque algum dia você se cansará de nós e nos enviará de volta para nossos parentes de Yorkshire. Estava me perguntando quando tempo falta para que você se canse de nós e nos tire daqui. Olympia sentiu um nó na garganta. ─Nunca me cansarei de tê-los em minha casa. A verdade é que não sei como consegui viver aqui sozinha, antes que vocês chegassem. ─É verdade? ─perguntou Hugh ansiosamente. ─Oh, sim, Hugh! ─respondeu Olympia com toda franqueza. ─É verdade. A vida aqui era muito aborrecida antes que você e seus irmãos chegassem. Não poderia imaginar nada mais deprimente em minha vida que vê-los partir. ─Tem certeza? ─Hugh voltou a lhe perguntar, com a mesma ansiedade. ─Juro que se você, Ethan e Robert partissem, eu me transformaria rapidamente em uma intelectual muito estranha, que só encontraria diversão em meus livros. ─Não é verdade. ─contradisse Hugh com veemência. ─Você não é estranha. Charles Bristow disse que era e foi por isso que eu bati nele. Porque não é verdade. Você é encantadora, tia Olympia. O tímido olhar de Hugh se fixou imediatamente em Jared. ─Não quis dizer isso. O Senhor Chillhurst disse que tive razão em não contar nada, quando aconteceu. ─Certíssimo. ─disse Jared. ─Um cavalheiro que se desafia outro a um duelo, para defender a honra de uma dama, jamais discute o assunto com ela. Nem antes, nem depois do duelo. ─Pelo amor de Deus. ─Olympia estava enfurecida. ─Não vou permitir que ninguém brigue por minha causa. Está entendido? Hugh suspirou. ─Não tem importância. Perdi. Mas, o Sr. Chillhurst me disse que me ensinaria alguns truques para que eu me saia melhor da próxima vez. Olympia olhou para Jared, furiosa.
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─Ah, sim? ─Não se preocupe, Srta. Wingfield. ─disse Jared. ─Você não faz outra coisa, a não ser repetir esta frase. Mas, estou começando a acreditar que o melhor seria que eu começasse a observar mas atentamente as aulas que dá a meus sobrinhos. Jared arqueou uma sobrancelha. ─Talvez seja melhor que discutamos isto a sós, Srta. Wingfield. Boa noite, Hugh. ─Boa noite, senhor. Olympia saiu muito tensa. Jared a seguiu e fechou cuidadosamente a porta atrás de si. ─A verdade é, Sr. Chillhurst ─começou Olympia em um murmúrio, ─que não posso permitir que exorte meus sobrinhos para que briguem com outros meninos. ─Não foi minha intenção fazer nada disso, Srta. Wingfield. Deve confiar em mim. Considero-me um homem inteligente, que tenta encontrar soluções não violentas para resolver qualquer controvérsia, na medida do possível. Olhou para ele. ─Tem certeza disso? ─Muita certeza. Mas, algumas vezes, o mundo não é cor de rosa e um homem precisa saber defender-se. ─Mmm. ─Assim como deve saber defender a honra de uma mulher. ─concluiu Jared calmamente. ─Esse é um conceito muito antigo, com o qual eu não concordo. ─disse Olympia, aflita. ─Tia Sophy e tia Ida me ensinaram que uma mulher deve defender sozinha a sua honra. ─De qualquer maneira, eu espero que prossiga confiando em meus métodos de ensino. ─Jared tomou a mão para detê-la. ─E, em mim.
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Olympia estudou o rosto de Jared, à luz do candelabro de parede. Sua raiva desapareceu. ─É obvio que tenho confiança em você, Sr. Chillhurst. Jared lhe sorriu. ─Então, dou-lhe boa noite, Srta. Wingfield. Abaixou a cabeça e plantou um beijo obstinado em sua boca, mas antes que ela tivesse a possibilidade de corresponder, o beijo terminou e Jared a soltou. Desceu as escadas sem dizer uma só palavra e saiu da casa. Olympia desceu as escadas lentamente. Tentou identificar o torvelinho de emoções que girava dentro dela, mas foi um esforço inútil. Eram muitas coisas novas. Era assombroso, inquietante e, talvez, um pouquinho perigoso. Tinha a sensação de ter entrado no coração de uma lenda escrita especialmente para ela. Com um sorriso pensativo, passou pela enorme porta de ferro da entrada. Foi à biblioteca e voltou ao diário de Lightbourne. Por uns instantes, ficou no centro da habitação, saboreando a lembrança do abraço de Jared. Foi muito natural que a beijasse pela primeira vez ali, nesse lugar tão especial para ela. Olympia recordou a primeira imagem que teve dessa biblioteca. Foi num dia escuro e chuvoso, em que a tinham deixado nessa casa, com tia Ida e tia Sophy. Naquele momento, Olympia estava morta de frio e de medo, desesperada e disposta a não revelar seus temores. Outra vez a tinham deixado na casa de outro parente anônimo. Esses dois anos, durante os quais a tinham passado de mão em mão, tinham deixado suas marcas. Com apenas dez anos de idade, Olympia era muito magra, muito calada, extremamente ansiosa e com tendência a sofrer terríveis pesadelos. Alguns deles adquiriam formas humanas. Por exemplo, tio Dunstan, que a olhava com um brilho estranho nos olhos. Um dia, a seguiu até seu quarto e fechou a porta. Começou a lhe falar de quão ela bonita era e a tocá-la, com suas mãos enormes e suarentas. Olympia gritou. Tio Dunstan a soltou imediatamente e suplicou-lhe que parasse de gritar, mas ela estava tão nervosa que não conseguia parar. Continuou gritando até que tia Lilian
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abriu a porta. A mulher percebeu a situação com apenas um olhar. Não disse nada, mas na manhã seguinte Olympia foi enviada à casa do parente seguinte da lista. E, teve também seu primo Elmer, um rapaz perverso, três anos mais velho que ela. Divertia-se aterrorizando Olympia em qualquer oportunidade que lhe fosse apresentada. Costumava atacá-la aos gritos, surgindo de inúmeros esconderijos que encontrasse nos corredores, cada vez que a via passar. Havia incendiado a única boneca que tinha. Ameaçava-a encarcerá-la no porão. Em poucas semanas, Olympia tinha medo até de fazer o movimento mais insignificante. Sobressaltava-se até ao ver uma pequena sombra. Quando o médico a examinou, diagnosticou uma enfermidade nervosa, razão suficiente para que a despachassem para a casa do parente seguinte. E, a seguinte na lista era tia Sophy. Ela e tia Ida a levaram-na à biblioteca no primeiro dia de sua chegada. Ofereceram-lhe chocolate quente, lhe assegurando que essa seria sua residência permanente. É claro que Olympia não acreditou nelas, a princípio, mas tentou ser amável a este respeito. As tias trocaram um olhar malicioso e, a seguir, tia Sophy tomou sua mão e a levou até um enorme globo terrestre. ─Pode vir à biblioteca quando quiser, Olympia. ─disse tia Sophy com afeto. ─Nesta sala é livre. Livre para explorar terras desconhecidas. Livre para sonhar o que quiser. Neste recinto há um mundo inteiro, Olympia, e é seu. Levou algum tempo, na realidade meses, até que Olympia aprendeu a florescer sob o afeto e os cuidados recebidos por parte de suas tias. Mas, finalmente floresceu, e à medida que foi crescendo, feliz e segura em seu novo lar, começou a passar horas intermináveis nessa biblioteca. Logo, este lugar se converteu em seu favorito. Era seu mundo privado, onde qualquer coisa poderia acontecer. Um lugar onde as lendas poderiam converter-se em realidade. Um lugar onde estar sozinha não importava tanto. Foi o lugar perfeito para saborear o beijo de um pirata.
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Com o diário debaixo do braço, Olympia saiu da biblioteca e percorreu toda a casa, verificando que se as portas e janelas estavam perfeitamente fechadas. Apagou as velas e subiu ao seu quarto.
Era uma bela noite. Jared não conseguia lembrar-se de outra melhor. A temperatura estava agradável, havia lua cheia e, no ar, flutuavam as fragrâncias da primavera que chegava ao fim. Teve a sensação de que, se apurasse bem os ouvidos, até poderia escutar alguma melodia das pradarias. Era o tipo de noite ideal em que um homem tomava plena consciência de sua virilidade. Uma noite para sussurros e doces suspiros de desejo. Uma noite em que algo podia acontecer. Uma noite em que um homem poderia seduzir uma sereia. Certamente, se o jovem Hugh não tivesse feito em pedacinhos a magia de alguns momentos atrás, pensou Jared com certo desgosto, Olympia já seria dele. Ao imaginar Olympia na chama de uma apaixonada submissão, notou que seu corpo endurecia mais uma vez. Estava tão encantadora, ali, estendida sobre o sofá, à luz do fogo. Desejou tê-la assim uma vez mais. Seu cabelo parecia um rio de fogo sobre os almofadões de veludo. Seus seios, firmes e turgidos, de belas curvas e com mamilos generosos, rosa coralinos. Sua pele morna, tão suave como a seda. Sua boca, de mel. Ainda tinha seu perfume impregnado. E ela havia permitido, tinha respondido a ele, abandonou-se nele. Jared experimentou uma profunda satisfação. Era a primeira vez na vida que uma mulher o desejava simplesmente pelo que era. Pois, para a Olympia, havia sido seduzida pelo professor de seus sobrinhos. Jared sorriu. Excitava-lhe. Olympia se derretia cada vez que ele a tocava. Em seus olhos leu uma doce e honesta paixão. Em nenhum momento tinha mostrado a frieza de Demetria.
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E Jared, estava convencido de que não havia outro amante na vida de Olympia, ao menos no momento. Não podia estar seguro de seu passado, pois Olympia sempre se considerava uma mulher do mundo. A dedução era que já não era mais virgem. Mas, pela análise de Jared, Olympia nunca havia experimentado uma profunda paixão como a que se entregou nessa noite a ele, embora já houvesse se deitado com outro homem. Tinha detectado a surpresa e o assombro em seu olhar. Sentiu em suas carícias. E então se deu conta que tinha sido o primeiro a levá-la até o topo dessa emoção. Com uma súbita certeza, Jared se prometeu que, se alguma vez houvesse outro homem na vida de Olympia, ele se encarregaria que o esquecesse. Quão diferente de Demetria. “Cuidado com beijo mortal do Guardião quando você olhar em seu coração para encontrar a chave.” Olympia franziu a testa quando, com muita dificuldade, conseguiu elucidar a frase. Não a entendia, mas estava certa que acabava de desvendar o primeiro enigma do diário. Bocejou enquanto rabiscava as palavras em uma folha de papel. Já era muito tarde. Quase duas horas da madrugada. A vela que estava sobre sua mesa de cabeceira foi consumida quase por completo. Como não tinha conseguido conciliar o sonho depois que Jared partiu, decidiu investir no diário. “Cuidado com beijo mortal do Guardião quando você olhar em seu coração para encontrar a chave.” Olympia não tinha ideia do significado dessas palavras, mas pressentia que se tratava de algo importante. Começou a virar a página. Um latido distante, proveniente da cozinha, a deteve. ─Algo havia despertado Minotauro. Alarmada. Olympia deixou o diário e tirou as mantas de cima. Levantou-se de sua cama alta, dirigiu-se para a lareira e agarrou um atiçador de ferro. Em seguida, colocou um roupão.
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Foi até a porta e a abriu cautelosamente. O silêncio fluía do primeiro andar, como uma onda imensa. Minotauro tinha deixado de ladrar. Olympia concluiu que, o que quer que fosse, o havia despertado, mas já tinha desaparecido. Talvez, tivesse sido perturbado por algum gato ou outro animal pequeno, que tinha vindo até a cozinha procurar comida. Entretanto, não podia livrar-se da horrorosa sensação que algo estava errado. Apertando fortemente o atiçador, Olympia segurou a bainha de sua roupa e começou a descer lentamente a escada. O ar frio da noite a recebeu ao pé da mesma. Parecia vir da biblioteca. Olympia se encaminhou para lá. A porta estava entreaberta como ela a tinha deixado. Utilizou o atiçador para terminar de abri-la. O forte aroma de brandy lhe fez franzir o nariz. Com um olhar carrancudo, entrou lentamente na biblioteca. Havia luz suficiente para ver que as cortinas se agitavam sutilmente pela brisa da noite. Olympia estremeceu. Tinha certeza que não havia deixado nenhuma janela aberta. Todas as noites, punha especial atenção em fechar todas as portas e janelas do andar de baixo. Lembrou, claro, que essa noite tinha sido muito especial antes de ir para a cama, não tinha conseguido arrancar de seus pensamentos os momentos vividos com Jared. Talvez, por causa disso, tenha esquecido de verificar a janela da biblioteca. Porém, o aroma de brandy se intensificava à medida que se aproximava da janela. Não se deu conta da verdade até que, com os pés descalços, tocou o poça sobre o tapete. Foi aprisionada pelo pânico. Tentou de repeli-lo enquanto se aproximava rapidamente de sua escrivaninha. Tateou torpemente o abajur até que, por fim, conseguiu acendê-lo. A luz tranquilizadora demonstrou-lhe que o recinto estava vazio. Também indicou claramente, que a poça de brandy provinha do garrafão que havia caído.
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Olympia conteve a respiração. Alguém havia estado revirando a sua biblioteca poucos minutos antes.
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Capítulo 5
─O que vamos estudar esta manhã, Sr. Chillhurst? ─perguntou Ethan, enquanto passava geleia em sua torrada. Jared abriu seu livro de anotações, que estava junto ao seu prato. Olhou o que havia anotado debaixo do título: lições matinais. ─Geometria. ─Geometria. ─Ethan protestou com toda sinceridade. Jared ignorou a reação e fechou o livro. Olhou mais uma vez a tensa e distante expressão no rosto de Olympia. Algo estava errado, mas não podia saber exatamente, do que se tratava. Sentiu-se temeroso ao pensar que talvez, estivesse arrependida do episódio da noite anterior. Ele tinha forçado os acontecimentos, pensou. Deveria ter-lhe dado mais tempo para que se adaptasse à paixão que tão inesperadamente havia nascido entre eles. Não deveria jogar tudo a perder por pressioná-la demais. ─Não estou interessado em matemática. ─anunciou Hugh. ─Especialmente geometria. ─adicionou Robert. ─Ficaremos trancados a manhã toda. ─Não ficaremos dentro de casa hoje. ─Jared olhou para a Sra. Bird. ─Um pouco mais de café, por favor, Sra. Bird. A Sra. Bird apoiou-se pesadamente sobre a mesa, com a cafeteira. Dirigiu um olhar carrancudo a Ethan, enquanto enchia a xícara de Jared. ─Diga-me o que está fazendo com esse pedaço de salsicha. ─Nada. ─respondeu Ethan com um sorriso angelical. ─Está dando comida ao cão por baixo da mesa, nãoé verdade? ─Não, claro que não. ─Sim. ─disse Hugh, muito alegre. ─Eu vi.
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─Você não pode provar. ─contradisse Ethan. ─Não preciso provar. ─disse Hugh. ─Todos sabem que é verdade. Olympia levantou os olhos, momentaneamente distraída da contemplação que estava fazendo dos ovos que tinha em seu prato. ─Vocês dois estão brigando novamente? ─A briga já está terminada. ─disse Jared, sem perder a serenidade em nenhum momento. Olhou para cada um dos gêmeos com uma expressão severa e eles, imediatamente, obedeceram. ─Sra. Bird, talvez seja melhor que leve Minotauro daqui. ─Tem toda razão, senhor. Eu nunca quis que os cães andassem dentro da casa. ─A Sra. Bird foi para a porta da cozinha e estalou os dedos para chamar Minotauro. De muito má vontade, o cão saiu de seu esconderijo, embaixo da mesa e, com um último olhar de esperança para Ethan, foi para a cozinha. ─Como faremos para estudar geometria ao ar livre, Sr. Chillhurst? ─Começaremos medindo a largura do arroio, sem precisar cruzá-lo realmente. ─respondeu Jared. Voltou a olhar para Olympia, que não deixava de observar os ovos que tinha diante dela. ─Como pode fazer isso? ─perguntou Ethan, a quem obviamente, estava seduzido pela curiosidade. ─Eu lhes mostrarei. ─disse Jared, ainda com os olhos fixos em Olympia. ─E, quando tiverem aprendido, irei contar-lhes como o capitão Jack utilizou a mesma técnica para encontrar a saída da selva. ─Uma selva no istmo do Panamá? ─perguntou Hugh. ─Não, esta selva estava em uma ilha nas Índias Ocidentais. ─explicou Jared. Sorriu ao ver que finalmente, tinha conseguido atrair a atenção de Olympia, que se dignou a levantar os olhos do prato. O bom e velho capitão Jack, pensou, com pesar. ─E, o que o capitão Jack estava fazendo em meio a selva de uma ilha? ─perguntou Ethan. ─Suponho que estava escondendo um tesouro, é claro. ─murmurou Jared. Olympia, muito interessada, abriu os olhos enormes.
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─Alguma vez voltou à essa ilha para desenterrar o tesouro? ─Acredito que sim. ─disse Jared. ─É verdade que o capitão Jack usou geometria para poder sair da selva? ─Perguntou Robert. ─Claro que sim. ─Jared bebeu um gole de café e examinou a expressão de Olympia por cima da xícara. Outra vez havia se perdido em seus pensamentos. Nem sequer a anedota sobre o capitão Jack tinha bastado para mantê-la concentrada essa manhã. Decididamente, algo estava errado. ─O capitão Jack degolou algum homem e deixou seus ossos espalhados sobre o tesouro para amedrontar qualquer pessoa que se animasse a desenterrá-lo? ─perguntou Hugh. Jared quase engasgou com o café. ─De que raios de lugar tirou uma ideia como essa? ─Eu escutei por aí que os piratas sempre faziam isso. ─disse Hugh. ─Eu já disse para vocês que o capitão Jack era um bucaneiro e não um pirata. ─Tirou o relógio de seu bolso para ver a hora. ─Se já terminaram, podem se levantar da mesa. Eu quero falar uns minutos a sós com sua tia. Enquanto isso, procurem por lápis e papel, correndo. Eu me reunirei com vocês em uns poucos momentos. ─Sim, senhor. ─disse Robert, ansioso. Houve um estrondo terrível de cadeiras se movimentando, quando os três jovenzinhos se atropelavam entre si para sair do salão. ─Um momento, por favor. ─disse Jared tranquilamente. Os três voltaram-se submissos. ─Esqueceu alguma coisa, Sr. Chillhurst? ─perguntou Robert. ─Não. Vocês esqueceram-se de algo. ─Nenhum dos três pediu a permissão de sua tia para retirarem-se da mesa. ─Desculpe, senhor. ─Robert fez uma pequena e exagerada reverência. ─Por favor, com sua permissão, tia Olympia.
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─Me desculpe, tia Olympia. ─disse Hugh. Temos que sair agora. ─Me perdoe, tia Olympia. ─cantarolou Ethan. Temos que nos preparar para estudar, já sabe. Olympia piscou e sorriu aos três, embora vagamente. ─Sim, claro tenham uma bela manhã. Houve outra sinfonia de ruídos até que chegassem à porta. Jared esperou pacientemente até que a habitação estivesse deserta. Em seguido, olhou para o outro lado da mesa, onde estava Olympia. Jared pensou que estava linda sentada ali, com o sol lhe iluminando o rosto. Experimentou uma estranha sensação de intimidade, ao encontrar-se ali, compartilhando o café da manhã com ela. E, imediatamente, essa familiar onda de desejo lhe envolveu. Nessa manhã, o rosto da moça estava emoldurado pela gola plissada de sua modesta camisa de linho. O amarelo intenso de seu vestido de cintura alta realçava a cor de seus cabelos, recolhidos sob a touca de renda. Jared se perguntou qual seria a reação de Olympia se ele ficasse de pé, caminhasse até onde ela estava, e a beijasse. E, com a pergunta, surgiu uma imagem: Olympia estendida sobre a mesa, entre os pratos e as xícaras de chá; suas encantadoras pernas, penduradas sobre a beira, as saias levantadas até a cintura e sua cabeleira em selvagem desordem. Também imaginou a si mesmo nessa imagem, entre as suaves pernas de Olympia, tão brancas. Estaria violentamente excitado, ante o mel que teria ao alcance das mãos. Jared precisou sufocar um suspiro de frustração e controlar suas emoções. ─Esta manhã, aparentemente, há algo que a perturba. Srta. Wingfield. Posso lhe perguntar qual é o problema? Olympia deu uma rápida olhada em direção à porta da cozinha e a seguir outra, à porta que se fechou atrás de seus sobrinhos. Inclinou-se para frente e baixou a voz. ─Bem, acontece que durante toda a manhã estive muito ansiosa para falar com você, Sr. Chillhurst.
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Jared, de repente, perguntou-se se ela continuaria o chamando de "Sr. Chillhurst" depois de haver experimentado o primeiro esplendor entre os seus braços. ─Acredito que agora dispomos de um momento sozinhos. ─Diga-me o que está pensando. Olympia franziu a testa, em sinal de grande concentração. ─Ontem à noite aconteceu algo muito estranho na biblioteca. Jared sentiu um nó no estômago. Lutou por manter a voz serena e normal. ─Talvez incomum. Srta. Wingfield, mas eu não qualificaria de estranho. Afinal, os homens e as mulheres gozaram que tais interlúdios desde a época de Adão e Eva. Olympia o olhou, sem vê-lo. ─De que droga está falando? Sua sorte foi embora, pensou Jared, decepcionado. Justo agora quando finalmente, descobriu sua própria sereia, se deu conta que ela também carregava a cruz de ter um cérebro que só podia concentrar-se em uma coisa cada vez. Não obstante, sentiu-se aliviado ao comprovar que, apesar de tudo, ela não estava arrependida da paixão que brotou entre eles na noite anterior. ─Não se preocupe, Srta. Wingfield. ─Jared apoiou os cotovelos sobre mesa e uniu as pontas de seus dedos. ─Estava me referindo a algo inconsequente. ─Percebi. ─Olympia voltou a dar outra olhada rápida para a porta. ─Em relação à ontem à noite... ─Sim? ─ ...Minotauro começou a latir, por volta de duas da madrugada. Eu desci para ver o que o estava inquietando, ─baixou a voz ainda mais. ─Sr. Chillhurst, encontrei jogada no chão a garrafa de brandy. Jared, olhou para ela. ─Refere-se a que está na biblioteca? ─Sim, é claro. É o único garrafão de brandy que tenho. Era de tia Sophy e tia Ida, que sempre a deixavam na biblioteca.
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─Srta. Wingfield, talvez seja melhor que prossiga com seu relato. ─disse Jared. Ela o olhou impaciente. ─Isso é precisamente o que estou tentando fazer senhor, mas você não faz nada além de me interromper. ─Minhas desculpas. ─Jared tamborilou os dedos. ─Além do garrafão caído, descobri que uma das janelas da biblioteca estava aberta. Jared franziu a testa. ─Tem certeza que estava aberta? Não lembro que estivesse assim quando estávamos ali. ─Precisamente. Não havia nenhuma janela aberta. ─Talvez, a brisa que entrou pela janela tenha derrubado o garrafão. ─concluiu Jared. ─Não acredito. Esse garrafão é muito pesado, Sr. Chillhurst. Acho que alguém entrou, ontem à noite, em minha biblioteca. ─Srta. Wingfield, devo lhe dizer que isto não me agrada absolutamente. Olympia abriu desmesuradamente os olhos. ─A mim tampouco. Confesso-lhe que nada parecido, jamais aconteceu nesta casa. Estou muito alarmada. Jared a estudou por cima de suas mãos unidas. ─Vai me dizer que desceu sozinha as escadas para verificar de onde vinham os ruídos estranhos? Não pensou em chamar à Sra. Bird, ou soltar primeiro o cão? Olympia diminuiu a importância do assunto. ─Não há razão para preocupar-se, senhor. Estava armada com um atiçador. De qualquer maneira, quando cheguei à biblioteca, já não havia ninguém. Certamente, o latido do Minotauro deve ter espantado o intruso. ─Um atiçador? Deus querido. ─de repente, Jared ficou furioso pela falta de bom senso de Olympia. Ficou em pé e se dirigiu para a porta. ─Acredito que vou dar uma olhada na biblioteca pessoalmente. Olympia saltou como uma mola.
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─Vou com você. Jared abriu a porta da sala de refeições e a olhou duramente, em sinal desaprovação quando passou junto dela. Olympia não se importou com motivo dessa expressão. No corredor, tomou a dianteira e, rapidamente, entrou na biblioteca. Jared se viu obrigado a segui-la, com um passo mais rápido. Quando entrou no recinto, um momento depois encontrou Olympia examinando uma das janelas. ─Está vendo isto? ─apontou para a fechadura. ─Foi arrombada. Alguém forçou esta janela ontem à noite. Sr. Chillhurst. Jared estudou mais de perto o fecho da janela. A verdade era que a velha peça de metal estava retorcida. ─Este fecho não estava nestas condições antes? ─Não, eu me teria percebido. Durante anos, a cada noite, tomei o cuidado de comprovar cada um dos fechos das janelas. Jared percorreu toda a biblioteca com um olhar. ─Notou a falta de alguma coisa? ─Não. ─Olympia se aproximou de sua escrivaninha e olhou as gavetas que estavam fechadas. ─Mas faltou pouco. Quem quer que tenha quebrado minha janela ontem à noite, não teria tido dificuldades para ter acesso a minha mesa. Jared a olhou alarmado. ─Acredita que quem entrou aqui o fez com a ideia de tirar alguma coisa de seu escritório? ─É obvio. Só há uma coisa que alguém poderia querer roubar daqui, Sr. Chillhurst, o diário de Lightboume. Jared a observou, confuso diante de tal conclusão. Ninguém sabe que o tem, exceto eu, pensou.
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─Não podemos estar tão seguros disso. Eu dei a tio Artemis instruções precisas de não revelar a ninguém que estava me enviando o diário, mas não podemos afirmar precisamente, que ninguém se soube que está em meu poder. ─Parece-me muito improvável que seu tio tenha mencionado o assunto a outra pessoa. ─disse Jared cuidadosamente. ─Ele contou a você, não foi? Jared ficou tenso. ─Sim. ─É óbvio que o fez porque sabia que poderia confiar em você, mas acredito que deve haver outra pessoa que tenha descoberto que tio Artemis comprou o diário. ─A quem se refere, Srta. Wingfield? ─Bom, para começar, um velho francês vendeu o diário ao meu tio. ─Olympia tamborilou o piso com a ponta do seu sapato. ─Esse homem deve ter sido informado que o diário seria enviado para mim e pode ter falado para alguém. Olympia estava certa. E, se soubesse toda a verdade, pensou Jared, teria todo o direito do mundo em considerar o novo professor de seus sobrinhos como o principal suspeito. Porém, Jared havia passado a noite estudando as técnicas possíveis para conquistar a sua sereia. Não entrado sem permissão na biblioteca da jovem. Jared tentou não dar importância ao seu crescente nervosismo. Durante longos anos, muitos haviam perseguido o segredo do diário Lightbourne, mas até onde Jared sabia apenas os membros de sua família sabiam onde ele estava. Os demais envolvidos nessa lenda centenária há anos estavam mortos. Jared havia dado ordens expressas aos membros de sua família para que ficassem fora dessa questão enquanto ele perseguia o tesouro. Mas agora se perguntava se algum dos imprevisíveis e impulsivos Ryder tinha decidido desafiar sua resolução. Jared apertou a mandíbula. Se, algum de seus familiares tivesse recorrido ao roubo, invadindo a casa de Olympia para apoderar-se do diário, tão certo como havia um Deus, ele pagaria por isto.
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Porém, Jared lembrou que havia outras explicações muito mais lógicas para a invasão da biblioteca de Olympia na noite anterior. ─Srta. Wingfield, acredito que se realmente alguém invadiu sua casa ontem à noite, foi apoderar-se de algo muito mais valioso que um velho diário. O garrafão de brandy, por exemplo. Qualquer ladrão poderia obter uma soma considerável de dinheiro vendendo-a. Olympia franziu a testa. ─Duvido muito que o intruso de ontem à noite estivesse atrás do garrafão, ou dos candelabros, ou de qualquer outra coisa. Nunca tivemos esse tipo de problemas nesta vizinhança. Não, pensei muito em tudo isto e cheguei à conclusão que a advertência que descobri nesse diário é muito clara. ─Santo Deus! ─Jared teve uma terrível premonição. ─Que advertência? Os olhos de Olympia brilharam de excitação. ─Ontem à noite, decifrei a primeira das pistas ocultas no diário. Dizia: “Cuidado com beijo mortal do Guardião quando você olhar em seu coração para encontrar a chave.” ─Tem certeza? ─Certeza absoluta. O Guardião, quem quer que seja, pode ser extremamente perigoso. Teremos que nos cuidar. Meu Deus, pensou Jared. Devia desviá-la dessa linha de pensamento o quanto antes. ─Olhe Srta. Wingfield. Não acredito que tenhamos que nos preocupar com uma lenda que tem mais de cem anos. Se alguma vez existiu um Guardião, certamente deve estar morto há muito tempo. ─Por experiência, sei que por trás de toda lenda sempre há alguma verdade. É óbvio que devo continuar examinando o diário. Talvez, encontre mais referências sobre o Guardião, ou uma explicação de quem seja. ─Eu duvido. ─resmungou Jared.
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─Enquanto isso, devo proteger o diário. Foi por pura casualidade que eu o tivesse comigo, ontem à noite, em meu quarto quando o intruso invadiu a biblioteca. ─Olympia examinou o recinto pensativamente. O ensurdecedor ruído de pegadas no corredor e as unhas de um cão arranhando o piso interrompeu a conversa antes que Jared pudesse responder. Olhou para a porta aberta. Hugh, Ethan, Robert e Minotauro entraram como um furacão na biblioteca. ─Estamos preparados para nossa aula de geometria, Sr. Chillhurst. ─anunciou Robert. Jared vacilou e a seguir concordou com a cabeça. ─Muito bem. ─voltou-se brevemente para Olympia. ─Terminaremos esta conversa mais tarde, Srta. Wingfield. ─Sim, é óbvio. Mas, era evidente que a atenção de Olympia já não estava na discussão. Estava muito ocupada, examinando a biblioteca, em busca de um bom esconderijo. Jared seguiu os rapazes para fora. Pensou que as coisas estavam ficando complicadas. Olympia estava preparando-se para defender-se, a si mesma e ao diário, de uma velha lenda. Enquanto isso, a lenda em questão, não tinha outro objetivo além fazer um amor selvagem e apaixonado com Olympia. Jared descartou o problema da sedução, em favor de questões mais mundanas. Era um perito na matéria. Preparou-se para anotar, em seu livro de anotações, todos esses assuntos que necessitavam de uma rápida atenção. Como primeira medida, verificaria todos os ferrolhos e postigos da casa, encarregando-se que fosse reparada a fechadura que haviam quebrado. O mais provável era que o intruso que invadiu a biblioteca estivesse em busca de coisas de valor, que pudesse vender facilmente. Sem dúvida, os latidos de Minotauro o espantaram e, certamente, não se arriscaria a voltar novamente. De qualquer maneira, não estava nos planos de Jared correr nenhum risco.
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Pouco depois das três da tarde, o ruído das rodas de uma carruagem na entrada da casa, interrompeu o trabalho de Olympia no diário. Escutou durante um momento, com a esperança de que quem quer que fosse o visitante, iria embora quando a Sra. Bird informasse que ela estava ocupada. ─A Srta. Wingfield não receberá visitas esta tarde. ─anunciou a Sra. Bird, a quem quer que estivesse na porta. ─Tolices. Ela irá nos receber. Olympia gemeu consternada com o som da voz familiar do sexo feminino. Fechou o diário assim que a Senhora Bird abriu a porta da biblioteca. ─Do que se trata, Sra. Bird? ─Olympia perguntou em um tom que ela esperava fosse autoritário. ─Eu dei instruções que não desejava ser perturbada esta tarde. Estou muito ocupada. ─Sra. Pettigrew e Sra. Norbury estão aqui para vê-la, Srta. Wingfield, ─disse a Sra. Bird mal humorada. ─Estão insistindo realmente sobre isso, eu poderia acrescentar. Olympia sabia que não havia sentido em tentar escapar da visita. Ela e a Sra. Bird poderiam lidar com a Sra. Norbury, a esposa do vigário. A pobre mulher seria facilmente intimidada já que tinha grande experiência, já que era constantemente intimidada por seu marido arrogante. Mas, não havia como impedir a Sra. Pettigrew que era tão arrogante quanto seu próprio companheiro. ─Boa tarde, ─Olympia conseguiu esboçar um sorriso a suas visitantes, quando entraram na biblioteca. ─Que agradável surpresa. Desejam uma xícara de chá? ─É claro. ─A Sra. Pettigrew, uma mulher robusta e em fornida, com predileção pelos grandes e amplos chapéus. Sentou-se. Olympia sempre havia pensado que Adelaide Pettigrew era o par ideal para o latifundiário. Como esposa do mais importante proprietário de terras na vizinhança, tinha plena consciência do lugar que ocupava na sociedade. Também era, segundo a opinião de
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Olympia, muito preocupada com os devidos lugares que cada um deveria ocupar na sociedade. Ethan, Hugh e Robert a tinham apelidado de bisbilhoteira intrometida. Anos atrás, tias Sophy e Ida haviam formado o mesmo conceito dela. A Sra. Norbury concordou com a cabeça com certa hesitação, enquanto sentava-se em uma cadeira pequena. Colocou cuidadosamente sua pequena bolsinha sobre seu colo e agarrou-a entre suas mãos, nervosamente. Era uma mulher pálida e miúda, como um pequeno ratinho, cujo olhar estava sempre escorregando para algum canto onde pudesse encontrar um buraco para ser sua guarita. Olympia não gostou nada do fato que a Sra. Pettigrew houvesse trazido consigo a esposa do vigário. Não era um bom prognóstico. ─Trarei a bandeja do chá. ─resmungou a Sra. Bird. ─Obrigado, Sra. Bird. ─Olympia encarou suas visitantes; respirou profundamente e se preparou. ─Um lindo dia, não é mesmo? A Sra. Pettigrew ignorou o comentário. ─Viemos aqui por um assunto muito grave. ─Dirigiu a sua companheira um olhar de comando. ─Não é, Sra. Norbury? A Sra. Norbury se sobressaltou. ─Certo, Sra. Pettigrew. ─E, qual é esse assunto tão grave? ─perguntou Olympia. ─Surgiu uma questão de decoro. ─anunciou a Sra. Pettigrew, em tom sinistro. ─Para ser franca, fiquei surpresa que fosse a sua casa envolvida, Srta. Wingfield. Até então, seu comportamento, embora reconhecidamente excêntrico e ocasionalmente estranho, raramente tem faltado com o devido decoro. Olympia olhou para ela, confusa. ─Por acaso, alguma coisa modificou no meu comportamento ultimamente? ─É obvio que sim, Srta. Wingfield. ─A Sra. Pettigrew fez uma pausa, para obter o efeito desejado. ─Temos entendido que contratou um professor muito inadequado para seus três sobrinhos.
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Olympia ficou literalmente petrificada. ─Inadequado? Inadequado? De que raios você está falando, pelo amor de Deus? O professor que contratei é um excelente instrutor para os jovens. O Sr. Chillhurst está fazendo um trabalho excepcional. ─Soubemos que o seu Sr. Chillhurst tem um aspecto extremamente ameaçador e que não se pode confiar nele. ─A Sra. Pettigrew olhou para a Sra. Norbury, procurando apoio. ─Não é verdade, Sra. Norbury? A mulher apertou sua bolsinha com mais força ainda. ─Sim, Sra. Pettigrew. Um aspecto extremamente ameaçador. Parece um pirata, conforme nos disseram. A Sra. Pettigrew se voltou para Olympia. ─Nos fizeram entender que seu aspecto não é apenas ameaçador e rude, mas além disso apresenta um temperamento muito violento. ─Violento? Isso é ridículo! ─protestou Olympia. ─Comenta-se que golpeou o Sr. Draycott de forma muito violenta. ─garantiu a Sra. Norbury. ─Por certo, asseguram os que viram o senhor Draycott, que ainda tem os dois olhos negros depois dessa experiência. ─Oh! Estão referindo-se ao incidente que ocorreu outra tarde em minha biblioteca. ─Olympia sorriu para tranquilizá-las. ─Não foi nada, só um lamentável mal entendido. ─Dificilmente seria um mal entendido. ─disse a Sra. Norbury, pesarosa. ─Seu Sr. Chillhurst é obviamente uma ameaça para toda a nossa vizinhança. ─Tolices. ─Olympia deixou de sorrir. ─Está exagerando Sra. Pettigrew. ─Não só constitui um perigo para todos nós, ─replicou a Sra. Pettigrew, ─mas também, meu marido tem razões para acreditar que poderia aproveitar-se de sua natureza ingênua, Sra. Wingfield. Olympia ficou furiosa com ela. ─Asseguro-lhe que o Sr. Chillhurst não se aproveitou de mim.
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─Ao que parece, roubou as mercadorias que seu tio lhe enviou. ─disse a Sra. Pettigrew. ─Isso não é verdade. ─Olympia ficou de pé. ─Sra. Pettigrew, temo que terei que lhe pedir que se retire. Tenho muito trabalho esta tarde e não posso me dar o luxo de perder meu tempo desta maneira. ─Viu algum centavo da venda da última remessa de mercadorias de seu tio? ─perguntou a Sra. Pettigrew, friamente. ─Ainda não. Mas, não houve tempo para que as mercadorias fossem vendidas em Londres. Portanto, não posso pretender receber os lucros dessa venda. ─Meu marido me informou que o mais provável é que você jamais veja nem um centavo dessa operação. ─disse a Sra. Pettigrew. ─Mas, é óbvio que sua situação financeira não é a minha principal preocupação. Olympia apoiou ambas as mãos no topo de sua e apertou os dentes. ─Sra. Pettigrew, qual é, exatamente, sua principal preocupação? ─A sua reputação, Srta. Wingfield. Olympia olhou para ela sem poder acreditar. ─Minha reputação? E como minha reputação poderia estar em perigo? Foi então, que a Sra. Norbury sentiu que tinha chegado o momento de tomar parte. Tossiu suavemente para clarear sua voz. ─Não fica muito bem que uma mulher solteira, como você, tenha, digamos, uma associação íntima com uma pessoa da classe do Sr. Chillhurst. ─É verdade. ─disse a Sra. Pettigrew. Dirigiu à esposa do vigário um olhar de aprovação e a seguir voltou a concentrar sua atenção em Olympia, ─o seu Sr. Chillhurst deve ser despedido imediatamente. Olympia olhou com olhos semicerrados para ambas as mulheres. ─Bom, o Sr. Chillhurst é o professor dos meninos desta casa. E, acontece que desempenha suas funções de uma maneira excelente. Portanto, não tenho intenções de
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despedi-lo. Além disso, nenhuma de vocês duas tem direito a espalhar mentiras e boatos sobre ele. ─E o que nos diz de sua reputação? ─insistiu a Sra. Norbury, ansiosamente. Olympia percebeu pelo canto dos olhos, um movimento ao lado dela. Virou a cabeça e viu Jared, que estava apoiado casualmente contra o marco da porta. Sorriu-lhe com doçura. ─Minha reputação é meu assunto, Sra. Norbury. ─respondeu-lhe Olympia sem diplomacia alguma. ─Não se incomode com isso. Durante todos estes anos, ninguém se preocupou com a minha reputação e consegui sobreviver perfeitamente bem. A Sra. Pettigrew levantou o queixo. ─Lamento ter que lhe dizer isto, mas se você se negar a ser razoável, seremos obrigadas a tomar providências. Olympia a olhou, irritada. ─E que tipo de providências seriam essas, Sra. Pettigrew? ─Temos a obrigação de velar pelo bem estar desses três menininhos inocentes que estão ao seu cuidado. ─anunciou friamente a Sra. Pettigrew. ─Se você não se encarregar de lhes prover um lar decente, então meu marido não terá mais remédio que tirá-los de sua tutela, Srta. Wingfield. O pânico e a ira fizeram que Olympia se acendesse como uma chama. ─Não podem tirar meus sobrinhos. Não têm direito de levá-los desta casa. A Sra. Pettigrew sorriu com ironia e superioridade. ─Tenho certeza que se meu marido contatasse algum dos outros parentes dos meninos e lhes informasse sobre a situação atual desta casa, haveria mais de um disposto a levá-los sem demora. -Nem sonhe. ─resmungou Olympia. ─Em primeiro lugar, estão aqui porque nenhuma outra pessoa os aceitou. ─Essa situação mudaria radicalmente se eles soubessem que a educação dos meninos está a cargo de uma mulher de moral duvidosa. Estou segura que o Sr. Pettigrew poderá convencer algum parente seu para que cumpra com o dever em relação com esses
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meninos. ─O sorriso da Sra. Pettigrew foi dos mais ameaçadores. ─Especialmente, se o Sr. Pettigrew oferecesse um pequeno estipêndio para que o tutor dos meninos possa enviá-lo para longe, para estudarem em alguma escola. Olympia estava literalmente tremendo, pelo aborrecimento e os nervos. ─Seriam capazes de pagar a alguém para que tirem meus sobrinhos e os envie a uma escola? A Sra. Pettigrew assentiu brevemente com a cabeça. ─Se for necessário, sim. Pelo bem deles, é obvio. Os jovens são tão facilmente impressionáveis. Olympia já não pôde resistir mais. -Por favor, saia agora mesmo, Sra. Pettigrew. ─Olhou para a esposa do vigário, que estava escondida em sua cadeira. ─Você também, Sra. Norbury. E, não se incomodem em voltar. Não vou suportar a presença de nenhuma das duas nesta casa. Está claro? ─Bom, olhe, mocinha, ─começou a Sra. Pettigrew, bruscamente. Qualquer que tivesse sido o discurso que a mulher estivesse a ponto de dizer, foi interrompido por um grito de terror da Sra. Norbury, que se levantou violentamente da cadeira e se virou para a porta. ─Oh! Que o Senhor tenha piedade de nós. Esse deve ser ele. ─Levou a mão à garganta, em um gesto feminino de horror. ─É tal como você disse, Sra. Pettigrew. Este homem parece um pirata assassino, sedento de sangue. A Sra. Pettigrew se virou e olhou Jared com profunda desaprovação. ─Um pirata de carne e osso. Me permita lhe dizer, senhor, que você não tem nada para fazer em uma casa decente. ─Boa tarde, senhoras. ─Jared inclinou a cabeça em uma sutil e gozadora reverência. ─Não acredito que tenhamos sido devidamente apresentados. Meu nome é Chillhurst. A Sra. Pettigrew partiu para a porta. ─Não estou acostumada a conversar com indivíduos de sua classe. Se tiver um pouco de civilidade, deve abandonar esta casa imediatamente. Está causando graves danos à
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reputação da Srta. Wingfield e só Deus sabe as perversidades que terá incutido nas mentes desses três pobres meninos. E, melhor nem mencionar os problemas financeiros produzidos por sua culpa. ─Partindo tão cedo? ─Jared se ergueu e se interpôs no caminho da Sra. Pettigrew. ─Meu marido se encarregará de indivíduos como você. ─A Sra. Pettigrew saiu para o corredor furiosamente. ─Vamos, Cecily. Vamos nos retirar. A Sra. Norbury, nervosamente, contemplou o emplastro de veludo que tampava o olho de Jared. ─Peço-lhe desculpas, senhor. ─balbuciou. ─Espero que não tenhamos lhe ofendido. ─Oh, mas claro que me ofenderam. ─disse Jared, muito calmamente. ─Profundamente. A Sra. Norbury parecia ter falado com o próprio diabo. ─Oh, Deus! Jared sorriu para ela de tal maneira que lhe fez sentir calafrios. Em seguida, se dirigiu à porta de saída e abriu de par em par. ─Depressa, Cecily. ─grunhiu a Sra. Pettigrew. ─Sim, sim, estou indo. ─A Sra. Norbury tentou recuperar a compostura e saiu rapidamente para a porta. ─Mas o que está acontecendo? ─A Sra. Bird apareceu da cozinha, trazendo uma bandeja de chá nas mãos. ─Acabo de preparar o maldito chá. Olympia dirigiu-se para o vestíbulo, para ficar ao lado de Jared. ─Esta tarde, nossas convidadas não tomarão chá, Sra. Bird. ─Como sempre. ─queixou-se a Sra. Bird dolorosamente. ─Uma trabalheira danada e no fim ninguém toma o chá. Certas pessoas não têm consideração nenhuma com as criadas. Olympia ficou em pé perto de Jared, observando o cocheiro da Sra. Pettigrew que descia da boleia, para ajudar as damas a subir no novo e elegante landó. As duas capotas dobráveis do veículo estavam levantadas, apesar da tarde muito agradável.
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A Sra. Pettigrew subiu à carruagem, seguida de perto pela Sra. Norbury. O cocheiro fechou a porta. Um grito ecoou no jardim. ─Deus nos proteja! ─gritou a Sra. Norbury. ─Tem alguma coisa aqui. Abra a porta. Abra a porta. ─Tire-nos já daqui, idiota. ─gritou a Sra. Pettigrew para o cocheiro. O homem correu imediatamente para abrir a porta do veículo. A Sra. Pettigrew saltou do landó e a Sra. Norbury não demorou a fazer o mesmo. Olympia escutou o inconfundível croc-croc de várias rãs. Através da porta do landó, que tinha ficado aberta, Olympia conseguiu ver ao menos meia dúzia delas, que não paravam de saltar dentro do reduzido espaço. ─Tire essas horríveis criaturas, imediatamente! ─ordenou a Sra. Pettigrew. ─Tire-as já, ou será demitido neste mesmo instante, George! ─Sim, senhora. ─George tirou o chapéu para recolher nele as saltitantes rãs e tirá-las da carruagem. Olympia observou todo o alvoroço que se armou, com uma sensação crescente de perturbação. Entre o canto das rãs, os insultos do chofer, os gritos de terror da Sra. Norbury e olhares venenosos da Sra. Pettigrew, Olympia pressentiu o desastre iminente. Jared contemplava toda a cena com um sorriso tranquilo. Quando a última das rãs desapareceu de dentro do landó, o lugar foi ocupado imediatamente pelas Sra. Pettigrew e Norbury, Olympia, por fim, dignou-se olhar para Jared. ─O que aconteceu com a aula de geometria? ─Foi postergada momentaneamente, para nos dedicarmos a estudar a história natural. ─disse Jared. ─Quando foi tomada essa decisão? ─Faz um tempo, quando Ethan, Hugh e Robert viram o landó da Sra. Pettigrew diante da entrada da casa. ─Era o que eu temia. ─disse Olympia.
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─Oh! Não será um grande desastre. ─disse Jared. ─Acredito que todas as rãs sobreviverão. Certamente encontrarão o caminho de volta à lagoa. ─Sr. Chillhurst. Você não tem noção do dano que foi feito. As coisas não poderiam estar piores do que estão. ─Olympia virou-se, desesperada, e se dirigiu para sua biblioteca.
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Capítulo 6
Surpreso pela profunda depressão da Olympia, Jared a seguiu até a biblioteca e fechou a porta. ─O que está acontecendo, Srta. Wingfield? Não está tão preocupada com as rãs da carruagem da Sra. Pettigrew, não é verdade? Olympia olhou para ele consternada. ─Esse problema das rãs não poderia ter sido do mais inoportuno. ─Por quê? ─Jared olhou para ela decididamente. ─Não está arrependida por ter me defendido, não é? ─É obvio que não. Você faz parte do pessoal que trabalha para mim e, em consequência, tem todo direito que eu o proteja. ─Olympia se dirigiu à janela e ficou contemplando o jardim. ─A Sra. Pettigrew é uma mulher extremamente desagradável, que tem o péssimo hábito de meter-se nos assuntos alheios. Não me arrependo nem por um segundo de ter defendido sua presença nesta casa, diante ela. ─Obrigado. ─Jared estudou a orgulhosa linha da graciosa coluna de Olympia. ─Acredito que nunca ninguém nunca fez algo semelhante. ─Ninguém fez o quê? ─Sair em minha defesa. ─Ah! Não foi nada. ─Olympia levantou os ombros, como subtraindo importância ao agradecimento. Jared sorriu. ─Não para mim, Srta. Wingfield. ─A Sra. Pettigrew não tinha nenhum direito de atacá-lo dessa forma. E, tampouco a Sra. Norbury, embora suponha que ela tem uma desculpa: Ela não é uma mulher muito forte.
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─Diferentemente de você. ─disse Jared. Mas, até mesmo a mais forte de todas as mulheres, deve cuidar de sua reputação. Pelo que pude escutar, desde que cheguei, a Sra. Pettigrew está terrivelmente preocupada com a sua. ─Isso é o que parece. ─Olympia não se virou. ─E você, Srta. Wingfield? ─Jared deu um passo e parou. Não estava seguro sobre o que tinha que fazer ou dizer. Nunca ninguém havia manchado a sua reputação por culpa de seus atos. Os homens de negócios, maçantes e aborrecidos como ele, raramente se viam envolvidos em situações que ameaçassem o bom nome de uma mulher. ─Eu não dou a mínima para a minha reputação. ─Olympia apertou as mãos firmemente, diante de si. ─Tia Sophy costumava dizer que a reputação não era nada mais que a opinião do mundo, e que o mundo, geralmente, está errado. O que importa é a honra, e segundo ela, este era um assunto particular, entre cada um e a sua consciência. Não me preocupo, absolutamente, com o que a Sra. Pettigrew pensa de mim. ─Entendo. ─Jared supunha que deveria sentir-se aliviado por ela não culpá-lo por ter colocado em perigo sua reputação. Todavia, perguntou-se por que não se sentia como se lhe tivessem tirado uma enorme carga de cima dos ombros. ─Se não está amargurada pela opinião que a Sra. Pettigrew pode ter sobre você, qual é o seu problema, Srta. Wingfield? ─Você não escutou o que ela disse, senhor? Ameaçou me tirar os meus sobrinhos. ─sussurrou Olympia. ─Disse que os meninos não devem ficar expostos às influências imorais desta casa, e que seu marido estaria disposto a pagar uma soma considerável de dinheiro a um parente distante, que esteja disposto a levá-los. ─Bastardo. ─resmungou Jared entre os dentes, quase em um sussurro. ─Como disse? ─Nada, nada, Srta. Wingfield. Simplesmente, acabo de me dar conta que o senhor Pettigrew está muito mais desesperado do que eu pensava. ─Sim. Não sabia que o Senhor Pettigrew e sua esposa se preocupassem tanto com minha reputação. ─Olympia virou-se para olhar para ele com grande determinação. ─Talvez,
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fosse melhor nos levar daqui por um tempo. Você acredita que com as mercadorias que vendemos poderemos obter o dinheiro necessário para levá-los para perto do mar? Jared arqueou uma sobrancelha. ─Sim, eu acredito que você vai ter dinheiro suficiente para realizar esta viagem. ─Excelente. ─O rosto da Olympia se acendeu. ─Quando acredita que teremos notícias de seu amigo em Londres? ─A qualquer momento, Sra. Wingfield. Talvez, amanhã ou depois. ─Jared pensava que Félix Hartwell não demoraria muito a vender as mercadorias de Olympia. Só esperava que Hartwell também estivesse avançando sobre a investigação que estava fazendo sobre o assunto do desfalque. Talvez, quando lhe enviasse o produto da venda das mercadorias, também enviasse alguma novidade em relação à sua investigação. ─Alegra-me muito escutar essas notícias. ─disse Olympia. ─Se desaparecermos de Upper Tudway por uns quinze dias, aproximadamente, pode ser que a Sra. Pettigrew se tranquilize um pouco. Também tenho a esperança de que o Sr. Pettigrew não esteja tão disposto a pagar alguém para levar os meninos. É bastante cuidadoso com seu dinheiro. Jared avaliou a situação por um instante. ─Srta. Wingfield, acredito que sua ideia de ir para a praia com os meninos não é ruim, mas desnecessária. Olympia arregalou os olhos, surpresa. ─Por quê? ─Minha intenção era fazer uma visita ao Sr. Pettigrew em um futuro próximo. Mas, como sua esposa se apresentou hoje aqui para proferir ameaças, acredito que não devo pospor mais esse compromisso. Amanhã mesmo irei vê-lo. Olympia olhou para ele, confusa. ─Não entendo, Sr. Chillhurst. Por que quer falar com o Sr. Pettigrew? O que irá dizer-lhe?
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─Vou me ocupar de lhe deixar bem claro, que nem ele, nem sua esposa voltarão a proferir mais ameaças de nenhum tipo, contra você; nem perturbá-la da maneira que fizeram hoje. Ou seja, irei dizer-lhe que se ocupe de seus próprios assuntos e lhe deixe em paz. ─Jared. Quero dizer, Sr. Chillhurst. Não quero que faça nada que possa lhe trazer mais problemas. ─Olympia cruzou apressadamente o salão, e quando chegou junto ao Jared, colocou a mão em seu braço. ─Deve ter em conta sua própria reputação. Jared sorriu brevemente. ─Minha própria reputação? ─É óbvio. Um professor deve ter muito cuidado. Para mim, será um prazer dar-lhe uma excelente carta de recomendação, quando se for desta casa, é claro; mas, se o Sr. Pettigrew se encarregar de espalhar por aí que você constitui uma influência negativa para os meninos, então você nem imagina como será difícil conseguir outro posto. Jared cobriu a mão de Olympia com uma das suas. ─Não tem porque preocupar-se com minha reputação, Srta. Wingfield. Asseguro-lhe que jamais terei dificuldades para em manter-me. Ela procurou seus olhos, preocupada. ─Tem certeza disso? ─Absoluta, Srta. Wingfield. ─De qualquer maneira, acredito que seria melhor se saíssemos de Upper Tudway por um tempo. ─Como quiser. ─Jared vacilou. ─Devo supor que irei com vocês? Olympia olhou para ele surpresa. ─É claro. Você faz parte do pessoal desta casa. Não sei o que faria sem você. ─Obrigado, Srta. Wingfield. ─Jared inclinou a cabeça em uma gentil reverência. ─Vou esforçar-me para satisfazê-la. ─Fique tranquilo, Sr. Chillhurst.
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A mensagem de Félix chegou no correio da manhã. A Sra. Bird o trouxe para a mesa do café da manhã e o entregou a Jared. ─Obrigado. ─disse ele. ─Não se recebe muita correspondência aqui em Meadow Stream Cottage. ─informou a Sra. Bird. Ficou parada, esperando, com a cafeteira na mão. Jared se deu conta que a mulher esperava escutar o conteúdo da carta. Olhou ao redor da mesa e a mesma expressão curiosa foi lida em todos os rostos. Olympia e seus sobrinhos olhavam para ele ansiosos. Até Minotauro parecia estar interessado. Evidentemente, qualquer comunicado que viesse de outro lugar, fora das cercanias de Upper Tudway, era de importância. ─A carta foi enviada pelo seu amigo de Londres? ─perguntou Olympia. ─Sim, ele a enviou. ─Jared rompeu o selo e abriu a única folha de papel em que foi redigida a carta. ─O Sr. Hartwell vendeu todas as nossas mercadorias, Sr. Chillhurst? ─perguntou Ethan. ─Aposto que seu amigo as vendeu tão caras quanto o Sr. Pettigrew. ─disse Robert. ─E, eu aposto que ganhou mais dinheiro. ─declarou Hugh. Jared leu rapidamente a missiva. ─Tem razão, Hugh. ─De verdade? ─O rosto de Olympia iluminou-se. ─O suficiente para que todos nós possamos ir para a praia, durante quinze dias? ─Mais que suficiente. -Jared olhou a nota e a leu em voz alta.
Chillhurst: Segui suas instruções e vendi as variadas mercadorias que me enviou. Se me permitir, não é seu estilo habitual. De qualquer maneira, a operação está feita. Fiz um depósito de três mil libras, em uma conta em nome da senhorita Olympia Wingfield. Por favor, não vacile em me avisar se posso lhe servir em algo mais.
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Robert quase caiu de sua cadeira. ─Três mil libras! ─Três mil libras! ─repetiu Hugh, atônito. Olympia só ficou sentada, boquiaberta. Jared foi obrigado a esquecer de continuar lendo a carta em voz alta, porque toda a sala se converteu em um alvoroço impressionante. Rapidamente, seguiu lendo, enquanto outros gritavam de alegria.
Quanto ao outro assunto que tinha me pedido para averiguar, lamento lhe comunicar que não avancei muito. Acredito que foi o capitão de um de seus navios o que subtraiu o dinheiro, mas temo que não possamos provar. Meu conselho é que despeça o capitão em questão. Me informe em relação a sua decisão e eu atuarei de conformidade com ela. Félix
Jared franziu a testa, pensativo, enquanto voltava a dobrar a folha de papel. Mentalmente, disse que avisaria Félix que ainda não tomaria nenhuma medida em relação com o capitão envolvido. Colocou a carta junto a seu prato e elevou a vista. Notou que todos seguiam em estado de choque pelo dinheiro obtido com a venda do último embarque recebido. Hugh e Ethan saltavam enlouquecidos, em suas respectivas cadeiras. Robert estava dando a Olympia um sem-fim de sugestões, sobre as mil maneiras que poderia empregar para investir o dinheiro. Minotauro, de alguma forma, conseguiu uma salsicha. ─Uma montanha de dinheiro. ─disse a Sra. Bird, assombrada. E, em seguida, repetiu a frase uma e outra vez. ─Uma montanha de dinheiro! Olympia parecia dividida entre o prazer e o medo. ─Sr. Chillhurst, tem certeza que não houve nenhum engano?
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─Não houve nenhum engano. ─Jared agarrou seu garfo e começou a comer os ovos que havia em seu prato. ─Asseguro-lhe que Hartwell não comete enganos quando se trata de dinheiro. ─O que, sem dúvida, significava que Félix tampouco havia se equivocado ao dizer que o capitão de um dos navios do Flamecrest tinha sido o responsável pelas malversações de dinheiro das quais Jared tinha sido vítima no transcurso do ano anterior. Mas, Jared não estava satisfeito com a resposta. Queria mais provas. ─Mas, deve haver algum engano. ─insistiu Olympia. ─Talvez, quisesse dizer trezentas libras, embora, mesmo assim, seria uma cifra muito superior a que conseguimos da última vez. ─Obviamente, o mercado de artigos importados melhorou substancialmente, nos últimos meses. ─disse Jared secamente. ─Agora, se me desculparem, terei que atrasar a aula de hoje em uma hora, aproximadamente. ─Por quê? ─perguntou Hugh. ─Esta manhã, nós deveríamos estudar as propriedades das nuvens e do vento. ─Sim. ─disse Ethan imediatamente. ─Você nos prometeu que contaria como fez o capitão Jack fez para enganar um navio espanhol apenas por conhecer mais de meteorologia que o capitão inimigo. ─Eventualmente, tocaremos nesse assunto. ─Jared ficou em pé e olhou a hora em seu relógio. ─Primeiro devo atender este outro assunto. ─Voltou a guardar o relógio em seu bolso. Olympia se levantou também, para segui-lo até o corredor. Quando estivam a uma distância suficiente, para que os meninos não pudessem escutá-los, pôs a mão em seu braço. ─Sr. Chillhurst, tem certeza que não se arriscará indevidamente ao ir, em pessoa, encontrar-se com o Sr. Pettigrew? ─Certeza absoluta. ─Jared pegou sua jaqueta do gancho de latão. Pôde sentir o peso da adaga no bolso oculto da mesma. Sentiu que a lâmina se apoiava comodamente em suas costelas, assim que terminou de colocar a roupa. Olympia franziu a testa.
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─Possivelmente, eu devesse ir com você. ─Não será necessário. ─Jared estava emocionado. Realmente, era muito estranho, e nada desagradável, ter alguém que se preocupasse tão genuinamente com o seu bem-estar. ─Asseguro-lhe que faz bastante tempo que me cuido sozinho. ─Sim, eu sei. Mas, agora está trabalhando em minha casa e eu sinto certa responsabilidade por você. Não quero que seja prejudicado em nenhum aspecto. ─Obrigado, Srta. Wingfield. ─Jared segurou o seu queixo, com extrema delicadeza e, em seguida, roçou a boca da moça com a sua. ─Asseguro-lhe que o Sr. Pettigrew não representa perigo algum para mim. ─Sorriu-lhe com picardia. ─Só existe uma ameaça que devo ter muito cuidado no momento. Olympia abriu os olhos, alarmada. ─Qual é? ─A possibilidade de morrer incinerado a qualquer momento, pelas chamas do desejo não satisfeito. ─Sr. Chillhurst! ─Olympia ficou vermelha, mas em seus olhos se acendeu uma faísca de profunda excitação feminina. ─Até mais tarde, minha doce sereia. Assobiando suavemente, Jared deixou Olympia imóvel no vestíbulo, enquanto ele saía da casa, desfrutando da morna manhã primaveril. ─Sr. Chillhurst, espere. ─Olympia desceu correndo os degraus de entrada da casa. Jared se voltou e sorriu. ─Sim, Srta. Wingfield? ─Terá cuidado, não é mesmo? ─Sim, Srta. Wingfield, serei muito cuidadoso. Minotauro apareceu na esquina da casa, trotando. Com a língua pendurada e balançando a cauda, elevou seus olhos esperançosos, em direção a Jared. ─Infelizmente, esta manhã não poderá vir comigo. ─disse-lhe Jared. Fique aqui e tome conta de tudo por mim. Eu voltarei logo.
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Minotauro se sentou nos degraus e recostou-se pesadamente contra Olympia. Evidentemente, desiludido, mas encarando filosoficamente. Era uma caminhada relativamente curta ao imóvel dos Pettigrew, se o caminho fosse feito pela pradaria e o monte que beirava o arroio. Jared aproveitou esse tempo para analisar como sua vida havia mudado desde que tinha chegado ali. O acontecimento na biblioteca de Olympia, na tarde anterior, tinha lhe dado uma trégua. Os comentários da Sra. Pettigrew sobre a reputação de Olympia haviam sido bastante irritantes, mas Jared não pôde lhes subtrair importância. Jared sabia, embora Olympia não, que essa gente queria manchar a sua reputação. A paixão era uma emoção estranha, pensou Jared. Agora que a experimentava pela primeira, sentia o maior respeito pelo seu poder. Entretanto, era um cavalheiro e, como tal, não poderia arruinar Olympia. Por mais que para ela pouco importasse que lhe arruinassem. Os latidos de um canil repleto de sabujos foram as boas vindas de Jared quando entrou no caminho principal, que lhe conduziria à residência dos Pettigrew. Examinou a propriedade com grande interesse. Evidentemente, o imóvel era próspero. Jared se perguntou quantas das melhorias feitas ali teriam sido pagas com o dinheiro que Pettigrew tinha roubado de Olympia e seu tio. Jared subiu os degraus de entrada e bateu intensamente na porta. Poucos minutos depois, a porta foi aberta por uma governanta de meia idade, que usava um vestido cinza, uma touca branca e um avental. A primeira coisa que olhou foi o parche de Jared. ─Pelo que conta-se por aí, você deve ser o novo professor dos Wingfield, não? ─perguntou-lhe. ─Meu nome é Chillhurst. Por favor, tenha a amabilidade de informar ao Sr. Pettigrew que vim para falar com ele. -Não está. ─respondeu rapidamente a criada. ─Quero dizer, que não está na casa neste momento. ─E onde está?
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─Nos estábulos. ─A governanta continuava olhando para ele com evidente fascinação. ─Se quiser, vou procurá-lo. ─Obrigado, mas eu irei pessoalmente. Jared virou-se e desceu as escadarias. Rodeou a casa e avistou o estábulo, recentemente pintado. Vozes agudas e agitadas chamaram a sua atenção quando passou junto à porta aberta da cozinha. ─É ele, eu estou dizendo. ─dizia a governanta a outra pessoa que estava na cozinha. ─O novo professor. Andam dizendo por aí que está deitando-se com a Srta. Wingfield todas as noites, desde que chegou à Meadow Stream Cottage. ─Eu acreditei que estava vivendo na cabana do guarda-florestal, que fica próximo do caminho, como todos outros que ela contratou antes dele. ─respondeu-lhe a outra voz. ─Bom, quem pode saber o que se passa ali durante a noite? ─replicou a governanta. Sinto pena pelo que pode lhe acontecer e ninguém estará ali para defendê-la. Pobre Srta. Wingfield. ─É digna de lástima. ─Como pode dizer semelhante coisa? É uma jovem correta, isso. ─insistiu a governanta. Só um pouco estranha, nada mais. Não por culpa dela, não. Por causa dessas duas tias que tinha e que a criaram. ─Eu nunca disse que não era uma mulher correta. Mas, já tem vinte e cinco anos e nem pensa em casar-se. E, menos ainda com esses três meninos mal educados que tem que criar. Certamente deve estar aproveitando os ataques noturnos do pirata. Há coisas piores. ─Não para a Srta. Wingfield. ─Na voz da governanta percebia-se uma autêntica preocupação. ─Nunca houve uma palavra de escândalo contra ela e você sabe muito bem. Não, esse maldito pirata está abusando dela. Só Deus sabe o que deve fazer durante a noite. ─Algo interessante, espero, pelo bem da Srta. Wingfield. Jared apertou os dentes e seguiu seu caminho.
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Poucos minutos depois, quando entrou nos estábulos sombreados, sentiu o aroma de feno e excrementos. Um corpulento baio castrado relinchou com curiosidade e colocou a cabeça sobre a porta do estábulo, Jared examinou com olho crítico o cavalo, que aparentemente, era de muito valor. Escutou a voz de Pettigrew, que vinha do outro extremo das cavalariças, tenuemente iluminadas. ─Já está tudo preparado para que o reprodutor de Henninger cubra a égua. É purosangue, sem dúvida. Irá me custar uma dinheirama, mas vale a pena. ─Sim, senhor. ─Você trocou a ferradura da pata dianteira esquerda do baio? ─Pettigrew saiu da cavalariça, com um chicote na mão. Foi seguido por um ajudante de baixa estatura e muito magro. ─Ontem o levei ao ferreiro. ─assegurou o ajudante. Ele está andando perfeitamente agora, Sr. Pettigrew. ─Certo, estupendo, porque quero montá-lo durante a caçada local que será na semana que vem. ─Em um gesto ausente, Pettigrew golpeava sua perna com o chicote. ─Vamos ver os sabujos. ─Semicerrou os olhos, pois os raios de sol, que entravam pela porta, que estava atrás de Jared o incomodavam. ─O que é isso? Quem está aí? ─Chillhurst. ─Chillhurst? ─Pettigrew olhou para ele assombrado. ─Que raios você está fazendo em meus estábulos? ─Vim trocar com você algumas palavras, Sr. Pettigrew. ─Veja bem, eu não tenho nada para lhe dizer, portanto saia agora mesmo de minha propriedade. ─Sairei imediatamente, mas primeiro terá que saber de algumas coisas. ─Jared deu uma olhada no ajudante, que estava bastante perturbado. ─Sugiro que tenhamos esta conversa em particular.
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─Maldito e arrogante professor de merda. ─vociferou Pettigrew, mas, qualquer maneira, fez um breve sinal com o chicote, indicando ao ajudante que saísse. Jared esperou que o ajudante atravessasse a porta do estábulo. ─Não lhe roubarei muito tempo, Pettigrew. Só há duas coisas que deve saber. A primeira é que não deve continuar ameaçando a Srta. Wingfield. ─Ameaçando? Como se atreve, senhor? ─resmungou Pettigrew, furioso. ─Jamais ameacei a Srta. Wingfield. ─Não, mas percebi que enviou a sua esposa para que fizesse o trabalho sujo em seu lugar. ─disse Jared. ─Não tem nenhuma importância. A única coisa que deve ter muito presente é que essas ameaças não devem voltar a repetir-se e muito menos serem realizadas. ─Maldição! Você está passando dos limites, seu bastardo arrogante. De que droga está falando? ─Você sabe muito bem do que estou falando, Pettigrew. Sua esposa disse à Srta. Wingfield que, a menos que me despedisse, tirariam os sobrinhos dela. ─A Srta. Wingfield deveria despedi-lo e tirá-lo daqui imediatamente. ─gritou Pettigrew. ─Não pode dizer que sua presença seja uma boa influência para esses jovens facilmente influenciáveis. Nem para a moça, tão facilmente influenciável quanto eles, neste caso. ─Seja como for, eu continuarei ocupando o cargo que ocupo na casa dos Wingfield. E, se você apenas tentar tirar os meninos da tutela da Srta. Wingfield, juro que irá se arrepender. Pettigrew semicerrou os olhos. ─Faz anos que conheço a Srta. Wingfield. De fato, sempre me considerei um amigo de suas tias. Sinto que é minha responsabilidade fazer o que for preciso por essa moça. Por outro lado, não permitirei que você me intimide, Chillhurst. ─Mas vou intimidá-lo de todas as formas. ─Jared lhe sorriu. ─Se você der um só passo para tirar os meninos da Srta. Wingfield, eu me encarregarei que todo mundo saiba de como a traiu, sistematicamente, durante todos esses anos.
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Pettigrew o encarou sobressaltado, boquiaberto. Um rubor vermelho escuro tingiu seu rosto pesado. ─Como se atreve a me acusar de havê-la traído? ─Com toda naturalidade, o asseguro. ─É uma maldita mentira. ─Não. ─disse Jared. ─É a mais absoluta verdade. Sei muito bem que mercadorias havia na última remessa que o senhor Wingfield mandou para sua sobrinha. Quase as mesmas que vieram nesta, e que eu me encarreguei de vender. Consequentemente, deveriam ter conseguido quase os mesmos lucros, algo em torno de três mil libras. ─Isso não é verdade! ─disse Pettigrew entre dentes. ─Você roubou o dinheiro, Sr. Pettigrew. ─Não tem nenhuma prova, bastardo. ─Ah! Aí é que você está você enganado. Tenho um conhecido em Londres que poderia rapidamente descobrir todos os fatos. ─E, lhe darei instruções para que o faça se você não devolver o que deve à Srta. Wingfield. O rosto de Pettigrew contorceu-se pela ira. ─Eu vou ensiná-lo a fazer ameaças, filho da... ─Levantou o chicote e desceu bruscamente, em direção ao olho bom de Jared. Jared bloqueou o movimento com apenas um braço. Arrancou o chicote da mão de Pettigrew e o jogou ao lado, aborrecido. Em seguida, colocou a mão no interior da jaqueta e tirou a adaga de sua bainha. Empurrou Pettigrew contra a porta de uma das cavalariças e apertou a ponta da lâmina contra sua garganta. ─Você me ofendeu, Pettigrew. Pettigrew não podia tirar os olhos da adaga. Umedeceu os lábios. ─Não pode fazer isto. Vou acusá-lo diante das autoridades. Irão enforcá-lo, Chillhurst.
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─Duvido muito. Mas, tem plena liberdade de me denunciar às autoridades, se assim o quiser. Entretanto, primeiro terá que fazer um cheque em nome da Srta. Wingfield, pela soma de dinheiro que lhe roubou das duas últimas remessas de mercadorias. Pettigrew estremeceu. O desespero aflorou em seus olhos. ─Não tenho esse dinheiro. Já gastei tudo. ─Em que? ─Olhe, ─murmurou Pettigrew. ─você não entende. Precisei do dinheiro do primeiro embarque para pagar algumas dívidas de honra. ─Perdeu o dinheiro da Srta. Wingfield em um jogo de cartas? ─Não, não. Perdi meu imóvel em um maldito jogo de cartas. ─O suor aflorou nas sobrancelhas de Pettigrew. ─Pensei que estivesse acabado. Na ruína. E, justamente naquela hora apareceu Olympia, me pedindo um assessoramento a respeito de como deveria vender as mercadorias que seu tio lhe havia enviado. Caiu como uma dádiva do céu. ─Seu céu é bem diferente do da Srta. Wingfield. ─disse Jared. ─Eu tinha intenção de devolver tudo que lhe devia, após solucionar todos meus problemas. ─Pettigrew olhou para Jared procurando sua compreensão. ─Logo, chegou a remessa seguinte, e me dei conta que poderia fazer algumas melhorias em meu imóvel. ─De forma que tampouco pôde resistir à tentação de roubar nessa oportunidade também. ─Jared sorriu a contra gosto. ─E você teve a ousadia de me chamar de pirata. ─Com as novas melhorias, a fazenda ficou muito mais produtiva. ─anunciou o Sr. Pettigrew solenemente. ─Poderei reembolsar a Srta. Wingfield com a maior brevidade. Jared apontou em direção para um cavalo castrado valioso. ─Por acaso o baio era uma das melhorias necessárias, que tinha que fazer por aqui? Pettigrew não poderia estar mais envergonhado. ─Um homem deve ter seu próprio cavalo para caçar. ─E, o que me diz daquele brilhante landó em que sua esposa foi à casa da Srta. Wingfield?
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─Ela precisa manter sua posição no povoado. Olhe, Chillhurst, pagarei até o último centavo à Srta. Wingfield, em um ou dois anos. Juro! ─Vai começar a pagá-la imediatamente. ─Mas, céus, homem. Não disponho do efetivo agora. ─Pode começar reunindo o dinheiro suficiente, vendendo esse baio castrado. Com isso obterá quatrocentos ou quinhentos guinéus, no mínimo. ─Quer que eu venda o baio? Está louco? Acabei de comprá-lo. ─Você vai conseguir um comprador para ele. ─disse Jared. ─E, quando tiver vendido o animal, irá procurar um comprador para o landó. Calculo que deva à Srta. Wingfield umas seis mil libras. ─Seis mil libras? ─Pettigrew parecia alarmado. ─Tem dois meses para reunir todo o dinheiro. Jared soltou Pettigrew. Embainhou a adaga, virou-se e saiu dos estábulos. Uma vez do lado de fora, percebeu a presença do ajudante de Pettigrew com olhar taciturno. O homem o observava dos canis. Jared hesitou quando lhe ocorreu uma ideia. Aproximou-se do ajudante e parou bem a sua frente. ─Você deixou pegadas enlameadas no tapete da Srta. Wingfield na noite passada. ─disse-lhe Jared, casualmente. ─E, também derrubou o garrafão de brandy. Provavelmente, eu deveria fazê-lo pagar pelo fecho da janela que quebrou, do mesmo modo que estou obrigando ao seu patrão a devolver o dinheiro que roubou. Os olhos do ajudante mostraram certo aturdimento. Ficou com a boca aberta, olhando para ele e, a seguir, começou a gaguejar. ─Mas, eu não sei do que está falando, senhor. Não estive ontem à noite na biblioteca da Srta. Wingfield, nem em nenhuma outra noite. Juro que não estive. Não me importa o que latifundiário disse. ─Por ventura, eu mencionei que o tapete enlameado e o garrafão de brandy caído estivessem na biblioteca da Srta. Wingfield? ─perguntou Jared, com toda gentileza.
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Os olhos do ajudante se abriram desmesuradamente, quando se deu conta, com horror, que tinha caído em uma armadilha. ─Eu não tive a culpa. Só estava fazendo o que o latifundiário me mandou fazer. Não fiz mal a ninguém. Nunca machuquei ninguém, jamais. Só estava procurando uma coisa que o latifundiário Pettigrew queria. Nada mais. Ele disse que me demitiria se eu não fizesse o que ele mandava. ─E, o que estava procurando exatamente? Uma carta, possivelmente? ─Uns papéis. ─disse o ajudante. ─Disse-me que trouxesse todas as notas, cartas, tudo que tivesse a ver com finanças. Mas, não pude encontrar nenhuma dessas malditas coisas, embora tivesse posto tudo de pernas para o ar. Depois, aquele maldito cão começou a latir, escutei ruídos no andar de cima, aí fui embora correndo. ─Mantenha-se bem afastado da casa. ─advertiu-lhe Jared. ─A próxima vez que tentar alguma coisa desse tipo, juro que vai esbarrar comigo, em lugar do garrafão de conhaque. ─Sim, senhor. Nunca mais voltarei a me aproximar dessa casa. Havia certas vantagens em ter a cara de um pirata, pensou Jared, divertido, enquanto caminhava de retorno à Meadow Stream Cottage. As pessoas tendiam a encarar seriamente o recado.
Jared subiu as escadarias de entrada e, quando abriu a porta principal, encontrou-se com uma cena de caos e confusão. Só havia se ausentado durante uma hora, e a casa se converteu em um alvoroço. Jared sorriu. O trabalho de um professor nunca terminava. Minotauro ladrou excitado quando viu Jared entrar no vestíbulo. Ethan e Hugh berravam mutuamente, enquanto arrastavam um pesado e sujo tronco pela escada. Robert vociferava instruções do patamar da mesma. Sorriu amplamente ao detectar a presença de Jared.
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─O Sr. Chillhurst voltou. Tia Olympia nos disse que não teríamos aulas hoje. Temos que fazer as malas para a viagem. ─Vejo que sua tia está disposta a partir sem demora, rumo ao litoral. Para Jared era cômico o poder de decisão de Olympia. Obviamente, estava resolvida a defender os membros de sua pequena família com unhas e dentes. ─Não, não, Sr. Chillhurst. ─Ethan lutava com afinco com seu tronco. ─Não iremos para o litoral, no final das contas. Nós iremos à Londres. ─À Londres? ─Jared ficou assombrado. ─Sim. Não é emocionante, senhor? ─Hugh sorriu. ─Tia Olympia diz que, como agora temos uma montanha de dinheiro, nós a usaremos para ir a Londres. Sabe? Nunca estivemos lá. ─Tia Olympia diz que a viagem será muito instrutiva. ─explicou Robert. ─Diz que visitaremos museus, que veremos os jardins Vauxhall e que faremos todo tipo de coisas. ─Tia Olympia diz que, sem dúvida alguma, haverá uma feira em um dos parques e que veremos os foguetes. Que tomaremos sorvetes e veremos a ascensão de um balão. ─concluiu Ethan. ─Disse que, provavelmente, iremos a um teatro chamado Astley, onde há acrobatas, mágicos e pôneis amestrados. ─adicionou Hugh. ─Leu sobre ele nas publicações que aparecem nos periódicos de Londres. ─Já entendi. ─Jared arqueou as sobrancelhas quando apareceu a Sra. Bird, com uma pilha de roupas dobradas. ─Onde está a Srta. Wingfield? ─Na biblioteca. ─respondeu a Sra. Bird, aflita-. Isto é coisa de loucos. Não sei por que não podemos viver como gente normal. Para que aventurar-se em Londres? Jared a ignorou. Entrou na biblioteca e fechou a porta. Olympia estava sentada em sua mesa, olhando fixamente um dos periódicos londrinos. Quando o ouviu entrar, levantou os olhos imediatamente. ─Jared, quero dizer, Sr. Chillhurst, você voltou. ─Observou-lhe ansiosamente. ─Correu tudo bem?
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─O Sr. Pettigrew não voltará a incomodá-la nunca mais, nem a você, nem aos meninos. Mais tarde explicarei. O que significa esta viagem à Londres? ─Uma notícia que causou comoção, não? ─Olympia sorriu, com o rosto radiante. ─Me ocorreu que com todo o dinheiro que recebemos pela venda das últimas mercadorias que tio Artemis me enviou, podemos nos dar o prazer de ir até Londres. Será uma experiência maravilhosa para os meninos e eu poderei dispor de algum tempo para prosseguir com minhas investigações sobre o diário. ─Investigações? ─Sim. Eu gostaria de consultar alguns mapas das Índias Ocidentais, que pertencem à Sociedade para Viagens e Explorações. O diário faz referência a uma ilha que eu não consigo localizar em nenhum dos mapas que tenho dessa região. Jared vacilou, enquanto rapidamente calculava sobre todos os problemas que uma viagem a Londres poderia implicar. ─Onde planeja hospedar-se? ─Bem, poderíamos alugar uma casa por um mês. Deve ser um assunto simples. ─Não. Olympia piscou, sobressaltada. ─Como disse? Jared se deu conta que momentaneamente havia esquecido o lugar que ocupava na casa. Supostamente, ele devia acatar, e não dar ordens à Olympia. Infelizmente, dar ordens era um de seus hábitos. ─Uma viagem a Londres, neste momento em particular, parece-me algo muito inconveniente, Srta. Wingfield. ─disse-lhe, cautelosamente. ─Por quê? ─Para começar, eu seria obrigado a encontrar hospedagem também, e o mais provável é que as posadas estejam a uma distância considerável da casa. Não me agrada a ideia que você e os meninos fiquem sozinhos durante a noite em uma cidade como Londres. ─Fez uma pausa. ─Não depois do que aconteceu aqui há duas noites.
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─Refere-se ao incidente da pessoa que invadiu a minha biblioteca? ─Olympia franziu a testa, considerando a ideia. ─Precisamente. ─disse Jared, com toda delicadeza. ─Não podemos correr risco algum, Srta. Wingfield. Aqui, no campo, eu estou a uma curta distância da casa. Posso escutá-la se gritar pedindo ajuda. Tratava de uma pequena mentira, pensou Jared. Tinha certeza que logo poderia lhe contar que o intruso da noite passada tinha sido o cavalariço de Pettigrew. Enquanto isso, precisava de uma desculpa para evitar essa intempestiva viagem à Londres. Olympia vacilou por um momento e, logo, olhou-lhe com uma expressão de satisfação nos olhos. ─A solução é óbvia. Ficará conosco na cidade. ─Com vocês? Refere-se a compartilhar a mesma casa? ─Jared sentiu-se confuso diante da ideia. ─É claro. Não há nenhuma necessidade de gastar mais dinheiro, reservando inutilmente uma habitação em alguma estalagem para você. Seria um esbanjamento. Além disso, devemos ter cuidado com o Guardião. Quem quer que seja esse homem, você deve estar perto, próximo, a qualquer momento. ─Perto, próximo. ─repetiu Jared como um autômato. ─Sob o mesmo teto. ─esclareceu Olympia. A ideia de passar todas as noites sob o mesmo teto de sua encantadora sereia bastou para lhe cortar a respiração. Indubitavelmente, dormiria em um quarto vizinho ao dela. Ouviria quando se vestisse a cada manhã e quando tirasse a roupa todas as noites, antes de deitar-se. Milhares de imagens fascinantes invadiram a mente de Jared. Via Olympia caminhando pelos corredores, para ir tomar um banho. Encontrar-se-ia com ela na escada, quando descesse para tomar o café da manhã ou para tomar a última xícara de chá antes de dormir. Estaria perto dela manhã, tarde e noite. Pensou que ficaria louco. A paixão acabaria com ele. Teria todas as oportunidades do mundo para abandonar-se e render-se ao chamado de sua sereia.
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Seria o paraíso viver sob o mesmo teto que Olympia. Ou o inferno. ─Existe algum problema com meu plano, Sr. Chillhurst? ─Acredito que sim. ─Pela primeira vez em toda sua vida, Jared teve dificuldades para pensar com clareza e determinação. ─Sim, há um problema. Olympia inclinou a cabeça, inquisitivamente. ─Qual? Jared respirou profundamente e prendeu o ar. ─Srta. Wingfield, eu preciso lembrá-la que sua reputação neste distrito está por um fio? Se eu for a Londres com você e, além disso, ficar hospedado na mesma casa que você, sua reputação ficará completamente enlameada. ─Minha reputação não me preocupa nem um pouco, senhor, mas tenho noção que devo cuidar zelosamente da sua. Afinal de contas, como já mencionei antes, não podemos nos dar ao luxo que corram intrigas sobre você, pois isso poderia prejudicá-lo em seu próximo trabalho. Jared se aferrou a essa desculpa, pois, aparentemente, era o único ponto fraco que Olympia demonstrava. ─Uma excelente observação, Srta. Wingfield. Como inteligentemente assinalou, as fofocas poderiam ser muito destrutivas para um professor. ─Não tema, senhor. Jamais me atreveria a pôr em perigo sua reputação. ─Olympia lhe sorriu, para reconfortá-lo. ─Mas, de qualquer forma, não vejo dificuldade. Afinal, ninguém em Upper Tudway irá saber que compartilhamos a mesma casa em Londres. ─Ah... bom... sim, também tem esse detalhe. Entretanto... ─E, em Londres, ninguém o conhece, exceto esse seu amigo, que vendeu as mercadorias do tio Artemis. Portanto, não haverá nenhuma intriga. ─Ah... bom...
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─Por outro lado, não frequentaremos nenhum círculo social. Seremos anônimos entre as multidões que caminham diariamente pelas ruas londrinas. ─Olympia riu. ─Quem poderia perceber nossa presença e, muito menos, espalhar rumores sobre nós? Jared lutou desesperadamente para encontrar um pouco de senso à situação. ─O proprietário da casa que você vai alugar, talvez? Os membros da Sociedade para Viagens e Explorações, com quem você deseja contatar? Qualquer um poderia falar de nós, Srta. Wingfield. ─Hmmm. ─Olympia tamborilou suavemente a pluma sobre a mesa. Jared não ficou satisfeito com a expressão de seu rosto. ─Srta. Wingfield, me permita lhe dizer que uma jovem em sua posição, simplesmente, não pode... ─Já sei! ─declarou, repentinamente. ─Já sei o quê? ─A resposta perfeita. Se formos descobertos e sua reputação correr perigo, fingiremos que somos casados. Jared ficou olhando-a, fixamente, sem poder articular palavra. ─E, então, senhor? ─Olympia aguardou, atenta. Como Jared não soubesse o que responder, ela continuou insistindo. ─Não lhe parece um plano muito inteligente? ─Ah... bom... ─Vamos, Sr. Chillhurst. É o mais lógico, não só por razões econômicas, mas também para sermos eficientes e nos mover dentro de uma margem de segurança. Realmente, não há nenhuma outra solução prática para este problema. Jared desejava lhe informar que inteligência era justamente o que faltava em toda essa situação, mas aparentemente não pôde encontrar as palavras adequadas. A ideia de ter que viver sob o mesmo teto que ela e, além disso, aparentarem estar casados, certamente lhe conduziria à loucura mais desenfreada. A canção da sereia tinha lhe transtornado. ─O que dirá aos seus sobrinhos? ─perguntou finalmente.
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O rosto de Olympia nublou-se por alguns instantes, enquanto considerava a pergunta. Mas um segundo depois, reapareceu aquele sorriso radiante. ─É claro que não será necessário que saibam nada a este respeito. ─disse ela. ─É muito pouco provável que entrem em contato com adultos que possam tentar sondar-lhes sobre a verdadeira relação que nos une. Você é o professor, e ponto final. Ninguém fará mais perguntas. Não lhe parece correto? ─Eu suponho que sim. ─adicionou Jared a contra gosto. Raramente, os adultos entram em contato com as crianças. ─E, tampouco receberemos visitas, de modo que não teremos nada para temer por esse lado. ─continuou Olympia, entusiasmada. ─Vamos rumo ao desastre. ─resmungou Jared entre os dentes. ─O que disse, Sr. Chillhurst? ─Nada. Srta. Wingfield. Absolutamente nada.
E com isso, pensou Jared, em um abrir e fechar de olhos, foram esmagados todos os benefícios de ter cultivado, durante toda uma vida, o bom senso, praticidade e a severa reflexão. Tinha deixado de ser o homem de dias atrás. Já não era nem o criativo e nem o centrado homem de negócios que, inocentemente, propôs-se comprar um estúpido diário, com a pragmática intenção de manter o resto da família a salvo. Em troca, havia se convertido em um indivíduo totalmente vulnerável aos chamados do desejo, em um homem preso nas garras da paixão. Era um poeta, um sonhador, um romântico. Era um idiota. Tudo teria sido muito mais simples se não houvesse se afastado do seu propósito de conseguir o diário, em vez disso, se deixou encantar pelo canto da sereia. Jared olhou para o encantado e esperançoso rosto de Olympia e escutou o romper das ondas do mar contra as rochas. Mentalmente, resignou-se ao seu destino.
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─Não vejo motivos pelos quais o seu plano poderia fracassar, Srta. Wingfield. Parece-me uma solução lógica para o problema e, além disso, seus sobrinhos terão uma experiência muito educativa. ─Sabia que compreenderia a inteligência do meu plano. ─Certo. E, não tem necessidade de preocupar-se em procurar uma casa para alugar. Como seu homem de confiança, vou me encarregar de encontrar uma que seja do seu agrado. ─Obrigado, Sr. Chillhurst. Não sei o que faria sem você.
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Capítulo 7
Na sala de conferências da Instituição Musgrave só havia umas poucas pessoas escutando o relato do Sr. Blanchard sobre suas viagens às Índias Ocidentais. ─Não tem nem a metade das pessoas que compareceram para escutar o maravilhoso discurso do Sr. Elkins sobre suas viagens aos mares do Sul. ─confidenciou uma mulher gordinha a Olympia. Estava sentada junto a ela. ─Claro que o modo de falar do Sr. Blanchard não é tão divertido como o do Sr. Elkins. Olympia não tinha como julgar. Embora o Sr. Blanchard fosse, obviamente, um homem muito observador, que havia viajado muito, não tinha sido dotado com o dom da oratória em público. Não conseguia obter a atenção de sua audiência. Olympia tinha ido para ouvir a conferência, com a esperança de ampliar seus conhecimentos sobre a geografia das Índias Ocidentais. Pelo que havia lido no diário, era imprescindível localizar a pequena ilha, que Claire Lightbourne fazia referência, para decifrar o enigma. Tratava-se de uma pequena porção de terra, ao norte da Jamaica. Olympia tinha tentado explicar isso a Jared na noite anterior, enquanto compartilhavam as taças de brandy de sempre, mas como já era de costume, ele trocou de assunto. Fazia três dias que Olympia, Jared e o resto da família, inclusive Minotauro, estabeleceram-se em Londres. Era a primeira incursão que a moça fazia a um evento auspiciado pela Sociedade para Viagens e Explorações, e Olympia o tinha esperado com grande ansiedade. Infelizmente, o discurso monótono do Sr. Blanchard não conseguia mantêla atenta. Olhou o pequeno relógio que tinha preso com um alfinete na cintura de seu vestido, e viu que ainda faltava meia hora para que Jared e os meninos passassem para buscá-la. Jared. Na intimidade de seus pensamentos, Olympia lhe chamava pelo seu nome de batismo. O grau de intimidade que ia crescendo dentro dela fazia com que fosse impossível
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que pensasse nele como o Sr. Chillhurst. Entretanto, cada vez, que mencionava seu nome em voz alta, tinha o bom senso de fazê-lo por seu sobrenome. Não obstante, precisava recorrer a todo o seu poder de concentração para manter-se em termos formais cada vez que ele estava por perto. Cada vez que se encontrava com o Jared, em algum corredor ou nas escadas, sentia o irrefreável impulso de lançar-se em seus braços. As noites que passavam juntos no pequeno gabinete estavam ficando intoleráveis. Olympia não sabia quanto tempo mais poderia conter-se. Além de sua própria tensão, Olympia deveria lutar com a certeza que tinha que Jared também precisava recorrer à mesma autodisciplina cada vez que ela estava perto dele. Nessa mesma manhã, havia tido um encontro delicioso em frente à porta do quarto de Jared, Olympia estava indo tomar o café da manhã, apressada, meio oculta atrás de uma pilha de jornais e um globo terrestre, Jared acabava de sair para o corredor. No que se referia à Olympia, o choque entre ambos havia sido pura obra do destino. Entretanto, a moça se perguntou se de alguma forma não teria planejado esse esbarrão. Afinal de contas, ela sabia exatamente quando Jared sairia de seu quarto. Era um homem que valorizava os hábitos e a rotina. Depois de três manhãs escutando seus movimentos através da parede que os separava, Olympia sabia que Jared descia às sete horas, em ponto. -OH, Meu Deus! Desculpe. ─Olympia cambaleou e agarrou seu globo terrestre, quando ele se cruzou a porta de seu quarto e se interpôs, involuntariamente, em seu caminho. Embora Olympia tivesse aparecido pelo lado de seu olho cego, a reação de Jared tinha sido rápida e segura. Habilmente, segurou o globo terrestre que havia escorregado das mãos das mãos de Olympia. -Oh, Meu Deus! Desculpe-me, Srta. Wingfield. Dormiu bem? Olympia estava tão confusa pelo tê-lo tão perto, a essa hora da manhã, que experimentou certa dificuldade em responder a essa simples pergunta. Durante vários segundos, a única coisa que conseguiu fazer foi observá-lo deslumbrada, perguntando-se desesperadamente, se Jared aproveitaria a oportunidade de beijá-la.
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-Sim, dormi muito bem, Sr. Chillhurst. ─respondeu devidamente, decepcionada porque ele não teve a menor intenção de apoderar-se de sua boca com a dele. ─E você? ─Perguntou-se, alarmada, como faria para suportar semelhante tortura todas as manhãs, durante um mês? ─Ultimamente, não tenho podido dormir muito bem. ─disse Jared, com os olhos fixos em seus lábios. ─Pois, em minha mente não há outra coisa que seu rosto, minha sereia. -OH, Jared. ─suspirou ela. ─Quero dizer, Sr. Chillhurst. ─Uma estranha sensação de desejo, muito íntima, fez com que se sentisse curiosamente enfraquecida. ─Eu também penso em você durante grande parte das minhas noites. Jared sorriu. ─Qualquer noite dessas, teremos que fazer alguma coisa pelo nosso problema em comum ou, do contrário, jamais voltaremos a dormir. Olympia abriu os olhos desmesuradamente, ao compreender, desesperada, o que ele havia insinuado. ─Sim, é claro. É evidente que estou causando um grande caos em sua rotina. Lamento perturbar essa ordem tão severa que está acostumado. Sei o quão importante é para você. Por questões de saúde, sei que é crucial dormir bem todas as noites. ─Acredito que conseguirei sobreviver, Srta. Wingfield. E, depois, sim a beijou. Ali mesmo, no corredor. Foi um beijo breve, roubado, depois de olhar várias vezes para os lados, para assegurar-se que nenhum dos meninos tivesse decidido a sair de seu respectivo quarto. Terminado o beijo. Jared lhe entregou o globo terrestre. Olympia acreditava que os lábios ainda vibravam pelo beijo de Jared. Ergueu-se em sua cadeira e tentou de concentrar-se na conferência. Escondido pelas notas que havia no suporte de livros, o Sr. Blanchard seguia com seu monótono falatório, motivo pelo qual, muitos já estavam dormindo.
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─Além do açúcar, as ilhas das Índias Ocidentais exportam grande variedade de mercadorias, que incluem o tabaco, o café, as conchas e o vime. E, devem importar quase todos os artigos que consideram necessários para a vida civilizada. Outra vez, a mente da Olympia começou a divagar. Tinha ido ali para aprender sobre ilhas perdidas e lendas, não sobre importações e exportações. Para terminar com seu aborrecimento, Olympia se dedicou a examinar o pequeno grupo de pessoas que lhe rodeava. A maioria era membro da Sociedade para Viagens e Explorações, que estava auspiciando a conferência do Sr. Blanchard. Indubitavelmente, ela tinha mantido correspondência com alguns deles. Perguntava-se como se apresentaria diante deles, uma vez que terminado a palestra. ─Você compareceu às outras conferências desta série? ─perguntou-lhe a mulher gordinha por trás de sua mão enluvada. ─Não. ─admitiu Olympia em voz baixa. ─Sou membro da Sociedade, mas acabo de chegar à Londres. Não tive oportunidade de assistir a nenhuma conferência pública até hoje. ─É uma pena que tenha começado justamente com esta. A palestra do Sr. Duncan sobre o Império Turco foi fascinante. ─Eu estava ansiosa para assistir à esta conferência, pois tenho especial interesse na geografia das Índias Ocidentais. A mulher aproximou-se mais ainda. ─É mesmo? O Sr. Torbert e lorde Aldridge, também. Deveria conhecê-los. Olympia estava fascinada. ─Eu adoraria conhecê-los. Tenho lido seus artigos sobre as Índias Ocidentais na publicação trimestral. ─Ambos estão aqui hoje. Sentados em lados opostos do salão, é claro. ─A mulher riu. ─Espero que saiba que são acérrimos inimigos. Há anos. ─É verdade? ─Para mim, será um prazer apresentá-la. Mas primeiro, me permita apresentar-me. Sou a Sra. Dalton.
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─E, eu sou a Srta. Wingfield, de Upper Tudway, Dorset. ─disse Olympia, imediatamente. ─É um prazer conhecê-la. A Sra. Dalton abriu os olhos, muito satisfeita. ─Por um acaso, será a mesma Srta. Wingfield que escreve esses artigos tão interessantes sobre tesouros lendários e costumes atípicos de outros países? Olympia ruborizou-se. Era a primeira vez que alguém a reconhecia por seu trabalho. Ninguém em Upper Tudway se preocupava, sequer, de ler a publicação trimestral da Sociedade. ─Sim, tenho escrito um ou dois artigos dessa natureza. ─comentou Olympia, com um tom que esperou soasse modesto. ─Querida minha, isto é excelente. Não só para mim, mas também para vários membros da sociedade. Assim que o Sr. Blanchard terminar com a sua palestra, vou apresentá-la a todo mundo. ─É muito amável de sua parte. ─Em absoluto, Srta. Wingfield. Você é praticamente uma lenda. Justamente, outro dia, o Sr. Torbert e o Sr. Aldridge comentavam que jamais sairiam de Londres sem levarem um ou dois de seus artigos para guiá-los em suas viagens.
─Fingindo ser um professor? Ridículo. Que plano demoníaco é esse Chillhurst? ─Félix Hartwell olhou de esguelha para Jared, e sua expressão era meio divertida, meio admirada. ─Não tenho certeza de conhecer a resposta para isso, Félix. ─Jared a seguir esboçou um sorriso. Tinha os olhos fixos em Hugh, Ethan e Robert, que estavam a certa distância, tentando colocar uma pipa no ar. Haviam-na comprado logo após acompanharem Olympia até a Instituição Musgrave. Quando Jared assegurou-se que a moça havia entrado na sala de conferências, levou os meninos para um parque próximo e enviou uma mensagem a Félix.
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Félix apareceu em questão de minutos. Essa era uma das coisas que Jared mais valorizava em seu homem de confiança. Félix sentia o mesmo respeito que ele pela pontualidade. Há anos que trabalhavam juntos, por isso Jared considerava Félix praticamente como um amigo, praticamente, a única pessoa em que podia confiar. Jared devia admitir que, em muitos aspectos, eram iguais. Ambos possuíam uma natureza serena, fria, para muitos, insossa. Compartilhavam uma aproximação lógica e pragmática, tanto para os assuntos pessoais como para os comerciais, Jared pensou que seu pai os definiria como dois homens com alma de comerciantes. Porém, ultimamente as coisas tinham mudado. Jared se perguntava como reagiria Félix quando soubesse que seu patrão havia se convertido em uma irremediável vítima da paixão. Félix bufou. ─Conheço você muito bem para acreditar que não sabe o que está fazendo, nem o por quê, Chillhurst. Nunca faz nada sem antes pensar mil vezes, sem planejar minuciosamente. Não é seu estilo agir impulsivamente, por mero capricho ou pressentimento, senhor. ─Em frente a você, existe um homem diferente. ─Jared olhou para Félix e sorriu rapidamente. Félix ficou olhando para ele, sobressaltado. Jared não estava surpreso. Afinal, ele mesmo ainda custava aceitar esse novo aspecto de sua personalidade. Não era de admirar que Félix, então, se mostrasse atônito e até mesmo confuso pela transformação. Embora mantivessem uma correspondência contínua, há vários meses que Jared não via pessoalmente o seu homem de confiança. A última vez, havia sido quando Félix viajou à ilha de Flame, na costa de Devon, onde residia Jared, para passar ali uns quinze dias, revisando as estratégias comerciais do Flamecrest. Jared raras vezes viajava a Londres. Preferia muito mais a espetacular paisagem oferecida por sua ilha nativa, que as chamativas luzes da cidade. Embora não se vissem muito frequentemente, Jared pensava que Félix tinha mudado muito pouco com o passar dos anos. Félix era um homem da cidade, realidade que
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se via na delicadeza de suas mãos e na elegância do corte de seu casaco. Seus traços simpáticos e abertos ocultavam uma ardilosa inteligência que Jared valorizava imensamente. ─Diferente? Você? ─Félix riu. ─Não acredito. Jamais conheci um estrategista mais ponderado que você, em toda minha vida. Trabalhar para você é como trabalhar para um fabuloso jogador de xadrez. Não é sempre que posso predizer como serão os deslocamentos das peças, mas aprendi que é você quem sempre conduz o jogo. ─Desta vez, não estou jogando xadrez. ─observou Jared satisfeito, enquanto a pipa ondulava muito alto no ar. Ethan e Hugh ovacionavam, excitados, e saíram atrás de Robert, que corria a toda velocidade, com o fio na mão. ─A verdade é que o destino me converteu em um brinquedo indefeso. Nestes momentos, sou como aquela pipa. Uma criatura que nasceu para que o vento faça o que quiser. ─Como disse, senhor? ─Você me conhece muito bem, Félix. Eu fui surpreendido pelas poderosas garras da paixão. ─Garras da paixão? Você, Chillhurst? Está falando comigo, Félix Hartwell. Há quase dez anos que sou seu representante em Londres. Conheço bem seus assuntos comerciais e a forma com que os dirige, melhor que qualquer outra pessoa na face da terra. Suponho que lhe conheço melhor que ninguém, já que ambos temos um temperamento parecido. ─É a mais pura verdade. ─É claro que é. E, se houver algo que estou plenamente seguro sobre você, é que não é um homem que se deixe guiar pela paixão. Você é um exemplo de autocontrole, senhor. ─Não sou mais. ─Jared pensou no beijo que havia dado em Olympia, nessa manhã, no corredor, frente à porta de seu quarto. Viver sob o mesmo teto que abrigava o objeto de seu desejo, era a tortura mais doce a que tinha sido submetido. Seu único consolo era que Olympia também estava sofrendo. ─Ouvi o canto da sereia e estou perdido. ─Sereia?
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─Conhecida também pelo nome de Srta. Olympia Wingfield. ─Senhor, está divertindo-se a minhas custas? ─perguntou Félix subitamente. ─Porque, for assim, espero que o tenha feito por brincadeira. ─Caramba! Não estou brincando. ─Jared explicou brevemente toda a situação para o Félix, mas não se incomodou em mencionar o diário de Lightbourne, nem como este o havia conduzido até Olympia. Pois, finalmente, o diário já não tinha nenhuma importância. ─Sabe de uma coisa, Félix? Pela primeira vez em minha vida, começo a compreender as excentricidades dos membros de minha família. ─Permita lhe dizer, Chillhurst, que ninguém poderia compreender as loucuras e bizarrices da sua família. Não se ofenda, mas você é o único membro racional de todo o clã e sabe muito bem disso. Você me falou sobre isso inúmeras vezes. ─Aparentemente, o sangue falou mais alto. ─Jared voltou a sorrir. ─Quem poderia ser racional e lógico quando cai prisioneiro das chamas de uma paixão desenfreada? Félix ficou tenso e inclinou a cabeça em um gesto brusco e ofendido. ─Meu senhor, eu não compreendo absolutamente nada sobre isto. A ideia de que se disfarce de professor para perseguir à famosa Srta. Wingfield me parece impossível de acreditar. Você não é o tipo de homem vulnerável a uma paixão selvagem. O humor do Jared desapareceu. ─Quero que algo fique bem claro aqui, Félix. Não quero que isto chegue longe demais, pois a reputação da Srta. Wingfield está em jogo. Félix dirigiu a Jared um rápido olhar e indagador, a seguir desviou a vista para outro lado. ─Após todos estes anos, senhor, ─disse com muita tranquilidade. ─espero que confie em mim o suficiente para saber que não violarei um segredo seu. ─É claro que confio em você. ─disse Jared. ─Se eu não confiasse, jamais teríamos tido esta conversa. Bem, agora além de ter revelado que estou trabalhando na casa da Srta. Wingfield como professor de seus sobrinhos preciso lhe pedir um favor. Ninguém pode saber que estou aqui, em Londres.
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Uma imediata expressão de alerta apareceu no rosto de Felix, quando compreendeu a situação. Seus olhos refletiram o que poderia ser lido como uma pequena dose de alívio. ─Ah! Então, certamente está envolvido em um desses planos engenhosos. Eu sabia! Jared não encontrou motivo suficiente para explicar melhor sua situação. Afinal de contas, uma paixão romântica era assunto pessoal. ─Portanto, eu espero que você entenda os motivos que me obrigam a ficar em segredo a minha presença na cidade? ─É claro. ─O olhar de Félix semicerrou, com ar pensativo. ─Você raramente vem a Londres e, quando o faz, não participa de nenhum evento social. Portanto, o mais provável é que ninguém pergunte nada sobre você. ─Na verdade, eu contava com isso. Por outro lado, é muito difícil que alguém me reconheça a um simples olhar. ─O risco de você ser reconhecido é muito pequeno, mesmo por aquelas pessoas que os conheceram pessoalmente. ─Félix torceu o rosto. ─Obviamente, não está planejando mover-se em nenhum círculo social. E, ninguém pensaria em procurá-lo em uma pequena casa de Ibberton Street. ─Essa pequena casa é justamente tudo o que eu queria, Félix. Trata-se da residência perfeita para os requisitos de uma família de classe média baixa, que veio do campo. Como sempre me mantive afastado dos clubes e das terríveis caçadas, poderei circular pela cidade no completo anonimato. Félix riu. ─Provavelmente, poderia passear sem que ninguém perceba a sua presença, pelo Hyde Park, sempre e quando levar esses três meninos com você. As pessoas só enxergam aquilo que esperam ver. Asseguro-lhe que ninguém espera ver o visconde Chillhurst desempenhando a tarefa de um professor. ─Exatamente. ─Jared se sentiu aliviado que o inteligente e pragmático Félix percebesse certa lógica em seu louco esquema. Em seu próprio julgamento, Jared sabia que não era muito confiável. ─Deveríamos estar a salvos.
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Félix lhe olhou de esguelha, com gesto interrogante. ─A salvos do que, senhor? ─Do desastre. ─disse Jared. ─Que tipo de desastre? ─Bem, da descoberta, é claro. ─respondeu Jared. ─Sempre existe a ameaça que alguém me descubra nesta situação e tenho medo das consequências que isso acarretaria. É muito cedo ainda. Félix começou a preocupar-se. ─Muito cedo, senhor? ─Sim. Cortejar uma sereia é uma tarefa delicada, Félix, da qual não tenho nenhuma experiência. Eu não gostaria que o projeto todo desabasse diante de meus olhos, antes que eu tenha tido a oportunidade de preparar corretamente o terreno. Félix soltou um suspiro. ─Se não lhe conhecesse tão bem como lhe conheço, senhor, diria que está ficando tão estranho como o resto de seus parentes. Jared riu e bateu em seu ombro. ─Uma ideia arrepiante. ─Sem dúvida, que sim. Não se ofenda, senhor. ─Não se preocupe, Félix. Não posso me ofender diante da verdade. Ninguém pode negar que minha família é famosa por gerar pessoas originais. ─Sim, senhor. ─Félix vacilou. ─Possivelmente deveria mencionar um detalhe que necessita ser lembrado. ─Qual? ─Demetria Seaton está na cidade. Como você deve saber, ela agora é lady Beaumont. ─Sim, eu sei. ─Jared tentou manter o mesmo tom de voz. ─Escutei que lorde Beaumont está em Londres, procurando uma cura para seu pequeno, mas aparentemente, muito persistente problema.
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─Suponho que ainda não conseguiram gerar um herdeiro, talvez? ─Nunca deixo de me assombrar como você faz para estar tão bem informado, tendo em conta que praticamente nunca vem à cidade. E sim, você está correto. Corre o boato que Beaumont ainda não conseguiu sequer a consumação de seu recente matrimônio. ─É mesmo? ─Jared pensou que esse fato pouco preocuparia Demetria. ─Conforme parece, nem sequer a presença da bela lady Beaumont, em sua cama, é suficiente para solucionar seu problema de impotência. ─murmurou Félix. ─Que pena! Mas, suspeito que lady Beaumont não deva estar totalmente infeliz com essa situação. ─disse Jared. ─Novamente, você acertou na mosca, conforme dizem as fofocas. ─Félix observou como a pipa se deslocava no ar. ─Se Beaumont não consegue cumprir com seu dever para conservar o título, passando-o ao seu herdeiro, lady Beaumont será quem irá herdar toda a sua fortuna. ─Sim. ─Sem dúvida, Demetria regaria o seu condenável irmão, Gifford, com uma suculenta porção dessa fortuna, pensou Jared. O livre acesso a tamanha fortuna o converteria em um cretino maior ainda. Gifford era o único parente vivo que Demetria possuía e o tinha na mais alta conta. Jared sabia que por causa dessa atitude super protetora que ela tinha em relação a ele, só havia servido para transformar irmão mais novo em um canalha malcriado, mal-humorado e cruel quem, sem dúvida nenhuma, terminaria em suicídio. Jared fez uma careta quando recordou aquela noite, três anos atrás, em que Gifford o desafiou para um duelo. Sua exigência de encontrarem-se ao amanhecer, armados com pistolas, chegou menos de uma hora após Jared haver terminado o noivado com sua irmã Demetria. Gifford ficou furioso, então. Sustentava que Jared havia humilhado a sua irmã e, em consequência, exigia uma compensação imediata. Jared recusou-se, é claro. Afinal, ele ainda era um homem lógico e razoável naquela época, portanto reagiu como deveria. Não tinha motivo para arriscar sua vida, nem a do
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jovem Gifford, em um duelo que não solucionaria nada. A negativa de Jared em aceitar a provocação de um duelo no campo de honra, não fez nada além de aumentar a ira do jovem. Rotulou seu futuro cunhado de covarde. ─Como Beaumont está beirando os setenta anos e doente, ─continuou Félix. ─as probabilidades indicam que Lady Beaumont será uma viúva muito rica a qualquer momento. ─Especialmente se Beaumont acelerar sua morte exigindo uma atividade muito vigorosa, para prosseguir com o tratamento de sua impotência. Félix sorriu friamente. ─Será interessante ver se Beaumont consegue achar uma cura para o mal que o aflige. ─Eu lhe desejo muito boa sorte. ─disse Jared. ─É mesmo? ─Félix olhou para ele tão surpreso que não conseguiu dissimular. ─Eu acreditava que lhe interessaria a perspectiva de lady Beaumont converter-se em uma mulher livre. Jared encolheu os ombros. ─Sua liberdade, ou não, já não é um assunto do meu interesse. ─Não? Mas, está mais linda que antes, conforme me disseram. E, os rumores de um amante cessaram muito antes de suas bodas com o Beaumont. ─É mesmo? ─perguntou Jared sem muito interesse. O assunto do amante de Demetria era um dos poucos que ele jamais havia discutido com Félix. De fato, Jared não havia discutido com ninguém. Sabia que havia muitas especulações, logo após a repentina ruptura do noivado, mas ele sempre se negou a dar crédito às intrigas. ─Se lady Beaumont tiver um amante, nos dias atuais ─insistiu Félix, ─tem feito um excelente trabalho para mantê-lo bem escondido. ─Ela precisa agir dessa forma ─comentou Jared. ─Beaumont jamais toleraria que sua esposa tivesse um amante quando ele mesmo não consegue gerar um herdeiro. ─Certo. ─Félix fez uma pausa. ─Quanto ao outro assunto...
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─Não apareceu nenhuma novidade, eu presumo? Félix moveu a cabeça. ─Infelizmente, não tive acesso a mais informação. Deve ter sido o capitão do navio o que organizou a fraude. Era a única pessoa que poderia fazer isto. ─Eu gostaria de ter mais provas, antes de despedi-lo. Félix encolheu os ombros. ─Entendo, senhor, mas em casos como este, é quase impossível descobrir provas. Isso é o mais difícil em casos de fraudes. É muito difícil seguir as pistas. ─É o que parece. ─Jared observou que a pipa ganhava cada vez altura e ouviu os gritos de entusiasmo de Ethan e Hugh. ─Esperemos um pouco mais, Félix. Ainda não estou preparado para tomar medidas contra o capitão. ─Como quiser, senhor. ─Maldição! ─sussurrou Jared. ─Eu não gosto que me enganem. Não me agrada passar por tolo. ─Sei muito bem, senhor. Houve um momento de silêncio enquanto os homens contemplavam a pipa e os meninos. Jared extraiu o relógio de seu bolso e olhou a hora. ─Devo me desculpar, Félix, mas tenho uma entrevista dentro de alguns momentos e acredito que levará um tempo considerável convencer aos meus alunos de que desçam essa pipa para terra firme. Devo ir. ─Como queira, Chillhurst. Estou disponível, como sempre, para o que precisar de mim. ─Não sei o que faria sem você, Félix. ─Jared inclinou a cabeça, como saudação e se encaminhou para o parque, para recolher Ethan, Hugh, Robert e a pipa. Eram quase quatro horas da tarde, hora de ir procurar Olympia, na Instituição Musgrave.
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Jared perdeu quase vinte minutos entre recolher os meninos e seu novo brinquedo, e também, uma carruagem de aluguel. Enquanto as rodas do veículo giravam com seu "clacclac" pelas lotadas ruas da cidade, Jared olhou duas vezes seu relógio de bolso. Robert deixou, por um momento, de olhar fascinado o cenário que passava diante de seus olhos pelas janelas da carruagem. Viu que Jared guardava o relógio em seu bolso pela segunda vez. ─Estamos atrasados, senhor? ─Espero que não. Com um pouco de sorte, a conferência terminará mais tarde que o previsto. Ethan chutava o assento com seus sapatos. ─Podemos tomar outro sorvete antes de procurarmos a tia Olympia? ─Você já tomou um esta tarde. ─recordou-lhe Jared. ─Sim, mas já faz algumas horas e eu estou com calor outra vez. ─Acho que a tia Olympia adoraria tomar um sorvete. ─comentou Hugh, com uma expressão de altruísmo que não enganou Jared nem por um instante. ─Acha mesmo? ─Jared fingiu estar considerando a sugestão. ─Oh, sim, senhor. ─Uma expectativa genuína se leu nos inocentes olhos de Hugh. ─Tenho certeza. ─Veremos o que ela diz a respeito, ─Jared olhou pela janela. ─Bom, chegamos. Estão vendo sua tia em algum lugar? Ethan apareceu pela janela. ─Ali está. Rodeada por várias pessoas. Vou acenar para ela. ─Não, não o faça. ─disse-lhe Jared. ─Não se chama uma dama desse modo. Robert descerá do carro para ir a sua procura, como se deve. ─Tem razão, senhor. ─Robert abriu a porta do carro e desceu. ─Não vou demorar. ─Não se esqueça de tomar-lhe o braço. ─recomendou Jared. ─Não, senhor. ─Robert saiu correndo pela rua.
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Jared fechou a porta e acomodou-se contra os almofadões do assento. Observou como Robert se aproximava do grupo de pessoas, em frente à sala de leituras da Instituição Musgrave. Félix tinha razão, pensou. As pessoas só viam o que esperavam ver. Era muito improvável que alguém reconhecesse o visconde Chillhurst na Sociedade para Viagens e Explorações. Pelo que se lembrava, não conhecia pessoalmente nenhum dos membros da sociedade. Entretanto, não custava nada agir com cautela. ─Não sabia que tia Olympia tivesse tantos amigos em Londres. ─disse Ethan. ─Tampouco eu, também. ─murmurou ele. Notou os dois homens que estavam mais perto dela. O primeiro era tão gordo que parecia estar a ponto de explodir a qualquer momento. O outro, era justamente o contrário. Era tão magro que qualquer pessoa o teria imaginado fazendo uma severa greve de fome, durante os últimos meses. Jared percebeu que ambos estavam muito concentrados em cada palavra que Olympia dizia. ─Está acontecendo alguma coisa errada, senhor? ─perguntou Hugh, ansiosamente. ─Não, Hugh, nada errado. ─Jared manteve a voz suave e serena. Já sabia que Hugh era terrivelmente suscetível à possibilidade de que sua nova e frágil vida junto à tia Olympia fosse destruída em qualquer momento. Mas, não havia dúvidas que Olympia estava adorando a conversa com seus novos amigos. Jared continuava observando, quando Olympia notou a presença de Robert e se virou para o carro. Ele viu o brilho resplandecente de entusiasmo em seu rosto expressivo e sentiu uma pontada de irritação. Essa expressão foi inspirada pela conversa que havia mantido com esses dois homens. Então, isso era ciúmes, concluiu Jared totalmente surpreso. Era uma sensação das mais desagradáveis, pensou.
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Jared tentou filosofar a respeito do assunto. Afinal, um homem cujos os sentimentos navegavam nos vapores da paixão, deveria estar preparado para experimentar o lado escuro de tal emoção. ─Ela está vindo. ─Ethan começou a pular outra vez, sobre seu assento. Acredita que ela vai querer tomar um sorvete1? ─Não faço nenhuma ideia. Pergunte a ela. ─Jared se inclinou para frente para abrir a porta. Observou, favoravelmente, enquanto Robert praticava a arte das boas maneiras, ajudando sua tia a subir à carruagem. ─Obrigado, Robert. ─Olympia sentou-se junto a Jared. Sob a aba do seu chapéu de palha, seus olhos tinham um inconfundível brilho de entusiasmo. ─Espero que todos tenham tido uma tarde adorável. ─Colocamos uma pipa no ar, em um parque. ─disse Ethan. ─Foi muito divertido. ─Você gostaria de tomar um saboroso sorvete, tia Olympia? ─perguntou Hugh, ingenuamente. ─Com um dia tão quente, seria maravilhoso. ─Um sorvete? ─Olympia sorriu para Hugh, momentaneamente distraída. ─Sim, boa ideia. Fazia muito calor na sala de conferências. Todos olharam para Jared. ─Posso ver que existe um consenso aqui. ─disse Jared. Abriu o alçapão no teto do veículo, e dar ordens ao chofer que os conduzisse à sorveteria mais próxima e respeitável que encontrasse.
1-sorvete – do Persa sharbat, “bebida com suco de fruta, açúcar e gelo”.
As pipas nasceram na China antiga. Sabe-se que por volta do ano 1200 a. C. foram utilizadas como dispositivo de sinalização militar. Os movimentos e as cores das pipas eram mensagens transmitidas à distância entre destacamentos militares. No décimo segundo século, na Europa, as crianças já brincavam com pipas. Vale a pena notar também o papel desempenhado pela pipa como aparelho de medição atmosférica. O político e inventor americano Benjamin Franklin utilizou uma pipa para investigar e inventar o Pára-raios. Hoje, a pipa mantém a sua popularidade entre as crianças de todas as culturas.
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─Estou tão excitada com todas as coisas que aprendi hoje. ─comentou Olympia, quando Jared voltou a sentar-se. ─Estou ansiosa continuar estudando o diário. ─É mesmo? ─murmurou com um ar cuidadosamente cultivado de tédio educado. Este diário sangrento poderia apodrecer agora mesmo, pensou Jared. O que realmente lhe interessava era saber até que ponto Olympia estava animada por ter conhecido seus novos amiguinhos. Jared não conseguiu saber todos os detalhes da história a não ser bem mais tarde, principalmente, porque Hugh, Ethan e Robert não paravam de falar sobre as aventuras vividas em Londres. O que não perturbou Jared, que sabia ter tempo suficiente depois que os meninos e a Sra. Bird se retirassem para suas respectivas acomodações. O brutal tormento que padecia a cada noite, encerrado em um pequeno recinto, tão perto de Olympia, só ficava suportável quando Jared pensava na maneira de solucioná-lo. Não acreditava que Olympia pudesse resistir a chama brilhante da tensão sensual que crepitava entre eles, por muito mais tempo. Jared sabia que certamente, ele não suportaria. Quando toda a casa ficou em silêncio, Jared prendeu Minotauro na cozinha e foi procurar Olympia. A casa era pequena e sabia exatamente onde encontrá-la. Quando Jared entrou no gabinete, Olympia levantou os olhos do diário de Lightbourne. Seus olhos brilharam e seu sorriso foi tão caloroso que Jared sentiu que seu sangue fervia. Apenas a ideia de ter vivido toda sua vida sem conhecer o significado dessa poderosa sensação lhe deu calafrios. ─Aí está você, Sr. Chillhurst. ─Olympia marcou a página que estava lendo do diário, com uma tira de couro decorada. ─Finalmente temos paz e tranquilidade na casa. Honestamente, não consigo saber como podemos ter vivido sem você. ─O problema era que em sua casa não havia uma rotina ordenada, Srta. Wingfield. ─Jared caminhou para a mesa onde estava o garrafão de brandy. Serviu duas taças. ─Agora que a rotina foi estabelecida, tudo está sob controle.
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─Não subestime a sua contribuição, senhor. ─disse ela, enquanto ele se aproximava da mesa com as duas taças de brandy. ─Fez muito mais que estabelecer uma simples rotina. ─Olhou para ele com autêntica admiração, enquanto aceitava uma das taças de brandy. ─Só tento ganhar o meu salário. ─Jared bebeu um gole de brandy e se perguntou se poderia se afogar nas profundezas daqueles olhos cor turquesa. ─Que coisas aprenderam hoje que os exaltaram tanto? Olympia pareceu brevemente confusa, como se por um instante seus pensamentos tivessem tomado uma trajetória completamente diferente. Recuperou-se logo em seguida. ─Já sei que não se interessa nem um pouco pelas pesquisas que estou fazendo sobre o diário de Lightbourne, senhor. ─Mmmm. ─Jared manteve a voz indiferente. ─Disse-lhe que precisava consultar alguns mapas novos. ─Pois é, você me disse. ─Bem, agora eu tenho acesso a essas fontes. -Houve excitação nos olhos de Olympia. ─Não só a Sociedade tem uma amplíssima biblioteca com material excelente, mas também alguns membros dela me ofereceram, gentilmente, suas coleções privadas para que eu as consulte quando desejar. Exatamente o que Jared tinha temido. Jared lembrou-se dos dois homens que revoavam ao seu redor, diante da Instituição Musgrave. ─Que membros? ─O Sr. Torbert e lorde Aldridge. Aparentemente, suas bibliotecas pessoais contêm muitos mapas e cartas sobre as Índias Ocidentais. ─Comentou com eles o que está estudando neste momento? ─perguntou Jared. ─Não, é obvio que não. Simplesmente disse que tenho muito interesse na geografia do lugar. Jared franziu a testa. ─Suponho que eles saibam que você estuda lendas.
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─Sim, mas não há nenhuma razão para pensarem que estou procurando o tesouro do diário de Lightbourne. ─assegurou-lhe Olympia. ─Não contei a ninguém sobre o meu interesse nessa lenda em particular. ─Compreendo. ─Sr. Chillhurst, eu sei que este assunto lhe aborrece e, além disso, esta noite, eu gostaria de falar de outra coisa. ─Sobre o que, Srta. Wingfield? ─É difícil expressar em palavras. ─-Olympia ficou em pé e rodeou a escrivaninha. Caminhou até o globo terrestre. ─Temo que irá me considerar muito atrevida. E, de fato, tem razão. Jared sentiu um aperto em seu corpo causado pela tensão. ─Jamais poderia pensar que você é atrevida, Srta. Wingfield. Olympia apoiou as pontas dos dedos sobre o globo terrestre e lentamente, começou a girá-lo. ─Em primeiro lugar, quero agradecê-lo por haver facilitado que eu seguisse com minhas pesquisas do diário de Lightbourne. ─Eu tive muito pouco a ver com isso. ─Isso não é verdade. Se você não se encarregasse de vender esse lote de mercadorias enviadas por meu tio, jamais poderíamos vir a Londres. E se não tivesse posto o Sr. Pettigrew em seu devido lugar, eu teria que esquecer o diário, para me concentrar em proteger os meus sobrinhos e mantê-los longe do seu alcance. Independentemente de como você veja a situação, estamos aqui, em Londres e eu tenho plena liberdade de fazer meu trabalho, graças a você. ─Espero que encontre o que procura aqui, em Londres. Olympia girou o globo com mais rapidez. ─Embora não encontre o tesouro que é mencionado no diário, não vou me queixar, senhor. Já encontrei muito mais do que jamais sonhei, graças a você. Jared ficou imóvel.
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─Verdade? ─Sim. ─Não olhava Jared em seus olhos. Tinha os seus fixos no globo terrestre que não parava de girar. ─Senhor, você é um homem de mundo. Viajou muito e viu muitos costumes exóticos. ─É verdade, tive um pouco de experiência no mundo. Olympia pigarreou ligeiramente e tossiu com discreta suavidade. ─Como já lhe expliquei diversas vezes, eu também sou uma mulher do mundo, senhor. Lentamente, Jared apoiou a taça de brandy. ─Srta. Wingfield, o que está tentando me dizer? Levantou a vista do globo. Tinha os olhos brilhantes de desejo. ─Como mulher do mundo, desejo lhe fazer uma pergunta que gostaria que me respondesse como homem de mundo. ─Farei todo o possível para satisfazê-la. ─disse Jared. ─Sr. Chillhurst. ─A voz de Olympia falhou ligeiramente. Fez uma pausa e a seguir prosseguiu. ─Deu-me todas as razões possíveis para que eu acreditasse que tinha intenções de envolver-se em uma relação romântica comigo, enquanto desempenha seu cargo de professor nesta casa. Estou equivocada? Jared sentiu que os farrapos que restavam do seu autocontrole se convertiam em cinzas pelas ardentes chama da paixão. Suas mãos tremeram quando tentou segurar a borda da mesa, em ambos os lados de seu corpo. ─Não, Olympia, você não está enganada. Estou mais que disposto a me envolver nesta relação desde que você pare de me chamar Sr. Chillhurst ─Jared. ─virou-se bruscamente, dando as costas ao globo terrestre e, imediatamente, saiu correndo para os seus braços.
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Capítulo 8 ─Estava com tanto medo que você me considerasse uma desavergonhada. ─confioulhe Olympia, apoiando seu rosto contra o peito de Jared. Acreditava estar flutuando, em uma combinação de prazeroso alívio e gloriosa excitação, que a consumia sempre e cada vez mais que estava em seus braços. ─Sei que é um perfeito cavalheiro e eu temia que minha pergunta pudesse ofendê-lo. Jared beijou o topo de sua cabeça. ─Minha doce sereia. Não sou um perfeito cavalheiro. ─Sim, você é. ─Olympia levantou a cabeça e ofereceu um trêmulo sorriso. ─Ao menos você se esforça. E, não é sua culpa se em suas veias corre uma paixão explosiva. Eu sei que, deliberadamente, provoco essa característica de sua natureza. Não tenho dúvida que é uma péssima atitude de minha parte. ─Não, Olympia. ─Jared emoldurou o rosto da moça entre suas mãos. Seu olhar brilhava com uma feroz certeza. ─Não acredito que haja nada de errado neste sentimento, e se houver, particularmente, não me importo. ─Me alegro tanto que pense assim. Tinha quase certeza disso. ─Olympia notou a rigidez dos músculos de Jared, quando apoiou as coxas contra seu corpo. ─Você e eu nos parecemos bastante, não é mesmo? Nossa experiência e o conhecimento sobre terras longínquas, sobre outras civilizações, nos deixou uma ampla visão da natureza humana. ─Você acha? ─Ah, sim! Os homens e as mulheres do mundo como nós, não precisam se reger pelos convencionalismos da sociedade. Jared segurou seu rosto e a olhou nos olhos. ─Você não imagina o efeito que tem sobre mim. ─murmurou ela.
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─Eu suspeito que isto seja mil vezes mais forte. ─a boca de Jared encontrava-se apenas a dois centímetros de distância da dela. ─Se você estivesse sentindo o mesmo que eu seria consumida pelas chamas. ─As chamas já me consumiram. Jared sussurrou algo suave, ininteligível, cheio de emoção. Olympia não pôde adivinhar o significado das palavras, mas não havia necessidade. A boca de Jared estava sobre a sua e soube exatamente o que tinha querido dizer. Essa noite, ele a desejava com uma paixão que vinha da alma, uma paixão que, em intensidade, comparava-se com a sua. Com uma tumultuosa sensação de felicidade, a jovem entregou-se ao beijo. Colou seu corpo contra o dele, procurando seu calor, sua fortaleza. Em seguida, percebeu que Jared estava apoiando-se de costas contra a mesa e que tinha separado mais as pernas, para que ela ficasse presa entre suas coxas musculosas. ─Tão suave. ─Jared afundou os dedos nos cabelos de Olympia, liberando-os de sua touca. Tomou várias mechas entre suas mãos, prendendo e soltando, estendendo seus dedos sobre ele. ─Tão maravilhosamente macio. Com o canto dos olhos, Olympia acompanhou a lenta queda de sua touca branca sobre o tapete. A partir dessa imagem, Olympia foi invadida por uma estranha sensação de abandono. ─Jared, isto está além de tudo que imaginei. ─exclamou, encantada com as emoções que se derramavam sobre ela. ─Sim, minha doce sereia. ─A voz de Jared estava irreconhecível pela paixão. ─Supera todos os limites. Traçou uma linha de beijos ardentes através do pescoço de Olympia, que se viu obrigada a deitar a cabeça sobre o braço de Jared. Quando este percebeu que o caminho estava bloqueado pela gola da blusa de Olympia, soltou um impropério impaciente. ─Não consigo suportar esta tortura por mais tempo. ─Jared desamarrou rapidamente as fitas do vestido. ─Se não puder tê-la agora mesmo, minha doce Olympia, acredito que terminarei em um manicômio, como um homem totalmente louco.
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─Compreendo. ─Olympia começou a abrir a camisa. ─Eu também acredito que ficarei louca devido a esta poderosa emoção. Jared sorriu-lhe estranhamente, enquanto descia o corpete do vestido até sua cintura. ─Então não temos opção, não é? Devemos nos salvar da demência completa. Depois que Olympia conseguiu abrir a camisa, ficou olhando, encantada, o peito nu de Jared. Meneou ligeiramente a cabeça. ─Não tenho certeza que possamos nos salvar mutuamente. Acredito que já estamos perdidos, Jared. ─Então, que assim seja. ─Jared terminou de tirar a camisa e a jogou no chão. Acabou próxima à touca, sobre o tapete. Ficou imóvel, contemplando seus seios. Olympia se corou pelo olhar ardente de Jared, mas nem tentou cobrir-se. Pelo contrário, saber que ele a desejava tão desesperadamente, a fez ficar até mais atrevida. Brincou com os dedos sobre seu peito e a seguir os levou até os ombros. Jared respirou profundamente e em seguida expirou com um gemido. Baixou a cabeça para beijar-lhe os rosados e eretos mamilos, enquanto ela riscava os contornos de suas costas. ─Eu adoro isso. ─Jared fechou seu único olho e a abraçou com mais força, até que sentiu que os seios se esmagavam contra seu peito. ─De verdade? ─Olympia acariciou-lhe. ─A mim também, Jared. É maravilhoso tocá-lo. ─Meu Deus, Olympia. Jared se moveu, como impulsionado por uma força da qual já não conseguia defender-se. Rodeou a cintura de Olympia. Levantou-a, girou e a sentou sobre a beira da escrivaninha. As saias agitaram-se no ar, delicadamente. ─Jared? ─Surpreendida ao encontrar-se sentada sobre a mesa, Olympia levantou seus olhos curiosos para encontrar os de Jared.
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─Cante sua doce canção, minha encantadora sereia. ─Jared subiu o vestido até os joelhos. Separou-lhe as pernas com as mãos e se colocou entre suas pernas. ─Quero ser atraído para o meu destino. ─Jared. Olympia ainda estava tentando adaptar-se à inédita sensação de tê-lo entre suas pernas, quando Jared colocou as mãos sobre a pele sensível da parte interna de suas coxas. Apertou os seus braços e olhou fixamente para ele, sem saber como devia reagir. ─Não tenha medo, minha linda sereia. ─Jared beijou-lhe a curva do ombro. ─Você mesma me dirá quando estiver preparada. Antes que Olympia pudesse lhe perguntar o que estava querendo dizer com isso, sentiu que Jared subia as mãos, até aquele lugar bem íntimo e ardente que, repentinamente, abriu-se para ele. Olympia parou de respirar quando sentiu que ele tocava nesse ponto vulnerável e sensível de seu corpo. Uma sensação muito aguda de urgência surgia a partir do lugar que os dedos de Jared se encontravam com sua pele feminina. ─Já está molhada. ─disse Jared. Tão quente e suave como os mares do Sul. ─Retirou os dedos e os levou aos lábios. ─Seu sorriso foi lento e profundamente sensual. ─Tem até o sabor do mar. ─Tem? ─Olympia unhou os braços de Jared, como se disso tivesse dependesse a sua vida. Gostaria de saber o que fazer, mas estava completamente perdida. ─Sim. Excitante. Salgadinha. Incrível. Jared voltou a pôr a mão entre suas pernas e com muita delicadeza, introduziu um dedo nela. Olympia estremeceu. ─Jared, não sei o que dizer. ─Não precisa dizer absolutamente nada, minha doce sereia, até que esteja pronta para me cantar sua canção.
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A moça não tinha ideia ao que ele se referia, mas não tinha força, nem lucidez mental para pedir-lhe que explicasse. O dedo de Jared em seu interior a perturbava tanto que não conseguia parar de tremer. Instintivamente, apertou as pernas ao redor dele. ─Anda, cante-me sua canção, minha doce sereia. ─Jared retirou brandamente o dedo, olhando para seu rosto, enquanto Olympia gemia. ─Sim, exatamente assim. Mais uma vez, minha linda. Jared a tocou com a ponta do polegar e ela gemeu suavemente, estremecendo outra vez. ─Maldição, eu adoro a sua música. A contra gosto, Jared retirou a mão de entre as pernas de Olympia. Olympia abriu os olhos, apenas, perguntando-se por que Jared teria deixado de tocála tão intimamente. Precisava sentir a mão dele ali, nesse lugar tão secreto. Tinha certeza que nenhuma outra coisa poderia aliviar a imensa e dolorosa inquietação que experimentava nesse momento. ─Jared? ─Baixou a vista e notou que Jared estava lutando com a braguilha de sua calça. ─Por favor, quero que me toque outra vez. Jared soltou uma gargalhada entrecortada, que terminou como um gemido. ─Não conseguiria parar de tocá-la neste momento, mesmo que me perseguissem todos os demônios do inferno. Olympia viu que Jared tinha aberto a braguilha da calça. Olhou sobressaltada quando seu membro surgiu, rígido e ereto. ─Sr. Chillhurst. Jared apoiou sua testa contra a de Olympia. Esboçou um sorriso muito sensual. ─Você poderia pensar que é uma peculiar variação dos costumes que havia naquela ilha, que uma vez a ouvi mencionar, Srta. Wingfield? Sei que este falo, em particular, não é feito de ouro, mas é o único que tenho. Muito impressionada, Olympia recordou a ingênua discussão que tinha mantido sobre os falos de ouro. Não sabia se começava a rir, ou caía mortificada, de vergonha.
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─Talvez seja melhor não ser de ouro puro, senhor. ─conseguiu dizer finalmente Olympia, ─afinal, é tão grande, que valeria uma fortuna. Alguém poderia tentar roubá-lo. A risada que Jared lhe ofereceu por sua resposta converteu-se em uma rouca exclamação. ─Você zomba de mim, mas é você que corre o risco, sereia. Olympia umedeceu os lábios e olhou através dos cílios. ─Sim? ─Sim. ─Jared separou mais as pernas e as envolveu ao redor de sua cintura. Aproximou-se mais e se localizou na abertura de sua suave e molhada passagem. Se Olympia mostrou-se surpresa ao ver o membro de Jared, agora parecia autenticamente sobressaltada quando sentiu que começava a penetrá-la lentamente em seu corpo carente. Mas, ao mesmo tempo, desejava essa sensação que parecia ser insaciável. ─Sim, por favor, ─apertou os seus ombros. ─Meu Deus! ─Jared tomou as nádegas da jovem em suas mãos e a manteve firme, enquanto se introduzia mais ainda no úmido canal feminino. Olympia fechou os olhos e se concentrou no que sentia, enquanto ele penetrava em seu corpo. A excitação e uma deliciosa ansiedade se apoderavam dela à medida que Jared a invadia. Não podia acreditar que seu corpo pudesse ajustar-se ao dele, mas era exatamente o que parecia estar acontecendo. Apesar do membro se ajustar perfeitamente, no entanto, não era de forma totalmente confortável. Quase se sentia incômoda, embora nem por isso deixasse de sentir certo prazer. ─Maldição! ─Jared parou de repente. ─O que aconteceu? ─Olympia abriu os olhos. O rosto de Jared estava mais duro e impenetrável que nunca, como uma pedra. Claro que ela nunca havia visto uma pedra banhada em suor. Sob seus dedos, os músculos de Jared eram como tiras de aço. ─Você está bem? Jared olhava para o rosto de Olympia, com uma expressão quase de desespero. ─Olympia, você me disse que era uma mulher do mundo.
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Ela sorriu. ─E, eu sou, senhor. ─Eu pensei que com isso, você se referisse a uma certa experiência neste tipo de coisa. ─Experiência pessoal, não. ─Tocou-lhe suavemente a bochecha com as pontas dos dedos. ─Acho que estive esperando você para me ensinar, meu senhor. Afinal de contas, você é um professor muito experiente, não é mesmo? ─Eu sou um louco. ─O olhar unilateral de Jared era feroz. ─Olympia, tem certeza que me quer? ─Mais que qualquer outra coisa neste mundo. ─murmurou ela. ─Então, eu desejo que me abrace com todas as suas forças, enquanto eu tento encontrar um caminho através da tempestade e chegar a um porto seguro dentro de você. Olympia quase se derreteu diante das palavras tão ardentes. Como não conseguia falar apertou-lhe com seus braços e pernas, para atraí-lo para mais perto ainda de si. As palmas das mãos de Jared se sentiam seguras e fortes, em contraste com a suavidade das nádegas femininas. Utilizou-se de apoio para mantê-la quieta, enquanto a penetrava com firmeza e sem descanso em sua suavidade. Olympia ficou tensa e abriu a boca para gritar de assombro. Não conseguiu, pois, Jared cobriu sua boca com a dele, afogando seu protesto. Uma vez obtida a penetração total, Jared não se moveu, apenas separou levemente sua boca da de Olympia. ─Você está bem? ─perguntou-lhe em um rouco murmúrio. ─Sim. ─Olympia engoliu e cautelosamente desenterrou as unhas das costas de Jared. ─Sim, eu acredito. ─Mostre-me. Cante para mim, sereia. Jared começou a mover-se, lenta e muito gentilmente dentro dela. Nunca abandonando o seu corpo. Retirava-se apenas para voltar a penetrá-la no próximo segundo.
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Qualquer dor que Jared pudesse ter causado com sua penetração, desapareceu diante do ressurgimento iminente da paixão ardente. Olympia agarrou ainda mais Jared, à medida que ele a levava, sem descanso para as águas profundas e salgadas da paixão. Entretanto o desejo de Olympia era tamanho que já não pódio suportá-lo. Pensava que estivesse a ponto de explodir. Escutou a si mesmo implorando uma satisfação urgente, uma satisfação que não poderia definir. ─Breve, minha sereia, muito em breve. ─prometeu ele, enquanto seguia penetrando seu corpo muito lentamente. ─Agora, Jared. Você precisa fazer alguma coisa. ─Você é um pouquinho exigente, não é mesmo? Mas Jared parecia muito feliz com a exigência de Olympia. De fato, ele encorajava a crescente frustração da moça. Ele parecia saber exatamente até que profundidade chegar para em seguida retirar-se. Dirigia a feroz tensão até que Olympia sentiu-se como um brinquedo ao qual haviam dado mais corda que o necessário. Foi demais. A corda que havia no interior de Olympia rompeu-se. Nunca havia imaginado que existissem essas sensações. Uma onda de prazer atrás de outra lhe envolvia, deixando-a trêmula após sua passagem. Queria gritar de felicidade, mas Jared selou sua boca com um beijo. Olympia sentiu que ele a penetrava uma vez mais, a última. Ele estremeceu, violentamente, e abriu a boca sobre a dela. A jovem foi surpreendida tragando o grito de feroz satisfação de Jared, da mesma forma que ele havia tragado os seus clamores. Quando tudo havia terminado, Jared levantou Olympia da mesa e, em seus braços, levou-a para o sofá. Ali se deixou cair pesadamente, junto dela. Passou um longo tempo até que Jared conseguisse recuperar suficientemente para levantar a cabeça e procurar o rosto de Olympia. Ela alongou-se languidamente embaixo dele. Seu sorriso exibia uma deliciosa e feminina expressão de satisfação. O sorriso de uma sereia que, finalmente tinha conhecido a intensidade de seu poder, pensou. E, havia sido ele que havia ensinado a Olympia a intensidade de seu poder.
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─Você é um homem de grandes paixões, Sr. Chillhurst. ─lhe disse ela. Jared sorriu. Estava exausto. Exausto e feliz. ─Parece que sim, Srta. Wingfield. Mas, me permita lhe dizer que suas paixões são tão grandes quanto as minhas. Ela se moveu gloriosamente contra seu corpo, enquanto rodeava seu pescoço com os braços. ─Devo lhe dizer que foi extremamente excitante. Nunca havia experimentado nada parecido com essas sensações. ─Eu sei, Olympia. ─Desceu a cabeça e, com grande ternura, beijou-lhe um de seus seios. Foi invadido por um profundo sentimento de posse. Apesar da opinião de Olympia sobre sua natureza apaixonada, Jared sabia que até o momento, sempre tinha conduzido seus poucos romances com a mesma ordem e disciplina que aplicava aos seus assuntos comerciais.E, certamente, jamais havia se envolvido com uma virgem. Não tinha a menor dúvida que Olympia era virgem, pois seu corpo era apertado e inexperiente. Além disso, havia visto o sangue misturado com seus próprios fluidos ao longo de seu membro. Pensou que, provavelmente, deveria sentir-se envergonhado de si mesmo. Mas, a única emoção que sentia nesse momento era uma profunda satisfação. E, como própria Olympia havia dito, não era uma adolescente inexperiente que acabava de sair da escola. Tinha vinte e cinco anos. Jared lamentou em silêncio. Olympia não era, em absoluto, uma mulher do mundo. Era uma inocente, que tinha estado enclausurada por toda sua vida no interior do país, e ele tinha abusado dela. Havia sido a experiência mais gloriosa de toda sua vida. Jared pensou no libidinoso Draycott que tinha tentado seduzi-la na biblioteca de sua casa. Ele indagou-se quantos homens mais de Upper Tudway a teriam considerado como uma autêntica presa. Quantos homens mais teriam tentado avanços desonrosos.
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Mas, Olympia tinha querido cantar exclusivamente, sua canção de sereia para ele. Jared comoveu-se ao saber que, entre todos, ela o havia escolhido. Jared foi o único a quem ela se entregou. Sentiu um nó na garganta e teve que tragar saliva antes de poder falar. ─Olympia, ─disse com suavidade ─quero que saiba que valorizo muito o tesouro que acaba de me entregar. Juro que cuidarei de você da melhor maneira possível. Olympia delineou sua mandíbula com a ponta do indicador. ─Você já cuida de mim muito bem. ─Sorriu para ele. ─Só espero que fique muito tempo nesta casa. ─Como professor e amante? Olympia corou. ─Bem, sim, é claro. O que mais? ─O que mais? ─cobriu seus olhos com o braço. Sabia que devia contar-lhe toda a verdade nesse mesmo instante, mas se fizesse tudo mudaria. Sem dúvida, Olympia se zangaria e se ofenderia ao ver-se decepcionada. Jared sabia que, se ele estivesse em seu lugar, ficaria furioso ao saber que o haviam enganado. Tanto quanto no dia em que surpreendeu Demetria com seu amante. Lembrou-se das palavras que dissera a Félix nessa mesma tarde: Não gosto de fazer papel de tolo. Quando Olympia soubesse toda a verdade, pensaria que Jared a tinha feito de boba, que havia se divertido às suas custas. Seria exatamente a mesma conclusão que ele teria chegado se por um acaso os papéis fossem inversos. Pensar sobre isso deixou Jared tenso. Perguntou-se, o que aconteceria se Olympia reagisse ao fato de ter sido enganada, da mesma maneira que Jared havia reagido com a decepção proporcionada por Demetria, três anos antes? O que aconteceria se ela decidisse tirá-lo de sua vida, do mesmo modo que ele tinha afastado Demetria?
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O que aconteceria se Olympia virasse as costas e se afastasse dele? Ficou gelado. Jared não sabia o que fazer. Não podia pensar nessa situação com a lógica necessária. A única coisa que sabia, com certeza, era que estava muito fascinado pelo começo dessa relação para permitir-se correr algum risco, de imediato. Já seria um inferno, que pagaria com suor e sangue, se lhe contasse a verdade, pensou pesaroso. Provavelmente, Olympia não toleraria isso do homem a quem tinha escolhido para entregar-se.
Jared devia enfrentar à possibilidade que, uma vez que Olimpia descobrisse toda a verdade, não voltaria a confiar e nem acreditar nele, da mesma forma que havia feito essa noite. Jared não poderia tolerar que Olympia se afastasse dele. Sobre tudo agora, que acabava de encontrá-la. Tudo estava ficando terrivelmente complicado, pensou Jared e não era a primeira vez. Esse era o custo da paixão. Nunca havia estado em uma situação como esta, mas sabia que necessitava de tempo. Apenas um pouco mais de tempo, o suficiente para que fizesse querê-lo tanto que ele pudesse arriscar-se a dizer-lhe a verdade, sem correr nenhum risco. Sim, tempo era a resposta, decidiu agradecido por ter descoberto finalmente, uma prática e extremamente lógica razão para evitar o inevitável. Seus pensamentos angustiados foram interrompidos pelo latido do cão que vinha do andar de baixo. Jared tirou o braço de seus olhos. ─Que raios...? ─É Minotauro. ─disse Olympia, assustada. ─Esse maldito cão vai acordar a casa toda. ─Jared rolou pelo sofá e, quando ficou de pé, já estava perfeitamente vestido. Ao imaginar a Sra. Bird e os meninos entrando na biblioteca e encontrando Olympia nesse estado, ficou um pouco mais que assustado.
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─Vista-se. ─ordenou-lhe. ─Rápido. Eu irei ver o que está acontecendo com o cão. ─Agarrou um candelabro e se encaminhou para a porta. ─Sabe? Minotauro ladrou da mesma maneira aquela noite, em que alguém invadiu a minha biblioteca em Upper Tudway. ─Olympia franziu a testa, suas feições não mudaram, enquanto se sentava no sofá. ─Talvez tenha escutado outro intruso. ─Apressadamente, recolocou o corpete do vestido. ─Duvido muito. O mais provável é que o animal tenha escutado algo ou alguém na rua. Não está acostumado nem aos aromas, nem aos ruídos da cidade. ─Jared fez uma breve pausa ao chegar à porta e se virou, bem a tempo para observar enquanto Olympia se vestia. Ficou maravilhado com a imagem. A camiseta da moça ainda estava no chão, sobre o tapete junto a sua touca branca. Sem esse objeto de cambraia, quase insignificante, que cobria uma boa parte de seu colo, o vestido se transformava milagrosamente. Já não parecia tão modesto, mas uma moldura extremamente atrevida e provocativa para os seios delicadamente curvados de Olympia. Ele percebeu quando Olympia estremeceu de dor ao tentar dar um hesitante passo. Sabia que, talvez, sentisse um certo ardor. Mas, Olympia não se queixou e ele não soube como desculpar-se. Antes que pudesse decidir o que fazer, Olympia já havia se recuperado. Sorriu-lhe e correu para a porta. Jared sentiu-se confuso, atônito, diante da imediata resposta de seu corpo. Com grande esforço, obrigou-se a atender o assunto que tinha nas mãos. ─Espere aqui. Irei ver o que está acontecendo com Minotauro. ─murmurou. Com um último olhar de agonia para os adoráveis seios de Olympia, suas bochechas rosadas e seus cabelos em desordem, Jared saiu para o corredor. Olympia saiu correndo atrás dele. ─Espere um momento, Sr. Chillhurst. Eu vou acompanhá-lo. Jared chacoteou dela, arqueando uma sobrancelha, enquanto avançava para a escada dos fundos. ─Sr. Chillhurst?
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─É melhor não nos afastarmos da formalidade. ─disse ela, muito séria. ─Devemos manter as aparências, perante os meninos e à Sra. Bird. ─Como preferir Srta. Wingfield. ─Jared baixou a voz, à medida que começava a descer as escadas. ─Mas, esclareço que me reservo o direito de chamá-la de Olympia na próxima oportunidade que tiver de voltar a colocar as mãos debaixo de suas saias. ─Sr. Chillhurst. ─É assim que as coisas funcionam entre os homens e as mulheres do mundo, ─informou-lhe Jared com firmeza. Tentou esquecer sua culpabilidade e dedicar-se a usufruir do prazer que nele transbordava. Uma grande satisfação, mais potente que o brandy, começou a correr por suas veias. Era Ícaro voando muito perto do sol, mas valia a pena arriscar-se. A recompensa de uma natureza apaixonada era suculenta, pensou Jared com otimismo. Essa noite, converteu-se em um novo homem. ─Você está me provocando de forma muito pouco cavalheiresca, senhor. ─A acusação de Olympia, pronunciada em um sussurro, foi interrompida por outro latido que vinha da cozinha. ─Decididamente, há alguma coisa perturbando Minotauro. ─É provável que o limpador de fossas tenha vindo para limpar a fossa do vizinho. ─Talvez. Jared abriu a porta da cozinha e Minotauro, que estava esperando ansioso do outro lado, caiu praticamente em cima dele. O cão saiu correndo, passou perto dele e parou em frente à Olympia. ─O que está acontecendo, Minotauro? ─Olympia lhe acariciou suavemente a cabeça. ─Não há ninguém em casa, além de nós. Minotauro uivou ensurdecedoramente, rodeou-a dando saltos e saiu correndo para o andar de cima. ─Talvez queira ir passear no jardim. ─disse Olympia. ─Vou deixá-lo sair por uns minutos.
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─Eu farei isto. ─Jared deu uma olhada pela cozinha antes de seguir o cão para cima. Aparentemente, não havia nada desorganizado no fogão de ferro, nem perto da pia. A janela que dava para a rua estava trancada com o ferrolho, como deveria. Jared começou a subir. Olympia o seguia de perto. Juntos, percorreram o corredor que conduzia à porta traseira. Minotauro já estava ali. Arranhava com entusiasmo a porta. ─Tem alguma coisa errada. ─disse Olympia. ─É um comportamento muito estranho para ele. ─Acredito que tenha razão. ─Jared retirou a trava da porta. Minotauro escorregou através da abertura, logo que esta foi o suficientemente larga para lhe permitir sair. Correu para o pequeno jardim cercado. ─Os vizinhos ficarão muito aborrecidos caso comece a latir novamente. ─Observou Olympia, inquieta. ─É uma sorte tremenda que não tenhamos conhecido nenhum de nossos vizinhos. ─disse Jared, enquanto entregava-lhe o candelabro. ─Fique aqui na casa. Eu irei ver o que é o que o perturbou tanto. Jared desapareceu nas sombras da noite. Pensou que Olimpia obedeceria suas ordens simplesmente, porque sempre que dava uma ordem, nesse tom em particular, era para que fosse obedecido. Minotauro se deteve quando chegou ao outro lado do jardim. Saltou sobre as patas traseiras e começou a farejar vigorosamente a parte superior da parede. Jared passou pela fossa e continuou caminhando entre os altos arbustos, até onde estava Minotauro, olhando em direção à viela. Havia luz suficiente para ver que o pequeno caminho de pedras estava deserto. Jared observou os jardins vizinhos, em ambos os lados da casa. Os dois estavam às escuras e em silêncio. Não havia rastro de nenhum limpador de fossas, cujas horas de trabalho eram sempre muito tarde, durante a noite. Poucas pessoas gostavam que limpassem suas fossas durante o dia. Na maioria das residências, os conteúdos cloacais deveriam ser retirados do jardim através do corredor principal, para ser depositados
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em um carrinho estacionado na rua. Era o costume fazer todo esse processo durante a noite, quando não havia tanta gente circulando que pudesse ficar ofendida pelos maus aromas. ─Não há ninguém por aqui. ─disse Jared em voz baixa. ─Mas suspeito que saiba disso não é verdade, Minotauro? Minotauro olhou para ele e a seguir continuou farejando os tijolos. ─Viu alguma coisa? ─perguntou Olympia. Jared olhou por cima de seu ombro e se deu conta que a moça não havia obedecido suas instruções. Olympia deixou o candelabro na casa e tinha saído atrás dele. Com a luz da lua, seus olhos pareciam imensos e, entre seus seios, apareciam sombras fascinantes. Jared estava dividido, entre a irritação pela desobediência de Olympia, mas, por outro lado, não podia deixar de pensar na beleza visível dos seios nus da jovem. ─Não. ─disse. ─Não há indícios na viela. Talvez, alguém tenha passado por aqui há uns minutos e incomodado Minotauro. Olympia olhou por cima do muro. ─Há várias noites que estamos nesta casa e nunca o vimos reagir deste modo, porque alguém passasse caminhando pela rua, antes. ─Também pensei sobre isso. Segurou-a pelo braço. ─Voltemos para a casa. Não tem sentido ficarmos aqui. Olympia olhou para ele, obviamente surpreendida pela inflexão de seu tom de voz. ─Alguma coisa o incomodou? Jared perguntou-se como faria um professor para dizer a sua empregadora que cada vez que ele desse uma ordem coerente e razoável esperava que a cumprissem ao pé da letra. Mas, antes que ele pudesse achar um meio para deixar bem claro, sem ter que revelar-lhe a sua verdadeira identidade, Olympia o deteve com um grito agudo. ─Meu Deus! O que é isso? ─Olympia ficou olhando um pequeno quadrado branco na grama. ─O seu lenço caiu, Sr. Chillhurst? ─Não, ─Jared se agachou e recolheu o quadrado enrugado de linho branco. Franziu a testa quando notou o perfume.
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Olympia também franziu o nariz pela intensa fragrância. Olhou para Jared, com a expressão clara e solene. ─Isso prova que sim, houve alguém neste jardim, esta noite. Jared observou que Minotauro se aproximava trotando, para farejar o lenço. ─É o que parece. ─ concordou Jared. ─Era o que eu temia, Sr. Chillhurst. Já não há mais nenhuma dúvida a respeito. Estamos diante de uma situação extremamente urgente. ─Urgente? Olympia entrecerrou os olhos, enquanto estudava o lenço perfumado. ─O aviso que descobri no diário, com respeito ao Guardião deve ser levado em conta. Alguém está decidido a colocar as mãos no tesouro escondido. Mas como o vilão ficou sabendo do nosso endereço aqui em Londres? ─Maldita seja, Olympia! ─Jared a interrompeu Jared abruptamente, quando lhe ocorreu uma ideia desagradável. Apertou os lábios. ─Você revelou alguma coisa sobre a nossa presença, aqui na cidade? ─Não, é claro que não. Fui muito cuidadosa nesse aspecto. Sua reputação é muito importante para mim. ─Suponho que algum dos associados da Sociedade para Viagens e Explorações pode ter nos seguido até aqui, ou enviar a alguém para que o fizesse. ─Sim, definitivamente, é uma possibilidade. ─disse Olympia rapidamente. Talvez, algum deles esteja em contato com o Guardião de alguma forma. Ou, talvez, um dos novos amigos de Olympia sentiu-se atraído pela tentação do tesouro, assim como muitos outros, pensou Jared. Sabia até que ponto os membros de sua família, no passado, haviam chegado para seguir as pistas do tesouro perdido. Era bem possível que houvesse outros, capazes de fazer os mesmos sacrifícios, as mesmas loucuras. Indubitavelmente, todos os membros da Sociedade para Viagens e Explorações sabiam que a especialidade da Srta. Olympia Wingfield era procurar tesouros escondidos e ouro perdido.
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Capítulo 9 Na manhã seguinte, assim que despertou, Jared lembrou-se da fina chemisette2e de cambraia de linho, próxima da touca de renda branca. Ele se deu conta que provavelmente, ambas continuariam exatamente onde haviam sido deixadas na noite anterior, na biblioteca de Olympia. ─Maldição. ─Jared sentou-se e pegou o parche de veludo negro que estava sobre sua mesinha de cabeceira. Isso de ter um romance, sem dúvida nenhuma, seria muito mais difícil do que havia imaginado. Perguntava-se como fariam os notáveis libertinos da alta sociedade para entrar e sair dos muitos e variados bordéis com tanta facilidade e sem ser vistos. Estava descobrindo rapidamente, que ao se envolver em um único e simples relacionamento com uma só mulher, também estaria sujeito a sérios riscos. Talvez, simplesmente, não fosse talhado para essa série de coisas, pensava Jared, enquanto colocava de lado as mantas e se levantava da cama. Por outro lado, o encontro amoroso da noite anterior havia sido um dos eventos mais incrivelmente importantes de sua vida inteira. Talvez o mais espetacular. Mas, o amanhecer havia chegado e, com ele, todos os detalhes desagradáveis que, inegavelmente, empanariam a bela aventura. As primeiras providências teriam que vir primeiro, recordou-se Jared. Precisava resgatar a touca e a chemisette antes que a Sra. Bird ou qualquer um dos meninos as descobrissem na biblioteca. Imediatamente, encontrou uma camisa branca de algodão e umas calças, em seu guarda-roupa bem organizado. Em lugar de perder tempo calçando um par de botas, preferiu 2
chemisette ( plural 1.
chemisettes )
Um item de vestuário feminino, popular nos anos 1860 e 1870, usado para preencher na frente o decote de qualquer peça de vestuário. Dos itens que foi convidado a comprar, o que me deu mais trabalho foi um chemisette .
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ir descalço. Colocou a roupa o mais rapidamente que pôde e se dirigiu para a porta. Abriu-a cautelosamente e espiou pelo corredor, para se certificar que não houvesse ninguém ali. Uma simples olhada em seu relógio indicou que ainda não eram cinco e meia. Com um pouco de sorte, se a Sra. Bird já estivesse de pé, estaria ainda em seu quarto ou rondando pela cozinha. Silenciosamente, Jared desceu as escadas. Seus pensamentos oscilavam entre os objetos de Olympia, que haviam ficado jogados, abandonados no chão e o misterioso lenço perfumado que encontraram no jardim. Não havia dúvidas que alguém invadira o jardim da casa na noite anterior. O mais provável é que tivesse sido um ladrão, ou um ladrão ocasional, procurando uma oportunidade conveniente. Mas Olympia jamais aceitaria uma explicação tão simplória.
Jared resmungou baixinho, consciente que a crescente preocupação de Olympia pelo lendário Guardião dificultaria ainda mais a sua já caótica vida. Respirou um pouco mais aliviado quando entreabriu a porta da biblioteca e avistou a touca e a chemisette jogadas no chão, em frente à escrivaninha da jovem. Estavam ali, negligentemente esquecidas, como prova irrefutável de uma noite gloriosa, de selvagem abandono. Jared sentiu que um familiar calor começava a arder na parte inferior de seu corpo. Não esqueceria esses momentos pelo resto de sua vida. Sorriu levemente, quando se abaixou para recolher os objetos do chão. No processo, descobriu três forquilhas que havia tirado dos cabelos de Olympia. ─Esqueceram, não é mesmo? ─perguntou a Sra. Bird, da porta. ─Foi exatamente isso que pensei. ─Maldição! ─Jared ergueu-se, touca e chemisette na mão. Virou-se com uma sombria e resignada expressão. ─Sorriu friamente. ─Levantou-se cedo esta manhã, não é mesmo Sra. Bird? Obviamente, a Sra. Bird não se deixaria intimidar. Olhou para ele furiosa e plantou ambas as mãos sobre seus quadris.
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─Existem homens que se fazem de cavalheiros apenas para conseguir o que querem e depois desaparecem. Você é um desses? ─Não tenho nenhuma intenção de partir, Sra. Bird, se for a isso a que se refere. A Sra. Bird entrecerrou os olhos, especulativamente. ─Isso seria o melhor. Provavelmente, quanto mais tempo ficar aqui, mais a Srta. Olympia ficará ligada ao senhor. Jared olhou para ela interessado. ─Acredita realmente nisso? O rosto da Sra. Bird ficou rubro, de raiva. ─Olhe aqui seu maldito pirata. Não vou permitir que machuque o coração dela. A Srta. Olympia é uma mulher decente, apesar do que você lhe fez ontem à noite. Não está nada bem que se aproveite de sua inocência e de sua confiança. Jared lembrou-se do misterioso lenço no jardim e ocorreu-lhe uma possibilidade que até o momento não havia considerado. ─Diga-me, Sra. Bird. Como é que sabe tantas coisas sobre o que se passou aqui ontem à noite? Por um acaso esteve nos espiando do jardim? ─Espionando? Espionando? ─A Sra. Bird mostrou-se sinceramente ofendida. ─Jamais faria uma coisa semelhante, senhor. Eu não espiono ninguém. Jared recordou o perfume do lenço, mas não pôde associá-lo à Sra. Bird, pois ela, geralmente, cheirava a óleo de linhaça, pós de limpeza e ocasionalmente, a gim. ─Minhas desculpas. ─disse Jared. A Sra. Bird nem se alterou. ─Tenho olhos para ver e orelhas para escutar. Escutei toda essa confusão no jardim. Quando abri a janela para ver o que acontecia, vi os dois, ali, cochichando baixinho. E, também, vi você beijando à Srta. Olympia antes de voltar para a casa. ─Realmente nos viu? ─Jared recordou que esse último beijo tinha tido o objetivo de apagar da mente de Olympia a ideia do Guardião. Não estava seguro de ter conseguido alcançar esse objetivo.
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─Mas é claro que os vi, com meus próprios olhos. E, mais ainda, havia luz suficiente para perceber também, que a pobre Srta. Olympia não tinha colocado a chemisette por baixo do vestido. E, isso queria dizer que alguém, mais provavelmente, você, havia ajudado a tirála. ─A senhora é muito observadora, Sra. Bird. ─Eu desconfiava que você desejasse seduzi-la, e, afinal, eu estava certa. Depois do que vi no jardim, esta última noite, decidi dar uma olhada por aqui, antes que mais alguém se levantasse. Foi quando o vi recolhendo as coisas dela do chão, e foi aí que tive certeza sobre o que havia acontecido. ─Muito astuta, Sr. Bird. Ela inclinou seu largo queixo de forma acusadora. ─Eu estava pronta para recolhê-las quando ouvi a porta do andar de cima sendo aberta. E, agora, eu sei sobre o pecador assim como seu pecado, não é mesmo? ─Felicito-a por suas brilhantes investigações e suas deduções lógicas, Sra. Bird. ─Jared fez uma breve pausa, para assegurar-se de atrair a total atenção da criada. ─Com todos esses talentos, talvez possa obter um emprego como mensageira na Bow Street, depois de demitida desta casa. A Sra. Bird arregalou seus grandes olhos, alarmada. A seguir, ficou furiosa com ele. ─Ora, não se incomode em me ameaçar, senhor. A Srta. Olympia não me vai despedir e ambos sabemos disso. ─Sabemos? Se, por um acaso não notou, a Srta. Wingfield confia muito em minha palavra no que diz respeito à organização desta casa. ─Ela não vai me deixar sem trabalho. ─declarou a Sra. Bird. ─Tem um ótimo coração. Você será o único que irá para a rua, se ela souber que está me ameaçando. ─Se eu estivesse em seu lugar, não me animaria a colocar à prova a lealdade da Srta. Wingfield, Sra. Bird. Não depois que ela souber que esteve nos espionando. ─Maldita seja, essa sua mente distorcida que tem. Já lhe disse que não estive espionando ninguém.
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─Ah, mas ela acreditará nisso se você lhe disser o que sabe sobre o que se passou aqui, ontem à noite? Siga o meu conselho, Sra. Bird. Cuide de sua língua e meta-se com os seus assuntos. A Sra. Bird apertou a boca, extremamente indignada. ─Você é mesmo um demônio. Veio a esta casa direto do inferno, para colocar tudo de cabeça para baixo. Hipnotizou esses diabos que estão dormindo lá em cima, para que se comportem bem. Tirou três mil libras do nada e agora, está arrastando as asas para a pobre da Srta. Olympia. Melhor dizendo, abusou dela. ─Está enganada sobre esta última parte, Sra. Bird. ─Jared caminhou decididamente para a porta. ─Você violentou a Srta. Olympia. ─A Sra. Bird não deixou de perceber a expressão do olhar de Jared, por isso decidiu, inteligentemente, dar um passo atrás. ─Eu sei o que você fez. ─Isso só serve para provar que você não compreende na totalidade, esta situação. ─Jared passou junto a ela, com passos gigantescos, rumo às escadas. ─O que quer dizer, canalha? ─gritou-lhe a Sra. Bird. ─Fui eu a vítima do abuso. ─respondeu Jared gentilmente. Ele não se virou nenhuma vez para olhá-la enquanto subia as escadas de dois em dois degraus, mas podia sentir a penetrante desaprovação da Sra. Bird durante todo o caminho. Essa velha rabugenta era um problema irritante, mas não insuperável, concluiu Jared enquanto percorria o corredor. Poderia controlá-la. Jared parou em frente à porta do quarto de Olympia e bateu suavemente. Ouviu-se movimento dentro do quarto e, poucos minutos depois, Olympia abriu a porta. ─Bom dia, Srta. Wingfield. ─Jared sorriu ao vê-la com sua longa camisola branca, que arrastava pelo chão e sua bata de chintz, que havia colocado às pressas, evidentemente.
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As madeixas acobreadas de Olympia se viam como uma magnífica nuvem em torno do seu rosto encantador. Ruborizou-se deliciosamente quando o viu. À pálida luz do amanhecer, estava irresistível, Jared olhou a tentadora cama desarrumada por trás dela. ─Sr. Chillhurst, o que está fazendo aqui a esta hora? ─Olympia espiou para o corredor, verificando que não houvesse ninguém. ─Alguém poderia vê-lo. ─Vim devolver-lhe certos artigos pessoais que, aparentemente, esqueceu ontem à noite. ─Jared mostrou-lhe a touca e a chemisette. ─Santa miséria! ─Olympia olhou os objetos. Abriu os olhos desmesuradamente, em estado de alarme. Arrebatou-as de sua mão. ─Alegro-me tanto que tenha lembrado recolhêlas. ─Desgraçadamente, a Sra. Bird as descobriu antes que eu descesse. ─Oh, meu querido! ─Olympia suspirou. ─Ficou muito escandalizada? Estava muito preocupada com a sua presença nesta casa e claro, agora, deve estar pensando o pior. ─É obvio que pensa o pior, mas acredito que tem inteligência suficiente para guardar os seus pensamentos e não divulgá-los. ─Jared baixou a cabeça para beijar Olympia calorosamente. ─Espero ansiosamente para vê-la no café da manhã, Srta. Wingfield. Jared deu um passo atrás e fechou a porta diante do rosto ruborizado de Olympia. Foi assobiando baixinho pelo corredor, para seu quarto. ─Bom dia, tia Olympia. ─Está muito bonita, hoje, tia Olympia. ─Bom dia, tia Olympia. Está um lindo dia, não é mesmo? Olympia sorriu para Hugh, Ethan e Robert que se apressaram a ficar de pé quando a viram entrar na sala do café da manhã. ─Bom dia a todos. ─Esperou enquanto Ethan se aproximava correndo, para acomodar-lhe a cadeira. Ainda não havia se acostumado aos novos hábitos de seus sobrinhos. ─Obrigada, Ethan.
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Ethan olhou para Jared, procurando sua aprovação. Este assentiu em silêncio, com a cabeça. Com um sorriso, Ethan voltou a sentar-se em sua cadeira. Olympia olhou em direção ao outro extremo da mesa e captou o expressivo olhar de Jared. A calorosa e esplêndida felicidade que havia desabrochado na noite anterior ressurgia uma vez mais. Seus dedos estavam ligeiramente trêmulos quando segurou a colher. Então é assim que se sente uma pessoa quando está apaixonada, pensou. Havia descoberto a verdade na noite anterior. Não tinha dúvida nenhuma que os seus sentimentos em relação a Jared ultrapassavam os limites de uma simples paixão. Amor. Olympia acreditou que jamais experimentaria essa sensação. Ela havia pensado que jamais experimentaria essa emoção. Afinal de contas, uma mulher do mundo, com vinte e cinco anos, deveria ser realista. Amor. A sensação era infinitamente mais excitante que descobrir os segredos de uma lenda perdida ou explorar os estranhos costumes de outras terras. Amor. Sua vida era uma taça que estava preste a transbordar essa manhã. A solidão que sentira após a morte de tia Sophy e tia Ida sumira. Tinha encontrado um homem cuja alma estava perfeitamente sintonizada com a sua. De qualquer forma, recordou, não poderia tê-lo a seu lado durante muito tempo. Semanas, meses, um ou dois anos, talvez, se tivesse muita sorte. Não havia dúvidas que Jared, eventualmente, iria embora de sua casa para ocupar seu cargo em outra. Era assim a vida dos professores. Os meninos cresciam e os seus professores mudavam-se para outras casas. Mas, enquanto isso, Olympia jurou para si mesma, que desfrutaria desse imenso e apaixonado amor, que havia chegado até ela através de um homem com o rosto de um pirata. ─Bem, aonde irão hoje? ─perguntou Olympia, com um tom, que esperava fosse sereno e normal. Porque, em absoluto, internamente, não era assim que estava. Notou que a felicidade era uma emoção muito difícil de dissimular.
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Pelo brilho característico no olhar de Jared, percebeu que ele também havia captado sua euforia. ─Iremos visitar o museu Mecânico do Sr. Winslow. ─respondeu Robert. ─Soubemos que tem uma aranha gigante, que se movimenta exatamente como se fosse de verdade. ─disse Hugh, excitado. ─Às mulheres ficam com medo, mas eu não tenho medo nenhum. ─Também ouvi dizer que tem um urso mecânico e alguns pássaros. ─adicionou Ethan. Olympia olhou para Jared, com evidente curiosidade. ─Parece muito interessante. ─É o que dizem. ─respondeu Jared enquanto espalhava geleia em sua torrada. Olympia ficou, durante alguns momentos, pensativa. Não sabia se deveria seguir com os planos que havia feito para esse dia, ou iria com eles visitar o museu mecânico. ─Acredito que deveria ir ao museu com vocês. ─Se desejar nos acompanhar, será muito bem vinda. ─Jared mordeu sua torrada. ─Sim, tia Olympia, venha conosco. ─disse Robert. ─Será muito divertido. ─E, muito instrutivo. ─comentou Ethan, inteligentemente. ─Tenho certeza disso. ─Olympia pensou que, indo ao museu, não apenas teria uma experiência instrutiva, mas também teria a oportunidade de passar a tarde com Jared. ─Muito bem, então faremos os acertos pertinentes. A que horas pensam em sair para o museu? ─Três horas, em ponto. ─respondeu Jared. ─Perfeito. Tenho uma entrevista para ver alguns mapas na Instituição Musgrave, mas devo terminar bem antes da hora marcada.
─Eu duvido muito que você encontre alguma coisa de útil na coleção da sociedade, Srta. Wingfield. ─Roland Torbert juntou as mãos em suas costas, enquanto se aproximava de
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Olympia. ─A variedade de mapas sobre as Índias Ocidentais, aqui, é muito pobre. Mas, em minha biblioteca pessoal, tenho uma excelente coleção. ─Eu, realmente, adoraria conhecê-la, Sr. Torbert. ─Olympia afastou-se ligeiramente dele. Torbert caracterizava-se por exalar sempre a mesma mistura de aromas: roupa velha e úmida, suor e do perfume que usava em uma vã tentativa de disfarçar o restante dos aromas. ─Mas, desejo fazer a minha investigação de uma maneira ordenada. ─Naturalmente. ─Torbert diminuiu a distância entre eles. Olhou por cima do ombro de Olympia, enquanto ela desenrolava outro mapa e o estendia sobre a escrivaninha, junto ao outro que já havia colocado ali antes. ─ Se importaria em me dizer o quê exatamente está procurando nestes mapas? ─Estou
tentando
determinar
a
geografia
correta
da
área.
─Olympia,
deliberadamente, deu uma resposta muito vaga. Não tinha intenções de confiar a ninguém, exceto a Jared, os progressos que obtinha em sua investigação. ─Ao que parece, há algumas discrepâncias nos registros dessa área. ─Compreendo. ─Torbert assumiu um ar de erudito. ─É muito difícil representar essas ilhas em um mapa, sabe. ─Sim, por certo. ─Olympia se inclinou sobre os dois mapas, comparando-os com grande cuidado. Em nenhum dos dois achou vestígios de uma misteriosa ilha sem nome, ao norte da Jamaica. No mapa mais novo dos dois, Olympia detectou a indicação de dois pequenos pontinhos de terra, mas não estavam se localizados na proximidade correta das Índias Ocidentais. ─Hoje, talvez, mais tarde, fosse adequado. ─disse Torbert. ─Seria um prazer, para mim, recebê-la esta tarde, Srta. Wingfield. ─Observou que Olympia enrolava um mapa e o deixava de lado. ─Posso organizar tudo para que veja os meus mapas esta tarde. ─Obrigada, mas esta tarde estarei ocupada. ─Desenrolou outro mapa. ─Talvez durante esta semana, se lhe for conveniente.
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─É claro, é claro. ─Torbert voltou a unir as mãos atrás de suas costas largas, e se balançou sobre os calcanhares. ─Srta. Wingfield, eu acho que entendi que também examinará os mapas de lorde Aldridge. ─Ele teve a gentileza de me oferecer essa oportunidade. ─Olympia franziu a testa enquanto examinava minuciosamente o novo mapa. ─Sinto que é meu dever aproveitar esta ocasião para lhe dar um pequeno conselho. ─Sim? ─Olympia não levantou os olhos dos mapas. Torbert tossiu discretamente. ─É meu dever lhe informar que deve ser extremamente cautelosa quando revelar qualquer aspecto de seus estudos a lorde Aldridge. ─Verdade? ─Olympia olhou para ele surpreendida. ─A que se refere? Torbert deu uma rápida olhada pela biblioteca, para assegurar-se que ninguém mais, inclusive o velho bibliotecário, pudesse escutá-lo. E, aproximou-se mais ainda dela. ─Aldridge poderia ser capaz de aproveitar-se de uma moça, Srta. Wingfield. ─Aproveitar-se? ─Olympia franziu o nariz quando sentiu o penetrante perfume de Torbert. ─De mim? Torbert pareceu envergonhado e, imediatamente, ergueu sua postura. ─Não de sua pessoa, Srta. Wingfield. ─murmurou. ─De seu trabalho. ─Ah! ─Havia algo estranhamente familiar nesse perfume, pensou Olympia. ─Minha querida, é de conhecimento público que você se especializou no estudo de velhas lendas e costumes de outras terras. ─Torbert sorriu, com ar de cumplicidade. ─Também, é fato que, em uma dessas velhas histórias que publicou para a Sociedade, deixou escapar a possibilidade que existisse um tesouro escondido em alguma parte. ─Certo. ─Olympia encolheu os ombros e se inclinou sobre os mapas. ─Mas, jamais escutei que alguém houvesse realmente, encontrado nenhum desses tesouros, senhor. A recompensa reside no processo investigativo.
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─Mas, apenas para os que desejam uma apreciação intelectual dessas coisas. ─disse Torbert com suavidade. ─Tenho medo que, para os outros, a cobiça pelo ouro e pelas joias perdidas seja muito maior que a nossa refinada tendência para o estudo e a exploração. ─Provavelmente, você tenha razão, Sr. Torbert, mas duvido que essas pessoas sejam membros de um grupo tão intelectual como o que compõe a Sociedade para Viagens e Explorações. ─É uma pena, minha querida, que se equivoque justamente nesse ponto. ─Torbert sorriu tristemente. ─Sendo a natureza humana como é; sempre encontraremos caçadores de tesouros em torno de nós. ─ergueu-se. ─Lamento ter que lhe dizer que Aldridge é um deles. ─Levarei em conta a sua advertência. ─Olympia franziu novamente o nariz, pelo perfume intenso. Pensou que quase o havia identificado. Sabia que havia cheirado em outro lugar, recentemente. Muito recentemente. De fato, na noite anterior. ─Faz muito calor aqui dentro, não lhe parece? ─Torbert extraiu um lenço do bolso e enxugou sua testa molhada. Olympia ficou olhando o lenço de linho. Era a cópia exata do lenço que Jared havia encontrado no jardim.
A grande aranha de corda caminhava sem cessar por sua vitrine de vidro. Embora seus movimentos fossem irregulares, e seus passos, antinaturais, não deixavam de fascinar aos espectadores. Perseguia um camundongo mecânico, que também se deslocava de maneira similar. Olympia aproximou-se o quanto pode do vidro, junto com Robert, Ethan e Hugh. Todos observavam o interior da vitrine com grande atenção. Jared estava parado do outro lado, olhando como a aranha se movia com expressão indulgente. ─É espantosamente enorme, não é? ─Ethan olhou cheio de expectativa para Olympia. ─Está assustada, tia Olympia?
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─É óbvio que não. ─Olympia olhou para ele e percebeu certa decepção em seus olhos. ─Como poderia estar assustada se tenho vocês três que irão me defender desse monstro? Ethan sorriu, satisfeito. ─Não se esqueça do Sr. Chillhurst. Ele também irá protegê-la, não é mesmo, Sr. Chillhurst? ─Farei tudo o que estiver ao meu alcance para protegê-la. ─jurou Jared calmamente. ─É apenas uma aranha de brinquedo. ─disse Robert, com uma autossuficiência que só um menino de dez anos poderia expressar. ─Não poderia machucar ninguém, não é verdade Sr. Chillhurst? ─Provavelmente não. ─disse Jared. ─Mas, nunca se sabe. ─Com certeza! ─corroborou Ethan. ─A gente nunca sabe. Por exemplo, se saísse daí, poderia causar muitos problemas. Robert olhou para o outro lado do salão, onde os espectadores estavam observando os movimentos de um urso mecânico. ─Imaginem o que aquela senhora, ali, faria se de repente, sentisse as desagradáveis patas da aranha tocando em seu tornozelo. ─Eu aposto que ela começaria a gritar. ─aventurou-se a dizer Hugh. Observou, curiosamente, o trinco que trancava a parte superior da vitrine. Jared arqueou as sobrancelhas. ─Nem se atreva a considerar essa hipótese. Os três meninos protestaram e seguiram examinando a aranha. Olympia olhou rapidamente ao redor, e aproximou-se de Jared. Era a primeira oportunidade que tinha para falar a sós com ele. Ela estava ansiosa para contar-lhe sobre suas descobertas envolvendo o lenço de Torbert. ─Sr. Chillhurst, eu preciso falar com você. Jared sorriu. ─Estou aos seus serviços, Srta. Wingfield.
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─Em particular. ─Olympia se dirigiu a outro salão, também repleto de estranhas coisas de corda. Jared seguiu Olympia, com passo tranquilo, até uma vitrine que continha um soldado mecânico. ─Sim, Srta. Wingfield. ─Girou a manivela que havia na base da vitrine. O soldado começou a erguer-se e a ficar em pé. ─Sobre o que deseja falar? Ela jogou-lhe um olhar triunfante, de soslaio, fingindo estar muito concentrada no soldado de corda. ─Acredito ter descoberto a identidade do invasor. Talvez, até mesmo, do Guardião. Jared sentiu que sua mão congelava sobre a manivela. ─De verdade? ─perguntou-lhe, sem inflexão alguma. ─Sim, descobri. ─Olympia se aproximou mais, como se desejasse examinar mais de perto o soldado mecânico. ─Não vai acreditar nisto, mas não é outra pessoa a não ser o Sr. Torbert. ─Torbert? ─ficou olhando para ela, fixamente. ─De que raios você está falando? ─Estou praticamente segura que o lenço que encontramos ontem à noite pertence ao Sr. Torbert. ─Olympia notou que o soldado começava a levantar seu pequeno rifle. ─Usava um esta manhã, na biblioteca da Sociedade, e era exatamente igual ao outro. ─A maioria dos lenços se parece. ─disse Jared. ─Sim, mas este tinha o mesmo perfume daquele que encontramos ontem à noite. Jared franziu a testa. ─Você está segura disto? ─Muita segura. ─Olympia viu que o soldado mecânico começava a apontar o seu rifle. ─Mas, é possível que exista outra explicação. ─Qual? ─Ao que parece, Torbert e Aldridge são inimigos ferozes, há anos. De fato, Torbert esforçou-se em me alertar sobre lorde Aldridge, esta manhã. Por conseguinte, é muito provável que este último tivesse deixado o lenço de Torbert no jardim.
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─E, por que cargas d’água faria uma coisa assim? Olympia olhou impaciente, para ele. ─Com a esperança de desacreditar completamente Torbert diante dos meus olhos, é óbvio. ─Seguindo esse raciocínio pressupõe-se que você poderia identificar o lenço. ─assinalou Jared. ─Sim, eu sei, mas é precisamente o que fiz. ─Aldridge não poderia adivinhar que seria tão fácil para você, reconhecer o lenço de Torbert. Não, eu duvido muito que ele tenha tido algo a ver com tudo isto. ─Jared virou-se para ela com uma expressão profunda. ─Olympia, eu não quero que se envolva neste assunto. ─advertiu-lhe, deixando de lado as formalidades. ─Mas, Sr. Chillhurst... ─Deixe isso comigo. ─Não posso fazer isso. ─Olympia levantou o queixo. ─Isto afeta as minhas pesquisas, senhor. Tenho todo o direito do mundo de proteger o diário de Lightbourne, do Guardião ou de qualquer um que tente apoderar-se do tesouro. -mordeu o lábio, pensativa. ─Entretanto, devo admitir que não considero o Sr. Torbert como fazendo parte de uma lenda. Nem mesmo acredito que exista a possibilidade dele estar conectado com o Guardião. ─Maldita seja, mulher! ─disse Jared, entre os dentes. ─Eu irei protegê-la de Torbert, do Guardião e de qualquer um que se aproxime de você. Se você necessitar de proteção, claro. Olympia olhou para ele, atônita. ─O que quis dizer com isso, senhor? É claro que precauções precisam ser tomadas. ─Srta. Wingfield deixe o assunto do lenço em minhas mãos. Eu farei com que Torbert entenda claramente, que esses incidentes, como o de ontem à noite, no jardim, não devem se repetir. ─Você vai falar com ele? ─Tenha certeza que ele irá entender perfeitamente as coisas.
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Olympia concordou, satisfeita. ─Muito bem, senhor, eu deixarei tudo em suas mãos. ─Obrigado, Srta. Wingfield. E agora... Antes que Jared pudesse concluir a frase, a voz de uma mulher cortou o murmúrio de fundo, das conversações e o tic-tac dos mecanismos de corda. ─Chillhurst. Que diabos está fazendo aqui? O olhar do Jared passou por Olympia e se fixou na mulher que, por trás dela, se aproximava deles. ─Mas, que inferno! Olympia mal teve tempo teve tempo para registrar a arrepiante e enigmática expressão no rosto de Jared, pois a mulher voltou a falar. ─Chillhurst, é você, não é verdade? Quando Olympia virou-se, pode ver que uma mulher extremamente bonita cruzava a sala, deslizando em direção a eles. A dama parou e sorriu friamente para Jared. Seus olhos azuis celeste estavam repletos de um divertido reconhecimento. Durante um momento, Olympia só conseguiu ficar contemplando a beleza da mulher. Os cabelos loiríssimos da senhora estavam elegantemente presos sob um chapéu azul, confeccionado com habilidade e criatividade, sem dúvida nenhuma, muito caro. Usava um vestido celeste e uma jaqueta curta, até a cintura, azul marinho. Olympia pensou que só as luvas de pelica custariam muito mais que seu vestido, seus sapatos, sua touca e sua bolsa juntas. A mulher não estava sozinha. Estava acompanhava de outra dama, tão elegante quanto ela, vestida de amarelo. Embora não fosse tão bela como a loira, também possuía uma inequívoca atração exótica. Era um brilhante contraste para a sua amiga, com seus cabelos castanhos e seu chapéu de pluma. Tinha os olhos escuros e a figura mais cheia e arredondada do que a sua elegante amiga.
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─Não pude acreditar quando o vi há uns momentos, Chillhurst. ─disse a loira. ─Haviam me dito que estava na cidade, mas me neguei a acreditar. Quase nunca vem a Londres. ─Boa tarde, Demetria. Ou, devo chamá-la lady Beaumont? ─Jared inclinou a cabeça com fria cortesia. ─Demetria está perfeito. ─Demetria olhou para a sua companheira. ─Lembra-se de Constance, pois não? ─Perfeitamente. ─Jared sorriu friamente. ─Lady Kirkdale. ─Chillhurst. ─Constance, lady Kirkdale, sorriu com cortesia. Seus olhos foram para a Olympia. O olhar de Demetria seguiu o de sua companheira. ─E quem é a sua amiguinha, Chillhurst? Os rumores sustentam que está vivendo com ela, em uma casa, na Ibberton Street. Mas, me recusei a acreditar nisso, também. É tão diferente de você, envolver-se em uma relação desse tipo. ─Lady Beaumont, lady Kirkdale, permitam-me lhes apresentar a minha esposa. ─A voz de Jared soava tão serena, como sempre, embora em seu olhar, que dirigiu a Olympia, lia-se claramente, um claro sinal de advertência. Minha esposa. Olympia percebeu que estava de boca aberta. Fechou-a imediatamente, e se preparou para enfrentar a crise. Afinal, havia sido ideia dela dizer a qualquer pessoa que os conhecessem, e que perguntasse sobre eles, que estavam casados. A reputação de Jared estava em jogo. O pobre homem estava apenas seguindo suas instruções. Não tinha outra opção além de apoiá-lo. ─Muito prazer. ─disse Olympia, brevemente. ─Isto é absolutamente fascinante. ─Demetria examinou Olympia, como se ela fosse um dos artigos em exibição no museu. ─Mas que surpresa! Quer dizer que finalmente Chillhurst cumpriu com as obrigações impostas pelo seu título e encontrou a sua viscondessa.
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Capítulo 10 ─Visconde? ─Meia hora depois, Olympia entrou em seu estúdio. Tirou o seu chapéu e virou-se para enfrentar Jared. Era a primeira oportunidade que tinha para estar a sós com ele, desde a cena ocorrida no museu mecânico. Ela estava fervendo de indignação. ─Você é visconde? ─Lamento que você tenha sido informada de toda a verdade nessas circunstâncias, Olympia. ─Jared fechou e trancou a porta. Estava parado, encostado na porta e de frente para ela, encarando-a com a mesma expressão sombria e enigmática que estava usando desde o momento em que apresentou Olympia como sua esposa. ─Sei perfeitamente você merece uma explicação. ─Assim acredito. Sou sua empregadora, Sr. Chillhurst. ─Olympia fez uma careta. ─Quer dizer, milord. O seja lá o for. Maldição. Parece-me que no fim das contas, eu deveria ter insistido em suas referências. Devo supor que não deve ter entregado nenhuma ao meu tio, também. ─Estou errada? ─Ah, não, ─murmurou Jared, ─temo que não. Como você poderá comprovar, ele não me pediu nenhuma referência. ─Então, ele contratou você como tutor dos meninos da minha casa e não lhe pediu referências? ─perguntou Olympia, sem poder acreditar. ─Na realidade, ele não me contratou como professor. ─confessou Jared, em tom sereno. ─Isto se piora a cada segundo. E, para o quê o contratou exatamente, milord? ─Não me contratou para nada. Só me pediu que lhe fizesse o favor de escoltar as mercadorias até Upper Tudway. ─Jared olhou para ela. ─Uma tarefa que cumpri ao pé da letra, se me permite lembrar. ─Bobagens. ─Olympia jogou o chapéu sobre o sofá e caminhou para sua escrivaninha, para ficar atrás desta. Pensou que sempre se sentia forte e segura cada vez que
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estava ali. Sentou-se em uma cadeira e olhou furiosa para Jared. ─Tenha a gentileza de me explicar o resto da história, senhor. Já estou ficando cansada de fazer o papel de idiota nesta história. Algo brilhou no olhar unilateral de Jared. Se, foi dor ou raiva Olympia não pode determinar com certeza. De qualquer maneira, fez com que estremecesse. Jared se sentou lentamente, estendeu suas pernas, e descansou os cotovelos nos braços da cadeira de mogno. Uniu as pontas dos dedos e a olhou pensativamente. ─É um assunto um tanto complicado. ─Não se preocupe com a complexidade dessa questão. ─Olympia sorriu, convencendo-se que ela também poderia aparentar serenidade e frieza. ─Estou certa de ter inteligência suficiente para captar os pontos essenciais do seu relato. Jared endureceu os lábios. ─Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Bem. Por onde devo começar? ─Pelo princípio, é claro. Diga-me, por que se fez passar por professor em minha casa? Jared vacilou, aparentemente, procurando as palavras corretas. ─Tudo o que lhe contei com referência a como conheci seu tio é correto, Olympia. Foi na França e eu aceitei escoltar as mercadorias até que chegassem as suas mãos. ─E, por que se incomodou em ser professor dos meus sobrinhos, se não lhe interessava a posição de tutor? ─O diário de Lightbourne. ─respondeu Jared simplesmente. Pela segunda vez no dia, Olympia percebeu que estava boquiaberta. ─Pelo diário? Sabia de sua existência? ─Sim, eu também estive atrás dele. ─Meu Deus! ─Olympia sentiu que lhe faltava o ar. Acomodou-se contra o respaldo da cadeira e tentou pensar com clareza. ─É óbvio. Isso explica tudo. ─Não tudo.
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─Você estava seguindo os rastros do diário, mas tio Artemis se adiantou a você e o conseguiu primeiro. Portanto, fez os acertos necessários para interceptá-lo e conhecê-lo "acidentalmente". Estou indo bem, até aí? ─Sim. ─Jared começou a tamborilar os dedos entre si. ─Entretanto... ─Inteirou-se que o diário já estava empacotado entre o resto das coisas que seriam despachadas para mim, a bordo do navio. Por isso, procurou os meios para acompanhar esse embarque. Jared baixou a cabeça. ─Sua inteligência jamais deixa de me assombrar, Olympia. A jovem tentou ignorá-lo completamente. Não era o momento para deixar-se levar pelas palavras doces do homem a quem amava. Ela não deveria jamais esquecer-se que Jared a tinha enganado deliberadamente. ─Uma vez que você chegou até nós, procurou uma desculpa qualquer para ficar. Ao que parece, percebeu imediatamente que necessitávamos de um professor. ─Foi seu tio o quem insinuou a ideia. ─admitiu Jared. ─Comentou que já tinham tido três professores diferentes em seis meses. ─De modo que você aproveitou a oportunidade para permanecer perto do diário de Lightbourne. Jared estudou a parede acima da cabeça de Olympia. ─Entendo que, aparentemente, essa tenha sido a razão pela qual lhe enganei. ─Suponho que teve medo de não poder decifrá-lo pessoalmente, e preferiu que eu decifrasse esses códigos secretos para você. ─Sei que é o que parece, mas... Olympia franziu a testa, pensativa. ─O que lhe atraiu no diário, Sr. Chillhurst? Quero dizer, Vossa Senhoria. ─Jared está ótimo. -disse ele calmamente. ─A razão pela qual eu estava procurando o diário quando conheci seu tio, é que ele pertence a minha família. ─encolheu os ombros. ─E, também o tesouro, se é que este, claro, existe realmente.
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Olympia ficou gelada. ─O que quer dizer com isso de que o diário pertence à sua família? ─Claire Lightbourne era minha bisavó. ─Nunca me disse isso. ─Olympia, por pouco, não caiu da cadeira. ─Sua bisavó? Condessa? Mas, no diário não tem nenhuma referência ao título. ─Porque ela se casou com Jack Ryder, quando este ainda era apenas o capitão Jack. Ele se converteu em conde de Flamecrest vários anos depois de voltar à Inglaterra, vindo das Índias Ocidentais. A família não gosta muito de falar sobre o assunto, porque, aparentemente, ele comprou o título. ─Meu bom Deus! ─Não era tão difícil comprar um título, naquela época. ─disse Jared. Só precisava muito dinheiro e influências. E, Jack Ryder tinha ambas as coisas. ─Sim, é claro. ─Olympia lembrou-se de algumas partes do diário, que havia folheado. Jack Ryder retornara das Índias Ocidentais como um homem rico. E, acumulou uma fortuna maior ainda, quando se estabeleceu na Inglaterra. ─Depois de assegurar o título de Flamecrest ─prosseguiu Jared, ─meu bisavô adquiriu um segundo título, o de visconde Chillhurst, que é usado pelos herdeiros de Flamecrest. Neste caso, por mim. Olympia estava tonta com a série de surpresas que havia tido. ─Você é herdeiro do título e das propriedades de um conde. Seu bisavô era o Sr. Ryder, de Claire Lightboume. ─O amado Sr. Ryder, de Claire, pensou Olympia. ─Sim. “Meu querido Sr. Chillhurst.” À medida que Jared avançava com suas revelações, Olympia afundava-se cada vez mais no poço de sua depressão. Recordou que desde o inicio sabia que não poderia ter ao seu lado, para sempre, o Sr. Chillhurst. Não obstante, não poderia negar que intimamente, havia ansiado tê-lo por muito mais, que essas breves e poucas semanas. Seu sonho havia terminado muito cedo. Muito cedo.
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Tinha que encontrar uma maneira de salvá-lo, mesmo que fosse por um pouco mais de tempo. E, o que dizer de Jared, ela pensou desesperada. Não conseguia acreditar que a paixão que haviam compartilhado não significara nada para ele, que também a teria enganado enquanto estivera em seus braços. Talvez não a amasse, mas a desejava. Estava segura disso. Obrigou-se a pensar com lógica. ─Bem, com toda razão queria encontrar esse diário, Sr. Chillhurst. Realmente, tem direito. Com certeza, deve tê-lo procurado durante muitos anos. Deve ter ficado muito irritado quando descobriu que eu o encontrara antes que você. ─Se não quiser voltar a me chamar Jared, Chillhurst bastará. ─Como queira. ─Olympia lutou desesperadamente, para sorrir. ─Devo dizer que isto abre uma nova e grande questão entre nós. Jared olhou para ela, pasmado. ─Sim? ─Certamente. ─Olympia ficou de pé e se aproximou da janela. Juntou suas mãos por trás de suas costas e contemplou o pequeno jardim cercado por muros. Estava a ponto de correr um risco calculado e deveria ser muito cautelosa. ─Não compreendo o que você quer dizer, Olympia. Olympia inspirou profundamente. ─Seus conhecimentos sobre sua história familiar poderão me fornecer dados muito úteis, senhor. Ajudar-me-ia a decifrar o diário? ─Duvido muito. Meus conhecimentos sobre a história familiar se limitam a uma série de relatos de Banbury, relativos ao capitão Jack e às suas ridículas façanhas. Olympia cravou suas unhas nas palmas de suas mãos. Tinha que convencer Jared que a deixasse seguir pesquisando o diário Lightbourne. Era a única desculpa que lhe restava para manter a conexão com ele.
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─Nunca se sabe, senhor. ─disse ela. ─Eu poderia usar as informações desses relatos para decifrar as frases enigmáticas do diário. ─Você acha isso? ─Jared parecia estar considerando a hipótese. ─Sim, tenho certeza. ─Olympia virou-se para olhá-lo. ─Estou disposta a continuar trabalhando no diário Lightboume, senhor. Vou me sentir muito honrada em compartilhar minhas conclusões com você. Entendo que o segredo do tesouro pertença à sua família. Jared endureceu sua expressão. ─Olympia, eu não me importo nem um pouco com o segredo do diário Lightbourne. Já tentei lhe esclarecer esse ponto. ─É claro que lhe importa. ─insistiu ela. ─Enfrentou uma série de problemas para encontrá-lo e para permanecer nesta casa, como professor, a fim de descobrir esse segredo. Quero que saiba que eu entendo o motivo pelo qual me enganou. ─Tem certeza? ─Sim, e, além disso, eu devo lhe dizer que seu plano foi muito inteligente, senhor. Seria brilhante se não fosse pelo encontro desta tarde com lady Beaumont. ─Só mesmo você poderia encontrar uma desculpa para conseguir explicar meu comportamento, Olympia. ─Não são meras desculpas, senhor. Agora, que tenho conhecimento de todo o assunto, suas ações fazem todo sentido para mim. ─Deveria estar me perguntando por que eu não me conformei em continuar agindo apenas como professor desta casa e nada mais. ─aventurou Jared. ─Sem dúvida, você vai querer saber por que a seduzi. Olympia entrelaçou os dedos e levantou o queixo. ─Não, Sr. Chillhurst. Não estou me fazendo essa pergunta em particular. ─Por que não? ─Jared levantou-se imediatamente de sua cadeira. ─Qualquer mulher em sua posição faria. ─Porque eu já conheço a resposta. ─Olympia estava plenamente consciente.
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─Verdade? E, qual é essa resposta? Como explica a minha conduta, Olympia? Nós dois sabemos muito bem, que não me comportei como um cavalheiro. Qualquer pessoa diria que abusei de você. ─Isso é uma mentira absurda! ─Olympia ficou furiosa. ─Abusamos um do outro, senhor. Jared sorriu. ─Você acredita nisso? ─Sim, somos pessoas do mundo, senhor. Nós dois sabíamos o que estávamos fazendo, para falar a verdade, se houver um culpado do que aconteceu entre nós, esse, sou eu. ─Você? ─Jared ficou atônito olhando para ela. Olympia ruborizou, mas olhou em seus olhos, desafiante. ─Você é um cavalheiro, mas imediatamente, percebi que, além disso, era um homem de paixões excessivas. Receio que tenha abusado desse fato. Jared pigarreou. ─Paixões excessivas? ─Indubitavelmente, é uma condição que herdou de sua família. ─disse Olympia amavelmente. ─Afinal de contas, é descendente do Sr. Ryder e, pelo que tenho lido nesse diário, ele era, sem dúvida nenhuma, um homem de emoções poderosas. ─Você terá que me permitir dizer, que é a única pessoa na face da terra que me considera um homem de fortes paixões, Olympia. ─Jared torceu a boca, em um sorriso triste. ─Na verdade, sou mais conhecido por ser alguém muito entediante. ─Tolices. Quem disser isso de você, é porque não o conhece nem um pouco. ─Toda a minha família tem a mesma opinião. E, não são os únicos. Lady Beaumont também compartilha da mesma ideia. Olympia momentaneamente distraiu-se. ─Isso traz à tona, outro assunto que gostaria de discutir. Quem é lady Beaumont? Uma velha amiga sua?
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Jared virou-se e caminhou para a mesa de Olympia, sem dizer uma só palavra. Apoiou-se nela e se cruzou os braços. ─Até muito recentemente, lady Beaumont era a Srta. Demetria Saetón. ─disse, sem o menor de sinal de emoção. ─Há três anos, estivemos noivos por um curto período. ─Noivos. ─Por alguma razão, essa notícia a deixou muito mais abalada, que todas as outras barbaridades que havia tomado conhecimento, até o momento. ─Compreendo. ─Sim? ─É muito bonita. ─Olympia tentou dissimular o pânico que a invadia. O conhecimento de que Jared, um dia, havia amado a encantadora e adorável Demetria era muito difícil de ser engolido. Ela se deu conta que, até esse momento, não havia lhe ocorrido pensar na existência de outras mulheres no passado de Jared. Apesar de notar que ele não era novato nesse aspecto, não lhe ocorrera deter-se para refletir sobre a possibilidade que ele realmente, houvesse amado outra mulher. E, que a tivesse amado o suficiente para comprometer-se com ela. ─Por diversas razões, que não valem a pena aborrecê-la, hoje, Demetria e eu, decidimos que não havíamos nascido um para o outro. ─disse Jared. ─Ah! ─Olympia não pensou em outra coisa para dizer. ─O compromisso se desfez pouco depois de ser anunciado. Houve comentários a respeito, porque o compromisso foi celebrado na residência da minha família, na ilha de Flame, não em Londres. Há um ano, ela se casou com lorde Beaumont, e assim termina essa história. ─Ah! ─Olympia tampouco soube o que comentar a esse respeito. Instintivamente, suspeitou que não deveria ter sido algo tão simples, mas percebeu que não tinha o direito de continuar perguntando. ─Bem, acredito que isso não tenha nenhuma importância. ─Justamente. ─Entretanto, ─continuou Olympia, decidida a ter em conta apenas as coisas mais importantes, ─enfrentamos a uma lamentável situação, porque lady Beaumont o reconheceu esta tarde.
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─Eu não a chamaria de lamentável. ─disse Jared. ─Estranha, acho que seria um termo mais adequado. ─Bem, chame do nome que quiser. Mas, o importante é que temos que lidar com esse assunto. ─Eu tenho uma sugestão. ─Jared a observava fixamente. ─Eu também. ─Olympia começou a caminhar lentamente pelo estúdio. ─A resposta é óbvia. ─É mesmo? ─É claro! Temos que fazer as malas e retornar imediatamente à Upper Tudway. ─Se esse for seu desejo, podemos realizá-lo sem problemas. Mas, eu acredito que deixando Londres, não resolveremos o problema. ─Claro que sim. ─Olympia olhou significativamente para ele. ─Se formos bem rápidos, teremos partido antes que você se encontre com mais amigos e conhecidos. Uma vez em Upper Tudway, poderá continuar a passar-se por professor de meus sobrinhos. ─Não acredito... ─Eu poderia continuar trabalhando no diário. ─disse ela, com muito entusiasmo. ─Tudo será tal como era antes de virmos para Londres. ─Se bem me lembro, foi ideia sua que nos fizéssemos passar por marido e mulher, caso fossemos descobertos? Olympia avermelhou. ─Sei perfeitamente bem que foi tudo minha culpa. Mas, para ser justa, devo esclarecer que meu plano teria dado excelentes resultados se você tivesse sido o que aparentava ser, senhor, um homem simples, de berço modesto. O que estragou tudo foi o fato de você ser visconde, e também herdeiro do título de conde. ─Eu sei. ─disse Jared, desculpando-se. ─Antes, ninguém teria se importado nem um pouco com a nossa relação. Mas, seu sangue azul faz que nos convertamos na fofoca de toda Londres. ─Também sei disso, e me sinto responsável por tudo.
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Olympia suspirou. ─Não se culpe, senhor. Provavelmente, o que aconteceu foi inevitável, dado sua natureza e temperamento. Um homem de fortes paixões, sempre corre o risco de motivar rumores. De qualquer forma, se partirmos para Upper Tudway sem demora, os falatórios terminarão imediatamente. ─O dano já está feito. ─disse Jared. ─Já nos apresentamos como lorde e lady Chillhurst. Não podemos esperar que uma notícia assim simplesmente, desapareça. ─Da próxima vez que vier à Londres, deverá dizer que simplesmente, tudo não passou de uma brincadeira. ─respondeu Olympia, rapidamente. Jared a olhou. ─Você quer, realmente, que eu diga que não passou de uma brincadeira? ─Poderíamos tentar. ─disse Olympia, solenemente. ─Bem, você poderia dizer que eu era somente uma amiga. ─Uma amiga? Olympia franziu a testa. ─Bem, poderia dizer que era sua amante, ou uma jovenzinha perdida, ou o que lhe ocorrer. Eu sei que os cavalheiros costumam esconder seus namoricos em casas não muito distantes do centro da cidade. É algo que costuma acontecer com muita frequência. ─Maldição! ─Jared contraiu a mandíbula. ─E, o que aconteceria com a sua reputação, Olympia? ─Ninguém me conhece aqui em Londres e é muito pouco provável que esta bobagem chegue aos ouvidos de algum habitante de Upper Tudway. ─Olympia deixou de andar de um lado para o outro, e começou a tamborilar um sapato contra o chão. ─Além disso, não me importa que alguém fique sabendo. Já lhe disse antes, que não me preocupo com a minha reputação. ─E, o que me diz de mim? ─perguntou Jared, suavemente. ─Eu também tenho uma reputação a zelar. Olympia olhou para ele hesitante.
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─Acredito que poderá superar tudo isto sem causar muitos danos à sua reputação. ─Você tem absoluta certeza disto? ─Pelo menos não terá que procurar outro emprego como professor no futuro, não é verdade? ─ressaltou. ─E, não irá receber nenhuma notícia sobre a dama a quem seduziu. Afinal de contas, eu não tenho nenhuma posição na alta sociedade. E você, aparentemente, raramente vem à Londres, ou, quase nunca. Tudo o que precisa fazer é desaparecer da vista de todos, por alguns poucos meses. ─Tenho outra solução, Olympia. ─Sim? Qual é? ─Sugiro-lhe que convertamos isto em um fato. Podemos nos casar discretamente, por uma licença especial. Ninguém precisa saber exatamente, quando o casamento se realizou. ─Casar?! ─Olympia ficou com a boca seca. ─Com você? ─Por que não? Parece-me uma solução lógica para seu plano. ─Impossível. ─Olympia se recuperou e, rapidamente, percorreu o perímetro de sua escrivaninha. Desabou sobre a cadeira e inspirou profundamente, para tranquilizar-se. ─Absolutamente impossível, Sr. Chillhurst. Quero dizer, milord. Jared se ergueu e se virou para olhá-la, cara a cara. Plantou as mãos sobre a superfície da mesa e se inclinou para frente. A expressão de seu rosto pareceu esculpida em pedra. ─Por que não? ─perguntou-lhe, apertando os dentes. Olympia se sobressaltou. Logo semicerrou os olhos, negando-se a deixar-se intimidar por aquela ameaça ostensiva. ─Para começar, você é um visconde. ─E, então, o que tem isso? Olympia se sentiu frustrada com essa resposta. ─Eu não poderia ser considerada uma esposa adequada para um visconde ─Eu serei o juiz.
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Olympia piscou. ─Você está me propondo matrimônio apenas por causa da difícil situação em que estamos envolvidos. ─Eventualmente, eu a teria pedido que se casasse comigo de qualquer maneira, Olympia. ─É muito amável em me dizer isso, senhor, mas me permita o atrevimento de dizerlhe que não acredito nisso. ─Quer dizer que está me chamando mentiroso, Srta. Wingfield? ─perguntou Jared, recorrendo à formalidade. Olympia suportou o ataque. ─Não exatamente. Você está, meramente, comportando-se como o nobre cavalheiro que é. ─Maldição! ─Isto é o que se espera de alguém da sua estirpe. ─assegurou-lhe ela. ─Por outro lado, eu jamais poderia permitir que fique preso a um matrimônio que não deseja, quando não existe absolutamente, nenhuma necessidade de fazer tamanho sacrifício. ─Asseguro-lhe, Srta. Wingfield, que desejo esse maldito matrimônio. Tê-la em minha cama será uma compensação mais que suficiente pelo sacrifício que terei que me submeter. Olympia sentiu que seu rosto ficava rubro. ─Senhor, está falando motivado apenas pela paixão. Essa emoção deve ser desfrutada no momento oportuno, não há nada de errado nisso, mas não deve constituir-se em uma razão válida para um casamento. ─Estou em desacordo, Srta. Wingfield. ─Sem aviso prévio, Jared levantou suas mãos para tomar o rosto de Olympia entre elas, e a beijou ferozmente. Olympia surpreendeu-se tanto que nem sequer pode oferecer resistência. Abriu sua boca sob a dele e tremeu como sempre quando Jared a beijava. Esse calor tão familiar surgia na parte inferior de seu corpo. Gemeu suavemente.
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Jared a soltou e deu um passo atrás, para olhá-la com um olhar de feroz satisfação. ─Entre minha natureza apaixonada e a sua, Srta. Wingfield, suspeito que nos daremos muito bem. Dirigiu-se para a porta. Olympia engoliu em seco e tentou recuperar a fala. ─Um momento! Onde acredita que vai? ─Obter uma licença especial e a fazer todos os preparativos necessários para um casamento bastante discreto. É melhor se preparar para noite de núpcias, Srta. Wingfield. ─Agora, veja bem... Sr. Chillhurst. Quero dizer, lorde Chillhurst. Você ainda é, estritamente falando, meu empregado. Não tem o direito de ir dando ordens desse tipo, sem a minha permissão. Jared destrancou e abriu a porta. Deu um rápido olhar em torno. ─Se por acaso não notou, Srta. Wingfield, eu estive dando ordens e organizando toda esta família, desde o dia em que cheguei. E, mais, tenho muito talento para isto. ─Estou bem ciente disto, senhor, no entanto.... ─Não há nenhuma razão para que se preocupe com os detalhes desagradáveis do dia a dia, Srta. Wingfield. Essas questões não são seu forte. Apenas deixe tudo em minhas mãos. Jared saiu pela porta e a fechou com tanta força, que a fez tremer nas dobradiças. Olympia começou a levantar-se da cadeira, mas voltou a cair sobre a mesma com um gemido. Embora nunca tivesse tido a oportunidade de presenciar a ardente arrogância desse homem até o momento, sabia que não deveria surpreender-se por encontrá-la. Tinha tudo a ver com a sua natureza apaixonada. Entretanto, não deveria deixá-lo concretizar seu plano desastroso de casar-se com ela. Pois, afinal, esse homem era guiado pela paixão e pela honra, não pelo amor verdadeiro. Arrepender-se-ia de sua decisão impulsiva durante toda a vida, pensou Olympia, com tristeza. Aprenderia a odiá-la, e isso romperia o seu coração. Tinha que salvá-lo dessas paixões, pensou Olympia. Amava-o muito para permitir que ele levasse a cabo essas bodas. Além disso, analisando as coisas profundamente, toda
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essa confusão era culpa dela. Portanto, ela era a única pessoa que poderia resolver esse assunto.
Pouco antes do jantar, Jared escutou que batiam na porta de seu quarto. Acabara de sentar-se à pequena mesa que havia em seu quarto, para redigir uma carta para seu pai. ─Adiante. Levantou os olhos para ver que, quando a porta se abriu, apareceram os rostos de Robert, Ethan e Hugh, Minotauro fechava a pequena coluna que tinha entrado na habitação. Jared deu uma olhada para os rostos dos menininhos e deixou de lado a carta. Girou para um lado, apoiando um braço sobre o respaldo de sua cadeira. Robert esticou os ombros. ─Boa noite, senhor. ─Boa noite. Querem me dizer alguma coisa? ─Sim, senhor. ─Robert inspirou profundamente. Viemos aqui para saber se é verdade o que disse a Sra. Bird. Jared sufocou um impropério. ─O que, exatamente, disse a Sra. Bird? Os olhos de Ethan se acenderam de entusiasmo. ─Disse que você não é professor, e sim um visconde. ─Bem, ela disse uma meia verdade. Sim, é verdade que sou visconde, mas creio que meu trabalho como professor nesta casa, foi muito importante. Ethan olhou para seus irmãos, confuso. ─Bem, senhor, é verdade. Você é um professor muito bom, senhor. Jared inclinou a cabeça. ─Obrigado. Hugh franziu a testa, ansioso.
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─A questão é, senhor... Continuará sendo nosso professor, agora que se converteu em visconde? ─Tenho todas as intenções de seguir fiscalizando seus estudos. ─disse Jared. Hugh relaxou. ─Muito bem, senhor. Ethan sorriu. ─Essa sim, é uma boa notícia. Nós não gostaríamos de ter outro professor. Robert bufou, olhando para seus irmãos menores. ─Não viemos a falar disto. ─E, então sobre o que vieram a falar, Robert? ─perguntou Jared. Robert tinha os punhos muito apertados, ao lado do corpo, as palavras surgiram fluída e rapidamente, como se não pudesse parar de falar. ─A Sra. Bird diz que já conseguiu o que queria de tia Olympia, e que todos na cidade já sabem quem você realmente é, e que irá desaparecer da noite para o dia, por causa do escândalo que irá ocasionar, quando todos souberem que não está casado de verdade com tia Olympia. ─Desculpe-me, senhor. ─disse Ethan, antes que Jared tivesse tempo de responder. ─Mas, o que quer dizer “que fez o que fez” com sua tia Olympia? Robert olhou para ele. ─Cale-se, seu idiota. ─Só estava perguntando. ─defendeu-se Ethan. ─A Sra. Bird disse que você arruinou a tia Olympia, ─disse Hugh a Jared, ─mas, há pouco tempo atrás perguntei para tia Olympia se ela estava arruinada, e ela me disse que se sentia muito bem. ─Fico muito feliz em saber disto. ─disse Jared. ─Parece que existe mais alguma coisa. ─Robert se movia nervosamente. ─A Sra. Bird disse que a única maneira de consertar tudo isto, seria que se casasse realmente, com tia Olympia, mas que pessoas como você dificilmente fariam uma coisa dessas.
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─Temo que a Sra. Bird haja se equivocado sobre isso. ─comentou Jared. ─Já pedi a sua tia que se case comigo. ─De verdade? ─Robert se mostrou muito assombrado e em seguida semicerrou seus olhos. ─Senhor, nós não sabemos o que é o que está acontecendo por aqui exatamente, mas a única coisa que não queremos é que aconteça algo de errado com tia Olympia. Ela tem sido muito generosa conosco, como pode ver. Jared sorriu. ─Ela tem sido muito boa comigo também. E, minhas intenções são para que nada errado aconteça com ela. Robert sorriu, aliviado. ─Então, se você for cuidar dela, não haverá problemas, não é mesmo? ─Bem, ─disse Jared, ─ainda resta uma pequena dificuldade a ser resolvida antes de tudo estar solucionado, para minha completa satisfação. Mas, estou seguro de que não será nenhum obstáculo. O rosto de Robert se enrugou com uma nova preocupação. ─Que dificuldade é essa, senhor? Talvez, nós possamos ajudá-lo. ─Sim, nós o ajudaremos. ─disse Hugh, ansioso. ─Só precisa nos dizer o que fazer. ─disse Ethan. Jared estendeu as pernas, reclinou-se contra o respaldo e apoiou os cotovelos sobre os braços da poltrona. Uniu as pontas dos dedos. ─Pedi a sua tia que se case comigo, mas até agora, não me deu o seu consentimento. Tenho medo que até que ela me aceite, todo este assunto continuará um pouco confuso. Ethan, Hugh e Robert trocaram olhares preocupados. ─Existe, ─continuou Jared, ─certa urgência em tudo isto, na realidade, sua tia deveria tomar a decisão de casar-se comigo o quanto antes possível. ─Falaremos com ela. ─disse Hugh, imediatamente. ─Sim. ─coincidiu Ethan. ─Tenho certeza que a convenceremos que se case com você, senhor. A Sra. Bird disse que só uma louca recusaria a sua proposta de matrimônio,
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sob essas circunstâncias. E tia Olympia não é nenhuma louca. ─assegurou Robert a Jared. ─Às vezes se preocupa demais da conta. Sabe? É muito inteligente. Estou convicto que podemos convencê-la. ─Perfeito. ─Jared inclinou-se para frente e agarrou sua pluma. ─Então podem ir cumprir com sua tarefa. Eu os verei no jantar. ─Sim, senhor. ─Robert fez uma reverencia e liderou o caminho para a porta. ─Nos encarregaremos disto para você, senhor. ─disse Ethan a Jared. Ensaiou uma rápida e gentil reverência e saiu correndo atrás de Robert. ─Não se preocupe, senhor. ─disse Hugh em tom confidente. ─Tia Olympia é quase sempre muito razoável. Certamente poderemos persuadi-la que se case com você. ─Obrigado, Hugh, aprecio muito a colaboração de vocês. ─disse Jared, em tom solene. Minotauro se levantou do chão, meneou a cauda alegremente e trotou atrás dos garotinhos. Jared esperou até que a porta se fechasse atrás de seu pequeno bando de fiéis assistentes, antes de prosseguir com sua carta.
“Estimado senhor:
Quando receber esta carta, pretendo já estar casado com a senhorita Olympia Wingfield, de Upper Tudway. Não tenho palavras para descrevê-la. Só lhe direi que pode ficar tranquilo, pois será uma esposa ideal para mim. Lamento que esse casamento não possa ser atrasado para que pudesse presenciálo devidamente. Não obstante, será um prazer apresentar-lhe a minha esposa o mais breve possível. Com o afeto de sempre, Jared”
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Quando Jared estava selando a carta, escutou que voltavam a bater na porta. ─Adiante A porta se abriu e a Sra. Bird deu apenas um passo para o interior do quarto. Parou e olhou para Jared com expressão hostil. ─Vim para escutar com meus próprios ouvidos o que está acontecendo aqui. ─Veio, Sra. Bird? ─É verdade o que disse aos menininhos? Pediu à Srta. Olympia que se casasse com você? ─Sim, fiz isso, Sra. Bird. Mas, isso não é um assunto seu. A Sra. Bird pareceu momentaneamente sobressaltada.A seguir, assumiu uma expressão de profunda desconfiança. ─Se isso é verdade, por que a Srta. Olympia não está como qualquer outra mulher que está a ponto de casar-se? ─Provavelmente, porque recusou a minha proposta. A Sra. Bird olhou para ele horrorizada. ─Ela o recusou? ─Tenho receio que sim. ─Iremos nos encarregar disso imediatamente. ─A Sra. Bird balançou a cabeça. ─Essa mocinha às vezes tem uma atitude negativa para algumas coisas. A Srta. Sophy e a Srta. Ida enchiam a sua cabeça com coisas estranhas. Mas de qualquer maneira, faremos que encontre a razão. ─Confio em você para que a conduza nesta questão, Sra. Bird. ─Jared entregou-lhe a carta. ─A propósito, poderia encarregar-se de que esta carta seja despachada? Lentamente, a Sra. Bird pegou a carta de sua mão. ─Você é realmente um visconde? ─Sim, Sra. Bird. Eu sou.
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─Nesse caso, acho melhor a Srta. Olympia casar logo com você, antes que se arrependa e mude de ideia. Onde vai conseguir algo melhor que um visconde? ─Me alegro que pense assim, Sra. Bird.
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Capítulo 11
Olympia deixou sua pena e olhou, pensativamente, para a misteriosa frase que acabava de decifrar. “Procure o segredo sob o caudaloso mar da sereia.” Isso não fazia sentido. Do mesmo modo que tampouco havia sentido na advertência sobre o Guardião. Mas Olympia estava praticamente certa que era outra peça do quebra-cabeça. Antes que pudesse continuar analisando o problema, ouviu que alguém batia a sua porta. ─Entre! ─exclamou, ausente, pois estava concentrada no enigma. A porta se abriu. A Sra. Bird, Robert, Ethan e Hugh entraram no estúdio e se enfileiraram frente à sua mesa. Minotauro apareceu atrás de Hugh e tomou seu lugar no final da coluna. Relutantemente, Olympia abandonou o diário Lightboume, por um momento e levantou os olhos. Viu diante de si a fileira de rostos determinados, e os contemplou confusa. ─Boa tarde. ─disse Olympia. ─Algum problema? ─Sim. ─respondeu a Sra. Bird. ─Claro que há problemas. Robert, Ethan e Hugh assentiram com a cabeça, concordando com a resposta. ─Talvez, devessem consultar o Sr. Chillhurst, então. ─sugeriu Olympia, ainda concentrada na frase que acabava de decifrar. ─Ele é muito bom para solucionar problemas. ─Você está esquecendo, que ele agora é o visconde Chillhurst. ─disse bruscamente a Sra. Bird. ─Sim, tia Olympia. ─disse Ethan. ─Agora terá que chamá-lo de Vossa Senhoria. ─Ah, sim, é claro. Têm razão. Fugiu de minha mente, outra vez. Muito bem, consultem sobre esse problema com Vossa Senhoria. ─Olympia sorriu, distraída. ─Certamente irá solucioná-lo, como sempre o faz.
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Robert ergueu-se, muito nervoso. ─Peço-lhe que me desculpe, tia Olympia, mas o problema é você. ─Eu? ─Olympia olhou para a Sra. Bird, procurando uma explicação. ─Do que se trata? A Sra. Bird apertou as mãos ao lado de seus generosos quadris, e desenhou uma inflexível linha com a boca. ─O maldito pirata diz que pediu para que você se casasse com ele. De repente, Olympia ficou muito cautelosa. ─E, daí? ─Também disse que você não aceitou. ─continuou a Sra. Bird. Olympia deu um sorriso amável, porém determinado. ─Eu não posso me casar com um visconde, pois não? ─E, por que não? ─perguntou Robert. ─Sim, por que não? ─repetiu Ethan. Olympia franziu a testa. ─Bom, porque ele é um visconde. E, algum dia será conde. Não pode casar-se com alguém como eu. ─E, o que tem de errado com você? ─perguntou Hugh. ─Eu gosto muito do jeito que você é. ─Sim, é uma classe de mulher bastante agradável. ─disse Robert fielmente. ─E, mais... Você foi arruinada por Vossa Senhoria, Srta. Olympia. ─murmurou a Sra. Bird. ─E, é a única com quem ele quer casar. ─Já expliquei ao Sr. Chillhurst, quero dizer, ao lorde Chillhurst, que apesar de tudo, não está arruinada. ─disse Ethan. ─Disse-lhe que você estava muito bem, mas insiste em querer casar-se com você. ─É verdade. ─adicionou Hugh. ─E, nós também pensamos que você deveria casarse com ele. Se você não aceitá-lo, ele pode decidir ir embora, e, então, teremos que suportar um novo professor. Talvez, não possamos encontrar alguém que saiba como o capitão Jack
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fez para medir um largo ribeirão, sem cruzá-lo. E, tampouco, saberemos por que uma pipa pode voar. ─É uma questão de honra. ─explicou Robert com tristeza. Olympia sentiu outro calafrio desconfortável, que lhe havia atormentado o dia todo. Embora ela, como mulher do mundo, não se preocupasse muito com a própria reputação, precisava admitir que Jared era um homem orgulhoso. Sua honra devia ser de grande importância para ele. Se, realmente, acreditava que deveria casar-se com ela para satisfazer seu sentido de honra, ela não saberia o que fazer sobre isso. ─Quem disse que era uma questão de honra? ─perguntou Olympia cuidadosamente. ─Chillhurst disse-lhe isso, Robert? ─Eu fui a única que disse ao amo Robert, que era uma questão de honra. ─disse a Sra. Bird. ─E, é a pura verdade e você sabe, Srta. Olympia. Olympia olhou os rostos curiosos de seus sobrinhos. ─Talvez, devêssemos continuar com esta discussão em particular, Sra. Bird. ─Não. ─disse Robert imediatamente. ─Todos nós dissemos à Vossa Senhoria que falaríamos com você sobre este assunto. Olympia examinou Robert cuidadosamente. ─Vocês, realmente, disseram isso? ─Sim, e ele se mostrou muito feliz pela nossa colaboração. ─assegurou-lhe Robert. ─Entendo. ─Olympia endireitou-se em sua cadeira. O fato de que Jared tivesse recorrido a essa tática significava que ele estava bastante determinado em cumprir com seus objetivos. A Sra. Bird parecia haver-se dado conta de que as coisas tinham tomado um novo caminho. Depois de um eloquente olhar que Olympia lhe dirigiu, a mulher fez com que os meninos se calassem e os levou até a porta. ─Certo, então. Vocês três já disseram o que tinham para dizer, subam agora. Eu vou terminar de falar com a Srta. Olympia. Robert se mostrou cético.
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─Você irá nos chamar, caso precise de nós, Sra. Bird? ─Sim, fiquem tranquilos. Podem ir, agora. Os três meninos fizeram as reverências pertinentes e partiram para fora do recinto. Minotauro os seguiu. Assim que a porta do estúdio foi fechada, ouviu-se o estridente ruído de passadas e unhas caninas, através do corredor. Olympia escutou o barulho pelas escadas, que se repetia no corredor do andar superior. Ninguém corria, nem andava desse modo quando Jared estava perto, pensou. ─Devo entender que Vossa Senhoria não está em casa? ─Não, Srta. Olympia. Vossa Senhoria saiu. Vai estar ausente durante toda a tarde. ─A Sra. Bird levantou o queixo. ─Disse que tinha algo importante para fazer. Não me surpreenderia que tenha ido tirar uma licença especial. ─Oh, Deus! ─Olympia fechou o diário e se recostou na cadeira. ─O que vou fazer, Sra. Bird? ─Casar-se como homem. ─Não posso fazer isso. ─Por quê? Por um acaso, pensa não estar à altura de um visconde? ─Não, eu acredito que conseguiria aprender tudo o que é necessário para ser uma viscondessa correta. Não deve ser tão difícil. ─Então, qual é a verdadeira razão para não querer casar-se com ele? Olympia olhou para a janela. ─A verdadeira razão pela qual não quero me casar com ele, é porque ele não me ama. ─Ora. Eu já imaginava que fosse uma dessas bobagens. Agora, me escute Srta. Olympia, o amor não é a única razão para casar-se. ─Eu discordo, Sra. Bird. ─Olympia falou, distante. ─Não posso me imaginar casada com um homem que não me ama. ─Mas, parece não se importar em ter um caso com ele. ─disparou a Sra. Bird. Olympia fez uma careta diante da crua verdade.
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─Você não compreende. ─murmurou. ─Mas, é claro que eu entendo. Quando você vai aprender a ser prática? ─A Sra. Bird se inclinou para frente, agressivamente. ─Tem passado muito tempo entre esses livrecos que tem, estudando lendas, costumes de pessoas que não conhecemos, mas não aprendeu a usar a cabeça para as coisas que são verdadeiramente importantes. Olympia esfregou sua testa. Durante toda a tarde havia estado com dor de cabeça e quase nunca tinha enxaquecas. ─Ele só me pediu para casar com ele, porque sua noiva nos viu juntos, ontem, no Museu Mecânico de Winslow. ─Noiva? ─A Sra. Bird pareceu escandalizada. ─Esse maldito pirata tem uma noiva? Ele esteve vivendo em sua casa, pensando em arruiná-la, enquanto tinha uma noiva guardadinha em outro lugar? ─Não, não, ela é agora lady Beaumont. ─Olympia suspirou. ─Acredito que esse compromisso terminou há três anos. ─Por quê? ─perguntou a Sra. Bird. ─Porque eles não combinavam. ─Sei. Certamente, aí deve ter muita história. Eu aposto. ─A Sra. Bird tinha uma estranha expressão em seus olhos. ─Seria interessante averiguar o que aconteceu entre Vossa Senhoria e a sua noiva, há três anos. ─Por quê? ─perguntou Olympia, com uma expressão curiosa. ─Obviamente, não é um assunto que me diga respeito. ─Eu não estaria tão segura. Se, quer saber minha opinião, Vossa Senhoria é muito estranho. Claro que essas “pessoas de bem” são sempre muito estranhas. Mas, eu nunca vi, com estes olhos que a terra há de comer, alguém mais estranho que ele. ─Sra. Bird, você não conhece nenhuma “pessoa de bem”, como você as chama. Como poderia saber, então, sobre o seu comportamento normal? ─Eu sei que não está certo que alguém se faça passar por um professor, quando, na verdade, não é. ─respondeu a Sra. Bird, imediatamente.
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─Chillhurst tinha suas razões. ─Ah sim? ─A Sra. Bird franziu a testa, quando viu que Olympia voltava a esfregar a sua. ─O que está acontecendo com a cabeça? Está doendo? ─Sim. Talvez tenha que ir para cima, e descansar por um momento. ─Vou procurar um pouco do meu tônico de cânfora e amônia. Ele faz milagres. ─Obrigado. ─Olympia pensou que com isso, iria livrar-se da Sra. Bird, argumentando a favor da proposta matrimonial de Jared. Não queria continuar escutando os seu raciocínio lógico. Já bastava ter que ignorar os desejos do seu coração. Deveria manter os pés bem firmes na terra. A aldrava de bronze soou insistentemente, justamente, quando Olympia estava a ponto de deixar seu escritório. Os latidos de Minotauro eram ouvidos desde o andar de cima. ─Com certeza, deve ser Sua Excelência. Provavelmente, agora, que é visconde, não pode mais abrir a porta. ─A Sra. Bird saiu em direção. ─”As pessoas de bem” são muito arrogantes. Olympia calculou a distância até as escadas. Se, por um acaso, fosse rápida o bastante, poderia fechar-se em seu quarto, antes que Jared a encurralasse em seu estúdio. Estava caminhando nas pontas dos pés, para a porta, quando ouviu vozes no corredor. Ficou gelada ao reconhecer duas, das três. ─Verei se Sua Senhoria já chegou. ─disse a Sra. Bird em um tom que Olympia jamais havia escutado de seus lábios. Tinha um toque de desdém, completamente novo. Um momento depois, a Sra. Bird apareceu na porta do estúdio, com o rosto avermelhado e cheio de excitação. ─Duas damas e um cavalheiro vieram visitá-la. ─disse em voz baixa. ─Pediram falar com a viscondessa Chillhurst. Acreditam que você já esteja casada com o lord. ─Eu sei. Maldição. Isto tinha que acontecer. ─Vou levá-los para a sala de visitas. ─Diga-lhes que eu estou doente, Sra. Bird.
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A Sra. Bird empertigou-se com ares de um general disposto a entrar em um campo de batalha. ─Olhe, é melhor recebê-los, ou vão suspeitar que aqui está acontecendo alguma coisa estranha. Podemos lidar com essas pessoas. ─Não sem o Chillhurst. ─Sim, nós podemos! ─assentiu a Sra. Bird resolutamente. ─Vamos fazer de contas que você já é a viscondessa. Não vão notar a diferença, você vai ver. ─Meu Deus! Que confusão! Não estou pronta para lidar com este desastre, Sra. Bird. ─Não se preocupe com nada. Eu vou me encarregar de tudo. Ah, tome. O cavalheiro me entregou esses cartões. ─Deixe-me vê-los. ─Olympia pegou os cartões, olhou e protestou. ─Lady Beaumont, lady Kirkdale e alguém chamado Gifford Seaton. ─Eu vou preparar o chá. ─disse a Sra. Bird. Não tenha medo. Preciso lembrar-me de chamá-la de Sua Senhoria, perto dessas pessoas. Saiu correndo para a porta, antes que Olympia tivesse a possibilidade de detê-la. Com uma patética sensação de angústia, Olympia encaminhou-se lentamente, para a sala de visitas. Desejava que Jared chegasse naquele momento e a salvasse milagrosamente, dessa situação. Ele era tão bom para administrar essas coisas. Nesse momento, Olympia pensou que, se não o convencesse a seguir adiante com esse interlúdio romântico que compartilhavam, Jared talvez partisse deixando-a sozinha, para lidar com os problemas cada vez que a interrompessem dessa maneira tão desagradável. É obvio que ocupar-se dos detalhes da vida diária constituiria o menor dos seus problemas. Quando Jared fosse embora, partiria o seu coração. E, não tinha a menor ideia de como repará-lo. Demetria e Constance estavam sentadas uma em cada ponta do sofá. Vestidas de azul e amarelo claro, respectivamente, elas formavam um quadro elegante que destoava do ambiente bem modesto.
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Um lindo homem, aparentemente, um par de anos mais jovem que Olympia, estava de pé, perto da janela. Tinha a mesma cor de cabelo que Demetria. Vestia-se rigorosamente na moda, usava uma gravata com um nó muito intrincado, calças de pregas e um casaco muito bem cortado, com cintura marcada. ─Lady Chillhurst, ─Demetria sorriu serenamente do sofá, mas seus gélidos olhos estavam brilhando de curiosidade. ─Acredito que já foi apresentada à minha grande amiga, lady Kirkdale, ontem. Permita-me lhe apresentar, agora, ao meu irmão, Gifford Seaton. ─Sr. Seaton. ─Olympia inclinou a cabeça ao saudá-lo, do mesmo modo que via Jared, frequentemente. ─Lady Chillhurst. ─Gifford sorria para ela, enquanto caminhava ao seu encontro, com lânguida graça. Tomou a mão de Olympia, inclinou-se sobre ela e apenas a roçou com seus lábios. ─É um grande prazer conhecê-la. ─Gifford fez questão de fazer esta visita ─disse Demetria, ─Constance e eu decidimos acompanhá-lo. Gifford contemplava fixamente Olympia. ─Senhora, você não se parece em nada com a imagem que eu havia formado de você, a partir das descrições de minha irmã. ─Como devo entender o que isso significa? ─Olympia retirou sua mão. Pensou que a dor de cabeça estava deixando-a irritável. Desejou que toda aquela gente, tão elegantemente vestida, fosse embora imediatamente, e a deixassem em paz. ─Não foi minha intenção ofendê-la, senhora, ─esclareceu Gifford imediatamente, ─é que Demetria me disse que você era, obviamente, uma mulher de campo, e eu pensei que seu aspecto seria claramente evidente. Não esperava que fosse tão encantadora. ─Obrigado. ─Olympia não sabia como responder corretamente à cortesia. ─Suponho que seja melhor que sente-se, Sr. Seaton. Minha governanta irá trazer uma bandeja com chá. ─Não ficaremos muito tempo ─-disse Constance, ─entenda que só estamos aqui, por mera curiosidade.
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Olympia olhou para ela, inquieta. ─Por curiosidade? Demetria riu. ─Você deve você saber, minha querida, que Chillhurst e eu estivemos comprometidos para nos casar, um dia. Quando meu irmão soube, ontem, que Sua Senhoria finalmente, havia se casado, não conseguiu resistir à tentação de saber mais informações sobre você. O sorriso de Gifford parecia de gelo. ─Sua Senhoria tinha requisitos muito específicos para a mulher que fosse converterse em sua esposa. Senti curiosidade pela dama que havia conseguido satisfazer exatamente a esses requisitos tão especiais. ─Não tenho a menor ideia do que vocês estão falando. ─disse Olympia. Gifford sentou-se junto à janela. Parecia fascinado com Olympia. ─Muito bem, senhora, eu acredito que será melhor que esteja a par dos acontecimentos, antes de começar a movimentar-se em nossos círculos sociais. Não é nenhum segredo que Chillhurst pôs fim ao compromisso que tinha com minha irmã, quando descobriu a sua verdadeira condição financeira. Sabe? Erroneamente, acreditou que ela era herdeira de uma grande fortuna, como você pode ver. ─Não, eu não vejo nada. ─Olympia sentia-se como um camundongo, encurralado por três gatos famintos, que resolveram brincar com ele, antes do golpe final, que o mataria. Gifford semicerrou os olhos. ─Há três anos, Chillhurst disse que a única coisa que pretendia de uma esposa, era que lhe desse uma grande fortuna. ─Gifford, por favor. ─Demetria lançou um olhar recriminador para seu irmão e, sorriu ironicamente para Olympia. ─Chillhurst possui um título nobre, mas até mesmo sua própria família admite que ele tem o coração de um mercador. ─Com Chillhurst tudo é uma questão de negócios. ─Disse Gifford sombriamente.
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─Bom, Gifford, certamente lady Chillhurst deve cumprir os seus requisitos. ─disse Constance, não grosseiramente. ─Você parece ser uma criatura muito prática. ─O que a fez pensar uma coisa dessas? ─perguntou Olympia. Nunca, antes, havia sido chamado de prática, por alguém. Gifford franziu a testa. ─Bem, é evidente, não é? Deve ser muito rica, porque do contrário, Chillhurst jamais se casaria com você. E, Deus sabe que a fortuna dele já é imensa. Sem contar que a mantém aqui, isolada nesta casa, em uma área extremamente popular da cidade. ─Seu olhar de desprezo caiu sobre o modesto vestido de musselina que Olympia usava. ─Além disso, é evidente que não gasta muito dinheiro em roupa. Por conseguinte, podemos deduzir que tem um grande senso de economia, senhora. ─Chillhurst apreciará essa virtude. ─O sorriso de Demetria não chegou aos seus olhos e sua voz era áspera. ─Estou convencida que teve medo que eu gastasse até o último dos seus centavos. E, provavelmente, tinha razão. Eu adoro comprar coisas bonitas. Constance a olhou com um sorriso divertido. ─Sim, é verdade, Demetria. E, de maneira geral, as coisas bonitas tendem a ser caras também. ─Mas, vale a pena investir cada centavo nelas. ─adicionou Demetria. Os olhos de Gifford brilhavam repulsivamente. ─Chillhurst tem muito dinheiro. É rico como 3Creso. Não precisa casar-se com ninguém por interesse. Olympia abriu a boca, irritada, para protestar, mas se deteve ao perceber o olhar de desconforto que Demetria trocava com sua amiga.
3
Creso
Creso foi o último rei da Lídia, da Dinastia Mermnada, filho e sucessor de Aliates que morreu em 560 a.C.. Submeteu as principais cidades da Anatólia. Wikipedia
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Por pura intuição, Olympia, de repente, compreendeu por que pairava tanta tensão no ambiente. Demetria e Constance não desejavam visitá-la. Estavam ali apenas para, em vão, tentar controlar Gifford. Esse jovem estava carregado de ódio, de rancor acumulado e, aparentemente, essas emoções tão profundas, erm dirigidas a Jared. Olympia ficou pensativa. Demetria se apressou a intervir e distrair Olympia das maneiras grosseiras de Gifford. ─Deve desculpar o meu irmão. Apesar desse fato ter acontecido há três anos, ele ainda está muito aborrecido por Chillhurst ter recusado a bater-se em duelo com ele. Olympia praticamente parou de respirar. Ficou olhando Demetria por um instante e, em seguida para Gifford. ─Não me diga que realmente desafiou Chillhurst para um duelo? ─Não se ofenda, senhora, mas não tive escolha. ─Um tanto nervoso, Gifford ficou de pé e caminhou para a janela. ─Tratou a minha irmã da maneira mais inacreditável. E, eu me vi forçado desafiá-lo para um duelo. ─Bem, Gifford, ─Demetria voltou a lhe olhar com irritação, ─não existe mais necessidade de voltarmos a esse assunto, agora. Afinal de contas, já faz três anos, e felizmente já estou casada com outro. Olympia olhou para os ombros tensos de Gifford. ─Certamente, que essa história teve outros ingredientes além dos que você está me contando, Sr. Seaton. Gifford deu de ombros. ─Asseguro-lhe que não. Quando Chillhurst terminou o compromisso, o desafiei ao duelo. Disse-lhe que, em minha opinião, ele havia insultado grosseiramente, a minha irmã. Demetria suspirou suavemente. Constance tocou seu braço, em um gesto silencioso de conforto. ─O que disse Chillhurst quando lhe acusou de ter insultado Demetria? ─perguntou Olympia curiosa.
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─Como era devido, ofereceu suas desculpas. ─respondeu Demetria, para suavizar as coisas. ─Não é verdade, Gifford? ─Sim, maldito. Foi, exatamente, isto o que ele fez. Ofereceu suas desculpas e disse que não me enfrentaria no campo de honra. Maldito covarde, isso é o que é. ─Gifford, você não deveria dizer semelhantes coisas na frente de lady Chillhurst. ─disse Demetria, próxima do desespero. ─Preste atenção às palavras de sua irmã. ─adicionou Constance. ─Estou apenas contando os fatos a lady Chillhurst. ─grunhiu Gifford. ─Deve saber com que tipo de homem se casou. Olympia olhou para Gifford. ─Por um acaso ficou louco? Meu marido não é nenhum covarde. ─É claro que não é! ─disse Demetria rapidamente. ─Ninguém sonharia em acusar Chillhurst de covarde. ─Ora! ─Gifford apertou a boca. ─É um covarde e basta. Constance gemeu. ─Eu lhe disse que não era uma boa ideia acompanhar o seu irmão nesta visita, Demetria. ─E, que outra coisa eu poderia fazer? ─perguntou-lhe Demetria, em voz muito baixa. ─Estava totalmente determinado a vir aqui, hoje. A enxaqueca de Olympia se intensificava. ─Eu acredito que já tenha cumprido o meu dever com as visitas, por esta tarde. Agora, eu gostaria que tivessem a gentileza de se retirarem, por favor. Demetria emitiu uns sons tranquilizadores. Por favor, lady Chillhurst, eu lhe rogo que desculpe o meu irmão. Ele tem um temperamento muito impulsivo, e sempre tenta proteger-me. Gifford, você prometeu que não faria nenhuma cena. Por favor, desculpe-se com lady Chillhurst. Gifford semicerrou os olhos. ─Não vou desculpar-me por dizer-lhe a verdade, Demetria.
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─Desculpe-se, mesmo que seja apenas por causa de sua irmã. ─implorou Constance friamente. ─ Certamente, nenhum de nós vai querer ressuscitar velhos boatos. Seria muito doloroso para todos os envolvidos. ─Fez uma delicada pausa. ─Beaumont não ficaria nem um pouco feliz em escutá-las. Olympia percebeu que o último comentário pareceu ter dado um bom resultado. Gifford olhou para sua irmã, frustrado. A seguir, profundamente consternado, voltou-se para Olympia e inclinou a cabeça ligeiramente. Olympia já tinha aguentado o bastante. ─Não me interessam suas desculpas. Acontece que hoje estou muito ocupada. Se você não se incomodam... ─Não pense mal de nós, lady Chillhurst. ─pediu-lhe Demetria, enquanto colocava suas luvas. ─Nessa época, tudo foi muito desagradável, mas já estou cansada de falar com Gifford que o que aconteceu há três anos, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para todos nós. Não é verdade, Constance? ─Claro que sim! ─corroborou Constance. ─Se Chillhurst não tivesse deixado sem efeito o compromisso, Demetria jamais teria se casado com Beaumont. E, tenho plena certeza que é muito mais feliz com ele, do que teria sido com Chillhurst. ─Isso nem se discute. ─Demetria olhou para Olympia. ─Beaumont tem sido muito bom comigo, senhora. Estou muito satisfeita com a escolha que fiz para marido. Não quero que acredite que ainda continuo lamentando por Chillhurst. Nada poderia estar mais longe da verdade. Gifford amaldiçoou em um sussurro. A cabeça de Olympia pulsava a um ritmo intolerável. Perguntou-se como faria uma autêntica viscondessa para livrar-se de visitas que não queria receber. Desejou que Chillhurst retornasse. Ele, sim, saberia o que fazer. ─O chá, senhora. ─anunciou a Sra. Bird da porta, com suas novas e ensaiadas maneiras. ─Deseja que o sirva? Olympia levantou a vista, agradecida pela interrupção.
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─Obrigado, Sra. Bird. A Sra. Bird estava radiante quando entrou na sala, triunfante. Agarrava a pesada bandeja, carregada com toda a prataria e porcelana que havia encontrado na casa. Uma mulher magra não conseguiria levantar semelhante peso. Apoiou a bandeja sobre uma pequena mesa e começou a trabalhar com grande energia. As xícaras e pratos começaram seu concerto, assim como os talheres, ao chocarem-se com a porcelana. Demetria e Constance olharam para bandeja e para a Sra. Bird, com ironia. Gifford, com um sorriso de desdém. Olympia decidiu fazer outra tentativa para limpar a sala de seus visitantes indesejáveis. ─Desculpem-me, ─anunciou muito determinada, ─mas esta tarde não me sinto muito bem. Não sei o que vocês irão fazer, mas eu vou subir agora mesmo para o meu quarto, a fim de descansar um pouco. Todos se voltaram para olhá-la, atônitos. ─Mas, agora que acabei de trazer o chá? ─queixou-se a Sra. Bird, ofendida. Deixou o pesado bule. ─Não vou permitir que ninguém saia daqui sem que tenha tomado uma boa xícara de chá. ─Eu acredito que não tenhamos tempo de beber seu chá. ─disse Demetria, enquanto se levantava do sofá. ─Não, claro que não. ─Constance ficou de pé. ─Devemos nos retirar. ─Não se preocupem. Eu vou servi-las rapidamente. ─A Sra. Bird encheu uma xícara e a empurrou para as mãos de Demetria. ─Aqui está. Demetria, automaticamente, estendeu a mão para segurar o prato e a xícara, mas não conseguiu agarrá-lo antes que a Sra. Bird o soltasse. A xícara cambaleou e caiu. O lindo vestido azul de Demetria ficou todo salpicado de chá. Gritou baixinho e retrocedeu um passo. ─Oh, meu Deus! ─suspirou Olympia, resignada.
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─Ontem mesmo me enviaram este vestido. ─Demetria tentava limpar, furiosa, as manchas úmidas. ─Custou-me uma fortuna. Constance tirou um lenço branco de rendas, e começou a limpar as manchas do vestido de Demetria. ─Não foi nada, Demetria. Certamente, Beaumont irá comprar-lhe uma dúzia de vestidos novos. ─Isso não vem ao caso, Constance. ─Demetria olhou para a Sra. Bird profundamente aborrecida. ─Esta mulher é incompetente, lady Chillhurst. Como demônios pode tolerar que faça parte do seu pessoal? ─A Sra. Bird é uma excelente governanta. ─disse Olympia fielmente. ─É óbvio que o sou. ─A Sra. Bird agitava o bule de uma maneira ameaçadora. ─Trabalho para uma genuína viscondessa, não é verdade? O chá derramou sobre o tapete. ─Santo Deus! ─exclamou Constance, assombrada e divertida ao mesmo tempo. ─Isto sim é que é extraordinário. Espere até que nos encontremos com nossas amigas, no carteado desta noite, em casa dos Newbury. Não vão acreditar no que nos aconteceu. ─Vocês não têm direito a fazer intrigas sobre nós. ─respondeu Olympia. Ficou em pé, preparando-se para uma nova tentativa de fazer com que essas pessoas saíssem de sua casa. Uns gritos altos soaram no corredor. A voz de Hugh retumbou do alto das escadas. ─Volte aqui, Minotauro. Aqui rapaz. Venha! Um assobio agudo e penetrante seguiu o chamado. Garras caninas rasgaram o piso de madeira. Um minuto depois, Minotauro invadiu a sala de visitas. O cão se equilibrou para saudar os convidados de Olympia. No trajeto, a espessa cauda se enroscou na bandeja de chá. Duas xícaras caíram em pedacinhos no chão. ─Maldição! ─gritou a Sra. Bird. ─Agora vou ter que buscar mais. ─Nem se incomode! ─disse-lhe Demetria imediatamente.
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Constance retrocedeu alarmada, quando Minotauro se encaminhou para o sofá. ─Tire essa criatura de cima de nós! Minotauro girou sua enorme cabeça em direção à voz e, com a língua pendurada, foi em sua direção. ─Muito bem. ─Gifford parecia confuso. Começou a atravessar a sala, com a evidente intenção de agarrar o animal pela coleira. Minotauro ladrou, feliz. Aparentemente, tinha decidido que o desconhecido queria brincar. Olympia escutou que a porta principal se abria e fechava. Virou-se imediatamente, e viu que Jared entrava pelo vestíbulo. Dirigiu-se para a porta da sala de visitas, com as mãos plantadas nos quadris, para enfrentá-lo. ─Até que enfim. Já era hora de voltar para casa. ─Acontece alguma coisa de errado? ─perguntou Jared com toda gentileza. Olympia apontou com a mão a ruidosa e caótica cena que havia acontecido atrás dela. ─Espero que faça algo com todas essas pessoas que estão em minha sala de visitas. Jared avançou e examinou a sala com sereno interesse. ─Minotauro. ─disse, em voz baixa. Minotauro deixou de esquivar-se das intenções de Gifford para apanhá-lo e saiu disparado como uma flecha para receber Jared. Parou assim que chegou frente em a ele. Sentou-se sobre as patas traseiras e o olhou, esperando sua aprovação. Jared apoiou a mão sobre a cabeça do cão e este correspondeu ao gesto com o que pareceu ser um sorriso. ─Vá! ─ordenou-lhe Jared, sem levantar o tom de voz. ─Suba, Minotauro. Minotauro se levantou obedientemente, e saiu trotando da sala de visitas. Jared olhou para a Sra. Bird. ─Não se incomode pelo chá, Sra. Bird. ─Mas, ainda não tomaram nenhuma gota. ─protestou a Sra. Bird. Jared olhou para o Gifford com gélida cortesia.
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─Estou convencido de que nossos convidados não têm tempo para ficar e tomar o chá. Estavam a ponto de partir agora mesmo, não é verdade Sr. Seaton? Gifford olhou para Jared com evidente rancor, enquanto sacudia os pelos do cão que haviam ficado na manga do seu casaco. ─Sim, a verdade é que estávamos a ponto de ir embora. Já vimos o suficiente deste manicômio. ─Que tenha um bom dia, lady Chillhurst. ─disse Demetria. Tanto ela, como Constance saíram rapidamente em direção à porta. Gifford foi em seguida. Jared ficou de lado para permitir que todos partissem da sala de visitas. Olympia notou que Demetria olhava para Jared de esguelha, com ironia, quando passou ao seu lado. -─Você sempre foi uma pessoa bastante estranha, Chillhurst, mas esta casa sim, é que é muito peculiar, até mesmo para qualquer um dos membros de sua estranha família. Que raios você está fazendo, milord? ─As minhas questões domésticas, são assuntos meus, senhora. ─disse Jared. ─E, não volte a esta casa sem um convite. ─Bastardo. ─disse Gifford entre dentes, ao passar junto a ele. ─Só espero que sua pobre esposa saiba onde se meteu ao casar-se com você. ─Cale-se, Gifford. ─Demetria falou. ─Vamos embora. Temos outras visitas para fazer esta tarde. ─Duvido muito que sejam tão divertidas como esta. ─murmurou Constance. Os visitantes se dirigiram para as escadarias da entrada da casa. Jared fechou a porta atrás deles, sem incomodar-se em lhes acompanhar até o veículo que os estava aguardando. Voltou-se para Olympia. ─Não voltará a receber nenhum desses três. ─disse para ela. ─Eu fui bem claro? Foi a gota que faltava para acabar com a paciência de Olympia. Saiu em disparada para as escadas.
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─Não me dê ordens, Chillhurst. Não se esqueça que ainda sou eu quem manda nesta casa, e que você faz parte dos meus empregados. Tenha a gentileza de lembrar-se do seu posto e comporte-se como tal. Jared ignorou o ataque. ─Olympia, eu quero falar com você. ─Agora, não senhor. Eu tive um dia terrível. Vou subir para o meu quarto descansar por um momento antes do jantar. ─No meio da escadaria, deteve-se, e se virou furiosa para ele. ─Mudando de assunto, senhor. Precisou descer tão baixo, a ponto de pressionar meus sobrinhos e à Sra. Bird para me convencerem a respeito desse casamento? Jared se dirigiu para o pé da escada e se agarrou ao poste do corrimão. ─Sim, Olympia, eu fiz isso. ─Deveria sentir-se envergonhado, senhor. ─Estou desesperado, Olympia. ─Jared sorriu de uma maneira estranha. ─Farei qualquer coisa, direi qualquer coisa, me arrastarei por onde for preciso e utilizarei qualquer tática necessária para convertê-la em minha esposa. Ele falou a sério, pensou Olympia. Apesar de seu péssimo humor e de sua intensa enxaqueca, sentiu-se renovada. Sua última resistência derreteu-se como cera no fogo. ─Não há necessidade de continuar com essas manipulações, senhor. ─disse ela, ainda aborrecida com ele, e plenamente consciente dos riscos que estava correndo. Decidi me casar com você. Jared apertou com todas suas forças a parte superior da coluna esculpida. ─De verdade? ─Sim. ─Obrigado, Olympia. Farei tudo o que esteja ao meu alcance para que jamais se arrependa da decisão que tomou. ─Sei que, provavelmente, irei me arrepender, ─comentou ela, com pessimismo, ─mas, eu não vejo outra solução. Por favor, agora me deixe sozinha por um momento.
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─Olympia, espere um momento. ─Jared procurou seus olhos. ─Posso perguntar-lhe por que mudou de decisão desde a última vez que a vi, minha querida? ─Não. ─Olympia continuava a subir os degraus. ─Olympia, por favor, eu preciso saber a resposta. Minha curiosidade vai me comer vivo. Será que os meninos convenceram você a mudar de ideia? ─Não. ─Seria por causa da Sra. Bird? Eu sei que ela é muito preocupada com a sua reputação, mesmo que você não seja. ─A Sra. Bird não tem nada a ver com a minha decisão. ─Olympia estava próxima do topo da escadaria. ─Então, por que você resolveu a casar-se comigo? ─perguntou Jared. Olympia parou exatamente no patamar da escadaria e olhou para ele com fria altivez. ─Eu mudei de ideia, senhor, porque percebi que você é brilhante para gerenciar uma casa. ─E o que tem isso? ─perguntou-lhe, confuso. ─Ora, é muito simples, senhor. Eu não ousaria perdê-lo. Hoje em dia é muito difícil conseguirmos funcionários competentes, você sabe. Jared olhou para ela, atônito. ─Olympia, é verdade, que irá casar-se comigo porque posso organizar adequadamente a sua casa? ─Em minha opinião, essa é uma excelente razão para se casar. Ah! E há outra coisa, senhor. Jared a olhou com os olhos semicerrados. ─Sim? ─Por um acaso, você sabe o significado da palavra Siryn? Jared piscou. ─É uma sereia, uma criatura mitológica que atraía marinheiros incautos para a destruição.
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─Não estou me referindo a esse tipo de sereia, senhor. ─disse-lhe, impaciente. ─Refiro-me à sereia que se escreve “Siryn”. ─Siryn é o nome do navio no qual o capitão Jack navegava, enquanto exercia a atividade de bucaneiro, nas Índias Ocidentais ─disse Jared, ─por que está me perguntando isto? Ela aferrou o corrimão. ─Tem certeza? Jared encolheu os ombros. ─Isso é o que meu pai diz. ─Os desenhos das capas. ─sussurrou Olympia. Jared franziu a testa. ─O que tem isso? ─Os desenhos, nas capas do diário, representam navios muito antigos navegando em mares tormentosos, ondulantes, como você deve recordar. Um dos navios tem a figura de uma mulher na proa. Uma sereia, talvez. ─Disseram-me que o navio do capitão Jack tinha o desenho de uma sereia, na proa. Olympia esqueceu sua dor de cabeça. Recolheu suas saias e voltou a descer as escadas, rapidamente. ─Olympia, espere. Aonde vai? ─perguntou Jared, ao vê-la passar correndo ao seu lado. ─Estarei em meu estúdio. ─virou-se quando chegou à porta. ─Vou estar ocupada durante um bom momento. Encarregue-se que ninguém me incomode. Jared arqueou as sobrancelhas. ─É óbvio, Srta. Wingfield. Como parte do pessoal desta casa, será uma honra cumprir com suas instruções. Olympia fechou a porta do seu estúdio diante de seu nariz. Dirigiu-se para sua mesa e abriu o diário de Claire Lightboume.
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Ficou olhando fixamente o desenho que decorava capa inicial do diário, durante um longo momento, e a seguir, muito lentamente, pegou um canivete. Cinco minutos depois, ela conseguiu puxar para trás a imagem da vela do Siryn, navegando pelo mar ondulante, e descobriu o mapa que havia sido colocado sob ela. Era o mapa de uma ilha. Uma ilha desconhecida, nos mares das Índias Ocidentais. Mas, Olympia percebeu que o mapa não estava completo. Alguém havia cortado o mapa pela metade. A outra havia desaparecido. Havia um texto escrito ao pé do fragmento de mapa: “A Siryn e a Serpente devem unir-se, duas metade de um todo, um cadeado que aguarda a sua chave.”
Imediatamente, Olympia foi para o final do diário e viu a imagem de um navio navegando por um mar agitado. E, como deveria, imagem que estava na proa, era de uma serpente. Ansiosamente, Olympia removeu a imagem. Mas, não havia o menor sinal da outra metade do mapa.
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Capítulo 12
Jared colocou seu livro de anotações à esquerda de seu prato, no café da manhã. Pensou que esses elementos eram muito úteis, pois davam ao homem uma noção de controle sobre seu destino. Indubitavelmente, não era mais que uma grande ilusão, mas um homem tão vulnerável às paixões ardentes se aferrava com esforço a certas ilusões. ─Esta manhã, as aulas serão de oito até as dez horas, como sempre. ─disse Jared. ─Hoje, nós estudaremos geografia e matemática. ─Irá nos contar outra história do capitão Jack, enquanto estudamos geografia, senhor? ─perguntou Hugh, enquanto enchia, de uma só vez, a boca com os ovos. Jared olhou para ele. ─Não é correto falar enquanto estamos comendo. ─Peço-lhe desculpas, senhor. ─Hugh engoliu os ovos imediatamente, e sorriu. ─Pronto. Já terminei. Bem, qual será a história do capitão Jack? ─Sim, Sr. Chillhurst, quero dizer, meu senhor, ─disse Robert. ─Será que teremos outra história sobre o Capitão Jack? ─Eu gostaria de saber como o Capitão Jack desenvolveu um relógio especial, que media a longitude no mar. ─comentou Ethan, entusiasmado. ─Nós já ouvimos essa história. ─protestou Robert. ─Mas eu quero escutá-la novamente. Jared
secretamente
observava
Olympia,
que
estava
ausente,
mastigando
distraidamente, sua torrada com geleia de groselha silvestre. A expressão de seus olhos o incomodava. Era um olhar distante e preocupado desde que desceu para tomar o café da manhã. Não houve colisões acidentais bem planejadas, nos corredores, nem olhares ofegantes, nem beijos roubados e nem faces rosadas. Um modo pouco promissor para se começar um dia tão importante, pensou ele.
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─Eu acredito que há um conto bastante educativo referente aos cálculos de longitude, em uma das viagens do capitão Jack à Boston. ─disse Jared. Voltou a consultar seu livro de anotações. ─Quando terminarem as aulas matinais, acompanharei a sua tia Olympia à biblioteca da Sociedade para Viagens e Explorações. Com essa frase, Olympia, aparentemente, voltou à realidade. ─Excelente, há uma ou duas coisas que eu gostaria de verificar na coleção de mapas da sociedade. Ninguém jamais poderia adivinhar que hoje é o casamento dela, pensou Jared com profunda tristeza. Evidentemente, entusiasmava-lhe muito mais o projeto de ir à biblioteca para pesquisar velhos mapas, que o fato de casar-se com ele. ─Enquanto estiver trabalhando na biblioteca, ─continuou Jared, ─eu me reunirei com Félix Hartwell. Temos que discutir algumas questões de negócios. Robert, Ethan e Hugh voltarão a soltar pipa no parque. Quando terminarem, já será a hora do almoço. Ethan bateu com o salto de suas botas contra a trava inferior de sua cadeira. ─E o que faremos à tarde, senhor? ─Tenha a gentileza de não chutar a cadeira. ─disse Jared, distante. ─Sim, senhor. Jared olhou o próximo compromisso que havia anotado e sentiu que cada músculo da parte inferior de seu corpo se tensionava de antecipação e apreensão. O que faria se Olympia houvesse mudado de ideia? Ela não pode mudar de ideia. Não agora que Jared estava tão perto de possuir sua própria sereia. Não agora, quando a única mulher que tinha desejado com tanta paixão e intensidade, em toda sua vida estava ao alcance de sua mão. Não agora. ─Depois que tenhamos almoçado, ─prosseguiu, lutando para manter sereno seu tom de voz, ─sua tia e eu cumpriremos com as formalidades necessárias de nosso casamento. Todos os arranjos já foram feitos. Não levaremos muito tempo. Quando voltarmos...
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Prata chocando-se contra porcelana chinesa, foi o som vindo do extremo oposto da mesa. ─Oh, Deus! ─murmurou ela. Jared levantou os olhos bem a tempo de ver o frasco de geleia voar pelos ares. A colher que estava dentro, também caiu. Ethan sufocou um risinho. Olympia ficou em pé de um salto, para tentar limpar, com seu guardanapo, embora em vão, a geleia que derramou sobre o tapete. ─Deixe isso. ─disse-lhe Jared. ─A Sra. Bird se encarregará de limpar. Olympia olhou para ele hesitante, baixou os olhos e voltou a sentar-se. Portanto, não havia estado tão desinteressada nas bodas como aparentava. Alguma coisa relaxou dentro dele. Apoiou os cotovelos sobre a mesa, uniu as pontas dos dedos e analisou, concentrado, seu livro de anotações. ─Esta noite, o jantar será servido, antes do habitual, ─continuou, ─nós iremos ao Vauxhall Gardens4 ver os fogos de artifício.
4
A perspectiva de Vauxhall Gardens em 1751 Vauxhall Gardens ( Inglês pronúncia: / vɒksɔ ː l / ) foi um agradável jardim , um dos palcos principais para entretenimento público emLondres , Inglaterra de meados do século 17 até meados do século 19. Originalmente conhecido como New Spring Gardens , o site se acreditava ter aberto antes da Restauração de 1660 com a primeira menção a ser feita por Samuel Pepys em 1662. O Jardim consistia de vários hectares de árvores e arbustos com passeios atraentes. Inicialmente, a entrada era livre com alimentos e bebidas que estão sendo vendidos para apoiar o empreendimento. O local se tornou Vauxhall Gardens em 1785 e admissão foi acusado de obter suas muitas atrações. O Jardim chamou todos os tipos de homens e apoiados enormes multidões, com os seus caminhos a ser conhecido por designações românticas. Equilibristas, quente subidas de balão de ar, concertos e fogos de artifício desde diversões. A "tenda turca" rococó tornou-se um dos jardins "estruturas, o interior da Rotunda tornou-se uma
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Como era previsível, os meninos gritaram de entusiasmo. ─Excelentes planos, senhor. -disse Robert, com o rosto excitado. ─Nunca vimos fogos. ─comentou Ethan. ─Também haverá uma banda tocando música? ─perguntou Hugh. ─Espero que sim. ─disse Jared. ─E poderemos tomar sorvetes? ─Provavelmente. ─Jared olhou o rosto de Olympia para ver como reagia diante da perspectiva de celebrar suas bodas no Vauxhall Gardens. Jared pensou que, qualquer outra mulher, sentir-se-ia profundamente ofendida. Mas, repentinamente, os olhos de Olympia se acenderam. ─Uma maravilhosa escolha. Eu adoraria ver os fogos. Jared exalou um silencioso suspiro de alívio. Quem disse que, no fundo, ele não tinha uma alma romântica? Pensou. ─Poderemos ir passear pelo Dark Walk 5no Vauxhall? ─perguntou Robert, com duvidosa inocência. Jared soprou. ─O que você sabe sobre Dark Walk? ─Um dos garotos que conhecemos ontem, no parque, nos contou algo a respeito. ─explicou Ethan. ─Disse que era muito perigoso caminhar pelo Dark Walk.
das atrações mais vistos Vauxhall, e chinoiserie estilo era uma característica de vários edifícios. Uma estátua representando George Frederic Handel foi erguido no Jardim, que mais tarde encontrou seu caminho para a Abadia de Westminster. Em 1817, a Batalha de Waterloo foi reencenada com 1.000 soldados participando. Vauxhall Gardens foi localizado em Kennington , na margem sul do rio Tamisa , que não fazia parte da área urbana da metrópole até perto do final do Gardens 'existência. Parte do site é agora um pequeno parque público chamado Spring Gardens. Vauxhall foi fechada em 1840 depois que seus proprietários sofreu falência, mas reabriu em 1841. Ele mudou de mãos em 1842, e foi definitivamente encerrada em 1859.
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─É verdade, senhor. ─confirmou Robert. ─Disseram-nos que muitas das pessoas que entraram no Dark Walk não voltaram a ser vistas nunca mais. ─estremeceu. ─Você acredita que seja verdade, senhor? ─Não, não acredito. ─respondeu Jared. ─Um outro menino que conhecemos ontem no parque, nos disse que uma criada, que havia trabalhado muitos anos na casa dele, desapareceu no Dark Walk. ─informou-lhe Robert. ─Nunca mais ninguém voltou a vê-la. ─O mais provável é que tenha fugido com outro criado. ─respondeu Jared, fechando seu livro de anotações. ─Eu adoraria passear pelo Dark Walk. ─disse Robert, insistente. Hugh fez uma careta para ele do outro lado da mesa. ─Você só quer ir ao Dark Walk 6porque o menino no parque atreveu-se a ir. Mas, não seria a mesma coisa se fôssemos passear todos juntos. O Senhor Chillhurst estaria lá para assustar os bandidos. ─Isso é verdade! ─Ethan acrescentou triunfante. ─Os vilões não se aproximariam, caso Vossa Senhoria e o resto de nós, estivéssemos lá com você. Para vencer o desafio, você teria que caminhar sozinho, no escuro. Você teria muito medo de fazer isso, eu aposto. ─Sim, ─Hugh provocou, ─você ficaria com medo de dar um passeio no Dark Walk sozinho. Robert olhou para seus irmãos. ─Eu não tenho medo de caminhar na Dark Walk. ─Sim, você tem. ─disse Hugh. Jared arqueou uma sobrancelha para os gêmeos. ─Isso já é o bastante. Um homem inteligente não responde nem se incomoda com as provocações dos outros. Ele se coloca acima dessa loucura e baseia as suas próprias decisões
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Dark Walk – eram assim chamados os caminhos mais afastados, onde não havia iluminação e a vegetação abundante, não
permitia nem a passagem do luar. Portanto, eram preferidos pelos amantes e mal feitores.
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na razão e na lógica. Agora, se vocês terminaram seu café da manhã, podem ir se preparar para as aulas de hoje. ─Sim, senhor. ─Hugh deu um olhar ardiloso para Robert quando se levantou da cadeira. Ethan riu e ficou de pé. Robert, corajosamente ignorando seus irmãos, levantou-se e fez uma reverência para Olympia. Jared esperou até que ele e Olympia estivessem sozinhos. Então, olhou para o outro lado da mesa. ─Eu espero que a programação de hoje tenha a sua aprovação, minha querida? Olympia deu um pequeno suspiro. ─Sim. É claro que sim. ─Ela acenou com a colher de uma forma vaga. ─Você é muito bom com horários e programações. Eu confio muito em você para questões desse tipo. ─Obrigado. Eu faço o possível. Olympia fez uma careta. ─Você está rindo de mim, Chillhurst? ─Não, minha querida. É que conforme o tempo passa, eu me sinto cada vez mais bem humorado. Os olhos de Olympia brilharam com desconcertante percepção. ─Jared, por que você zomba de si mesmo e de suas próprias paixões? Será que é porque você não gosta de admitir que seja capaz de sentir fortes emoções? ─Através de minhas experiências, percebi que as paixões fortes têm em geral, um efeito negativo na vida de um homem. São levados a cometerem excessos, aventuras perigosas e comportamento irresponsável de todos os tipos. ─Somente as paixões descontroladas levam a finais tão ruins, ─disse Olympia gentilmente ─, suas paixões estão sempre sob controle, senhor. ─Ela ruborizou-se intensamente, ─exceto, talvez, quando você está em um envolvimento romântico.
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─Sim, ─disse Jared, ─exceto quando estou fazendo amor com você. ─Ele encontrou seus olhos. ─Você é a minha grande fraqueza, meu ponto mais vulnerável, o meu calcanhar de Aquiles. Minha sereia. ─Jared terminou seu café e colocou a xícara no pires com determinação. ─Você tem que me desculpar Olympia. Meus alunos me esperam. ─Jared, espere, há uma coisa importante que eu gostaria de dizer-lhe. ─Olympia estendeu a mão, conforme ele foi passando. ─É sobre a minha mais recente descoberta no diário Lightbourne. ─Minha querida, a única coisa que eu não vou discutir, no meu dia do casamento, é sobre esse irritante diário. Você sabe o quanto esse maldito diário me irrita. De uma vez por todas, eu não quero mais ouvir uma palavra sobre isso. Jared abaixou a cabeça e roçou sua boca sobre a dela. ─Mas, Jared... ─Tente reservar algum pensamento para a noite de núpcias que nos espera, sereia, ─ele ordenou suavemente. ─talvez, você ache quase tão interessante quanto o diário Lightbourne. Ele saiu da sala do café da manhã. ─Você quer que eu abra sua casa? ─Felix inclinou-se sobre a mesa para se servir de um copo de clarete. ─Certamente. Eu ficarei muito feliz em resolver esse assunto para você. Você vai precisar de pessoal, é claro? ─Sim. ─Jared bateu as pontas dos dedos, pensando rapidamente. ─Mas, você não precisa se preocupar com a governanta. Nós já temos uma. Felix deu-lhe um olhar desconfiado. ─Aquela que você trouxe de Tudway Superior? Duvido muito que ela vá saber como gerir a casa de um cavalheiro, aqui na cidade. Ela não teve experiência. ─Vamos administrar. Felix encolheu os ombros. ─Você é quem decide, é claro. Mais vinho? ─Não, obrigado.
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─Muito bem, então, permita-me brindar ao seu iminente casamento. ─Felix tomou um longo gole de clarete e colocou a taça sobre a mesa. ─Devo dizer que você conduziu esse assunto de uma forma muito incomum. Talvez, você já tenha herdado algumas tendências excêntricas da sua família, afinal de contas. ─Talvez. Felix riu. ─Você dificilmente poderá anunciar as boas novas ao mundo civilizado nos jornais, porque se acredita que você já esteja casado. Posso perguntar como você pretende comemorar esta importante ocasião? ─Levaremos os sobrinhos de minha noiva ao Vauxhall, esta noite, para ver os jogos de artifício. ─Vauxhall? Meu Deus! ─Félix fez uma careta. ─O que sua noiva pensa sobre esses planos? ─Ela fica feliz deixando essas decisões em minhas mãos. Sobre o outro assunto, Félix... ─Sim? Jared colocou a mão no bolso e tirou o lenço de Torbert. ─Quero que se encarregue de que isto volte para mãos do Sr. Roland Torbert. E, junto com lenço, vai transmitir-lhe uma mensagem. Félix olhou o lenço com curiosidade. ─Que mensagem? ─Você informará ao Torbert que, caso haja outro incidente como o que fez com que este lenço aparecesse abandonado, no jardim de lady Chillhurst, terá que acertar as contas pessoalmente, com o lorde. Félix pegou o lenço. ─Muito bem, mas duvido que esse indivíduo represente uma grande ameaça para você, Chillhurst. Torbert não é o tipo de homem que se intrometa nos jardins das damas.
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─Não, não acredito que eu deva me preocupar muito por ele. ─Jared estendeu suas pernas para frente e olhou para seu amigo. ─Tem mais uma coisa que eu quero saber. Você teve oportunidade de falar com os seguradores? ─Sim, e os resultados não foram melhores do que aqueles que eu obtive em minha investigação anterior. ─Félix ficou de pé, com expressão preocupada e começou a andar pela sala. ─Terá que aceitar que a pessoa que esteve por trás da má administração dos recursos foi o capitão Richards. Simplesmente, não existe outra explicação possível. ─Richards trabalhou para mim durante muito tempo, Félix. Quase tanto quanto você. ─Já sei, senhor. ─Félix balançou a cabeça. ─Lamento ter que ser eu a relatar sobre esses acontecimentos. Sei a importância que têm a lealdade e a honestidade para você. Compreendo como deve sentir-se por ter sido enganado por uma pessoa em que confiou durante anos. ─Já lhe disse, outro dia, que não gosto que façam de bobo.
Meia hora depois, o ruidoso veículo alugado parou em frente a casa dos Beaumont. Jared baixou. ─Espere-me aqui. ─gritou para o cocheiro. ─Não vou demorar muito. ─Sim senhor. Tirou o seu relógio de ouro do bolso e olhou as horas, enquanto subia as escadarias de entrada da casa. Havia deixado os meninos com a Sra. Bird, enquanto visitava Demetria. Não dispunha de muito tempo, pois precisa passar para pegar Olympia na biblioteca. Mas isso não era nenhum problema, pois não tinha muito para falar com Demetria. Quando a porta foi aberta, apareceu um mordomo cujo olhar de desaprovação não só abrangeu o inadequado traje do Jared, mas também se estendeu a seu transporte, tão inadequado como a roupa. Obviamente, todos os que visitavam a casa o faziam em seus veículos particulares, não em carros de aluguel.
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─Comunique a lady Beaumont que Chillhurst está aqui, e que deseja falar com ela. ─disse Jared, sem preâmbulos. O mordomo olhou para Jared, através da longa extensão do seu nariz. ─Seu cartão, senhor? ─Não tenho cartão. ─Lady Beaumont não recebe visitantes, antes das três horas da tarde, senhor. ─Se você não lhe avisar que estou aqui, ─disse-lhe Jared, muito elegantemente, ─vou me encarregar de fazê-lo pessoalmente. O mordomo ficou furioso, mas inteligentemente, retirou-se para o vestíbulo, para cumprir as instruções recebidas. Jared esperou nos degraus, até que a porta fosse aberta pela segunda vez. ─Lady Beaumont irá recebê-lo na sala. Jared não se incomodou em responder. Entrou no vestíbulo e deixou que lhe conduzissem para onde Demetria o estava esperando. Ela estava no final da sala, com suas saias de seda, azul e branca, artisticamente dispostas sobre o sofá. Quando Jared se aproximou, lhe sorriu tão distante como sempre. Seu olhar era frio e cauteloso. Ocorreu a Jared que sempre o havia olhado da mesma maneira: com frieza e indiferença. Três anos atrás, ele, interpretou erroneamente, com sendo autocontrole e disciplina em sua conduta pessoal. Nesse momento, acreditava que essas qualidades eram as que ele desejava em uma esposa. Mais tarde, descobriu que o que Demetria controlava e limitava era o desgosto que sentia por ele. ─Bom dia, Chillhurst. Mas, que surpresa. ─Sim? ─Jared observou com indiferença a luxuosa decoração da sala. As paredes estavam revestidas com seda azul. A lareira, de mármore branco esculpido. Pesadas cortinas de veludo azul emolduravam as janelas, de proporções clássicas, que davam para um enorme jardim. Tudo denotava a fria opulência que distinguia a fortuna dos Beaumont. ─Você se deu muito bem, Demetria. Demetria inclinou a cabeça.
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─Você realmente duvidou que eu conseguiria? ─Não. Nem por um segundo. ─Jared se deteve e estudou a mulher. Percebeu que combinava perfeitamente com essa sala de móveis tão caros. Ninguém que conhecesse Demetria, nesse momento, poderia adivinhar que alguma vez havia estado sem um centavo. ─Sempre foi uma mulher muito determinada. ─Os que não nasceram em berço de ouro, devem aprender a ser decididos ou nos resignar a viver na insegurança. Mas, você não entenderia esse problema, não é mesmo, Jared? ─É muito provável que não. Não havia nenhum sentido em perder tempo explicando o que ele já havia aprendido há muitos anos. Estava consciente que não interessaria a Demetria escutar a história de sua infância, repleta pela insegurança financeira e pelo caos emocional que havia em sua excêntrica e fanática família. Jared descobriu nesse momento que nunca havia discutido com Demetria esse tipo de coisas no passado. Claro, que ela tampouco tinha tido algum interesse. Só se preocupava com seu futuro e o de seu irmão. Demetria apoiou um braço, languidamente, sobre as costas do sofá. ─Deve ter uma razão muito específica para vir me visitar a esta hora, não é mesmo? ─É claro. ─É claro. ─A voz de Demetria revelava amargura. ─Você nunca faz nada sem uma razão muito específica, não é verdade? Toda sua vida é regida pela razão, seu relógio e seu maldito livro de anotações. Muito bem, então, me diga por que veio. ─Quero saber por que você, seu irmão e sua queridíssima amiga, lady Kirkdale, foram visitar a minha esposa, ontem? Demetria abriu os olhos desmesuradamente. ─Mas, Jared, que pergunta mais estranha. Simplesmente, quisemos lhe dar as boas vinda à cidade.
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─Guarde as suas mentiras para o seu marido. Certamente, na sua idade ficará feliz em poder acreditar nelas. Demetria apertou a boca. ─Você não tem o direito de julgar o meu casamento, Chillhurst. Não sabe nada a respeito. ─O que sei é que, provavelmente, esse casamento foi inspirado pela cobiça, de sua parte, e um grande desespero para ter um herdeiro, da parte de Beaumont. ─Vamos, Chillhurst. Nós sabemos muito bem que a cobiça e o desejo de ter um herdeiro são os fatores que caracterizam os casamentos no mundo aristocrático. ─Demetria apertou os cantos dos olhos especulativamente. ─Certamente, não vai querer me fazer acreditar que a união com essa estranha mulher que você escondeu em Ibberton Street se apoiou em sentimentos mais nobres, não é verdade? ─Não vim aqui para discutir sobre o meu casamento com você. ─Então para que você veio? ─Para avisar a você e ao seu irmão extremamente irritante, que se mantenham afastados de minha esposa. Não permitirei que nenhum de vocês brinque de gato e rato com ela, está entendido? ─E, o que o faz pensar que estávamos brincando com ela? Talvez, estivéssemos curiosos para ver que tipo de mulher havia conseguido preencher os seus requisitos. ─Deve estar muito entediada, por esses dias, para incomodar-se em visitar Olympia. ─Quer dizer que é insossa a esse ponto? ─Demetria olhou inocentemente para ele. ─Que peninha. Quanto tempo você acha que conseguirá manter seu interesse? Ou, você encontrou na sabichona aborrecida o par adequado para você? ─Basta, Demetria. ─Conseguiu o que queria, Chillhurst? ─Os olhos de Demetria expressaram uma ira fria. ─Uma mulher que se adapte a sua maldita agenda? Uma mulher que não sabe nada sobre paixão e que, por conseguinte jamais saberá que você padece penosamente da falta dela?
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─Não se meta em meus assuntos pessoais. ─Jared se virou para partir, mas se deteve. ─Você encontrou o que procurava, Demetria. Alegre-se. ─É uma ameaça, Jared? ─Acredito que sim. ─Bastardo arrogante, de sangue frio. ─Demetria fechou o punho, sobre as costas do sofá. ─É muito fácil para você fazer ameaças. Só porque nasceu com tudo, fortuna, um título e todo o resto, acredita-se muito superior a todos nós, não é verdade? Mas, sabe de uma coisa, Jared? Eu não invejo você. Jared sorriu. ─É um alívio escutar isso. ─Não tenho a menor inveja de você, milord. ─Os olhos da Demetria ardiam. ─Você está condenado a viver toda sua vida, sem conhecer o tipo de paixão que ferve o sangue. Nunca saberá o que é estar em um rio de emoções turbulentas, capazes de arrastá-lo indefinidamente. ─Demetria... ─Nunca irá aprender a doce alegria de estar com outra pessoa, cuja alma é exatamente como a sua. Você, com o seu coração de comerciante, nunca saberá o que é ter o poder de conseguir que uma mulher o corresponda. Não é verdade, Jared? Jared a olhou nos olhos e percebeu que ela estava se referindo a mesma tarde que ele. Foi um dia em que ele a beijou nos estábulos da ilha de Flame. Esse beijo não havia sido a casta carícia gentil de sempre. Tinha sido uma desesperada tentativa, por parte dele, em despertar uma resposta nela. Ele surpreendeu os dois com aquele beijo, mas não com a resposta que ela havia lhe dado. Ele sabia que ambos tinham percebido a verdade naquele dia. Não haveria paixão entre eles. Foi então quando Jared descobriu, pela primeira vez, que pretendia paixão da mulher que se casasse com ele. Supôs que estava em dívida com Demetria, por ter aberto os seus olhos diante da sua debilidade.
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─Terei que me arranjar da melhor maneira que puder. ─disse Jared. ─Tenha um bom dia, Demetria. E, que eu não volte a encontrá-los incomodando a minha esposa. E, aviso que afaste o seu maldito irmão da minha vista. ─Por quê? ─perguntou Demetria, obviamente alarmada. ─Não pode lhe fazer mal. Meu marido é um homem rico e poderoso. Protegerá Gifford de você, se for preciso. Jared arqueou as sobrancelhas. ─Seu marido está muito mais preocupado em encontrar uma cura para o mal que o aflige, para protegê-lo do idiota do seu irmão. Além disso, se quiser fazer um favor ao Seaton, pare de protegê-lo. Ele já tem vinte e três anos. É hora de de começar a ser homem de uma vez. ─Ele é um homem, maldito seja você. ─É um menino, com emoções selvagens e descontroladas. É malcriado, caprichoso e temperamental. Você o manteve confinado sob suas asas, superprotegendo-o em cada etapa de sua vida. Se quiser que ele cresça, deve deixar que ele aprenda a aceitar as responsabilidades de seus próprios atos. ─Toda a minha vida eu cuidei do meu irmão. ─defendeu-se Demetria com unhas e dentes. ─Não quero nem e nem necessito dos seus conselhos. Jared encolheu os ombros. ─Como quiser. Mas, se você ou Seaton voltarem a ficar no meu caminho, não pense que agirei como um cavalheiro pela segunda vez. Já fui uma vez, caso não se lembre. E, foi suficiente. ─Você não entende, ─grunhiu Demetria entre dentes, ─mas claro, nunca entendeu. Saia daqui, Chillhurst ou juro que o expulsarei aos pontapés. ─Não se incomode. Estou muito feliz por ir embora. Jared saiu em direção ao corredor sem se quer olhar uma única vez para trás. O mordomo havia desaparecido, mas Gifford estava justamente em pé, próximo à porta da sala de desenho, pálido de raiva. ─O que está fazendo aqui, Chillhurst?
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─Vim a visitar a sua encantadora irmã, mas isso não é problema seu. ─Jared evitou Gifford e se encaminhou para a porta de saída. ─O que disse a ela, seu maldito? Jared vacilou, com a mão na maçaneta. ─Vou repetir exatamente o que disse a ela. Não volte a se aproximar de minha esposa, Seaton. O lindo rosto de Gifford distorceu-se em uma expressão colérica. ─Nós sabemos que suas ameaças caíram no vazio. Você não pode me prejudicar. Beaumont é muito poderoso, até mesmo para você. ─Se eu estivesse em seu lugar, não confiaria na proteção de Beaumont, ─Jared abriu a porta, ─nem na de sua irmã. Gifford deu um passo adiante. ─Vá para o inferno, Chillhurst, o que quer dizer? ─Estou dizendo que se voltar a me ofender, aproximando-se de minha esposa me encarregarei de que pague por isto. ─Chillhurst, ─provocou-lhe Gifford, ─certamente não estará me ameaçando com um duelo, não é verdade? Nós dois sabemos que é muito razoável, muito sensato e muito covarde para arriscar-se a um encontro comigo no campo de honra. ─Percebi que não tem nenhum sentido continuar discutindo este assunto contigo. Já lhe avisei sobre isso, ─Jared foi em direção aos degraus da entrada e fechou a porta atrás de si. O carro de aluguel ainda esperava por ele na rua. ─Dirija-se à biblioteca da Instituição Musgrave! ─gritou ao cocheiro. ─Depressa, por favor. Tenho um encontro marcado. ─Abriu a porta e subiu. ─Sim, senhor. ─O cocheiro soltou um longo suspiro de sofrimento e deu rédeas aos cavalos. Jared acomodou-se sobre o assento, enquanto o carro se afastava da casa dos Beaumont. Pensou que Demetria havia errado quando lhe disse que estava condenado a uma
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existência carente de emoção. Nesse preciso momento, sentia-se vítima de um turbilhão de emoções, que excedia, e muito, toda a sua experiência anterior. Era o dia de seu casamento. Deveria sentir-se tranquilo, agora que seus planos começavam a dar frutos. Olympia logo seria dele, pela lei de Deus e dos homens. No entanto, havia despertado essa manhã com uma inquietação perturbadora, que ainda o incomodava. Não compreendia esse sentimento de aflição. Afinal de contas, estava a ponto de fazer sua esposa a mulher que tanto desejava. Mas não estava seguro do motivo pelo qual ela havia aceitado casar-se com ele. A princípio, Olympia havia se negado a casar-se com ele. E a seguir, mesmo depois da cena vivida com Demetria no dia anterior, ela anunciou que estava disposta a aceitá-lo como marido. Jared olhou as ruas cheias de atividades. Certamente Olympia não o teria aceitado apenas porque ele era capaz de manter a sua casa em ordem. Sabia que deveria haver algo mais. Tinha que haver algo mais. Ela o desejava, recordou-se. A lembrança de sua resposta apaixonada deveria deixálo tranquilo, mas, por alguma razão, não conseguia. Olympia havia dito claramente, que ela não se casaria com ele, apenas por uma questão física, nem tampouco, para salvar sua reputação. Era uma mulher do mundo, pensou ironicamente, esses conceitos não tinham nenhum valor para ela; não eram motivos para chegar a casar-se. Então, por que teria concordado em casar-se com ele, finalmente? Perguntou-se Jared, por milésima vez. Essa pergunta o havia atormentado desde o dia anterior. Estava convencido que alguma coisa que Demetria havia dito, ou feito durante sua visita teria impulsionado Olympia a aceitar a proposta de Jared. Mas, isso tampouco fazia sentido. A menos que esse enfrentamento na sala de visitas houvesse servido, efetivamente, para que Olympia percebesse
que deveria casar-se para manter as aparências. Afinal,
pensou, uma coisa era falar sobre enganar a todos, fazendo com que acreditassem que estavam casados, e outra muito diferente, era levar adiante esse “engano.” Apesar do seu discurso mundano, Olympia era uma inocente mulher que vivia em uma pequena aldeia do
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interior. Ela não tinha a menor ideia de onde estaria se metendo, quando propôs fingir que estava casada com ele, e que todos acreditariam, sem causar o menor problema. Claro, pensou Jared, que quando Olympia arquitetou o seu plano, jamais imaginou que teria que dizer que havia se com um visconde. Acreditava que ele fosse apenas um professor. Foi obrigado a reconhecer que o plano da moça teria dado bons resultados, se ele não a tivesse enganado desde o começo da relação. Jared sabia que a culpa por toda essa situação degradante, era exclusivamente sua. E, sem dúvida nenhuma, merecia sofrer pela incerteza, atormentar-se com perguntas que não sabia como formular e equilibrar-se, precariamente, no abismo que o separava da esperança, ou do desespero. Essas eram as consequências das paixões incontroláveis. Tudo bem, sorriu com pesar, ficou evidente que nada era seguro e definitivo uma vez quando um homem se entregava à fúria tormentosa do desejo. Tudo o que podia fazer era lutar para manter-se flutuando. Em algumas poucas horas, desfrutaria de sua noite de núpcias. Não permitiria que nada se interpusesse entre ele e o que mais desejava no mundo. Essa noite, quando a levasse para sua cama, Olympia seria sua esposa. Desfrutaria do ato de amor mais sublime, com a certeza de que finalmente teria um direito tangível sobre ela. Talvez, não tivesse certeza dos motivos dela ter aceitado casar-se com ele, mas, ao menos, teria plena certeza que Olympia o desejava com a mesma intensidade que ele a ela. Não era o suficiente para satisfazê-lo, ele sabia, mas era muito mais do que havia tido com Demetria.
Os fogos de artifício que explodiam nos céus de Vauxhall Gardens eram tão espetaculares que quase conseguiam distrair Olympia do torvelinho de seus pensamentos. Estava casada. Ainda não podia aceitar a realidade de seu novo estado civil. Casada com o Jared. Não parecia possível. A pequena cerimônia, conduzida com eficiência por um pároco da periferia de Londres, no início da tarde, tinha um toque de irrealidade. Estavam unidos para sempre.
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E, se houvessem cometido um terrível engano? Pensou Olympia, desesperada. O que aconteceria se Jared jamais aprendesse a amá-la do mesmo modo que ela o amava? Não tinha dúvidas de que ele a desejava, recordou. Talvez, pudesse construir o amor apoiando-se nos pilares da paixão. Deveria fazê-lo. Mas, paixão não era amor. Ela era uma mulher do mundo. Tia Sophy e tia Ida haviam lhe ensinado a importância do amor, ensinaram como o amor era, e como não era. Olympia sabia muito bem que havia uma grande diferença entre o desejo físico e um compromisso mais profundo, mais sério. Amava Jared com todo seu coração, mas não tinha certeza se ele poderia amá-la. Jared não confiava nas fortes paixões. Ridiculariza suas próprias paixões e tentava controlá-las com firmeza. Exceto quando fazia amor com ela, pensou Olympia. Apertou com força sua bolsa, enquanto observava uma nova explosão de luzes no céu escuro. Exceto quando fazia amor ela... Essa noite, ela sentia-se tão atrevida e insolente quanto qualquer aventureiro que se dispunha a encontrar um tesouro lendário. Estava arriscando tudo na louca aventura para converter a paixão de Jared em amor. ─Oh! Olhem isso! ─exclamou Ethan, fascinado, quando uma cascata colorida desceu do céu. Olhou para Jared que estava em pé junto a ele. ─Você já algo tão lindo, senhor? ─Não, ─disse Jared, mas estava olhando para Olympia, não para os foguetes. ─Acredito que nunca tenha visto algo tão lindo. Com o canto do olho Olympia vislumbrou o fogo controlado do olho de Jared. Nunca o havia achado tão perigoso O olhar inflamado e brilhante de Jared acendia faíscas no interior da moça, tão incandescentes e assombrosas como aquelas sobre suas cabeças. Cada vez que Jared a olhava desse modo, Olympia sentia-se realmente bela, uma verdadeira deusa. ─Eu gosto muito da música. ─exclamou Hugh. ─Não é emocionante, tia Olympia?
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─Oh, sim! ─Olympia percebeu que sua voz falhava, por falta de ar, e viu que em Jared desenhava-se um sorriso de conhecimento. Ele sabia perfeitamente bem que ela estava pensando no modo que ele a tocaria hoje à noite, e não na música. ─A canção de uma sereia. ─Jared murmurou, apenas para os seus ouvidos. ─E, eu não posso resistir a ela. Olympia arriscou um novo olhar para o seu perfil imperturbável, implacável, e quase derreteu diante da expectativa masculina que viu em seu rosto. Jared a segurou pelo braço e a música soou mais forte. A multidão presente no Vauxhall parecia maravilhada. ─Deve haver milhares de pessoas aqui esta noite. ─observou Robert. ─Duas ou três mil, pelo menos. ─disse Jared. ─E, isso significa que seria muito fácil que qualquer de vocês se perdesse. ─Examinou os rostos entusiasmados dos meninos. ─Quero que cada um de você me prometa que não irão se afastar de minha vista. ─Sim, senhor. ─disse Robert, obedientemente. Ele parou para aplaudir uma nova chuva de fogos explodindo nos céus. ─Sim, senhor. ─Ethan aplaudia entusiasmado, com toda sua atenção concentrada na multicolorida exibição. Hugh olhava a orquestra, um tanto distraído. ─Sim, senhor. É muito difícil tocar um instrumento, senhor? Jared olhou Olympia nos olhos. ─Requer muito tempo e dedicação, ─explicou calmamente, ─mas, quase tudo que vale a pena requer a mesma coisa. Se quisermos ter êxito de verdade, devemos nos esforçar para conseguir o que desejamos. Olympia soube que Jared não se referia ao exercício de aprender a tocar um instrumento. Jared estava falando diretamente para ela. Não estava segura do significado da mensagem, mas pressentiu que ele estava comprometendo-se de alguma forma. Sorriu tremulamente para ele, consciente do pesado anel de ouro que ele havia colocado em seu dedo, poucas horas antes.
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─E os tambores? ─insistiu Hugh. ─Talvez não seja tão difícil de aprender. ─Sem dúvida, o piano seria mais satisfatório. ─Você acha? ─Hugh olhou seriamente para ele. ─Sim, ─Jared sorriu rapidamente. ─Se você tiver interesse em aprender a tocar um instrumento, farei os preparativos necessários para que um instrutor venha ensiná-lo. Hugh estava fascinado. ─Eu adoraria, senhor. Olympia tocou o braço de Jared. ─Você é muito bom para todos nós, milord. Jared beijou o dorso de sua mão enluvada. ─É um prazer. ─Onde está Robert? ─perguntou Ethan de repente. ─Estava aqui agora mesmo. ─respondeu Hugh. ─Talvez tenha ido comprar um sorvete. Eu também quero um. Olympia voltou à realidade, com profunda preocupação. Olhou rapidamente ao redor. Não havia sinal de Robert entre as pessoas entusiasmadas que se encontravam ali para ver os fogos. ─Sumiu, milord, ele prometeu que não se afastaria, mas nãoconsigo achá-lo. Jared soltou a mão de Olympia, com um palavrão sussurrado. ─O Dark Walk. Olympia olhou para ele. -O que disse? ─Suspeito que Robert não tenha resistido à tentação de dar um passeio pelo Dark Walk. ─Oh, sim! Ele falou sobre esse desafio esta manhã. ─Olympia se alarmou pela expressão preocupada de Jared. ─Esse Dark Walk é realmente muito perigoso? ─Não, ─respondeu Jared, ─mas, não é esse o ponto. Robert me prometeu que não se afastaria de minha vista, e agora desapareceu.
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─O senhor vai bater nele? ─perguntou-lhe Ethan, inquieto. Hugh franziu a testa. ─Foi por causa da aventura, senhor. Foi por isso que ele desapareceu. ─Os motivos não são importantes. ─disse Jared com uma calma sinistra. ─O que importa é que quebrou o seu voto. Mas isso é entre Robert e eu. Muito bem, agora estou deixando a sua tia aos cuidados de vocês, enquanto eu vou procurar Robert. Espero encontrar os três aqui quando eu voltar. ─Sim, senhor. ─sussurrou Ethan. ─Nós cuidaremos de tia Olympia. ─assegurou Hugh. Jared olhou para Olympia. ─Não se preocupe, Olympia. Robert está bem. Voltarei com ele dentro de alguns momentos. ─Sim, é claro. ─Olympia pegou a mão de Hugh e estendeu a outra para segurar a de Ethan. ─Esperaremos aqui até vocês voltarem. Jared se virou e partiu. Em questão de segundos se perdeu na multidão. Hugh apertou muito forte a mão de Olympia. Seu lábio inferior estava trêmulo. -Acredito que o Sr. Chillhurst, quero dizer Sua Senhoria, está muito, mas muito zangado com o Robert. ─Tolices, ─disse Olympia, tentando tranquilizá-lo. ─Está simplesmente, aborrecido. ─Talvez ele deixe de gostar de todos nós por causa do Robert. ─adicionou Hugh preocupado. ─Depois de tudo, pode decidir que somos muito trabalho e preocupação. Olympia se inclinou para falar com o Hugh. ─Acalme-se. Chillhurst não vai nos abandonar por causa de Robert, nem por outro motivo qualquer. ─Dificilmente ele poderá fazer isso conosco, não é? ─disse Ethan, um pouco mais animado. ─Afinal de contas, ele casou-se com você ti Olympia, portanto está preso a todos nós, não é mesmo? Olympia olhou para Ethan.
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─Perfeitamente certo. Ele está preso a nós todos. Era um pensamento preocupante. Todo o clima de expectativa e emoção de Olympia havia se evaporado. Se fosse ao fundo da questão, chegaria à conclusão que Jared havia se casado com ela por motivo de honra e paixão. E agora, ele estaria preso a ela.
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Capítulo 13
Jared pensou que deveria ter imaginado que Robert não resistiria à tentação de caminhar pelo Dark Walk. Era sua culpa que o rapazinho tivesse desaparecido. Estava pensando em sua noite de núpcias, e não em suas responsabilidades. A paixão havia governado seus pensamentos durante o dia todo, e agora estava pagando as consequências, como acontecia toda vez que a paixão estava envolvida. A miríade colorida das lanternas de Vauxhall começara a ficar cada vez mais escassa, à medida que se aproximava de Dark Walk. A pálida luz da lua provia uma claridade muito pobre. A música e o ruído da multidão se desvaneceram a suas costas quando se aprofundou nos vastos jardins. As árvores estavam muito mais próximas umas das outras no caminho mais escuro que se estendia em várias direções. Quando Jared passou a um setor particularmente compacto de vegetação e folhagem, ouviu o suave e sensual sorriso de uma mulher, seguido do baixo e ansioso murmúrio de um homem. Mas, não havia o menor sinal de Robert. Jared estudou nas sombras minuciosamente, pensando que talvez houvesse calculado errado. Talvez Robert não tivesse ido até ali, afinal de contas. Nesse caso, o problema era muito maior do que o que ele havia imaginado. As expectativas que havia tido por sua iminente noite de núpcias perderam-se na distância. Nesse ritmo, ele teria muito sorte de ter todos em casa e a salvos à uma da madrugada. Tudo o que havia organizado para essa noite estava indo por água abaixo. As folhas se agitaram à beira do caminho. Um homem tossiu. ─Mmm. Vossa Senhoria, por um acaso, não conhece um endinheirado chamado Chillhurst, pois não? Jared deteve-se, quando escutou o rouco murmúrio que interrompeu seus pensamentos. Virou-se em direção ao denso matagal que estava à esquerda do seu caminho. ─Eu sou Chillhurst.
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─Foi exatamente isso que pensei. Disseram-me que tinha um parche no olho. Parecendo um maldito pirata. ─disse. ─Quem lhe disse isso? ─Meu patrão. ─Um homem extremamente magro, de baixa estatura, saiu de entre as árvores, com sua boina suja marrom, sua camisa manchada e suas calças muito folgadas. Interpôs-se no caminho de Jared e lhe sorriu com sua dentadura incompleta. ─Boa noite, Vossa Senhoria. Uma excelente noite para os negócios, não é mesmo? ─Isso depende. Quem é você? ─perguntou-lhe Jared. ─Vamos ver... ─O magricela empertigado coçou o queixo, refletindo. ─Tenho amigos que me chamam de Tom, o Viajante. ─Sorriu. ─Você também me pode chamar assim. ─Obrigado. Mas como aparentemente, você já sabe quem sou eu, será melhor que nos esqueçamos das apresentações, e que nos dediquemos ao assunto que nos interessa. Tenho um compromisso muito importante para esta noite. Tom, o Viajante assentiu animado. ─O remelento me disse que você está sempre muito ocupado com seus compromissos, e os cumpre ao pé da letra, da mesma forma que eu. Assim como você, sou homem de negócios, do tipo do homem que me mandou aqui, esta noite. E, um homem de negócios deve dar muita atenção aos seus compromissos, não é? ─Correto. ─Nós, os homens de negócios, devemos saber como tratar uns aos outros. ─Tom, o Viajante meneou a cabeça pesaroso. ─Não como o outro. ─Que outro? ─perguntou Jared, pacientemente. ─Do tipo boa pinta e cheio de blá, blá, blá, mas que não tem cérebro. Tenho certeza que você deve saber sobre o que estou falando. Os que ficam descontrolados com assuntos simples de negócios. Começam a agitar suas pistolas e a fazer ameaças. ─Sim, já conheço essas pessoas.
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─Mas, também tem pessoas, como nós, milord. ─Tom, o Viajante balançou a cabeça. ─Homens que têm a mente fresca e usam a lógica, em vez da paixão para tomar decisões de negócios. Não deixamos que o sangue ferva por uma simples questão financeira, não é? ─Não teria nenhum sentido. ─concordou Jared. ─Ah, e onde está o remelento, se me permite perguntar? ─Seguro. Escondido fora daqui. Bem, se o quiser de volta e em tempo hábil, será melhor que irmos direto aos negócios. ─Estou ao seu dispor, ─Jared tentou controlar-se para não permitir que sua expressão demonstrasse a sua preocupação por Robert. Não ganharia nada demonstrando a sua emoção. Tom, o Viajante tinha razão. Pelo bem de Robert, a questão deveria ser tratada como uma simples transação comercial. Jared havia passado por uma situação muito parecida, meses atrás, na Espanha. Nessa ocasião, negociara a liberação de seus primos com dois bandidos muito experientes. Aparentemente, estava destinado a resgatar os outros das consequências de seus comportamentos negligentes. Quem me resgataria? Perguntou-se. Deixou de lado essa pergunta fugaz, para concentrar-se no assunto que tinha nas mãos. O peso da adaga que levava dentro da jaqueta dava-lhe tranquilidade, mas ele detestava usá-la. A experiência lhe dizia que a violência era o último recurso, desnecessário, a marca das negociações fracassadas. De modo geral, havia métodos melhores para enfrentar os problemas. Métodos mais serenos, mais saudáveis e mais razoáveis. ─Fico feliz em ouvir isto. ─disse Tom, o Viajante, piscando um dos olhos para dar a entender que ambos eram homens do mundo. ─Bem, olhe, é muito fácil. Meu cliente quer algo de você e, em troca, entregar-lhe o menino. ─E, o que é que o seu cliente quer de mim? ─Bem, isso ele não me disse. Mas, cá entre nós, milord, eu acredito que será uma importante soma de dinheiro. Tenho certeza que você já sabe como são essas coisas.
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Disseram-me que a única coisa que eu teria que fazer era tirar o remelento daqui e lhe entregar a mensagem. O resto não é assunto meu. ─Que mensagem? ─perguntou Jared. Tom, o Viajante subiu a calça e assumiu um ar importante. ─Amanhã vai receber uma carta aonde irão lhe dizer para ir a um lugar, a uma certa hora. Nessa mesma carta, lhe dirão o que tem que levar para esse lugar. ─Isso é tudo? ─Temo que sim, senhor. ─Tom, o Viajante encolheu os ombros. ─Como já lhe disse, a minha parte nisto tem uma natureza limitada. ─Posso perguntar-lhe quanto o seu cliente está pagando por seus esforços nesta noite? ─perguntou Jared, suavemente. Tom, o Viajante olhou para ele com profundo interesse. ─Uma pergunta muito pertinente, se me permite dizer, milord. Realmente muito pertinente. Eu, justamente, acredito que não me pagaram muito bem por todo o tempo que dediquei e pelos problemas que tive. ─Não me surpreende. Você disse que o seu patrão era um homem de negócios e esse tipo de gente está sempre procurando uma boa pechincha, não é mesmo? ─Para eles é tão normal como respirar, milord. ─E, eu sei que um homem de seu talento deve cobrar muito alto pelo seu tempo. ─Jared tirou o seu relógio do bolso e fez uma careta, pensativo. Estava tão escuro que não conseguia ver a hora, mas havia luar suficiente para revelar o brilho do ouro. ─Sim senhor, é verdade. ─Os olhos de Tom, o Viajante brilharam ao verem o lindo relógio. ─Tempo é dinheiro para um homem de negócios. Jared deixou que o relógio ficasse pendurado em seus dedos. ─Para homens ocupados, como nós, nada substitui à eficiência. As transações efetuadas satisfatoriamente em poucos minutos, no lugar de várias horas, permitem que alguém possa fazer vários negócios, com altos rendimentos em uma só noite, ao invés de apenas um.
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─Se me permitir, senhor, direi que você compreende prodigiosamente bem as coisas. ─Obrigado. ─Jared balançava constantemente o relógio, fazendo com que ele brilhasse a cada movimento. ─Eu sugiro senhor, que economizemos uma grande quantidade de aborrecimento, chegando a um acordo aqui e agora. Tom, o Viajante olhava para o relógio assim como uma truta olha para a isca. ─Talvez, senhor. Talvez... ─O que o seu cliente lhe ofereceu por seus serviços? Tom, o Viajante semicerrou os olhos. ─Quarenta libras. Vinte de adiantamento, e o resto quando eu entregasse a mercadoria. Estava mentindo, pensou Jared. Não teriam pago ao Tom, o Viajante mais de vinte, quando muito. O relógio de ouro valia muito mais. ─Muito bem, então, arredondemos o valor. ─Jared fechou os dedos em torno do relógio. ─Como já lhe disse, tenho um compromisso muito importante esta noite. Dou-lhe este relógio se me devolver o menino. Se aceitar, poderá obter seus benefícios imediatamente, em lugar de ter que esperar até manhã. ─O relógio, né? ─Tom, o Viajante ficou considerando a oferta. ─Bem, ninguém me garante que meu cliente pague a outra metade que me deve, não é mesmo? ─Não. ─Jared fez uma pausa. ─A menos que conheça a sua identidade e possa caçálo até que lhe pague. ─Eu não sei seu nome e ele não sabe o meu. Prefiro trabalhar com um intermediário, sabe? É mais seguro para todos. ─Muito inteligente. ─Jared ocultou sua irritação. Tudo teria sido muito mais simples se pudesse conhecer a identidade do cliente nessa mesma noite. Agora teria que perder tempo tentando localizá-lo. ─Sim, senhor. Sou muito precavido em meu trabalho. Bom, e com respeito ao relógio...
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─A caixa do relógio é de ouro maciço, como certamente você pode ver. Devo acrescentar que é maravilhosamente trabalhado de modo artesanal. O fecho foi feito a partir de uma placa muito valiosa. Vale cento e cinquenta libras, mas você poderia guardá-lo como uma lembrança desta noite, em lugar de vendê-lo a um atravessador. ─Uma lembrança, né? Meus amigos ficariam muito impressionados, não? ─Tom, o Viajante umedeceu os lábios e tornou a subir a calça. ─Em troca vai querer recuperar o menino, não? ─Claro. Eu o quero de volta esta noite mesmo. ─Jared olhou para Tom, o Viajante. ─Tenho coisas mais importantes para fazer amanhã, do que perder meu tempo pagando recompensas. ─Entendo, senhor. ─Tom, o Viajante sorriu o seu sorriso branco e negro. ─Siga-me Vossa Senhoria e terá tudo terminado dentro de poucos minutos. Tom, o Viajante abandonou o atalho e meteu-se na densa folhagem. Jared voltou a guardar o relógio no bolso, e colocou uma mão no interior de seu casaco. Segurou no punho da adaga, mas não tirou de sua bainha camuflada. Levou vários minutos para atravessar o caminho entre a vegetação e sair à rua. Uma vez fora dos jardins, Tom, o Viajante caminhou pelas várias fileiras de coches que esperavam e correu para uma viela estreita. Um pequeno coche de aluguel aguardava em meio às sombras. O cocheiro, envolto por uma capa imunda, estava encolhido no assento. Sobressaltou-se ao ver Jared. Lentamente, baixou sua garrafa de gim e a colocou debaixo da boleia. ─Antes de mais nada, o que está acontecendo? ─grunhiu o cocheiro para o Tom, o Viajante. ─Eu não sabia nada sobre este cara vir junto. ─Não virá conosco. ─esclareceu Tom, o Viajante, tentando acalmar os ânimos. ─Ele e eu entramos em acordo, em um assunto de negócios. Vamos entregar-lhe o remelento. ─Em troca do que? ─perguntou asperamente o cocheiro. ─De um relógio que custa o triplo do que nos pagaram.
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O cocheiro olhou para Jared com desconfiança, e colocou a mão em sua capa de várias camadas: ─Bom, então, por que não nos levamos o relógio e remelento também? Jared avançou um passo para Tom, o Viajante e passou seu o braço pelo magro pescoço. Tirou a adaga de seu casaco e sustentou a ponta da arma contra sua garganta. ─Eu gostaria de deixar todo este assunto como uma questão de negócios, ─disse num murmúrio ─mas, se quiserem podemos complicar um pouquinho mais. ─Acalme-se, milord. ─disse imediatamente Tom, o Viajante. ─O meu amigo é um pouco nervoso. Não tem cabeça fria, como você e eu. Mas, como é meu empregado, irá fazer o que eu lhe disser. ─Então, diga-lhe que tire a pistola que tem no bolso e que a jogue no chão. Tom, o Viajante olhou furioso para o cocheiro. ─Faça o que ele diz, Davy. Ganharemos muito dinheiro com apenas uma noite de trabalho. Pare de complicar as coisas. ─Tem certeza que podemos confiar nele? ─Davy parecia cético. ─Caramba, homem! ─resmungou Tom, o Viajante. ─Até o meu cliente disse que ele cumpria ao pé da letra os acordos que fazia. ─Está bem, então. Se, tem tanta certeza. ─Eu tenho certeza que não quero que ele me corte a garganta. ─queixou-se Tom, o Viajante. ─Agora, ponha para fora do carro o remelento, e vamos embora. O cocheiro hesitou brevemente e, então, saltou de seu assento. Abriu a porta do veículo e puxou Robert, que estava amordaçado e com os braços amarrados, e o jogou para fora, sobre as pedras. ─Aí está. ─grunhiu o cocheiro. ─Agora, quero que nos dê o relógio que Tom disse que vai nos dar. ─Empurrou Robert para Jared. Robert cambaleou para frente, sem saber aonde ia, mas tinha os olhos arregalados de medo. Jared baixou a ponta da adaga antes que o menino pudesse vê-la. Virou a arma e a apontou contra as costas de Tom, sustentando-a ali.
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─Por aqui, Robert. Robert levantou a cabeça imediatamente, ao escutar o suave comando de Jared. Deu uma exclamação que foi abafada pela mordaça. O temor de seus olhos havia desaparecido. Foi substituída por uma expressão de alívio. Jared colocou a adaga em sua bainha escondida. Deu um passo para trás e tirou seu relógio do bolso. Em seguida, deu em tom, o Viajante um empurrão proposital, na direção do coche. ─Fora daqui. ─disse Jared. ─Nosso negócio terminou. ─E, o meu relógio? ─murmurou Tom, o Viajante. Jared o lançou, desenhando um amplo arco no ar. A caixa de ouro brilhou na escuridão, graças à luz da lua. Tom, o Viajante o pegou no ar, com uma exclamação de satisfação. ─É um prazer fazer negócios com você, senhor. ─disse Tom, o Viajante. O relógio desapareceu em seu bolso. Jared nem se incomodou em responder. Pegou Robert e o tirou o mais rápido que podia daquele beco escuro, para conduzi-lo à relativa segurança da rua. Uma vez ali, tirou a mordaça. ─Você está bem, Robert? ─Sim, senhor. ─A voz de Robert parecia muito alterada. Jared desatou as cordas com que o haviam amarrado os punhos. ─Bom, já está livre. Vamos embora daqui. Sua tia e seus irmãos estão esperando por você. E, devem estar muito preocupados. ─Deu a eles o seu relógio. ─Robert olhou para Jared, atônito. ─E, você me deu sua palavra de honra que não se afastaria da minha vista. ─Jared conduziu Robert, por entre os coches parados, em direção aos jardins. ─Lamento muito, senhor. ─disse Robert, quase num murmúrio. ─Eu quis ir sozinho ao Dark Walk, pelo desafio, entende?
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─E, esse desafio era mais importante que a sua palavra de honra? ─Jared caminhava rapidamente para a área bem iluminada onde havia deixado Olympia e os gêmeos. ─Pensei que estaria de volta antes que notassem minha ausência. ─disse Robert, envergonhado. ─Já é suficiente. Discutiremos isto pela manhã. Robert deslizou outro olhar para Jared. ─Temo que esteja muito zangado, não é verdade? ─Sinto-me muito desapontado, Robert. É muito diferente. ─Sim, senhor. ─Robert ficou em silêncio. A exibição de jogos artificiais havia chegado ao fim, mas a banda ainda continuava tocando entusiasticamente no pavilhão. Olympia esperava com os gêmeos, que estavam inquietos e aborrecidos. A ansiedade de seus olhos desvaneceu assim que viu Jared e Robert caminhando em sua direção. ─Eles estão ali! ─disse, com alívio evidente. ─Estávamos a ponto de ir buscá-los no Dark Walk. ─É verdade. ─corroborou Ethan. ─Tia Olympia disse que estaríamos seguros, desde que ficássemos juntos enquanto procurávamos por vocês. Jared pensou no que poderia acontecer se Olympia e os meninos tivessem chegado, inoportunamente, enquanto ele negociava com Tom, o Viajante. A ira e a preocupação contidas durante a última meia hora, saiu de controle. ─Eu disse que era para você ficar aqui com os gêmeos. ─disse suavemente. ─Quando dou uma ordem, espero ser obedecido, senhora. Olympia olhou para ele como se tivesse sido esbofeteada. Mas, imediatamente, compreendeu a situação. ─Sim, milord. ─respondeu gentilmente. Olhou imediatamente para Robert. ─Que aconteceu, Robert? Onde você esteve?
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─Um vilão me sequestrou em Dark Walk. ─disse Robert, com certo toque de orgulho. Olhou para Jared e a excitação morreu em instantes. ─Tirou-me dos jardins e me disse que ficaria comigo até de manhã. ─Oh! Isso é uma brincadeira, não é? ─perguntou Ethan. A expressão de Hugh estava entre a incredulidade e o assombro. Virou-se para Jared para que confirmasse o que Robert estava dizendo. ─É tudo uma brincadeira, não é verdade, senhor? Ninguém sequestrou o Robert. Ele está brincando conosco. ─Temo que Robert esteja lhes dizendo a verdade. ─Jared segurou o braço de Olympia e a conduziu para a saída dos jardins. ─Como? ─Olympia se liberou da mão de Jared e segurou Robert pelos ombros, o atraindo para ela. ─Robert, é verdade? Alguém sequestrou você esta noite? Robert assentiu e baixou a cabeça. ─Eu não deveria ter ido sozinho ao Dark Walk. ─Meu Deus! ─Olympia abraçou Robert, desesperada. ─Você está bem? ─Sim, é claro! ─Robert lutou para libertar-se do abraço de Olympia e eesticou seus ombros. ─Eu sabia que o Sr. Chillhurst, quero dizer, que Sua Senhoria, viria ajudar-me. ─O que eu não sabia, era se viria nesta mesma noite. Pensei que teria que esperar até manhã. ─Mas, por que tentaram sequestrá-lo? ─perguntou Olympia. Olhou para Jared. ─Não entendo. O que esse vilão queria? ─Não sei. ─respondeu Jared. Voltou a segurar em seu braço e tirou o grupo dos jardins, em direção às ruas. ─Confesso que não perdi muito tempo para descobrir os motivos que se ocultam por trás de tudo isto. ─Deus bendito! ─sussurrou Olympia. ─Só existe uma razão pela qual alguém iria querer sequestrar o Robert. ─E, qual é? ─perguntou Hugh ansiosamente. ─Deve ter estar atrás do diário Lightboume. ─afirmou Olympia, com profundo pesar.
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─Maldição! ─murmurou Jared. ─Quem pegou Robert tinha a função de pedir um resgate. ─explicou Olympia. Essa maldade só poderia ser perpetrada por um indivíduo. Jared percebeu tardiamente, até onde a mente inventiva de Olympia a estava levando. ─Olhe, Olympia... ─Foi o Guardião, ─assegurou Olympia. ─Você não percebe? Tem que ter sido ele. Temos que detê-lo antes que aconteça alguma coisa terrível. Talvez tenhamos que contratar a um investigador da Bow Street 7para rastreá-lo. Acha que teríamos bons resultados, milord? Para Jared foi o bastante. ─Maldita seja, Olympia, será que poderia deixar de tagarelar sobre esse condenado Guardião? Essa pessoa não existe. Se alguma vez existiu, deve ter morrido há muitos anos. Além disso, este não é o momento, nem o lugar para dar asas as suas fantasias tolas. Jared sentiu que Olympia havia ficado tensa. Os três rapazes olharam para Jared em silenciosa reprovação. Jared sussurrou uns palavrões, contra si mesmo. Sabia que a ira que estava sentindo era dirigida, em grande parte, à sua própria pessoa. Falhou com suas responsabilidades. Deveria ter vigiado mais de perto Robert. Em vez disso, dedicou-se exclusivamente a pensar em sua noite de núpcias. O conhecimento disso só serviu para alimentar o mau humor de Jared. Não conseguia parar de pensar no quanto tinham estado perto do caos total, e de como tudo teria complicado ainda mais se Olympia seguisse o seu plano de ir buscá-los, com os gêmeos. E, ainda por cima, estava atribuindo todo esse assunto ao Guardião. Um homem não deveria sofrer tantos contratempos em sua noite de núpcias, pensou Jared, enquanto fazia um gesto para um carro de aluguel. Embora, fosse ele o único responsável por aquela situação. 7
Os Bow Street Runners são conhecidos como a primeira força policial profissional de Londres. A força foi fundada em 1749 pelo escritor Henry
Fielding com somente seis homens, de início.[1]Bow Street runners era o apelido dado pela população a esses oficiais, "apesar de os oficiais nunca se referirem como escoteiros (runners), considerando o termo depreciativo". [2] O grupo acabou somente em 1839.
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─Como conseguiu libertar Robert, milord? ─perguntou Ethan, com sua inesgotável. ─Sim, senhor, ─repetiu Hugh, enquanto subia à carruagem. ─como fez para resgatar o Robert? Foi Robert quem respondeu. Deslizou um sóbrio olhar para Jared e a seguir, olhou para outro lugar. ─Vossa Senhoria entregou ao vilão o seu relógio, em troca da minha liberdade. ─Seu relógio? ─Ethan abriu os olhos desmesuradamente. Um silêncio profundo caiu sobre a cabine às escuras. Quando a carruagem começou a andar ruidosamente, todos olharam assombrados para Jared. ─Ai meu Deus! ─murmurou Olympia. ─Inferno! ─sussurrou Ethan. ─Não consigo acreditar! ─disse Hugh. ─O seu lindo relógio, senhor? Pagou com ele pelo Robert? Robert sentou-se, muito ereto. ─É a verdade, não é, milord? Você entregou o seu relógio ao vilão, em troca da minha liberdade. Jared olhou para cada um deles, até que, finalmente, voltou ao Robert. ─Discutiremos esse assunto amanhã pela manhã, às nove em ponto, Robert. Silêncio caiu outra vez sobre a cabine. Ciente por ter sido quem pronunciou a última palavra, pelo menos, no momento, Jared descansou sobre as almofadas e ficou olhando, pensativamente, pela janela. Pensou que havia sido um prelúdio horroroso para uma noite de núpcias. Perguntou-se por que, ultimamente, nada em sua vida saía como ele planejava.
Uma hora e meia depois, Olympia caminhava de um lado para o outro em seu pequeno quarto. Olhou para o relógio que havia sobre a escrivaninha pela quarta vez, desde que colocou a camisola e sua bata de chintz. Não havia ruídos na habitação de Jared. Há quase uma hora a casa estava em silêncio. Todos, exceto Jared, estavam deitados. Até
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Minotauro havia ido para a cozinha. Imediatamente depois que Jared ordenou a todos que se retirassem a seus aposentos, fechou-se em seu estúdio, com uma garrafa de brandy e ainda continuava ali. Era sua noite de núpcias, embora Olympia já deixara de contemplá-la com desejo e antecipação. Para falar a verdade, nem sequer tinha certeza que teria sua noite de núpcias. A atmosfera do mau humor de Jared pairava por toda a casa. Olympia a sentia, embora não a compreendesse totalmente. Tentou convencer-se que Jared estava assim, devido aos extraordinários acontecimentos dessa noite. Era uma explicação razoável para esse mau humor. Afinal de contas, tinha feito muitas concessões recuperar Robert, que, por sinal, não deveria ter ido sozinho aquele lugar. Por outro lado, Olympia supôs que Jared deve ter passado por momentos muito desagradáveis negociando com os vilãos para que libertassem Robert. E, era terrível que tivesse que desfazer-se do seu adorado relógio. Portanto, Olympia percebeu que os eventos ocorridos esta noite, seriam bastante para alterar qualquer pessoa, inclusive, o imperturbável Jared. Entretanto, pensou, nem mesmo Jared tinha o direito de ser tão desagradável na sua noite de núpcias. Chegou até um extremo do quarto, virou-se e caminhou para o lado. Ficando cada vez mais inquieta. Ela rezou para que Jared não estivesse reavaliando sua situação, lá embaixo, no estúdio. E, se os acontecimentos desta noite houvessem bastado para que Jared começasse a duvidar seriamente de haver se casado com ela? Pensou Olympia. E, se ele chegasse à conclusão que ela e os seus sobrinhos fossem uma carga muito pesada para aguentar? E, se Jared estava lá embaixo, bebendo conhaque para esquecer que estava preso com aquelas criaturas do andar de cima? Olympia parou em frente ao espelho que estava sobre sua penteadeira e franziu a testa ao ver sua imagem. Pensou que não era totalmente sua culpa por ela e Jared serem obrigados a casar-se. Foi Jared quem começou tudo, quando apareceu em sua casa, apresentando-se como o novo professor dos meninos. Desde o princípio ele a havia enganado. E, mesmo ela compreendendo as razões que o motivaram, também não servia para
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aliviá-lo de sua própria culpa. Além disso, ela havia contratado Jared imediatamente, e ele jamais renunciou ao seu cargo. Olympia levantou o queixo. E, pensando bem, Jared não tinha direito de tratar a sua inocente empregadora com tanta rabugice, justamente em sua noite de núpcias. Motivada por suas justas decisões, Olympia endireitou a touca que usava na cabeça, ajeitou melhor a faixa de sua bata e se dirigiu para a porta. Abriu-a e saiu ao silencioso corredor. Do alto das escadas, pode ver a luz de uma vela por baixo da porta do estúdio. Ergueu a postura, desceu as escadas e atravessou o pequeno vestíbulo de baixo. Levantou a mão para bater na porta, mas mudou de ideia imediatamente. Apoiou-a sobre o trinco e girou. Com a cabeça bem erguida, entrou no estúdio e fechou a porta atrás de si. Parou de repente ao ver Jared. Foi afetada por sua imagem muito mais do que havia imaginado. Estava esparramado na cadeira de Olympia, com aparência relaxada de uma besta carnívora. Suas botas estavam arrogantemente apoiadas sobre a mesa, como se ele fosse o dono do estúdio e de tudo o que havia nele. O casaco havia sido descartado há muito tempo. A única vela que iluminava o ambiente, indicava que estava com a camisa aberta até a metade do peito. Tinha em uma das mãos uma taça de brandy pelo meio. O parche de veludo negro que cobria seu olho esquerdo só servia para que o brilho de seu outro olho parecesse mais intimidante. ─Boa noite, Olympia. Pensei que estaria profundamente adormecida, a essa hora. Olympia recuperou as forças, para defender-se desse desagradável tom de voz. ─Desci para falar com você, Sr. Chillhurst. Jared arqueou uma sobrancelha. ─Sr. Chillhurst? ─Vossa Senhoria. ─corrigiu-se, impaciente. ─Quero discutir certo assunto com você. ─Tem certeza? Eu não lhe recomendaria isso. Não nesta noite. ─Saudou-a com sua taça de brandy. ─Como você pode ver, não estou no meu melhor humor.
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─Entendo, ─Olympia olhou para ele com um sorriso trêmulo. ─ você passou por muitas coisas desagradáveis esta noite. Um homem com a sua refinada sensibilidade deve se sentir muito afetado por esta experiência infeliz. Sem dúvida, deve precisar tempo para recuperar-se. ─Sem dúvida. ─Jared torceu seus lábios. Um divertimento cruel brilhou em seu olho, quando tragou o brandy. ─Homens, como eu, amaldiçoados com uma sensibilidade refinada e uma natureza apaixonada reagimos emocionalmente a sequestros e afins. ─Não precisa zombar de mim ou de sua própria natureza, Chillhurst, ─disse Olympia. ─somos como somos e devemos fazer o possível para tirar proveito disso. ─Inspirou profundamente, para recuperar a coragem. ─E, acredito que o mesmo deva ser aplicado ao nosso matrimônio, milord. Jared a olhou com desgosto. ─De verdade? Olympia deu um passo e fechou fortemente sua bata até o pescoço, bem abaixo do queixo. ─A questão é que estamos presos um ao outro, se entende o que quero dizer. ─Presos um ao outro. Um conceito encantador. ─Eu sei que deve estar duvidando da razão ou não de ter se casado comigo e, realmente, lamento muito. Tentei dissuadi-lo, como deve lembrar-se. ─Perfeitamente, milady. ─Bom, infelizmente, não podemos fazer mais nada a respeito. Então, temos que tentar tirar o melhor proveito. Jared deixou a taça sobre a mesa, apoiou os cotovelos nos braços da cadeira e uniu as pontas dos dedos, para olhar para ela com uma expressão enigmática. ─Está arrependida de ter se casado comigo, Olympia? Ela vacilou. ─Eu lamento que você tenha se sentido obrigado a casar-se comigo, milord. Eu gostaria que fosse de outro jeito.
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─Eu não me senti obrigado a me casar com você. ─É claro que sim. ─Você precisa discutir comigo a cada instante? ─Jared apertou a boca. ─Eu me casei com você porque eu desejava. ─Oh! ─ Olympia ficou muito surpresa com essa declaração. Sentiu-se mais animada. ─Isso é muito reconfortante, milord. Tenho estado ligeiramente ansiosa, como pode notar. Eu não gostaria de saber que você está casado em cumprimento de uma exigência honrosa. ─Como você deve lembrar, eu já rompi um compromisso. Fique tranquila, pois se eu tivesse querido encontrar uma saída para que esta união não acontecesse, eu a teria achado de qualquer maneira. ─Compreendo. ─Assim como você, eu não me preocupo com as aparências, nem com um escândalo em potencial. Olympia deu mais um passo em direção à escrivaninha. ─Fico muito feliz em ouvir isso, milord. Jared inclinou ligeiramente a cabeça, com uma expressão levemente irônica, e perguntou: ─Você acha que poderia me chamar de Jared? Estamos sozinhos esta noite. E, como você mesma o assinalou, agora estamos casados. Olympia ficou vermelha. ─É claro, Jared. ─Por que se casou comigo, Olympia? ─O que disse? Jared estudou o rosto da jovem à luz da vela. ─Eu perguntei, por que você se casou comigo. Foi apenas porque sou útil na administração de sua casa? ─Jared.
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─Acredito que foi o que insinuou quando aceitou a minha proposta, ontem. Você deixou bem em claro que apreciava a minha capacidade de instaurar a ordem em sua casa. Olympia estava horrorizada. ─Eu só disse aquilo porque que estava com muita dor de cabeça e porque me enfureci com a cena que tive que suportar na sala de visitas com lady Beaumont, lady Kirkdale e o Sr. Seaton. Há várias razões pelas quais senti muito prazer em aceitar a sua proposta. ─Você tem certeza? ─Jared tamborilou os dedos. ─Devo lembrar-lhe que, talvez, eu não seja tão útil como você acreditou inicialmente. Esta noite, para não irmos muito longe, quase perdemos Robert, por minha culpa. ─Ele não se perdeu por sua culpa, mas sim, por culpa dele mesmo. ─Olympia estava ficando desesperada. ─Você o resgatou, Jared, e eu nunca irei me esquecer disto. ─Foi por essa razão que você desceu, esta noite? Veio me agradecer por resgatar Robert, depois de perdê-lo? ─Já basta. ─Olympia diminuiu imediatamente a distância que os separava e ficou em frente à escrivaninha. ─Acredito que está dificultando deliberadamente as coisas, milord. ─É bem possível. Estou com um humor terrível. Olympia entrecerrou os olhos. ─Tem mais coisa aí. Acredito que você está provocando essa discussão para me provocar. ─Eu não comecei nada. ─ Jared tirou de repente, as botas da mesa e ficou de pé. Parecia muito mais alto que ela. ─Foi você! ─Não fui eu! ─Olympia se negou a retroceder. ─Sim, foi você. Eu estava sentado aqui, sozinho, pensando em meus problemas, quando você veio perambulando por essa porta, alguns momentos antes. ─Esta é nossa noite de núpcias, ─recordou-lhe Olympia, apertando os dentes. ─você deveria ter subido comigo. Eu não deveria precisar descer para vê-lo. Jared plantou ambas as mãos sobre a superfície da mesa e se aproximou dela.
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─Diga-me por que aceitou casar-se comigo, Olympia. ─Você já sabe a resposta! ─Estava realmente furiosa. ─Casei-me com você porque é o único homem que sempre quis. O único homem que apenas com um toque me deixa louca de desejo. O único homem que me entende. O único homem que não me considera estranha. Jared, você converteu todos meus sonhos em realidade. Como não aceitaria me casar com você, seu maldito pirata? Um silêncio ensurdecedor envolveu a sala. Olympia tinha a sensação de cair em um abismo, levada por uma potente correnteza. ─Ah! ─Jared falou suavemente. ─Bem, eu suponho que fosse isso mesmo. ─Estendeu os braços para ela. E, tomou precisamente no momento em que ela se inundava no mar de paixão que afogaria a ambos.
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Capítulo 14
No mesmo instante que ele a tocou, Jared sentiu que a ira que havia em Olympia transformava-se em uma paixão muito mais poderosa. “Você converteu todos os meus sonhos em realidade.” Nenhuma mulher jamais havia falado dessa forma para ele. Nenhuma mulher lhe desejou assim. Nada parecia perturbar o desejo que Olympia sentia por ele. Havia ansiado por ele desde o princípio, quando acreditava que era apenas o professor de seus sobrinhos. Mesmo depois de descobrir sua verdadeira identidade o havia desejado. Continuou lhe desejando até mesmo tendo toda a razão do mundo para acreditar que ele procurava o mesmo que ela: o segredo do diário Lightboume. Olympia não tinha nenhum interesse em seu títulos, nem em sua fortuna. Queria a ele. Jared se deu conta que era muito mais do que sempre pensou em ter. Mas não bastava. Nunca bastaria. O verdadeiro tesouro ainda lhe evitava, embora ela não pudesse identificá-lo. Entretanto, nunca tinha estado tão perto, jamais havia tido tanto. Um homem inteligente pegava o que aparecesse e se julgava um afortunado. Um pirata segurava o que tinha e deixava que a fortuna se cuidasse sozinha. Jared levantou Olympia por cima da mesa. Tomou-a em seus braços e sentou-se na cadeira. Ela caiu contra ele, cálida, fragrante vibrante de desejo. ─Jared. ─Olympia rodeou o pescoço de Jared com seus braços e apertou sua boca contra a dele. Um gemido baixo e sensual escapou de seus lábios. Jared tocou a parte de trás da perna exposta de Olympia, que estava visível porque ele havia erguido sua camisola e sua bata. Por algum motivo lembro da primeira imagem dela, em sua biblioteca, tentando escapar das mãos de Draycott. Jared pensou que Olympia não queria que nenhum homem a tocasse. Apenas ele. Jared sentiu que a boca de Olympia se abria para ele, em um explícito convite para que ele ingressasse em sua úmida e escura cavidade. Jared aceitou o convite, abandonando-se à intimidade do beijo embriagador.
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Olympia tremia. Sua língua tocou a dele com a ansiedade de uma gatinha curiosa. Jared apertou ainda mais a sua perna e, subiu com a mão até sua coxa. Sua pele lembrava pétalas de rosa. Era tão suave. Ele, ao contrário, estava tenso, ereto, desesperado por desfrutar de sua posse plena. Suas mãos estavam trêmulas por força de sua necessidade. Colocou a mão entre as coxas de Olympia. Ela ofegou, separou sua boca da dele, e enterrou o rosto em seu ombro. E, em seguida, separou um pouquinho as pernas para ele. ─Sim. ─murmurou Jared. Segurou o centro úmido do seu ardente desejo e pensou que iria explodir. Ela movia-se sem descanso contra sua mão e ele gemeu novamente, sobre sua boca. O aroma feminino do desejo o incentivava, enfeitiçava-lhe, dominava-lhe como um mágico feitiço. “Sereia.” Olympia clamou suavemente quando ele achou a pequena pérola escondida entre suas pernas. Converteu suas unhas em delicadas garras, que cravou em seus ombros. Sentiu em seus dedos que a umidade havia aumentado. Jared abriu a bata de chintz e desamarrou o laço da camisola branca de linho. Liberou o doce fruto dos seios de Olympia e deu uma pequena e suave mordida. Olympia se contorceu de desejo. ─Jared, não posso mais suportar. Ela pegou seu rosto entre suas delicadas mãos e o beijou com uma doce e selvagem paixão, tão incontrolável como uma ventania. Jared inalou profundamente, ao sentir a firme e luxuriante curvatura de suas nádegas pressionando o seu órgão ereto. Uma das mãos de Olympia havia deslizado para o interior da camisa de Jared, para acariciar e brincar gentilmente enrolando os pelos de seu peito. Começou a descer, explorando-o com a língua, enquanto seguia baixando. Jared sentiu que Olympia escapava de seu colo. Sustentou-a com mais firmeza, para que não caísse ao chão. E, então se deu conta de que a jovem estava tentando desabotoar suas calças.
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Inspirou profundamente e, imediatamente, executou a tarefa por ela. E, então esteve livre. Ouviu a quase imperceptível exclamação de Olympia quando esteve com o membro dele entre os dedos. Tocou-o com a típica ternura feminina. ─Eu adoro tocá-lo. ─sussurrou ela. Rodeou-lhe com mais segurança. ─Tão feroz, poderoso e orgulhoso. As palavras e as carícias de Olympia o empurraram para um abismo invisível. Tinha a sensação que, repentinamente, estava sem ar. Fechou os olhos e travou uma violenta batalha, para não derramar sua semente entre os dedos de sua esposa. Era a primeira vez que ela o tocava tão intimamente, e não estava seguro de poder recuperar-se dessa experiência. Não estava seguro de querer recuperar-se dessa experiência. Jared sentiu que Olympia seguia deslizando-se, até chegar ao chão. Finalmente, ficou ajoelhada em frente a ele, ajoelhada entre suas coxas. Jared abriu os olhos e a olhou. Ela olhava atentamente para o seu membro latente. ─Olympia? Ela pareceu não escutá-lo. Tocava-lhe cada vez com mais intensidade. ─Você é tão magnífico, Jared. Tão excitante. Como um poderoso herói de uma lenda antiga. ─Maldição! ─murmurou ele. ─É você que me faz sentir assim. ─Afundou as mãos nos cabelos dela. Nem percebeu que sua touca havia caído ao chão. Olympia imitou o gesto de Jared, mas no pelo que rodeava o membro viril. Começou a beijá-lo entre as coxas. ─Chega. ─Jared sabia que não poderia resistir mais tempo a essa tortura erótica. Saiu da cadeira e se deitou no tapete. Levou Olympia com ele e a colocou em cima de seu corpo, com uma rouca exclamação. ─Jared? Não entendo. ─Olympia apoiou-se contra seu peito nu. Olhou para ele com uma mistura de severa confusão e radiante erotismo.
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Jared acomodou suas pernas para ficarem ao lado seus quadris, de modo que ela ficasse montada sobre ele. ─É um costume muito comum entre os habitantes de várias... ─Jared interrompeu e apertou os dentes, para evitar explodir. A abertura úmida e quente do corpo Olympia estava localizada contra a ponta larga de seu eixo. ─Entre os, bem, habitantes de certas terras longínquas. Olympia piscou e a seguir seu sorriso comunicou um entendimento feminino. Desceu cuidadosamente, até Jared ficar firmemente encaixado na entrada de sua passagem feminina. ─Que terras são essas, Sr. Chillhurst? Como você sabe muito bem eu tenho um enorme apetite em conhecer novos fatos. Jared olhou para cima, até o seu rosto e viu uma deliciosa e perversa sensualidade em seus olhos e sorriu. ─Lembre-me, Srta. Wingfield, de lhe fazer uma lista mais tarde. ─Se não lhe causar muito problema.... ─Absolutamente. Como deve saber, sou professor. Além disso, sou excelente para fazer listas. Entrelaçou as mãos ao redor dos quadris de Olympia e a empurrou para cima, com apenas um rápido e certeiro movimento que pegou Olympia de surpresa. ─Jared. ─Abriu os olhos, em sinal de assombro e a seguir voltou fechá-los, com a intensificação do desejo que aumentava a cada instante. ─Um costume muito interessante. ─Pensei que você acharia muito fascinante. ─Jared alisou a curva de suas coxas com as mãos. ─Certamente, é para mim. Assim que terminou de dizer essas palavras, todo seu corpo respondia ao canto da sereia. Estava totalmente tenso, desesperado. Olympia era estreita, quente, úmida. Envolvialhe, abrigava-lhe e o transformava em uma parte de seu corpo.
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Durante esses breves instantes nos quais esteve agasalhado em seu ardente interior, Jared sentiu que não estava sozinho. Estava com a única pessoa no mundo que era capaz de tocar sua alma. A única que poderia resgatá-lo de sua ilha solitária. ─Minha adorável sereia. Minha esposa. Olympia gritou, estremeceu e seu corpo estreitou-se insuportavelmente em torno de Jared. E, então, começou a cantar a doce melodia da sereia, a canção que só era dedicada a ele. Jared investiu mais uma vez mais em seu interior e se abandonou as turbulências dos mares da paixão. ─Fogos de artifícios. ─murmurou Jared. Olympia se agitou. Estava deitada sobre o corpo firme e úmido de Jared, com as pernas entrelaçadas com as dele e seus cabelos sedosos cobrindo seu peito, como um manto avermelhado. ─O que você disse? ─perguntou Olympia. ─Fazer o amor com você esta noite, foi como estar em meio a uma exibição de fogos de artifícios. ─Jared agarrou uma abundante mecha de cabelo em sua mão, olhou à luz das velas e sorriu lentamente. ─É uma sereia com muitos talentos. Consegue me seduzir até enquanto discute comigo. Olympia riu. ─Não fique ofendido, milord, mas é muito fácil seduzir você. O sorriso de Jared desapareceu. ─Só por você. Ela ficou vagamente surpresa pela repentina mudança de humor de Jared. Talvez, porque ela mesma se sentisse muito relaxada e contente. Olhou para o único olho de seu marido e, uma vez mais, teve a sensação que um véu interno se abria por um momento. Ela se viu olhando além da calma fachada que Jared apresentava ao mundo inteiro, para entrar nas tempestuosas profundidades de sua alma apaixonada.
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─Fico feliz em escutar isso, Jared, porque a mesma coisa acontece comigo. ─ela disse gentilmente. ─Você é o único homem que desejei dessa forma. ─Nós estamos completa e verdadeiramente casados agora. ─ele declarou, como que selando um pacto invisível. ─Nenhum de nós dois poderá voltar atrás. ─Eu compreendo. Era isso que eu estava tentando explicar mais cedo. ─Ah, sim. Seu pequeno discurso sobre estarmos presos um ao outro, e sobre como devemos aproveitar da melhor forma essa situação. Olympia ruborizou-se pela brincadeira de Jared. ─Eu só estava tentando ver o lado prático desta questão. ─Deixe as coisas práticas e mundanas para mim, ─disse ele. ─sou excelente para controlar esse tipo de coisas. Olympia franziu a testa. ─É bem estranho, não é? ─O que? ─Que você seja tão inteligente em questões práticas, quando é claramente um homem de fortes emoções. Sua força de vontade é muito impressionante, milord. ─Obrigado. ─ele disse. ─Tento me controlar o máximo possível. Ela sorriu, com gesto de aprovação. ─Sim, é verdade. E, consegue na maioria das vezes. Jared? ─Huumm? Olympia tocou a faixa negra que segurava o parche de veludo sobre o olho. ─Nunca me disse como perdeu a visão de seu olho. ─Não é uma história muito agradável. ─Não obstante, eu gostaria de escutá-la. Quero saber tudo sobre você. Jared brincou com seu cabelo. ─Eu tenho dois primos, Charles e William, que passaram grande parte de suas vidas fazendo jus à fama familiar. ─O que quer dizer?
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─Estou dizendo que são muito agradáveis, mas também negligentes, impulsivos e muito atrapalhados. Quando tinham quatorze e dezesseis anos respectivamente, decidiram dedicar-se ao livre comércio. Caíram em mãos de um contrabandista que estava fazendo negócios com os franceses. ─O que aconteceu? ─Eu soube dos seus planos na mesma noite em que iriam começar a sua nova atividade. Meu pai e meu tio estavam na Itália em uma estúpida aventura. Minha tia foi me procurar e me implorou para impedir que meus primos saíssem feridos. ─Quantos anos tinha você? ─Dezenove. ─Então você... Alguma coisa saiu errada nessa noite? ─perguntou Olympia inquieta. Jared sorriu a contra gosto. ─É claro que algo deu errado. Geralmente, as coisas saem erradas cada vez que minha família coloca em ação qualquer um de seus planos idiotas. Neste caso em particular, o problema era o capitão do navio que trouxera as mercadorias de contrabandeadas através do canal. ─O que ele fez? ─Depois que meus primos descarregaram o navio e se encarregaram de depositar em segurança a mercadoria no porto, o capitão decidiu que já não necessitava mais dos seus serviços. Tampouco quis compartilhar os lucros com os rapazes. Decidiu tomar posse das mercadorias e não deixar testemunhas. Olympia olhou horrorizada para o olho vazio de Jared. ─Tentou matá-los? ─Eu cheguei justamente quando estava apontando para Charles. Meus primos não tinham armas. Eu havia levado a adaga de meu pai. ─Jared fez uma pausa. ─Felizmente, eu havia me ensinado a usá-la. Mas, desgraçadamente, o capitão do navio tinha muita mais experiência que eu, em lutas com armas brancas. Tirou o meu o olho na primeira estocada.
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─Meu bom Deus! ─Murmurou Olympia. ─Deve ter ficado muito perto de você. E, poderia ter morrido. Jared deixou de olhar para o seu cabelo, e concentrou-se em seu rosto. Deu para ela um estranho sorriso. ─Mas, como pode ver, não tão perto. E, tampouco de meus primos. Tudo acabou muito bem, sereia. Olympia o abraçou firmemente. ─Nunca mais se arrisque dessa forma, Jared. ─Eu lhe asseguro que não me agrada, particularmente, esse tipo de situação, ─murmurou Jared. ─nem tampouco, as procuro. Olympia apertou-se contra ele. ─Jared, cada vez que penso no que aconteceu com você nesta noite... ─Não pense sobre isto. ─Jared tomou seu rosto entre suas mãos. ─Você me entende? Não pense sobre isso e não fale sobre esse assunto novamente. ─Mas, Jared... ─Olympia, está terminado. Havia terminado há quinze anos. Desde que aconteceu, esta é a primeira vez que falei a respeito. Não quero voltar a falar sobre isso. Ela tocou em seu queixo contraído, com uma compreensão gentil. ─Ele morreu, não foi? Você foi forçado a matar o homem que quis assassinar você e seus primos. É por isso que você não gosta de falar sobre o que aconteceu naquela noite. Fez com que ela se calasse, colocando os dedos sobre sua boca. ─Nem mais uma palavra, sereia. Nada de bom pode vir do que aconteceu. Ninguém poderá mudar o que já passou. O melhor é deixar o passado no esquecimento, aonde ele pertence. ─Sim, Jared. ─Olympia guardou silêncio. Apoiou a cabeça sobre o ombro do homem. Em sua mente acontecia uma série de horrendas imagens sobre o que Jared deve ter vivido naquela noite.
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Olympia pensou que Jared era um homem inteligente. Um homem de fortes emoções e de refinada sensatez. Um homem assim não poderia sair ileso de um ato de tamanha violência. As piores feridas sempre se encontram abaixo da superfície. Jared se agitou. ─Quanto ao Robert... Olympia enrugou a testa quando seus pensamentos retornaram bruscamente ao presente. ─Sim, pobre Robert. Talvez, fosse o momento de falarmos do que aconteceu esta noite, em Vauxhall Gardens. ─Não há muito sobre o que falar Olympia. ─Pelo contrário. Devemos pensar sobre quem queria sequestrá-lo e por que. Já sei que você não acredita na minha teoria da existência do Guardião do diário Lightboume, mas me parece que devemos levar em conta essa possibilidade. ─Maldição. ─Jared se sentou relutantemente. Fechou a braguilha e apoiou o cotovelo sobre um de seus joelhos que havia flexionado. Estudou a preocupada expressão de Olympia por um momento. ─O que você acha que está acontecendo aqui, exatamente? Realmente está convencida que o fantasma do capitão Jack está por aí, solto, procurando o tesouro? ─Não seja ridículo. ─Olympia afastou o cabelo dos olhos e atrapalhou-se com a parte dianteira de sua bata. ─É claro que não acredito em fantasmas. Mas, por experiência sei que sempre há um pouco de verdade por trás da mais estranha das lendas. ─Não há ninguém atrás do segredo do diário Lightboume, exceto você, milady. ─E, o que você me diz do Sr. Torbert? ─Indubitavelmente, Torbert sabe que você está investigando uma velha lenda, mas não sabe qual delas. Além disso, não acredito que fosse capaz de recorrer a um sequestro. Não lhe falta dinheiro. E, certamente, não é o Guardião. Olympia ficou meditando sobre isso.
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─Bem, eu garanto que sua aparência não condiz com os personagens que se envolveriam em uma lenda. ─Uma observação astuta. ─comentou Jared com secura. ─Mas quem quer que levado Robert esta noite, deve ter tido uma razão. ─É obvio que teve uma razão. E, muito simples: dinheiro. ─Dinheiro? ─Olympia olhou para ele consternada. ─Quer dizer que alguém sabe sobre as três mil libras que recebi pela venda das mercadorias que foram enviadas para mim, por tio Artemis? ─Não, ─respondeu Jared, enfaticamente. ─claro que não! ─ficou de pé e levantou Olympia, para que ficasse em frente a ele. ─Olympia, eu acredito que o sequestrador de Robert não estava atrás das suas três mil libras, nem do diário Lightbourne. Ela procurou seu olhar, ansiosamente. ─Então, por que alguém iria se incomodar em sequestrar Robert? Ele não pertence a uma família rica. ─Agora, está. ─respondeu Jared. Olympia estava sobressaltada. Guardou silêncio e, a seguir engoliu em seco. ─Sua família? ─A fortuna Flamecrest vai muito bem, obrigado, sem contar com o tesouro perdido do capitão Jack. O mais provável é que tenham sequestrado Robert para me obrigarem a pagar um considerável resgate. ─Deus do céu! ─Olympia procurou provas a cadeira e deixou-se cair sobre ela rapidamente. ─Não tinha pensado sobre isso. Eu não percebido que alguém poderia pensar que você se sentiria responsável por Robert, agora que foi obrigado a casar-se comigo. ─Olympia, eu vou avisá-la. Se voltar a insinuar, mesmo que uma só vez, que fui obrigado a me casar com você contra minha vontade, eu irei, muito provavelmente perder a calma. Casei-me com você porque eu quis. Está bem claro? Olympia olhou a implacável expressão de seu marido. ─Sim, milord.
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─Muito bem, então. ─Jared procurou seu relógio e lançou um insulto quando viu que seu bolso estava vazio. Olhou para o relógio de parede. ─Sugiro irmos para a cama. Foi uma noite muito longa e eu acredito que estou mais do que pronto para ir para a cama. ─Sim, é claro. ─Olympia levantou-se da cadeira. Sentia-se desolada. A exuberante felicidade que havia conhecido há poucos minutos, enquanto fazia amor com Jared, havia evaporado. Jared a estudava minuciosamente, enquanto segurava a vela. ─Olympia, você agora é minha esposa. Mas, isso em nada muda a nossa relação. Entende? Eu continuarei atendendo aos assuntos domésticos e me encarregarei da educação de Robert, Ethan e Hugh. Não tem que se preocupar com esses detalhes desagradáveis. Eu me encarregarei de tudo em seu lugar. Olympia sorriu. ─Sim, Jared, ─ficou nas pontas dos pés, e lhe beijou o rosto ─mas há um detalhe que não será como antes. Jared arqueou uma sobrancelha. ─Qual? Olympia ruborizou, mas não desviou os olhos do seu olhar desafiante. ─Refiro-me, sobre a questão de como dormiremos, milord. Ocorreu-me que já não teremos a necessidade de, ah, usar o estúdio para fazermos o que fizemos há um momento. Jared sorriu com seu estilo bucaneiro. ─Não, milady, nós não precisaremos mais nos esconder em seu estúdio. Já é hora de que experimentemos o tradicional costume inglês de fazer amor na cama. Jared entregou a vela para que ela a sustentasse, enquanto ele a levantava em seus braços. A seguir, atravessou a porta e a levou para cima. “O Mestre da Siryn deve fazer as pazes com o Mestre da Serpente, antes que as duas partes se unam para formar um todo.”
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Olympia franziu a testa diante do enigma recente que acabava de decifrar no diário Lightbourne. Ela sabia que o amo da Syrin só poderia ser ao capitão Jack. O amo da Serpente, sem dúvida nenhuma, seria seu ex-amigo e parceiro, Edward Yorke. Claire Lightbourne não sabia muitos detalhes sobre a briga entre os homens. Havia acontecido nas Índias Ocidentais, muito antes que ela conhecesse o seu Sr. Ryder, na Inglaterra. Entretanto, ela havia registrado o fato que seu marido havia jurado não voltar a falar com ele, nem com mais ninguém do seu clã. Mas, ambos já estavam, há muito tempo, no céu, ou no inferno que aguarda os bucaneiros. Não havia modo de reuni-los para que fizessem as pazes. Não havia uma forma de unir as duas metades do mapa. ─Maldição. ─murmurou Olympia. Tinha a sensação que estava muito perto da resposta que procurava. Mas, precisava encontrar a metade do mapa que estava faltando. Pensou que, talvez, teria passado através de geração em geração da família Yorke, do mesmo modo que a metade dos Flamecrest havia passado pelos Ryder. Como se fazia para encontrar um descendente de pirata morto há tantos anos? Olympia tamborilou pensativa, a sua pluma sobre a superfície polida da escrivaninha. Ela desejava que Jared tivesse demonstrado mais interesse na investigação que ela estava fazendo sobre o diário Lightbourne. A moça desejava, desesperadamente, poder falar com alguém inteligente a respeito. Mas, nesse assunto, Jared preferia ficar à margem. Não se envolveria em sua investigação. Olympia pressentia que essa negativa dele se devia ao fato dele desejar demonstrarlhe que não havia se casado com a finalidade de conhecer o segredo. No entanto, essa atitude dificultava-lhe seus estudos. Uma batida na porta interrompeu seus pensamentos. ─Entre! ─gritou, impaciente. O pequeno desfile que marchava no seu estúdio era formado por Ethan, Hugh, a Sra. Bird e Minotauro. Olympia percebeu que até mesmo o cão parecia mortificado. ─Acontece algo errado? ─perguntou, inquieta.
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Hugh deu um passo à frente. ─Robert custou muito caro. Olympia deixou sua pluma. ─Como disse? ─Que tememos que Robert tenha custado muito. ─explicou Ethan, com gravidade. ─Lorde Chillhurst teve que pagar com seu lindo relógio de ouro. Neste momento, Robert está recebendo uma terrível reprimenda na sala de refeições, e muito em breve, nos pedirão que partamos. ─Oh! Eu realmente não acredito que Chillhurst vá bater em Robert pelo que aconteceu ontem à noite, ─disse Olympia ─e podem estar certos que, tampouco partiremos. ─Alguns de nós teremos que partir. ─comentou a Sra. Bird, derrotada, mas ainda assim, desafiante. ─Sua Senhoria, em pessoa, me disse isso. Olympia parecia chocada. ─Ele disse isso? ─Si, ele disse. Falou que iremos nos mudar para um casarão da cidade, amanhã. Disse que vai contratar novos empregados. ─A desafiante expressão da Sra. Bird se desvaneceu sem aviso prévio, e sua voz ficou entrecortada, pela angústia. ─Vai contratar um mordomo, Srta. Olympia, um mordomo de verdade. E, o que irão fazer comigo, eu lhe pergunto? Sua Senhoria não vai precisar de uma governanta simples e comum como eu, depois que conseguir gente da cidade para trabalhar na casa. ─E, Sua Senhoria tampouco irá nos querer. ─murmurou Hugh. ─Especialmente, depois que teve que desfazer-se do seu relógio, por culpa do Robert. Vai colocar todos nós em um navio, e nos despachar para a casa de nossos parentes em Yorkshire. Ethan deu um passo à frente. ─Acha que conseguiremos dinheiro para comprar um relógio novo para Sua Senhoria, tia Olympia? Eu tenho seis centavos. Hugh ficou furioso com seu irmão.
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─Não seja tolo, Ethan. Seis centavos não são suficientes, para comprar um relógio como aquele que Sua Senhoria teve que pagar em troca de Robert. A Sra. Bird rompeu em um pranto desconsolado. ─Não vai querer nenhum de nós. E a mim, menos ainda. Olympia ficou de pé de um salto, completamente exasperada. ─Isto já foi longe demais. Não quero continuar escutando tolices. Não sei nada sobre a mudança para a casa grande, mas se tivermos que fazê-lo, não me importo nem um pouco. Nada vai irá mudar por aqui. O próprio Chillhurst me confirmou isso ontem à noite. A Sra. Bird dirigiu-lhe um olhar mórbido. ─Então, ele mentiu outra vez, Srta. Wingfield. Tudo mudou por aqui, agora que se casou com ele. ─Isso não é verdade. ─Olympia observou seu pequeno grupo familiar com firme convicção. ─Disse que tudo continuaria funcionando da mesma maneira que quando ele veio viver conosco. Chillhurst não vai bater em Robert. Não vai deixá-la sem trabalho, Sra. Bird. E, não vai mandar ninguém para Yorkshire. ─Como você sabe tudo isso, Srta. Olympia? ─perguntou a Sra. Bird. Embora a voz ainda falasse como uma alma penada, em seus olhos brilhava uma faísca de esperança. ─Porque confio que cumprirá com sua palavra, ─disse Olympia com toda serenidade ─além disso, todos vocês fazem parte da minha família, e Chillhurst sabe. Jamais tentaria separar-nos. Sabe muito bem que eu não permitiria. A faísca de esperança morreu nos olhos da Sra. Bird. ─Você está falando como se ele ainda fosse seu empregado, Srta. Olympia. Mas a grande verdade é que você já não dá as ordens nesta casa. Agora, você é a esposa de Chillhurst. Ele é o dono da casa e pode fazer o que bem desejar. Minotauro choramingou baixinho e colocou a cabeça debaixo da mão de Olympia. ─Eu estou muito triste pelo que aconteceu ontem à noite, senhor.
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Robert estava muito tenso, parado em frente a Jared. Tinha a vista fixa na parede que estava atrás de Jared, por cima de seu ombro esquerdo. Jared apoiou os cotovelos na mesa de refeições, bateu as pontas dos dedos unidas. Estudou o rosto de Robert, plenamente consciente que o rapazinho lutava bravamente para que o seu lábio inferior não tremesse. ─Você entende precisamente o motivo pelo qual fiquei decepcionado com você, Robert? ─Sim, senhor. ─Robert piscou várias vezes. ─Não foi pelo fato de que tenha se metido em apuros. Nem tampouco, porque eu tenha perdido um relógio valioso. Robert olhou para Jared furtivamente, mas em seguida, voltou a cravar o olhar para frente. ─Eu lamento muito pelo seu relógio, senhor. ─Esqueça o relógio. É barato, comparado com a honra de um homem. Nada é mais importante para um homem que a sua honra. ─Sim, milord. ─Quando você dá a alguém a sua palavra, Robert, deve fazer tudo que esteja ao seu alcance para cumpri-la. Menos que isso é inaceitável. Menos que isso é desonroso. Robert fungou audivelmente. ─Sim, senhor. Eu prometo que serei muito cuidadoso com minha honra no futuro. ─Alegro-me em escutar essa decisão. Robert olhou para ele ansioso. ─Senhor, eu gostaria de lhe pedir um favor muito grande. Sei que não me mereço, mas prometo fazer alguma coisa em troca. ─Qual é esse favor? Robert engoliu em seco. ─Desejo lhe pedir que não castigue os outros pelas minhas ações. Ethan e Hugh são muito novos, senhor. Estão aterrorizados diante da possibilidade que nos envie para
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Yorkshire. E, sei que tia Olympia ficaria muito triste se nos afastasse dela. Ela gosta muito de nós. Sentir-se-ia muito sozinha, sem nós. Jared suspirou. ─Ninguém será afastado desta casa, Robert. Você, seus irmãos e sua tia estão agora sob meu cuidado. Pode ter certeza que cumprirei com minhas responsabilidades em relação a todos vocês. ─Fez um esboço de sorriso. ─Com alguma sorte, no futuro, agirei melhor do que ontem à noite. Robert franziu o sobrecenho. ─O que aconteceu ontem à noite foi minha culpa, senhor. ─Temo que nós dois tenhamos que assumir a nossa parte de culpa. Eu não devia têlo perdido de vista. Deveria ter adivinhado que você ficaria tentado ir sozinho ao Dark Walk, por causa do desafio feito por esse rapazinho. Robert pareceu confuso. ─E, como você poderia adivinhar, senhor? ─Porque um dia eu também tive a sua idade. Robert olhou assombrado para ele. ─Sim, eu sei. É difícil de acreditar. ─Jared baixou as mãos e se reclinou contra o encosto da cadeira. ─Bem, já falamos bastante sobre esse assunto. Passemos a outro. Robert hesitou. ─Senhor, se você não se importar, eu gostaria de saber exatamente, qual será o meu castigo pelo que fiz ontem à noite. ─Eu já disse que esse assunto está terminado, Robert. Percebi que você já se castigou o suficiente pelo que fez e isso basta. ─É mesmo? ─É claro. Isto é um claro sinal que você está se convertendo em um homem. ─Jared sorriu satisfeito. ─Estou muito feliz com você, Robert. Um dos objetivos mais importantes de um professor é que os seus alunos se convertam em jovens honrados, em cuja palavra qualquer pessoa poderá confiar.
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Com certa surpresa, Jared se deu conta que não havia dito nada mais que a mais pura verdade. Sua atividade de professor lhe dava muita satisfação. Pensou que um homem poderia ser muito infeliz exercendo outras atividades. Literalmente, um professor forjava o futuro educando os jovens. Robert ficou parado muito ereto. ─Sim, senhor. Tentarei não errar novamente, senhor. Isso significa que você continuará sendo nosso professor, apesar de estar casado com tia Olympia, agora? ─Sim, é claro. Eu gosto dessa tarefa. Mas há outra coisa que requer minha atenção imediata. Robert, eu quero que pense atentamente sobre tudo o que aconteceu ontem à noite, e que me conte tudo em detalhe. Quero saber tudo o que esses vilãos disseram, enquanto você esteve com eles. ─Sim, senhor, mas pensei que havia dito que o assunto tinha terminado. ─Só no que diz respeito a você. ─disse Jared. ─Mas, ainda ficam um ou dois detalhes que preciso solucionar. ─Que tipo de detalhes, senhor? ─Devo averiguar quem contratou esses vilãos para que o sequestrassem. Robert abriu os olhos desmesuradamente. ─Você vai encontrá-los, senhor? ─Com a sua ajuda, Robert. ─Farei tudo o que puder. ─Robert franziu a testa, pensativo. ─Mas, não sei se poderei ajudá-lo, senhor. A única coisa que me lembro, é que eles disseram que a pessoa que os contratou era um homem de negócios, assim como você, senhor. ─Eu suponho que você deve ter ouvido rumores sobre a existência de um amante. ─Lady Aldridge olhou para Olympia com uma expressão cúmplice, enquanto entregava-lhe uma xícara de chá. ─Fala-se que Lorde Chillhurst encontrou sua noiva em uma situação muito comprometedora com um amante, e ali mesmo terminou o compromisso. É obvio que essa história jamais se confirmou. Nenhum dos envolvidos quis falar sobre o assunto.
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Olympia juntou as sobrancelhas, obviamente aborrecida. ─Duvido seriamente que essa história seja verdadeira, e não quero falar sobre isso, senhora. Olympia pensou que não estava gostando nada daquilo. Havia aceitado a xícara de chá que lhe foi oferecida por lady Aldridge, porque não tinha encontrado uma maneira amável de recusá-la. Depois de ter passado as últimas duas horas na biblioteca de lady Aldridge, sentiu-se quase obrigada a ser amável, embora não houvesse encontrado nada útil na coleção de mapas do seu marido. Desgraçadamente, percebeu, da maneira mais difícil, que lady Aldridge era uma fofoqueira inveterada. ─Tem razão, lady Chillhurst. Eu, também, tampouco acredito que esta história seja verdadeira. Mas a expressão presunçosa de lady Aldridge, revelava claramente, que ela acreditava em cada palavra do boato. ─Perfeito. Talvez possamos mudar de assunto. ─Olympia tentou aparentar aborrecimento. Lady Aldridge lhe dirigiu um olhar de pesar. ─Mas é claro, senhora. Não foi minha intenção ser ofensiva. Espero que compreenda que não estava me referindo à família do seu marido. Estava falando sobre lady Beaumont. ─Prefiro não falar sobre ela, tampouco. ─O que estão falando sobre lady Beaumont? ─perguntou lorde Aldridge enquanto entrava na sala de desenho. Ele continuou em sua biblioteca, após Olympia terminar suas pesquisas, para devolver os seus valiosos mapas aos seus lugares. ─O que tem que ela tem a ver com este mapa das Índias Ocidentais que lady Chillhurst está tentando localizar? ─Nada, querido. ─Lady Aldridge lhe dirigiu um sorriso gentil. ─Simplesmente, estava lhe contando como e porque havia terminado o compromisso entre lorde Chillhurst e lady Beaumont há três anos. ─Puros falatórios. ─Aldridge se dirigiu à mesa onde estava o brandy e se serviu de uma taça. ─Chillhurst tinha toda a razão do mundo ao terminar com esse compromisso. Um
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homem de sua posição não pode casar-se com uma mulher que começa a relacionar-se com outro homem antes do casamento. ─É
claro
que
não!
─murmurou
lady
Aldridge.
Olhou
para
Olympia
especulativamente. ─Deve pensar em sua honra, ─comentou Aldridge ─o clã Flamecrest está repleto de pessoas terrivelmente originais, mas sempre foram muito orgulhosos em questões de honra. Lady Aldridge sorriu friamente. ─Se Chillhurst fosse fiel à sua honra, por que não desafiou em duelo o amante de sua prometida, depois de surpreendê-los? Também escutei que o irmão de lady Beaumont desafiou Chillhurst para um duelo e ele o ignorou. ─Provavelmente, porque é muito inteligente para se deixar matar por uma mulher. ─Lorde Aldridge bebeu um gole de brandy. ─De qualquer maneira, todos sabem que lorde Chillhurst não tem nenhuma gota de sangue quente em suas veias. O resto da família é terrivelmente volátil, mas ele, não. Pergunte a qualquer um que tenha feito negócios com ele. É frio e equilibrado para tudo. ─Você tem feito negócios com meu marido? ─perguntou Olympia em mais uma tentativa desesperada para mudar de assunto. ─Certamente. E, ganhei bastante dinheiro com isso. ─Lorde Aldridge assentiu com tosca satisfação. ─Eu não sabia que conhecia meu marido. ─disse Olympia. ─Bem, não. Nunca negociei com ele diretamente, naturalmente. O homem nunca vem à cidade. Faz todos seus negócios através do seu homem de confiança. ─O Sr. Hartwell? ─Precisamente, Félix Hartwell dirigiu todos os negócios do seu marido durante anos. Mas, todos sabem que é Chillhurst quem dá as ordens. A partir de pouquíssimo dinheiro voltou a reconstruir a fortuna Flamecrest depois que seu avô e seu pai a esbanjaram até o último centavo. Nas questões financeiras, toda a família tem suas desigualdades. Pelo menos, eles os tiveram até que Chillhurst se encarregou de tudo.
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─Meu marido é muito hábil para administrar essas coisas. ─disse Olympia, com orgulho. ─É claro que você admira o seu marido, lady Chillhurst. ─Lady Aldridge segurou sua xícara de chá. ─Parece-me muito emocionante, embora um pouco estranho, dadas as circunstâncias. ─Que circunstâncias? ─perguntou Olympia, totalmente irritada com sua anfitriã. Se, ser gentil com tipo de gente fosse um dos requisitos para ser viscondessa, pensou Olympia, seria terrivelmente difícil cumprir com suas funções. ─Como meu marido falou, Chillhurst tem fama de ser desprovido de emoções fortes. É insensível. Então, quem sabe se não foi por essa a razão que lady Beaumont procurou refúgio em outro homem durante seu compromisso com ele. Olympia bateu sua xícara contra o pires. ─Meu marido é um homem admirável em muitos aspectos, lady Aldridge. E, não lhe faltam emoções fortes. ─Verdade? ─Os olhos de lady Aldridge brilharam maldosamente. ─Então por que não se sentiu na obrigação de desafiar para um duelo o amante de sua noiva, nem de aceitar o desafio de seu futuro cunhado? Olympia ficou de pé. ─As decisões de meu marido não são de seu interesse, lady Aldridge. Agora, se me desculparem, o relógio acaba marcar quatro horas, e realmente preciso partir. Meu marido disse que me encontraria às quatro, em ponto e ele é muito pontual. Aldridge deixou sua taça de conhaque rapidamente. ─Vou acompanhá-la até a porta, lady Chillhurst. ─Obrigada. ─Olympia não esperou por ele para sair da sala de desenho. Aldridge a alcançou no vestíbulo. ─Lamento não ter podido ajudá-la esta manhã, lady Chillhurst. ─Não se preocupe com isso.
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A verdade era que Olympia tinha perdido as esperanças de encontrar o mapa que lhe daria a pista necessária para localizar a ilha que não constava em nenhum dos mapas conhecidos, que Claire Lightbourne se referia em seu diário. Embora tivesse em seu poder a metade do mapa da ilha, não tinha nem a mais remota ideia de onde poderia estar situada essa maldita porção de terra. ─Lady Chillhurst, não se esqueça do meu aviso a respeito do Sr. Torbert, está bem? ─Aldridge olhou muito nervoso para ela. ─Esse homem não é confiável. Prometa-me que agirá com muita cautela quando tratar com ele. ─Asseguro-lhe que serei muito cuidadosa. ─Olympia colocou sua touca, enquanto o mordomo abria a porta para ela. Jared a estava esperando no coche de aluguel, em frente às escadarias da entrada da casa. Ethan, Robert e Hugh estavam com ele. Olympia sorriu aliviada e desceu os degraus correndo, para reunir-se com sua família.
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Capítulo 15 ─Olhem isso, ─Hugh murmurou quando Jared abriu a porta no topo da escadaria da mansão Flamecrest. ─Este é o melhor quarto de todos. Tem todos os tipos de coisas interessantes aqui. ─disse Ethan.Ele entrou no quarto, logo atrás do seu irmão gêmeo, e examinou os baús e móveis que estavam na habitação. ─Eu aposto que deve existir uma fabulosa fortuna em joias, guardadas nesses baús velhos. ─Eu não ficaria nem um pouco surpresa. ─Olympia levantou ainda mais o candelabro, e olhou por cima da cabeça dos meninos, para examinar o quarto que estava na penumbra. Enormes e delicadas teias de aranhas vibraram como véus rasgados na pálida luz do círio. Ethan tinha razão, pensou Olympia. Essa sala, que aparentemente era o depósito da casa, era a mais intrigante dos muitos cômodos que Jared os havia mostrado, na excursão que tinham feito pela mansão. Mas, não a mais incomum. Essa honra era da galeria localizada no piso inferior, onde havia uma escada que conduzia a nenhuma parte. Simplesmente, terminava na metade, em uma parede de pedra. Entretanto, o quarto que estavam explorando, nesse momento, tinha a mais interessante coleção de artigos de toda espécie, decidiu Olympia. ─Não posso imaginar o que alguém poderia descobrir aqui. ─disse Olympia. ─Talvez achemos um ou dois fantasmas. ─predisse Robert, com um prazer macabro. ─Este é um lugar muito estranho, não é? Parece com uma das câmaras da casa enfeitiçada do livro que estou lendo. ─Fantasmas, ─repetiu Hugh, com voz entrecortada, pelo entusiasmo e o medo ─vocês, realmente acreditam que poderia haver algum fantasma aqui dentro?
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─Talvez o fantasma do próprio capitão Jack. ─sugeriu Ethan, com uma voz de horror sepulcral. ─Possivelmente atravesse as paredes e desça voando pelas escadas da galeria. Jared olhou de esguelha para Ethan com um leve levantar da sobrancelha. Essa é uma ideia interessante. O fantasma do capitão Jack, pensou Olympia franzindo a testa. ─O capitão Jack morreu pacificamente em sua cama. ─disse Jared com um tom neutro em sua voz. ─Estava com oitenta e dois anos e seus restos mortais descansam na ilha de Flame. Esta casa nem sequer estava construída quando ele morreu. ─Então quem construiu esta maravilhosa casa, senhor? ─perguntou Hugh. ─O filho do capitão Jack, o capitão Harry. Hugh arregalou seus olhos. ─Seu avô a construiu? Ora, certamente foi um homem muito inteligente. ─Inteligente, sim, ─disse Jared ─inteligente para gastar dinheiro. Esta casa representa um dos métodos mais interessantes para dilapidar uma importante porção das fortunas familiares. ─O que aconteceu as demais fortunas familiares? ─perguntou Ethan. ─Meu pai e meu tio se encarregaram de aniquilar o resto. Se não fosse por minha mãe, nós todos estaríamos nos afogando na lama da pobreza, agora. ─explicou Jared. ─O que fez sua mãe para salvá-los da pobreza? ─perguntou Robert. ─Deu-me um de seus colares. ─Jared olhou Olympia nos olhos. – Que havia sido dado à ela por minha avó, que por sua vez, o recebera de minha bisavó. ─Claire Lightboume? ─perguntou Olympia, abrindo os olhos. ─Sim. Era todo de diamantes e rubis e muito valioso. Minha mãe deu para mim, quando eu tinha dezessete anos e me disse que, eventualmente, teria que ofertá-lo à mulher com quem eu me casasse. A intenção dela era que fosse passado de geração em geração, em nossa família, por uma linha ininterrupta de viscondessas Flamecrest. Minha mãe era de natureza romântica.
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─Tia Olympia é a mulher com a quem finalmente você se casou, ─assinalou Robert. ─ofertou-lhe o colar? ─Sim, já lhe deu de presente o colar? ─perguntou Hugh, obviamente cativado com a história. ─Não, ─respondeu Jared, sem indícios de emoção alguma ─eu o vendi, quando fiz dezenove anos. ─Vendeu? ─Ethan fez uma careta de desilusão. ─Oh, não, senhor! ─exclamou Robert deprimido. Hugh olhou para Jared. ─Vendeu o lindo colar de sua bisavó? Como pôde fazer isso, sabendo que supostamente, deveria pertencer à sua esposa? ─Utilizei o dinheiro para reconstruir o único navio que restava à minha família, nessa época. ─Jared não tirou os olhos de Olympia. ─Esse navio foi a base de todos os negócios que fiz depois. Olympia entendeu a determinação de seu marido e soube, sem dúvida alguma, o quanto havia sido doloroso para ele vender o colar de sua mãe. ─Foi uma atitude muito prática, milord, ─disse ela, pausadamente ─tenho certeza que sua mãe deve ter ficado muito orgulhosa, por você usar o dinheiro para reconstruir a fortuna da família Flamecrest. ─Não particularmente, ─disse Jared friamente ─minha mãe era tão melodramática, quanto o resto da família. Ficou chorando quando soube como eu havia financiado a reconstrução desse primeiro navio. Mas é obvio, que nem por isso deixou de desfrutar dos resultados de minha operação. ─O que quer dizer? ─perguntou Hugh. Jared fez um gesto com a mão, para abranger toda a vasta mansão. ─Minha mãe deu muitas festas importantes, aqui na cidade. Adorava receber pessoas importantes e gastava muito dinheiro em bailes e soirées que oferecia nesta casa. Lembro-me
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de uma em particular, em que teve a ideia de mandar fazer uma cascata e uma pequena lagoa de champanha, em uma das salas. ─Ora, ─disse Hugh ─uma cascata de champanha! Robert inclinou a cabeça com gesto interrogante. ─Eu aposto que você recuperou o colar quando ficou rico. Jared apertou a mandíbula. ─Eu tentei fazê-lo, mas cheguei muito tarde. O joalheiro que o havia comprado desmontou o colar completamente. Tirou todas as pedras para utilizá-las em diferentes braceletes, anéis e broches. Todo o lote se dispersou entre mãos diferentes. Era impossível localizar todas as gemas e voltar a reuni-las. ─Então, está perdido para sempre. ─concluiu Hugh com um suspiro dramático. Jared inclinou a cabeça. ─Eu temo que sim. Olympia levantou o queixo. ─Eu acredito que fez o que tinha que fazer, milord. Todos deveriam agradecê-los por ter solucionado tudo de forma lógica e prática, nessas circunstâncias. Suspeito que seus familiares, embora não tenham confessado abertamente, sintam-se muito orgulhosos de você. Jared levantou um ombro, transmitindo indiferença com seu gesto e olhou para o quarto na penumbra. A pesada chave que havia usado para destrancar a porta, a argola de ferro balançava no anel de ferro que tinha entre as suas mãos. ─Agora, nada disso tem nenhuma importância, não é verdade? Já está feito. Quanto aos fantasmas e demais coisas, eu duvido que, nesta antecâmara, vocês irão encontrar algo mais interessante além de móveis com muito poeira e velhos retratos de família. ─Retratos. ─A excitação aflorou na voz de Olympia. ─É claro. Talvez, haja algum retrato de Claire Lightboume, por aqui. E, talvez, até exista algum do capitão Jack. Jared olhou pela última vez o quarto, com uma expressão desdenhosa.
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─Possivelmente. Você poderá procurar por eles mais tarde, se quiser. Está ficando tarde e desconfio que o jantar deva estar pronto. ─Automaticamente, levou a mão ao bolso vazio. Olympia fez uma careta. Ethan, Hugh e Robert olharam para a mão de Jared, e prenderam a respiração. Um pálido sorriso apareceu nos lábios de Jared, quando roçou o bolso vazio com as pontas dos dedos. Virou-se sem fazer comentários e avançou para a porta. ─Vamos. Já perdemos muito tempo com isso. Os moços caminharam relutantes, atrás dele. Olympia olhou uma última vez para a sala, antes de segui-los. Consolou-se pensando que, em outra oportunidade, poderia voltar a procurar com tranquilidade o que queria.
Jared uniu as pontas dos dedos e olhou para seu novo mordomo analiticamente. Ele mesmo o havia contratado, logo depois de recomendar ao Félix que não se incomodasse em procurar uma pessoa para esse posto. Félix mostrou-se surpreso que Jared houvesse preferido entrevistar pessoalmente, os aspirantes a esse cargo. ─Jamais imaginaria que você iria se incomodar de selecionar pessoalmente, um mordomo, Chillhurst. ─Acho que é algo que devo fazer eu mesmo. ─respondeu-lhe Jared. ─Requer certas condições, sabe? Félix olhava para ele sem compreender. ─Por quê? Jared sorriu diante da confusão de seu amigo. ─Porque esta pessoa será obrigada a trabalhar com a governanta que temos atualmente, e que é uma mulher bem incomum. ─Já disse a você, que deveria me permitir que a trocasse por outra, bem treinada e experiente. ─murmurou Félix.
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─Não posso fazer isso. Minha esposa não permitiria que despedíssemos a Sra. Bird. Ela é muito apegada à ela. Félix olhou para ele de uma maneira estranha. ─Você permite que sua esposa dê as ordens nesse assunto? Jared abriu suas mãos em um gesto sardônico de resignada submissão, condizente com sua nova posição como marido. ─Vamos dizer que eu fico muito feliz por ser indulgente com minha esposa. Félix soprou sonoramente. ─Eu começo a acreditar que você esteja falando a verdade, quando diz que é um homem preso nas redes da paixão, Chillhurst. Você não é assim, meu amigo. Talvez precise consultar um médico. ─Você acha? Félix riu. ─Sim, mas aconselho que não vá ao mesmo médico que Beaumont está indo. Porque se pensarmos bem, o médico é tão ruim que não conseguiu curar o pobre Beaumont do mal que o aflige. A lembrança do conselho do Félix fez Jared sorrir, enquanto examinava o Sr. Graves, de Bow Street. Graves 8era um sobrenome correto, pensou Jared. Era alto, de ombros cansados e cadavericamente magro. Tinha uma permanente expressão doentia, assim como um coveiro. Jared havia ficado com ele, depois de ter entrevistado vários candidatos, vindos de Bow Street, por causa do brilho de perspicaz inteligência que detectou em seu olhar. ─Bem, então você compreende quais são as suas obrigações nesta casa? ─perguntou Jared. ─Sim, milord, eu acredito que sim. ─Graves puxava, desconfortável, sua nova jaqueta negra. Obviamente, não estava acostumado a tanto refinamento. ─Devo viajar de 8
Graves, em inglês significa túmulo.
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perto todos os habitantes desta casa e não permitir a entrada de ninguém que você mesmo não tenha autorizado a entrar. ─Correto. Também terá que ficar em alerta a qualquer acontecimento incomum ou suspeito. Eu quero um relatório diário de todos os eventos cotidianos, por mais mundanos que lhe pareçam, que aconteçam enquanto eu estiver ausente da residência. Está claro? ─Sim, milord. ─Graves fez um esforço heroico para erguer seus ombros cansados. ─Pode contar comigo para isso, senhor. Não falhei no outro assunto, não é verdade? ─Claro que não, Graves. ─Jared tamborilou os dedos. ─Você e seu amigo Fox me proporcionaram a evidência que eu precisava para pôr a prova a minha teoria. ─Fox e eu nos sentimos muito gratos em poder lhe servir, senhor. ─É como lhe falei, eu tenho razões para acreditar que alguém tentou sequestrar o sobrinho de minha esposa em uma ocasião. Além disso, é possível que alguém tenha invadido a nossa anterior residência em Ibberton Street. Quero que mantenha tudo sob a sua vigilância. Não estou preocupado se roubar alguma coisa, mas sim com a segurança de minha família. ─Entendido, Vossa Senhoria. ─Muito bem. Você se encarregará de suas obrigações a partir de agora. ─Jared franziu a testa. ─Mais uma coisa, Graves. ─Sim, milord? ─Faça tudo o que estiver ao seu alcance para se dar bem com a nossa governanta, a Sra. Bird. Não quero que aborrecer-me com brigas entre os empregados, de acordo? ─Sim, senhor. A Sra. Bird e eu já nos apresentamos. É uma mulher muito particular, se não se importar que eu comente. Muito espirituosa. Sempre gostei muito de mulheres espirituosas. Jared dissimulou um sorriso. ─Eu vejo que não será necessário me preocupar com o assunto. Pode retirar-se, Graves. ─Sim, Vossa Senhoria.
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Jared esperou até que seu novo mordomo se retirasse da biblioteca. A seguir, ficou de pé e rodeou sua escrivaninha, para olhar pela janela. Os jardins ainda pareciam um verdadeiro desastre, mas a mansão, que tinha estado fechada durante anos, tinha mudado radicalmente por dentro. Tinham limpado e lustrado tudo. A madeira reluzia e os cristais haviam retomado o seu brilho natural. Essa velha monstruosidade, milagrosamente, deixara de ser um claustro para transformar-se em um lar acolhedor, para os três meninos que estavam sob a sua proteção e de sua esposa. Não, corrigiu-se imediatamente. Era exatamente o contrário. Os três meninos e Olympia haviam transformado a casa em um lar. Depois de alguns minutos de reflexão, Jared voltou para sua mesa e sentou-se. Abriu uma gaveta e extraiu sua agenda. Ao abri-la, contemplou as anotações que havia feito ali nos últimos meses. Não havia outra conclusão. A evidência era muito forte para ser ignorada. Jared se perguntou por que adiara o inevitável por tanto tempo. Não era típico dele vacilar sobre esses assuntos. Havia suspeitado do culpado desde o princípio, mas teve a esperança de encontrar outra explicação para a malversação dos recursos. Já estava na hora de agir. Já tinha feito o papel de idiota durante muito tempo.
A notícia de que Olympia havia se casado com o visconde Chillhurst correu com uma velocidade assombrosa. Ela desejava que tivesse sido diferente. Ser uma viscondessa estava se tornando um grande aborrecimento, pensou Olympia dois dias depois, enquanto lhe ajudavam a descer da antiga carruagem Flamecrest. Aparentemente, quando alguém possuía um título, perdia parte de sua identidade pessoal. Jared ordenou que tirassem o velho coche do depósito, que o limpassem, lustrassem e que este fosse puxado por cavalos bem robustos. Em seguida, estabeleceu que cada vez que Olympia saísse da mansão, deveria estar escoltada, permanentemente, por um criado e uma dama de companhia.
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A nova dama de companhia, uma moça de dezessete anos, muito ansiosa por agradar e submissa, seguiu Olympia, tal como suas obrigações ditavam, enquanto esta subia as escadarias de entrada da Instituição Musgrave. ─Pode esperar em um desses bancos, Lucy. ─Olympia indicou os bancos de madeira que estavam no vestíbulo que antecedia à biblioteca. ─Retornarei dentro de uma hora, aproximadamente. ─Sim, senhora. ─Lucy fez sua reverência. Olympia entrou imediatamente à biblioteca. O velho bibliotecário assentiu com a cabeça, como forma de cumprimento. ─Bom dia, lady Chillhurst. Lamento qualquer descortesia de minha parte, no passado. ─Bom dia, Boggs. ─Olympia tirou suas luvas e sorriu para o homem. ─O que é esse negócio de alguma descortesia? Você sempre foi muito atencioso comigo. ─Lamento dizer que não sabia que você era a viscondessa Chillhurst. ─Boggs olhou para ela, indignado consigo mesmo. ─Ah, por isso, ─Olympia subtraiu importância dessa questão. Já havia discutido com Jared como deveria dirigir tipo de situação. ─É claro que você não tinha conhecimento dos fatos. Meu marido gosta de privacidade, e por isso decidimos permanecer quase no anonimato, enquanto estivéssemos na cidade. Mas como, mesmo assim nos descobriram, Sua Senhoria decidiu que já não haveria sentido continuar nos ocultando de todo o mundo. Evidentemente, para Boggs não entrava na cabeça que alguém que tivesse um título tão ilustre iria querer permanecer no anonimato. Mas, era muito gentil para expressar seus pensamentos em voz alta. ─Sim, senhora. ─Você se importaria muito se eu der uma olhada nas cartas e mapas das Índias Ocidentais mais uma vez? ─Absolutamente. ─Boggs a conduziu para a sala dos mapas. ─Use o que precisar. Já abri a sala para outro membro da sociedade. Ele está aqui agora, pesquisando o material.
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─Sim? ─Olympia franziu ligeiramente a testa. ─O Sr. Torbert ou o Sr. Aldridge? ─Não, o Sr. Gifford Seaton. ─O Sr. Seaton? ─Olympia estava tão assombrada que, por pouco não deixou cair sua bolsa. ─Não sabia que ele também era membro da sociedade. ─Sim, ele é. Inscreveu-se um pouco depois que sua irmã se casou com Lorde Beaumont. Deve ter sido há uns dois anos, eu acho. Ele passa grande parte do seu tempo no gabinete das Índias Ocidentais. ─Entendo. ─Olympia foi até a porta e olhou para o interior empoeirado. Gifford estava em pé, frente a uma grande mesa de mogno, examinando um mapa que havia desenrolado. Levantou os olhos e viu Olympia. Seu sorriso era calculado. ─Lady Chillhurst. ─Gifford manteve a mão em um extremo do mapa, enquanto saudava Olympia com uma pequena e elegante reverência. ─Que bom vê-la. Eu ouvi dizer que tinha o hábito de utilizar a biblioteca da sociedade. ─Bom dia, Sr. Seaton. Até esta manhã eu na sabia que você é membro ativo da Sociedade para Viagens e Explorações. ─Tenho lido todos os seus artigos publicados pelo Jornal da Sociedade. ─murmurou Gifford. ─São extremamente informativos, se me permite dizer. ─É muito amável de sua parte. ─Olympia sentiu-se ridiculamente satisfeita. O malestar que havia experimentado ao ver o Gifford nessa sala foi desvanecendo-se lentamente. Aproximou-se mais da mesa e olhou para o mapa. ─Vejo que está estudando as Índias Ocidentais. Está escrevendo algum relatório ou planejando uma viagem à esta região? ─Ambas são possíveis. ─Gifford a estudou meticulosamente. ─Eu percebi que você também é interessada nessa região, lady Chillhurst. Boggs me disse que você tem estudado os mapas e cartas desta área. ─Tem razão. ─Olhou o mapa que Gifford havia desenrolado. ─Entretanto, não tive oportunidade de estudar este, em particular. Parece bem antigo. ─E, é. Eu o encontrei mês passado, e o guardei em uma gaveta especial. Para poder ter acesso a ele quando necessitasse.
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─De verdade? ─Olympia olhou para o mapa, ansiosa. ─Foi por isso que eu não o encontrei em minhas investigações anteriores. ─Sem dúvida. ─Gifford hesitou, e a seguir, fez um gesto para o mapa. ─Pode examiná-lo agora, se desejar. Eu achei muito interessante, porque contém pequenas ilhas, que não aparecem em outros mapas da coleção da sociedade. ─Que interessante. ─Olympia deixou de lado a sua bolsa e se inclinou sobre a folha de pergaminho ressecada. ─Eu posso deduzir que esteja interessada nas ilhas não registradas das Índias Ocidentais, senhora? ─Sim, é verdade. ─Olympia aproximou-se mais do mapa, em busca de pontos familiares de referência, que havia localizado em outros mapas da área. O mapa, simples e sem decoração, a primeira vista, era decepcionante. ─Esta é uma descrição muito pouco usual da geografia dessa região. Não está tão elaborada como a maioria. ─Disseram-me que este mapa foi feito, pessoalmente, por um bucaneiro que percorreu as Índias Ocidentais há mais de cem anos. ─O mapa de um pirata? ─Olympia levantou os olhos, imediatamente e descobriu que Gifford olhava para ela de uma maneira muito peculiar. ─De verdade? Ele deu de ombros. ─Foi isso o que Boggs me disse. Mas, quem pode ter certeza dessas coisas? O mapa não está assinado, de modo que não há modo de confirmar o nome da pessoa que o desenhou. ─Fascinante. ─Olympia continuou examinando o mapa. ─Certamente, parece muito antigo. ─Sim. ─Gifford se moveu e ficou mais perto dela, para que ele também pudesse estudar o mapa. ─Lady Chillhurst, eu gostaria de desculpar-me por meu comportamento da outra tarde. Lamento se eu a ofendi.
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─Não se preocupe, senhor. ─Olympia examinou mais de perto um pequeno ponto de terra, que não havia notado em outros mapas. ─Eu acredito que há uma grande dose de emoção envolvida nesse assunto. ─Minha irmã e eu estivemos éramos sozinhos no mundo, ─disse Gifford ─até que ela se casasse com Beaumont, a nossa situação financeira foi extremamente precária. Houve momentos em que eu temi que passaríamos o resto de nossas vidas em um asilo, ou em uma prisão para devedores. Olympia sentiu-se solidária. Pelo menos, ela não havia tido esse temor, graças à pequena herança que recebera de tia Sophy e tia Ida. ─Deve ter sido terrível para vocês. ─disse Olympia gentilmente. ─Não tinham nenhum parente a quem recorrer? ─Nenhum. ─O sorriso de Gifford foi melancólico. ─Vivíamos como podíamos, senhora. E, lamento dizer que, na maioria das vezes, foi minha irmã quem teve que suportar a carga mais pesada. Eu era muito jovem para ajudá-la. Encarregou-se de nós dois, até que conseguiu casar-se bem. ─Entendo. Gifford apertou a boca. ─Minha família nem sempre foi pobre. Demetria e eu tivemos que passar por essa vergonha, porque meu pai não tinha talento para as finanças. E, para piorar as coisas, adorava os jogos de azar. Disparou um tiro na cabeça no mesmo dia em que apostou seu último centavo que restava da herança que havia recebido. Olympia esqueceu o mapa que havia em sua frente. A dor nos olhos de Gifford não poderia ser ignorada. ─Lamento muitíssimo escutar isso. ─Minha avó foi herdeira de uma grande fortuna, sabe? ─Ela foi?
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─Sim. ─Gifford assumiu uma expressão distante, como se estivesse olhando o passado e vendo com nitidez. ─Havia herdado um império em construções navais do meu bisavô e o administrou com a mesma habilidade que qualquer homem. ─Foi, certamente, uma mulher muito inteligente. ─disse Olympia. ─Dizia-se que era extremamente ardilosa. Nessa época, seus navios zarpavam da América até os pontos mais distantes do planeta, levando sedas, especiarias e chá. ─América? ─Sim. Meu bisavô havia estabelecido sua empresa naval em Boston. Minha avó se criou ali. Eventualmente, casou-se com um de seus capitães. Chamava-se Peter Seaton. ─Seu avô? Gifford concordou. ─Jamais conheci nenhum de meus avós. Meu pai era filho único. Quando seus pais morreram, herdou tudo. Vendeu os navios e veio para a Inglaterra. ─Gifford apertou o punho. ─Casou-se e, logo começou a esbanjar todo o dinheiro. ─O que aconteceu sua mãe? Gifford baixou a vista, com o punho ainda fechado. ─Morreu quando eu nasci. ─E, agora você só tem a sua irmã. Gifford entrecerrou os olhos. ─E, ela só tem a mim. Espero que entenda por que me enfureci quando Chillhurst rompeu o noivado. Ela trabalhou muito para ganhar o interesse dele. Empenhou as últimas joias que restavam de minha mãe para comprar as roupas para impressioná-lo, nesse verão. Olympia tocou em sua manga. ─Sr. Seaton, eu estou muito triste por causa da sua infeliz história familiar. Mas, por favor, não culpe o meu marido pelo que aconteceu. Eu o conheço bem o bastante, para saber que ele não terminou o compromisso porque ficou sabendo da situação financeira de sua irmã.
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─Demetria me contou a verdade, e eu prefiro acreditar nela, e não em Chillhurst. ─Gifford afastou-se bruscamente da mesa. ─É tudo tão terrivelmente injusto. ─Mas, sua irmã fez um casamento financeiramente seguro e parece muito feliz. Você desfruta das vantagens de sua conexão com lorde Beaumont. Por que não está tão satisfeito como ela, então? Gifford virou-se imediatamente, para olhá-la cara a cara, consumido pelo ódio. ─Porque não está certo. Não entende? Não é justo que Chillhurst tenha tudo e nós não tenhamos nada. Nada. ─Sr. Seaton, eu não compreendo. Parece-me que vocês conseguiram o que queriam. Gifford fez um esforço evidente para manter o controle. Fechou os olhos e inspirou profundamente. ─Peço-lhe que me perdoe, lady Chillhurst. Não sei o que aconteceu. Olympia sorriu insegura. ─Talvez o melhor fosse mudarmos de assunto. Quer que estudemos juntos este mapa? ─Em outro momento, talvez, ─Gifford tirou o seu relógio do bolso e olhou a hora. ─Tenho outro compromisso. ─Sim, é claro. ─Olympia olhou o relógio, pensando naquele que Jared tinha sido compelido a entregar para recuperar Robert. ─É um relógio muito bonito. Poderia me dizer onde posso comprar outro igual? Gifford franziu a testa. ─Eu o comprei em uma pequena loja em Bond Street. Toda a peça foi desenhada especialmente para mim. ─Entendo. ─Intrigada, Olympia avançou um passo. ─O motivo da caixa é muito original, parece um tipo de serpente? ─Uma serpente marinha. ─Gifford voltou a guardar o relógio no bolso. ─Uma criatura mitológica e lendária, como você sabe. ─O sorriso de seus lábios não se refletia em
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seu olhar. ─É o símbolo de um tempo em que minha família ocupava o lugar que lhe correspondia no mundo. Agora, se me perdoar, devo ir. ─Um bom dia para você, Sr. Seaton. ─Olympia olhou pensativa, enquanto Gifford saía do gabinete. Quando ficou sozinha, voltou a concentrar-se no velho mapa que estava sobre a mesa. Mas, sua mente já não estava ali. Estava preocupada com o elaborado desenho do relógio de Gifford e da caixa. Eram estranhamente familiares. ─Bem-vinda a casa, milady. ─Graves sustentou aberta a porta principal da mansão Flamecrest, enquanto Olympia subia rapidamente os degraus de entrada. ─Temos visita. ─Temos? ─Olympia parou no vestíbulo e se virou para olhar o novo mordomo. ─Será que a Sra. Bird já sabe? ─Sim, milady, já sabe. ─Graves riu. ─E, está um pouco alvoroçada por isso. A Sra. Bird apareceu em cena. ─Srta. Olympia, é você? Já era hora que chegasse. Vossa Senhoria me disse que esta noite teremos mais duas pessoas para jantar. E, ainda por cima, tenho que preparar dois quartos para que pernoitem. O que eu quero saber, é se toda essa confusão vai ser comum por aqui. ─Bem, na realidade, eu não posso lhe responder sobre isso, ─disse Olympia. ─não tenho a menor ideia de quantos amigos Vossa Senhoria irá receber. ─Estes, não são amigos, ─disse a Sra. Bird ameaçadoramente ─são parentes. O pai e o tio de Vossa Senhoria. ─Baixou a voz e olhou para ambos os lados, para assegurar-se que não houvesse mais ninguém no ambiente. ─O pai de Vossa Senhoria é um conde. ─Sim, eu já sei. ─Olympia desatou as fitas de seu chapéu. ─E, tenho certeza que você poderá solucionar o problema dos convidados desta casa, Sra. Bird. Graves sorriu à Sra. Bird de maneira muito afetuosa. ─É claro que pode, senhora. O pouco tempo que estou trabalhando nesta casa bastou para perceber que a Sra. Bird é uma mulher muito habilidosa.
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A Sra. Bird ficou vermelha como um tomate. ─Eu queria apenas saber com que frequência enfrentarei esses acontecimentos. Preciso fazer planos, como deve saber? ─Não hesite em me pedir ajuda quando necessitar, Sra. Bird, ─comentou Graves. ─estou preparado para colaborar no que for preciso. Juntos, eu tenho certeza que conseguiremos. A Sra. Bird piscou. ─Eu suponho, então, que vamos conseguir. ─Não duvide disso. ─disse Graves. Olympia olhou para um e outro. ─Onde está Sua Senhoria e nossos convidados? ─Sua Senhoria está na biblioteca, senhora. ─disse Graves. ─Os convidados, estão no andar superior, com os jovens cavalheiros. Acredito que o conde e seu irmão estão contando histórias para os Mestres Robert, Ethan e Hugh. Olympia, que se dirigia à biblioteca, parou por um momento. ─Histórias? ─Acredito que sobre um indivíduo chamado capitão Jack, senhora. ─Ah! Bem, então meus sobrinhos devem estar muito entretidos com as histórias. ─Olympia segurou o trinco da porta da biblioteca. ─Permita-me, senhora. ─Graves correu para abrir-lhe a porta. ─Obrigado. ─disse-lhe Olympia gentilmente, um pouco assombrada por semelhante tratamento. ─Faz isso todo o tempo? ─Sim, senhora. Faz parte do meu trabalho. ─Graves inclinou a cabeça e lhe fez um gesto como para que entrasse na biblioteca. Jared estava sentado em sua escrivaninha. Ele levantou os olhos assim que percebeu Olympia entrar. ─Bom dia, querida. ─ficou em pé. ─Alegra-me que esteja em casa. Temos visita. Meu pai e meu tio chegaram.
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─Pois é, eu soube. Jared esperou a que a porta se fechasse atrás dela. Em seguida, lhe sorriu convidativo. Olympia traçou uma linha reta, atravessou toda a sala, e se atirou em seus braços. Levantou o rosto para receber seu beijo. ─Acredito que gosto de estar casado. ─murmurou Jared, quando finalmente elevou a cabeça. ─Eu também. ─Olympia retrocedeu um passo, de forma reticente. ─Jared, acabo de ter a conversa mais estranha de minha vida, com Gifford Seaton. Há um ou dois pontos que eu... O sorriso sensual de Jared desapareceu atrás de uma máscara furiosa. ─O que você disse? Olympia franziu a testa. ─Não há necessidade de levantar a voz, milord. Posso escutá-lo perfeitamente bem. Eu dizia que acabei de manter uma estranha conversa com o Sr. Seaton. ─Seaton falou com você? ─Sim, é isso o que estou tentando dizer-lhe. Encontramo-nos na biblioteca da sociedade, na Instituição Musgrave. E, o mais curioso, parece que tanto o Sr. Seaton, como eu, temos interesse nas Índias Ocidentais. ─Aquele bastardo! ─disse Jared, com uma voz perigosamente baixa. ─Eu disse a ele para ficar longe de você. Olympia olhou para ele aborrecida. ─Não acho que deva insultá-lo dessa forma. O Sr. Seaton é um homem perturbado. Ele teve uma vida muito difícil. ─Seaton é um manipulador, um jovem canalha sanguinário, cujo único interesse é fazer o mal. Eu lhe dei ordens estritas de que se mantivesse afastado de você. ─Pelo amor de Deus, Jared, não é culpa do Sr. Seaton que tenhamos nos encontrado acidentalmente, na biblioteca da sociedade.
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─Não esteja tão segura disso. Talvez, Seaton soube que você frequenta a biblioteca, e que passa várias horas ali. Portanto, deliberadamente, pode ter planejado uma visita para que coincidisse com a sua. ─A verdade, Jared, é que você está extrapolando. O Sr. Seaton parece ter um interesse acadêmico genuíno nas Índias Ocidentais. Até me permitiu ver o mapa que havia descoberto na biblioteca. ─Eu aposto que ele tinha um motivo para fazê-lo. ─Jared se sentou na cadeira de sua escrivaninha, com uma expressão sombria. ─Seja como for, eu me encarregarei disto. Nesse meio tempo, você deverá evitar outro contato com Seaton. Está claro, milady? Olympia olhou para ele, chocada. ─Isto é tudo, milord. ─Tudo? Ainda não comecei. Vou dar ao jovem Seaton uma lição que não esquecerá em toda sua vida. ─Jared, eu não vou permitir esse tipo de conversa. Certamente, não vai pensar que pode dar ordens irracionais e fazer declarações selvagens só porque se converteu em meu marido. Jared a olhou friamente. ─Sei muito bem que você prefere não ter que preocupar-se com problemas desagradáveis da vida cotidiana, querida. Não obstante, quanto ao nosso matrimônio, há um pequeno detalhe que eu temo que você terá que ter muito em conta. Olympia entrecerrou os olhos. ─E, qual é esse pequeno detalhe? Jared se reclinou sobre o encosto de sua cadeira, apoiou os cotovelos nos braços e uniu as pontas dos dedos. ─Eu sou o senhor desta casa. Farei o que achar melhor e tomarei as decisões adequadas. Você deverá obedecer essas decisões, milady. Olympia ficou boquiaberta.
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─Não farei semelhante coisa. Não, a menos que esteja de acordo com essas decisões. E, acontece que não estou de acordo com a decisão que acaba de ditar com respeito ao Sr. Seaton. ─Maldição, Olympia. Sou seu marido e você deve fazer o que eu disser. ─Farei o que eu quiser, da forma como sempre fiz. ─vociferou Olympia. Ouviu que a porta se abria às suas costas, mas não prestou nenhuma atenção. ─Agora, você vai me escutar, Sr. Chillhurst e prestará muita atenção. Não se esqueça que eu empreguei você como professor desta casa. Afinal de contas, parece-me que você continua sendo ainda é meu empregado. ─Isso é um verdadeiro absurdo! ─Jared respondeu de forma irada. ─Você é minha esposa, não minha patroa. ─Isso, senhor, é uma questão de opinião. No que diz respeito a mim, não mudou em nada o nosso acordo original. ─Tudo mudou, ─disse Jared entre dentes ─e, isso, minha senhora, não é uma questão de opinião. É um assunto legal. ─Ei! Oh! ─Uma voz desconhecida interrompeu a disputa antes que Olympia pudesse responder. ─O que está acontecendo aqui? ─perguntou outra voz da porta. ─Você acha que estamos interferindo em uma briga doméstica, Thaddeus? ─Parece que sim. ─disse o primeiro, com tom alegre. ─Nunca tinha visto seu filho irritado, Magnus. Talvez o casamento tenha lhe feito muito bem. ─Santo céu! ─murmurou Jared, e olhou para a porta. ─Milady, permita-me apresentar-lhe o meu pai, o conde de Flamecrest, e meu tio Thaddeus Ryder. Cavalheiros, minha esposa. Quando Olympia se virou para encontrar dois homens de aspecto imponente e maduros. Bonitos, com cabelos grisalhos e vestidos elegantemente, sorriram para ela, de forma terrivelmente diabólica, não deixando dúvida nenhuma que teriam arrebatados muitos corações femininos.
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─Flamecrest, às suas ordens. ─disse o mais alto dos dois, com uma reverência elegante. ─É um prazer conhecê-la, senhora. ─Thaddeus Ryder. ─O segundo homem lhe sorriu com simpatia. ─Alegra-me comprovar que, finalmente, Jared tenha cumprido com suas obrigações com a família. Suponho que ainda não teve tempo para encontrar a chave do tesouro do capitão Jack, não é mesmo? Jared soltou uma exclamação de puro desgosto. ─Maldição, tio, por um acaso não conhece o significado de discrição? Thaddeus olhou surpreso para ele. ─Não é mais necessário sermos discretos agora, rapaz. Ela é da família. ─A melhor de todas as possibilidades, se me permitirem dizer, ─disse Magnus, com um sorriso radiante para Olympia ─dessa forma, não terá que incomodar-se em visitá-la às escondidas pelas noites e tentar cativá-la para que revele o segredo. Agora, será um prazer para ela nos contar tudo o que descobrir, não é verdade, minha querida? Olympia estudou os homens com grande interesse. ─Ficarei muito feliz em compartilhar com vocês tudo o que encontrar em minhas investigações. Entretanto, acredito que devem saber que alguém mais está atrás do tesouro. ─Pelos pregos de Cristo! ─O sorriso do Magnus transformou-se em um grunhido de indignação. ─Eu temia isso. ─Olhou para seu irmão. ─Não disse que estava com um mau pressentimento, Thaddeus? Thaddeus parecia preocupado. ─Sim, me disse, Magnus. Me disse isso mesmo. E, as premonições são sempre muito respeitadas, em nosso clã. Nós todos sabemos disso. ─Examinou Olympia. ─Tem alguma ideia de quem poderia estar atrás do tesouro de nossa família, minha querida? Olympia se deu conta de que, pelo menos, ela estava na presença de pessoas que entendiam as suas preocupações, e que não iriam subestimar os seus temores. ─Bem, a minha ideia de quem poderia estar por trás das ameaças pode parecer meio ridícula, senhor. Chillhurst se negou a lhe dar crédito.
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Magnus torceu o nariz. ─Meu filho é muito inteligente para certas coisas, mas falta-lhe imaginação. Não preste atenção a ele. Conte-nos o que pensa, moça. Com o rabo do olho Olympia percebeu que Jared apertava a boca. Ela o ignorou. ─Acredito que algo ou alguém conhecido como o Guardião, está atrás do tesouro do capitão Jack. ─O Guardião. ─Magnus olhou para ela surpreso. Thaddeus parecia tão surpreso, quanto confuso. ─O Guardião, não é? Olympia assentiu com a cabeça. ─O diário faz uma clara advertência sobre o Guardião. Magnus e Thaddeus se olharam entre si e, a seguir para Olympia. ─Bem, se esse for o caso, não tem por que preocupar-se, minha querida. ─explicou Magnus com ar de grande paciência. Thaddeus confirmou. ─Precisamente. Jared falou com um tom de ameaça em sua voz. ─Eu preferiria que este assunto fosse posto de lado, agora mesmo. ─Por quê? O que vocês sabem sobre este Guardião? ─perguntou Olympia a Magnus. Magnus arqueou uma espessa sobrancelha, com um gesto assombrosamente familiar. ─O Guardião é o seu marido, minha querida. Por um acaso, o meu filho não lhe contou que tem a grande honra e a responsabilidade deste título desde que completou dezenove anos? ─Minha família batizou Jared com o título de O Guardião, desde que ele resgatou os meus dois meninos das mãos de um contrabandista. ─disse Thaddeus. Olympia não podia acreditar o que estava escutando. Recuperou-se, virou-se abruptamente e olhou Jared cara a cara. ─Você não se incomodou em mencionar esse pequeno detalhe.
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Jared apoiou as mãos nos braços da cadeira, para ficar de pé. ─Olhe, Olympia, eu posso explicar... Olympia estava furiosa. ─Sr. Chillhurst, o senhor me enganou desde o começo. Se não era uma coisa, era outra. Fui permissiva com suas paixões ferozes, e suas emoções, mas nisto, chegou muito longe Como pôde me ocultar que você era O Guardião? ─Maldita seja, Olympia, isto é uma tolice. Você estava se preocupando por causa de um fantasma lendário, que está por trás do segredo do diário. Eu não sou uma lenda, nem um fantasma. E, não me importo nem um pouco com o maldito tesouro. ─Sr. Chillhurst, devo dizer-lhe que não cooperou em nada, neste assunto. Para falar a verdade, dificultou as investigações a cada passo, negando-se a lhe dar a atenção que merecia. Estou muito aborrecida com você, senhor. ─Estou vendo, ─murmurou Jared ─mas, qual a importância de que meu pai me tenha conferido o absurdo título de O Guardião quando eu tinha dezenove anos? Essa informação não serve para nada em suas pesquisas. Olympia levantou o queixo. ─Isso é o que veremos Sr. Chillhurst. ─Olympia, espera... Mas Olympia não estava com humor para esperar. Acabava de descobrir outra peça do quebra-cabeças. Precisava refletir a respeito. Saiu correndo da biblioteca sem olhar para trás.
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Capítulo 16
Magnus sorriu a Jared. ─Sr. Chillhurst? ─Ocasionalmente, minha esposa esquece que já não sou seu empregado. ─disse Jared friamente. ─Seu empregado? ─Thaddeus riu. ─De onde ela tirou essa ideia? ─É uma longa história, senhor. ─Jared rodeou a escrivaninha. ─E, neste momento, não tenho tempo para contar-lhe. Agora, se me desculparem, devo falar com minha esposa. Como viram, é uma mulher de temperamento explosivo. Magnus deu um tapa em sua perna e soltou uma gargalhada. ─Fico feliz que você tenha encontrado uma mulher interessante, filho. Devo confessar que tinha medo que você procurasse uma mulherzinha tola e sem inteligência que te amargurasse a vida. Thaddeus riu. ─Ela acredita que você é um homem de fortes paixões, rapaz. De onde raios tirou essa ideia? ─Não sei. ─Jared apertou com força o trinco da porta. ─Volto em seguida. Devo deixar algo bem claro para lady Chillhurst, antes que o dia termine. ─Vá em frente, filho. ─disse Magnus. ─Desfrutaremos de um pouco do seu brandy, na sua ausência. Espero que seja do bom, francês, da adega do capitão Harry. ─Sim, ─respondeu Jared. ─tratem de consumi-lo, antes que eu volte. ─Tome seu tempo, rapaz, tome seu tempo. ─Thaddeus fez um gesto com a mão, insistindo para que ele saísse. Jared saiu da biblioteca, cruzou o vestíbulo com piso de mármore e subiu as escadas. A porta do quarto da Olympia estava fechada. Jared apertou a boca. Levantou a mão e bateu fortemente.
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─Vá embora, ─disse-lhe ela de dentro, com tom distante e distraído ─estou muito ocupada. ─Olympia, eu preciso falar com você. ─Realmente, não tenho tempo para perder tagarelando sobre quem é que manda nesta casa, Sr. Chillhurst. Preciso continuar o meu trabalho. ─Mas que inferno, mulher! Precisa parar de me dar ordens como se eu fosse mais um empregado desta casa. Jared pôs a mão no trinco. Girou-o violentamente, embora esperasse encontrar a porta fechada com chave, para sua surpresa, não foi assim. A porta se abriu com muita mais força do que Jared esperava. Bateu contra a parede, ruidosamente, ao ponto de Olympia sobressaltar-se em sua cadeira. Olhou furiosa para ele de sua mesa. ─Disse-lhe que estava eu ocupada, senhor. ─Muito ocupada para falar com seu marido? ─Jared fechou a porta e cortou rapidamente a distância entre eles, com uma indiferença que não sentia. Olympia aproximou suas sobrancelhas, em uma expressão carrancuda. ─Eu não me sinto muito generosa com você, neste momento, milord. Ainda não consigo acreditar, que não tenha me contado toda a verdade sobre você. ─Ao diabo com tudo isso Olympia. Durante todos esses anos, tentei esquecer todas estas bobagens sobre ser O Guardião. O olhar de Olympia se fixou no parche negro que lhe cobria o olho, e sua expressão se tomou mais terna. ─Sei que esse título deve lhe trazer lembranças terríveis. Mas, é uma peça muito importante neste quebra cabeça. Pode ser a chave de todo o projeto. ─Não é a chave. Como poderia ser? Eu admito que sou conhecido como O Guardião dentro do círculo de minha família, mas eu não dou a mínima para o diário ou para o tesouro. O aviso sobre mim é um absurdo insensato. Você não deve levá-lo a sério. A compreensão iluminou o olhar de Olímpia.
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─Foi por isso que você não me disse a verdade no começo. Você ficou com medo de como eu iria interpretar o aviso. Você pensou que eu iria assumir o pior sobre você. ─Eu não quero que você tenha medo de mim. Maldição, minha senhora, eu não sou o fantasma do Capitão Jack. Olympia bateu a pena contra uma folha de papel. ─Eu nunca disse que era. Eu não acredito em fantasmas, meu senhor. ─Então, como é possível que eu esteja conectado com esse enigma do diário? ─perguntou Jared. O olhar de Olympia se tornou pensativo. ─Esse é o problema que estou tentando resolver no momento, senhor. Devo descobrir a relação entre a advertência e o Amo da Siryn e o resto dos dados. Seja gentil e retire-se, por favor. Eu sei que nada disso o interessa e eu não posso me concentrar com você em pé na frente e gritando comigo a cada momento. ─Não estou gritando com você. ─Sim, você está. Honestamente, Jared, a sua natureza emocional está tornando tudo muito difícil. Eu entendo, é claro, mas realmente, eu insisto para que saia do meu quarto. A indignação tomou conta de Jared. ─Não se atreva a me expulsar do seu quarto, milady. ─Por que não? ─Olhou para ele com cautela. ─É o meu quarto, neste momento, e não quero que você fique aqui. ─Ah, é mesmo? ─Jared se agachou e a arrancou da cadeira. ─Nesse caso, iremos para o meu quarto. ─Sr. Chillhurst, ponha-me no chão, agora mesmo. ─Olympia pôs a mão em sua touca, que começava a deslizar por seu cabelo. ─Tenho trabalho a fazer. ─Na verdade, você tem! Já está na hora de cumprir com algumas de suas obrigações conjugais. ─Jared atravessou sem demora a porta que comunicava o quarto de Olympia com o seu.
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Caminhou para a enorme cama e estendeu Olympia sobre ela. A touca terminou de cair e sua bela cabeleira avermelhada e brilhante se espalhou sobre os travesseiros. O vestido havia subido até os joelhos, revelando suas formosas pernas, cobertas com meias. ─Sereia... ─sussurrou Jared. O desejo se apoderou dele, uma onda poderosa que ameaçava varrê-lo para longe. Deitou-se sobre Olympia, prendendo-a para que não pudesse escapar. Já estava ereto. Sentia o fogo arder em suas veias e uma irrefreável necessidade. Olympia abriu os olhos desmesuradamente. ─Por Deus, Sr. Chillhurst. É pleno dia. Permita-me lhe informar, senhora, que em certas partes do mundo, os costumes ditam fazer amor em pleno dia. ─Sério? ─Seu assombro converteu-se em sensual curiosidade. ─Em plena luz do sol? ─Esse costume deixaria muitas pessoas maçantes em choque, mas não aos homens e mulheres de mundo, como nós, Olympia. Nós, eu e você, somos diferentes. ─Sim. ─O sorriso de Olympia foi lento e de infinita doçura. Seus olhos lhe deram a erótica aceitação. ─Somos diferentes, milord. Ele beijou o seu pescoço e a sentiu derreter-se. A jovem enterrou os dedos em seus cabelos e arqueou o corpo contra o dele. Uma quente e pulsante alegria se apoderou de Jared. A resposta inebriante de Olympia abria as comportas de sua própria paixão. Ela era sua, pensou exultante. Não podia resistir a ele, mesmo que estivesse furiosa. Ela devia amá-lo. Ela tinha que amá-lo. De repente, Jared se deu conta que precisava escutar essas palavras de seus lábios. Por que ela não havia falado em voz alta? Perguntou-se. Certamente ela o amava. Deixou essa consideração de lado, pois a paixão se impunha. Olympia lhe deu de presente seu sorriso de sereia e lhe acariciou a perna com seu pé ainda calçado.
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─É uma sorte que nos tenhamos encontrado, não é verdade, milord? Não acredito que haja outro homem na face da Terra que esteja mais em sintonia
com minha
personalidade que você. ─Eu fico muito contente que pense assim, ─Jared tomou um seio possessivamente ─porque pode estar segura que não existe outra mulher na face da Terra que entenda minha natureza, assim como você.
Muito tempo depois, relutantemente, Jared rodou sobre o corpo de Olympia e relaxou contra os travesseiros. Colocou um braço sob a nuca e contemplou o forro do teto com profunda satisfação. Olympia movimentou-se e se esticou ao seu lado. ─Fazer o amor a pleno dia é um costume muito agradável, não, milord? Devemos voltar a praticar novamente, muito em breve. ─Definitivamente. ─Jared a abraçou. ─Eu espero que você não volte a me jogar para fora do seu quarto no futuro. ─Eu certamente, pensarei duas vezes antes de fazê-lo. ─respondeu Olympia, muito séria. Jared bufou. ─Eu falei sério, minha pequena sereia. Você pode me enfeitiçar com um olhar ou com um sorriso, mas não vai me dar ordens como se eu ainda fosse o seu empregado. Eu serei o senhor em minha casa, da mesma forma que sou nos meus assuntos comerciais. E, também serei o senhor de minha esposa. Fui bem claro? ─É isso! ─Olympia se sentou na cama, sem prestar atenção a sua nudez. Olhou para Jared, com os olhos acesos de excitação. ─Mestre de sua esposa. ─Eu estou feliz que esteja de acordo, milady. ─Jared estudou a formosa curvatura de seus seios. ─Em um momento determinado, um homem deve fazer valer o seu ponto de vista. ─Mestre/Amo de sua esposa. Jared, você sempre me chamou de sereia.
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─Sim. ─Jared delineou os contornos do mamilo esquerdo de Olympia com o polegar. ─É porque você é uma sereia. ─Você não entende, milord? ─Olympia se ajoelhou ao seu lado, entre as mantas desarrumadas. ─Acaba de autodenominar-se Mestre da Sereia. O capitão Jack era o Mestre da Siryn e você, é seu descendente. Você é o novo Mestre da Siryn. Jared compreendeu tardiamente para onde apontavam as deduções de Olympia e gemeu. ─Olympia, você já foi muito longe com esta lógica. ─Não, não o bastante. ─Olympia se levantou com um pulo. ─Devo voltar para trabalho imediatamente. Saia, Jared. Você me distrai. ─Milady, acontece que estou em meu quarto. ─Ah, sim! É verdade. Então, você precisa me desculpar, mas eu tenho que voltar para o meu quarto. ─Olympia virou-se rapidamente e saiu correndo pela porta aberta. Jared contemplou a imagem de suas nádegas suavemente arredondadas, até que desapareceu de sua vista. Em seguida, suspirou e sentou-se lentamente. Ele examinou as roupas descartadas, que haviam sido abandonadas, de forma negligente, sobre sua cama e o tapete. Recolheu a pequena touca branca de Olympia e sorriu. Levantou os olhos e franziu a testa, quando viu o relógio de parede. Era quase a uma hora, e tinha um compromisso, no porto, dentro de quarenta e cinco minutos. ─Raios. Jared recolheu a sua camisa. O casamento fazia estragos na rotina de um homem.
Quarenta e cinco minutos depois, Jared desceu de um coche de aluguel e caminhava por uma rua muito movimentada, até um pequeno botequim. O homem que havia contratado para fazer averiguações nas docas o estava esperando. Jared sentou-se e afastou com um gesto à roliça prostituta do botequim que se aproximou dele. ─Tudo bem, Fox, o que conseguiu?
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Fox limpou a boca com a manga da camisa e arrotou. ─Foi exatamente como você suspeitou, milord. Esse homem estava enterrado até o pescoço, há seis meses. Todos pensavam que jamais conseguiria sair dessa. Depois, devagarzinho começou a pagar todas as suas dívidas. A mesma coisa aconteceu há três meses. Perdeu tudo, mas, depois, encontrou uma maneira de cobrir os buracos. ─Eu entendo. ─Jared ficou meditando sobre o assunto. ─Eu sabia o que estava acontecendo. Só ignorava o por quê. Agora eu sei. Jogo. Bem, aparentemente, todo mundo tem a sua paixão secreta, pensou Jared. ─Um caso típico, milord. ─O suspiro cansado de compreensão de Fox confundiu-se com um novo arroto. ─Um homem se sente atraído pelas salas de jogo até que fica seco por completo. É triste, mas real. A única diferença desta vez, foi que o tipo conseguiu sair antes que fosse muito tarde. Sorte para ele, né? ─Sim, muita sorte, por certo. ─Jared ficou de pé. ─Você receberá o seu pagamento através de Graves, esta tarde, conforme combinamos. Muito obrigado pelos seus serviços. ─Sempre ao seu dispor, milord. ─Fox bebeu outro gole de cerveja. ─Como já informei ao Graves, estou sempre disponível. Jared saiu do botequim e ficou na rua, pensando, por uns momentos. Conseguiu parar um coche de aluguel, mas se arrependeu. Tinha que meditar sobre o que acabava de saber. Caminhou lentamente, sem rumo definido. Estava vagamente consciente das tavernas e cafeterias, por onde passava. Até a essa hora do dia, estavam abarrotadas de trabalhadores, marinheiros, ladrões de carteira, prostitutas e ladrões. Uma parte da atenção de Jared permaneceu ao seu redor, como sempre. Sentia o peso da adaga entre as costelas. Enquanto caminhava, repassava as informações obtidas. Agora, conhecia os motivos que levaram essa pessoa a extorqui-lo, mas de qualquer maneira, não solucionava, nem lhe facilitava a questão.
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Havia chegado o momento de enfrentar-se com a pessoa que havia traído a sua confiança. Mas, Jared não tinha pressa alguma. Afinal de contas, ele não tinha muitos amigos. O homem com a faca saiu da ruela, aparentemente, sem fazer ruído algum. Jared percebeu primeiro sua sombra. A silhueta escura de sua figura desenhou-se na parede de tijolos quando se lançou para frente. Esse segundo de atenção foi suficiente, e Jared jogou-se para o lado. A lâmina da arma do agressor cortou o ar, em lugar de seu corpo. O homem se virou, cambaleando torpemente para recuperar o equilíbrio e atacou uma segunda vez. Jared estava preparado para defender-se. Levantou seu braço para bloquear a punhalada e, simultaneamente, desembainhou sua adaga. O sol refletiu-se no excelente aço espanhol. O atacante respirou profundamente, entre os dentes. ─Ninguém me avisou que você andava armado. Jared nem se incomodou em responder. Rodeou seu oponente, consciente de que o homem tinha os olhos fixos na adaga. Quando esteve seguro que o homem estava totalmente concentrado em sua arma, o atacou com um chute. O golpe atingiu a coxa do atacante. Este gritou de dor e raiva e cambaleou, tentando não cair. Jared sacudiu a adaga; o homem retrocedeu, tropeçou e se espatifou contra o pavimento. Jared chutou a faca e desarmou o homem, e a seguir, se abaixou para pôr a ponta de sua adaga contra a garganta da vítima. ─Quem contratou você? ─perguntou Jared ao atacante. ─Eu não sei, ─o homem olhava o punho da adaga ─foi apenas um negócio que chegou através do meu intermediário. Nunca vi quem me pagou. Jared ficou de pé, indignado e embainhou novamente sua adaga. ─Saia daqui. ─ordenou Jared suavemente. ─Sim, senhor. Como quiser, senhor. Até a próxima vez.
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O vilão fugiu pela rua. Um momento depois, ele desapareceu em uma viela estreito, entre dois armazéns enormes. Jared olhou para a faca que o agressor havia deixado para trás. E, pensou: Não, não havia nenhuma forma de evitar o confronto inevitável. Uma hora depois, Jared subia os degraus das instalações que Felix Hartwell havia ocupado por quase dez anos. Foi invadido por um profundo sentimento de tristeza, quando abriu a porta e entrou na sala pequena. Ele não estava completamente ciente sobre o que deveria dizer em um momento como este. Encontrar as palavras adequadas se provou desnecessária. Quando Jared abriu a porta do escritório, descobriu que chegara muito tarde. Felix se foi. Havia uma carta sobre a mesa. Estava dirigida a Jared, e obviamente, havia sido escrita apressadamente. Chillhurst: Sei que já está a par de tudo. Era apenas uma questão de tempo. Você sempre foi extraordinariamente inteligente. Provavelmente, deve ter algumas perguntas para fazer. O mínimo que posso fazer é tentar respondê-las. Fui eu quem espalhou a notícia de sua presença aqui, em Londres, e da sua estranha relação com a Srta. Wingfield. Eu tinha a esperança que, ao ser descoberto, retornasse imediatamente para o campo. Era muito preocupante que você estivesse por perto. Mas, como você decidiu ficar na cidade, pensei em utilizar a um dos meninos para conseguir o dinheiro que necessitava. Quero que saiba que jamais prejudicaria o jovem. Só queria ficar com ele para obter a recompensa. Mas, você me frustrou novamente. Você é muito esperto! Pelo que sei de você, sei que deve recorrer à justiça, mas confio que não irá me encontrar, antes que eu abandone a Inglaterra. Há muito tempo que eu testava com tudo preparado, porque tinha certeza que este dia chegaria.
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Lamento por tudo. Jamais pretendi que as coisas chegassem tão longe. Minha única desculpa é que não tive opção.
Atenciosamente, FH
PS: Sei que não vai acreditar absolutamente, mas fico feliz que tenha sobrevivido esta tarde. Foi o ato de um homem desesperado, do qual me arrependi, assim que dei a ordem. Pelo menos, não terei que carregar com o peso de uma morte em minha consciência.
Jared amarrotou a carta com sua mão. ─Félix, por que em nome de Deus não me pediu ajuda? Éramos amigos. Ele ficou ali, parado, olhando para a mesa muito ordenada de Félix, durante um momento, até que, finalmente, pode voltar-se e sair à rua. Nesse momento, a única coisa que queria era falar com Olympia. Ela o entenderia.
************* ─Jared, eu lamento tanto. ─Olympia se levantou da cama e correu para junto de Jared, que olhava para a escuridão da noite. ─Eu não sabia de sua amizade com este homem, mas eu entendo como você se sente. ─Eu confiava nele, Olympia, Durante todos esses anos, cada vez mais, deleguei responsabilidades a ele. Ele estava tão familiarizado, quanto eu nas questões de negócios. Maldição! Não costumo cometer esse tipo de engano. ─Não deve se culpar por ter depositado toda sua confiança na pessoa errada. ─Olympia o abraçou por trás e o apertou com todas suas forças. ─Um homem de fortes paixões como você, escuta mais o seu coração, que os ditames de sua mente. Jared apoiou a mão sobre o marco da janela.
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─Minha amizade com o Hartwell ultrapassou a prova do tempo. Ele me conhecia melhor que ninguém. Foi ele quem arrumou tudo para que eu conhecesse Demetria. Olympia franziu a testa. ─Bem, nisso, eu não acredito que tenha lhe feito um grande favor. ─Você não entende. Ninguém se sentiu pior que Hartwell com os resultados dessa relação. ─Se é você quem está dizendo, Jared. Olympia soube, assim que Jared havia retornado para casa, que alguma coisa muito errada, tinha acontecido com Jared. Ela tentou falar com ele antes, , mas Jared se negou até esse momento, quando todo mundo havia se retirado aos seus respectivos aposentos. ─Fiz algumas investigações e acredito saber como começou tudo. ─Jared bebeu um gole de brandy da taça que sustentava em sua mão. ─Félix desenvolveu uma paixão diabólica por jogo. Ele ganhou a princípio. ─Mas, sua sorte mudou? ─Sim. ─Jared bebeu outro gole. ─A sorte mudou. Sempre muda. Aparentemente, cobriu o que tinha perdido com o dinheiro que recebeu de um de nossos investidores. Em seguida, cobriu a conta do investidor com dinheiro que ingressava de outras fontes. Enquanto conseguiu tapar os buracos, a coisa permaneceu em segredo. ─Seu plano funcionou, e, em consequência, ele foi ficando cada vez mais ousado. ─Você tem razão. Começou a jogar cada vez mais. Suas perdas ficaram cada vez maiores. Seis meses atrás, me dei conta que alguma coisa não andava bem e comecei a investigar. ─Jared apertou a boca. ─Naturalmente, pedi ao meu homem de confiança que investigasse. ─Ele deve ser muito esperto para conseguir ocultar a evidência de seus roubos por tanto tempo. Jared encolheu os ombros. ─Hartwell é muito inteligente. Por isso eu o contratei.
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─Pergunto-me como conseguiu saber que você o havia descoberto. ─murmurou Olympia. ─Obviamente, soube na tarde em que contratou um homem para me matar, mas não conseguiu realizar a tarefa. ─O que disse? ─Olympia puxou furiosamente o braço de Jared, obrigando-o a virarse para ela. ─Está me dizendo que alguém tentou matá-lo, Jared? Jared sorriu, enquanto analisava a horrorizada expressão de seu rosto. ─Acalme-se, querida. Isso é um assunto sem importância. Como pode ver, o indivíduo falhou. ─Para mim, é um assunto de grande importância, milord. Precisamos fazer alguma coisa, imediatamente. ─O que sugere? ─Jared perguntou educadamente. ─Por que não recorre ao magistrado? ─Olympia começou a caminhar de um lado para o outro, furiosa. ─Talvez, um investigador da Bow Street. Devemos encontrar este lunático e colocá-lo atrás das grades, imediatamente. ─Duvido que seja possível. Esta tarde, ficou óbvio que Hartwell planejou tudo para o caso de eu descobrir. Deixou-me uma nota por escrito dizendo que ia embora da Inglaterra. ─É mesmo? ─Olympia se virou. ─Você tem certeza que ele se foi? ─Mais ou menos. ─Jared terminou seu brandy. ─Esse era o curso óbvio da ação, e Hartwell é um homem lógico e cuidadoso. ─Fez uma careta com a boca. ─É muito parecido comigo. Essa foi uma das razões pelas quais eu o contratei. Olympia fez uma careta. ─Isto me irrita, Jared. Eu gostaria de muito de vê-lo pagar por ter tentado assassinar você. Deve ser um monstro de sangue-frio. ─Não, acredito que, no fundo, era apenas um homem desesperado. Provavelmente, seus credores não lhe dariam paz. O ameaçariam causando-lhe danos físicos ou moral.
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─Ora! Você é muito bonzinho, milord. Esse homem indubitavelmente um monstro. Não conseguirei dormir esta noite, pensando no que essa besta poderia fazer a você. Graças a Deus que conseguiu escapar. Os olhos de Jared brilharam. ─Eu aprecio muito a sua preocupação comigo. Olympia olhou para ele. ─Não pense que estou sendo apenas amável. É perfeitamente normal que eu fique alarmada por causa deste incidente. ─Certo. Suponho que uma boa esposa deve mostrar-se preocupada quando o seu marido lhe contar que esteve à beira da morte. ─Jared você está zombando de mim ou de si mesmo, desta vez? A diversão desapareceu dos olhos de Jared. ─Nenhuma das duas coisas. Simplesmente, estava querendo saber até que ponto chega sua preocupação. Ela olhou para ele, chocada. ─Essa é uma pergunta muito estúpida, Sr. Chillhurst. ─É mesmo? Deve me perdoar. Hoje, não estou nos meus melhores dias. O estresse, sem dúvida. ─Como pôde questionar a profundidade de minha preocupação, embora que mesmo por um segundo? ─interrogou Olympia, enfurecida. Jared sorriu. ─Você é muito leal com as pessoas que trabalham para você. Não é assim, milady? ─Você é bem mais que um simples empregado, milord. ─reagiu ela. ─Você é meu marido. ─Ah, sim, é isso mesmo, não é? ─Jared deixou a taça de brandy e a estreitou em seus braços.
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Capítulo 17
A Sra. Bird apoiou ruidosamente a cafeteira sobre a mesa do café da manhã e examinou os pressente com olhar crítico. ─A cozinheira quer saber quantas pessoas estarão pressentes, esta noite para o jantar, Sua Senhoria. Assim como eu, ela não gosta nem um pouquinho, que uma multidão chegue para comer sem avisar. Jared pegou a sua xícara de café. ─Você pode dizer à cozinheira que, por um acaso, eu sei exatamente quanto estou pagando a cada uma de vocês. No seu caso, Sra. Bird, houve um aumento considerável, porque suas responsabilidades aumentaram também. Sou plenamente consciente que pago um dos melhores salários da cidade e, em consequência, pretendo ser contemplado com os melhores serviços pelo que pago. Fale à cozinheira que todos nós estaremos presentes para jantar. ─Sim, Vossa Senhoria. Mas, ela é muito irritada. E, não me culpe se esta sem noção queimar a sopa do jantar, né? Jared arqueou uma sobrancelha. ─Se esta noite, a sopa servida estiver queimada, amanhã ela estará procurando um novo emprego. E, o mesmo irá acontecer com qualquer membro do pessoal que se sinta incapaz de cumprir com suas obrigações nesta casa. A Sra. Bird bufou e, atordoada, voltou-se em direção à cozinha. ─Tenha a gentileza de levar cão com você, Sra. Bird. ─gritou Jared às suas costas. A Sra. Bird se deteve, e se voltou. ─Para que tantos empregados elegantes, se eu que tenho que fazer tudo por aqui? ─Estalou os dedos para chamar Minotauro. Saia de baixo dessa mesa, maldito monstro. Você não está precisando de outra salsicha. Minotauro saiu de seu esconderijo, com a boca cheia de salsichas.
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Ethan olhou para Jared inocentemente. ─Eu não lhe dei salsichas, senhor. Palavra de honra. ─Já sei quem foi que deu a salsicha para Minotauro. ─Jared olhou para seu pai com desgosto. ─Estamos tentando lhe tirar o costume de comer com a família, senhor. Eu apreciaria muito se não o incentivasse. ─Tem razão, filho. Posso lhe fazer uma pergunta? De onde tirou sua governanta? ─Magnus se serviu de uma generosa rodela de salsicha. ─Rapariga malcriada. Não parece ter muito respeito por seus patrões. ─Veio com o resto do pacote. ─disse Jared, ausente. Robert tampou a boca com a mão, para não rir. Olympia deixou de olhar os ovos que tinha diante de si e levantou a vista. ─Não devem prestar atenção à Sra. Bird. Esteve com a família desde sempre. Eu não sei o que faria sem ela. ─Contratar outra governanta, seria ótimo. ─disse Thaddeus. ─Uma que não resmungasse, nem recebesse com uma carranca as pessoas, pela manhã. ─Oh! Mas, eu jamais poderia deixar que a Sra. Bird se fosse. ─comentou Olympia imediatamente. Jared apoiou os cotovelos sobre a mesa e uniu as pontas dos dedos. Olhou para seu pai com expressão pensativa. ─Não tem porque preocupar-se com a Sra. Bird, senhor. ─disse friamente. ─Ela e eu chegamos a um acordo, faz algum tempo. E, devo admitir que ela me assinalou um ponto interessante. Quanto tempo vocês vão ficar aqui? Você e tio Thaddeus? Magnus fingiu uma expressão aflita. ─Já quer nos chutar daqui, né, filho? Mas, se nós acabamos de chegar. Thaddeus fez uma careta. ─Economize a sua saliva, rapaz. Seu pai e eu não sairemos daqui, até que ajudemos a sua esposa a revelar o segredo do diário Lightbourne. Será melhor que se acostume a nossa presença por um tempo.
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─Eu temia isso. ─Jared olhou para Olympia, que estava sentada do outro lado da mesa. ─Confio que descubra logo esse segredo, querida. Ou, do contrário, teremos que aguentar estes intrusos que convidaram a eles mesmo um por tempo indefinido. ─Farei o possível, milord. ─Olympia ruborizou-se ligeiramente. Não tinha certeza se deveria envergonhar-se ou não pela descortesia de seu marido. Aparentemente, nem Flamecrest, nem Thaddeus pareceram ofendido pelas grosseiras palavras de Jared. ─Muito bem, então. Deixarei esse assunto em suas mãos, ─Jared fez um gesto, para tirar seu relógio e fez uma careta ao não encontrá-lo em seu lugar ─devo lembrar que preciso comprar um novo. ─Olhou o relógio de parede e a seguir para Robert, Ethan e Hugh. ─Já está na hora das aulas. Esta manhã, acho que estudaremos geografia e matemática. Thaddeus gemeu. ─Que coisa mais aborrecida. ─Esse é o meu rapaz! ─protestou Magnus. ─Ponha em suas mãos uma linda manhã de verão, e ele a desperdiça em geografia e matemática. Robert olhou ingenuamente para Jared. ─Senhor, tínhamos a esperança de que esta manhã nós pudéssemos prescindir de nossas classes. Sua Senhoria, o conde, diz que os meninos de nossa idade devem ir de pesca todas as manhãs do verão. ─É verdade, ─confirmou Ethan ─e, tio Thaddeus nos disse que quando ele era menino estava acostumado a fazer barquinhos de papel para fazê-los flutuar nos arroios. ─E, que praticava esgrima com uma espada de verdade. ─adicionou Hugh. ─Podem se retirar da mesa do café da manhã, ─disse Jared com toda a tranquilidade ─dou cinco minutos para que cheguem à sala de aulas, e abram seus livros. ─Sim, milord. ─Robert ficou de pé rapidamente e fez suas reverências. ─Sim, milord. ─Ethan abandonou a cadeira, inclinou a cabeça rapidamente e saiu correndo para a porta.
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─Sim, milord. ─Hugh imitou seus irmãos. Jared esperou que os três meninos partissem da sala para olhar para o seu pai e seu tio com severidade. ─Esta casa se rege por algumas poucas normas, muito simples, mas absolutamente, inflexíveis. A primeira regra diz, que eu faço as normas. E, uma de minhas normas é que os meninos receberão suas aulas todas as manhãs, a menos que eu diga o contrário. Eu agradeceria muito se não interferissem. Olympia estava assombrada. ─Chillhurst, você está falando com seus superiores. Magnus riu. ─Ela tem a maldita razão, filho. Só lhe pedimos que tenha um pouco de respeito por nós. Thaddeus riu com perversidade. ─Isso é coragem, moça. Não permita que ele seja insolente com os mais velhos. Jared olhou para Olympia, enquanto ficava de pé. ─Não tem porque preocupar-se com o meu comportamento, milady. Asseguro que convivi com eles, tempo suficiente para saber que, se não colocarmos um freio, claramente, logo no início, são capazes de converter esta casa em um verdadeiro caos, em um abrir e fechar de olhos. ─Não consigo imaginar uma coisa dessas. ─Olympia disse, tensa. ─Confia em mim. ─disse Jared. ─Eu os conheço muito melhor que você. Que tenha um bom dia, querida. Vejo você ao meio dia. Até lá, estarei na sala de aula. ─Inclinou a cabeça em direção a seu pai e a seu tio. ─Senhores. ─Vá, filho, ─respondeu-lhe Magnus ─ainda estaremos aqui quando você voltar. ─Era o que eu temia. ─disse Jared, da porta. Saiu para o corredor, deixando Olympia a sós com Magnus e Thaddeus. Ela olhou para eles de rabo de olho e ficou aliviada ao perceber que nenhum dos dois parecia ofendido.
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─Chillhurst prefere que a casa esteja em ordem. ─explicou Olympia. ─Não precisa se desculpar, querida. ─Magnus sorriu para ela. ─O rapaz sempre foi (Stick-in-the-mud9) meio maçante. Em alguns momentos sua mãe e eu quase nos desesperamos com ele. ─É um bom moço, ─assegurou-lhe Thaddeus ─mas, não puxou a ninguém da família. ─Em que sentido? ─perguntou Olympia. ─Não tem sangue quente nas veias. ─disse Magnus com tristeza. ─Carece do fogo dos Flamecrest, não sei se me entende. Sempre está por trás desse famoso livro de anotações e olhando a hora. Afunda-se nos seus negócios. Não sente emoções violentas, nem fortes paixões. Em resumo, é um membro muito atípico do clã. Olympia franziu a testa para os dois homens. ─Eu acredito que não entendem muito bem o Chillhurst. ─Bom, é justo. ─defendeu Thaddeus. ─Pois, ele, tampouco, nos entende. ─Jared é um homem de sensatez refinada, e profundas paixões. ─disse Olympia, convencida. ─Bah! Você nunca imaginaria que tem sangue de bucaneiro em suas veias, mas, de qualquer maneira, é um bom moço. ─Thaddeus enrugou a testa. ─Falando de seu relógio, o que aconteceu com o dele? Olympia apertou a boca. ─Chillhurst utilizou seu formoso relógio para pagar o resgate de meu sobrinho. Magnus ficou olhando para ela. ─Não me diga. Típico dele, comprar a segurança do menino com um relógio, no lugar de fazê-lo com sua adaga, entre os dentes, e duas boas pistolas. Um comerciante de corpo e alma. Quem você acha que sequestrou o garoto?
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Stick in the mud – é uma expressão urbana, tipo a stuffy, old fashioned person, que preferi traduzir como maçante.
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─Chillhurst acha que pode ter sido um homem de sua confiança, que abandonou o país, desde que aconteceu isso, ─disse Olympia ─entretanto, eu não estou tão segura. Thaddeus semicerrou os olhos. ─Vamos discutir suas conclusões sobre esse assunto, querida. Olympia olhou em direção à porta, para assegurar-se que Jared não tivesse voltado sem avisar. ─Bem, senhores, para lhes dizer a verdade, eu suspeito que a pessoa que sequestrou Robert estava atrás do diário Lightbourne. ─Ah! Hah! ─Magnus golpeou a mesa de tal forma que toda a baixela vibrou e a prataria pulou. ─Estou de acordo. O diário deve ser o motivo de tudo isto. Estamos nos aproximando do segredo, Thaddeus. Sinto isso em meus ossos. Os olhos de Thaddeus brilharam. ─Diga-nos o que descobriu até agora, moça. Talvez, Magnus e eu possamos ajudála. Olympia ficou muito entusiasmada. ─Isso seria maravilhoso. Eu adoraria a ajuda de vocês. Devo admitir que Chillhurst dificultou muito as coisas. Magnus exalou um suspiro ruidoso. ─Ah, sim, assim é o meu rapaz. Escorregadio como um peixe. Bom, mas vamos ao que interessa. Até onde chegou com as investigações do diário? ─Muito perto do final. ─Olympia deixou de lado o seu prato, e colocou uma mão em cima da outra, sobre a mesa. Olhou cuidadosamente para seus dois novos assistentes. ─Embora tenha conseguido traduzir a maioria das frases, não pude entender seu significado. ─Quais são? ─perguntou Magnus. ─Bem, há uma frase sobre o Mestre da Siryn, que precisa fazer as pazes com o Mestre da Serpente do mar. Agora, a primeira vista, parece que se refere ao capitão Jack e ao capitão Yorke.
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─Um pouquinho tarde para consertar essa briga, ─disse Thaddeus ─há anos que estão em seus túmulos. ─Eu sei disso. Mas, comecei a acreditar que é necessário que se reúnam os descendentes das duas famílias para resolver este mistério. ─explicou Olympia. ─Eu encontrei a metade do mapa que conduz ao tesouro. E, suspeito que algum membro da família Yorke tenha a outra metade. ─Sendo assim, nunca descobriremos o tesouro, ─comentou Magnus amargamente. ─Mas, que inferno! ─vociferou Thaddeus, golpeando o punho fortemente contra a mesa. ─Estar tão perto apenas para nos conscientizar que jamais o teremos em nosso poder. ─Por que vocês estão dizendo isto? ─Olympia olhou para os rostos desapontados de cara um deles. ─Porque não conseguiremos encontrar nenhum dos descendentes do capitão Edward Yorke, ─disse Thaddeus, com tristeza ─ele jamais teve filhos. De acordo com o que sei, todo o clã está morto faz tempo. Olympia tentou responder, mas parou quando ouviu a voz de Graves da porta. ─Peço-lhe que me desculpe, senhora, ─sustentava uma bandeja de prata cheia de cartões e convites ─chegou no correio da manhã. Olympia o descartou com um movimento da mão. ─Sua Senhoria irá revisar tudo isso. Ele se encarregará de todas essas coisas. ─Sim, senhora. ─Graves começou a retirar-se. ─Aguarde um momento, ─Magnus olhou para Graves. ─vamos ver o que tem aí. ─Trata-se simplesmente, de convites para vários eventos sociais. ─Explicou Olympia, irritada pela interrupção. ─Não param de chover convites de todas partes, desde que souberam que Chillhurst está na cidade. ─É verdade? ─Thaddeus enrugou entre os olhos. ─Foram à muitas festas e saraus? ─Oh, não, ─respondeu Olympia, surpresa ─Chillhurst joga tudo no lixo. Magnus gemeu.
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─Típico nele... Esse moço nunca soube como divertir-se. Vamos abrir alguns desses convites para ver o que está acontecendo na sociedade. Talvez encontremos algo interessante para fazer, enquanto estamos aqui, Thaddeus. ─Tem razão. ─Thaddeus fez um gesto a Graves para que entregasse a bandeja para Olympia. ─Realmente, eu não acredito... , ─começou Olympia, quando Graves colocou a bandeja cheia de convites, em frente a ela. ─Precisa aprender a se divertir, se pretende passar o resto dos seus dias junto a Chillhurst. ─Magnus olhou para ela afetuosamente. ─Abra alguns desses envelopes, e vejamos o que está acontecendo esta semana. ─Muito bem, se vocês insistem. ─Com certa reticência, Olympia pegou uma das pequenas notas brancas e franziu a testa ao ver o selo de cera que a lacrava. ─Algum de vocês tem alguma coisa para abrir isto? Ouviu-se um ruído metálico contra o couro. Olympia olhou espantada quando para os punhais que seus novos parentes exibiam. Contemplou os desenhos gravados nos punhos das armas que Magnus e Thaddeus lhe mostraram. ─Aqui está, minha menina. ─disse Magnus. Olympia recordou da arma que Jared portava em sua coxa, na noite em que chegou à sua casa de Upper Tudway. ─Todos os homens do clã Flamecrest têm o hábito de carregar uma adaga? ─Tradição de família. ─assegurou-lhe Thaddeus. ─Até meu sobrinho usa uma. ─É claro que a adaga que Chillhurst usa é especial- adicionou Magnus com certo grau de orgulho. ─Eu mesmo a usei durante anos, até que passei para ele. Era a uma das que o capitão Jack carregava. ─É verdade? ─Olympia esqueceu a pilha de convites que tinha em frente a ela. ─Não sabia que a adaga de Chillhurst havia pertencido ao seu bisavô.
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─Uma maldita peça, de excelente aço, ─comentou Magnus ─salvou a vida do capitão Jack em mais de uma ocasião. Salvou, também, a vida do meu filho, e a dos filhos de Thaddeus em uma ocasião. O capitão Jack denominou a arma com o apelido de O Guardião. ─O Guardião. ─Olympia pulou como uma mola e ficou em pé. ─Vocês denominaram Jared de O Guardião. ─Pois, ele é. ─Magnus arqueou as sobrancelhas. ─Uma outra tradição familiar. O homem que usa a arma carrega o título. ─Oh, meu Deus! Eu ainda não havia percebido. –Olympia pensou rapidamente. ─O que aconteceu, menina? ─perguntou Thaddeus. ─Talvez, nada. Talvez, tudo. Uma das misteriosas frases do diário diz: “Cuidado com o beijo mortal do Guardião, quando você olhar em seu coração para encontrar a chave.” Olympia se afastou da mesa. ─Preciso ver essa adaga. Escutou que as cadeiras se arrastavam contra o piso, enquanto ela se dirigia para a porta. ─O quê você vai, vá! ─exclamou Thaddeus. ─Ela está saindo, Magnus. Está atrás de alguma coisa. ─Atrás dela, homem! ─ordenou Magnus. Olympia não esperou por eles. Correu pelo corredor e subiu, de dois em dois degraus a escadaria, até o terceiro piso. Quando chegou ao patamar, correu pelo corredor que a conduziria à sala de aula. Com a respiração agitada, agarrou o trinco, girou, e entrou tão bruscamente que bateu a porta contra a parede. Ethan, Hugh e Robert estavam reunidos ao redor do globo terrestre. Os três se voltaram para olhá-la, surpresos. Jared a olhou, percebendo sua expressão agitada. ─Acontece alguma coisa errada, minha querida?
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─Sim, não, eu não sei. ─Olympia escutou que Magnus e Thaddeus estavam atrás dela, na porta. ─Chillhurst, você se importaria muito se eu examinasse cuidadosamente a sua adaga? Jared olhou por cima da cabeça de Olympia, em direção ao seu pai e seu tio. ─O que está acontecendo aqui? ─E, eu que sei? ─disse Magnus, com tom alegre. ─A menina saiu em disparada como uma bala. Nós apenas a seguimos. Jared olhou para Olympia com rigor. ─Se isso tiver alguma coisa a ver com as suas pesquisas sobre o diário, querida, pode esperar até mais tarde. Já deve saber que eu não gosto de interrupções em minhas aulas. Olympia ficou vermelha. ─Eu sei, milord, mas isto é realmente muito importante. Permitiria examinar a sua adaga, por favor? Jared duvidou, mas encolheu os ombros, obviamente resignado. Atravessou a sala e se aproximou do cabide, onde estava pendurada a sua jaqueta. Colocou a mão no interior e desembainhou a adaga. Sem dizer uma palavra, entregou a arma para Olympia, pelo cabo. Ela a pegou a lâmina letal cuidadosamente e tocou a ponta letal. ─Tenha cuidado com seu beijo mortal, ─murmurou. Estudou o intrincado desenho do punho. ─Seu pai me informou que esta arma pertenceu ao seu bisavô, e que lhe deu o nome de Guardião. Jared olhou ironicamente para o seu pai, com o canto do olho. ─Outra estúpida lenda familiar. Olympia virou a folha em sua mão. ─Há alguma forma de tirá-la da bainha? ─Pode ser feito, ─respondeu Jared lentamente ─mas, por que você quer fazer isto? Ela olhou ansiosamente para ele. ─Porque eu desejo examinar de perto o coração do Guardião. Jared pegou a adaga de suas mãos, com os olhos fixos em sua esposa.
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─Muito bem. É evidente que não existe outra forma de satisfazer sua curiosidade. Olympia sorriu. ─Obrigado, milord. Alguns minutos mais tarde, Jared separou o punho da folha. E, a seguir olhou para a cavidade do cabo. ─Maldição! ─O que é? ─perguntou Robert, ansioso. ─O que o senhor está vendo? ─Sim, o que é? ─repetiu Ethan, enquanto se aproximava com Hugh por perto. Jared olhou para Olympia e sorriu ironicamente. ─Eu acredito que a honra Pertence à minha esposa. Olympia tirou o punho de sua mão e examinou o interior. Havia uma antiga folha de papel dobrada cuidadosamente, no interior. ─Tem alguma coisa aqui. ─Céus! ─murmurou Thaddeus. ─Tira isso de uma vez, menina. Senão vou morrer de angústia. ─disse Magnus. Com os dedos trêmulos pela emoção, Olympia extraiu a folha de papel do cabo. Abriu-a com muito cuidado e estudou o que estava escrito nela. ─Acredito que estes números correspondem à longitude e à latitude, da misteriosa ilha onde o tesouro está escondido. Jared pôs a mão no globo terrestre. ─Leia para mim. Olympia leu os números em voz alta. ─Deve estar muito perto das Índias Ocidentais. ─E, está. ─Jared olhou, pensativamente, um pontinho de terra que aparecia ao norte da Jamaica. ─Afinal de contas, o capitão Jack era um excelente matemático. Podia calcular a longitude e latitude com grande precisão. ─Por Deus, meu filho, ─disse Magnus, quase cantando. ─Sua esposa conseguiu. Ela achou a chave para o tesouro.
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─Assim parece. ─disse Jared. ─Não é bem assim. ─disse Olympia. Todos se voltaram para olhar para ela. ─O que quer dizer? ─perguntou Thaddeus. ─Temos em nossas mãos a informação precisa para navegarmos até essa maldita ilha, onde o capitão Jack escondeu o tesouro. ─Sim, mas só temos a metade do mapa, ─esclareceu Olympia ─a outra metade ainda está desaparecida. Cada vez me convenço mais, que os descendentes do capitão Yorke têm a outra metade do mapa. ─Então, tudo está perdido. ─Magnus socou o punho sobre a palma de sua mão. ─Não há nenhum maldito descendente. ─Poderíamos cavar por toda a maldita ilha. ─disse Thaddeus, pensativo. Jared olhou para ele com escárnio. ─Mesmo supondo que encontrássemos a ilha, é muito pouco provável que possamos encontrar o tesouro cavando ao acaso. ─Nós poderíamos ajudá-lo, senhor. ─ofereceu-se Robert. ─Sabemos cavar muito bem. ─assegurou Hugh para Jared. ─E, temos também o Minotauro. ─disse Ethan. ─Já chega! ─Jared levantou a mão para conseguir silêncio. ─Olympia tem toda razão. Ainda não temos todas as peças do quebra cabeças. A procura pelas pistas deve continuar. Olympia olhou o papel que estivera oculto no interior da adaga. ─Devemos tentar averiguar se realmente, todos os Yorke morreram. Magnus franziu a testa. ─Eu já lhe disse que todos passaram desta para a melhor. Pelo que sei, o capitão Yorke não teve filhos que perpetuassem seu sobrenome. ─E, por que não uma filha? ─perguntou Olympia. Toda a sala ficou em silêncio. ─Droga! ─disse Thaddeus. ─Eu não tinha pensado nisso.
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─Uma filha poderia guardar o segredo, ou o tesouro de uma família, da mesma forma que um filho. ─disse Olympia. ─Justamente ontem, o Sr. Seaton me contou a história de sua avó, que havia administrado um importante estaleiro que herdou do seu pai. A expressão tolerante de Jared desapareceu. Seu olhar tornou-se gelado. ─Eu não vou permitir que Seaton se envolva nisto, está bem claro Olympia? ─Sim, é claro, me desculpe. ─Olympia se encaminhou para a porta. ─Devo seguir com o diário. Há mais um ou dois pontos que quero revisar. Magnus e Thaddeus se voltaram para segui-la. ─Permita-nos ajudá-la. ─gritou Magnus. ─Não, realmente, eu não acredito que haja necessidade. ─disse Olympia. ─Eu direi a todos, quando houver mais alguma coisa interessante para acrescentarmos às nossas investigações. ─Bom, então teremos que nos entreter de outra maneira. ─comentou Thaddeus. Ele olhou especulativamente para Jared. ─O que você está ensinando para estes meninos, meu rapaz? ─Duvido que se divirtam nesta sala de aulas. ─disse Jared. ─Por hoje, não tolerarei mais nenhuma interrupção. ─Este rapaz sempre foi um desmancha-prazeres, ─comentou Magnus com Olympia, enquanto sustentava a porta aberta ─chame-nos quando estiver preparada, minha querida. ─Muito bem. ─Olympia olhou para eles. ─O que vocês farão hoje? Magnus e Thaddeus trocaram olhares especulativos. A seguir, Magnus sorriu para Olympia. ─Acredito que revisaremos esses convites que receberam hoje. Aposto que o meu filho nem se incomodou em apresentá-la ao mundo civilizado, não é verdade? Jared murmurou entre os dentes. ─Olympia não está interessada em frequentar os círculos sociais.
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─Como você sabe disso? ─perguntou Magnus. ─É óbvio que ela ainda não teve oportunidade de conhecer o que é a sociedade. Volte para as suas malditas aulas, meu filho, e deixa as atividades sociais da sua esposa conosco. Olympia olhou de um rosto teimoso, para outro. ─A questão é, ─disse ela um tanto inquieta ─é que eu, realmente, não tenho o que vestir. Magnus deu uns tapinhas em seu ombro, de modo indulgente e paternal. ─Deixe isso nas mãos do Thaddeus e nas minhas. Em nossa juventude, causávamos sensação e nossas esposas, que Deus as tenha em sua Santa glória, pareciam pérolas. Temos muito bom gosto e um grande estilo, não, Thaddeus? ─Sim, Magnus, claro que sim. ─Thaddeus começou a fechar a porta do salão de aulas. Mas, parou para inclinar-se para o interior. ─Será melhor que saia para procurar uma costureira, esta tarde, rapaz. Não vai querer envergonhar a sua esposa. ─Maldita sejo, tio... ─começou Jared. Thaddeus fechou a porta apesar do protesto e sorriu com alegria para Olympia. ─Corra para ver o que descobre nesse diário, querida. Eu enviarei uma boa costureira, e várias amostras de tecidos. Em muito pouco tempo, faremos que confeccionem para você um par de vestidos decentes. ─Como desejarem, ─respondeu Olympia, ausente. Segurou a folha de papel que estava no interior da adaga. Estava aturdida, com tantas descobertas. ─Peço-lhes que me desculpem, por favor. Realmente preciso continuar com meu trabalho. Mesmo contra a sua vontade, às nove da noite, do dia seguinte, Jared estava esperando pacientemente no vestíbulo. Usava um paletó negro, calças e uma gravata impecavelmente dobrada, que seu pai lhe ordenara. O coche pesado e antigo, do clã Flamecrest esperava ao pé das escadarias, para conduzi-los ao baile de lorde e lady Huntington. Jared não conhecia os Huntington, mas Magnus lhe havia assegurado que Lady Huntington era uma amiga, da época em que havia cortejado a mãe de Jared.
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─Não poderíamos pretender melhor anfitriã para lançar Olympia na alta sociedade. ─Magnus esfregava as mãos com grande entusiasmo, enquanto explicava o plano a Jared. ─Conhece exatamente às pessoas certas e todas estarão presentes. ─Não vejo nenhuma razão para lançarmos minha esposa em nenhum lugar, ─queixou-se Jared ─ela está perfeitamente confortável nos círculos em que se move, atualmente. Não acredito que vá se divertir muito em sociedade. ─Isso só serve para demonstrar o que você sabe sobre as mulheres, filho. ─Magnus meneou a cabeça, desconsolado. ─Não sei como você conseguiu conquistar uma mulher tão espirituosa como Olympia. Jared olhou para o seu pai de canto de olho. ─Isso significa que tenha aprovado sua nora? Magnus exclamou: ─Ela combina perfeitamente com a família. Jared sorriu ironicamente, ao recordar a conversa que manteve com seu pai, enquanto seguia no vestíbulo, olhando para o relógio com impaciência. Nem Magnus nem Thaddeus haviam descido as escadas, ainda. Não tinha visto Olympia desde o meio-dia. Jared estava esperando o aparecimento de Olympia com grande ansiedade. Sabia que seu pai, e seu tio estiveram trancados com a costureira durante toda a tarde do dia anterior, e que chegara um vestido nessa mesma tarde, às cinco horas, com várias caixas a mais. Mas não tinha noção do que esperar. Já havia andado suficientemente, para saber que estava na última moda os vestidos muito decotados e de tecidos ultrafinos. Jared decidiu que se o vestido de Olympia fosse muito atrevido, simplesmente não a deixaria ir ao baile. Um homem devia ter mão firme em certos aspectos. Graves apareceu ao pé da escada, Jared franziu a testa quando viu que seu mordomo parecia mais preocupado do habitual. ─Desculpe-me, milord. Acaba de chegar uma mensagem pela porta da cozinha, para você. Imaginei que gostaria de ler imediatamente. ─Entregou-lhe a nota selada.
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Jared pegou e estudou a caligrafia pobre. ─Que diabo é isto? ─Não sei, milord. O garotinho disse que era urgente. ─Maldição! ─Abriu a nota e leu o seu conteúdo:
Senhor: Lamento lhe informar que o cavalheiro em questão não se foi do país realmente. Um conhecido meu lhe viu recentemente menos de uma hora. Acredito que se dirige a seu velho lugar de operações. Pensei que talvez você quisesse encontrar-se comigo ali, o quanto antes possível. Encontro você, na ruela que está atrás do edifício. Atentamente, Fox
Jared olhou mais uma vez mais para o alto das escadas, enquanto dobrava a nota. ─Isto tem a ver com o nosso velho problema, Graves. Por favor, não diga nada a respeito a minha esposa. Ela irá se preocupar sem necessidade. Diga-lhe que me reunirei com ela mais tarde, na mansão dos Huntington. ─Tem razão, senhor. ─Graves abriu a porta. ─Talvez, eu devesse acompanhá-lo. ─Não é necessário. Fox estará lá. Jared saiu e desceu as escadarias. Perguntou-se o que faria caso conseguisse colocar suas mãos em cima de Félix Hartwell.
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Capítulo 18 ─Eu já esperava por isto. ─Thaddeus olhou com certo pesar o salão de baile abarrotado. ─Parece que esse seu filho não virá, no final das contas. ─Maldito seja, droga! ─Magnus pegou uma taça de champanha de uma bandeja que passava e a bebeu de um só gole. ─Sabia que a ideia de vir aqui não o atraía de maneira nenhuma, mas ao menos, poderia ter aparecido por uns minutos, mesmo que fosse apenas para não humilhar Olympia. ─Eu não me sinto humilhada. ─disse Olympia de forma contundente. ─Tenho certeza que Chillhurst deve ter tido uma razão muito importante para sair esta noite. Vocês ouviram Graves. Ele recebeu uma mensagem urgente. ─Ora! A única mensagem que Jared consideraria importante é aquela que estivesse relacionada com os seus negócios, ─murmurou Thaddeus. Olhou para Olympia da cabeça aos pés, com uma expressão de genuína apreciação. ─Não sabe o que se está perdendo. O jovem Robert tinha razão. Esta noite você parece uma princesa dos contos de fadas, menina. Não acha que parece uma princesa, Magnus? ─Sim, claro que sim. ─Magnus brindou-lhe com o seu encantador olhar de pirata. ─Um diamante de primeira. Amanhã pela manhã será o comentário de todo o mundo. Ora, essa costureira tinha razão ao vesti-la de verde esmeralda. Olympia sorriu. ─Eu fico feliz que estejam satisfeitos com sua criação, porém devo admitir que eu não me sinto eu mesma, esta noite. Na verdade, Olympia se sentia irreal. As saias de seda, que lhe chegavam até os tornozelos, pareciam flutuar ao seu redor. O decote era muito maior do que aqueles que ela estava acostumada usar, com pequenas mangas fora de seus ombros. O cabelo, repartido ao
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meio, penteado em um elegante coque. Complementando o penteado, diminutas flores de cetim verde e alguns cachos que caíam, graciosos junto às orelhas; o calçado de cetim e as luvas longas eram do mesmo tom que o vestido. Thaddeus, Magnus e a costureira convenceram Olympia que a única joia que poderia usar com esse traje, era um par de brincos de esmeralda. Mas, Olympia explicou a eles que ela não tinha brincos de esmeralda. ─Eu me encarregarei do assunto. ─prometeu Thaddeus. Na tarde do baile, ele apareceu com um lindo par de brincos de esmeralda e diamantes. Olympia ficou horrorizada. ─De onde diabos os tirou? ─perguntou Olympia, desconfiada. Thaddeus fingiu um olhar ferido. ─Eles são um presente, minha querida. ─Não posso aceitar um presente tão valioso, senhor. ─disse ela imediatamente. ─Não fui eu quem os comprou, ─assegurou-lhe Thaddeus, piscando os olhos ─foi o seu marido. ─Chillhurst comprou isto para mim? ─Olympia ficou olhando para a joia, maravilhada. Admirada e, secretamente, emocionada, ao saber que Jared havia encontrado alguns minutos, dentro de suas muitas atividades, para comprar um par de brincos para ela. ─Ele mesmo os escolheu? ─O que eu quis dizer, ─esclareceu Thaddeus com muito cuidado ─com isso, foi que seu marido os comprou, mas não foi ele que os escolheu pessoalmente. A verdade é que foi o dinheiro dele que pagou pelos brincos. ─Oh! ─imediatamente, Olympia perdeu interesse pelos brincos. ─Agora, cá para nós, menina, isso é quase que a mesma coisa que ele comprar pessoalmente, ─insistiu Thaddeus ─veja bem, Chillhurst é um sobrinho excelente, mas não tem nenhuma ideia do que seja estilo e bom gosto.
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─Isso é verdade, moça, ─adicionou Magnus solenemente ─ele não tem noção de moda. Mas, desde a época do capitão Jack, Jared é o único membro da família que teve o dom de fazer dinheiro, como você pode ver. Thaddeus concordou alegremente. ─Não há dúvida nenhuma que todo o dinheiro que Magnus, eu ou qualquer outro membro do clã gastou em sua vida, veio das mãos do Jared, de um modo ou de outro. Olympia fez uma careta de desgosto. ─Nesse caso, eu acredito que você, o conde, e o resto da família deveriam tratar Chillhurst com um pouco mais de respeito, senhor. ─Oh, mas nós gostamos muito desse rapaz, ─ explicou Thaddeus ─não duvide disso, nem por um instante. Mas, tampouco, poderá negar que Jared foi feito com um molde muito diferente do restante de nós.
Robert, Hugh e Ethan estavam impressionados com a visão de Olympia, enquanto ela descia as escadas essa noite. ─Eu digo que você linda, tia Olympia. ─murmurou Hugh. ─A mulher mais bonita do mundo inteiro. ─adicionou Ethan. ─Como uma princesa de contos de fadas. ─concluiu Robert. Olympia ficou emocionada com a admiração dos meninos. Havia sido um estímulo diante da decepção que teve ao descobrir que Jared não estava na sala para testemunhar a sua transformação. A onda de desapontamento fez com que tivesse consciência, pela primeira vez, que, no final das contas, ela estava realmente ansiosa para observar a expressão de Jared quando visse sua nova aparência. ─Maldição, Parkerville está vindo para cá. ─anunciou Magnus. ─E, não há dúvida nenhuma que vai querer se apresentar, e pedir uma dança, assim como os outros. ─Olhou para Olympia. ─Tem certeza que não quer dançar, minha querida?
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─Já lhe disse que não sei dançar. ─disse Olympia. ─Tia Ida e tia Sophy pensavam que dançar não fosse importante para uma jovem. Preferiram me ensinar grego, latim e geografia. ─Bem, logo solucionaremos esse probleminha. ─murmurou Thaddeus, enquanto um homem mais velho, barbudo, se aproximava. ─Amanhã irei contratar um professor de danças. ─Enquanto isso, eu me encarrego do Parkerville. ─sussurrou Magnus. ─Esse homem sempre teve inclinações lascivas. ─Inclinou a cabeça para saudar o recém-chegado. ─Boa noite, Parkerville, ─saudou Magnus efusivamente ─há séculos que não nos vemos. Como está sua encantadora esposa? ─Morta, obrigado. ─Parkerville dirigiu um sorriso engordurado para Olympia. ─Fiquei sabendo que finalmente, você tem uma nora, Flamecrest. Os rumores diziam que seu rapaz a manteve escondida até esta noite. E, agora que a vejo pessoalmente, consigo entender o por quê. Irá apresentar-me, não é? ─É óbvio. ─Magnus cumpriu com as formalidades, com ar de aborrecimento. Lorde Parkerville tomou a mão enluvada de Olympia e se deteve mais do que o devido com ela. ─Encantado, senhora. Permita-me esta dança? Olympia sorriu, discretamente, enquanto livrava elegantemente a sua mão. ─Não, obrigado, senhor. Parkerville mostrou-se genuinamente decepcionado. ─Talvez mais tarde? ─Duvido muito. ─respondeu Magnus por ela. ─Minha nora é extremamente específica na escolha de seus parceiros. Parkerville olhou para ele, irritado. ─É verdade, senhor? ─Sim, claro que é. ─Magnus sorriu benevolente. ─Se, por um acaso, não percebeu, esta noite ela não dançou com ninguém.
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─Eu percebi, ─disse Parkerville ─e, todos outros também. ─Sorriu para Olympia, especulativamente. ─Nós todos estamos esperando para ver a quem dará a honra de conceder uma dança. Olympia não se importou com seu tom de voz. ─Senhor, eu não... ─Lady Chillhurst. ─Lorde Aldridge apareceu entre os convidados e parou em frente a Olympia. ─É um prazer vê-la aqui esta noite. Magnus assumiu uma expressão ameaçadora. ─Conhece este homem, querida? ─Oh! Sim. ─Olympia sorriu para Aldridge. ─Que agradável lhe ver, senhor. Sua esposa veio com você? ─Deve estar em algum lugar. ─Aldridge sorriu esperançado. ─Poderia convencê-la a dançar comigo, senhora? Seria uma grande honra para mim, ser o primeiro a conduzi-la a pista de danças. ─Não, obrigado, ─começou Olympia a dizer. ─Verá, eu não... ─Olympia, eu quero dizer, lady Chillhurst. ─Gifford Seaton abriu caminho entre os pressente e se situou próximo à Olympia. ─Ouvi dizer que você estava aqui. Todo mundo está comentando sua presença, ─examinou-a surpreso e com eloquente admiração. ─permita-me lhe dizer, senhora, que está você fascinante esta noite. Magnus franziu sua testa. ─Você é o jovem Seaton, não é verdade? Lembro tê-lo conhecido, quando sua irmã estava comprometida com meu filho. ─Sim, eu também. ─resmungou Thaddeus. ─E, duvido muito que Chillhurst gostaria que se apresentasse assim, Seaton, frente a lady Chillhurst, e a nós tampouco. Saia, agora. Gifford olhou para eles, irritado. ─Lady Chillhurst e eu já nos conhecemos. Temos interesses em comum. ─Voltou a dirigir-se a Olympia. ─Não é verdade, senhora?
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─Sim, é verdade. ─Olympia podia sentir a tensão no ambiente. ─Por favor, cavalheiros, não me embaracem, nem a mim, nem ao seu filho, causando uma cena. O Sr. Seaton e eu já nos conhecemos. Magnus e Thaddeus a olharam descontentes. ─Se você assim o diz. ─resmungou Magnus. ─Surpreendo-me que Chillhurst tenha permitido esta apresentação, caso não se importe que eu o diga. ─Chillhurst não teve nada a ver com isto. ─Gifford olhou para Magnus com sarcasmo. ─Eu lhe disse que lady Chillhurst e eu temos interesses em comum. Ambos somos membros da Sociedade para Viagens e Explorações. Magnus fez uma careta. Thaddeus seguia zangado. Olympia franziu o cenho severamente para seus novos parentes. ─Já basta vocês dois. Tenho a dizer que o Sr. Seaton tem tanto direito de falar comigo esta noite, como qualquer outra pessoa que esteja presente nesta festa. Gifford sorriu. ─Obrigado, senhora. Confio em que também tenho o mesmo direito que os outros a lhe solicitar uma dança. Olympia sorriu. ─Sim, é óbvio. Mas, desgraçadamente, vou terei que negar. ─Fez uma pausa e seu olhar se deteve na elaborada caixa do relógio do jovem. ─Mas, ficaria feliz em falar com você uns minutos, senhor, se me permitir isso. O sorriso de Gifford assumiu um ar triunfante. ─Será um grande prazer para mim, senhora. Permita-me escoltá-la até o salão dos pratos frios. Olympia aceitou o braço que Gifford lhe ofereceu. Viu Magnus entrecerrar os olhos, Thaddeus soprou com mais força que nunca. Olympia acalmou a ambos com apenas um olhar. ─Estarei de volta em seguida, milord. ─disse ao conde. ─Por favor, rogo-lhe que me desculpe. Tenho algo muito importante que discutir com o Sr. Seaton.
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─Bem, bem, bem, ─murmurou Parkerville, com malícia ─isto sim é que é acontecimento interessante, não é verdade? Magnus e Thaddeus se voltaram para ele com expressões assassinas. Olympia ignorou todos eles e impeliu Gifford para que avançasse. ─Vamos, senhor. Tenho estado ansiosa para conversar com você. Tenho algumas poucas perguntas para lhe fazer. ─Que tipo de perguntas? ─Gifford a conduziu por entre uma multidão de pessoas vestidas de forma brilhante. ─Sobre o seu relógio. Gifford olhou assombrado para ela. ─Que raios tem o meu relógio a ver com tudo isto? ─Ainda não estou muito segura, mas ficaria muito satisfeita em saber por que escolheu a serpente de mar como motivo para a sua decoração. ─Maldição! ─Gifford parou abruptamente perto das portas francesas, abertas. Tinha um olhar muito peculiar. ─Você sabe, não é? ─Acredito que sim. ─disse Olympia gentilmente. ─Você é o bisneto do capitão Edward Yorke. Gifford se passou a mão por seu cabelo, cuidadosamente penteado. ─Inferno! Por todos os demônios! Eu tive a sensação que você adivinharia a verdade. Alguma coisa em você me fez pensar que conseguiria unir todas as peças para obter a conclusão correta. ─Não tem motivos para alarmar-se, Sr. Seaton. Não vejo razão pela qual não possamos trabalhar juntos nisto. ─ Olympia olhou com curiosidade para ele. ─Posso perguntar por que manteve em segredo a sua verdadeira identidade? ─Eu nunca menti sobre minha identidade, ─defendeu-se Gifford ─e, tampouco Demetria, nosso sobrenome é Seaton. Simplesmente, nunca contamos ao Chillhurst quem havia sido o nosso bisavô. ─Por que não?
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─Porque o capitão Jack Ryder sempre foi o inimigo jurado de nosso bisavô. ─explodiu Gifford, enfurecido. ─Ryder acreditava que Yorke o havia delatado para os espanhóis, mas isso não foi verdade. Outra pessoa o traiu. De qualquer maneira, Ryder conseguiu escapar dessa maldita embarcação espanhola. Retornou para a Inglaterra como um homem rico. ─Sr. Seaton, por favor. Não faça uma cena. Gifford ficou completamente vermelho e se virou para ambos os lados, para ver se alguém havia escutado. ─Lady Chillhurst, poderíamos discutir isto lá fora, nos jardins? Não quero que a metade da sociedade escute esta conversa. ─Sim, é óbvio. ─Preocupada com a evidente volatilidade das emoções de Gifford, Olympia permitiu que ele a conduzisse para a noite agradável. ─Sr. Seaton, eu compreendo o seu interesse no tesouro, mas o que eu não entendo é por que agiu tão secretamente. Essa velha rija entre o bisavô de Chillhurst e o seu terminou há muitos anos. ─Está errada, senhora. Nunca terminou. ─Os músculos dos braços de Gifford estavam tensos. Ele apertou a mão. ─O conde de Flamecrest jurou eterna vingança contra minha família. Jurou que jamais permitiria que Edward Yorke recebesse a metade do maldito tesouro que foi enterrado nessa ilha condenada. Também jurou que seus descendentes honrariam a sua palavra, em nome da família. ─Como sabe de tudo isto? ─Minha avó deixou escrita toda essa história, junto com a metade do mapa de meu bisavô. ─Quer dizer que você tem a outra metade do mapa? ─perguntou Olympia, ansiosa. ─É óbvio. Minha avó deixou para o meu pai. ─Gifford fez uma careta. ─Foi a única coisa que meu pai conseguiu deixar para Demetria e para mim. Ele provavelmente, o teria empenhado, caso existisse um mercado para mapas pela metade, como fez com todo o resto. ─O que você aprendeu a partir dos relatos de sua avó sobre esses acontecimentos?
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─Não muito. Aparentemente, quando seu pai morreu, minha avó fez uma proposta ao clã Flamecrest. Foi rechaçada. Então, ela pediu ao meu pai que tentasse mais uma vez, algum dia. ─Gifford riu com ironia. ─Em nome da amizade que em outros tempos, havia existido entre os Yorke e os Ryder. Olympia olhou de esguelha para ele, tentando predizer a sua expressão, apesar das sombras. ─Ela tentou fazer a paz? ─Conte com uma mulher para tentar coisas inúteis. Os Flamecrest jamais quiseram voltar às boas. Harry, o filho do capitão Jack, enviou uma mensagem a minha avó dizendo que ele cumpriria o juramento feito por seu pai. E, que não permitiria que o tesouro caísse em mãos de nenhum dos descendentes de Edward Yorke. Sustentava que era por uma questão de honra familiar. ─Assim são os Flamecrest para você, ─murmurou Olympia ─muito emotivos. ─Não estava certo, ─murmurou Gifford, ferozmente ─Flamecrest e sua família prosperaram, mas Demetria e eu não tinhamos nada. Nada. ─Da mesma forma que o atual conde de Flamecrest, até que por sorte, o seu filho se encarregasse de todos os seus negócios. ─retorquiu Olympia. ─Senhor, há mais outra coisa que eu não entendo. Se odiava tanto a família de meu marido, por que demônios consentiu no casamento entre Demetria e ele? ─Ela nunca teve a intenção de casar-se com ele, na realidade, ─disse Gifford ─e mais, nunca quis comprometer-se. ─Eu não entendo. Gifford suspirou com impaciência. ─Convenci Demetria para que ser apresentada ao Chillhurst, porque soubemos que ele estava procurando uma esposa. Demetria conseguiu ser apresentada a ele, mediante uma conexão que o interessaria. ─Félix Hartwell.
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─Sim. Ela sabia que Hartwell era o homem de confiança de Chillhurst, de forma que fez o impossível encontrar-se com ele. Demetria é muito bonita. ─Um orgulho fraternal brilhou nos olhos de Gifford. ─Nenhum homem consegue resistir a ela. ─Então o Sr. Hartwell se encarregou de que Demetria recebesse um convite para ir à ilha de Flame. ─Correto. Naturalmente, como seu irmão, eu fui convidado para acompanhá-la. Pensei que, talvez, teria a oportunidade de dar uma volta por todo o castelo Flamecrest, para tentar de encontrar a outra metade do mapa. ─E, o que aconteceu? Gifford riu com amargura. ─Estávamos há poucos dias na casa quando Chillhurst pediu que Demetria se casasse com ele. Demetria aceitou porque eu, ainda, não tinha encontrado o mapa. Eu lhe disse que necessitava de um pouco mais de tempo. ─Deus do céu! ─exclamou Olympia. ─Eu não tinha ideia que Chillhurst tivesse procurado uma esposa de modo tão prático e frio. Não é seu estilo, entende. ─Pelo contrário. Tem tudo a ver com o que sei sobre ele. O homem não tem sangue nas veias. ─Isso não é verdade. Eu acredito que ele deve ter sentido ternura por sua irmã. ─disse Olympia. ─Se não fosse assim, jamais teria pedido que ela se casasse com ele. Gifford olhou para ela como se Olympia fosse uma garotinha inocente, mas não fez nenhum comentário a respeito. ─Seja como for, o fato foi que ele pediu que Demetria se casasse com ele. Isso nos deu mais tempo para procurar a outra metade perdida do mapa. ─Que jamais foi encontrada. ─disse Olympia, com fria satisfação. ─Foi muito bem feito, senhor, se me permitir que eu diga. Nunca deveria ter empreendido a busca dessa maneira tão sorrateira.
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─Eu não tinha alternativa. ─disse Gifford suavemente. ─O capitão Jack Ryder nunca permitiu que meu bisavô procurasse pela sua metade do tesouro, por pura maldade, e seus descendentes agiram da mesma forma rancorosa. Olympia franziu o nariz. ─É evidente que estamos lidando com duas famílias apaixonadas e altamente emotivas. Acredito que chegou o momento de fazer as pazes. Não está de acordo, Sr. Seaton? ─Nunca! ─Os olhos de Gifford se acenderam furiosos. ─Não depois da forma como Chillhurst tratou a minha irmã. Nunca o perdoarei, nem esquecerei. ─Pelo amor de Deus, Sr. Seaton. Mas, se a sua irmã nem sequer queria casar-se com Chillhurst. E, quanto a você, só usou Demetria e o seu compromisso para ter a oportunidade de revistar o castelo Flamecrest. Não pode pretender fazer o papel da parte ofendida. ─A questão é que Chillhurst a insultou. ─respondeu Gifford, indignado. ─Terminou com o compromisso da maneira mais cruel, simplesmente, porque soube que ela não herdaria nada. Eu, apenas, queria que ele não tivesse sido tão covarde e aceitasse encontrar comigo no campo de honra. Olympia tocou em seu braço. ─Eu sei que este assunto é muito delicado para você. Por favor, acredite em mim, quando lhe digo que Chillhurst não terminou com o compromisso simplesmente, porque soube que sua irmã não era a herdeira de uma grande fortuna. ─Oh, eu sei que ele insiste em dizer que terminaram porque não se entendia bem com Demetria, mas isso é mentira. Eu sei a verdade. Ele esteve feliz por alguns dias. Então, uma tarde, ele simplesmente terminou tudo sem nenhuma explicação. ─Sem avisar a ninguém? Gifford entrecerrou os olhos, furioso. ─Demetria, lady Kirkdale e eu tivemos apenas uma hora para empacotarmos nossas coisas e sairmos. Olympia olhou surpresa para ele.
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─Lady Kirkdale estava com vocês na ilha de Flame? ─Sim, é claro, ─disse Gifford, irritado ─havia muitos convidados, e ela foi como acompanhante de Demetria. Foi a grande amiga de minha irmã durante muitos anos. Também foi ela a quem apresentou Demetria a lorde Beaumont. ─Entendo. Gifford fechava e abria o punho. ─Senhora, a sua lealdade para com seu marido é louvável, mas lamento dizer-lhe que tem uma visão equivocada sobre ele. Também, preciso comunicar-lhe que, pelo que sei, duvido que tenha se casado com você por amor. ─Realmente, eu não desejo falar sobre um assunto tão pessoal, senhor. Gifford olhou penalizado para ela. ─Minha pobre e inocente dama. O que você poderia saber, uma ingênua que viveu toda a sua vida no meio do campo, sobre um homem como Chillhurst? ─Bobagens! Eu lhe asseguro que não sou tão inocente como você acredita. Recebi uma excelente educação, graças às minhas tias, e logo prossegui com meus estudos diligentemente. Sou uma mulher do mundo. ─Então deve saber que ele se casou com você apenas porque queria que você lhe revelasse o segredo do diário Lightboume. ─Besteiras! Meu marido jamais se casaria por razões tão baixas. Não tem o mínimo interesse nesse tesouro. Não tem necessidade. É um homem muito rico, por mérito próprio. ─Mas, você não entende? Dinheiro não é a única coisa que interessa a Chillhurst. Um homem como ele, nunca tem o suficiente para ficar satisfeito. ─Como você sabe disso? ─Porque passei quase um mês em sua casa. ─Gifford levantou a voz, exasperado. ─Aprendi muitas coisas sobre ele, nesse tempo. Entre elas, que não tem calor humano, nem sentimentos por nada, nem ninguém, que não tenha a ver com seus malditos assuntos de negócios. Tem sangue-frio como os peixes.
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─Chillhurst não tem sangue de peixe, e lhe agradeceria se não o insultasse. Além disso, lhe asseguro que não se casou comigo para descobrir o segredo do diário Lightboume. Eu apreciaria muito se não fizesse correr um boato tão perverso. ─Mas, deve ser essa a razão pela qual se casou com você. Se não, por que teria contraído núpcias, um homem como ele, com uma mulher sem fortuna? ─Sr. Seaton, por favor, não diga mais nenhuma palavra, pois tenho certeza que irá se arrepender. Gifford a tomou em seus braços e a olhou com profunda preocupação. ─Lady Chillhurst, ─começou, e logo se deteve; sua voz estava emocionada quando continuou ─minha querida Olympia, se me permitir a insolência, eu sei pelo que deve estar passando. Você é uma inocente a quem estão usando em tudo isto. Seria uma honra para mim, poder ajudá-la em tudo que for possível. ─Tire suas sujas mãos de minha esposa. ─A voz de Jared era tão fria como o aço da lâmina do Guardião. ─Ou terei que matá-lo aqui e agora, em vez de marcarmos lugar e hora mais adequados. ─Chillhurst. ─Gifford soltou Olympia e se virou para enfrentar Jared. ─Jared, no final das contas, decidiu vir ao baile. ─disse Olympia. ─Fico muito feliz. Jared a ignorou. ─Disse-lhe que ficasse longe de minha esposa, Seaton. ─Seu maldito bastardo! ─exclamou Gifford, aborrecido. ─Quer dizer que finalmente resolveu aparecer esta noite. Todos se perguntavam se você incomodar-se-ia. Desconfio que deve ter percebido que sua esposa ficaria completamente humilhada, por sua ausência, ou não? ─Bobagens. ─disse Olympia imediatamente. ─Não me senti em nada envergonhada. Nenhum dos dois prestou atenção às suas palavras. Jared olhou para o Gifford com frieza. Mas, Olympia percbeu o perigo em sua expressão. ─Mais tarde me ocuparei de você, Seaton. ─Jared tomou o braço de Olympia.
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─Estarei lhe esperando ansiosamente. ─Gifford inclinou a cabeça em uma reverência irônica. ─Mas, todos nós sabemos que jamais encontrará um horário livre, em seu maldito livro de compromissos, para enfrentar-se comigo, não é mesmo? Você certamente não deve ter encontrado da última vez. Olympia tinha plena consciência de que o controle de Jared estava por um fio. ─Por favor, Sr. Seaton, cale-se. Não adicione nenhuma só palavra mais, o lhe rogo. Meu marido se aborrece em raras ocasiões, mas acredito que você o está pressionando demais. Gifford assumiu um ar zombador. ─Não se preocupe comigo, lady Chillhurst. Não há risco de duelo. Seu marido não acredita que valha a pena ficar em perigo em nome da honra, não é verdade, Chillhurst? Olympia começou a ficar aterrorizada. ─Sr. Seaton. Você não sabe o que está fazendo. ─Eu acredito que ele saiba muito bem o que está fazendo. ─disse Jared. ─Vamos, querida. Estou ficando cansado desta conversa. ─Segurou no braço de Olympia e começou a caminhar para o salão de baile. ─Sim, é claro. ─Olympia estava tão aliviada que nenhum dos dois tivesse desafiado o outro para um duelo, que recolheu suas saias verdes esmeralda, e potencialmente começou a correr. Jared a olhou, divertido. ─Você está com muita pressa de dançar comigo, milady? É uma honra. ─Oh, Jared. Por um momento acreditei que permitiria ao Sr. Seaton que o desafiasse para um estúpido duelo. ─Olympia sorriu, tremulamente. ─Eu estava muito preocupada. ─Não tem por que preocupar-se, minha querida. ─Graças a Deus. Eu preciso dizer, que não canso de me surpreender com a sua capacidade de reprimir as suas emoções, senhor. Isso é muito impressionante. ─Obrigado. Eu me esforço. A maioria das vezes. Ela o brindou com um olhar de desculpas.
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─Eu temia que ficasse profundamente ofendido pelas idiotices que o Sr. Seaton estava lhe dizendo. ─Posso perguntar-lhe o que fazia nos jardins, junto com ele? ─Deus bendito, quase ia esquecendo. ─A excitação que Olympia havia experimentado alguns momentos atrás, renasceu. ─Saí aos jardins porque o Sr. Seaton queria falar em particular comigo. ─Eu imaginei isso. ─Jared se deteve um pouco antes de entrar no deslumbrante salão de baile. ─Muitas das pessoas que estão pressentem aqui esta noite, chegaram a mesma conclusão. Não duvide nem um pouco que todo mundo está murmurando a respeito. ─Oh, querido! ─Talvez, você esteja animada o bastante para me colocar a par com os pormenores desta conversa tão privada? ─Sim, é claro. ─Olympia parecia borbulhante nesse momento. ─Jared, você nunca irá acreditar no que acabo de descobrir. Gifford Seaton e sua irmã são descendentes diretos do capitão Edward Yorke. Eles têm em seu poder a outra metade do mapa. ─Meu bom Deus! ─Obviamente, Jared esperava escutar qualquer outra coisa menos isto. Ficou olhando para ela, atordoado. Você tem certeza? ─Absoluta certeza. ─Olympia sorriu orgulhosa. ─Comecei a suspeitar depois de ter escutado algum comentário superficial sobre a sua história familiar e, especialmente, quando o encontrei na biblioteca, olhando mapas das Índias Ocidentais, assim como eu fazia. Em seguida, por um acaso, eu vi o seu relógio e o desenho que tinha gravado nele. ─Que desenho? ─O de uma serpente marinha. ─Olympia não conseguiu dissimular o triunfo em seu tom de voz. Trata-se da mesma serpente marinha que está desenhada na proa do navio, que aparece nas capas do diário Lightbourne. ─O emblema do navio do Yorke?
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─Precisamente. Esta noite o confrontei com toda a informação que eu possuía e ele admitiu que ele era, por certo, o bisneto do Yorke. Por isso, estávamos conversando nos jardins. ─Céus! ─Ele e Demetria são descendentes da filha do Yorke e, por isso, não levam seu sobrenome. Jared pareceu pensativo. ─Então, alguém realmente estava atrás do mapa durante todo esse tempo. ─Sim. ─Olympia tocou o seu braço. ─Por favor, Jared, não se ofenda, mas também devo lhe dizer que há três anos Demetria aceitou conhecê-lo para que seu irmão tivesse a oportunidade de revistar a sua casa, tentando encontrar a metade perdida do mapa. ─Ela, portanto, persuadiu o Hartwell que nos apresentasse, apenas para que o idiota de seu irmão encontrasse o lendário e maldito mapa perdido? ─Jared se mostrou autenticamente aborrecido. ─Estou segura que o Sr. Hartwell desconhecia as suas verdadeiras intenções. ─Aventurou Olympia imediatamente. ─Mas, talvez conhecesse e pensou em uma forma de usá-las, de algum jeito, no futuro. ─disse Jared. ─Talvez, ele também, como todos outros homens, tenha ficado cativado pela beleza de Demetria. Mas, isso não tem nenhuma importância agora. ─Muito bem. ─concordou Olympia. Não queria que Jared pensasse muito na beleza de Demetria. ─Isso pertence ao passado, milord. Jared a olhou da cabeça aos pés. ─Eu lamento muito não ter podido acompanhá-la esta noite, minha querida. Olympia sentiu-se aquecida pela admiração que percebeu nos olhos de seu marido. ─Não se preocupe, Jared. Sei que você recebeu uma mensagem urgente. Graves me disse. ─A mensagem dizia que Hartwell ainda continua em Londres. Olympia ficou chocada.
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─Você saiu para encontrá-lo esta noite? ─Sim. Fui até o antigo endereço, porque me informaram que ele poderia estar lá. Mas não encontrei ninguém, nem tampouco indícios que houvesse retornado. Estou convencido que a informação que recebi estava errada. ─Graças a Deus. ─Olympia se sentiu aliviada. ─Fico muito feliz em saber disto. Espero que esse desgraçado não volte nunca mais à Inglaterra. ─Eu também. ─Jared pegou Olympia pela mão e a conduziu através das portas francesas. ─Agora que estou aqui, eu poderia pedir-lhe a honra de me conceder uma valsa? Olympia suspirou, pesarosa. ─Eu gostaria de poder, mas sinto muito, Jared, eu não sei dançar uma valsa. ─Ah, mas eu sei. ─Você sabe? ─Há três anos, eu tomei o cuidado de aprender, assim que percebi que teria que fazer a corte. Nunca coloquei em prática, mas acredito que não esqueci completamente tudo o que aprendi. ─Entendo. ─Ele aprendeu a dançar para fazer a corte à Demetria, pensou Olympia com muita tristeza. ─Eu adoraria acompanhá-lo. A valsa parece ser uma dança muito excitante. ─Nós vamos descobrir juntos o quanto é excitante essa dança. ─Jared a conduziu através da curiosa multidão, para a pista. Olympia quase não se aguentava de ansiedade. ─Jared, por favor, não quero envergonhá-lo. ─Você jamais poderia me envergonhar, Olympia. ─Colocou a mão na estreita cintura da Olympia. ─Agora, preste atenção e siga meus passos. Afinal de contas, eu sou um professor, lembra-se? ─Verdade. ─Olympia sorriu e se deixou levar lentamente pela música. ─Você tem um talento muito peculiar para ensinar, Sr. Chillhurst. ******
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A mensagem de Demetria chegou na manhã seguinte, enquanto Olympia preparava-se para continuar com suas investigações no diário Lightbourne.
Senhora: Preciso falar com você urgentemente sobre um assunto muito importante. Por favor, não comente com ninguém sobre este bilhete. Especialmente, não diga ao seu marido que irá se encontrar comigo. Uma vida está em jogo. Atenciosamente, LadyB
Um calafrio percorreu Olympia. Ela ficou em pé e saiu correndo pela porta.
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Capítulo 19 ─Você tem certeza sobre essa informação? ─perguntou Olympia. Com grande tensão, sentou-se no sofá azul e dourado, completamente em choque pelo que Demetria acabava de lhe contar. Em choque, mas não terrivelmente surpresa. ─Eu tenho diferentes fontes de informações. Verifiquei-as mais de uma vez. ─A angústia e o temor obscureceram os belos olhos de Demetria. ─Não há dúvidas. Chillhurst desafiou meu irmão para um duelo. ─Deus do céu! ─murmurou Olympia. ─Eu temia isso. ─Você não tem nenhum motivo para ter medo, sua maldita seja. ─Demetria se afastou violentamente da janela, onde ela contemplava os jardins. ─Sou eu quem está aterrorizada. Seu marido vai matar o meu irmão. ─Demetria, acalme-se. ─Constance se serviu de uma xícara de chá, que havia em um bule de prata, e colocou também um torrão de açúcar. Era claro que se sentia muito confortável na residência de Demetria, como se estivesse em sua própria casa. ─Não adianta nada entrar em pânico. ─É fácil para você dizer isto, Constance. Não é seu irmão o que está a ponto de morrer. ─Eu estou ciente disto. ─Constance olhou para Olympia significativamente. ─Mas nem tudo está perdido. Certamente lady Chillhurst está tão alarmada como você, diante desta situação. Ela irá nos ajudar. ─Se o quê você está dizendo é verdade, devemos encontrar uma maneira de deter este duelo. ─disse Olympia. Tentou acalmar-se para pensar com lógica. ─Como faremos para acabar com isto? ─Demetria flutuava de uma janela para outra, como uma ave exótica e selvagem, presa em uma luxuosa jaula. ─Não consegui saber o dia, nem o lugar, nem a hora do encontro. Estas coisas são guardadas com muito em segredo, entre os envolvidos.
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─Eu poderia tentar descobrir esses detalhes. Olympia ficou de pé e começou a caminhar daqui para lá. Sua mente estava aflita com as implicações da informação que acabava de receber. Jared estava a ponto de pôr em perigo sua vida em um duelo. E, tudo por culpa dela. ─Você acredita que pode descobrir o lugar, data e hora do duelo, quando eu, com todos meus contatos, fracassei? ─perguntou Demetria. ─Não deve ser tão difícil. ─respondeu Olympia. ─Meu marido é um homem de hábitos muito precisos. -Sim, ele é, não é? ─grunhiu Demetria entre os dentes. ─É como um desses brinquedos de corda do Museu Mecânico do Winslow. ─Isso não é verdade. ─defendeu Olympia friamente. ─Mas, ele acredita na importância de planejar bem o seu dia. Se ele tiver um compromisso para encontrar-se com seu irmão ao amanhecer, eu desconfio que deve ter anotado no seu livro de apontamentos. ─Bom Deus! ─Constance abriu os olhos desmesuradamente. ─Ela está certa, Demetria. Todos nós sabemos que Chillhurst segue cegamente a sua rotina e seus hábitos. Não seria de estranhar que anotasse todos os detalhes de um duelo. Demetria olhou para Olympia. ─Pode encontrar alguma maneira de revisar seu livro de compromissos? ─É muito provável, mas isso não será o principal obstáculo enfrentaremos. ─Olympia tentou ferozmente concentrar-se. ─O verdadeiro problema é achar uma forma de determos o duelo. ─Suponho que poderíamos notificar às autoridades, ─comentou Constance ─afinal de contas, bater-se em duelo é ilegal. Mas, é claro que se recorrermos à justiça Chillhurst ou Gifford poderiam ser presos. No mínimo, causaríamos um escândalo enorme. ─Santo Deus! ─Demetria suspirou. ─Beaumont ficaria furioso se houvesse tamanho escândalo na família. Certamente deixaria Gifford sem um tostão. Olympia tamborilou os dedos no braço do sofá.
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─E, podem estar certas que Chillhurst não me agradeceria se o prenderem por minha causa. Devemos achar outro meio de deter esta tolice. Você tentou conversar com Gifford sobre esse problema? ─É óbvio que tentei. ─As saias do vestido celeste e branco de Demetria rangeram furiosas quando se encaminhou para outra janela. ─Nem sequer quis admitir que havia um duelo planejado. Muito menos escutou, quando eu lhe disse que o mais provável era que Chillhurst atravessasse o seu coração com uma bala. ─Meu marido não tentará matá-lo deliberadamente. ─disse Olympia com brutalidade. ─No máximo, estaria se defendendo. Estou mais preocupada que seu irmão, queira ver Chillhurst morto. ─Meu irmão não é páreo para seu marido. ─sussurrou Demetria. ─Pelo que sei, no campo da honra sempre triunfa aquele que tem a mente mais fria e a mão mais firme. É o sangue-frio, não quente, que ganha. E, sangue frio é com Chillhurst. ─Isso não é verdade. ─disse Olympia. ─Eu conheço Chillhurst muito bem, e sei que não correria nem uma gota de suor em sua testa, mesmo que ele estivesse jantando, no inferno com o próprio diabo. ─retrucou Demetria. ─Mas, com Gifford é diferente. Na realidade, ele sempre esperou por este momento. ─Fechou os olhos. ─Diz que terá oportunidade de vingar minha honra. Nunca perdoou Chillhurst pelo que aconteceu há três anos. Olympia respirou profundamente. ─Seu irmão é um homem muito emotivo. Como todos os que estão envolvidos neste maldito assunto. ─Além de vingar minha honra, ─continuou Demetria, muito triste ─acredito que ele sente que estaria lhe fazendo um grande favor, se consegue atravessar o seu marido com um tiro. ─As emoções de seu irmão governam os seus pensamentos, não é verdade? ─Olympia dirigiu a Demetria um olhar suspicaz. ─Uma característica familiar, indubitavelmente.
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Demetria a olhou com acuidade. ─Gifford me disse que você já sabe que ele e eu somos bisnetos do capitão Yorke. ─Sim. Constance arqueou suas sobrancelhas, perfeitamente delineadas. ─Foi muito inteligente de sua parte ter chegado a essa conclusão, lady Chillhurst. ─Obrigado, ─murmurou Olympia ─mas, voltemos para nosso problema. Eu sugiro que, primeiro, devo averiguar os detalhes do duelo. Uma vez que tenha esses dados, terei que achar a maneira de evitar que Chillhurst vá a esse encontro. ─Embora consiga o que ganharia com isso? ─perguntou Constance. ─Chillhurst e Gifford, simplesmente, estabeleceriam uma nova data e horário para o duelo. ─Se pudermos evitar o primeiro encontro que foi claramente marcada pelo calor do momento, ─concluiu Olympia ─talvez, ganhemos um pouco mais de tempo, para que os dois possam pensar e tranquilizar-se. Devemos aproveitar essa trégua. Demetria esfregou as mãos. ─A que se refere? ─Você deve falar com o Gifford, e eu tentarei fazer o mesmo com Chillhurst. ─Não dará resultado. ─Demetria mordeu o lábio inferior. ─Gifford acredita que Chillhurst é um covarde, porque não aceitou a provocação há três anos antes. Mas, eu conheço a verdadeira razão pela qual Chillhurst se recusou, e não tem nada a ver com covardia. Olympia sorriu. ─Eu também sei perfeitamente bem. Constance e Demetria olharam uma para outra, e a seguir para Olympia, com ar pensativo. ─Você sabe? ─perguntou Demetria com muito tato. ─É óbvio. ─Olympia olhou para o seu chá intocado. ─É óbvio que Chillhurst rechaçou a provocação de seu irmão, porque estava preocupado por você. ─Por mim? ─Demetria não entendeu nada.
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Constance deu a Olympia um sorriso singular, por cima de sua xícara. ─Está segura disso, Lady Chillhurst? ─Sim, ─disse Olympia ─evidentemente, Chillhurst se negou a bater-se em duelo com Gifford, porque sabia do grande carinho que Demetria tem por seu irmão. Meu marido não quis causar a angústia que todo duelo envolve. ─Ora! Ele nunca se importou comigo, ─murmurou Demetria ─Chillhurst planejou seu casamento comigo, da mesma forma que empreendia qualquer outro assunto comercial. Obviamente, você não sabe toda a verdade. ─Eu discordo, ─disse Olympia ─pensei muito a respeito e tirei algumas conclusões. Demetria voltou a virar-se bruscamente. ─Deixe-me explicar uma coisa, senhora. A razão pela qual Chillhurst se negou a aceitar a provocação para um duelo feita por meu irmão, há três anos, foi porque teve medo de que fossem divulgados os verdadeiros motivos desse desafio. Temeu que o escândalo o humilhasse na frente a todos. ─Entendo que se refere que ele a encontrou com seu amante, não é verdade? ─perguntou Olympia. Um silêncio breve, mas cortante reinou na sala. Finalmente, Constance deixou sua xícara de chá. ─Vejo que chegou aos seus ouvidos o velho boato que correu depois que Chillhurst terminou o compromisso. ─Sim, chegou a meus ouvidos, ─disse Olympia. ─e, não foi apenas um rumor, não é? Foi a verdade. ─Sim, ─admitiu Demetria. ─mas eu disse a todo mundo, inclusive ao meu irmão, que Chillhurst tinha rompido comigo, porque havia descoberto que eu não herdaria nenhuma fortuna. E, todos aceitaram a história, inclusive Chillhurst. ─Era melhor para todos aceitar, ─adicionou Constance ─a verdade teria causado muito sofrimento para todos os envolvidos. Demetria olhou para Olympia de rabo de olho.
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─Gifford diz que Chillhurst é um covarde, mas não apenas porque não aceitou sua provocação, mas sim, porque não desafiou o meu amante. ─Bem, ele não poderia fazê-lo, não é verdade? ─disse Olympia com toda serenidade. ─Um cavalheiro não pode desafiar para um duelo, uma dama. Constance e Demetria a olharam sem articular palavra. Constance recuperou-se primeiro. ─Quer dizer que você também sabe sobre isso, não é? ─Seus olhos brilharam divertidos. ─Foi Chillhurst quem lhe disse? Devo admitir que eu estou surpresa por ele ter confessado toda a verdade. Já é difícil para um homem descobrir a sua noiva com outro homem. Mas, é muito mais difícil encontrá-la com uma mulher. ─Chillhurst não me falou nada sobre isso, ─disse Olympia ─ele é um cavalheiro. Jamais comentaria uma intriga a respeito da mulher com quem esteve comprometido. Constance contraiu a testa. ─Eu não acreditei que fosse capaz de contar a verdade para ninguém. Mas então, como descobriu que fui eu a mulher que Chillhurst encontrou com Demetria aquele dia? ─Não muito difícil de deduzir. ─Olympia encolheu seus ombros. ─Disseram-me que você acompanhou Demetria à ilha de Flame há três anos. Desde que conheci vocês, ficou evidente que existe uma amizade especial, entre você e Demetria, muito similar a que sempre uniu as minhas tias. Eu meramente, liguei as duas situações. ─Suas tias... Demetria ficou boquiaberta. ─Tia Sophy era a única que estava unida a mim por laços de sangue, ─explicou Olympia ─sua amiga íntima, e companheira se chamava Ida. Sempre pensei nela como uma tia, e por isso a chamava tia Ida. ─Você conhecia bem as suas tias? ─perguntou Constance, com grande interesse. ─Muito bem. Tia Sophy e tia Ida me criaram desde que eu tinha dez anos, quando me abandonaram, sem um tostão, em sua porta. ─explicou Olympia. -Elas me receberam, quando o restante dos meus familiares quis se responsabilizar. Eram muito boas comigo.
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─Entendo. ─Constance olhou para Demetria. ─Esta dama não é a moça ingênua do interior, que você acreditou a princípio, minha querida. ─Estou vendo. ─comentou Demetria com um sorriso. ─Minhas desculpas, senhora. Eu compreendo que você é muito mais uma mulher de mundo, do que acreditei a princípio. ─Isso é exatamente o que eu não canso de repetir ao Chillhurst. ─respondeu Olympia.
A anotação no livro de compromissos de Jared era austera e alarmante. Olympia protegia a chama da vela com a mão, enquanto lia as horríveis palavras: Quinta-feira. Amanhecer. Cinco em ponto. Chalk Farm. Olympia deduziu que Chalk Farm seria provavelmente, o lugar do duelo. Fechou o livro de compromissos, angustiada e apagou a vela. Quinta-feira às cinco horas da manhã. Só restava um dia para evitar o encontro entre Chillhurst e Gifford. Claramente ela necessitaria de ajuda. ─Olympia?- Jared moveu-se quando ela voltou para a cama. ─Aconteceu alguma coisa errada? ─Não. Eu só me levantei para beber um pouco de água. ─Você está gelada. Estreitou-a fortemente entre os seus braços. ─O ar está frio esta noite. ─murmurou Olympia. ─Estou certo que encontraremos uma maneira de nos aquecermos. A boca de Jared desceu sobre a dela, quente, feroz, exigente. Sua mão em seu ventre. Olympia envolveu com seus braços, firmemente, seu corpo duro e musculoso. Ela agarrou-se a ele como se pudesse mantê-lo seguro. Jared a chamava sereia, pensou Olympia, mas ela jamais permitiria que ele fosse arremessado contra as rochas. Encontraria uma forma de resgatá-lo.
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─Você quer que lhe ajudemos a salvar a meu filho? ─Magnus olhou para Olympia, totalmente confuso. A seguir olhou para os outros, que estavam reunidos no estúdio, em frente à mesa de Olympia. ─Eu preciso de sua ajuda, senhor. ─Olympia deixou de olhar o conde, para contemplar Thaddeus, Robert, Ethan e Hugh com expressão determinada. ─Todos precisam me ajudar. Meu plano não terá sucesso sem a cooperação de vocês. ─Eu irei ajudá-la, tia Olympia. ─disse Hugh imediatamente. ─E, eu também. ─repetiu Ethan. Robert se endireitou em sua cadeira. ─Pode contar comigo, tia Olympia. ─Perfeito. ─disse Olympia. ─Esperem um momento, ─Thaddeus moveu rapidamente suas sobrancelhas ─quem disse que o rapaz necessita que o salvem? ─Thaddeus está certo. Meu filho pode se cuidar sozinho. ─anunciou Magnus, com um sorriso orgulhoso. ─Eu mesmo o ensinei a usar uma pistola. Não faça tanto alvoroço por causa desse duelo, querida. Jared será o vencedor. ─Claro que sim! ─Thaddeus entrelaçou seus dedos, sobre sua barriga. ─Tem bons olhos e mão firme. Nunca vi ninguém que pensasse mais friamente em uma situação critica. Ele se sairá muito bem. Olympia ficou furiosa. ─Parece que você não está entendendo, senhor. Eu não quero que o meu marido arrisque sua vida, em um estúpido duelo para salvar minha honra. Magnus fez uma careta. ─Não tem nada de estúpido. A honra de uma dama é muito importante, querida. Eu mesmo me bati em duelo duas ou três vezes, para salvar a honra de minha esposa, quando tinha a idade do Jared. ─Eu não vou permitir! ─declarou Olympia, enfurecida pela despreocupação de Magnus.
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─Duvido que possa detê-lo. ─Magnus coçou o seu queixo. ─Devo admitir que estou surpreso por meu filho estar demonstrando tanto caráter. Parece que, afinal de contas, ele também tem o fogo dos Flamecrest. ─O rapaz está se transformando no orgulho da família. ─comentou Thaddeus, satisfeito. ─Você também deveria se sentir orgulhoso do seu filho, Magnus. ─Já chega de tolices. ─Olympia ficou de pé de um salto e apoiou ambas as mãos sobre a mesa. ─Você, senhor, ─disse para Magnus ─jamais entendeu o seu próprio filho. ─dirigiu-se a seguir para Thaddeus. ─E, você tampouco o conhece. Se conformaram aceitando o que viam exteriormente. Thaddeus movimentou seus bigodes. ─Agora, veja aqui..... ─Eu não quero mais escutar vocês falando que temiam que Jared não tivesse o fogo dos Flamecrest. A verdade é que Chillhurst tem muito mais fogo em suas veias do que vocês são capazes de imaginar. Mas ele conquistou esse fogo, e o controlou durante toda sua vida, porque sobre seus ombros pesavam muitas responsabilidades. ─Do que está falando? ─perguntou Magnus. ─Chillhurst não podia se dar ao luxo de dar rédea solta às suas selvagens paixões, nem as suas emoções, porque tinha a responsabilidade de cuidar e responder por todos vocês. Sempre esteve ocupado tentando salavar alguns de vocês. ─Eu digo que isto está indo longe demais. ─resmungou Magnus. ─É mesmo? ─Olympia estreitou os olhos. ─Vai negar que lhe impuseram uma enorme responsabilidade quando ainda era muito jovem? ─Bem, é apenas uma maneira de encarar, ─disse Magnus a contra gosto. ─mas, eu sempre estive por perto para lhe dar uma mão. Não é assim, Thaddeus? ─Claro, e eu também. ─disse Thaddeus. ─É óbvio que nenhum de nós tinha muita cabeça para os negócios, Magnus. Tenho que admitir. Seu filho era o único que entendia de finanças e economia.
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─E, vocês ficaram muito felizes tirando vantagens desses talentos, não é verdade? ─Olympia fixou um olhar desafiante, em cada um deles. ─Bom, mas... ─começou Magnus. ─Ah! Hah! ─interrompeu Olympia. ─Você e o resto da família estão contentes gastando o dinheiro que ele ganha para todos, mas o condenam por ter, exatamente, o temperamento que ele necessita para ganhar esse dinheiro. ─Bom, não é bem assim. ─Magnus se moveu, infeliz, em sua cadeira. ─Ganhar dinheiro é muito bom, mas nas veias dos Flamecrest deve correr sangue quente, não frio. Thaddeus suspirou. ─Chillhurst não é como o resto de nós, Olympia.Pelo menos, ele não demonstrou indícios de semelhança, até recentemente. O que não queremos, é obstaculizar suas decisões, justamente agora que começa a mostrar um pouco do fogo dos Flamecrest. ─Nós vamos salvá-lo, e não impedi-lo de tomar as suas decisões. ─corrigiu Olympia. ─E, todos vocês vão me ajudar. ─Nós vamos? ─Magnus parecia cético. ─Bom, vejamos o deste modo, ─disse Olympia, com um tom de voz muito frio. ─Se vocês não me ajudarem neste assunto, eu me assegurarei que nenhum de vocês saiba jamais onde está enterrado o tesouro escondido dos Flamecrest. Pessoalmente, destruirei o diário Lightbourne e todos seus segredos. ─Bom Deus! ─murmurou Thaddeus. Ele e seu irmão trocaram olhares horrorizados. Magnus se dirigiu a Olympia com um sorriso encantador. ─Bom, já que você coloca dessa forma, querida, suponho que poderemos lhe dar uma mãozinha. ─Fico feliz em fazer a nossa parte. ─contribuiu Thaddeus. Robert tomou a palavra. ─O que quer que façamos, tia Olympia? Lentamente, Olympia se sentou em sua cadeira e colocou ambas as mãos, uma sobre a outra.
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─Tracei um plano que eu acredito dará bons resultados. Chillhurst não ficará nem um pouco satisfeito, mas uma vez que se acalme, acredito que ouvirá a razão. ─Sem dúvida, ─disse Magnus, pesaroso. ─meu filho sempre escuta a razão. É um de seus principais defeitos.
Jared sustentava bem alto o candelabro, enquanto estudava os conteúdos do depósito, localizado no alto das escadas. ─Por que você quis me trazer aqui em cima, Olympia? ─Um dos retratos. ─Olympia, que usava um avental sobre seu vestido matinal, lutava para arrastar um enorme e pesado baú. ─Está bem aqui atrás disto. ─Não poderíamos deixar isto para amanhã? São quase nove horas. ─Estou muito ansiosa para ver especialmente, este quadro, Jared. ─Tentou levantar, sem sucesso, a alça de bronze do baú. ─Tenho esperança que seja o retrato de seu bisavô. ─Muito bem, chegue para o lado. Eu vou mover o baú para você, minha querida. ─Jared sorriu ao ver as mechas de cabelo avermelhado flutuando no ar, livre da delicada touca de musselina. ─Por que você acha que é um retrato do capitão Jack? Olympia se endireitou, respirando rapidamente, e sacudiu as mãos no avental. ─Porque consegui ver uma pequena parte dele e, pelo pouco que pude perceber, o homem do retrato se parecia muito com você, inclusive até parche. ─Eu duvido muito. Mas, de qualquer maneira, será um prazer ajudá-la. Segure o candelabro. ─Sim, é óbvio. ─Olympia tomou o candelabro de sua mão e lhe obsequiou com um sorriso radiante. ─Obrigado por sua ajuda. Jared contemplou o sorriso. ─Tem alguma coisa errada, Olympia? ─Não, não, é claro que não. ─O candelabro tremulava ligeiramente em sua mão. ─Eu quero ver esse retrato, porque se for do capitão Jack, pode me dar alguma pista para o tesouro escondido.
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─Ah, sim, o maldito tesouro. ─Jared se aproximou do pesado baú e o empurrou para um lado. O pálido brilho da luz da vela se tornou mais distante, quando recolheu o próximo objeto que se interpunha em seu caminho, uma cadeira estofada com uma pesada tapeçaria. ─Olympia, chegue mais para perto com esse candelabro. ─Eu lamento muito, ─respondeu Olympia da porta. Sua voz estranhamente fraca. ─mas não posso fazer isso. Jared soltou a cadeira bruscamente, e se virou imediatamente, bem a tempo para ver que Olympia fechava violentamente a porta. A batida foi tão forte que toda a sala vibrou. A corrente de ar apagou a vela que ela havia deixado no chão. Jared encontrou-se, imediatamente, envolvido em uma noite infernal. Ouviu a chave girar duas vezes na fechadura, do lado de fora. ─Eu sei que, provavelmente, você vai ficar durante muito tempo zangado comigo, Jared, ─A voz de Olympia era quase inaudível, através da grosa porta de madeira que os separava. ─e, eu lamento muito. De verdade. Mas, é para o seu próprio bem. Jared avançou um passo. A ponta de sua bota esbarrou no baú. Fez uma careta de dor e em seguida, estendeu a mão para frente, cautelosamente ao longo do seu caminho. ─Abra a porta, Olympia. ─Virei abri-la pela manhã. Dou-lhe a minha palavra de honra, milord. ─A que horas da manhã? ─perguntou Jared. ─Às seis ou as sete horas, eu imagino. ─Céus! Que inferno! ─Uma mulher inteligente, em certas ocasiões, pode ser um grande estorvo, pensou Jared. ─Percebo que você soube sobre o duelo, querida. ─Sim, Jared, eu soube, ─Olympia pareceu mais segura de si ─e, como tenho certeza que não conseguirei que você desista desse duelo, enquanto está preso de emoções tão violentas, decidi tomar uma medida drástica. ─Olympia, eu lhe asseguro que isto é totalmente desnecessário. ─Avançou outro passo e bateu com o joelho na cadeira estofada em musselina. ─Droga! ─Você está bem, Jared? ─perguntou Olympia, ansiosa.
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─Está tão negro como a meia noite, aqui dentro, Olympia. ─Mas, eu deixei uma vela para você. ─Apagou quando você bateu a porta. ─Oh! ─Olympia vacilou. ─Bem, há mais velas e um isqueiro10 perto da porta, Jared. Eu coloquei tudo ali, mais cedo. Acenda uma delas. Também deixei uma refeição fria. Está em uma bandeja tampada, perto da caixa grande que está no canto. ─Obrigado. ─Jared massageava o joelho. ─A Sra. Bird preparou, pessoalmente, o bolo de cordeiro e vitela. E, o pão é fresco, foi feito esta manhã. Também, tem um pouco de queijo. ─Eu vejo que você pensou em tudo, minha querida. ─Jared seguia avançando para a porta. ─Eu espero que sim, ─disse Olympia ─tem um urinol embaixo de uma das cadeiras. Devo admitir que foi uma sugestão de Robert. ─Robert é um menino muito inteligente. ─Jared encontrou a porta com mão. Ele se inclinou e procurou uma segunda vela. ─Jared, tem mais uma coisa que preciso lhe dizer. Demos a noite de folga para a criadagem, hoje. Receberam ordens precisas que não voltassem até depois do amanhecer, portanto, é inútil que chamar, ou ficar gritando, para os criados. ─Eu não tenho intenção de ficar gritando para ninguém. ─Conseguiu acender a vela na terceira tentativa. ─Duvido que alguém me escute aqui em cima. ─Perfeito-. Olympia pareceu aliviada. ─Além disso, seu tio e seu pai levaram os meninos para o teatro Astley. Não voltarão tão cedo.E, juraram não abrir esta porta. ─Entendo. ─Jared levantou a vela e examinou as paredes do quarto. ─Jared? ─Sim, Olympia?
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Isqueiro – artefato patenteado pelo alemão Johann Wolfgang Döbereiner (Holf, 13 de dezembro de 1782 — Jena, 24 de março de 1849)
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─Eu espero que você possa me perdoar. Sei que neste momento deve estar furioso comigo. Mas acredito que compreenda que eu não podia permitir que você arriscasse a sua vida ao amanhecer. ─Vá para cama, Olympia. Discutiremos isto pela manhã. ─Sei que está muito zangado, milord. ─O tom da voz de Olympia era resignado, mas decidido. ─Entretanto, não há alternativa. Você necessita de tempo para se acalmar. Tempo para considerar suas ações. Neste momento, não há dúvida que está consumido por paixão e a emoção. ─Sem dúvida. ─Boa noite, Jared. ─Boa noite, minha querida. Jared escutou que os passos de Olympia se perderem na distância. A última vez que havia explorado esse quarto, ele tinha dez anos. Não seria fácil encontrar a porta secreta que conduzia às escadas que dariam na galeria de baixo. Precisaria movimentar um grande número de caixas e baús para chegar até essa parede. E, quando ali chegasse, teria que trabalhar loucamente para encontrar a mola escondida que operava o sistema da porta. Uma grosa camada de poeira que cobria os antigos marcos. Jared sorriu para si mesmo, enquanto pensava em todo o esforço e trabalho que Olympia teve para evitar que se arriscasse em um duelo ao amanhecer. Durante toda sua vida se perguntou quem seria capaz de resgatá-lo de um perigo. Agora, já conhecia a resposta. Levou mais de uma hora para achar a porta secreta. Quando apalpou a fina linha nos painéis, soltou um impropério de satisfação. Em seguida, tirou o Guardião da bainha, introduziu a ponta na pequena fenda. O velho mecanismo oxidado rangeu dentro da parede, mas apesar de tudo, o painel cedeu. Jared guardou a adaga e levantou a vela. Começou a descer pelas escadas que o capitão Jack havia construído.
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Embora fosse verdade que os condes de Flamecrest eram um clã de excêntricos, pensou Jared, ninguém poderia tachá-los de estúpidos. Sempre tinham tido razões para fazer as coisas, embora as pessoas, geralmente, não compreendessem essas razões. Se as pessoas que visitavam a mansão acreditavam que a escada, que não dava em lugar algum, na galeria de acima, era um claro exemplo de quão extravagante eram os Flamecrest, o problema era deles. O avô Harry sempre havia acreditado que era muito positivo ter uma via de escape em cada habitação. Jared franziu a testa ao comprovar que o terceiro piso da casa estava completamente às escuras. Desceu para o segundo piso, e também o encontrou desaparecido em sombras. Talvez, Olympia tivesse decidido trabalhar na biblioteca, até que o conde, e os outros retornassem para casa. Haviam feito amor muitas vezes na biblioteca, pensou Jared, enquanto descia o último lance de escadas. Nada lhe impediria de repetir essa noite. Quando chegou ao pé das escadas, descobriu que o vestíbulo estava tão escuro como o resto da casa. Mas sorriu ao ver um pequeno feixe de luz que vinha da biblioteca, por baixo da porta. Deu um longo passo e quase caiu sobre um objeto grande, suave e muito pesado. Visões de Olympia caindo escada abaixo, na escuridão, fez o seu corpo gelar. Entretanto, quando baixou os olhos, viu que não era Olympia quem estava caída ali. Era Graves. Jared ajoelhou-se e tocou a garganta do homem. As pulsações eram fortes. Logo, não havia quebrado o pescoço na queda. Em seguida, Jared detectou uma pequena mancha de sangue sobre o piso de mármore e o candelabro de prata ao lado de Graves.
Graves não havia caído. Ele havia sido golpeado na cabeça. Jared olhou a porta fechada da biblioteca. Seu calafrio foi até mais violento. Ficou em pé e, lentamente, caminhou para a porta. Sua mão envolveu a maçaneta. Ele deslizou a adaga para fora da bainha novamente. Inseriu a lâmina na manga de sua camisa e escondeu o cabo. Depois, soprou a vela e abriu a porta.
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A luz da única vela que estava sobre a mesa revelou a imagem da Olympia. Estava parada perto da janela. Seus olhos estavam arregalados de silenciosa preocupação. Félix Hartwell rodeava seu pescoço com o braço. Na outra mão, segurava uma pistola. ─Boa noite, Félix. ─disse Jared com toda tranquilidade. ─Eu temia que não tivesse o bom senso de sair da cidade. ─Não se aproxime, Chillhurst, ou juro vou matá-la. ─A voz de Félix soou rouca. Havia um perigoso tremor nela. O olhar de Olympia se acendeu ao ver Jared. ─Ele me disse que esteve vigiando a casa, esperando uma oportunidade em que estivesse vazia para poder entrar. ─disse ela, bastante tranquila. ─Temo que meu plano de encerrá-lo lá em cima, e de pedir a todos que saíssem, por uma noite, deu-lhe a oportunidade que procurava. ─Se tivesse pedido a minha opinião sobre seu plano, querida, poderia ter lhe dito que havia um par de falhas. ─respondeu-lhe Jared, com suavidade, embora sem abandonar a vista de Félix. ─Silêncio! ─ordenou Félix. ─Chillhurst, quero dez mil libras, agora mesmo. ─Ele está desesperado, ─esclareceu Olympia ─já lhe disse que não acredito que tenha em casa algo de tanto valor. ─Tem razão. ─confirmou Jared. ─Não há. Pelo menos, não há algo desse valor, que seja pequeno e fácil de transportar. Suponho que poderia levar alguns móveis, para chegar a essa soma, Félix. ─Aviso-lhe que não deboche de mim, Chillhurst. Eu estou tão ansioso para ir embora Inglaterra, como você para me ver partir. Mas estou enterrado até o pescoço, e meus credores começam a ficar impacientes. Souberam que, provavelmente, eu abandonaria a cidade e ameaçaram me matar. Devo pagá-los para ficar livre.
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─Bom, há alguma prataria, ─comentou Jared, pensativo ─mas você necessitaria uma enorme carruagem para levar dez mil libras, em objetos de prata. Um pouco estranho, especialmente, para uma pessoa que tem tanta pressa por sair do país. ─Deve haver algumas joias, ─Félix parecia desesperado ─agora você tem esposa. Você deve ter lhe dado algumas joias valiosas. Um homem de sua posição sempre compra algumas bugigangas para a sua nova esposa. ─Joias? ─Jared deu um passo adiante. Pensou que só teria uma chance. ─Duvido muito. Olympia pigarreou. ─Bom, há um par de brincos de esmeralda e diamantes, milord. Eu os usei no baile dos Huntingtons. ─Ah! Sim. Os brincos. ─repetiu Jared. ─É óbvio. ─Eu sabia. ─Os olhos de Félix se estreitaram, em uma mistura de triunfo e alívio. ─Onde estão, lady Chillhurst? ─Lá em cima, em uma caixa sobre a minha. ─murmurou Olympia. ─Muito bem. ─Félix a soltou e a empurrou. Apontou para Jared com a pistola. ─Você irá subir para buscá-los. Só lhe dou cinco minutos. Se por um acaso se atrasar, juro que matarei o seu marido. Entende? ─Sim. ─Olympia começou a correr. ─Não se preocupe. Retornarei em seguida com os brincos. ─Não se aprece por minha causa ─disse Jared, enquanto ela avançava rapidamente para a porta. ─Você vai precisar de uma vela, minha querida. Será melhor voltar até a mesa e levar uma vela acesa com você. ─Oh, meu Deus! É claro que sim. Eu vou precisar de uma vela. ─Olympia virou de repente e correu de volta para a mesa. ─Seja rápida com isso. ─ordenou Félix. ─Estou tentando me apressar, senhor. ─Pegou uma vela apagada e aproximou-a da outra, que já estava acesa. Seus olhos se encontraram com os de Jared.
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Ele sorriu para ela. Olympia apagou a vela com os dedos e deixou o quarto às escuras. ─Sua maldita! ─gritou Félix. Sua pistola disparou. Houve um pequeno resplendor pela breve explosão. O Guardião chegou perfeitamente, na mão de Jared, que o arremessou na direção de onde Félix estava parado. Ouviu-se um grito, alto, aterrorizado de dor e raiva e então um baque. ─Jared? ─Havia sons de arranhões nas trevas. A vela que Olympia carregava nas mãos ganhou vida. ─Jared, você está bem? ─Muito bem, minha querida. Espero que a próxima vez que você tiver a ideia de me prender no depósito, pare e pense primeiramente, em quão útil eu posso ser em situações como esta. Félix se queixava, caído no chão. Abriu os olhos e olhou para Jared. ─Você sempre foi um sanguinário muito inteligente. ─Eu também acreditei que você fosse muito inteligente, Félix. ─Eu sei que você nunca irá acreditar, mas a verdade, é que eu lamento muito ter que chegar a este ponto. ─Eu também. ─Jared atravessou a sala e se ajoelhou ao lado de Félix. Examinou o cabo da adaga que se projetava a partir do ombro de Félix. ─Você vai sobreviver, Hartwell. ─Esse não é o ponto, ─murmurou Félix ─não quero continuar vivendo, senhor. Eu gostaria que tivesse me matado enquanto podia. ─Você não irá para a prisão, ─disse Jared ─irei me encontrar com seus credores para que recebam o dinheiro devido. Em troca, você partirá da Inglaterra por bem. ─Você está falando a verdade, não é? ─Félix olhou para ele. ─Eu não entendo você, Chillhurst. Mas claro, que eu jamais pude entendê-lo realmente. ─Eu sei disso. ─Jared olhou para Olympia, que estava perto deles. ─Só existe uma pessoa na face da terra que me entende.
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Graves apareceu na porta, cambaleante. Sua mão pressionava levemente a nuca, mas parecia estar alerta. ─Milord, eu vejo que cheguei um pouco tarde. ─Oh! Sim, Graves, Como se sente? ─Não vou morrer. Obrigado, senhor. Olympia se virou rapidamente, preocupada. ─Graves. Você foi ferido? ─Nada que seja preocupante, senhora. Nesta profissão, já fui atingido várias vezes na cabeça. Orgulho-me em dizer que não me causou grandes danos. ─Graves sorriu o seu sorriso cadavérico. ─Espero que não contem à Sra. Bird como sou resistente. Sabem? Eu quero me aproveitar um pouquinho da sua compaixão. ─Ela ficará horrorizada. ─assegurou Olympia. O sorriso de Graves desapareceu quando olhou para Jared. ─Lamento sobre o que aconteceu aqui esta noite. Depois que a senhora deu folga para todo o pessoal, decidi voltar às escondidas, mas obviamente, cheguei muito tarde. Ele já estava aqui dentro. Não vi quando ele veio por trás de mim. ─Está tudo bem, Graves. Nós todos sobrevivemos a esta noite. Uma batida forte na porta de entrada interrompeu Jared. ─Talvez seja melhor que você atenda, Graves. ─Eu irei, ─disse Olympia imediatamente ─é evidente, que Graves não pode cumprir com suas obrigações esta noite. Acendeu uma segunda vela, e foi para o vestíbulo. Protestando com veementemente, Graves a seguiu até a porta. Jared tocou o ombro ferido de Félix. ─Maldição! ─Félix respirou profundamente e desmaiou. ─Demetria, Constance! ─exclamou Olympia diante da porta. ─O que vocês duas estão fazendo aqui? E, por que veio aqui a esta hora, Sr. Seaton? Bem, se tiver vindo para falar do duelo, será melhor que saiba que não ele não acontecerá. Fui bem clara?
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─Pode soltar Chillhurst. ─disse Constance. ─Demetria contou tudo para o seu irmão. Gifford gostaria de apresentar-lhe suas desculpas, e cancelar o duelo. Não é verdade, Gifford? ─Sim. ─disse Gifford, submisso. ─Por favor, diga a seu marido que eu quero falar com ele. Jared olhou para a porta. ─Estou aqui, Seaton. Mas, antes que se desculpe, você se incomodaria muito de procurar um médico? Gifford se deteve diante da porta. ─E, para que raios quer um médico? ─Então, seus olhos se fixaram em Félix. ─Maldição. Quem é esse homem? E, por que tanto sangue? Olympia ficou nas pontas dos pés para espiar por cima do ombro de Gifford. ─É o Sr. Hartwell. Tentou roubar meus brincos de esmeralda e diamantes. Sua pistola está no chão. Ameaçou matar o Jared com ela. ─Mas, o que aconteceu com ele? ─Gifford ficou olhando Félix, com uma fascinação doentia. ─Chillhurst usou sua adaga para nos salvar. ─respondeu Olympia, com grande orgulho. ─Lançou-a no Sr. Hartwell quando ele disparou a sua pistola. ─Chillhurst o derrubou apenas com um punhal? ─perguntou Gifford, sem acreditar. ─Oh! Sim, Chillhurst sempre a leva consigo. O mais assombroso, foi que tudo aconteceu na escuridão. Eu acabava de apagar a vela e... Gifford fez um som estranho, quando Jared segurou no cabo da adaga e puxou do ombro de Félix. O sangue começou a fluir intensamente, nos poucos segundos que Jared demorou para enrolar fortemente a camisa de Félix ao redor da ferida. ─Meu Deus! ─Gifford parecia estar a ponto de desmaiar. ─Nunca vi um homem apunhalado.
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─Se isto parece desagradável para você, ─disse Jared, calmamente ─deveria ver um homem com uma bala no peito. Por isso, eu mandei uma mensagem lembrando a você, que houvesse um médico presente em nosso duelo. ─No final das contas, você não passa de um pirata sanguinário, não é mesmo? ─O rosto de Gifford se tornou macilento. Ele caiu graciosamente desmaiado, no chão.
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Capítulo 20 ─Eu preciso dizer que você foi muito inteligente ao escapar do depósito. ─Olympia se aconchegou no calor de Jared. ─Mas, você nunca deixa de me surpreender, milord. ─Eu me alegro que você ainda fique impressionada com minhas humildes habilidades. ─Jared entrelaçou os dedos em seu cabelo. Eram quase as três da madrugada. Na casa reinava novamente o silêncio, agora que todos, finalmente, estavam na cama. Entretanto, embora estivesse exausta, Olympia não conseguia conciliar o sonho. Os eventos da noite eram muito recentes ainda. ─Sempre me impressionaram as suas muitas habilidades, milord. ─Olympia beijoulhe o ombro. ─Fico feliz que não tenha ficado aborrecido comigo por tê-lo prendido no depósito. ─Minha adorável sereia, ─murmurou Jared. ─É impossível me aborrecer com você. Quando você trancou a porta, eu compreendi que você me amava. Olympia ficou muito quieta. ─Como foi que você chegou a essa conclusão? ─Nunca ninguém tentou me resgatar. ─Procurou o seu rosto na penumbra. ─Não estou errado, não é? Você me ama? ─Jared, eu amei você desde aquele dia em que você entrou na biblioteca de minha casa, e me resgatou do Sr. Draycott. ─E, por que você não me disse? ─Porque não queria que você se sentisse na obrigação de ter que me amar, para corresponder aos meus sentimentos. ─explicou Olympia. ─Você já me deu tanto. Sempre tive a esperança que você pudesse me amar, mas não queria pressioná-lo. Para falar a verdade, era difícil não desejá-lo. Ansiei por seu amor mais que qualquer outra coisa no mundo.
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─Você o teve desde o primeiro dia que a conheci. ─Jared lhe roçou a boca com muita ternura. ─Devo admitir que não havia percebido que amava você, no princípio. Estava muito ocupado tentando enfrentar a forte paixão que você despertava em mim. ─Ah, sim, a paixão. ─Olympia sorriu. ─Também havia esse sentimento, não é? ─Definitivamente, havia. ─Beijou-lhe a ponta do nariz. ─Mas, também há amor. Nunca me senti dessa forma com qualquer outra pessoa, Olympia. ─Eu fico muito feliz, milord. ─Eu busquei você para encontrar o tesouro perdido, ─disse Jared, contra seus lábios, ─mas, logo ficou evidente, que o único tesouro que, realmente, eu queria era você. ─Milord, você me deixa sem fôlego. ─Rodeou o pescoço de Jared, com os braços e o atraiu para ela. ─Chegue mais perto, e conte-me mais sobre as suas viagens. Eu adoraria escutar alguma coisa sobre terras longínquas e exóticas, onde os casais se encontram para fazer amor em praias com pérolas de valor inestimável espalhadas sobre ela. Jared não precisava de mais nenhum pedido. Subiu sobre ela e procurou sua boca. Olympia tremeu sob seu peso, exigente e emocionante. Jared estava completamente excitado. Essa paixão dele criou uma resposta familiar nela, que afundou as unhas em seus ombros. Quando chegou o momento certo, quando o mundo exterior deixou de importar, Jared afundou em seu calor, e murmurou ao seu ouvido. ─Cante para mim, minha doce sereia. ─Só para você. ─jurou Olympia. ─Eu não estava planejando matar o Seaton, você sabe? ─confessou Jared bem mais tarde. ─É claro que não. Você jamais mataria alguém intencionadamente. Mas, no calor de um duelo, tudo pode acontecer. ─Olympia apertou com mais força seu braço. ─Ele poderia matá-lo.
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─Não acredito que tivesse chegado até esse ponto. ─Jared sorriu nas sombras. ─Já tinha decidido que era hora de alguém dar uma lição no Seaton. Estava tornando-se um estorvo. ─Qual era seu plano? ─Sabia que Seaton estava tão convencido que eu era um covarde, que pensasse que eu não me apresentaria ao encontro, no amanhecer. Também suspeitei que ele ficaria muito preocupado ao me ver em Chalk Farm. ─E o que você acha que aconteceria? ─Era para ser o primeiro duelo de Seaton, ─disse Jared ─sua primeira experiência com a violência real. Certamente, sua mão tremeria tanto, que o disparo sairia para qualquer lugar. Planejei deixar que ele disparasse primeiro. E a seguir, lhe daria um ou dois minutos para que contemplasse a situação, antes que eu mesmo fizesse um disparo para o ar. ─A honra seria feita e Gifford teria recebido sua lição. ─disse Olympia lentamente. ─Precisamente. Como pode ver, minha querida, não havia nenhuma necessidade de me deixar preso no depósito. ─Jared a chegou mais perto de seu coração. ─Mas, me agrada bastante que o tenha feito. ─E, como eu conheceria o seu plano? ─A voz da Olympia saiu abafada, pois tinha a boca contra a garganta de Jared. ─E, se alguma coisa saísse errada? Realmente, deve vir falar comigo, no futuro, com respeito a situações tão delicadas como esta, Chillhurst. A gargalhada de Jared encheu o quarto de dormir.
A cena que teve lugar na biblioteca, dois dias depois, foi caótica. Todo mundo estava presente, à exceção de Jared, que estava entrevistando o seu novo homem de confiança, a porta fechada, no estúdio de Olympia. O insuportável barulho na biblioteca era resultado de certo número de pessoas que tentavam falar ao mesmo tempo. Em um canto do salão, Thaddeus e Magnus clamavam pela metade do mapa que Gifford possuía. Este, por sua vez, formulava um sem-fim de perguntas em relação à outra metade do mapa, que tinha estado em poder da família Flamecrest.
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Robert, Ethan e Hugh também se deixaram contagiar pelo entusiasmo. Reuniram-se ao redor dos mapas, fazendo sugestões sobre as mil maneiras de cavar para resgatar o tesouro. Minotauro saltava, indo de uma pessoa à outra, com a língua pendurada e farejando quantas botas ou sapatos ficassem em seu caminho. No outro extremo da sala, Demetria explicava a Olympia como havia chegado à conclusão que finalmente, tinha chegado a hora de contar ao seu irmão toda a verdade, sobre os acontecimentos de três anos atrás. ─Eu passei toda a minha vida protegendo Gifford, desde que minha mãe morreu. Não podia permitir que o matassem por minha culpa. ─disse ela. ─Entendo, ─respondeu Olympia. ─Ele tem muita sorte por tê-la como irmã. ─Entretanto, Chillhurst tinha razão. ─disse Constance. ─Já era hora de Demetria parar de proteger ao seu irmão. Já fez muito por ele. ─Gifford alimentou seu rancor pela família do seu marido durante todos esses anos, porque não tinha outra coisa a que apegar-se. ─disse Demetria. ─E, eu permiti que esse ódio continuasse crescendo porque parecia fixar uma meta em sua vida, dar-lhe certo sentido de orgulho. Não sabia o que poderia acontecer caso abandonasse essa obsessão para encontrar o tesouro. Temia que terminasse caindo nessas salas de jogos. ─É claro que suspeitávamos que jamais encontraria a metade do mapa que faltava, ─disse Constance ─mas há três anos, quando Gifford disse a Demetria que tinha um plano para achar o mapa, não tivemos outro remédio além de seguir o seu plano. ─Uma coisa levou a outra, ─confessou Demetria ─quando me dei conta, Chillhurst tinha me proposto matrimônio. Foi como um balde de água fria, mas depois deduzi que, me casar com ele, não seria tão negativo. ─Pensou que Chillhurst poderia lhe dar a segurança financeira, e a posição que Gifford tanto desejava. ─disse Constance. Demetria sorriu com desgosto
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─E, Chillhurst não parecia o tipo de homem que exigia muito de uma esposa. Como você pode ver, eu acreditava que não tinha uma natureza apaixonada. Houve apenas uma ocasião em que me surpreendeu com sua ousadia. Mas quando eu não lhe correspondi, ele não se ofendeu. E, eu pensei que ele fosse totalmente frio. ─Fui eu que percebi que esse casamento jamais daria certo, ─comentou Constance ─era evidente que Chillhurst tinha pensado em viver muito pouco tempo em Londres. Não lhe interessava a vida da cidade. Então, acreditei morrer de angústia diante da perspectiva de ficar separada da minha querida amiga, durante tanto tempo. ─E, então, uma tarde, Chillhurst nos surpreendeu juntas, e tudo terminou. ─disse Demetria. Um agradável e familiar comichão avisou Olympia que Jared estava perto. Virou-se e o viu parado diante da porta. O coração começou pulsar rapidamente, como sempre acontecia cada vez que o via. Estava tal como aquele dia em que Olympia o havia conhecido, perigoso, excitante, um homem saído de uma lenda. Jared a olhou nos olhos e sorriu. Em seguida, falou para todos os pressente. ─Bom dia a todos. ─Embora não elevasse a voz, o grupo ali reunido fez silêncio imediatamente. Rostos curiosos se voltaram para ele. Quando obteve a atenção de todos, Jared entrou e se situou atrás da mesa. Abriu seu livro de compromissos e o consultou. A excitação da sala era evidente. ─E, então, filho? ─perguntou Magnus. ─Fez os acertos? ─Tomei uma decisão que acredito será interessante para todos. ─Jared virou uma das páginas do livro. ─Dispus que um dos navios Flamecrest zarpe rumo às Índias Ocidentais dentro de quinze dias. ─Eu disse! ─Thaddeus sorriu, feliz. ─O navio estará sob o comando de um de meus homens de maior confiança e experiência, o capitão Richards. Todos os que desejarem procurar o tesouro, podem subir a
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bordo. ─disse Jared. ─Acredito que isso inclui o Seaton, meus primos e, é claro, meu pai e meu tio. ─Claro! ─declarou Magnus, satisfeito. ─Eu certamente estarei a bordo. ─Assegurou Thaddeus. ─E aí, o que acha Magnus, de vermos mais uma vez o mar aberto? Gifford sorria amplamente. Olympia percebeu que o ressentimento havia desaparecido de seus olhos em algum momento durante os últimos dois dias. ─Obrigado, Chillhurst, ─disse Gifford sinceramente. ─Isso é realmente muito gentil de sua parte. ─Não há necessidade de me agradecer, ─disse Jared ─estou muito feliz de enviar todos vocês para as Índias Ocidentais. Estou ansioso para restaurar alguma aparência de ordem e rotina em minha vida. ─Isso significa que você não estará navegando a caminho das ilhas para procurar o tesouro perdido, senhor? ─Robert perguntou rapidamente. ─Significa precisamente isso, Robert. Vou ficar em casa, para atender meus assuntos de negócios e minhas responsabilidades como marido e professor. Robert pareceu aliviado. Hugh e Ethan intercambiaram sorrisos. ─Bem. ─Jared fechou seu livro de compromissos. ─Acredito que isso conclui meus anúncios desta manhã. Meu novo homem de confiança está me aguardando no vestíbulo. Ele irá informá-los sobre os detalhes da viagem. Magnus, Thaddeus e Gifford saíram correndo para a porta. Quando saíram da sala, Demetria olhou para Jared. ─Obrigado, Chillhurst. ─Não precisa me agradecer. ─Jared olhou o relógio de parede. ─Agora, se me desculparem, tenho vários compromissos para atender esta manhã. ─É claro. ─Demetria sorriu e ficou de pé. ─Não quero roubar mais o tempo de sua agenda apertada, milord.
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─Não, claro. ─Constance parecia divertida, inclinou graciosamente a cabeça em direção a Olympia. ─Bom dia, senhora. ─Bom dia. ─disse Olympia. Esperou que Demetria e Constance partissem, e sinalizou ao Robert. Robert ruborizou e olhou Jared. ─Senhor, se você não se importa, meus irmãos e eu temos um presente para você. ─Um presente? ─Jared arqueou as sobrancelhas, surpreso. ─Do que se trata? Robert extraiu uma pequena caixa de seu bolso, avançou dois passos em direção à mesa e a entregou a Jared. ─Não é tão bonito como o que você teve que entregar como recompensa para que me soltassem, senhor, mas esperamos que seja do seu agrado. ─Há uma inscrição no interior. ─comentou Hugh. ─Tia Olympia pediu ao joalheiro que gravasse. Ethan deu uma cotovelada em suas costelas. ─Cala boca, idiota. Nem, sequer, abriu a caixa ainda. Lentamente, Jared abriu a caixa e examinou o conteúdo. Um silêncio e um grande suspense envolveram a sala. Jared ficou olhando o relógio durante longo momento. Em seguida, lentamente, o tirou da caixa e leu a inscrição: "Para o melhor professor do mundo". Quando levantou a vista, havia um brilho muito especial em seus olhos. ─Você está errado Robert. Este relógio é muito mais bonito que o que entreguei ao vilão que o sequestrou. Agradeço muito, a todos vocês. ─Você gostou realmente, senhor? ─perguntou Ethan. ─É o presente mais bonito que já me deram desde que eu era menino. ─disse Jared. ─Na verdade, eu acredito que ninguém me deu nada de presente, desde que eu tinha dezessete anos. Robert, Ethan e Hugh intercambiaram sorrisos de satisfação. Olympia teve que esforçar-se muito por não romper em pranto.
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Jared quebrou a emoção do momento, guardando o relógio no bolso. Olhou para os meninos. ─Agora, então, ─ele disse secamente: ─Eu acredito que é hora da próxima atividade programada. ─O que será, senhor? ─Robert perguntou com uma expressão duvidosa. ─Eu espero que não seja latim. ─Não, não é latim. ─Jared sorriu. ─A Sra. Bird está esperando vocês, na cozinha com chá e bolos. ─Muito bem, senhor! ─exclamou Robert. Hugh começou a rir alegremente. Fez uma rápida reverência. ─Eu digo que estou com um pouquinho de fome. Espero que tenha bolo de gengibre. ─E, eu espero que tenha bolo de groselha. ─disse Ethan, enquanto fazia sua reverência. ─Eu prefiro os de ameixa. ─comentou Robert, pensativo. Fez a sua tia uma reverência graciosa e se foi atrás de seus irmãos. Jared olhou para Olympia. ─Tinha começado a temer que não nos deixassem sozinhos em nenhum momento, esta manhã. ─Tem sido um pouco agitado por aqui, esta manhã, não parece, milord? ─Olympia o olhou em seus olhos. ─Tem certeza que não quer ir com os outros procurar o tesouro perdido? ─Absoluta certeza, milady. ─Jared tirou o casaco e pendurou no respaldo da cadeira. Então, foi para até a porta. ─Eu tenho coisas melhores para fazer, que sair correndo para procurar um tesouro que não preciso. ─Que tipo de coisas, milord? ─Olympia viu o girar da chave na fechadura da porta da biblioteca. Jared caminhou diretamente para ela, em seus olhar brilhava um ardente desejo. ─Fazer o amor com minha esposa está no topo da lista.
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Levantou Olympia em seus braços e se encaminhou para o sofá. Olympia rodeou o pescoço de Jared com as mãos e olhou para ele com seus olhos semicerrados. ─Mas, Sr. Chillhurst, o que me diz obre os seus compromissos para o dia de hoje? Esse tipo de coisa faria um desastre em suas, cuidadosamente programadas, atividades matinais. ─Meus compromissos podem esperar, milady. Um homem de minha natureza não pode ser escravo de sua rotina. As suaves gargalhadas de Olympia foram interrompidas pelo ardente beijo do pirata.
FIM
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Sobre o autor: Amanda Quick, que também escreve como Jayne Ann Krentz, é uma premiada autora de romance contemporâneo e histórico. Cerca de 20 milhões de cópias de seus livros já foram impressos. Ela acredita que a novela romântica é um elemento vital e convincente no mundo da ficção feminina. Ela acrescenta que o romance histórico em particular, é a própria definição da palavra "romance". Amanda Quick mora com seu marido Frank em sua casa no noroeste dos EEUU.
Ebooks distribuídos sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida
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