Amanda Quick
O Perigo da Paixão
Tradução/Pesquisa: GRH Revisão Inicial: Twiggy Revisão Final e Formatação: Ana Paula G.
Comentário da Revisora Twiggy Eu adoro a Amanda Quick, e isso não é nenhum segredo. Não me importa que todos os seus livros sejam iguais, porém diferentes, pois o que me encanta é o comportamento de suas protagonistas. E, dessa vez, como era de se esperar, não houve nenhuma mudança. O livro começa muito bem, mas o que se tornou cansativo foi a repetição dos diálogos e trama arrastada. O humor sempre presente em suas tramas, dessa vez foi coisa rara, mas nada que comprometa a leitura, ou que torne o livro desagradável. Afinal, nem sempre tudo dá certo, não é mesmo?
Comentário da Revisora Ana Paula G. Gostei do livro. Realmente não tem o humor de costume, mas ainda assim me prendeu bastante! Bem, Amanda Quick não decepciona.
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Resumo No silêncio da noite, uma carruagem percorre as ruas que levam a casa do Anjo Caído, como é chamado o conde de Angelstone. No interior da carruagem a jovem Prudence luta consigo mesma para levar adiante a difícil decisão que tem em suas mãos: salvar a vida de seu irmão, Trevor, a única pessoa com quem conta no mundo. A mansão envolta em trevas encerra para Prudence, infinitos problemas que transformarão sua vida. Um inusitado furacão de luxúria que abrirá as portas à sensações e paixões desconhecidas.
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Capítulo 1
Na hora mais escura da noite, quase três da manhã, enquanto a névoa fria abraçava a cidade como um fantasma, Prudence Merryweather relutantemente decidiu que o tempo e a atmosfera seriam desconfortavelmente inadequados para visitar o homem conhecido como o Anjo Caído. Ela estava trêmula, apesar de sua tenaz determinação, quando o coche de aluguel parou na porta da casa, envolvida pela névoa. As novas lâmpadas de gás que haviam se espalhado por toda a cidade eram ineficazes na névoa espessa. Um estranho silêncio envolvia a rua fria e escura. Os únicos sons eram o barulho carruagem e o bater dos cascos contra o calçamento. Por um breve instante, Prudence pensou em pedir ao cocheiro que fizesse com que o coche alugado fosse diretamente para sua casa, mas reprimiu esse pensamento com a mesma velocidade com que havia lhe ocorrido. Sabia que nesse momento não poderia hesitar, a vida de seu irmão estava em jogo. Tomou coragem, ajeitou os óculos firmemente, e saltou da carruagem. Puxou o capuz da velha capa de lã cinza para esconder o seu rosto quando começou a subir as escadas da casa com determinação. Atrás dela, o coche de aluguel começou a moverse rua abaixo. Prudence parou e virou-se rapidamente, assustada. - Onde você acha que vai, meu bom homem? Eu disse que lhe daria algumas moedas extras para que você me esperasse. Só vou demorar apenas alguns minutos. ─ Não se preocupe, não, senhorita. Só estou ajustando as rédeas, é tudo. ─ O motorista era uma mancha escura, sem fisionomia, dentro do abrigo, coberto com um pesado casaco e chapéu abaixado, cobrindo suas orelhas. Falava muito confuso, por causa do gim que havia bebido durante toda a noite, para afastar o frio intenso. ─ Eu já disse que vou esperar. Prudence ficou um pouco mais tranquila.
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─ Encarregue-se se estar aqui quando eu voltar. Se não for assim, eu estaria desamparada quando terminar com esse negócio. ─ Negócio? É assim que chama? – O cocheiro riu dissimuladamente, enquanto levantava a garrafa e derramava o conteúdo em sua boca. ─ Um negócio muito extravagante, caso me pergunte. Talvez esse cavaleiro, seu amigo, queira que esquente a cama durante o resto da noite. Está fazendo um frio dos diabos. Prudence olhou para ele mal humorada, porém decidiu que não ia ganhar nada discutindo com um cocheiro embriagado a essa hora tão tardia da noite. ─ Não havia tempo para bobagens. Envolveu-se ainda mais na capa que a encobria e se apressou a subir os degraus. As janelas do andar superior estavam apagadas, talvez o famoso morador já estivesse na cama. De acordo com os comentários, seria algo improvável. Comentava-se que o lendário Conde de Angelstone raramente deitava-se antes do amanhecer. O Anjo Caído não havia recebido essa reputação formidável respeitando os horários convencionais. Todos sabiam que a diabo preferia o amparo da noite. Prudence vacilou antes de levantar a mão enluvada para bater à porta. Era muito consciente que o que iria fazer envolvia certo risco. Havia crescido no campo e era nova em Londres, porém não era tão inocente para achar que as damas que visitavam cavalheiros a qualquer hora fosse normal, e muito menos às três horas da manhã. Prudence bateu fortemente na porta. Pareceu que havia transcorrido uma eternidade até que o mordomo, meio vestido e com aspecto desalinhado, abriu a porta. Era um homem calvo e com pesada mandíbula, que lembrou Prudence de um enorme e feroz mastim. A vela que sustentava em uma das mãos, revelou primeiramente irritação e a seguir um desgosto crescente em suas feições sombrias. Observou a figura abrigada e encapuzada de Prudence com olhos severamente desaprovadores. ─ Pois não, senhorita? ─ Venho visitar Sua Excelência.
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─ Ah, é mesmo? – Os lábios do mordomo se curvaram em um sorriso de escárnio que seria muito apropriado em Cérbero, o cão de três cabeças, que diziam guardar a entrada de Hades. ─ Lamento informar que Sua Excelência não está em casa. ─ Sim, ele está, com toda certeza. – Prudence sabia que deveria ser firme se quisesse ultrapassar o cão de guarda do Anjo Caído. ─ Averiguei minhas fontes antes de tomar a decisão de vir visitá-lo. Por favor, o informe imediatamente, que tem uma visita. ─ E, a quem devo anunciar? – Perguntou o mordomo com tom sepulcral. ─ Uma dama. ─ Não é muito provável. Nenhuma dama estaria aqui a esta hora. Saia daqui, puta irritante e desagradável. Sua excelência não se relaciona com a sua classe. Se quiser alguma coisa vestida em musselina, pode almejar a algo muito superior a uma prostituta de rua. Prudence ficou morta de vergonha diante dos insultos. Estava claro que isto seria muito mais desagradável do que havia imaginado. Trincou os dentes. ─ Tenha a amabilidade de informar a Sua Excelência que uma das partes interessada no próximo duelo deseja vê-lo. O mordomo, assombrado, cravou os olhos nela. ─E, por favor, diga-me, o que uma mulher de sua classe poderia saber dos assuntos pessoais de Sua Excelência? ─ Muito mais que você, segundo me parece. Se não disser a Angelstone que tem uma visita, eu prometo que você irá viver para lamentar. Eu lhe asseguro que sua permanência nesta casa depende que o comunique que estou aqui. O mordomo não parecia totalmente convencido da ameaça, mas já começava a vacilar. ─ Espere aqui. Fechou a porta com um golpe e deixou Prudence de pé nas escadarias. Os dedos gelados da névoa se moviam lentamente e a envolveram.
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Envolveu-se ainda mais em sua capa. Aquela estava se convertendo em uma das piores noites de toda a sua vida. Tudo era muito mais fácil no campo. A porta voltou a abrir-se um minuto mais tarde, e o mordomo a olhou com desprezo, e relutantemente, indicou para que entrasse. ─ Sua Excelência irá recebê-la na biblioteca. ─ Eu sabia. – Prudence entrou rapidamente, agradecida por escapar das garras da névoa, mesmo que isso significasse ficar presa pelas mesmíssimas mandíbulas do inferno. O mordomo abriu a porta da biblioteca e a manteve aberta. Prudence passou por ele e entrou e entrou no ambiente escuro e sombrio, que estava iluminado apenas pelo fogo da lareira. A porta se fechou atrás dela exatamente enquanto se dava conta de que não havia nenhum sinal de Angelstone. ─ Senhor? – Prudence parou bruscamente e esquadrinhou as sombras com atenção. ─ Senhor? Está aqui? ─ Boa noite, Miss Merryweather. Espero que possa desculpar a descortesia do meu mordomo. ─ Sebastian, conde Angelstone, levantou-se lentamente, das profundezas de uma enorme poltrona, em frente à lareira. Trazia um enorme gato preto, aninhado em seus braços. ─ Deve compreender que a sua visita foi inesperada, sobretudo, tendo em conta as circunstâncias e a hora. ─ Sim, milord, estou consciente disto. – Prudence ficou sem fôlego diante da visão de Angelstone. Havia dançado com Sebastian nessa mesma noite, porém essa havia sido apenas a primeira vez que tinha encontrado o Anjo Caído. Agora percebia que precisaria de mais que dois encontros para acostumar-se com a impressão que ele lhe causava. Angelstone era qualquer coisa, menos angelical, tanto na aparência como no temperamento. Nos salões da moda se dizia que se parecia muito com o Senhor das Trevas. Era verdade que seria necessária muita imaginação para visualizá-lo com um par de asas e um halo. A luz do fogo que oscilava atrás de Angelstone parecia muito apropriada essa noite. O resplendor das chamas ressaltava
firmemente suas feições cruéis e
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melancólicas; seu cabelo negro era curto; seus investigativos olhos âmbar ardiam com fria e penetrante inteligência; seu corpo era firme e esbelto. Graças à experiência no salão de baile, Prudence sabia que Sebastian movia-se com perigosa e indolente graça masculina. Era evidente que estava vestido para a intimidade de seu próprio lar e não para receber visitas. A gravata branca caía frouxa ao redor de seu pescoço, e sua camisa de babados franzidos estava aberta suficientemente para revelar o pelo escuro e ondulado de seu peito; suas calças coloridas abraçavam os sinuosos contornos de seus músculos; todavia, ainda não havia retirado suas lustrosas botas negras com borlas. Prudence sabia muito pouco sobre estilo, era um assunto de interesse extremamente limitado para ela. Porém, percebia que havia em Sebastian uma elegância masculina inata, que tinha pouco a ver com o que estava usando. Era parte dele, assim como o gato que segurava. A única joia que Sebastian usava era um anel de ouro, em um dos dedos longos de sua mão. Cintilava com opacidade enquanto ele acariciava lentamente o gato. Prudence cravou o olhar no anel. Mais cedo, ao dançar com ele, notou que havia uma complexa letra F gravada no anel. Entendeu que era por causa do nome do conde, Fleetwood. Por um momento, lhe pareceu que não poderia afastar o olhar da mão de Sebastian, enquanto este acariciava o gato. Quando finalmente olhou em seus olhos, viu que Sebastian sorria ligeiramente. Ficou surpresa diante da corrente de sensualidade que percorreu seu corpo. Disse a si mesma que não estava acostumada a ver um homem em trajes caseiros. Por infelicidade, havia tido essa mesma reação durante esta noite, quando Sebastian estava vestido corretamente para a festa. Prudence aceitou que aquele home exercia um efeito avassalador sobre ela. Por um fugaz momento se perguntou se seria real. Inclusive, enquanto estava ali, de pé com os olhos fixos nele, Sebastian começou a dissolver-se em uma névoa cinzenta, como um espectro. Durante breves segundos, ficou tão estarrecida por vê-lo converter-se em uma aparição bem diante de seus olhos, que nem conseguiu pensar claramente.
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A seguir se deu conta de qual era o problema. ─ Eu peço-lhe desculpas, senhor. – Prudence tirou seus óculos rapidamente e limpou o vapor que havia começado a interferir em sua visão. ─ É que lá fora está fazendo muito frio. Quando entrei nesse ambiente aquecido, a diferença de temperatura fez com que se formasse vapor sobre minhas lentes. É um dos problemas irritantes que quem usa óculos enfrenta. Sebastian arqueou uma sobrancelha negra. ─ Minhas condolências, Miss Merryweather. ─ Oh, sim, bem, obrigada. Não se pode fazer muito a respeito. Apenas se acostumar. – Prudence voltou a colocar os óculos sobre o nariz. Olhou com reprovação para Sebastian. ─ Suponho que deve estar se perguntando por que estou aqui, nesta hora tardia. ─ É verdade, a pergunta passou pela minha cabeça. –Percorreu com o olhar a velha capa, que estava ligeiramente aberta e deixava a vista o modesto vestido de festa, fora de moda, marrom claro. O divertimento bailou nos olhos de Sebastian por um breve instante, antes de ser substituído por um olhar especulativo. ─ Você veio sozinha? ─ Mas, é claro. – Olhou para ele surpresa. ─ Algumas pessoas diriam que é bastante imprudente. ─ Eu precisava vê-lo a sós. Estou aqui por causa de um assunto muito confidencial. ─ Entendo. Por favor, sente-se. ─ Obrigada. Prudence sorriu insegura enquanto sentava-se em outra poltrona, em frente à lareira. Lembrou a si mesma que havia simpatizado com Angelstone durante a noite, mas, entretanto sua amiga Hester, Lady Pembroke, ficou horrorizada quando Sebastian forçou a apresentação. Certamente não seria tão mau como todos diziam, Prudence disse a si mesma, enquanto observava Sebastian se acomodar novamente em sua poltrona. Seu instinto sobre as pessoas era, de maneira geral, muito confiável. Em apenas uma
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desafortunada ocasião, há três anos, havia descoberto estar tristemente equivocada a respeito de um homem. ─ É algo muito perturbador, senhor. ─ Sim. – Sebastian esticou seus pés calçados em direção ao fogo e voltou a acariciar lentamente o gato. ─ Também é algo muito perigoso. ─ Bobagem. Tenho uma pistola em meu bolso e o cocheiro que me trouxe até aqui, aceitou me esperar. Asseguro-lhe que estou a salvo. ─ Uma pistola? – Ele olhou para ela divertido. ─ Você é uma mulher muito estranha, Miss Merryweather. Acredita que necessitaria de uma pistola pra protegerse de mim? ─ Céus, não, senhor. – Prudence estava completamente transtornada. – Você é um cavalheiro, milord. ─ Eu sou? ─ Claro que sim. Por favor, não brinque comigo, senhor. Eu trouxe a pistola como proteção contra os assaltantes. Escutei dizer que existem muitos por aqui, na cidade. ─ Sim, é verdade. O gato aconchegou-se no regaço de Sebastian e olhou para Prudence sem pestanejar. Observou que os olhos do animal eram quase do mesmo tom de ouro que os do dono. Essa observação a distraiu momentaneamente. ─ Seu gato tem um nome, senhor? – Perguntou a seguir. ─ Sim. ─ Qual? ─ Lúcifer. ─ Ah. – Prudence pigarreou discretamente. ─ Bom, como eu estava dizendo, não sou de maneira nenhuma tão estranha, sou apenas uma mulher bem comum que, infelizmente, não conhece muito bem os costumes da vida na cidade. ─ Não estou de acordo, Miss Merryweather. Você é a mulher mais estranha que já conheci.
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─ Sinceramente, acho muito difícil acreditar nisso. – respondeu com acidez. ─Bom, parece que esta noite foi à causa de um problema entre você e meu irmão, e eu quero parar com isso imediatamente. ─ Um problema? – O olhar de Sebastian se intensificou especulativamente. ─Não estou sabendo de haja nenhum problema entre Trevor Merryweather e eu. ─ Não tente fugir do assunto fingindo que não tem conhecimento da situação, senhor. – Prudence apertou firmemente as mãos, em seu regaço. ─ Tomei conhecimento de notícias que Trevor e você irão se bater em duelo, ao amanhecer. Eu não vou permitir. ─ Como pensa evitar? – Sebastian olhou para ela com evidente interesse. ─ Pesquisei e investiguei sobre duelos nas últimas horas e encontrei uma solução. ─Não me diga! ─ Sim. Uma desculpa terminaria com essa idiotice. Enquanto eu me dava conta do que deveria ser feito, localizei Trevor imediatamente, na reunião dos Atkins e falei primeiramente com ele. Lamentavelmente, está ridiculamente obstinado acerca de todo esse assunto, embora eu pudesse perceber que estava aterrorizado pelo que aconteceria ao amanhecer. É muito jovem, como você sabe. ─ Aparentemente, não é jovem o suficiente para não oferecer um desafio. Prudence negou movimentando a cabeça. ─ Repetia constantemente que tinha que seguir em frente porque minha honra, tanto quanto a sua estavam em jogo. Minha honra. Pode acreditar nisso? ─ Geralmente, em casos como esse. Os duelos seriam intoleravelmente aborrecidos, para todos implicados, se não estivesse envolvido o comprometimento da honra de uma mulher. ─ Isso é muita bobagem. Permita-me dizer-lhe senhor, que se acredita mesmo nisso, seu bom senso não é muito melhor do que o do meu irmão. ─ Uma ideia perturbadora. Prudence não ligou para o sarcasmo dele.
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─ É uma completa idiotice acreditar que me insultou profundamente, apenas porque falou comigo e me pediu para dançar com você. Não me senti insultada de maneira nenhuma, e já falei sobre isso com Trevor. ─ Obrigado. ─ O caso é – disse Prudence, com sinceridade ─ que Trevor é muito protetor em relação a mim, desde a morte de nossos pais. Sente que sendo o homem da família tem certas obrigações. Sua intenção é a melhor possível, mas às vezes se deixa levar pela ideia que deve tomar conta de mim. É ridículo da parte dele desafiá-lo, por causa de um acontecimento sem importância. ─ Não tenho certeza que seja um acontecimento de tão pouca importância. – Os elegantes dedos de Sebastian movimentaram-se cuidadosamente sobre o corpo do gato. ─ Nós dois tivemos uma conversa bem longa na festa. ─ Sobre interesses intelectuais mútuos, nada além disso. – Disse Prudence rapidamente. ─ E, dançamos a valsa. ─ Muitas pessoas fizeram o mesmo. Lady Pembroke me disse que está na moda. Todos estão dançando valsa hoje em dia. Realmente, você não deve dar crédito ao desafio de Trevor. ─ Algumas pessoas não teriam a mesma opinião. – Prudence mordia seu lábio. ─ Bem, como foi ele quem o desafiou, e como não consegui convencê-lo a se desculpar para que o duelo fosse adequadamente cancelado, só resta uma solução. Os olhos dourados de Sebastian encontraram o olhar de Prudence. ─ Sinto uma enorme curiosidade para ouvir essa solução, Miss Merryweather. ─ Na realidade, é muito simples. – Prudence ofereceu-lhe um sorriso cheio de esperança. ─ Você deve desculpar-se com ele. ─ Como disse? ─ Você me ouviu. Deve desculpar-se com ele. – Prudence inclinou-se para frente, ansiosa. ─ É a única saída, senhor. Trevor tem apenas vinte anos, está nervoso, e acho que deve saber que está fora de controle, porém é muito jovem e impetuoso para admitir que a situação escapasse de suas mãos.
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─Seu irmão talvez não pense que a situação escapou de suas mãos. Talvez, esteja totalmente convencido que desafiar-me a um duelo fosse a única resposta adequada dada as circunstâncias.
─ Isso é ridículo. Deve tentar entender, senhor. Desde que nossos pais morreram, em um acidente com carruagens, há dois anos, meu irmão está tentando enfrentar as responsabilidades de ser o chefe da família. ─ Compreendo. ─ Está na incrível idade na qual os homens jovens sentem as coisas com grande intensidade. Suponho que você também tenha sido jovem alguma vez. Sebastian olhou para ela, claramente fascinado. ─ Agora que você falou sobre isso... Sim, creio que sim. Foi há muito tempo, é claro. Prudence ficou ruborizada. ─ Eu não quis dizer que, agora, seja velho, senhor. ─ Obrigado. Prudence o brindou com um sorriso encorajador. ─ Céus, provavelmente, você não tenha muito mais que quarenta. ─ Trinta e cinco. – Prudence piscou. ─ Perdão? ─ Tenho trinta e cinco anos, Miss Merryweather. Não quarenta. ─ Ah, sim! – Prudence se perguntou se o havia ofendido, e tentou recuperar o terreno que havia perdido. ─ Bom, sem dúvida nenhuma, você tem o aspecto da serena maturidade que se esperaria de um homem mais velho, senhor. ─ É muito amável de sua parte, pois outros diriam que meu rosto traz as marcas de uma alma atormentada e de uma vida dura. Prudence engoliu em seco. ─ Senhor, a única coisa da qual dependemos é da sabedoria e bom senso, que sem dúvida, você adquiriu durante os últimos trinta e cinco anos, se quisermos por fim às loucuras de um rapaz de vinte anos.
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─ Você está falando sério, não é verdade Miss Merryweather? Realmente está esperando que eu me desculpe diante do seu irmão. ─ Eu falo muito sério. Este é um assunto de vida ou morte, senhor. De acordo com minhas fontes, você é um exímio atirador. – Prudence apertou as mãos entrelaçadas. – Sei que pratica regularmente em Manton e que este não será o seu primeiro duelo. ─ Você parece estar muito bem informada. ─ Sou muito boa investigando coisas, milord. – disse Prudence, com cerimônia. ─ É o meu passatempo, tal como lhe expliquei esta noite. ─ É verdade. Porém, tive a impressão de que seu interesse primordial fosse à investigação dos fenômenos espectrais. Prudence deu uma olhada no gato. ─ É verdade que sou especializada nesses assuntos, mas lhe asseguro que meus interesses são muito mais amplos. Adoro encontrar respostas para perguntas enigmáticas. ─ Você acredita em fantasmas Miss Merryweather? ─ Pessoalmente, eu sou cética a esse respeito, - admitiu Prudence. ─ Porém, muitas pessoas acreditam em fantasmas. Frequentemente acreditam que existam provas de fenômenos espectrais. Meu passatempo consiste em examinar essas provas e tentar encontrar uma explicação lógica. ─ Compreendo. – Sebastian dirigiu o olhar para as chamas da lareira. ─ Pedi para me que me apresentassem, porque havia ouvido falar sobre o seu passatempo, certamente, bastante inusitado. Prudence sorriu com pesar. ─ Sou muito consciente disso, senhor. Percebi que me considera a “Dona Estranha” aqui na cidade. Você não é o primeiro cavalheiro que procurou ser apresentado a mim, apenas porque se sentia curioso a respeito do meu passatempo. Tem ideia do quanto é irritante que a peçam para bailar, só porque me consideram anormal?
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─ Acredito que posso imaginar. – disse Sebastian, com um tom de voz curiosamente seco. ─ A cidade sempre se interessa pelo inusitado. Reage como uma criança com um novo brinquedo. E, se por um acaso, o brinquedo novo se quebra, ela o deixa de lado e vai brincar com outro mais brilhante e radiante. ─ Entendo. ─ A alma de Prudence caiu aos seus pés. Será que havia esperado que ele a achasse mais interessante que um novo brinquedo? Afinal de contas, este era o Anjo Caído. ─ Está me dizendo que me convidou para dançar porque sou um divertimento novo na cidade. Só estava se divertindo. ─ Não. ─ Sebastian olhou para ela com os olhos velados. ─ Pedi para dançar com você porque você me intriga Miss Merryweather. Ocorreu-me que você e eu poderíamos ter interesses em comum. Prudence olhou para ele. ─ Sério senhor? Você pratica investigações dos fenômenos espectrais? ─ Não exatamente. ─ O quê, então? ─ Creio que não é o mais importante neste momento. Temos assuntos mais urgentes para nos preocupar, não é assim? ─ Sim, é claro. O duelo com meu irmão. – Prudence voltou a se concentrar no assunto que tinha em mãos. ─ Então, irá se desculpar com Trevor? Eu sei que deve ser tremendamente irritante, quando é ele quem está errado, porém tenho certeza que você entende que este duelo precisa ser suspenso. ─ Não tenho o costume de me desculpar, Miss Merryweather. Prudence umedeceu os seus lábios ressecados. ─ A questão é que não conseguiu Trevor a desculpar-se. ─ Então, eu temo que seu irmão deva enfrentar as consequências. Prudence sentiu o calor fugir de suas mãos. ─ Senhor, eu devo insistir que aja como um homem maduro e responsável. Trevor, assim como eu, desconhece os costumes da cidade. Não sabia o que estava fazendo quando o desafiou para um duelo.
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─ Está equivocada, Miss Merryweather. Seu irmão sabia exatamente o que estava fazendo. Sabia quem eu era, e conhecia a minha reputação. ─ Sebastian sorriu sem vontade. ─ Por que acha que ele se sentiu tão ultrajado diante do fato de que eu a tivesse lhe convidado para dançar? Prudence enrugou a testa. ─ Aprendi muitas coisas a respeito da sua reputação durante as últimas três ou quatro horas, senhor. Acho que todas são totalmente desproporcionais aos fatos. Sebastian parecia levemente espantado. ─ Conhece os fatos, Miss Merryweather? ─ A maior parte. – Ela os numerou rapidamente com sua mão enluvada. ─ Há anos seu pai desafiou a família ao fugir com uma atriz. Os Fleetwood estavam furiosos. Seus pais foram obrigados a abandonar o país devido ao escândalo. Nuca houve o anúncio do casamento, inclusive seus parentes deram como certo que, na realidade, seu pai nunca se casou com sua mãe. ─ Isso resume a maior parte da minha interessante história. ─ Mas, não é tudo. Quando você regressou à Inglaterra, há dois anos, a cidade se deleitou ao colocar-lhe o rótulo de ilegítimo. ─ Exatamente. – Sebastian parecia divertido. ─ Foi muita crueldade da parte dessas pessoas, dizer esse tipo de coisa. É claro que você não era responsável pelas circunstâncias do seu nascimento. ─ Você é muito compreensiva Miss Merryweather. ─ É apenas uma questão de bom senso. Por que haveríamos de culpar uma criança pelas ações de seus pais? Sem contar que você não nasceu de maneira ilegítima. ─ Não. ─ Por sua própria razão, e provavelmente, por achar que seria divertido, contentou-se em deixar que todos pensassem que havia nascido do lado errado da cama. ─ Digamos que eu não quis me incomodar em corrigir essa impressão. – concordou Sebastian.
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─ Até que o seu tio, o velho conde, viesse a falecer no ano passado. Como não havia contraído bodas, não deixou nenhum filho para herdar o título. Seu pai era o descendente direto, porém infelizmente, havia morrido há quatro anos, e supunha-se que você fosse um filho extraconjugal. Desse modo, todos pensaram que seu primo Jeremy, cujo pai também havia falecido algum tempo atrás, se converteria no próximo conde de Angelstone. Sebastian estava sorrindo, mas não disse nada. ─ Porém, - disse Prudence – Você confundiu o mundinho social, ao mostrar provas contundentes que, na realidade, seus pais haviam se casado, antes do seu nascimento. Você era o legítimo herdeiro do título. Pelo que eu entendi os seus parentes nunca o perdoaram. ─ Um fato que não me incomoda nem um pouco. ─ Além disso, quando você tomou posse do título, já havia conquistado sua própria fortuna que fazia sombra à fortuna dos Angelstone. – disse Prudence. ─ Isso era outra coisa que seus parentes não reconheceram. Sebastian inclinou a cabeça ligeiramente. ─ Tenho que parabenizá-la pelas investigações Miss Merryweather. Assimilou muitas coisas sobre mim, em um período de tempo relativamente curto. ─ O que não me faltou foram pessoas desejosas de murmurar coisas a seu respeito, senhor. ─ Poucas vezes faltam. ─ Sua reputação está próxima de uma lenda. ─ Talvez, com muita razão. – Observou Sebastian suavemente. ─ Na verdade, é tão extraordinário – continuou Prudence, com naturalidade ─ que, sem dúvida, poderia suportar os poucos e insignificantes comentários, que talvez fizessem caso você se comprometesse a desculpar-se diante do meu irmão. O rosto de Sebastian endureceu. Em seguida, os olhos brilharam com relutante admiração. ─ Um golpe bastante eficaz, Miss Merryweather. E, desferido com grande habilidade, se permite dizer-lhe.
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─ Obrigada, senhor. Só relatei uma pequena parte da verdade. Você poderia desculpar-se diante do meu irmão e sair, todavia, com a sua incrível reputação intacta. Todos que souberem do seu ato de generosidade o verão como um gesto de amabilidade de sua parte para com Trevor. ─ Não sou conhecido por minha amabilidade, Miss Merryweather. Prudence sorriu para ele de forma animadora. ─ Mas você será depois que souberem que se negou a duelar com meu irmão. Todos sabem que seria capaz de meter-lhe uma bala no corpo, caso escolhesse fazê-lo. ─ É uma forma interessante e bastante divertida de encarar esta situação. ─ Fico muito feliz que possa me compreender, senhor. Acredito que meu pequeno plano vai dar resultado. Tudo o que precisa fazer é desculpar-se com Trevor. Sebastian refletiu por alguns instantes. ─ Devo confessar-lhe que não vejo nenhum benefício para mim em todo esse assunto. ─ Irá evitar o desconforto de um duelo ao amanhecer. – Disse Prudence. ─ Sem dúvida, isso deve ser uma grande vantagem. ─ Acontece que geralmente sempre estou acordado ao amanhecer. ─ Alguma coisa fria brilhou nos olhos de Sebastian. ─ Um duelo não seria um grande incomodo. Prudence olhou consternada para ele. A seguir detectou um humor diabólico naqueles olhos âmbar. ─ Milord, está se divertindo comigo. ─ Você acha? ─ Sim, acredito nisso. Não pode ter muita vontade de duelar com um rapaz jovem e inexperiente. Não precisa provar mais nada. Prometa-me que vai por um fim nesta loucura, com uma desculpa, antes que se derrame sangue. ─ Você está me pedindo para deixar de lado o pequeno assunto de minha própria honra. ─ Estou pedindo-lhe que seja razoável. ─ Por que eu me incomodaria em ser razoável? Prudence estava se aproximando do limite de sua paciência.
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─ Senhor, eu devo insistir que deixe de agir como um idiota cabeça de vento. Nós dois sabemos que é muito inteligente para desejar se envolver em algo tão ridículo como um duelo. ─ Idiota cabeça de vento? – Prudence sorriu. ─ Peço-lhe que me desculpe senhor. Mas, é o que penso a respeito da sua conduta. Esperava muito mais de você. ─ Estou desolado por saber que não vivi para satisfazê-la em suas expectativas. No entanto, em poucas ocasiões correspondi às expectativas de alguém. Estou surpreso que não tenha sabido disto no curso de suas investigações, nesta noite. ─ Você adora confundir às demais pessoas. ─ disse Prudence. ─ Entendo que você deve pensar que tem um motivo justo para comportar-se dessa maneira. Certamente, é a sua forma de vingar-se da sociedade pelo modo que o tratou, antes que adotasse o título. ─ É uma atitude muito magnânima da sua parte. ─ Contudo, ─ disse Prudence deliberadamente ─ Estou lhe pedindo que fique acima de suas inclinações neste caso, e se comporte como um homem generoso, responsável e de bom coração, que sei que é capaz de ser. Um sorriso malicioso iluminou brevemente os olhos de Sebastian. ─ E, o que a faz pensar, em nome dos diabos, que eu seja capaz de me comportar de tal maneira? Prudence estava exasperada. ─Você é um erudito, um homem com uma mente questionadora, senhor. Eu percebi isso no salão de baile, quando conversamos sobre as minhas investigações dos fenômenos espectrais. Você me perguntou coisas pertinentes e deixou que eu visse um intelecto agudo. Nego-me a crer que não possa se comportar com alguma generosidade de espírito. Sebastian acariciou as orelhas de Lúcifer enquanto refletia sobre essa sugestão. ─ Suponho que seria uma experiência inédita. ─ Exatamente o que precisa para espantar o tédio. – Prudence titubeou e a seguir acrescentou suavemente: ─ Acho que você anda aborrecido.
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─ Quem lhe disse isso? ─ Quase todo mundo – admitiu ─ É verdade? Sebastian recostou a cabeça contra o encosto; de onde estava, olhou o fogo diante dele. Curvou os lábios sem sorrir, na verdade. ─ Eu não sei. – admitiu calmamente. Prudence olhou para ele. ─ Não sabe o que sente? Sebastian a olhou estranhamente. ─ Na maior parte do tempo, eu não tenho certeza de nada, Miss Merryweather. ─ Eu tive uma experiência muito parecida com a sua, quando perdi meus pais, algum tempo atrás. – disse Prudence docemente. ─ É mesmo? ─ Sim. Porém tinha Trevor, meu irmão. E, Lady Pembroke foi muito amável. Pudemos consolar-nos uns aos outros. Com o tempo, fui ficando mais animada. ─ Não tenho nenhum problema para acreditar nisso. ─ Havia uma mescla de humor no tom de voz de Sebastian. ─ Indubitavelmente, você tem muita presença de espírito, Miss Merryweather. Porém a questão se eu sofro ou não de tédio, não vem ao caso. Voltemos ao que nos interessa. ─ Sim, é claro. – Lançou-lhe um sorriso ansioso ─ Tenho consciência de estar lhe pedindo que me faça um imenso favor, senhor. ─ É verdade. Um pedido de desculpas é algo completamente estranho à minha natureza, assim como conceder favores. ─ Eu tenho certeza que irá sobreviver a essa experiência. ─ Isso é o que veremos. – disse Sebastian – Talvez, fosse interessante lembrarse que, quando alguém faz um favor espera poder cobrá-lo em algum momento no futuro. Um novo choque de alarme percorreu Prudence, e ela olhou para ele cautelosamente. ─ O que, exatamente, está me sugerindo senhor?
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─ Somente que em troca de fazer-lhe este favor esta noite, você aceite fazer um favor a mim, caso um dia eu chegue a pedir-lhe. Prudence mantinha-se muito quieta. ─ Que tipo de favor esperaria em troca de salvar a vida do meu irmão? ─ Quem sabe? Não posso predizer o futuro, Miss Merryweather. Não tenho a menor ideia do tipo de obséquio que eu poderia necessitar de você algum dia. ─ Compreendo. ─ Ergueu as sobrancelhas com preocupação – Mas, você espera cobrar esse favor, em algum momento? Sebastian sorriu lentamente. A luz do fogo se refletia em seus olhos e nos olhos do gato. ─Sim, Miss Merryweather. É muito provável que algum dia eu cobre pelo que me deve. Trato feito? Um perigoso silêncio caiu sobre a biblioteca mal iluminada. Rompido apenas pelo crepitar das chamas da lareira. Prudence não conseguia afastar os olhos do fixo e indecifrável olhar de Sebastian. Teria que arriscar que a sua intuição sobre esse homem fosse correta. Talvez ele fosse perigoso, porém não acreditava que fosse mal intencionado. ─ Muito bem, senhor. – disse Prudence pausadamente – Aceito o trato. Sebastian estudou-a durante longos minutos, como se quisesse ver abaixo da superfície, tal qual como Prudence havia querido penetrar nos segredos dele. ─ Creio que você é mulher que cumpre as suas promessas, Miss Merryweather. Prudence olhou mal-humorada para ele. ─ Mas é claro que sim. ─ Não precisa ficar ofendida. A honra genuína é muito incomum, tanto para homens, quanto para as mulheres. ─ Se é você quem está dizendo. Isto quer dizer que irá se desculpar diante de meu irmão? ─ Sim. Vou me encarregar que o duelo seja cancelado. – Prudence sentiu-se invadida por uma onda de alívio.
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─ Obrigada, senhor. Estou muito agradecida. Na verdade, é muita bondade de sua parte fazer uma coisa assim. ─ Já basta Miss Merryweather. Não preciso do seu agradecimento. Você e eu fizemos um trato. Muito em breve, me devolverá o favor. – Sebastian deixou o gato sobre o tapete. Lúcifer piscou com irritação diante de Prudence, como se a culpasse por ter sido perturbado na cômoda posição em que se encontrava. Em seguida, balançou o rabo e correu para sentar-se sobre uma almofada de seda vermelha e dourada. Sebastian levantou-se da cadeira e se inclinou para tomar as mãos de Prudence. Colocou-a de pé. ─ Senhor? Ele não respondeu, porém seus olhos refletiam as labaredas, enquanto ele se aproximava dela. Inclinou a cabeça e colocou sua boca sobre a de Prudence. O beijo de Sebastian foi deliberado, uma calculada declaração de propósito sensual. Prudence nunca havia recebido um beijo como aquele em toda a sua vida, e sem que houvesse nenhuma dúvida, uma parte dela reconheceu imediatamente o que significava. Um frenesi chocante a percorreu dos pés à cabeça, quando se deu conta de que de alguma forma indefinida, Sebastian a estava reivindicando como sua. Prudence estava aturdida. Tremia. Só conseguia respirar. Um ardente desejo vibrava em seu interior. Imediatamente, todo seu corpo sentia-se vivo, com uma nova e latente energia. Tudo havia terminado antes que ela pudesse acostumar-se ao sensual ataque, engasgando quando Sebastian levantou a cabeça. ─ Agora, que selamos o acordo, Miss Merryweather, é hora de você voltar para casa. ─ Ah, sim. Sim, é claro. – Prudence lutou para ajustar o capuz da capa, com seus dedos trêmulos. Disse a si mesma que deveria estar tão imperturbável, quanto ele. Tinha vinte e cinco anos, não era uma menininha inocente. ─ Ninguém deve ter sentido a minha falta, certamente. A casa de Lady Pembroke é muito bem
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administrada, e quando me retirei para os meus aposentos, deixei instruções precisas para não ser perturbada. ─ Como você saiu de casa? ─ Pela cozinha. Foi um pouco difícil encontrar uma carruagem, mas consegui. O cocheiro disse que iria me esperar. ─ A carruagem em que você chegou foi dispensada. Prudence ergueu os olhos rapidamente. ─ Como? ─ Não se preocupe. Eu irei acompanhá-la até a sua casa, Miss Merryweather. ─ Na realidade, não existe necessidade. – Prudence falou rapidamente. ─ Já ordenei que trouxessem a carruagem. ─ Entendo. – Não lhe ocorrera outra coisa para dizer. Sebastian conduziu Prudence para fora da biblioteca e a levou até o vestíbulo, onde o esperava o mordomo com cara de mastim. ─ Minha capa, Flower. ─ Sebastian sorriu com seu estranho sorriso sem nenhum humor. ─ A propósito, parece que não tenho nenhum compromisso ao amanhecer, afinal de contas. Por favor, trate para que o desjejum seja servido à mesma hora de sempre. ─ Sim, senhor. – Flower deu um fascinado e indagador olhar a Prudence, enquanto ajudava Sebastian a colocar a capa negra. Mas, não disse uma palavra, como o bem educado servente que era. Abriu a porta da rua, calado. Uma carruagem negra, puxada por dois potros negros esperava envolta pela neblina. Sebastian ajudou Prudence a subir a cabine. A seguir, entrou e sentou-se em frente a ela. As lanternas da carruagem lançavam um brilho flamejante sobre as rígidas e ameaçadoras feições de Sebastian. Nesse momento, Prudence não teve a menor dificuldade para entender porque as más línguas havia lhe dado à alcunha de Anjo Caído. ─ Senhor, eu aprecio a sua companhia, porém, realmente, não havia necessidade. – Prudence envolveu-se com mais firmeza em sua velha capa, quando a carruagem arrancou através da rua escura.
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─ Ah, mas é claro que é necessário Miss Merryweather. Agora, nós estamos unidos por um acordo. E, enquanto eu não cobrar o favor que você me deve, mantê-la a salvo faz parte dos meus interesses. – Sorriu outra vez. – Não sabe que o diabo cuida dos seus?
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Capítulo 2
Sebastian esperou silenciosamente nas sombras, enquanto Prudence abria a porta traseira da elegante casa de Lady Pembroke. Sorriu para si mesmo, quando Prudence fez uma breve pausa, e levantou a mão em sinal de despedida. A senhora em questão, talvez não gostasse muito de ser chamada de “Dona Estranha”, porém, sem dúvida nenhuma cumpria todos os requesitos. Nunca havia conhecido ninguém como Miss Prudence Merryweather. Com certeza, era a única pessoa que conhecera cuja curiosidade intelectual havia lhe conduzido a um passatempo tão inusitado como o seu. Uma criatura sumamente fascinante. E, agora, lhe devia um favor. Sebastian preferia ter as pessoas em dívida com ele. Isso lhe dava uma enorme vantagem. Virou e caminhou lentamente de volta à carruagem que o aguardava. Na distância, as luzes do veículo eram raios frágeis que atravessam a pesada névoa. Sebastian odiava a névoa e, contudo, sabia que poderia ser seu elemento natural. O seu último destino. Os saltos de suas botas ecoavam sobre a calçada. Os frios tentáculos da névoa dançavam ao seu redor e ameaçam aprisioná-lo para sempre em um cinzento buraco sem fim. Sabia que esse grande vazio esperava por ele. Seria um lugar onde não haveria nenhuma sensação, nem mesmo o sentimento do frio implacável. Em algumas ocasiões, pensava haver descoberto imagens fugazes desse vazio, esperando por trás do muro gelado que criara para proteger a si mesmo. Reconheceu como o mesmo vazio escuro que esperara por ele há quatro anos, em um amanhecer nas montanhas de Saragstan. Um pequeno ruído sibilante, proveniente de um beco vizinho, fez com que sua atenção voltasse de imediato ao presente. Pausando, ele escutou com cuidado, e a seguir, seus dedos se fecharam ao redor da pistola que levava em seu bolso. Notou ironicamente, que o instinto de sobrevivência ainda era muito forte, apesar do estranho humor que o fustigava cada vez mais nos últimos tempos. O ruído desapareceu suave e rapidamente. Um rato, ou talvez um gato, pensou Sebastian, enquanto caminhava para a carruagem que o esperava.
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Era uma noite perigosa para ficar fora de casa. Se bem que, todas as noites traziam momentos de grandes riscos. Miss Merryweather havia desafiado o perigo da escuridão para vê-lo, refletiu Sebastian. Sorriu com debilidade. Na verdade, ela possuía fortes qualidades. Sebastian abriu, ele mesmo, a porta da carruagem. ─ Para o clube. – disse ao cocheiro. ─ Sim, senhor. Quando a carruagem entrou em movimento, Sebastian recostou-se contra os almofadões, olhou para a névoa e pensou em Prudence. Ela era mais que corajosa; era teimosa. Uma característica decididamente difícil em uma mulher. Suspeitava que poucos homens seriam capazes de se relacionarem com ela. Ela era demasiado inteligente, demasiado intrépida, demasiado audaz e demasiado curiosa para a maioria dos homens. Também estava repleta de espírito vivaz e de uma inocente e leal fé na bondade das outras pessoas. Que Prudence tivesse vinte e cinco anos e ainda estivesse solteira, era um forte indicativo que os homens que havia encontrado até agora, não tinham conseguido entender o sutil desafio feminino que ela oferecia, ou decidiram ignorá-lo. Os homens deviam estar cegos, decidiu Sebastian. Isso, ou tinha sido dissuadidos pelos óculos que Prudence usava como um escudo de batalha. Sebastian olhou para as ruas escuras e pensou naqueles olhos, por trás das lentes. Olhos fantásticos. Claros e profundos poços de um tom indecifrável de verde. Olhos inteligentes. Os olhos de uma mulher honesta, uma mulher de profunda e inabalável integridade. Aqueles olhos verdes a convertiam em algo muito novo no mundo de Sebastian. Compreendeu que havia em Prudence alguma coisa sincera e completamente saudável que ele achava inexplicavelmente encantadora. Estava sedento para saborear essa bondade refrescante e revigorante, mesmo que não a levasse muito a sério. Ali, sentada em sua biblioteca, discorrendo sobre as responsabilidades dele, havia conseguido que ele pensasse em cada grama da escuridão que pesava em sua
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alma. Prudence era uma criatura solar, e o fez tomar consciência do fato que ele era um homem que vivia na mais profunda das noites. Eles eram o oposto um do outro, no entanto, havia desejado Prudence desde o primeiro momento em que foram apresentados. Não tinha sentido. Sebastian se perguntou por que se sentia encantado por ela. Porque ele estava encantado. Supunha que era porque fosse suficientemente bonita, ainda que não fosse uma grande beleza. Sem dúvida que os atributos físicos que possuía estavam eficazmente escondidos pelos efeitos do que parecia ser uma total ausência de senso de estilo. Sebastian achou muito divertido a cor do vestido que ela usou essa mesma noite. Prudence era muito pouco favorecida pelo pálido tom de castanho, que não ressaltava o brilho de seus olhos esmeralda, e apagava seu cabelo cor mel. O recatado decote e as rosas castanhas que decoravam a saia indicavam que o vestido havia sido feito no campo. Nenhuma modista de Londres haveria criado algo com estilo tão caipira. Evidentemente, Prudence havia considerado que o leque era um empecilho, e ao invés de esgrimi-lo, de acordo com as belas artes da sedução, ela o havia deixado pendurado em seu punho. Por conseguinte, os óculos não haviam feito outra coisa além de aumentar o efeito espetacularmente pouco elegante que havia tentado alcançar. Porém, Sebastian havia visto além da superfície da estranha aparência de Prudence. Seu pai havia sido explorador, um grande observador dos costumes de pessoas isoladas e do solo de terras exóticas. Havia levado a família consigo, em suas viagens e instruído Sebastian na ciência e na arte da observação. “É nos detalhes que muitas vezes vemos a verdade – explicada constantemente Jonathan Fleetwood ao seu filho ─ Aprenda a buscá-la.” Essa noite, Sebastian havia visto que o cabelo de Prudence era abundantemente entrelaçado com ouro. Tinha observado que a sua boca era generosa, alegre, e um pequeno e divertido nariz. Achara fascinante a sua atitude
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determinada e confiante, apesar de seu queixo suave. E, se viu no fundo dos poços verdes e insondáveis de seus olhos. Sabia que se comparada com as grandes belezas da cidade, só poderia ser qualificada como passável. Não era um diamante de primeira classe e, contudo, havia sido a única mulher que havia notado essa noite, no salão de baile. Sebastian permitiu que seus pensamentos flutuassem sobre o corpo de Prudence, e mentalmente passou as mãos sobre ela, como se estivesse a ponto de desnudá-la e lavá-la para a cama. Era esbelta, porém graciosamente arredondada nos lugares adequados. Havia visto o suficiente dela no modesto vestido marrom, para saber que seus seios estariam moldados como pequenas e maduras frutas exóticas, perfeitamente adaptadas às palmas de suas mãos, e à sua boca. O perfume de Prudence, uma mistura de flores frescas e fragrância naturalmente feminina, ainda perduravam na carruagem, invadindo a sua cabeça. Voltaria a beijá-la, em breve. Se tivesse alguma decência, resistiria ao impulso, porém ninguém esperava decência do Anjo Caído. E, ele pouco se importava com isso. Ele mesmo não tinha certeza de que a possuísse. O que ele possuía em abundância era uma enorme sensação negra e amorfa de frio, que ameaçava consumi-lo internamente. A única maneira de esquecê-lo, mesmo que por um curto período de tempo, seria ocupando-se de seu pequeno e divertido passatempo. Deveria voltar a praticá-lo, e logo. Mas, primeiro vinha o assunto do irmão de Prudence. A carruagem parou em frente à porta do clube que Sebastian mais gostava. Ele era membro da maior parte dos melhores estabelecimentos, porém era nesse que se sentia mais à vontade. Provavelmente, porque não era um dos lugares preferidos do seu primo. Desceu do coche, subia as escadarias e entrou no aquecido e bem mobiliado refúgio masculino. Várias cabeças se voltaram quando ele entrou no salão de carteado. Um murmúrio curioso atravessou a multidão reunida ao redor das mesas de apostas, e Sebastian supôs que os rumores do iminente duelo já haviam chegado a todos os clubes de St. James.
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Um homem alto, loiro e delgado se afastou de um dos jogos de whist 1 e caminhou pelo ambiente até se reunir com Sebastian. Sebastian o observou cuidadosamente e sentiu-se silenciosamente aliviado ao ver que o olhar de Garrick Sutton, novamente, estava límpido. Sutton parecia estar superando a prática de perder-se em licores fortes, um hábito que contraíra ao voltar da guerra. ─ O que é isto, Angelstone? Pensei que você estaria passando o resto da noite, em casa, se preparando para o encontro ao amanhecer. ─ Mudei de opinião, Sutton. Não terei nenhum compromisso ao amanhecer. Quero que você, como um de meus padrinhos, apresente as minhas desculpas sinceras a Mr. Trevor Merryweather. A boca de Garrick caiu aberta, em atônita surpresa. Sebastian sorriu. Valia a pena desculpar-se diante do jovem Merryweather apenas para ver o efeito engraçado que teria sobre todo mundo. Garrick formava parte do punhado de pessoas as quais Sebastian chamava de amigos. Sebastian inclui Garrick no seleto grupo, porque ele foi uma das poucas pessoas que havia aceitado Sebastian sem reservas há dois anos. Depois de passar toda a vida no estrangeiro, finalmente Sebastian fora obrigado a regressar à Inglaterra. O investimento empresarial cada vez maior fez com que fosse necessário estabelecer a sua residência em Londres, o centro do mundo social, que um dia havia virado as costas aos seus pais. Seu poder financeiro o colocara em contato com pessoas que estavam ansiosas em afirmar que eram seus amigos. Mas, ele sabia que por trás, o chamavam de “O Bastardo de Fleetwood.” Divertiam-se fofocando sobre o escandaloso romance de seu pai com uma atriz, há anos. Falavam de como, com o tempo, o título passaria ao primo de Sebastian, Jeremy, devido à irresponsável e ofensiva união de Jonathan Fleetwood com uma mulher fácil e leviana.
1 Uíste ou Whist é um jogo de cartas de duas duplas, com parceiros frente a frente. Este jogo é considerado o ancestral do bridge. O objetivo é vencer a maioria de treze vazas em uma mão e marcar pontos. É um jogo similar ao copas. Em cada rodada, cada um dos participantes joga uma carta com o mesmo naipe do primeiro. Caso não possua uma carta com o naipe, ele estará livre para jogar qualquer carta. Há no jogo um naipe coringa, que é sempre maior que as outras cartas.
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Durante esse tempo, Garrick havia sido uma das poucas pessoas que não desejavam nada de Sebastian, exceto a sua amizade. Também era uma das poucas pessoas que não tinha nenhum interesse pelo antigo escândalo, e nem pela legitimidade do nascimento de Sebastian. Garrick carregava profundas e invisíveis cicatrizes de guerra. Sentia um laço instintivo de união com Sebastian, que, ele deveria saber, carregava as suas próprias cicatrizes. Nenhum dos dois homens falava muito sobre o passado. Não era necessário. ─ Está falando sério? – perguntou Garrick – O rapaz Merryweather o desafiou por uma bobagem. Você não fez nada além de dançar com a irmã dele. ─ Estou consciente disso. – Falou Sebastian pausadamente. ─ Você está me dizendo que vai deixar que ele saia sem mais nem menos? ─ Eu sei de fonte limpa que o rapaz é impulsivo e não muito conhecedor dos costumes sociais. – Garrick bufou. ─ Talvez, você pudesse começar a ensiná-lo. ─ Me inclino a deixar essa tarefa para outra pessoa. ─ Eu não entendo você. ─ Garrick pegou a garrafa de vinho do Porto e verteu um pouco do conteúdo em uma taça. – Não é próprio de a sua natureza permitir que um cachorrinho de fora se livre de uma coisa como essa. O que está acontecendo, Angelstone? ─ Mudei de opinião, isso é tudo. Não está acontecendo nada de mais. Diga a Mr. Merryweather que não tenho nenhum interesse de encontrar-me com ele, ao amanhecer. Garrick olhou para a taça que acabara de encher como se estivesse surpreso de encontrá-la em sua mão. Apoiou a taça cuidadosamente, sem provar o seu conteúdo, e olhou para Sebastian. ─ Sei perfeitamente bem que você não está com medo de enfrentá-lo. É muito provável que o supere nesse encontro. O rapaz não tem experiência neste tipo de coisa. Sebastian sorriu rapidamente. ─ O que converte o assunto em algo muito enfadonho, você não acha?
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Garrick levantou as sobrancelhas. ─ Sem dúvida. Mas, o que irá acontecer na próxima vez que você decidir dançar com a Dona Estranha? E, eu sei que haverá uma próxima vez, Angelstone. Vi o seu olhar esta noite, quando a vislumbrou na multidão. Eu nunca havia visto você reagir dessa maneira diante de uma mulher. ─ Se Merryweather considerar adequado me desafiar novamente... ─ Coisa que irá fazer, sobretudo quando vir com que rapidez você se desculpou a seguir. ─ Então, simplesmente enviarei outra desculpa. – concluiu Sebastian com naturalidade. Os olhos azuis de Garrick pareciam sair das órbitas. ─ Maldição! Você lhe ofereceria uma segunda desculpa? ─ E, outra depois desta, se fosse necessário. Para meu assombro, descobri o que parece ser uma inesgotável provisão de cavalheiresco remorso, Sutton. Acredito que poderia continuar me desculpando, todas as vezes que Merryweather me lance novos desafios. ─ Meu bom Deus. – A compreensão começou a aparecer nos olhos de Garrick, que começou a sorrir. – Em outras palavras, você vai se divertir com a irmã dele, o tempo que quiser, e Merryweather não poderá obrigá-lo a um duelo porque simplesmente, você se desculpará a cada novo desafio. ─ Essa é a ideia. ─ Incrível. – Garrick sacudiu a cabeça, admirado. ─ Certamente, ninguém irá acreditar, nem por um momento, que você está com medo de enfrentar o rapaz. A sua reputação é demasiadamente conhecida. Todos dirão que você estava se divertindo novamente. Merryweather irá se converter em motivo de riso. ─ Talvez, mas esse não é meu problema. ─ Os livros de apostas do clube vão chegar às alturas sobre até quando você finalmente irá se cansar da brincadeira, e irá meter-lhe uma bala no corpo. – Disse Garrick.
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— O que se escreve nos livros de apostas, tampouco me interessa. – Sebastian serviu-se de um pequeno gole do Porto que Garrick não havia tocado. – Enquanto isso, você vai se encarregar que cheguem as minhas desculpas ao meu ilustre oponente? — Se você insiste. Sem dúvida nenhuma, isso é algo muito original da sua parte, Angelstone. E, não é o seu estilo habitual. — Quem sabe? Talvez eu esteja mudando de hábitos. Talvez, seja possível que eu esteja me tornando mais responsável com o passar dos anos da maturidade. Garrick olhou preocupado para ele. — Você está muito estranho esta noite, meu amigo. Talvez, seja hora de você se deleitar outra vez com seu pequeno passatempo. Creio que já se passou algum tempo desde a última vez. — Quem sabe você esteja certo? E, quem sabe se este estranho humor não seja porque esta foi uma noite muito estranha. — E, fica cada vez mais, — Sussurrou Garrick, dirigindo o olhar para trás do ombro esquerdo de Sebastian. — O seu primo acaba de entrar aqui. Curioso. Raramente, ele vem a este clube em particular. — Apenas porque sabe que estou aqui frequentemente. — Exatamente! Assim, só me resta perguntar: O que está fazendo Fleetwood aqui esta noite? — Isso é fácil de adivinhar. – Sebastian posou a taça. — Certamente, veio me desejar boa sorte no campo de honra. — Não é provável. – Garrick enrugou a testa – O contrário, sem dúvida Fleetwood não derramaria nem uma lágrima se uma bala atravessasse o seu corpo, Angelstone, e todos sabem disso. Pelo que diz respeito a ele, você lhe usurpou o título, e ele nunca o perdoou por isso. Junto com sua mãe arrogante, supunham durante anos, que ele seria o próximo na linha de sucessão. Sebastian encolheu os ombros. — Assim como o resto da família. Garrick silenciou enquanto Jeremy Fleetwood se aproximava por trás de Sebastian.
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— Angelstone. O tom da voz de Jeremy era sombria e suscetível, de um jovem que sabe estar enfrentando outro mais velho e mais poderoso. Era um tom a meio caminho entre o temor e a presunção. Sebastian não prestou atenção ao curioso silêncio que caiu sobre a multidão nas mesas de jogo, mais próximas. Sabia que todos no ambiente estavam se esforçando para ouvir o confronto, sem serem percebidos. A cidade inteira tinha consciente da gelada inimizade entre Sebastian e seus parentes. Era muito inusitado que algum dos lados dirigisse a palavra ao outro. O fato que o jovem Fleetwood estivesse no clube preferido de Sebastian e que houvesse chamado seu primo por seu nome, sem dúvida nenhuma fascinaria os fofoqueiros, tanto quanto o boato sobre o duelo. — Quer alguma coisa, Fleetwood? – Sebastian virou-se lentamente para olhar Jeremy. – Além do meu título? Ou, veio desejar-me boa sorte para esta manhã? O lindo rosto de Jeremy se ruborizou. Os olhos eram de um tom muito mais escuro que os de Sebastian, mais castanhos que dourados. O cabelo era de uma cor mais clara, mogno em vez de negro. Contudo, Sebastian sabia que a aparência familiar entre seu primo e ele era inconfundível. Também, sabia que esse fato tão óbvio irritava o restante dos Fleetwood. Preferiam que fosse loiro como a sua mãe. — Desgraçado. – Jeremy fechou sua mão em punho. — Um dia desses alguém irá atravessar seu frio coração com uma bala, e será bem merecido. — Obrigado. – Sebastian inclinou a cabeça com cortesia. – É sempre muito agradável saber que a família se une e nos apoia em um momento de crise. — Quer dizer que é verdade? – Perguntou Jeremy consternado. – Você vai expor a reputação da família a outra rodada de escândalos ao duelar com um caipira idiota? — Eu vou deixar você feliz, informando-lhe que os rumores do duelo são falsos. — Não acredito. — É verdade, primo. – Sebastian sorriu. – Diga à sua mãe senil, que desista das encomendas das roupas de luto. Imagino que já tenha escolhido algo adequado, na cor
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negra, na remota esperança que seu maior desejo aconteça nesta manhã. Lamentavelmente para ela, eu tenho intenção de viver mais um dia. Jeremy olhou com ódio para ele. — Ouvi dizer que o irmão da magricela Merryweather desafiou você a um duelo. — Sério? É incrível como os rumores correm pela cidade, não é mesmo? É uma pena que a maioria deles seja mentira. — Maldição! O quê você anda aprontando dessa vez? — Nada que seja do seu interesse, Fleetwood. — Você é um bastardo arrogante, primo. — Arrogante talvez, porém sem dúvida nenhuma, não sou um bastardo. – Sebastian voltou a sorrir. – E, é isso que faz a grande diferença, não é assim? A boca de Jeremy bem que tentou, mas ao que parecia foi incapaz de encontrar as palavras. Girou sobre seus pés bem calçados e saiu majestosamente do recinto. O murmúrio das conversas foi reestabelecido nas mesas de jogo. Sebastian se virou para servir-se de outra taça de Porto. Parou assim que viu a expressão pensativa que havia nos olhos de Garrick. — Não se preocupe meu querido amigo — disse Sebastian —, Fleetwood e eu temos um acordo. Há muito tempo, nós fizemos um pacto de nos detestarmos mutuamente. O olhar de Garrick continuava na porta. — Acredito que odeie você verdadeiramente. — Suponho que não seja inteiramente culpa dele. — Sua mão o ensinou desde o berço. Nunca perdoou meu pai por ter fugido com minha mãe, e com isso sujar o nome por toda a eternidade. Quando no ano passado, eu herdei o título no lugar do seu precioso Jeremy, quase teve um colapso apoplético. — Conheço bem a sua história familiar. Tenha cuidado, Angelstone, pois eu poderia jurar que havia uma expressão mortal nos olhos de Fleetwood, há uns minutos.
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— Fique calmo, Sutton. Você tem uma imaginação delirante. — Não estou tão seguro. Tenho a clara impressão de que se Jeremy Fleetwood pudesse encontrar uma maneira de se desfazer de você, sem deixar pistas, não vacilaria nem um minuto. – Garrick sorriu de repente. - Veja, existe uma solução para esse dilema. — Qual é? — Cumpra com o seu dever para com o título. Consiga uma esposa e faça um herdeiro o quanto antes. Uma vez que o título esteja garantido em sua família, através de outra geração, os Fleetwood deixaram de suplicar por sua morte. Se você tiver um herdeiro, não terá nenhum sentido desejar que você estique as pernas. — Eu o parabenizo pelo seu enfoque pragmático da situação. – disse Sebastian. – Talvez, eu reflita um pouco sobre a sua ideia. Garrick dirigiu a ele uma astuta e indagadora olhada. — O que é isto? Não me diga que finalmente decidiu ser sensato. — Disseram-me que na minha idade, um homem deveria começar a mostrar sinais de sabedoria e responsabilidade, Sutton. Garrick voltou a sacudir a cabeça. — Certamente, você está com um humor muito estranho, esta noite. — Sim. Talvez, seja melhor que você apresente as minhas desculpas ao jovem Merryweather, antes que eu troque de opinião. Sebastian não prestou atenção aos mexericos que correram pela cidade na tarde seguinte, conforme a alta sociedade ia se interando do seu pedido de desculpas a Trevor Merryweather. Em vez de ficar à disposição dos curiosos no clube, ou de se retirar para a intimidade de sua biblioteca, compareceu a um encontro, em determinado café, nas cercanias das docas. A mensagem de Whistlecroft chegou justamente quando Sebastian sentava para tomar pausadamente, o seu desjejum tardio. A nota era curta e direta, como eram geralmente as mensagens de Whistlecroft, já que ele não sabia ler, nem escrever com muita habilidade.
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Senhor:
Tem um assunto importante que desejo conversar com você. Se estiver interessado, sugiro o lugar de sempre, às três.
Atenciosamente, W.
Às três da tarde, Sebastian entrou no café e viu que Whistlecroft o estava esperando em seu assento de costume. O oficial de polícia levantou a taça a título de saudação, e Sebastian adiantou-se para reunir-se a ele. Whistlecroft era um homem corpulento, com o rosto vermelho e bigodudo, com pequenos olhos astutos. As veias púrpuras de seu nariz falavam do seu pela genebra, e durante os meses de invernos parecia estar permanentemente resfriado, usava sempre um lenço sujo em torno do pescoço e bufava sem parar. — Boa tarde, Sua Senhoria, vejo que lhe entregaram a minha mensagem. — Espero que esse assunto seja mais divertido que o anterior, Whistlecroft. — Sebastian sentou-se diante do oficial de polícia. – Ficaria feliz com alguma coisa mais desafiante. — O problema é que você é muito bom nesse tipo de coisa. – Whistlecroft sorriu e deixou a vista várias aberturas entre os dentes. – Bem, tenho algo novo que deve interessá-lo. Nas mesmas condições de antes? Eu cobro adequadamente a recompensa da grata pessoa que me contratou. — A recompensa e o crédito, Whistlecroft. Nenhuma das duas coisas me interessa. — Deve ser maravilhoso ser rico — disse Whistlecroft com um suspiro — e ter um título elegante por complemento, não me incomodo em dizer, todavia não entendo por que se interessa tanto por esses pequenos assuntos. Sebastian acenou para que lhe trouxessem café. — Já lhe expliquei Whistlecroft. Você me fornece um passatempo divertido. Todos os homens precisam de um passatempo, não é mesmo?
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— Não saberia dizer, Sua Senhoria. Eu nunca tive tempo de dedicar-me a um passatempo. Estou sempre muito ocupado, tentando levar comida para a minha mesa, e a dos meus. Sebastian sorriu com seriedade. — Confio que você e os seus estejam comendo melhor desde que começamos a nossa sociedade. — Whistlecroft riu entre os dentes. — É verdade, milord. Assim é. Minha esposa está engordando e os cinco pequeninos também estão indo muito bem. Mudamos-nos para uma pequena casa, semana passada. É muito bonita. — Excelente. Então, permita-me ouvir o que você tem para mim, dessa vez. Whistlecroft se inclinou para frente e baixou a voz. Um pequeno problema de chantagem e um probleminha de joias, milord. Creio que irá achá-los suficientemente divertidos.
Capítulo 3
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— O que eu sei sobre Angelstone? – Hester, Lady Pembroke, deteve a meio caminho de sua boca a taça, e olhou para Prudence. – Só que não fala com seus parentes e que tem uma reputação excessivamente perigosa. Enfim, tudo aquilo que torna alguém imensamente interessante, é claro. Por que pergunta? Prudence sorriu. Hester era uma mulher de constituição imponente e de idade indeterminada, cujo tamanho só era superado por um coração generoso e um vivaz interesse pelos assuntos da cidade. Como já havia explicado a Prudence em uma ocasião, há tempos tinha sido privada de sua posição natural dentro do mundinho social, devido ao misterioso desaparecimento das famosas joias Pembroke, na geração anterior. Ninguém poderia se movimentar nos melhores círculos da cidade sem dinheiro, apesar da linhagem que tivesse. Agora, que tinha dinheiro, Hester se permitia, alegremente, todos os prazeres da sociedade que lhe haviam sido negado antes. Chegara à conclusão que tinha um senso de estilo inato e, quando o Morning Post publicou que os vestidos lavanda e violeta eram os mais modernos da temporada, Hester renovou seu vestuário na devida maneira. Nesse dia, seu corpo volumoso estava coberto por um vestido lavanda, com babados e franzidos, além de adornado com laços rosa. Hester era uma velha amiga da família de Prudence. Junto com seu falecido esposo, havia vivido em uma antiga mansão caindo aos pedaços, vizinha da granja dos Merryweather. O fantasma Pembroke, que era quase tão famoso como as perdidas joias Pembroke, havia proporcionado a Prudence a primeira experiência verdadeira nas investigações dos fenômenos espectrais. ─ Eu perguntei sobre Angelstone, porque Trevor meteu na cabeça a ridícula ideia que devo ter muito cuidado com o conde, ─ explicou Prudence ─ ele parece acreditar, que esse homem está disposto a seduzir-me. É claro que é uma imensa bobagem, porém Trevor está muito agitado a esse respeito. ─ E, suponho que com razão. Como lhe disse, o conde é muito interessante, ainda que não haja nenhum indício que esteja procurando uma esposa. Portanto, devemos supor que quando ele presta atenção em uma mulher, deve ter outras coisas em mente.
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─ Simplesmente poderia desejar conversar com ela sobre assuntos de interesses intelectuais mútuos. – sugeriu Prudence com otimismo. ─ Não é provável. – Hester deixou a xícara de chá com expressão pensativa. – Uma das razões pelas quais Angelstone é tão fascinante é precisamente porque transgride as regras da sociedade. Na maioria das vezes trata com desprezo o mundo social, tal como esse mundo tratou seus pais um dia. ─ Mas, eu soube que o convidam para os melhores bailes e festas. ─ Indubitavelmente. Não há nada que enriqueça mais a sociedade do que ser tratada com desprezo por um nobre cavalheiro, que tenha dinheiro para desperdiçar, além de um pouco de perigo com ele. ─ Entendo. Que estranho... ─ De maneira nenhuma. Só precisa lembrar como idolatraram Byron. Angelstone é muito astuto, sabe como permanecer dentro dos limites do que é aceitável. E, desde que herdou o título, todas as anfitriãs da cidade competem para atraí-lo, através de convites aos seus acontecimentos sociais. ─ Certamente é um homem muito interessante. – Disse Prudence. ─ Sim, com efeito. – Hester ficou pensativa. – E, uma das coisas mais interessantes sobre ele, é por que não utilizou o poder adquirido junto com o título, para afastar os seus parentes. Prudence aproximou as sobrancelhas. ─ Afastar? ─ Seria fácil para ele. Controla uma fortuna, afinal de contas. E, tem grande poder social. Todos pensam que o motivo por não ter desterrado a sua família da sociedade, é porque lhe agrada brincar de gato e rato com eles. ─ Eu não posso acreditar que ele deliberadamente fizesse mal à sua família. Ele me agradou muito. – Aventurou Prudence. ─ Tenho certeza de que ele pode ser encantador quando deseja. E, sem dúvida, foi mais que encantador quando pediu que você dançasse com ele. Prue, acontece que Trevor tem toda razão em se preocupar com uma possível relação entre o conde e
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você. Dizem que Angelstone se diverte de maneiras estranhas. Poderia achar muito divertido arruinar a interessante “Dona Estranha” desta temporada. Prudence mordeu o lábio. ─ Imagine senhora. Tenho vinte e cinco anos, afinal de contas. Já passei da idade que seja possível destruírem a minha reputação. ─ Não, minha querida. Infelizmente, não. E, se existe algo que a sociedade gosta mais que um Anjo Caído é de um bom escândalo. Você é o comentário da cidade neste momento. Todos os olhos estão sobre você. Se o seu nome se relacionar com o de Angelstone, as fofocas não terão fim. Prudence bebeu outro gole de chá. ─ A única razão pela qual sou o centro das atenções, é esse assunto do tesouro familiar dos Pembroke. ─ Claro querida. – Hester transbordava de alegria e acariciou com ternura o medalhão de diamantes que usava ao redor do pescoço. Era parte do tesouro que Prudence havia descoberto. – Todo mundo sabe que você encontrou as minhas joias, quando investigava o fantasma dos Pembroke. A cidade está muito impressionada com essa história. Prudence enrugou o nariz. ─ É uma lástima que eu não tenha podido localizar o fantasma da família, enquanto isso. Encontrar uma prova verdadeira dos fenômenos espectrais teria sido muito mais interessante, do que descobrir uma coleção de joias. ─ Porém, não teria sido tão útil, Prue. De modo algum tão útil. Você mudou a minha vida, e eu não sei como vou pagá-la. ─ Você sabe muito bem que já me retribuiu muito além da conta ao trazer-nos, Trevor e eu, à Londres para uma visita. Após a morte de nossos pais, Trevor ficou muito inquieto no campo. Aqui na cidade está adquirindo experiência das regras sociais e está se saindo muito bem. ─ Era o mínimo que eu poderia fazer para agradecê-la. ─ disse Hester ─ Sei o quanto você estava preocupada com Trevor. Porém, eu gostaria de fazer muito mais
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por você, querida. – Olhou com o cenho franzido o modesto e antiquado vestido de musselina ─ Gostaria que você me permitisse comprar-lhe novos vestidos. ─ Ora, Hester, nós já falamos sobre isto. Não estou disposta a permitir que você compre para mim, um baú cheio de vestidos que nunca poderei usar quando retornar para minha casa, em Dorset. Seria um total desperdício. Hester suspirou. ─ Prue, o caso é que, agora, você tem toda a atenção da cidade, só pareceria adequado que você se vestisse na última moda. Não posso entender porque não se interessa por roupas. Acho que você ficaria encantadora com a cor lavanda. A porta da sala se abriu antes que Prudence pudesse pensar em uma resposta adequada. ─ Boas tarde, senhoras. Prudence levantou os olhos quando Trevor fez a sua entrada no ambiente, com o estilo informal e elegante que havia aprendido atentamente de seus novos amigos. Tudo o que Trevor fazia ultimamente tinha esse estilo em particular. Prudence achou que isto começava a ficar um pouco cansativo. Seu irmão mais novo havia se convertido, da noite para o dia, no mais novo almofadinha da cidade. Desde sua gravata intricadamente atada, até seu casaco com ombreiras, colete listrado e calças apertadas, Trevor era o próprio barômetro da moda. Se acostumara a usar bengala e uma grande quantidade de medalhas enfeitando a corrente do seu relógio. Por mais irritantes que fossem, ocasionalmente, as novas maneiras de Trevor, sem dúvida, Prudence amava muito o seu irmão. Dizia a si mesma que era apenas um jovem entusiasmado que se sairia muito bem, uma vez que amadurecesse. Pensou com orgulho que seu irmão era um jovem muito bonito. Realmente não precisava dessa roupa cheia de enfeites; o cabelo de Trevor tinha o mesmo tom de mel que o seu, e ele havia herdado os lindíssimos alhos azuis de sua mãe, ou invés dos verdes de seu pai; não necessitava de óculos, embora houvesse, na semana anterior, experimentado, um monóculo que abandonou imediatamente, assim que descobriu a dificuldade em manter a lente no lugar.
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Estava ficando preocupada que Trevor não quisesse voltar à vida tranquila de criador rural, depois que foram apresentados aos prazeres da cidade. E, para ser honesta consigo mesma, pensou Prudence, tinha que admitir que Trevor não fosse o único que, agora, poderia se aborrecer um pouco no campo. Ela havia achado que a vida em Londres era muito mais excitante e interessante do que havia esperado. O que havia sido fascinante para ela, não era a interminável série de bailes e noitadas, e sim o sem número de livrarias, museus e coisas do estilo. Ali, na cidade, podia investigar os fenômenos espectrais muito mais cuidadosamente do que poderia fazê-lo em sua casa. Também tinha maiores possibilidades de encontrar pessoas que necessitassem do seu talento especial para investigações. ─ Olá, Trevor. – Disse Prudence. ─ Boa tarde. – Hester levantou a chaleira. – Você quer chá? ─ Será um prazer. – Trevor se aproximou ansioso. – Esperem até que eu lhes conte as notícias. ─ Somos todas ouvidos, querido. – Murmurou Hester. ─ Vocês não vão acreditar nisso! – Trevor se mostrou muito feliz consigo mesmo, quando aceitou a xícara de chá. – Porém eu, Trevor Merryweather, recebi um pedido de desculpas do próprio diabo, isso mesmo! Hester piscou. ─ É verdade? ─ Mas, claro que sim. – Trevor virou-se orgulhosamente para Prudence. ─ Angelstone não voltará a incomodá-la, Prue. Pode ficar tranquila, pois consegui que esse desgraçado se desculpasse por havê-la insultado. Todos sabem. Eu fiz com que um de seus padrinhos me apresentasse as suas desculpas exatamente ali, no clube, onde todos os meus amigos puderam ouvir. Prudence olhou para Trevor mal humorada, enquanto este se esparramava sobre uma das delicadas cadeiras de cetim de Hester.
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─ Pela última vez, Trevor, Angelstone não me insultou. Comportou-se de maneira muito correta, e não houve absolutamente nada de ofensivo em sua conduta no salão de baile. ─ Esse homem tem má fama. – Trevor pegou um pequeno biscoitinho da bandeja de chá. – Você não deve querer saber nada a respeito, claro. Não é o tipo de coisa que uma dama deveria saber. Indubitavelmente, você não é o tipo que ele deseja ao seu redor. Todos estão de acordo no que ele tem em mente quando começa a presta atenção em uma mulher. ─ Pelo amor de Deus! – disse Prudence – Diga-me uma só mulher que teoricamente tenha perdido seu bom nome por culpa de Angelstone. Apenas uma. Trevor olhou para ela com o cenho franzido. ─ Meu bom Deus! Certamente, não irá esperar que falasse sobre esses rumores com você. ─ Sim, eu espero isso. Se vocês estão me avisando, quero saber precisamente, por quê? Quem foi a última vítima inocente? ─ Se não houve nenhuma vítima esta temporada, é apenas porque as famílias respeitáveis estão colocando suas filhas fora do seu alcance. ─ Quero um nome. – Disse Prudence tranquilamente. Trevor olhou para ela e a seguir recorreu à Hester em busca de apoio. ─ Tenho o pressentimento de que está mais a par desse tipo de histórias do que eu. Dê um nome à Prudence. Talvez isso a convença de que está brincando com fogo, quando aceita dançar com Angelstone. ─ Um nome? – Hester bateu em seu queixo com o dedo indicador e estudou o teto por alguns instantes. – Bom, tenho ligeira impressão que em algum momento se relacionou com Lady Charlesworthy, mas isso foi na temporada passada, e a dama é uma viúva, com sua própria notoriedade. Não tenho certeza que poderia incluir-se no quesito de uma dama inocente, se entende o que quero dizer. Em todo caso, me disseram que o romance terminou há algum tempo. ─ O que aconteceu? – Perguntou Prudence, profundamente curiosa.
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─ O que se diz, é que Lady Charlesworthy cometeu o erro de fomentar ainda mais o ciúme do Anjo Caído. – disse Hester. ─ Entregou seus favores a outro. Há rumores que um duelo foi travado. Trevor enrugou a testa. ─ Um duelo? Hester assentiu. ─ Ao que parece, Angelstone feriu o seu oponente, porém não o matou. Dizem que o Anjo Caído deixou o campo de honra e se dirigiu diretamente à casa da dama. Contam que subiu ao seu quarto e a despertou pessoalmente, apenas para dizer-lhe que haviam terminado o romance. Prudence tremeu. Podia imaginar muito bem que Angelstone devia estar muito furioso diante das táticas de Lady Charlesworthy. ─ Tem toda razão Hester, não podemos contar Lady Charlesworthy como uma vítima inocente. Foi muita crueldade de sua parte provocar os ciúmes de Angelstone. ─ Cruel? – Hester dirigiu um olhar divertido a Prudence. – Suponho que a pobre senhora estava desesperada por um pouco de carinho por parte de Angelstone. Dizem que é feito de gelo. ─ Bobagem. Voltemos aos nomes, pois estamos atrás das verdadeiras vítimas inocentes. – disse Prudence ─ Não lhe ocorre nenhuma jovem que tenha perdido o seu bom nome por causa de Angelstone? – Hester aproximou as sobrancelhas. ─ Na realidade, não. Não consigo. E, agora que penso nisso, e por tudo que ouvi, Angelstone tem uma tendência a não prestar atenção às inexperientes, em favor de mulheres mais mundanas. Trevor estava furioso. ─ Mas, estou dizendo que este homem tem má fama. Todo mundo sabe disso. ─ Ao que parece, não por arruinar o bom nome de jovens e inocentes mulheres – disse Prudence – portanto, no futuro, tenha a decência de abster-se de interferir em meus assuntos sociais, está me entendendo Trevor? ─ Escute-me – replicou Trevor – Sou seu irmão. Sou responsável por você. ─ Sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma.
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─ Não esteja tão segura sobre isso, a verdade é que você não sabe muito sobre os homens, Prue. Você não é uma boa juíza, lembre-se do que aconteceu há três anos. Hester bateu palmas ruidosamente para chamar atenção. ─ Já basta queridos. Se quiserem brigar, podem fazê-lo em qualquer outro lugar que não seja em minha sala. Temos outros assuntos para resolver. ─ Que outros assuntos? – perguntou Prudence, mais que ansiosa para mudar de assunto. Hester riu. ─ Bem, o pequeno problema de decidirmos que convites nós iremos aceitar esta semana. Prudence, querida, você está muito solicitada, e temo que iremos estar muito ocupadas. – Hester esticou-se até uma bandeja de prata, coberta de convites. – Vamos ver, examinemos com cuidado este pequeno grupo. Você consegue acreditar que todos estes chegaram apenas hoje? Não creio que possamos aceitar todos. ─ Escolha você. – disse Prudence – Realmente não me importa a que festa iremos comparecer. De qualquer maneira, todas parecem iguais. As casas estão sempre muito cheias de gente e demasiadamente quentes, sem contar o barulho que não nos permiti conversar. ─ Temos que fazer sacrifícios quando nos movemos nos círculos sociais. – Hester pegou um convite – Ah, sim, indubitavelmente devemos ir ao baile dos Thornbridge. A nova Lady Thornbridge está dando o que falar. Trevor engoliu um biscoitinho e pareceu interessado. ─ Como é que é? Hester dirigiu-lhe um sorriso sagaz. ─ É muito mais jovem que o lord. E, muito linda. Os rumores dizem que ultimamente Thornbridge anda louco de ciúmes. Seria interessante ver se haverá uma ou duas cenas no baile. ─ Acho que é algo muito desagradável ─ observou Prudence –, quem deseja ver um esposo ciumento fazer papel de bobo por uma esposa jovem? ─ A maior parte da cidade, querida – lhe assegurou Hester alegremente.
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A porta da sala voltou a se abrir nessa hora e o mordomo de Hester, escolhido pelo seu ar imponente, apareceu. ─ Uma tal de Mrs. Leacock espera para vê-la, senhora. ─ Que maravilha. – disse Hester – Faça com que ela entre Crandall. Uma mulher parecida com um passarinho, com cabelo branco prateado, vestida com um caríssimo vestido de luto de seda negra, foi acompanhada até a sala. ─ Que gentileza de sua parte visitar-nos, Lydia. – disse Hester ─ Sente-se. Conhece os meus queridos amigos Prudence e Trevor Merryweather? ─ Sim, é claro que sim. – Os pequenos e brilhantes olhos de Mrs. Leacock voavam nervosos de Hester para Prudence. – Na verdade, esta não é precisamente uma visita social, Hester. Eu vim aqui consultar Miss Merryweather. ─ De verdade? – Hester levantou a testa – Não me diga que você tem um fantasma para investigar. Mrs. Leacock sentou-se sobre uma cadeira com almofada de seda. ─ Não tenho certeza. Porém, alguma coisa muito estranha está acontecendo na ala oeste de minha casa. Os acidentes estão começando a me afetar os nervos, e tenho medo das consequências. O médico preveniu-me que tenho o coração fraco. Prudence sentiu-se imediatamente intrigada. ─ Isto me parece muito mais interessante do que escolher as festas que iremos comparecer. Fale-me desses acidentes Mrs. Leacock. Eu adoraria investigar. ─ Eu ficaria eternamente agradecida, Miss Merryweather. – A xícara de Mrs. Leacock retiniu contra o prato. – Acho que na verdade, estou começando a ficar desesperada. Eu não acreditava em fantasmas, porém ultimamente, estou começando a questionar-me. ─ Permita-me buscar o meu caderno. – disse Prudence ansiosamente. Mrs. Leacock se foi uma hora mais tarde, e parecia extremamente aliviada por haver contratado uma investigadora profissional, e Prudence estava encantada com a perspectiva de um mistério para resolver. ─ Se você me desculpar Hester, vou imediatamente ler um novo livro que comprei esta semana. Fala sobre a utilidade das máquinas de eletricidade para
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detectar substâncias gasosas na atmosfera. Talvez eu aprenda uma nova técnica que possa aplicar ao meu novo caso. Trevor parecia levemente interessado. ─ Meu amigo Matthew Hornsby tem uma máquina de eletricidade. Foi ele mesmo que a fez. ─ É mesmo? – perguntou Prudence interessada. ─ Sim, mas duvido que você precise dela. – Trevor abanou a mão – Seu novo caso está comprometido pelas imaginações de uma mulher velha e nervosa. ─ Não tenho certeza a este respeito. – Prudence se dirigiu para a porta – Parece-me que ocorreram fatos que realmente necessitam de uma explicação. Hester levantou os olhos. ─ Você está dizendo que acredita que talvez exista um fantasma na casa de Lydia? ─ Eu irei dizer-lhes a minha opinião sobre o assunto, depois que eu tiver a oportunidade de consultar os meus apontamentos. Enquanto isto quero que os dois me deem as suas palavras que não irão comentar sobre isto com ninguém. ─ Eu não direi uma palavra, querida. – Assegurou Hester. Trevor fez uma careta ao ficar de pé. ─ Não precisa se preocupar que eu vá espalhar notícias sobre o seu caso. Para mim, é tremendamente vergonhoso ter uma irmã que investiga fenômenos espectrais. Quem me dera que você abandonasse isso, Prue. ─ Não tenho nenhuma intenção de abandonar o meu passatempo. – Prudence saiu em direção ao vestíbulo. ─ Prue, espere, eu gostaria um momento com você. – Trevor correu atrás dela. Prudence esperou por ele no último degrau da escadaria. ─ Não tente dissuadir-me de fazer isto, Trevor. Estou muito enjoada de festas e noitadas. Se tenho que ficar em Londres até o fim desta temporada, conforme é o seu desejo, devo encontrar algo interessante para ocupar o meu tempo. ─ Não, não é nada sobre a sua investigação. – Trevor olhou rapidamente ao redor para verificar se nenhum dos criados estava perto o suficiente para ouvi-lo. A
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seguir inclinou para frente. – Já que de uma maneira ou de outra você sabia sobre o duelo que eu havia programado com Angelstone, não me importa em contar-lhe algo bastante interessante que me disseram sobre o infame Anjo Caído. ─ O que é? – Perguntou Prudence, cautelosamente. ─ Pode ser que tenha uma reputação de ferocidade, porém esse homem é extremamente covarde. Prudence estava consternada. ─ Trevor como você pode dizer isto? ─ Totalmente verídico. – Trevor assentiu com satisfação. – Esse homem é um covarde consumado. ─ Isso não é verdade. ─ Foi ele quem cancelou o duelo, está sabendo? Desculpou-se em vez de encontrar comigo no campo de honra, esta manhã. Prudence estava furiosa diante da interpretação que Trevor fizera sobre os fatos. ─ Se você quiser a minha opinião, direi que Angelstone demonstrou a conduta madura e responsável que se esperaria de um cavalheiro bem educado. Se você acredita realmente que ele é um covarde, então Trevor, você é um idiota. ─ Ora, Prue, acalme-se. A verdade é que o homem é um covarde, e isso é um fato. E, até esta noite, todo o mundo social já deverá saber. ─ Mas, que disparate! Um disparate total! – Prudence recolheu suas saias e subiu correndo as escadas acarpetadas. Angelstone havia cumprido a sua palavra, e com isso salvado a vida de Trevor. Agora, Prudence rogava que o Anjo Caído não pusesse um preço demasiadamente alto ao dano que, aparentemente ela havia causado em sua formidável reputação.
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Capítulo 4
Quatro dias mais tarde, a noite do baile dos Thornbridge, Prudence decidiu que já era demais. Estava totalmente irritada com Sebastian e fez com que ele soubesse, quando a encontrou depois de procurá-la entre a multidão. ─ Milord, você está convertendo o meu irmão em um palhaço. Sebastian, moreno e com aparência predatória, com seu traje preto e branco, conseguia fazer com que todos os outros homens presentes, parecessem uns inúteis. Ele não parecia nem surpreso, tão pouco comovido diante da acusação de Prudence, pois sua boca curvou-se no seu conhecido sorriso sem humor. ─ Pelo menos é um palhaço vivo, ao invés de morto. – disse ─ Não era isso que você queria Miss Merryweather? Prudence olhou para ele furiosa, através das lentes de seus óculos. Ele estava se fazendo de difícil deliberadamente. ─ Não, não era o que eu queria. Não exatamente, quero dizer. Sebastian levantou as sobrancelhas, curioso. ─ Por um acaso, teria preferido que eu aceitasse um dos inúmeros desafios que recebi dele nos últimos dias? ─ Mas, claro que não. Sabe perfeitamente bem que a última coisa que eu desejo é um duelo entre vocês dois. Era isso exatamente o que eu queria evitar. ─ O seu desejo foi cumprido. – Os olhos âmbar de Sebastian brilhavam – E, eu cumpri a minha parte do trato. Por que está me repreendendo, Miss Merryweather? Prudence sentiu que estava ficando vermelha diante da recordação do acordo que haviam selado na biblioteca. ─ Sabe perfeitamente bem que eu esperava que administrasse todo esse assunto de uma maneira mais sutil, milord. Não acreditei que fosse converter-se em uma piada. A compreensão exata de como Sebastian enfrentava o seu irmão havia chegado finalmente, nessa mesma tarde. Hester, dividida entre a diversão e o pelo afeto por
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Trevor, havia dado um pequeno resumo dos últimos comentários à Prudence, apenas há poucas horas. ─ É do conhecimento de todos que Trevor lança um desafio a cada vez que toma conhecimento que Angelstone falou ou dançou com você. – Explicou Hester durante o chá. ─ Oh, não! – Prudence havia olha para sua amiga consternada. – Por que demônios, Trevor não consegue manter a boca calada? – Hester encolheu os ombros. ─ Ele é muito jovem, querida, e está convencido a protegê-la. De qualquer maneira, Angelstone transformou todo esse assunto em um jogo. A cada vez que Trevor o desafia, envia imediatamente, um florido pedido de desculpa. ─ E, Trevor aceita? ─ Não há nada que o rapaz possa fazer. A reputação de Angelstone, em compensação, não sofre nenhum abalo, porque ninguém iria pensar que ele é um covarde, pois sua reputação é formidável. Não existe uma alma que pense que na realidade, ele tem medo de enfrentar Trevor. Prudence ficou um pouco mais animada. ─ Suponho que todos se dão conta que Angelstone está demonstrando compaixão e maturidade, ao negar-se a duelar com meu irmão. ─ Não, inteiramente, querida. – disse Hester – Supõe-se que Angelstone negase a meter uma bala no pobre Trevor porque não quer causar um desgosto a você. ─ Não entendo. Hester suspirou. ─ É perfeitamente óbvio, Prue. Todos acreditam que Angelstone esteja permitindo isto, porque acreditam que você esteja marcada como a próxima vítima do Anjo Caído. ─ Ora, mas que bobagem! – Porém Prudence estava muito consciente do impacto de excitação que havia vibrado nela. Era uma loucura imaginar que Angelstone pudesse ter algo além de um divertido interesse intelectual por ela. Embora, não pudesse tirar da cabeça a lembrança do beijo.
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Esta noite estava disposta a enfrentar-se com ele sobre a maneira que estava tratando Trevor. Tinha a intenção de ser muito firme. Nesse exato momento, Sebastian contemplava a expressão muito aborrecida de Prudence. ─ Você se recorda dos termos do nosso acordo, Miss Merryweather, deverá lembrar-se que não especificou exatamente, a maneira que eu teria como evitar futuros duelos com seu irmão. ─ Não imaginei que Trevor seria ridículo o bastante, para continuar desafiando-lhe. Ele estava tão ansioso depois de evitá-lo da primeira vez, que supus que ficaria feliz por escapar ileso. Eu esperava que tivesse cuidado, evitando um futuro encontro. ─ Desculpe-me por dizer isto, Miss Merryweather, mas temo que você não saiba muito sobre o funcionamento da mente masculina. ─ Não, sobre a mente masculina imatura, não – disse – e, isso é tudo que irei lhe conceder. E, me parece, milord, que seu enfoque do assunto com meu irmão, não é muito mais maduro que o de Trevor para com você. Não vou permitir que se divirta à custa do meu irmão. ─ Ah, não? ─ Não. E, já que estamos falando sobre o assunto, também gostaria de lhe informar que tampouco irei permitir que se divirta comigo. – Sentiu que estava ruborizada, porém se manteve firme. – Caso a ideia tivesse lhe ocorrido. ─ E, como irá fazer para deter-me? – perguntou Sebastian com verdadeiro interesse. ─ Se for necessário, porei fim de uma vez por todas a essas bobagens, recusando todos os seus convites para dançar. – Levantou o queixo de maneira desafiante. – Talvez, eu deixe de falar com você, completamente. ─ Ora, vamos, Miss Merryweather. Não faça ameaças que não possa cumprir. Sabe muito bem, que logo ficaria entediada, assim como eu, com esses acontecimentos sociais, negando a cortesia de falar comigo de maneira definitiva.
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─ Tenho certeza de que poderia encontrar uma ou duas pessoas interessantes com as quais desfrutaria conversando. – disse. Porém, aquilo, era da boca para fora, e suspeitava que ele soubesse. Era Sebastian quem fazia que as intermináveis rondas de bailes e noitadas fossem suportáveis. Prudence havia chegado até o ponto que, na realidade esperava ansiosa sair pela noite, apenas porque sabia que Sebastian apareceria em algumas das festas em que ela estivesse presente. Os olhos de Sebastian brilhavam cientes. Tomou sua mão e a levou para a pista de danças. ─ Olhe ao seu redor, Miss Merryweather. Não há ninguém mais aqui esta noite, que divida os seus mesmos interesses. Ninguém com quem falar sobre técnicas de investigação. Pelo que diz respeito à cidade, você não passa de um novo brinquedo exoticamente interessante. Prudence olhou atentamente para ele. ─ Suspeito que seja apenas isto para você também, milord. Sebastian a fez girar no movimento da valsa. ─ A minha diferença, em relação a todos os demais aqui presentes esta noite, é que eu sei como cuidar dos meus brinquedos, e não me causa prazer nenhum quebrálos e a seguir deixá-los de lado. Prudence perdeu o fôlego. ─ O que significa isso, milord? ─ Significa que está segura comigo, Prue – disse suavemente – e, também o seu irritante e jovem inexperiente irmão. Sem saber como entender a primeira parte da promessa, Prudence prendeu-se à última. ─ Então, vai deixar de atormentar o Trevor? ─ Não se preocupe. Cedo ou tarde irá concluir que, quando eu desejo alguma coisa, não deixo que nada se interponha em meu caminho. Com o tempo desistirá. Bem, pensei sobre nossa última conversa e tenho outra pergunta para fazer-lhe. Prudence olhou para ele desconfiada.
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─ Qual é? ─ Disse que encontrou as joias Pembroke debaixo de uma tábua de madeira do piso, enquanto procurava sinais de fenômenos espectrais. Duvido que tenha destruído todos os pisos da casa procurando um fantasma. ─ Não, é claro que não. – concordou Prudence. ─ Então, como sabia que tábua teria que levantar? ─ Ah, isso foi muito fácil, milord – disse – eu dei umas batidinhas. ─ Batidinhas? Prudence sorriu. ─ Com um bastão. A lenda das joias Pembroke estava relacionada com o fantasma Pembroke. Sabia que, se encontrasse as joias, talvez confirmasse ou refutasse as histórias do fantasma. ─ Assim foi em busca das joias com a esperança de encontrar o fantasma. Naturalmente, raciocinou que se as joias estavam escondidas na casa, teriam que estar ocultas em algum tipo de cofre. ─ E, era muito provável que um cofre escondido no piso, ou nas paredes produziria um ruído oco quando golpeado sobre a madeira que estava sobre ele. – concluiu Prudence alegremente. ─ Muito lógico. – Havia uma admiração genuína no olhar de Sebastian. ─ Eu percorri a casa com um bastão grosso e golpeei todas as paredes e pisos. Quando descobri um lugar que soara diferente, dei instruções para removerem as tábuas de madeira. As joias estavam escondidas em uma abertura secreta debaixo de uma delas. O avô de Lady Pembroke havia se esquecido de revelar o esconderijo secreto aos seus descendentes, dessa forma as joias ficaram perdidas. ─ Muito inteligente. – Sebastian olhava tranquilamente para ela com admiração. – Estou impressionado. O rubor de Prudence se acentuou diante do elogio. ─ Estou muito feliz por Lady Pembroke, é claro, porém devo admitir que foi uma desilusão não encontrar provas dos fenômenos espectrais. O sorriso de Sebastian foi irônico.
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─ Tenho certeza de que Lady Pembroke prefere ter as joias no lugar do fantasma Pembroke. ─ É isso o que ela diz. ─ Por que você se interessou por um passatempo tão inusitado? – perguntou Sebastian. ─ Por influência dos meus pais, suponho. – Prudence sorriu nostalgicamente – Ambos eram dedicados à filosofia natural, Meu pai estudava fenômenos meteorológicos e minha mãe realizou amplas observações sobre espécies várias animais, especialmente sobre as aves que viviam nas cercanias da nossa fazenda. Sebastian a observou com intensidade. ─ E, ensinaram você a fazer essas observações? ─ Sim, e a maneira de realizar uma investigação lógica para descobrir a resposta a uma pergunta. Eram excelentes neste tipo de coisa. – Prudence sorria orgulhosamente – Ambos publicaram trabalhos nas revistas das mais importantes sociedades científicas. ─ Meu pai teve publicado partes de alguns de seus diários. – disse Sebastian lentamente. ─ Ah, sim? Que tipo de estudos realizava? ─ Conservava extensos relatos de suas viagens e explorações. A maioria deles interessava às sociedades científicas. ─ Que emocionante! – Prudence estava fascinada – Posso deduzir que ele permitia que você o acompanhasse em suas viagens. Sebastian sorriu rapidamente. ─ Quando estávamos crescendo, meu pai levava todos nós (minha mãe, meu irmãozinho e eu) com ele, a quase todos os lugares em que ia. Mamãe tinha o talento de poder criar um lar no meio do deserto, ou em uma ilha dos mares do sul. ─ O que aconteceu depois que você cresceu? ─ Minha mãe e meu irmão continuaram viajando com meu pai. Porém, eu segui por minha própria conta. Procurava oportunidades interessantes de
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investimentos em terras estrangeiras. Realizei algumas observações de terrenos para os militares durante a guerra. Esse tipo de coisas. ─ Imagino as paisagens que você deve ter visto e as coisas que deve ter aprendido. – disse Prudence. ─ É verdade que aprendi muitas coisas sobre o mundo. – Os olhos de Sebastian eram tão duros, brilhantes e frios como valiosas pedras preciosas. – Porém o preço de minha educação foi demasiadamente alto. ─ Não entendo. – sussurrou Prudence. ─ Há quatro anos, meus pais e meu irmão morreram esmagados pela queda de uma grande rocha, enquanto viajavam através de um desfiladeiro nas montanhas de um lugar remoto em um país chamado Saragstão. Prudence parou repentinamente na pista de dança. ─ Que terrível para você, milord! Sei como deve ter se sentido. Lembro muito bem os meus sentimentos no instante em que soube que meus pais haviam falecido em um acidente de carruagem. Parecia que Sebastian não a escutava. Estava imerso em si mesmo, enquanto a levava para fora do salão de danças. Prudence sentiu que estava concentrado em algum lugar remoto que apenas ele poderia ver. Parou próximo das portas envidraçadas e ficou ali, olhando a escuridão. ─ Eu deveria encontrar-me com eles, em um pequeno povoado, ao pé das montanhas. Eu tinha transações comerciais ali, pois os artesões locais produzem um tecido muito delicado que compro e negocio com a Inglaterra e os Estados Unidos. Meus pais e meu irmão nunca chegaram. ─ Eu lamento muito, milord. – Prudence procurou palavras de alívio. – Esses trágicos acidentes são muito difíceis de suportar. Sebastian escondeu os olhos atrás dos longos e escuros cílios. Quando voltou a levantá-los, olhou de soslaio para Prudence, e foi assim que ela percebeu que ele estava novamente no tempo presente. ─ Eu me fiz entender errado. Meus pais e meu irmão não morreram de acidente.
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Prudence cravou o olhar nele. ─ O que você está dizendo? ─ O deslizamento da rocha que matou os meus pais foi provocada deliberadamente por alguns bandidos que assaltavam os vilarejos nas montanhas. Eu não sabia que os bandidos fossem um problema na região, quando mandei uma mensagem para o meu pai, para que fosse me encontrar naquele maldito lugar. ─ Deus Bendito! – Prudence arregalou os olhos quando se deu conta do que Sebastian estava dizendo. – Não estará se culpando, não é mesmo, milord? ─ Eu não sei. – Apoiou um ombro contra o marco da porta e continuou a olhar fixamente para a escuridão. – Mas, o fato é que hoje, todos estariam vivos se eu não houvesse pedido que se reunissem comigo no Saragstão. Prudence tocou em seu braço. ─ Não deve assumir a responsabilidade pelo que aconteceu, pois você não destruiu a sua família, mas os bandidos sim, o fizeram. Eles foram presos e castigados? ─ Sim. – Sebastian desceu o olhar até ela. – Foram castigados. – Curvos os lábios em um sorriso gelado. – Bom Miss Merryweather, eu sugiro que troquemos de assunto, pois prefiro não falar de coisas tão desagradáveis com você. ─ Eu o entendo perfeitamente, milord. – disse Prudence com seriedade. – Não acredito que seja muito bom viver demasiadamente no passado. O presente e o futuro são o que conta. Concorda comigo? ─ Não tenho ideia. – Sebastian se comportava como se a pergunta o aborrecesse. Vou deixar com você essas questões filosóficas. O mal estava urdindo as suas maldades esta noite. Prudence teve certeza disso uma hora depois, quando Sebastian se despediu dela e se dirigiu até a porta. Durante os últimos dias começou a sentir que havia chegado a conhecer bastante bem a esse homem, pois em seu interior havia uma sensação de reconhecimento, mesmo que não a entendesse plenamente, mas sabia que estava ali. Pensava que poderia ver muito além da máscara de seriedade que Sebastian mostrava ao mundo. Acreditava, inclusive, que poderia ler os pequenos sinais que indicavam as sutis mudanças de seu caráter obscuro.
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Prudence percebeu que nessa noite havia nele uma atitude de vigília, uma sensação de antecipação reprimida, como de um predador em busca de sua presa. Estava preocupada, pois Sebastian tinha estado com esse humor estranho, durante as três últimas noites. Ela o observou enquanto ele caminhava pelo resplandecente salão, e logo o perdeu de vista no meio da multidão de convidados que enchia a mansão dos Thornbridge. Essa não era a primeira vez naquela semana que o havia observado, enquanto ele desaparecia silenciosamente, de um salão de baile cheio de gente. Havia sumido de três salões de baile na noite anterior, de outros na noite anterior a esta e de mais dois na noite prévia. Em cada ocasião havia reaparecido pouco depois, comportando-se como se nada houvesse acontecido. Ninguém, exceto Prudence, parecia haver notado. Afinal, os salões estavam tão cheios que não significada nada perder alguém de vista por um momento. Mas, Prudence era muito consciente da presença de Sebastian cada vez que ele estava nas cercanias, e pressentia as desaparições imediatamente. Qualquer um que notasse a sua atitude nessa noite pensaria que estaria indo embora, afinal era mais de meia noite, e Sebastian já estava há mais de uma hora no baile dos Thornbridge. O conde era conhecido por sua tendência a se aborrecer com facilidade. Prudence havia começado a desconfiar que a natureza inquieta de Sebastian o conduzira a divertir-se de formas um tanto temerosas. Sabia que ele gostava de mistérios, e não podia esquecer que havia mostrado grande interesse pela busca de Prudence das joias Pembroke. Na verdade, as perguntas acerca da investigação haviam sido muito específicas. Prudence associou os dois fatos e chegou à conclusão que Sebastian talvez houvesse desenvolvido uma tendência para abrir portas fechadas e espreitar cofres fortes trancados à chave, em casa abarrotadas de gente apenas para se divertir. Talvez, desfrutasse da emoção de descobrir joias ocultas, mesmo sendo muito mais rico que a maioria dos seus anfitriões.
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Prudence disse para si mesma que com certeza Sebastian não roubaria os valores que encontrava. Porém, estaria se divertindo com o jogo perigoso de sua busca. O jogo que estava jogando implicava um risco enorme. Era preciso que o detivesse antes que se metesse em problemas. Bebeu o último gole de ponche e pousou o copo com firme resolução. Essa noite iria averiguar exatamente em que tipo de negócio atroz estava envolvido o Anjo Caído, quando desaparecia de uma festa superlotada. Quando descobrisse a exata natureza do seu passatempo, lhe daria um bom sermão. O tédio não era desculpa para envolver em imprudências. Foi fácil escorregar por entre a multidão, na esteira de Sebastian. As pessoas que reparavam nela faziam-lhe um agradável gesto com a cabeça, sem dúvida supondo que se dirigia até o piso superior, a um dos gabinetes privados, preparados para as damas. Prudence sorriu e conversou brevemente com um dos conhecidos de Hester e enquanto isso foi se aproximando paulatinamente do vestíbulo em que Sebastian havia desaparecido. Alguns minutos mais tarde, ela encontrou-se sozinha em um corredor vazio, olhou rapidamente para os lados, levantou a saia de musselina mostarda, e correu em direção à escadaria dos fundos. Quando chegou ali, parou outra vez para verificar que nenhum dos criados estivesse nas imediações, e percebeu que nenhum deles, com os lindos uniformes dos Thornbridge estavam por perto. A essa hora todos estariam ocupados nas cozinhas, ou circulando entre as pessoas com bandejas de ponche ou champanhe. Prudence levou os olhos intraquilos até a escuridão da parte superior da escadaria, talvez estivesse errada ao pensar que Sebastian havia se dirigido a esse lugar. Só havia tido uma visão fugaz dele, quando desapareceu no vestíbulo. Começou a subir a escada com seus sapatos suaves de bale, que não produziam nenhum ruído, no piso de madeira. Quando chegou ao segundo andar, voltou a vacilar e tentou orientar-se. Havia candelabros acessos nas paredes, porém em sua maior parte, esse setor da mansão estava imerso nas sombras.
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Um pequeno ruído, como se fosse um suspiro, chegou do extremo oposto do corredor escuro, chamou a atenção de Prudence. Alguém acabava de fechar silenciosamente a porta de um dos quartos. Caminhou pelo corredor atapetado até chegar à porta. Enquanto permanecia ali, olhando-a firmemente, sem decidir qual seria o seu próximo passo, a luz frágil de uma vela apareceu pela fresta. Havia alguém ali dentro. Os dedos de Prudence tremeram enquanto seguravam a maçaneta. Se estivesse errada em pensar que Sebastian havia entrado no quarto, o seu próximo movimento poderia resultar muito embaraçoso. Preparou umas desculpas lógicas, enquanto abria a porta cuidadosamente. O facho de luz que havia visto um momento antes desapareceu instantaneamente, quando entrou no aposento. O quarto estava na mais completa escuridão. Prudence parou na entrada durante alguns segundos, deixando que seus olhos se acostumassem à falta de claridade. Quando pode distinguir a enorme forma de uma cama com baldaquim, fechou a porta atrás de si. ─ Sebastian? – sussurrou – Onde você está? Sei que você está aqui. Houve um movimento quase que completamente silencioso atrás de si. A mão de um homem tapou a sua boca. Prudence ficou gelada de terror quando se encontrou espremida contra um rígido e grande corpo. Logo, começou a lutar furiosamente, e afundou os dentes na palma que cobria a sua boca. ─ Maldição! – sussurrou-lhe no ouvido – Deveria saber que seria você, me dê a sua palavra de que não irá levantar a voz, além de um sussurro e vou permitir que vá embora. Faça sinal com a cabeça que entendeu. Prudence concordou freneticamente. Sebastian a soltou, e a girou pelos ombros até que estivesse de frente para ele. Prudence não conseguia ver quase nada de suas feições na obscuridade, porém o seu tom de voz e a maneira com que cravou os dedos em seu ombro eram indicativos que estava furioso. ─ Que diabo pensa estar fazendo aqui? – Perguntou-lhe.
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─ Eu o segui. ─ Ora, sua tonta. – Deu-lhe uma sacudida exasperada. – Você acha que isso é alguma brincadeira? Prudence ficou firme. ─ Não, mas pelo jeito você acha que sim. O que está você está farejando, milord? Claramente, está engendrando alguma maldade. Deveria se envergonhar de si mesmo. Que tipo de comportamento é esse para um homem da sua condição e do seu título? ─ Exatamente o que estava precisando! Um sermão sobre o meu comportamento. Só depois de muito tempo, Prudence teve um súbito e terrível pensamento, um que ainda não havia considerado. Quase engasgou. ─ Por um acaso, está pensando em se encontrar com alguém aqui, milord? ─ Não, maldição, não estou pensando em me encontrar com ninguém. Tenho um assunto aqui em cima, se lhe interessa saber. Prudence ficou maravilha diante da sua sensação de alívio. ─ Que tipo de negócio? ─Está relacionado com uma gargantilha, porém não é assunto seu. ─ Era o que eu temia. – Prudence desejou poder ver o rosto dele mais claramente. – Senhor, eu me nego a acreditar que tenha recorrido ao roubo de uma gargantilha apenas para se divertir. Não é possível que esteja tão entediado da vida na cidade. ─ Droga, eu não sou um ladrão! – Ele parecia genuinamente ofendido. ─ Mas, é claro que não. Nem eu acredito nisso. Porém, é um homem que aprecia alguns desafios, não é verdade? Diga-me exatamente o que você está fazendo aqui. ─ Eu já falei, estou procurando uma gargantilha. E, sem dúvida, não vou conseguir nada ficando aqui conversando com você, temos que sair daqui, antes que chegue alguém. Não temos como saber se alguém a viu subir. ─ Ninguém me viu. – Assegurou Prudence.
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─ Como você pode saber? Não acho possível que você tenha experiência nesse tipo de coisa. ─ E, você tem? ─ Tenho mais um pouco de experiência que você. – A segurou pelo braço e começou a abrir a porta. O rangido de uma tábua do piso no corredor o deteve. – Maldição! ─ O que foi? – sussurrou Prudence – O que está acontecendo? ─ Está vindo alguém no corredor. Não podemos sair agora. ─ E, se ele entrar aqui? ─ Então, haverá um grave problema. E, tudo será por sua culpa, Prue. Um fato que não esquecerei tão rapidamente. – Sebastian a arrastou pelo aposento até um armário de mogno maciço. ─ Aonde vamos? ─ Escondê-la. – Abriu as portas do armário – Entre, depressa. ─ Angelstone, espere. Não acho que é uma boa ideia. Tem muita coisa aqui, coisas de mulher. Meu Deus, este deve ser o quarto de Lady Thornbridge. ─ Entre aí logo, pelo amor de Deus. – Segurou-a pela cintura como se fosse um saco de batatas e jogou dentro do armário. ─ Cruz credo! – Prudence quase sufocou entre um monte de seda valiosa, cetim e musselina. Sacudiu os braços violentamente, tentando recuperar o equilíbrio. ─ Chegue para o lado. – Murmurou Sebastian. Espalmou as mãos sobre as nádegas de Prudence, enquanto tentava empurrá-la mais para o fundo do armário. ─ Não tem lugar. – Muito consciente das mãos sobre suas nádegas, Prudence tentou freneticamente mergulhar entre roupas, em um esforço para colocar-se mais ao lado. Mas, o armário estava repleto de roupas caras. – Por que não se esconde debaixo da cama? ─ Droga, talvez, você esteja com a razão. – Sebastian separou-se dela e saiu do armário. Fechou a porta e deixou Prudence em uma escuridão sepulcral. Nesse instante, a porta do quarto se abriu violentamente, com um resoante barulho.
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Prudence não precisou do rugido ultrajado de Lord Thornbridge para saber que Sebastian não havia conseguido chegar até debaixo da cama enorme. ─ Angelstone? Você? Seu filho da puta, eu nunca pensei em encontrá-lo aqui. Tinha certeza que seria outra pessoa que se encontraria com ela essa noite. Com mil demônios, pensei... Acreditei..., quer dizer, me disseram... Como se atreve, senhor? ─ Boa noite, Thornbridge. – A voz de Sebastian estava surpreendentemente tranquila. De maneira inacreditável, inclusive mesclada com a invariável nota de cínico divertimento. Era como se acabasse de encontrar com Thornbridge no clube, em vez do quarto de Lady Thornbridge. ─ Vou matá-lo e o mandarei para o inferno por isso, Angelstone. Nem pense que não o farei. ─ Acalme-se Thornbridge. Não estou aqui para encontrar-me com sua esposa. ─ E, que outra razão você teria para estar aqui, em seu quarto? Acha que eu não sei que ela desapareceu do salão de festas? Veio aqui para cima encontrar-se com seu amante, não é assim? ─ Não. ─ Não tente negar, desgraçado. – rugiu Thornbridge. – Você veio aqui para seduzir a minha esposa. Aqui mesmo, em minha própria casa, pelo amor de Deus. Não tem nenhuma vergonha? Nenhum sentido de decência, ou de honra? ─ Não tenho ideia do paradeiro de Lady Thornbridge, senhor. Porém, posso assegurá-lo que não tenho nenhuma intenção de encontrar-me aqui em cima com ela. Veja por si mesmo, não está aqui, em lugar nenhum.
─ Suponho que tenha uma explicação razoável do motivo para estar em seu quarto. – Falou Thornbridge com incredulidade. ─ Eu estava procurando um novo privativo que me disseram que você havia instalado. ─ Nem pense que irá me enganar com essa estória para crianças. – Thornbridge estava claramente indignado. – O privativo está embaixo da escada dos fundos, exatamente no mesmo lugar que todas as residências respeitáveis.
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─ Foi um engano, senhor. – Disse Sebastian com cortesia. – Evidentemente, me desorientei quando deixei o salão de festas. Poderia jurar que um dos criado me disse que estava neste andar. Creio que talvez eu tenha me excedido com o seu excelente champanhe, senhor. ─ Você não vai escapar dessa tão facilmente, Angelstone. – A voz de Thornbridge estava trêmula pela intensidade de suas emoções. – Não me importa que seja um ótimo atirador. ─ Se você vai me desfiar, Thornbridge, sugiro que não perca seu tempo. Caso ainda não esteja sabendo, já abandonei esse tipo de coisa. ─ Você acha que irei aceitar um dos seus zombeteiros pedido de desculpa? – A voz de Thornbridge elevou-se até chegar a um tom agudo e desesperado – Não sou um estúpido fazendeiro caipira para ser ridicularizado, como tem feito com o jovem Merryweather. ─ Thornbridge, escute-me só um instante. Eu posso explicar tudo. ─ Não me importo com as suas explicações. E, pode economizar o trabalho de fazer com que seus padrinhos me enviem suas desculpas. Não tenho nenhuma intenção de me encontrar com você no campo de honra. ─ Então, o que você está pensando em fazer? – Perguntou Sebastian tranquilamente. ─ O que você acha que vou fazer? Vou meter-lhe uma bala agora mesmo, maldito canalha. Justamente, onde terá melhor proveito. Pode despedir-se dos seus testículos, pois não terão mais proveito depois desta noite. Vamos ver o que vai fazer com as esposas dos outros, no futuro. ─ Pelo amor de Deus. – disse Sebastian. – Abaixe esta arma, homem. Eu juro que não coloquei os olhos sobre a sua esposa. Minha atenção está voltada para outro lado, esses dias. Prudence ficou gelada. Pela forma como estava ocorrendo a conversa, se deu conta que Thornbridge tinha uma pistola em suas mãos. Estava ficando tão nervoso e pondo-se em tal estado que seria muito capaz de apertar o gatilho.
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─ Não espera que eu acredite que está verdadeiramente interessado por essa magricela da Merryweather. – gritou Thornbridge. – Você não é dos perdem tempo se divertindo com mulheres estranhas como ela. Está usando a pobrezinha, não é mesmo? ─ Thornbridge, você seria amável o bastante para escutar-me, por um momento? ─ Fica fazendo fita de que a está cortejando, mas na realidade, está apenas distraindo a atenção, enquanto persegue o seu verdadeiro objetivo. Está usando a Merryweather como escudo, enquanto flerta com minha esposa. ─ Não tenho nenhum interesse por Lady Thornbridge – disse Sebastian. Parecia que estava perdendo a paciência – Dou-lhe a minha palavra, Thornbridge. Não estou aqui neste aposento para encontrar-me com a sua esposa. ─ Não há outra explicação possível – declarou Thornbridge – Ela é muito bonita. Deus sabe que todos os homens que olham para ela a desejam. Acredita que pode ir pegando o que quiser, não é assim, Angelstone? Seu maldito desgraçado arrogante. ─ Thornbridge, eu lhe peço que tente controlar-se. Você está perdendo a razão. Prudence sabia que não poderia esperar nem mais um minuto. Estava claro que Sebastian não era capaz de aplacar a ira de Thornbridge com palavras. Estava na hora de pagar a dívida que tinha com o Anjo Caído. Respirou fundo e abriu a porta do armário com um empurrão. ─ Peço desculpas senhores – disse Prudence claramente, enquanto a porta se abria com um golpe – creio que está na hora dessa bobagem ter minar, antes que alguém saia ferido. ─ Que diabos? – Thornbridge virou para ela. À luz da vela que havia trazido com ele, Prudence pode ver a consternação em seu rosto, com a pesada papada. A arma empunhada vacilou precariamente – Por Deus, Miss Merryweather, o que está fazendo aqui?
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─ Você deve desculpar Miss Merryweather, Thornbridge. – Sebastian deu apenas um passo adiante e arrancou facilmente a pistola dos dedos de Thornbridge. ─ Ela acabou de chegar do campo, e ainda não aprendeu a arte de fazer uma entrada triunfal. Thornbridge não prestou nenhuma atenção em Sebastian, seu olhar admirado estava fixo em Prudence. A raiva que sentira estava se transformando rapidamente em uma enorme confusão. ─ O que está acontecendo aqui? Prudence ficou ruborizada sob o olhar acusador, porém dirigiu um sorriso para o confuso senhor. ─ Não é óbvio, milord? Angelstone e eu procurávamos um lugar reservado, onde pudéssemos falar sobre certos assuntos relacionados com os fenômenos espectrais, e eu temo que tenhamos entrado aqui, por engano. ─ Fenômenos espectrais? – Thornbridge parecia mais perplexo do que nunca. Também começou a mostrar-se duvidoso. Sebastian arqueou as sobrancelhas. ─ E, tampouco aprendeu a dizer uma mentira social. Não existe muito que dizer para explicar a nossa presença aqui. Creio que teremos que lhe dizer a verdade, agora. Thornbridge olhou para ele, com raiva. ─ A verdade é que trouxe esta jovem e inocente mulher, aqui para cima, para seduzi-la, não é verdade, Angelstone? ─ Não exatamente. – disse Sebastian. ─ Não era essa a sua intenção – disse Prudence animada. Thornbridge continuava a olhar mal humorado para Sebastian. ─ Você deveria se envergonhar de si mesmo, senhor. ─ Milord, você não está entendendo. – Prudence desceu do armário – Angelstone não me trouxe aqui em cima com a intenção de seduzir-me. Thornbridge olhou penalizado para ela. ─ Minha pobre e querida Miss Merryweather. Todo esse assunto irá machucar o coração generoso de Lady Pembroke, pois você é pateticamente inocente.
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Sebastian cruzou os braços e recostou-se contra o armário, olhando Prudence pensativamente. ─ Inocente não é a palavra correta para Miss Merryweather. Irresponsável seria melhor. Temerária. Ingovernável. Imprudente. Sim, me ocorrem muitos termos que combinariam perfeitamente com Miss Merryweather. Muito melhores que inocente. Prudence empurrou os óculos sobre o nariz e olhou furiosa para ele. ─ Isso é injusto, milord. Estou tentando explicar esta situação extremamente desagradável lord Thornbridge. Você tem todo o direito de estar no quarto de sua esposa. ─ Claro que sim. – replicou Sebastian, com os seus olhos dourado, brilhantes e seu sorriso diabólico. – Explique, por favor. A irritação tomou conta de Prudence ao perceber que ele não iria lhe ajudar. Maldito homem, ele estava se divertindo novamente, desta vez às suas custas. Se ele levasse em conta o fato de que estavam nessa situação devido aos seus atos, e que ela estava tentando salvar o seu pescoço, poderia pelo menos ajudá-la nesta tarefa. Prudence virou para Thornbridge. ─ Milord, o problema todo é que houve um tremendo mal entendido. – disse muito séria. Ela foi interrompida com um movimento de mão de Thornbridge, pois agora, que já não era obrigado a representar o papel de marido ultrajado, parecia decidido assumir o papel de anfitrião ultrajado. Endireitou-se, e olhou para Sebastian com os olhos semicerrados. ─ Não se incomode Miss Merryweather. Os fatos falam por si mesmos. Você estar aqui sozinha com o homem mais famoso da cidade, não necessita de maiores explicações. Prudence hesitou quando começou a perceber em que nova direção as coisas estavam caminhando. Pigarreou cautelosamente. ─ Milord, eu creio que está acontecendo um erro muito grave.
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Thornbridge não prestou nenhuma atenção a ela. Ainda olhava sombria e cinicamente para Sebastian. ─ E, então, senhor? Você tem intenção de agir corretamente com esta jovem? Ainda de pé e com o ombro recostado contra o armário, Sebastian inclinou a cabeça com irreverente galanteria. ─ Acontece, Thornbridge, que Miss Merryweather e eu porque procurávamos um pouco de intimidade para falar sobre o nosso futuro. Eu já decidi que é hora de me casar. Por seu lado, Miss Merryweather supôs, sabiamente, que não é provável que receba uma oferta melhor, devido a sua idade avançada. Por tanto, chegamos a um acordo. ─ Angelstone – conseguiu dizer Prudence com a voz estrangulada. Sebastian nem sequer vacilou. ─ Permita-me apresentar-lhe a minha noiva, milord. Miss Merryweather e eu estamos comprometidos.
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Capítulo 5
─ Eu lamento dizer isto, milord, mas este desastre em que nos encontramos é completamente culpa sua – anunciou Prudence, enquanto Sebastian fazia girar a lustrosa carruagem negra e aberta, no parque lotado. ─ Você é muito generosa, querida. – Sebastian conduzia pela corrente de tráfego os dois cavalos negros que formavam um lindo conjunto. – Acredito que podemos dar a maior parte da responsabilidade dos acontecimentos a você. Prudence se escondeu embaixo da aba de um chapéu simples, de palha. Deu um puxão em sua saia de algodão de cor indefinida, para cobrir suas botas resistentes de cano curto, e procurou uma maneira de defender-se. ─ Eu só tentei ajudar. ─ Sério? ─ Se você tivesse permitido que eu me explicasse diante de Lord Thornbridge, tudo se resolveria de maneira satisfatória. Prudence olhava para frente, agudamente consciente dos olhares fixos que Sebastian e ela recebiam das outras carruagens que por ali passavam. Havia sido assim, desde a noite anterior, quando Lord Thornbridge os acompanhou de volta ao salão de festas, e anunciado o noivado do Anjo Caído. Os convidados dos Thornbridge primeiro ficaram pasmos, a seguir excitados e por último, profundamente intrigados. Este era, de longe, o evento mais divertido da temporada. A ideia de que o Anjo Caído se casasse com a divertida “Dona Estranha”, obviamente era muito mais do que os membros da cidade poderiam imaginar. A reação da sociedade não foi nada comparada com a de Hester e Trevor. Simplesmente, ficaram sem palavras diante da comoção. Sebastian lhe aconselhou que não tentasse explicar a situação a nenhum deles, já que isso só complicaria ainda mais as coisas. Prudence se viu na obrigação de concordar com ele nesse ponto.
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Surpreendentemente, foi Hester que se recobrou primeiro do anúncio terrível. Uma vez que digeriu a notícia, os seus olhos se tornaram estranhamente especulativos. ─ Não é de maneira nenhuma o que eu esperava. Porém, o Anjo Caído raramente faz o que se espera dele. E, é muito compreensível que tenha escolhido alguém fora do comum para ser a futura condessa. ─ Ele está jogando outro de seus malditos jogos. – grunhiu Trevor. ─ Não tenho tanta certeza disso – disse Hester – Um compromisso é uma obrigação de honra. Mesmo que se possa dizer qualquer outra coisa de Angelstone, nunca se soube que tenha faltado com a sua palavra. Em qualquer caso, agora, já não se pode fazer mais nada a esse respeito. Prue está comprometido com o Anjo Caído e isso é um fato. Teremos que continuar como se tudo fosse muito normal. Indubitavelmente, o compromisso não era um acontecimento normal no que concernia à sociedade formal. Toda Londres estava intensamente curiosa. Sebastian havia decretado o passeio pelo Parque nessa tarde, dizendo que era melhor dar um espetáculo audaz, ao invés de tentar se ocultar das atenções indesejadas. Prudence na estava totalmente segura se essa era uma escolha razoável. ─ Por favor, não se ofenda Prue – disse nessa hora ─, mas a verdade é que as suas explicações a Thornbridge estavam causando ainda mais confusão. Prudence olhou para ele furiosa. ─ Não vejo como eu possa haver causado mais danos, que as suas ridículas explicações, milord. E, não me lembro de lhe dar permissão para me chamar pelo meu nome. A boca de Sebastian curvou-se ligeiramente. ─ Não acredito que você vá se importar. Nós estamos noivos, afinal de contas. ─ Não foi minha culpa. ─ Não? – As negras sobrancelhas de Sebastian levantaram-se divertidamente. ─ O que você achou que aconteceria quando saiu do armário? Prudence segurou fortemente a sua rede.
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─ Eu estava tentando salvar a sua vida, milord. Caso não tenha notado, e que se encontrava em uma posição insustentável. ─ Sim, foi assim, não é verdade? – Sebastian não parecia muito preocupado a este respeito – Porém, você veio me resgatar e me salvou. ─ Fico feliz que pelo menos possa apreciar a minha atitude. – Ela estava irritada por causa do sarcasmo de Sebastian ─, pois de acordo com o trato que fizemos, eu estava em dívida com você. Só tentei cumprir com a minha obrigação. ─ Ah, sim... O nosso trato. ─ Eu pensei que poderia pagar a minha dívida, salvando-lhe de Lord Thornbridge. ─ Compreendo. Prudence voltou a afundar-se na melancolia carregada de culpa que estava fomentando desde a noite anterior. ─ Deduzo que esteja muito irritado, milord. Sebastian deu de ombros. ─ Não particularmente. Perplexa, Prudence olhou para ele de soslaio. ─ Por que não? ─ Não acredito que nosso compromisso venha a ser um problema. Prudence se animou. ─ Você tem um plano para sair desse apuro? ─ Suponho que se poderia dizer que sim. Prudence olhou para ele com respeito e alívio crescentes. ─ Milord, mas são notícias excelentes. O que pensa em fazer, exatamente? Sebastian sorriu-lhe, porém seu olhar era inescrutável. ─ É um plano muito simples, querida. Penso em desfrutar ao máximo dos benefícios de ser um homem comprometido. Prudence ficou de boca aberta. ─ Como disse?
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─ Você me ouviu. – Sebastian inclinou a cabeça, com gelada cortesia diante de uma dama idosa, em uma carruagem vizinha que olhava fixamente para a carruagem negra. A mulher afastou o olhar rapidamente. ─ Você está pensando em fazer valer o nosso compromisso? – Perguntou Prudence incredulamente. – Por que razão iria querer fazer isso? ─ Não vejo que tenhamos muitas opções com esse assunto, e você? Se, por um acaso, anunciarmos ao mundo que nosso noivado é uma fraude, a sua reputação ficará em frangalhos. ─ Eu não me importaria nem um pouco, milord. Simplesmente, me retiraria para o campo, um pouco antes do previsto. A sociedade logo irá se esquecer de mim. ─ E, o que aconteceria comigo, Prue? – perguntou Sebastian suavemente – A sociedade não vai esquecer o meu papel nisto tudo rapidamente, eu lhe asseguro. Thornbridge, por exemplo, sem dúvida nenhuma, decidirá que as suposições iniciais a respeito da minha presença no quarto da sua esposa estavam corretas. É bem provável que me ataque novamente com uma pistola. Prudence mordeu o lábio inferior e fixou o olhar em Sebastian. ─ Você acha realmente que ele faria isto? ─ Eu diria que é bem provável. ─ Eu não havia pensado nisto. O que vamos fazer milord? ─ Terminaremos esta temporada como noivos – disse Sebastian calmamente – Quando chegar junho, você poderá regressar para Dorset e eu seguirei com meus assuntos. Os boatos perderam interesse gradualmente. ─ Entendo o que está dizendo. – Disse Prudence, pensando detidamente – Em algum momento durante o verão, anunciarei tranquilamente que rompi nosso noivado. Até o outono todos já terão esquecido o assunto. ─ Muito provavelmente. ─ Sim, poderia funcionar. – Prudence enrugou entre as sobrancelhas, enquanto refletia. – Significa que durante os próximos dois meses e meio nós seremos obrigados a fingir que estamos noivos.
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─ Você acha que poderá fazer o papel de uma dama alegremente prometida, durante esse tempo, Prue? ─ Eu não sei – disse honestamente – Nunca comprovei o meu talento para o teatro profissional. ─ Tenho certeza de que com um pouco de prática, logo você irá pegar o ritmo. ─ Você acha verdadeiramente? – Prudence inclinou a cabeça para um lado e lhe dirigiu uma olhada astuta – E, o que você sabe sobre isso, milord? ─ Não há necessidade para se preocupar querida, pois lhe asseguro que posso me encarregar do meu papel, afinal, eu tenho o talento para a interpretação no meu sangue. ─ Sim, é verdade, não é mesmo? É uma sorte enorme a sua mãe ter sido uma atriz famosa. – Prudence suspirou – Realmente, eu lamento muito tudo isso. ─ Veja pelo lado bom, – sugeriu Sebastian – talvez, agora o impertinente do seu irmão pare de me desafiar a cada vez que eu dançar com você. ─ Suponho que isso também será resolvido. – Prudence pigarreou discretamente – Só fica faltando um ponto que desejo esclarecer a respeito daquela noite, antes de seguir adiante com essa simulação de noivado. ─ Sebastian sorriu. ─ Permita-me adivinhar qual é esse pequeno detalhe. Provavelmente você deseje saber precisamente o que eu estava fazendo no quarto de Lady Thornbridge. ─ Sim, de fato, eu gostaria de uma explicação. Não creio nem por um instante que você tinha um encontro com ela. Ultimamente, eu venho lhe observando, milord, e aquela noite não foi a primeira vez que o vi desaparecer misteriosamente, de um salão de baile, por algum tempo. Pelo que pude deduzir, não estava reunindo-se com ninguém nessas ocasiões. Sebastian olhou para ela serenamente admirado. ─ Você tem sido muito observadora. Porém, não posso dizer que esteja surpreso. Você é uma mulher assombrosa. ─ Não tenho certeza de que tenha sido um elogio. E, agora, vai dizer-me o que estava acontecendo?
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Os olhos ambarinos de Sebastian cintilaram brevemente, enquanto ele refletia sobre a pergunta. ─ Você acredita realmente que me converti em um ladrão? Prudence semicerrou seus olhos por trás das lentes de seus óculos. ─ Milord, eu cheguei a imaginar, erradamente é claro, que por se sentir entediado talvez tivesse recorrido a um passatempo infeliz. ─ Em outras palavras, você pensou que eu poderia ter me convertido em um ladrão de joias. Saber que você me tem em tão baixa estima me deixou arrasado. ─ Bem, eu não tinha completa certeza de que você estava totalmente envolvido com isso. – disse Prudence rapidamente. – Afinal de contas, você não precisa de dinheiro. Todos dizem que você é rico como Creso2. Sendo assim, o que você estava fazendo no quarto de Lady Thornbridge? ─ Tem um pouco de verdade em suas suspeitas iniciais. Tal como tentei lhe dizer, eu estava procurando uma gargantilha. Uma gargantilha em particular. ─ O quê? – Prudence olhou para ele assombrada – Não posso acreditar. ─ É verdade. Contudo, a gargantilha não pertencia à Lady Thornbridge. Prudence imediatamente ficou intrigada. ─ De quem era a gargantilha? ─Pertence a certa dama da sociedade que a entregou à Lady Thornbridge. ─ Mas, por quê? – perguntou Prudence. ─ Esperava comprar o silêncio de Lady Thornbridge – disse Sebastian suavemente. ─ O silêncio? – Prudence chegou à conclusão óbvia. – Lady Thornbridge estava chantageando esta mulher? ─ Exatamente. Contudo, quando Lady Thornbridge exigiu-lhe outra joia em troca de seus silêncios posteriores, a vítima se deu conta que as exigências não teriam fim, e decidiu ver se poderia fazer alguma coisa para deter Lady Thornbridge. Prudence aproximou suas sobrancelhas.
Creso foi o último rei da Lídia, da Dinastia Mermnada, (560–546 A.C.), filho e sucessor de Aliates que morreu em 560 a.C.. Submeteu as principais cidades da Anatólia (salvo a cidade de Mileto).
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─ A vítima recorreu a você para resolver este assunto? ─ Não, consultou um oficial de polícia da Bow Street chamado Whistlecroft. Whistlecroft decidiu colocar-se em contato comigo, nós, ele e eu temos um acordo. Ele tem instruções de trazer-me alguns de seus casos mais interessantes. Em momentos assim Prudence ficava subjugada. ─ E, finalizou o caso para ele? ─ Sim. ─ Que emocionante – suspirou Prudence – Encontrou a gargantilha ontem à noite? O sorriso arrogante de Sebastian tinha mais que uma pitada de satisfação. ─ Sim, acontece que sim. ─ Onde está? O que fez com ela? ─ Foi devolvida à sua legítima dona, esta manhã. Whistlecroft encarregou-se de finalizar a transação. Eu prefiro o anonimato em tais assuntos. Ninguém, exceto de você, Whistlecroft e um amigo meu, chamado Garrick Sutton, sabem do meu pequeno passatempo. ─ Sei. Posso entender porque deseja manter em segredo o seu pequeno passatempo. Contudo, o que fará em relação à Lady Thornbridge? Será que ela não irá cumprir com as ameaças quando se der conta de que a vítima já não está mais cooperando? ─ Eu duvido. ─ Por quê? ─ Porque antes que Lord Thornbridge e você me interrompessem tão grosseiramente, eu tive tempo de deixar um bilhete no cofre da Lady Thornbridge, no lugar da gargantilha. Ela irá descobri-lo brevemente. ─ Um bilhete? – perguntou Prudence – O que dizia? ─ Apenas que um anônimo sabe que a linhagem de Lady Thornbridge não é exatamente o que a sociedade e Lord Thornbridge supõem. Para ser mais exato, Prue, Lady Thornbridge vem do esgoto, e estaria arruinada dentro da sociedade se este fato se tornasse público, algum dia.
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─ Do esgoto? ─ É uma criaturazinha astuta e excessivamente ambiciosa, que lutou para abrir caminha na vida. Não a culpo em absoluto por criar uma fachada respeitável que enganou a sociedade, e lhe deu um marido milionário. Prudence sorriu. ─ Em outras palavras, ela lutou muito para ter o que tem, e você a respeita por isso, porém não irá tolerar que ela regresse aos maus hábitos. É isso? ─ Não quando escolhe uma vítima que também lutou para sair da lama e chegar à sociedade. Agora, Lady Thornbridge tem tudo o que deseja, assim não há necessidade de chantagear outra senhora que vem de um meio parecido com o dela. ─ Muito bem. – Prudence concordou energicamente para demonstrar que estava de acordo. – Você disse-lhe isto no bilhete? ─ Sim. ─ Mas, como descobriu os segredos de Lady Thornbridge? – perguntou Prudence. ─ Eu tenho os meus métodos de investigação, assim como você tem os seus. Prudence estava profundamente impressionada. ─ Seus métodos devem ser realmente perspicazes, milord. Lady Thornbridge conseguiu enganar a cidade inteira, e mesmo assim você descobriu. Brilhante, Angelstone. Absolutamente, brilhante! ─ Tenho a sensação de que você aprecia os meus esforços. ─ Mas, é claro que sim! – Prudence riu com prazer. – Você resolveu todo esse assunto muito bem, milord. ─ Obrigado. ─ Mas, Lady Thornbridge não adivinhará que foi você quem deixou o bilhete? ─ Duvido muito. Inclusive, se Thornbridge lhe disser que nos encontrou em seu quarto, é muito provável que não me relacione com o bilhete que irá encontrar no cofre, em breve. ─ Por que não?
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─ Por um lado, pode se passar vários dias antes que ela descubra o bilhete, e não terá nenhuma maneira de saber quando foi posto ali.
Por outro lado, se
realmente pensar no fato de que eu estava em seu quarto, irá lembrar que você estava comigo. – disse Sebastian. Prudence inclinou a cabeça para o lado e o observou por baixo da aba do chapéu. ─ Não entendo. ─ Como todos os outros, ela irá pensar que subimos para que eu pudesse seduzi-la no primeiro quarto disponível que encontrei. ─ Milord. – Prudence estava consternada pensando em si mesma. Podia sentir que seu rosto enrubescia violentamente. ─ Uma imagem encantadora, não é mesmo? ─ Suponho que seja o que todos estão pensando hoje. – disse Prudence irritada. ─ Sem dúvida nenhuma. Prudence ficou em silêncio durante algum tempo, enquanto refletia sobre o que Sebastian acabava de lhe dizer. ─ Esta informação explica tudo, é claro. Você procurou um passatempo muito divertido, ainda que muito perigoso, milord. ─ Eu me divirto, de vez em quando. – admitiu Sebastian. ─ Não é muito diferente do meu próprio pequeno passatempo. ─ Tenho consciência disso. – Sebastian estalou as rédeas nas ancas dos cavalos. ─ Nos dá alguma coisa em comum, não é? ─ Sim. Sim, é verdade. – Prudence virou-se para ele, radiante e subitamente entusiasmada. – Senhor, me ocorreu que poderíamos combinar os nossos interesses. Sebastian olhou cautelosamente de soslaio para ela. ─ Mas, de que diabos você está falando? ─ Não vejo por que não poderíamos levar a cabo nossas investigações juntos, milord. Nós dois seríamos uma excelente equipe.
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─ Como na noite passada? – perguntou Sebastian secamente. – Poderia lembrá-la que estive muito perto da morte nas mãos de um marido ciumento, graças à sua proverbial ajuda. ─ Isso é muita injustiça, milord. O que você teria feito sem mim? ─ Eu teria me escondido no armário e evitado Thornbridge. – disse Sebastian sucintamente. – Ele nunca teria me visto. ─ Ah! – Prudence procurou uma réplica adequada com a qual pudesse demolir esse argumento, mas não conseguiu encontrar nenhuma. Decidiu tentar uma tática diferente. – Peço-lhe que lembre o quanto seria interessante trabalharmos juntos, senhor. Pense apenas, em todas as fascinantes conversas que poderíamos ter. ─ Eu já pensei nisso. Por que acha que lhe contei o plano de chantagem de Lady Thornbridge? E, não lhe disse que sou completamente contra de falar com você sobre os meus casos. A esperança de Prudence retornou. ─ Então, você acha que podemos trabalhar juntos? ─ Apenas como consultora. – disse Sebastian tranquilamente. – Estou disposto a falar sobre os meus casos, porém não irei permitir que você me acompanhe em minhas investigações. Não quero outra cena, como a de ontem à noite. ─ Mas, eu não vejo por que não! – replicou Prudence. – O dano já está feito. Estamos envolvidos nesta farsa do noivado pelo resto da temporada. O que poderia acontecer de pior? Sebastian contraiu os lábios até formar uma linha de determinação. ─ Existe sempre certo risco relacionado às minhas investigações. Não quero você frente a frente com pistolas. Prudence arregalou os olhos. ─ Esse tipo de coisa acontece com muita frequência no curso de suas investigações? ─ Claro que não! Porém, não irei me arriscar. Como já lhe disse, vou falar sobre os meus casos com você, mas isso é tudo. – deu-lhe um olhar indulgente. – Afinal de
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contas, minha querida, os seus conhecimentos pertencem ao campo dos fenômenos espectrais, não ao da investigação de chantagistas e outros delinquentes. ─ Mas, tenho certeza de que muitos de meus métodos se aplicariam muito bem às investigações delitivas, como aos fenômenos espectrais. – assegurou Prudence seriamente. ─ Confie em mim, minha querida. Existe um mundo de diferença entre os dois tipos de investigação. Prudence tinha o olhar severo. ─ Como poderia saber? ─É óbvio. – As mãos enluvadas de Sebastian se moviam quase imperceptivelmente sobre as rédeas. Os cavalos aumentaram a velocidade do trote. ─ Milord, eu devo dizer que você está muito obstinado a este respeito. Como seremos obrigados a passar muito tempo um na companhia do outro, durante os próximos dois meses e meio, não vejo por que não passarmos esse tempo ajudandonos mutuamente. ─ A resposta é não, Prue, e é definitiva. O tom inflexível como aço das palavras de Sebastian era inconfundível. Prudence levantou o queixo. ─ Muito bem, milord. Se você prefere ser arrogante e estúpido sobre esse assunto, eu não posso fazer mais nada. – Sebastian sorriu satisfeito. ─ Fico muito feliz que você não seja o tipo de mulher que fica se lamentando quando não consegue o que deseja. Acho esse tipo de coisa realmente exaustiva. ─ Lamentar? Eu? Absolutamente, milord. – Prudence tentou imitar o sereno sorriso de Sebastian. – Não gostaria de aborrecê-lo. Em todo caso, espero estar muito ocupada com minhas próprias investigações. Sebastian inclinou cortesmente a cabeça. ─ Vou esperar ansioso pelas novidades. Prudence não se importou nem um pouco com o tom condescendente que detectou na voz de Sebastian.
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─ Talvez, poderei lhe dar um informe completo de minha última investigação amanhã pela manhã. ─ Mas, assim, tão cedo? – Sebastian olhou para ela. – Você já encontrou um cliente aqui na cidade? ─ Uma amiga de Lady Pembroke trouxe-me um caso fascinante. – Prudence inclinou-se mais para perto de Sebastian. – Conhece Mrs. Leacock? Sebastian pensou por um instante. ─ Já ouvi falar sobre ela. Seu marido morreu há pouco tempo e deixou uma fortuna, se não me engano. ─ Pois é, recentemente ela tem tido grandes problemas com fantasmas na ala oeste de sua casa. Esperava poder provar algumas de minhas últimas teorias, utilizando uma máquina elétrica para capturar esse fantasma em particular, mas acho que seria uma perda de tempo, neste caso. ─ Como você vai capturar o fantasma? Prudence olhou para ele com um sorriso de superioridade. ─ Lady Pembroke e eu vamos passar a noite com ela. Esta noite dormirei no quarto de Mrs. Leacock, na ala oeste. Sebastian ficou muito curioso. ─ Você vai trocar de lugar com Mrs. Leacock? ─ Exato. Porém, não diremos a ninguém. Sebastian estava se divertindo. ─ Por que não? Você acha que o fantasma irá se importar? ─ De fato – disse Prudence, ─ eu acredito que ele poderia se importar muitíssimo! Sebastian levantou os olhos com ardor. ─ Ele? ─ Eu já terminei as minhas investigações iniciais. Há muitos fatores interessantes neste caso de fenômenos espectrais – confidenciou-lhe Prudence – O primeiro é que as aparições começaram há muito pouco tempo. ─ Há quanto tempo?
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─ Os incidentes começaram a suceder, logo após da morte de Mr. Leacock – disse Prudence – Mrs. Leacock nunca havia se encontrado com o fantasma da ala oeste. Tampouco, nenhuma outra pessoa. Até agora, não havia nenhum comentário que a casa estivesse assombrada. ─ A senhora acabou de perder o seu marido – recordou-lhe Sebastian – Provavelmente, esteja tendo pesadelos. ─ Não estou completamente convencida disso. A segunda característica interessante deste caso, é que Mrs. Leacock não tem filhos. Porém, de acordo com Lady Pembroke, tem três sobrinhos muito ambiciosos. E, os três sabem que o médico informou que a tia tem um coração doente. ─ Maldição! – Sebastian olhava para ela fixamente – Você está me dizendo, que acha que os sobrinhos estão tentando aterrorizar deliberadamente, a tia na esperança de que seu frágil coração falhe? ─ Acredito que seja bem possível. Planejo averiguar esta noite. ─ Enfrentando-se com um fantasma? – A mandíbula de Sebastian formava uma linha implacável – Pois, eu creio que não. ─ Milord, você não tem nada a ver com esse assunto. – disse Prudence com doçura. ─ Ao diabo com isso. Agora, eu sou seu noivo, Prue. ─ Apenas, no nome. ─ Sem dúvida – disse entre os dentes ─, mas agora, você vai me escutar. ─ Eu estou lhe escutando, milord. – Prudence sorria serenamente – E, você deixou muito claro que iremos levar as nossas investigações de maneira separada. De acordo com o que eu entendi você não deseja que trabalhemos juntos, como uma equipe. Ou, será que interpretei erradamente o que você quis dizer? ─ Não jogue na minha cara as minhas próprias palavras, mulherzinha indomável. Você sabe perfeitamente bem o que eu quis dizer. Prudence sorriu altiva. ─ Eu o escutei perfeitamente, milord. Permite que falemos sobre nossos casos um com o outro, porém não vamos ajudar-nos mutuamente, na investigação
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propriamente dita. Não se preocupe, contar-lhe-ei tudo sobre a minha investigação, pela manhã. Os olhos Sebastian cintilavam. ─ Prue, você tem muito que aprender acerca de se uma mulher comprometida. ─ Você acha isso, milord? Que estranho. E, eu que pensava que estava me adaptando muito bem em meu novo papel. ─ Prue, não irei permitir... ─ Prudence! Por Deus, é você. Nem posso acreditar. Prudence retrocedeu diante da familiar voz masculina. Não a escutava havia quase três anos, mas era muito improvável que chegasse a esquecê-la. Virou a cabeça e olhou diretamente os suaves olhos cinza do homem que lhe ensinara que sua intuição não era infalível. ─ Boa tarde, Lord Underbrink. – disse serenamente, enquanto o recémchegado se aproximava da carruagem, com seu lindo cavalo cinza. Prudence respirou profundamente e obrigou-se a examinar Edward, Lord Underbrink, com indiferente cortesia. Para sua surpresa e doloroso alívio, não sentiu nada, exceto uma sensação de profunda mortificação, diante da lembrança de sua própria ingenuidade. Que menina boba havia sido há três anos, quando acreditou que Underbrink falava seriamente quando lhe fizera uma proposta de casamento. Nunca houvera a menor possibilidade de que o herdeiro do título Underbrink se casasse com a filha de um produtor rural. Edward apenas havia estado se divertindo naquele verão. Não mudara muito em três anos, refletiu Prudence. Tinha o cabelo tão dourado como antes, os olhos muito abertos e cândidos. Suas feições agradáveis, contudo eram muito atraentes, embora Prudence acreditasse detectar alguns sinais de obesidade que se desenvolviam ao redor da mandíbula. Usava um casaco bem cortado que era exatamente do mesmo tom de cinza perolizado da sua custosa montaria. ─ Isto é surpreendente – disse Underbrink – Cheguei ontem na cidade. E, soube durante a noite que você estava na cidade, para a temporada, porém só acreditei a
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duras penas. – Desconfortável, olhou para Sebastian – Havia boatos de um compromisso. Sebastian lançou a Underbrink um rápido e desaprovador olhar. ─ Os rumores estão corretos. O olhar de Edward voltou bruscamente para Prudence. ─ Não estou entendendo. ─ Neste caso, Underbrink – disse Sebastian suavemente –, eu sugiro que comprove, lendo as notícias que serão publicadas nos jornais matutinos. Talvez, sirva para alguma coisa. Edward aproximou as sobrancelhas. ─ Bem, veja, Angelstone, Prudence e eu somos velhos amigos. Eu tenho todo o direito de interessar-me pelo seu compromisso. Você não pode culpar-me por estar surpreso pelo anúncio. Prudence percebeu o frio fogo no fundo dos olhos de Sebastian. Não entendia por que estava se comportando como se estivesse irritado com Edward, mas decidiu que seria melhor evitar um enfrentamento. ─ Como está passando Lady Underbrink esses dias? – perguntou Prudence animadamente. Não havia conhecido a mulher que se casara com Edward, mas pensou que seria suficientemente correto perguntar por ela. Um profundo e iracundo rubor surgiu nas faces de Edward. ─ Está muito bem. – disse rudemente – Escute Prue, estarei na festa dos Handley esta noite. Você irá também? ─ Não, ela não vai à festa dos Handley – disse Sebastian ─, e no futuro, Underbrink, dirija-se a minha noiva por Miss Merryweather. Estou sendo bem claro? Edward endireitou-se rapidamente sobre sua cela. E, seu rubor ficou ainda mais acentuado. ─ Claro que sim. ─ Fico feliz em ver que é capaz de entender algumas coisas simples. É bem melhor assim. – Sebastian estimulou os cavalos a andarem mais rápido – Agora, deve nos desculpar, Underbrink.
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A carruagem negra rolou velozmente pelo amplo caminho, deixando atrás de si Edward. Prudence repirou profundamente, sabia que deveria interpelar Sebastian por sua descortesia, porém não conseguia decidir-se a fazer isto. Logo, percebeu que havia estado tensa durante todo o encontro. Não sabia o que esperava sentir ao ver novamente Lord Underbrink, porém a única emoção que tinha consciência verdadeira era a sensação de alívio. Alívio que não houvesse se casado com ela, no fim das contas. Era difícil acreditar que algum dia tivesse se apaixonado por ele. Sebastian não falou nada durante alguns minutos, parecia totalmente concentrado na condução do veículo. Finalmente, reduziu a velocidade dos cavalos para uma marcha. ─ Como você conheceu Underbrink? – sem inflexão de voz. Prudence ajustou os óculos. ─ Há três anos, passou grande parte do verão em Dorset, ficando com uns amigos que eram nossos vizinhos. Nós nos encontramos em várias ocasiões. Reuniões, encontros para jogar cartas, esse tipo de coisas. ─ O que aconteceu? Prudence deu-lhe uma rápida olhada e a seguir voltou sua atenção para as orelhas dos cavalos. ─ Não muito. Ao final do verão, ele regressou à Londres para comprometer-se com a mulher que a sua família desejava com que ele se casasse. ─ Lucinda Montclair. ─ Sim, acredito que seja esse o seu nome – disse Prudence tranquilamente – Dizem que o pai é muito rico. ─ Ele é. Lucinda também é uma mulher muito rica por direito próprio. ─ Foi o que me fizeram entender – murmurou Prudence. ─ E, uma mulher extremamente ciumenta – adicionou Sebastian – Dizem que Underbrink está sendo tiranizado, segundo informações, a esposa controla o dinheiro. Ele seduziu você, nesse verão em Dorset?
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Prudence quase deixou cair sua bolsa. ─ Santo Deus, milord! Que pergunta! ─ Parece-me uma pergunta muito razoável. ─ É uma pergunta muito irracional – replicou Prudence – Para a sua informação, Lord Underbrink foi um perfeito cavalheiro durante todo o tempo. Não havia nenhuma necessidade de explicar que Edward a beijara em várias ocasiões. Afinal de contas, uma dama tinha direito à sua privacidade. Em todo caso, os beijos de Edward, agora, pareciam claramente enfadonhos se comparados com o abrasador beijo que Sebastian dera-lhe na noite que havia ido à sua casa. ─ Então, quer dizer que Underbrink e você não eram mais que amigos, há três anos? ─ Exatamente. – disse Prudente sucintamente – Não houve nada sério entre nós. Lord Underbrink estava apenas se divertindo no campo, durante este verão. Deveria saber que Underbrink não era o único que procurava divertir-se de forma que poderiam acabar sendo dolorosas para os outros.
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Pouco depois da meia noite, Prudence colocou o gorro de musselina branca e subiu na cama maciça de baldaquim que dominava o quarto de Mrs. Leacock. Usava um prático vestido de lã, ao invés da camisola, e os óculos postos. Não tinha intenção nenhuma de dormir esta noite. Tinha que admitir que estava com dúvidas a respeito da investigação. A ala oeste da mansão Leacock parecia espectralmente silenciosa. Sem dúvida, era um ambiente ideal para um autêntico fantasma. Prudence nem sequer conseguia ouvir os sons normais da rua, como as rodas das carruagens, vigilantes e libertinos bêbados, já que o quarto dava para os grandes e silenciosos jardins Leacock. A ideia de passar a noite no quarto de Mrs. Leacock havia parecido uma excelente ideia a princípio. Se um ou mais dos ambiciosos sobrinhos de Mrs. Leacock estavam planejando algum truque
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sinistro, essa seria a única maneira de agarrá-los. A pobre Mrs. Leacock já sofrera demais. Prudence inclinou-se sobre a cama para abrir a gaveta da mesinha de cabeceira, e procurou até tocar o frio metal da pequena pistola que guardara ali, mais cedo. De alguma maneira mais calma, recostou-se outra vez contra as almofadas e olhou para o pesado baldaquim sobre sua cabeça. Ia ser uma noite muito longa. E, não porque não tivesse o que pensar, disse a si mesma. Ultimamente, sua vida havia dado uma guinada interessante. Contudo, não conseguia acreditar que estivesse noiva de Sebastian. O fato que o compromisso não fosse durar muito tempo, não diminuía em nada o seu entusiasmo. Não poderia esquecer que a relação com Sebastian estava condenada a permanecer amistosa. Afinal de contas, ele era um conde, e sem dúvida ele poderia escolher alguém muito melhor do que ela quando resolvesse casar-se. Ele cumpriria com o seu dever para com o título e a família, tal como havia feito Edward, três anos antes. Todavia, ela também sabia que se sentia terrivelmente atraída pelo Anjo Caído. A sensação de profundo reconhecimento que experimentava quando estava com ele era assombrosa, pela sua intensidade. Também era infinitamente mais sedutora que os sentimentos menos profundos que experimentou com Edward. Prudence pensou que não tardaria a se apaixonar por Sebastian, na realidade, suspeitava que já estivesse enamorada dele. Prudence enrugou as sobrancelhas e ajustou o pesado cobertor. Ela não deveria permitir-se esses sonhos românticos, impossíveis e estúpidos acerca de Sebastian. Em troca, contentar-se-ia em saborear os prazeres de uma relação intelectual com o único homem que havia conhecido que entendia, e compartilhava os seus interesses. Subitamente otimista, pensou que se tivesse sorte, essa relação intelectual poderia continuar existindo, inclusive, depois que fosse obrigada a regressar a Dorset. Talvez pudessem manter uma relação por correspondência. Sebastian poderia mantê-
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la informada sobre suas investigações. Talvez, estivesse interessado em pedir-lhe conselhos sobre vários assuntos. Prudence contar-lhe-ia sobre as suas investigações dos fenômenos espectrais. Sim, uma correspondência poderia ser possível. Ao menos até que começasse a procurar uma esposa. Prudence sentiu-se imediatamente abatida. Era muito provável que Sebastian encontrasse uma esposa rapidamente. Afinal de contas, tinha certa responsabilidade. Um pequeno golpe seco arrancou bruscamente Prudence de seu sonho. O leve ruído fez com que uma sensação de alarme percorresse todo o seu corpo. Sentou-se erguida contra as almofadas e se esforçou para ouvir. A ideia de enfrentar sozinha um fantasma, a princípio pareceu-lhe mais ameaçadora, do que antes. Se tivesse razão acerca de suas suspeitas sobre os sobrinhos de Mrs. Leacock, poderia estar em perigo. Prudence desejou que Sebastian estivesse ali com ela, pois seria um ajudante muito competente nessa fase da investigação. Esquadrinhou a escuridão procurando pela luz da vela embaixo da porta que conectava o quarto de Mrs. Leacock, no ambiente vizinho. Mrs. Leacock havia dito que o fantasma segurava uma vela. Outra batida surda fez com que o pulso de Prudence batesse ainda mais veloz. Aproximou-se da pistola dentro da gaveta, e ficou gelada quando vislumbrou a sombra escura de um homem de pé no parapeito da janela. O pânico tomou conta dela, pois ninguém havia dito que o fantasma entrava por ali. A Janela abriu-se violentamente, e o ar frio percorreu o ambiente. Prudence conseguiu encontrar a voz. ─ Quem está aí? – abriu a gaveta num só movimento e agarrou a pistola. A figura encapuzada que estava do lado de fora, sobre o parapeito, deu um passo para o interior do quarto. ─ Nem mais um passo, seja você quem for! – Prudence afastou as cobertas, e saltou da cama empunhando a pistola com ambas as mãos.
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─ Peço-lhe que não use a pistola, minha querida – disse Sebastian calmamente – Imagine os boatos que surgirão se você matar o seu noivo, um dia depois do anúncio do seu compromisso.
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Capítulo 6
─ Permita-me cumprimentar-lhe por sua encantadora roupa de dormir. ─ Sebastian observou o familiar vestido de lã e capa de musselina que Prudence usava por cima – Deveria saber que a sua escolha sobre essas roupas seria espetacularmente insólita. ─ O que você pensa estar fazendo, senhor? – Prudence desceu lentamente a pistola. O luar que se derramava pelas janelas brilhava nas lentes de seus óculos e revelou a tensão de Prudence. – Você me deu um susto terrível. Eu poderia ter disparado. ─ Essa foi por pouco, não é mesmo? Realmente a minha vida parece estar cheia de emoções esses dias. Primeiro, Thornbridge tenta matar-me e em seguida minha noiva aponta para meus órgãos vitais. Não tenho certeza de quantos encontros como esses os meus nervos poderão aguentar. Prudence olhou para ele irritada. ─ Eu lhe fiz uma pergunta, milord. ─ É verdade. – Sebastian olhou em volta, pelo quarto às escuras e observou os pesados e escuros móveis e a maciça cama. – A resposta é que vim aqui, esta noite, para outorgá-la com o benefício da minha experiência. ─ E, diga-me, por favor, o que quer dizer com isso? Sebastian deu um breve sorriso, diante do tom perspicaz da voz. ─ Não é óbvio? – Tirou a capa dos ombros e jogou-a sobre uma cadeira. Por baixo, usava apenas a camisa e a calça. Havia decidido que a gravata e paletó, não seriam apropriados para essa ocasião. – Estou aqui para ajudá-la a investigar o seu mais recente caso de fenômenos espectrais. ─ Não necessito da sua ajuda, milord. Pensei que esta tarde havíamos concordado que não trabalharíamos juntos, em nossos casos. ─ Com respeito a isso, – disse Sebastian naturalmente – eu reconsiderei a situação.
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─ Verdade? – A pálida luz iluminava o olhar esperançoso no rosto expressivo de Prudence – mas, que notícia maravilhosa! ─ Não que houvesse muita escolha sobre o assunto – murmurou Sebastian. ─Como disse? ─ Não falei nada. – Mais tarde teria tempo suficiente para explicar-lhe em detalhes como funcionaria a nova sociedade. Na realidade, era muito simples, Sebastian tinha toda intenção de supervisionar as investigações mais perigosas de Prudence, porém não iria permitir-lhe a arriscar a vida, ajudando-o em seus casos. Prudence deixou a pistola sobre a mesa auxiliar. ─ Como me encontrou neste quarto? Sebastian encolheu os ombros. ─ Esperei que se apagasse a última luz desta ala. ─ Muito inteligente de sua parte. – Prudence foi até a janela e olhou para os jardins. – Céus, mas é uma altura enorme. Como conseguiu subir pelas paredes? ─ Não subi pelas paredes. Entrei na casa pela cozinha e subi as escadas até esse andar. A seguir abri a janela de um quarto vazio e descobri um apoio muito conveniente do lado de fora. Guiou-me diretamente até este quarto. ─ Um excelente “approach” do problema, milord. ─ Não foi nada, realmente. Um assunto de simples lógica e raciocínio. – disse Sebastian modestamente. ─ Claro que sim, mas duvido muito que alguém houvesse pensado nisto. ─ É bem possível que não. – Admitiu feliz, diante da admiração de Prudence. Mas, Sebastian percebeu que embora não se importasse em absoluto com a opinião de ninguém desde que seus pais e seu irmão haviam morrido, ultimamente encontrava-se cada vez mais faminto pela aprovação de Prudence. Era a única mulher que conhecia capaz de apreciar seus interesses e talentos peculiares. Perguntou-se se ela fazia ideia do quanto desejava levá-la para a cama. Observou Prudence de pé, próxima à janela e pensou na possibilidade de estar ficando louco. Nenhuma mulher havia tido tal efeito sobre ele. Quando estava com
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ela, a gelada barreira em seu interior parecia muito menor e distante. Quase podia esquecê-la e esquecer também o vazio que ocultava. Nesse momento, Prudence virou a cabeça para olhar para ele. O fraco luar caiu sobre suas feições e revelou seu sorriso resplandecente. O desejo percorreu Sebastian como uma onda enorme, e o deixou trêmulo. Durante os últimos dias ficara dolorosamente claro que o apetite sensual que Prudence despertara nele, na primeira noite, não era uma fantasia passageira. Também, era igualmente claro e profundamente irritante dar-se conta de que o interesse de Prudence por ele parecia estar inspirado primordialmente em seu passatempo. Outra vez, se perguntou quanto havia significado Underbrink para ela. Havia se torturado com essa pergunta desde que regressou do passeio pelo parque, nesta tarde. ─ Bem, já que está aqui, devemos fazer alguns planos. – Prudence olhou pensativamente para o armário – Devemos descobrir uma forma de escondê-lo, caso apareça algum espectro. ─ Pode esquecer o armário! – disse Sebastian – Não tenho nenhuma intenção de passar o resto da noite aí. ─ Então, onde você pretende se esconder? Embaixo da cama? Sebastian blasfemou em voz baixa. ─ Não creio que seja necessário esconder-me, até que tenhamos alguma indicação de que o fantasma está a ponto de fazer a sua aparição. ─ Porém, se o espectro for um dos sobrinhos de Mrs. Leacock, não vamos querer que ele saiba que você está aqui. Não podemos acender uma vela e devemos ser muito silenciosos. Sebastian levantou as sobrancelhas. ─ Asseguro-lhe que posso ser extremamente silencioso, e há luz suficiente do luar, portanto, não precisaremos acender uma vela. Pelo menos dessa vez, não temos essa maldita névoa, embora eu suspeite que ela vá voltar quando amanhecer. Agora, a nossa única preocupação será como passaremos o tempo até que o nosso fantasma decida a aparecer.
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Prudence olhou para ele ansiosa. ─ Provavelmente não devêssemos conversar, pois poderíamos ser ouvidos. ─ Estou de acordo. – Sebastian caminhou na direção dela. ─ Suponho que poderíamos jogar uma rodada de whist, ─ sugeriu Prudence ─, mas, por infelicidade, não tenho cartas aqui. ─ Então, teremos que pensar em alguma outra coisa para nos divertir. Sebastian tomou seu queixo entre o polegar e o indicador, e levantou seu rosto suavemente para poder ver seus olhos com maior clareza. Prudence ficou quieta, como se o tato da mão fizesse com que caísse em aturdida imobilidade. Ele ergueu o rosto para ele com o olhar enorme, contendo curiosidade e cautela. ─ Milord? – suspirou sem fôlego. ─ Há algo que eu quero saber, Prue. Prudence abriu ligeiramente os lábios. A ponta da língua tocando a comissura da boca. ─ O que é? ─ Você acha que seria possível descobrir algo mais para sugerir, além do meu pequeno e divertido passatempo? ─ O que está querendo dizer? ─ Permita-me demonstrar-lhe. – Disse suavemente. Sebastian inclinou a cabeça e roçou lentamente os lábios com sua boca. Prudence fez um som baixinho e inarticulado, que o cativou completamente. Aprofundou o beijo deliberadamente e percorreu a magnífica linha do rosto com o polegar. Um delicado tremor sacudiu Prudence, e Sebastian sentiu no mesmo instante. O alívio e a satisfação fluíram nela, disse a si mesmo que poderia fazer o que desejara. Prudence gemeu suavemente quando Sebastian separou seus lábios ainda mais. Sebastian sentiu que Prudence movia primeiramente as mãos até os seus ombros. A seguir, deslocou seus braços até o seu pescoço e apertou-se mais contra ele, que sentiu seu desejo aumentar. Agora, mal conseguia sentir o frio, pois havia sido temporariamente desterrado pelo fogo de sua necessidade por Prudence.
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Prudence ofegou quando Sebastian libertou, temporariamente, a sua boca para explorar seu pescoço macio. ─ Sebastian, eu não sei se esta é uma ideia sensata. ─ Confie em mim, Prue. ─ É claro que confio em você – disse rapidamente. ─ Isso é bom. – Ele deslizou a mão pelas costas e deliberadamente a incitou para mais perto, até que seus seios macios fossem esmagados contra seu peito, e a doce curva de seu monte pressionasse seu pênis. Seu corpo já estava tenso e pleno pela excitação. ─ Sebastian você faz com que eu me sinta muito estranha. Prudence acariciou sua nuca docemente. A carícia fez com que um calafrio de antecipação percorresse Sebastian. Prudence ficou na ponta dos pés e entrelaçou os dedos no cabelo de Sebastian. E, a seguir começou a devolver-lhe os beijos com ingênua paixão. Era claro que não tinha aprendido muito com Underbrink, pensou Sebastian com profunda satisfação, e seu sangue corria em suas veias como raios poderosos. Lá se foram todos os pensamentos sobre a armadilha para o fantasma. Poderia lidar com um espectro ou dois, se eles aparecessem naquela noite. Enquanto isso havia coisa muito mais importante. Faria amor com Prudence, que, embora ainda não soubesse, em breve seria sua esposa. ─ Sebastian? ─ Está tudo bem, querida. – Aproximou-se da cama – Tudo está indo muito bem. ─ Não consigo pensar claramente quando você está me beijando – queixou-se ela. ─ Eu tampouco. – Sebastian sorriu – A nossa sorte é que não existe necessidade de se pensar claramente em um momento como este. – Tirou os óculos dela suavemente e os deixou sobre a mesinha de cabeceira. Prudence olhou para ele ansiosa, como se ele tivesse tirado um véu e a tivesse deixado completamente nua. Uma dolorosa ternura crescia dentro de Sebastian.
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─ Você é encantadora. – sussurrou. Os olhos de Prudence se abriram de surpresa. ─ Você realmente acha isso? ─ Sim, é verdade. – Pegou o lóbulo de orelha entre os dentes e mordeu suavemente. – E, eu desejo muito você. ─ Você me deseja? – Agora parecia atordoada, como se sua pequena mente, extraordinariamente inteligente, de repente se encontrasse diante de um dilema verdadeiramente desconcertante. – Não consigo entender o que você quer dizer. ─ Você vai entender em seguida. Deus sabe que não vou conseguir ocultar por mais tempo. Você não tem ideia do efeito que causa em mim, não é mesmo? O sorriso de Prudence era trêmulo. ─ Se o meu efeito sobre você é parecido ao efeito de você sobre mim, então enfrentamos um problema muito inesperado. Não tenho certeza do que fazer em seguida. ─ Acontece que eu sei exatamente o que fazer a seguir. Sebastian baixou a cabeça e a beijou outra vez. Prudence rodeou seu pescoço com os braços, e quando Sebastian sentiu que ela se recostava contra ele em um silencioso sinal de feminino abandono, deslizou lentamente a ponta da bota entre os pés de Prudence. Prudence ficou sem fôlego, porém não protestou quando Sebastian empurrou suavemente a coxa entre suas pernas. A saia de seu vestido escorregou quando Sebastian levantou seu joelho e colocou o pé na cama, atrás de Prudence. Prudence deu um pequeno grito abafado quando ela, de repente, se viu montada coxa Sebastian, como se estivesse sentado em um cavalo. ─ Sebastian, Santo Deus. – Agarrou a ele diante comoção. ─ Calma querida. Não devemos fazer muito barulho. Nós não queremos assustar o fantasma. Sebastian grunhiu quando sentiu o íntimo calor da suave feminilidade de Prudence que ele sentia através de suas calças. Não apenas calor, pensou triunfante, mas uma umidade reveladora. Ele sentiu o fraco e delicioso perfume da excitação crescente de Prudence e esteve muito perto de perder o controle.
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─ Minha adorável Prudence – disse com admiração reverente – Onde você estava todos esses anos? ─ Em Dorset. – disse seriamente. Sebastian ocultou o sorriso entre o cabelo de Prudence. Deslizou uma das mãos mais para cima, ao longo da perna coberta por meias, e tocou-a na parte superior da sedosa e desnuda coxa. Prudence recuou, e depois respirou profundamente. ─ Por alguma razão, – disse Sebastian – sinto que conheço você muito bem. É como se você e eu fossemos velhos amigos, ou talvez amantes. ─ Que estranho! – Agora, a voz de Prudence era sonhadora, suave e cálida. Rouca de desejo. – Estava pensando exatamente a mesma coisa, antes de você chegar. É como se fossemos amigos íntimos há muitos anos, mesmo nos conhecendo há pouco tempo. ─ E, vamos nos conhecer ainda mais, antes que essa noite termine – prometeu Sebastian. Não podia esperar mais. Prudence o desejava, e ele a ela, estavam noivos, portanto, tudo era muito simples e honesto. Sebastian desceu sua bota, baixando Prudence lentamente sobre os dedos dos pés. Antes que estes tocassem o chão, ele foi empurrando-a de volta para a cama. Ele prendeu a respiração ao vê-la deitada, lá em meio aos lençóis brancos amarrotados. Suas saias como espuma, acima dos joelhos, revelando as ligas que seguraram as práticas meias de algodão. A curva de sua panturrilha era muito elegante, afilando-se delicadamente até chegar ao tornozelo. Acima das ligas, suas coxas eram lindamente arredondadas. Olhando fixamente para as pernas de Prudence, Sebastian imaginou-as em torno de sua cintura. Ouviu a si mesmo lançando um ruído rouco e inarticulado do fundo de sua garganta. ─ Tem alguma coisa errada? – Prudence olhava para ele com preocupação. ─ Não, não tem nada errado. Nunca estive tão bem. – Sebastian rasgou os fechos de sua camisa. Ouviu o lamento do fino linho, mas não prestou atenção. Tudo o que importava agora, era fazer amor com Prudence.
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Ele estava com a camisa aberta, mas não teve tempo de tirá-la completamente. Ele estava impaciente para sentir os dedos de Prudence sobre sua pele nua. Ele sentou-se na beira da cama e arrancou suas botas. ─ Você parece estar com muita pressa, Sebastian. ─ Eu estou. Apenas com suas calças, ele se abaixou ao lado de Prue e a tomou em seus braços. ─ Toque-me. – disse. Tomou a mão de Prudence entre as suas e a guiou para dentro da camisa aberta. – Eu quero sentir as suas mãos sobre mim. ─ Sim. Sim, eu também gostaria muito. – Prudence deu uma débil e diminuta exclamação de prazer, enquanto percorria o peito desnudo com os dedos. Pegou com ansiedade um pouco do pelo ondulado e espesso que encontrou ali, fazendo com Sebastian ficasse sem ar. Prudence elevou o olhar para ele. ─ Eu amo sentir você. Há tanta força e poder em você. A primeira vez que o vi, eu pensei que você era a criatura mais maravilhosa que eu jamais havia visto. Sebastian ficou estarrecido e temporariamente sem fala, diante do doce e honesto desejo naqueles olhos iluminados pela lua. Percebeu que não havia nenhum fingimento nela, nenhum artifício, em absoluto. Empurrou sua coxa entre as de Prudence, inclinou a cabeça e beijou-lhe a garganta, pois não conseguia falar. ─ Você não vai se arrepender disso, Prue. Juro-lhe por minha honra. Os lábios de Prudence roçaram seu ombro. ─ Não espero lamentar por nada que você faça comigo. Como eu poderia? É tudo muito maravilhoso para colocar em palavras. ─ Prue, você me deixa sem fôlego. – Sebastian a trouxe consigo e começou a desabotoar a fileira de botões que fechavam as costas do vestido. O processo pareceu levar uma eternidade. Tantos malditos botões. ─ Mas que inferno. – Reclamou, atrapalhando-se com o último dos botões. Logo, sentiu-se mortificado diante de suas falta de controle. ─ Está tudo bem, Sebastian?
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─ Estou bem. – Mas, pensou que isso não era verdade, enquanto descia lentamente o corpete do vestido, expondo os pequenos e firmes seios. Estava longe de sentir-se bem. As mãos tremiam, sentia-se consumido pela febre, a parte inferior de seu corpo latejava, sua cabeça rodava diante da força de sua necessidade. Não, sem dúvida nenhuma não estava bem. Contudo, isso, também estava bem. Ele não se sentia tão completamente bem a mais tempo do que conseguia lembrar. ─ Sebastian? Ele olhou para os seios extraordinariamente curvados. Ele realmente estava ficando louco. ─ Meu Deus, você é perfeita Prue. – Inclinou a cabeça e tomou um pequeno e firme mamilo entre os dentes. ─ Oh! – Apertou os dedos entre os cabelos de Sebastian e seu corpo arqueouse como se tocado por uma máquina de eletricidade. A reação instantânea de Prudence com as carícias levou Sebastian ao limite de seu controle. Estendeu a mão e subiu a bainha de sua saia. Acariciou suas coxas até que Prudence tremesse. Em seguida, procurou mais acima em busca do úmido calor que sabia estar esperando por ele. Só por ele. Só para ele. E, o encontrou. ─ Sebastian. – Prudence estremeceu e tentou fechar as pernas contra ele. Sebastian sentiu que o movimento era instintivo, uma reação natural diante de uma carícia desconhecida. ─ Está tudo bem. – sussurrou-lhe de maneira estimulante. – Eu quero sentir seus lugares secretos. Eu quero conhecer você tão intimamente como um homem pode conhecer uma mulher. ─ Sim, mas isto é muito estranho. – Sua voz soava abafada contra a camisa dele. ─ Você é uma mulher que aprecia investigações estranhas e incomuns. – Recordou-lhe. Com doçura, obrigou-a a separar outra vez as coxas e encontrou as dobras suaves escondidas entre pelos ainda mais suaves.
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─ Sim, eu sei, mas... Oh! Santo Deus! Oh, meu Deus! Sebastian, o que você está fazendo? Estava tão ardente e úmida como sabia que estaria. Sebastian afundou um dedo profundamente em seu liso e estreito canal. A pequena passagem se fechou ao redor dele como uma luva bem feita. A sensação era indescritível. Temia que pudesse se humilhar derramando suas sementes nesse mesmo instante. ─ Eu não sabia que fazer amor era assim. – confidenciou Prudence sem fôlego. ─ Nem eu. Imediatamente, seu próprio e latente desejo não era tão importante quanto a necessidade dar a Prudence o primeiro e verdadeiro sabor da paixão. Desejava que ela experimentasse a emoção da liberação e saber que ele havia sido o responsável por essa liberação. Mais tarde haveria tempo de sobra para satisfazer-se também. Tinham a noite toda. Sebastian deslizou o dedo para fora de Prudence até que sentiu o aperto da frustração. Procurou pelo botão sensível com o polegar e lentamente empurrou seu dedo de volta para dentro da passagem maravilhosamente quente. Prudence emitiu um diminuto som que estava entre um grito e um gemido. Sebastian cobriu a boca com a sua e deliberadamente repetiu a carícia entre as suas pernas. Lançou mais um grito abafado e agarrou-se com força no tecido de sua camisa. Seus joelhos voltaram a fechar-se com firmeza e prendeu a mão contra ela. ─ Você precisa relaxar um pouquinho. – Sebastian deixou cair uma série de suaves e persuasivos beijos sobre seus seios. – Abra as pernas para mim. Sim, assim, minha querida. Deixe-me entrar, Prue. Dentro, bem fundo. – Sentiu que ela hesitava, mas em seguida separou novamente as coxas lentamente. – Você está tão quente – sussurrou – Quero sentir o seu calor. Preciso senti-lo. Acariciou Prudence uma e outra vez e gradualmente foi aumentando a amplitude até pensar que poderia deslizar um segundo dedo para seu interior. Começou a fazê-lo, porém a reação de Prudence foi imediata e intensa. Ficou rígida, separou os lábios em um suave e silencioso grito e a seguir começou a vibrar.
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Sebastian sentiu os pequenos calafrios que a percorriam, e o momento da liberação foi muito mais gratificante que qualquer outra coisa que havia experimentado na vida. Levantou a cabeça e observou o rosto de Prudence enquanto estava entregue ao orgasmo. ─ Maravilhoso. – sussurrou. E, então ela caiu enfraquecida contra ele. Resmungou algo contra a sua camisa, que Sebastian não conseguiu entender. Ele sorriu e relutantemente retirou a mão de entre suas pernas. Agora, era a sua vez. Inalou a essência de Prudence e começou a despir suas calças. Estava tão excitado que duvidava que pudesse durar mais que algumas poucas carícias. Diabos, pensou, teria sorte se durasse o tempo suficiente para estar dentro dela. O tênue ruído metálico de uma corrente rompeu o feitiço. Sebastian sentiu como se houvessem jogado um balde de água fria, ficou completamente imóvel e sentiu a tensão de Prudence. ─ O fantasma. – sussurrou Prudence. ─ Maldito seja! – Sebastian sacudiu a cabeça tentando esquecer as teias da paixão. Apalpou torpemente a abertura das calças e tentou fechá-la. – Se isto é um exemplo da péssima habilidade para escolher o momento errado, que este espectro demonstrou quando estava vivo, não estranho que alguém o matasse. O pesado ruído pesado metálico voltou a ser ouvido. Agora estava mais perto e ecoava através das paredes. Um grave gemido atravessou a porta que conectava os dois quartos. ─ Lydia. Lydia, estou aqui por sua causa. ─ Desgraçado. – Sebastian deu um salto e levantou-se da cama. ─ O que você está fazendo? – disse Prudence baixinho, enquanto lutava para esticar suas roupas. ─ Eu vou me encarregar desse fantasma. – Sebastian jogou a roupa de cama por cima de sua cabeça. – Não se mova e não faça nenhum ruído.
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Deixou-a ali, encostada, um interessante vulto em baixo do edredom, e se dirigiu rapidamente até a janela do quarto. Com um puxão, uniu as pesadas cortinas obstruindo a passagem da luz do luar. O quarto estava submerso em uma escuridão tenebrosa. ─ Lydia, onde você está? Chegou a sua hora. Esperei muito para que você me faça companhia em meu túmulo. As correntes retumbaram mais uma vez nas tábuas do assoalho do outro quarto. Do seu vantajoso ponto de observação, perto do armário, Sebastian observou a fresta sob a porta. A luz da vela estava visível. A porta abriu-se lentamente e a seguir o ruído metálico ficou mais forte. Uma figura alarmante entrou no quarto com passos lentos e pesados. Todavia, Sebastian retrocedeu mais um pouco para a sombra escura projetada pelo grande armário e observou com interesse a aparição que ia em direção da cama, com o ruído metálico. A vela revelou um rosto espantosamente marcado por cicatrizes e parcialmente escondido pelo capuz da capa. Havia um extenso ferimento aberto, na garganta do espectro. A vela era sustentada por uma mão enluvada, e a outra mão estava oculta pelas pregas da capa. As correntes pareciam estar presas ao tornozelo do fantasma. Ele se dirigia inexoravelmente para a cama. ─ Lydia. Lydia. Onde está você? Sebastian deu um passo adiante, porém, antes que pudesse alcançar a aparição, Prudence jogou para o lado as roupas de cama e sentou-se, segurando a pistola em sua mão. ─ Pare onde está, ou meto-lhe uma bala no corpo. – anunciou. ─ Mas que diabos? – grasnou o fantasma – Você não é a Tia Lydia. ─ Indubitavelmente que não. E, você não é nenhum fantasma. – Prudence saiu com dificuldade da cama, com cuidado em seguir apontando com a pistola o fantasma. – E, este assunto lamentável já foi longe demais. – Ajustou torpemente os óculos e conseguiu mantê-los sobre o nariz. – Você deveria se envergonhar.
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─ Deus, quem diabos está pensando que é? Eu vou ensiná-la a não se intrometer nos meus assuntos. O intruso tirou a mão das pregas de sua capa e mostrou uma grande adaga. Com determinação, deu a volta na cama, com a arma no ar. ─ Detenha-se ou disparo. – Prudence deu um passo para trás. ─ Não acho que seja provável – disse o fantasma – As damas não sabem usar a pistola. Sebastian lançou-se sobre o fantasma que esgrimia a adaga, agarrou-o pelo ombro, puxou o capuz de seu manto sobre os olhos e o fez girar. A vela saiu voando. ─ Que diabos? – O fantasma lutava para achar o lado do capuz da capa, que o impedia de enxergar. Sebastian não lhe deu oportunidade de levantar o capuz. Não poderia arriscar que o fantasma o visse e o reconhecesse, pois haveria muitas coisas a serem explicadas. Sebastian tirou a adaga com uma das mãos, a seguir golpeou a mandíbula do fantasma, que era visível por baixo do capuz. O intruso retrocedeu, bateu com a cabeça contra o poste da cama e caiu inconsciente no chão. ─Muito bem, milord. – exclamou Prudence, enquanto se apressava a levantar a vela, antes que pudesse chamuscar o tapete. – E, bem a tempo. Creio que ele tinha a intenção de usar essa adaga em mim. Sebastian permaneceu de pé sobre a vítima, olhando fixamente. A fúria diante do perigo que Prudence havia corrido se mesclava com o alívio que estava a salvo. ─ Sua pequena tonta. Você tem noção do que poderia ter acontecido? Prudence piscou surpresa. ─Bem, foi um pouco perto, concordo. Sabe, na verdade, eu não queria ter que atirar. Confesso que nunca disparei uma pistola, e minha pontaria talvez não fosse tão boa. ─ Um pouco perto? – repetiu com ultrajada incredulidade. Deu a volta no corpo caído do fantasma e ergueu-se ameaçadoramente sobre Prudence. – Ele poderia
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ter aberto a sua garganta com essa adaga. Poderia tê-la matado, sua pequena idiota cabeça oca. Prudence começou a franzir o semblante. ─ Realmente, Sebastian, não há necessidade de gritar. ─ Eu não estou gritando. Mas, estou pensando seriamente em colocá-la sobre meus joelhos e dar-lhe umas palmadas com tanta força, para que você não possa sentar-se sobre um cavalo durante uma semana. Quase conseguiu que a matassem esta noite. ─ Eu tinha a minha pistola. ─ Você tem ideia do quanto na realidade é difícil derrubar um homem com uma pistola pequena como esta? Já vi homens que continuaram andando com duas balas em suas entranhas. Eu os vi seguir e matar outros homens antes de desmaiarem. Prudence cravou seus olhos nele. ─ Onde você viu tais coisas, milord? ─ Não importa. – Não era o momento de descrever os horrores da caça aos bandidos nas montanhas do Saragstão. – Mas, acredite em mim, quando lhe digo que uma bala nem sempre faz um homem cair. ─ Bem, veja Sebastian, esta investigação é minha e eu estava completamente preparada para encarregar-me dela. Não lhe pedi ajuda. ─ Não, não pediu. – reconheceu entre os dentes. – Em troca, você escolheu arriscar o seu pescoço. ─ E, daí? – Devolveu, igualmente ultrajada. – Isto é problema meu não seu. ─ É claro que é problema meu, Miss Merryweather. Acontece que você está comprometida comigo. ─ Sim, bem, isso pode ser resolvido em seguida. ─ Maldição, mulher! O homem caído no chão gemeu e Sebastian olhou para ele irritado e mal humorado diante da interrupção. ─ Oh, Deus, acho que ele vai despertar a qualquer momento – disse Prudence. Segurou a vela sobre o fantasma caído – Parece que está usando uma máscara.
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─ Passe-me esta vela. – Sebastian percebeu que havia assuntos para serem resolvidos antes que pudesse continuar com o castigo de Prudence. Manteve a sua irritação sob controle e sustentou a vela que Prudence lhe entregou obedientemente. Ajoelhou próximo ao homem inconsciente, tentou e encontrou a borda da máscara. Com apenas um movimento a tirou e descobriu um rosto desconhecido. ─ Você o conhece? – perguntou Prudence. ─ Não, mas apostaria que é um dos infames sobrinhos de Mrs. Leacock. ─ É muito provável. – Prudence alcançou a corda da campainha. – Vou pedir ajuda imediatamente. Mrs. Leacock tem vários lacaios muito fortes. Podem se encarregar de nosso fantasma até que o magistrado chegue. É melhor que você saia agora. ─ Como você pensa em explicar que este maldito fantasma esteja inconsciente? – perguntou. Prudence pensou por um momento. ─ Direi que ele tropeçou e caiu quando se lançou para cima de mim. Bateu com a cabeça contra o poste da cama e perdeu a consciência. Quem irá me contradizer? ─ Suponho que funcione. – disse Sebastian relutantemente – De acordo com minha experiência, as pessoas que ficam inconscientes por algum tempo, devido a um golpe, poucas vezes recordam o que aconteceu antes do incidente. Provavelmente, acreditará que tropeçou e caiu, se é isso o que você vai dizer. ─ É exatamente isso o que irei dizer. Agora, saia, milord. Ele lançou-lhe um olhar de desgosto, sabendo perfeitamente bem que ela tinha razão. Pelo bem de Prudence, não poderia permitir que Mrs. Leacock e o seu pessoal o descobrissem. O armafanhado estado da cama, o desalinhado aspecto de Prudence e a sua seminudez levariam todos à óbvia conclusão de que estivera fazendo amos com sua noiva. Ele ser descoberto dessa forma com Prue não seria um completo desastre. A sociedade piscaria um olho e se faria de cega. Afinal de contas, o casal já havia declarado a sua intenção de casar-se. Contudo, havia alguns limites. A sociedade
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esperava que os deveres românticos acontecessem com alguma discrição. Serem apanhados juntos nessa situação, sem dúvida nenhuma seria necessário uma licença especial. Uma licença especial. Sebastian se deteve diante dessa ideia interessante. ─ Então, milord? Não é melhor que saia agora? – Prudence entregou-lhe a camisa. – Por favor, não se esqueça das botas. ─ Tem toda razão, minha querida. – Sorriu Sebastian sombriamente – Devo colocar-me a caminho, pois sua reputação já está por um fio, não é mesmo? ─ Mas, não é a minha reputação que me preocupa – disse acidamente, ─ é a sua! Essa mulher nunca deixava de surpreendê-lo. ─ A minha? Por que, em nome de Deus, você está preocupada com a minha reputação? ─ É você quem tem mais a perder, não é verdade? – perguntou com carinho – As pessoas já encontram prazer em enxergar a sua reputação da pior maneira. Não tenho desejo de provocar a sociedade com um episódio como este. Sebastian estava surpreso, pois nunca ninguém havia se preocupado com a sua reputação. Levou um minuto para encontrar uma resposta. ─ Posso assegurar-lhe que não me importo nem um pouco com o que a sociedade pensa de mim. ─ Bem, mas importa para mim. E, mais, tenho certeza que não há necessidade de dizer que se nos encontrarem juntos em uma situação tão delicada como esta, você será obrigado a casar-se comigo. E, eu já o incomodei demais. Eu não gostaria de vêlo atado irremediavelmente a um casamento, que sem dúvida nenhuma não deseja. Sebastian pigarreou. ─ Bem, com respeito a isso, Prue, eu estive pensando... ─ Rápido, eu ouvi passos no corredor. Sebastian enrugou a testa, pois também ouvira. Os fiéis lacaios de Mrs. Leacock estavam se apressando em obedecer ao chamado da campainha. Olhou para o rosto alarmado de Prudence e blasfemou em silêncio. Era muito claro que não tinha aparência de uma dama que desejava perdidamente casar-se de imediato.
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Teria que dar-lhe mais tempo, pensando que ainda não havia terminado com esse louco galanteio. Sebastian pegou as botas, girou o sobretudo sobre os ombros e dirigiu-se relutantemente para a janela, abriu-a e saiu pelo parapeito. Ali se deteve e olhou para trás, para Prudence. Estava docemente séria e tinha o olhar ansioso, enquanto observava como ele se afastava. Lembrou como havia vibrado em seus braços, e prometeu-se que a próxima que ela vibrasse estaria profundamente enterrado dentro dela. ─ Boa noite, Prue. ─ Boa noite, Sebastian. – O sorriso brilhava a luz da vela – E, muito obrigada por sua ajuda esta noite. Espero poder ajudá-lo a resolver o seu próximo caso. Eu sabia que seríamos uma excelente equipe. Enquanto caminhava pelo aparador da janela, Sebastian refletia que a vida com Prue ia ser enlouquecedora, exasperante, e por alguns momentos, inquietante, contudo, sem dúvida nenhuma, não seria aborrecida. Nem fria.
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Capítulo 7
Whistlecroft espirrou em um lenço sujo, assuou o nariz bulboso vermelho e se inclinou sobre a mesa de madeira. Baixou a voz para um sussurro áspero e gutural. ─ Você sabe que Lord Ringcross quebrou o pescoço em uma festa particular em Curling Castle? ─ Fiquei sabendo da notícia. – Sebastian recuou em um para evitar o hálito detestável de Whistlecroft – A história circulou por toda cidade há alguns dias. O idiota se embebedou e caiu de um dos quartos da torre. O que sabe disso? Sebastian não havia conhecido muito bem Ringcross, porém, em particular, não tinha gostado muito do que soube dele. Ringcross tinha fama de frequentar bordeis que ofereciam jovens inocentes de ambos os sexos. Poucas pessoas lamentaram a sua morte, quando a notícia do falecimento circulou pelo mundinho social. ─ Bem, milord, acontece que tem um cavalheiro que quer que a morte de Ringcross seja investigada. – Whistlecroft levantou a jarra de cerveja e olhou para Sebastian com expectativa. – Eu pensei que o caso poderia interessá-lo. ─ Por quê? ─ Por quê? – As fartas sobrancelhas de Whistlecroft levantaram-se pela surpresa. – Porque talvez estejamos falando de assassinato, senhor, por isso. Há muitos meses que não temos oportunidade de investigar um assassinato. Geralmente, temos investigado assuntos de chantagem, roubos e raramente algum caso de desfalque. ─ Estou consciente disso. – Os curiosos casos referentes a assassinatos eram pouco frequentes em seu ambiente. Os membros da sociedade educada conseguiam serem mortos, era verdade. Mas, os culpados eram frequentemente bandidos, duelistas rivais ou em outras ocasiões, um esposo ultrajado. Tais casos poucas vezes representavam um mistério interessante para Sebastian.
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─ Eu acredito que vai achar esse caso muito fascinante, milord – disse Whistlecroft persuasivamente ─ É um verdadeiro quebra cabeças. ─ Quem diabos o contratou para investigar a morte de Ringcross? Não posso imaginar alguém que se importaria com isso. O mundo conseguiu se livrar dele. Whistlecroft encolheu os seus ombros maciços e pareceu importante. ─ Eu temo que neste caso, a identidade do meu cliente deva permanecer confidencial. ─ Então, você deve encontrar outra pessoa para ajudá-lo a investigar. – Sebastian fez menção de levantar-se, Whistlecroft baixou a jarra alarmado. ─ Espere milord. Preciso de sua ajuda com esse caso, há uma gorda recompensa em jogo. ─ Então, investigue o assunto você mesmo. ─ Seja razoável – Choramingou Whistlecroft – Se, Ringcross foi assassinado, o executor foi alguém do seu mundo, não um assaltante qualquer das ruas. Um mensageiro como eu não chegará nem perto investigando entre os ricaços. Você sabe tão bem quanto eu. ─ Whistlecroft, a questão é que não me importo nem um pouco com a partida recente de Ringcross, desta terra. Certamente, foi um acidente. Mas, se descobrirem que alguém o empurrou, é um assunto de pouca importância para mim. Pelo que me diz respeito, o assassino fez um favor ao mundo. ─ O meu cliente só quer saber o que aconteceu. – Whistlecroft tirou o paninho encardido e soou o nariz novamente. – Ele está muito ansioso. ─ Por que estaria ansioso? ─ Eu não sei. – Whistlecroft aproximou-se outra vez. – Não quis me dizer. Mas, se você me perguntar, direi que é medo que a mesma coisa que aconteceu com Ringcross possa acontecer com ele. Essa informação aguçou o interesse de Sebastian. Ali havia um mistério, talvez bem interessante, mas manteve seu rosto impassível, enquanto observava Whistlecroft.
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─ Preciso saber o nome do seu cliente – disse Sebastian – Não vou entrar nessa investigação às cegas. Se você quiser a minha ajuda, via ter que me dizer quem quer investigar a morte de Ringcross. Whistlecroft mordeu o lábio inferior enquanto pensava no problema. Sebastian não ficou surpreso quando o viu encolher os ombros e tomar outro gole de genebra. Whistlecroft era tudo, porém nunca, pouco prático. ─ Bem, se tem que saber, é Lord Curling quem quer descobrir o que aconteceu nesse quarto da torre. – disse Whistlecroft. ─ Curling? Mas, qual o seu interesse nisto? – Sebastian conhecia o barão, um homem moreno e robusto que estava próximo dos cinquenta nos. Curling pertencia aos mesmos clubes que Sebastian frequentava. Era muito conhecido em alguns círculos pelos abundantes entretenimentos que oferecia em sua casa de campo. Curling Castle ficava a menos de uma hora de trajeto da cidade. Durante a temporada, Curling dava festas em sua casa todos os finais de semana. Sebastian recebia convites com frequência, ainda que nunca se incomodasse em aceitá-los. Geralmente, as festas particulares o aborreciam. ─ Ringcross morreu na casa de campo de Curling – assinalou Whistlecroft – Quem sabe Curling queira apenas assegurar-se de que não esteve hospedando um assassino, durante a temporada. Sebastian olhou pensativamente a rua através da janela do café. ─ Ou, talvez, saiba muito mais sobre o assassinato do que contou. ─ É possível. – Whistlecroft terminou a genebra – A única coisa que me importa é a recompensa. E, a única coisa que importa para você é o quanto o mistério é interessante. Temos um trato, milord? ─ Sim. – disse Sebastian – Creio que sim. Percebeu que estava ansioso para falar com Prudence sobre a nova investigação. No passado nunca tivera ninguém com quem falar dos casos, exceto Garrick. Garrick se divertia com o passatempo de Sebastian, porém não tinha verdadeiro interesse.
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Contudo, Prudence ficaria encantada diante da ideia de investigar um possível homicídio. Porém, sem dúvida nenhuma, existia um potencial problema, reconheceu Sebastian, Prudence pressionaria para envolver-se na investigação. Ocupar-se-ia deste problema em no devido momento, pensou enquanto saía do café. Talvez, houvesse alguma maneira de permitir que ela o ajudasse, ao mesmo tempo em que a manteria a salvo, na periferia do caso. Seria divertido trabalhar com Prudence no assunto da morte de Ringcross. Meia hora depois cruzou a porta de sua casa e deu uma olhada para o rosto sombrio de Flowers, e sorriu ironicamente. ─ Algo errado, Flowers? ─ Mr. Trevor Merryweather espera para vê-lo, milord. – Flowers aceitou o chapéu e abrigo de Sebastian – Insistiu em esperá-lo na casa. Na biblioteca. ─ Um lugar tão bom quanto qualquer outro, suponho. ─ Eu deveria tê-lo impedido, milord? ─ Mas, é claro que não, Flowers. É o meu futuro cunhado. Dificilmente poderemos impedi-lo a cada vez que aparecer por aqui. ─ Sim, milord, eu temia que fosse esse o caso. Parece ser um jovem um pouco difícil. ─ Ele está tentando proteger a sua irmã de mim – disse Sebastian ─. Alguns diriam que isso o converte em um homem muito valente. Flowers picou seus grandes olhos caídos. ─ Entendo milord. Não tinha pensado sob esse ponto de vista. Sebastian entrou silenciosamente na biblioteca. Lúcifer levantou-se de seu lugar, na parte superior do sofá, saltou com ligeireza sobre o tapete e se aproximou para saudá-lo. Sebastian levantou o gato e olhou para o seu visitante. Trevor estava em pé, rígido, próximo à janela. Os ombros demasiado grandes e a cintura extremamente apertada. O paletó acolchoado dava-lhe uma silhueta desafortunadamente parecida com a de um inseto. Virou-se rapidamente quando se deu conta que alguém havia entrado no lugar.
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Sebastian acariciou Lúcifer e observou o aspecto trabalhosamente elegante de Trevor. A gravata do rapaz estava amarrada de forma muito complicada, o que lhe dificultava muito os movimentos da cabeça. Sebastian perguntou-se como não se afogava com ela. O colarinho da camisa, com babados tão altos que chegavam ao queixo. As calças eram cuidadosamente plissadas e o colete era de um assombroso tom de rosa. ─ Angelstone. ─ Boa tarde, Merryweather. – Sustentando Lúcifer em um braço, Sebastian cruzou a biblioteca até a mesa onde estava a garrafa de clarete – Quer me acompanhar? ─ Não – Trevor corou – Obrigada, senhor, eu vim para falar com você sobre a minha irmã. ─ Ah, sim. Certamente, deseja falar sobre o dote e esse tipo de coisas. Não se preocupe Merryweather. Eu irei cuidar bem da sua irmã. ─ Bem, veja. – Trevor enquadrou os ombros com determinação – Já estou farto de suas palhaçadas e do seu sarcasmo, milord. Isso já foi longe demais. ─ Nem tanto. – Sebastian tomou um gole de clarete e lembrou com nostalgia o que estava fazendo justamente no momento da inoportuna aparição do fantasma, na mansão Leacock. – Porém tenho grandes esperanças. Trevor ficou roxo de raiva. ─ Nós dois sabemos que está apenas se divertindo com Prue. Não tem intenção verdadeira de casar-se com ela. Não vou permitir que continue com seus joguinhos endiabrados com ela, Angelstone. Sebastian voltou para deixar Lúcifer sobre o sofá, a seguir deu a volta na escrivaninha e sentou-se. Colocou os pés calçados sobre a lustrosa superfície de madeira, tirou o pelo do gato de suas calças e olhou para Trevor, pensativamente. ─ O que o faz pensar que não vou me casar com ela? ─ Maldição, senhor! – Explodiu Trevor – Você sabe muito bem que ela não é o seu tipo. ─ Não estou de acordo.
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─ Desgraçado – rugiu Trevor – Não vou permitir que lhe faça mal, como Underbrink. Não me importa o quê eu tenha que fazer para detê-lo. Sebastian estudou o vinho. ─ Diga-me exatamente o que aconteceu entre Underbrink e a sua irmã. ─ Ele pediu que se casasse com ele. – AS mãos de Trevor formaram dois punhos. – Contudo, nunca chegou a pedir permissão ao meu pai, porém Prue pensou que ele a amasse, pensou que se casaria com ela. ─ Prue o amava? ─ Ele a importava muito – murmurou Trevor – Esteve cortejando-a durante todo verão. Bailava com ela nas reuniões locais, mandava buquês de flores, lia poemas românticos... ─ E, lhe disse que queria casar com ela? ─ É verdade. Mas, estava mentindo. Sabia o tempo todo que teria que casar-se com essa herdeira fabulosa para recuperar a fortuna dos Underbrink. Não havia nenhuma possibilidade de casar-se com Prue. Todos nós descobrimos a verdade quando voltou à Londres. Sebastian fixou o olhar no clarete. ─ Sua irmã chorou por ele? ─ Sim, ela chorou por ele – Trevor se animou – E, eu não vou permitir que ela chore de novo por um ordinário como você. – Avançou para ele sem nenhuma advertência. Sebastian baixou os pés rapidamente e ficou de pé. O vinho se derramou no chão quando se afastou do caminho de Trevor. Trevor voou por cima da escrivaninha e se estatelou contra a cadeira que Sebastian acabava de desocupar. Parou contra a parede. Sebastian abandonou a taça. ─ Merryweather, eu lhe asseguro que na realidade não existe nenhum motivo para esse exercício de força. Trevor se pôs de pé cambaleante e chocou-se contra Sebastian, balançando os punhos violentamente.
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Sebastian esquivou-se de um golpe, esticou o pé e deixou que Trevor tropeçasse. ─ Maldito seja! – Trevor estava esparramado de boca virada para o chão. Virou com dificuldade e lutou para colocar-se de pé. ─ Eu vou casar-me com ela, Merryweather. – Sebastian deu um passo para trás para ficar fora de alcance de Trevor, quando este tentou lhe atacar novamente. – Eu lhe dou a minha palavra de honra. ─ De que serve a sua palavra? – desdenhou Trevor. Avançou vacilante, com as mãos estendidas até a garganta de Sebastian. ─ A sua irmã confia em mim. ─ Ora! O que sabe ela sobre lidar com o diabo? – Trevor se lançou uma vez mais ao ataque. Sebastian esquivou-se danado um passo para o lado. Trevor passou longe de seu objetivo, e outra vez bateu contra a parede. Voltou-se atordoado, porém valoroso. Sebastian levantou a mão. ─ Já basta! Se continuar desse jeito, poderá se machucar de verdade, e sem dúvida, Prue me culparia por isso. ─ Eu maldigo os seus olhos, Angelstone. Este não é outro de seus joguinhos para a sua diversão. Estamos falando da minha irmã. ─ Eu tenho consciência disto. – disse Sebastian calmamente – O que eu teria que fazer para convencê-lo que as minhas intenções para com a sua irmã são honradas? Trevor cravou o olhar nele. ─ Não há nada que você possa fazer. Eu não confio em você. ─ Merryweather, vamos esclarecer esse ponto. Eu gostaria de passar o resto da temporada sem ficar me preocupando se você vai ou não pular direto em minha garganta. Farei um trato com você. Trevor desconfiou imediatamente. ─ Um trato?
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─ Me dê uma oportunidade de provar-lhe que as minhas intenções são honradas, e me ocuparei que você aprenda a utilizar os punhos corretamente. – Sebastian sorriu lentamente. – E, talvez, uma pistola, também. Trevor enrugou a testa, confuso. ─ Não estou entendendo. ─ É muito simples. Farei o que for preciso para que você aprenda boxe na Academia Witt. Além de fazer os acertos necessários para que permitam que você pratique tiro em Manton. Trevor semicerrou os olhos. ─ Witt nunca me aceitaria. Dirige a academia de boxe mais exclusiva de Londres. Apenas os cavalheiros das mais altas classes da cidade podem frequentá-la. ─ Eu farei com que o aceitem. – disse Sebastian. ─ Nem poderia me permitir comprar um jogo de pistolas decentes para praticar em Manton. – Insistiu Trevor. ─ Eu vou lhe emprestar as minhas. Trevor olhou para ele com crescente insegurança. ─ E, por que você faria uma coisa dessas? Sebastian sorriu ligeiramente. ─ Por duas razões. A primeira é que se eu não me casar com sua irmã como prometi, e você decidir me desafiar por isto, ao menos nós teremos uma peleja justa. Não existe nenhuma diversão em participar de uma luta desigual. ─ E, qual seria a segunda razão? ─ Eu tinha um irmão menor. Você me lembra ele. – Sebastian pegou a garrafa e verteu o clarete em outros dois copos. Entregou um a Trevor. – Está interessado em minha proposta? Trevor olhou para o vinho e a seguir levantou os olhos para encontrar o olhar de Sebastian. ─ Você realmente irá se casar com Prue? ─ Sim.
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─ E, conseguirá o meu ingresso na academia de boxe de Witt, e na galeria de tiro Manton, para que eu possa aprender a lutar com você de maneira adequada caso não se case com ela? ─ Sim. ─ Creio que está falando sério. – disse lentamente Trevor. ─ Cada uma de minhas palavras foi dita seriamente. Trevor tomou um gole de clarete. ─ Muito bem, então. E, se não o fizer, irei arrancar-lhe a cabeça dos ombros, além de atravessá-lo com um tiro. ─ Muito justo. Trevor parecia visivelmente aliviado. ─ Tem uma pergunta que gostaria de fazer, Angelstone. ─ Sim? ─ Se é verdade que está decidido a converter-se em meu cunhado, se incomodaria muito em fazer-me um favor? Sebastian levantou as sobrancelhas. ─ Que tipo de favor? ─ Você me ensinaria a dar um nó em minha gravata da mesma maneira que faz com a sua? ─ Vou fazer outra coisa além disto. Depois de apresentá-lo em Witt e Manton, vou apresentá-lo ao meu alfaiate. ─ Nightingale? Ora! – Trevor estava verdadeiramente admirado. – Ele é muito mais exclusivo que Witt. ─ Mas, com uma boa razão. – Sebastian olhou para o colete rosa de Trevor. – O seu ofício é muitíssimo mais importante para um cavalheiro. ************************ Prudence observou como Drucilla Fleetwood se encaminhava para ela, através do salão de festas lotado. Preparou-se para o encontro, já havia sido difícil ignorar a presença da tia de Sebastian, mesmo que não lhe houvessem indicado quem ela era.
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Drucilla era uma figura impressionantemente na moda, com o vestido calêndula, de seda e seu penteado moderno, com plumas que combinavam com o vestido. Os brilhantes em suas orelhas resplandeciam de maneira tão ofuscante como os cristais dos lustres, no teto. Era óbvio que Drucilla tinha sido uma mulher bonita em sua juventude. Prudence pensou que ainda era mulher muito atraente. Era lamentável que suas feições estivessem marcadas por linhas de descontentamento. Drucilla parecia uma mulher que havia se comprometido a fazer uma tarefa muito desagradável. Prudence tinha sido advertido por Hester, há apenas uma hora, que Drucilla era esperada no baile dos Craigmore. ─ Dizem que ela não está feliz com o compromisso de Angelstone. – Explicou Hester – Estava desejando que algum acidente horroroso acontecesse com o conde, ou que fosse morto em algum duelo, antes que tivesse tempo de casar-se. A última coisa que ela deseja é que tenha um herdeiro, e assim assegurar a sucessão para esse ramo da família. Prudence corou violentamente diante da menção de um herdeiro. ─ Certamente que não é assunto do seu interesse. Em todo caso, Angelstone e eu não vamos nos casar, logo não deve haver nenhuma pressa. Pensamos em desfrutar de um noivado longo. Hester olhou para ela com curiosidade. ─ Isso é verdade? Estou surpresa em saber, querida. ─ Por quê? ─ Porque não posso imaginar Angelstone aguentando um noivado longo, depois de ter escolhido a sua noiva, pois um homem da sua natureza ficará impaciente para seguir adiante. Prudence olhou com assombro para ela. ─ Hester, por um acaso está ansiosa para casar-me rapidamente? ─ Para ser completamente honesta, querida, agora que o compromisso foi anunciado, sinto que seria melhor firmá-lo o mais rapidamente possível.
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─ Você está querendo dizer que Angelstone pode mudar de opinião? – Prudence perguntou secamente. ─ Exatamente. O homem é muito perigoso, eu já lhe disse. Ninguém pode estar completamente seguro de suas intenções. Vou me sentir muito melhor depois que vocês estiverem casados. ─ Então, você está com presa para me ver casada com o Anjo Caído? Hester mostrou-se pensativa. ─ Creio que você vai estar muito segura ao seu lado, pois Angelstone cuida dos seus. Os comentários de Hester ainda estavam frescos na mente de Prudence quando Drucilla finalmente parou a frente de sua presa. ─ Ora, ora, ora – Drucilla olhou Prudence de cima a abaixo e ficou muito desgostosa do seu vestido cinza claro. – Quer dizer que é você a pequena e inteligente caçadora de fantasmas da qual Mrs. Leacock esteve nos falando? Prudence engoliu uma resposta afiada e conseguiu sorrir. O fantasma de Mrs. Leacock estava na boca de todos esta noite. Prudence fora aclamada por uma agradecida Mrs. Leacock, como uma heroína inteligente e muito valente. Por sorte, tal como Sebastian havia prognosticado, o fantasma não se lembrou de absolutamente nada de como havia ficado inconsciente. No que concernia a ele, a sua queda havia sido provocada por um vulto invisível no tapete, fazendo com que ele tropeçasse. ─ Boa noite, milady. – disse Prudence com cortesia – Suponho que seja Mrs. Fleetwood. ─ Claro que sim. E, você é a Dona Estranha, que está noiva de Angelstone. ─ Sim senhora, eu tenho essa honra. ─ Suponho que eu não deveria me surpreender que ele tenha escolhido uma criatura tão curiosa para ser a condessa. Esse homem não tem absolutamente nenhum respeito pelo título nobiliárquico que chegou às suas mãos por puro acidente. ─ Eu tive a impressão que o título havia chegado até ele de maneira usual, senhora. Ele era o seguinte na linha de sucessão.
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─ Bah! – Os magníficos olhos castanhos de Drucilla ardiam de frustrada irritação. – Ele obteve por circunstâncias do destino. Na realidade, não deveria, em absoluto, ir para ele. ─ É injusto dizer uma coisa dessas. ─ Já era suficientemente ruim que seu pai irresponsável houvesse fugido com aquela atriz. Jonathan Fleetwood não tinha direito de casar-se com aquela mulherzinha leviana. Se não fosse tão estúpido, o seu futuro esposo teria nascido como o bastardo que se converteu depois de tanto esforço. Prudence estava perdendo rapidamente a paciência. ─ Não posso permitir que continue a insultar a família do meu futuro esposo, senhora. ─ Sou parte da família, jovenzinha estúpida. Se desejar insultar o seu lado da família, eu o farei. ─ Um interessante ponto de lógica – Reconheceu Prudence. ─ Sem dúvida, creio que o lado de Angelstone já suportou insultos suficientes, não acha? O olhar de Drucilla era mordaz. ─ Deveria ser óbvio que nada do que eu disser poderia ser mais insultante para a família como o que ele fez e faz. ─ O que você supõe que isso significa? ─ Apenas que é totalmente de acordo com o caráter de Angelstone ter escolhido uma mulher completamente inadequada como condessa. A ideia que uma mulher insignificante e rústica como você se converta na próxima Condessa de Angelstone é insuportável. A consternação daqueles pairavam em torno das duas, provocou suspiros e murmúrios. Prudence percebeu e se deu conta que a cena com Drucilla estava ameaçando converter-se em um delicioso petisco para a sociedade saborear no desjejum da próxima manhã. Sebastian não precisava de mais esse desgosto. Prudence iluminou seu rosto com um sorriso deliberado, como se Drucilla acabasse de lhe fazer um grande elogio.
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─ Foi muito amável de sua parte ter o trabalho de se apresentar, milady. Estava muito curiosa para conhecer o restante da família de Angelstone. ─ Ah, sim? Não diga! – Drucilla se endireitou e olhou para ela com elegante desprezo. - A primeira coisa que você deveria saber, é que o título que Angelstone tanto se orgulha de arrastar para a lama, cada vez que aparece uma oportunidade, deveria ter sido de meu filho. Se existir alguma justiça neste mundo, algum dia o título passará para Jeremy. ─ Acredito que a questão do direito de meu esposo ao título já foi esclarecida há muito tempo. ─ Bobagens! – O rosto de Drucilla ficou vermelho fosco – Desejo-lhe felicidades em seu matrimônio, Miss Merryweather. Talvez, em sua noite de núpcias, possa fazer aparecer um fantasma para divertir o seu marido. Sem dúvida nenhuma, vai precisar de alguma coisa inusitada para reter seu interesse além de duas semanas. Angelstone se aborrece com muita facilidade. Drucilla havia ido longe demais, e as emocionadas reações dos que estavam próximos indicavam que todos haviam percebido. Prudence sabia que quando Sebastian soubesse daquela conversa, ficaria furioso. Era muito pouco provável que permitisse que esse insulto a sua noiva ficasse sem castigo. Olhou para os atormentados olhos de Drucilla e imediatamente sentiu muita pena por ela. A pobre mulher estava muito consciente de que havia ultrapassado os limites. ─ Aprecio o seu interesse pelo nome de família. – disse Prudence tranquilamente. – É óbvio que trabalhou muito para mantê-lo o mais limpo possível, em circunstâncias extremamente difíceis. Drucilla olhava fixamente para ela. Por um momento parecia completamente surpresa. ─ Fiz o melhor que pude. – disse finalmente. ─ Percebo que não deve ter sido uma tarefa fácil. – disse Prudence – Por favor, fique tranquila, porque eu também me preocupo muito pelo nome e pela reputação
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de Angelstone. Pelo bem da família, vou empregar todos os meus esforços para evitar mais escândalos. O olhar de Drucilla tremia de ultrajada incredulidade. ─ Que tipo de jogo está pretendendo jogar, Miss Merryweather? ─ Não estou jogando nada. ─ Então, vamos esperar para ver qual será o jogo diabólico de Angelstone. – Drucilla girou sobre os seus saltos e se afastou através da multidão. Uma forte sensação de desconfiança percorreu Prudence, enquanto observava a postura rígida de sua adversária desaparecer entre as pessoas. ─ Ora, ora. Espero que Angelstone tenha alguma coisa a dizer a respeito disto. – murmurou uma voz atrás de Prudence. Virou-se para encontrar Garrick Sutton de pé atrás dela, Sebastian o havia apresentado no baile dos Bowdrey. Deixara bem claro que considerava Garrick como um amigo. Prudence notou que ele era uma das únicas poucas pessoas no ambiente que não estava com uma taça de champanhe na mão. Lançou-lhe um olhar preocupado. ─ Eu preferiria que Angelstone não soubesse dessa pequena cena. – disse. A boca de Garrick curvou-se ironicamente. ─ Acredito que não exista a possibilidade dele não saber. São muitas testemunhas. Prudence olhou ao redor intranquila. ─ Suponho que tenha razão. Bem, terei que falar com Angelstone antes que ele faça alguma coisa precipitada. ─ O quê? Você acha que pode convencê-lo a desistir de se vingar do clã dos Fleetwood? ─ Não há necessidade que ele me vingue – disse Prudence ─. É óbvio que essa pobre mulher já sofreu muito ao longo desses anos. ─ Essa pobre mulher, ─ disse Garrick friamente – quase sem ajuda, foi a única responsável de que os Fleetwood nunca aceitassem a mãe de Angelstone.
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─ Mas, sem dúvida nenhuma, agora que Angelstone é a cabeça da família, pode permitir-se ser caridoso com os demais membros do clã. ─ Caridoso? – Garrick sorria francamente – Estamos falando do mesmo Lord Angelstone? ─ Esta não é uma situação engraçada, Lord Sutton. ─ Não, não é. Mas, poderia ser interessante. Siga o meu conselho e não se meta neste assunto, Miss Merryweather. Angelstone é bem capaz de encarregar-se dos Fleetwood, faz algum tempo que isso vem acontecendo. ─ O que você acha que irá fazer sobre a cena desafortunada desta noite? – perguntou Prudence. Garrick encolheu os ombros, despreocupado. ─ Quem sabe? Angelstone controla grande parte dos rendimentos da família. Talvez reduza um pouco da parte dos Fleetwood. ─ Oh, meu Deus! ─ Neste caso, especificamente, simplesmente poderia contentar-se que excluam Drucilla e seu filho das melhores listas de convidados da temporada. Ou, talvez, ordene que seu querido primo seja afastado de alguns de seus clubes. Sem dúvida, Angelstone pensará em alguma vingança adequada, pois é muito criativo. ─ Pode ser que pense em algum método de vingança, mas não acredito que vá levar a cabo. – disse Prudence com energia. Garrick levantou uma sobrancelha de maneira inquisitiva. ─ Quem irá detê-lo? ─ Eu irei me ocupar para que se comporte de maneira sensata e diga de um chefe de família. Garrick olhava um ponto além dos ombros de Prudence. Seu sorriso estava repleto de expectativa. ─ Não posso esperar para ver como se encarregará dele, Miss Merryweather. ─ E, exatamente de quem irá se encarregar? – perguntou Sebastian com interesse.
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Prudence virou-se e se encontrou com Sebastian aproximando-se dela. Estava magnífico com vestido para a ocasião, como de costume. A gravata branca estava atada com simplicidade austera e seu paletó bem cortado, revelava a amplitude de seus ombros. Seus olhos dourados cintilaram quando olhavam para Prudence. ─ De você, é claro. – disse Garrick. ─ Fico muito feliz em saber. – Sebastian sorriu para Prudence – Venha comigo, querida. Vamos pegar algo para comer no bufê. ─ Eu já comi um pouco. – disse Prudence. Sebastian segurou em seu braço. ─ Ah, sim? Bem, então você pode me acompanhar e me observar enquanto como um canapé de lagosta. Quero falar com você. ─ Entendo. – Prudence sorriu – Acontece que também estou ansiosa para falar com você. ─ Excelente. – Sebastian inclinou-se para Garrick – Desculpe-nos. ─ Claro. – Garrick piscou um dos olhos para Prudence – Boa sorte para você, Miss Merryweather. Prudence enrugou a testa por cima do ombro, enquanto Sebastian a guiava através da multidão. ─ O que ele quis dizer co isso? – perguntou Sebastian, sem nenhum sinal de preocupação. ─ Nada. ─ Nada mesmo? ─ Um pequeno... Como direi? Assunto doméstico. ─ Ah... – Sebastian saudou com a cabeça um conhecido – Um assunto familiar, então? ─ Bem, sim, de certa maneira. ─ De que família? – perguntou Sebastian tranquilamente – Da sua ou da minha? ─ Milord, não é o momento para falarmos sobre isso.
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─ Da minha, então – disse ─, deduzo que deva ser a cena que minha tia armou, há poucos minutos, antes que eu chegasse. Prudence olhou para ele zangada, enquanto Sebastian parava próximo a uma mesa cheia de hors d'oeuvre. ─ Você já sabia? ─ Querida, você deve entender que nunca faltará alguém que me mantenha de tais coisas. ─ Não, eu suponho que não. – Prudence olhou para ele de soslaio – Você não vai fazer nenhum drama, não é mesmo? Não foi nada significante. Sebastian examinou os canapés, por fim, escolheu um de ostras. ─ Não precisa se preocupar minha querida. Eu vou me encarregar disto. Prudence não confiava na frieza do seu olhar. ─ Eu insisto que não tente castigar, ou humilhar a sua tia de nenhuma maneira, por causa da conversa que tivemos. Ela estava muito perturbada. ─ Sem dúvida. – Sebastian mordeu a ostra. ─ Ela soube há pouco tempo do nosso compromisso – explicou Prudence – Ela foi tomada de surpresa pela notícia. ─ Quer dizer que ficou extremamente alarmada. – Sebastian pegou outro canapé ─, ela tem medo que você me dê um herdeiro, o qual faria ainda mais improvável que seu filho pudesse receber o título. ─ Eu creio – disse Prudence significativamente ─, que Mrs. Fleetwood está genuinamente interessada no bom nome da família, e pela reputação que está vinculada ao título. ─ Não existe dúvida que esteja preocupada com ele, eu lhe asseguro. ─ Não sem um pouco de razão. – disse Prudence com severidade. Sebastian deixou de mastigar e engoliu. ─ O que você está querendo dizer, Prue? ─ Só que você não se preocupou em garantir que o título está em boas mãos. ─ Eu não me preocuparia em ajudar a minha tia a cruzar a rua, e muito menos em assegurar-lhe que vou conservar o título imaculado. – Sebastian voltou a pegar
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Prudence pelo braço e a conduziu através das portas envidraçadas, que estavam abertas. – Chega de bobagens, Prue. Tenho coisas mais importantes para falar com você. Prudence olhou para ele, enquanto o acompanhava até os jardins. ─ Milord, eu não vou esquecer esse assunto até que você me dê a sua palavra de que não irá se vingar de sua tia, pelo que disse esta noite. ─ Já me cansei deste assunto. ─ Que pena, porque eu ainda não terminei. Sebastian parou frente a uma fonte e girou Prudence até que ela ficasse de frente para ele. ─ Droga, Prue! Por que você se preocuparia com o que eu possa fazer com Drucilla Fleetwood? Caso ela mereça pagar por insultá-la, eu farei com que pague. E, fim de assunto. ─ O insulto foi para mim, não para você. E, eu escolho não me vingar, e nem irei permitir que você o faça em meu nome, entende? ─ Um insulto feito a você, é um insulto feito a mim. ─ Sebastian, estou falando sério, não vou permitir que você se vingue por qualquer insignificância. – Prudence acariciou-lhe docemente o rosto, com as pontas dos dedos enluvadas – Você é o chefe da família e deve cumprir o seu papel. Se escolher vingar-se de sua pobre tia, então só estará aumentando as desavenças que já existem entre o resto dos Fleetwood e você. ─ Diabos, Prue.... ─ O título o obriga a ser generoso para com os membros da família. Você deve protegê-los. – Prudence sorriu calorosamente – Mas, sei que você não precisa de mim para dizer-lhe isto. Você é perfeitamente consciente dos seus deveres e responsabilidades para com sua família, e sei que você vai se comportar adequadamente. Sebastian olhou para ela sombriamente. ─ A última vez que você me passou um sermão acerca das minhas responsabilidades, você fez um trato comigo. E, quando tentou cumpri-lo, terminou
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comprometida. O que vou obter desta vez, caso me decida a ter uma conduta madura e responsável? Prudence se concentrou em ajustar suas lentes. ─ Realmente, Sebastian, não há necessidade de tirar sarro de mim por isso. Estou bem ciente de que as coisas, da última vez, não saíram como o planejado. ─ Eu lhe asseguro Prue, que não estou brincando. Ela olhou para ele com cautela. ─ Não está brincando? Realmente você espera que eu lhe dê alguma recompensa para você se comportar de maneira adequada à sua classe social? ─ Do seu conceito do que é digno da minha classe social. – corrigiu-lhe bem humorado. – E, sim, creio que é justo que eu seja recompensado, por meu esforço, e você? Prudence não sabia se ele falava sério, mas tinha a desagradável impressão que ele falava sério. No que concernia a Sebastian, outra vez ele havia encurralado Prudence. Suspirou. ─ Que tipo de recompensa você tem em mente? ─ Vou pensar no assunto e a seguir conto para você. – A mão de Sebastian se fechou ao redor dos ombros de Prudence, trazendo-a para perto dele, inclinou a cabeça e lhe deu um beijo rápido, forte e possessivo. Quando levantou a cabeça tinha uma expressão intensamente meditativa. – Imagino que pensarei em alguma coisa que me compense. Prudence Tremeu diante da obscura sensualidade daquelas palavras. Duas noites atrás havia aprendido o significado da paixão e sabia que sempre associaria a lição a Sebastian. Neste instante, ele estava lhe dizendo, sem sutilezas, que havia mais coisas para aprender. Não sabia se sentia-se alarmada ou transbordante de felicidade. Ainda estava confusa pelas emoções que lhe assaltaram quando Sebastian acariciou-lhe com tão assombrosa intimidade, aquela noite. Sabia que a cada dia que passava nesse falso compromisso, ficaria ainda mais cativada pelo Anjo Caído. O bom senso lhe advertia que seria ainda mais perigoso se permitisse que Sebastian fizesse
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amor com ela, ainda mais do que já havia feito, porém Prudence não sabia com certeza se teria forças para detê-lo. ─ Você está sendo deliberadamente difícil. – acusou. ─ Sim, eu sei, porém me agrada. – Sebastian descansou o pé sobre a borda da fonte e sorriu. – Bom, mas agora eu tenho coisas mais interessantes para falar com você, minha querida. ─ Que coisas? ─ Meu informante de Bow Street, me trouxe um caso bastante curioso, que necessita ser investigado. Eu pensei que você gostaria de saber. Prudence esqueceu na mesma hora, que estava irritada com ele. ─ Sebastian, que maravilha! Conte-me, pois eu adoraria poder ajudá-lo. ─ Não estou pedindo a sua ajuda – disse cuidadosamente ─ Mas, pensei que você gostaria de ter a oportunidade de observar a minha metodologia. ─ Como vou fazer isso? – perguntou. Não tinha absolutamente nenhuma intenção de se sujeitar ao simples papel de observadora, mesmo que não fosse explicar-lhe agora. ─ A curiosa morte que vou investigar, aconteceu há poucos dias, em Curling Castle. Talvez, você tenha sabido. Prudence enrugou o cenho. ─ Um homem chamado Ringcross caiu de uma alta janela, e quebrou o pescoço, acredito. Dizem que ele estava bêbado nesse momento, e se supõe que a morte tenha sido um infeliz acidente. ─ Alguém, mais precisamente, Lord Curling, aparentemente não está tão seguro disto. ─ Ele contratou um informante de Bow Street para investigar o assunto? ─ Com sigilo absoluto. Ninguém, incluindo Curling, deve saber que sou eu que farei a verdadeira investigação. No que diz respeito a ele, Whistlecroft é quem estará realizando a investigação.
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─ Sim, é claro. Eu entendo o seu desejo de manter em segredo o seu passatempo, pois é perfeitamente compreensível, dada à sua posição. Tampouco, você seria tão eficaz em seu trabalho, se todos soubessem que está nisso, não é verdade? ─ Não. ─ Sebastian, é fascinante. O que você irá fazer primeiro? Eu estou ansiosa para aprender suas técnicas e métodos. Ele dirigiu-lhe um olhar que poderia ser qualificada de presunçosa. ─ Primeiro, vamos visitar o lugar da morte de Ringcross. ─ Uma ideia sensata. – Prudence golpeou o leque contra a sua mão enluvada, de forma distraída. – Isso quer dizer que vamos ter que ir a Castle Curling? Como faremos sem deixar que alguém saiba do nosso objetivo? ─ Acontece que é muito fácil como sempre, eu recebi outro convite de Curling para uma reunião de fim de semana em sua casa. Desta vez, eu irei aceitar, com a condição que você também seja convidada. ─ Excelente. Porém, não vai parecer estranho que me convidem para uma reunião de Lord Curling? Eu nunca estive na lista de convidados. ─ Ninguém irá achar estranho. – Sebastian estava claramente divertido diante da inocência de Prudence. – Não quando se derem conta de que eu também aceitei o convite. Na realidade, achariam estranho caso você também não estivesse em Curling Castle. Prudence inclinou a cabeça para o lado e o estudou com atenção. ─ Eu estou perdendo alguma coisa? Sebastian aproximou Prudence ainda mais, de forma que suas saias roçavam a sua perna. ─ Percebo que você não deve ter ido a muitas reuniões da sociedade, minha querida. ─ Não. – admitiu – Por quê? ─ Acho que você irá compreender a atração das reuniões em uma grande casa de campo, uma vez que esteja lá.
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Prudence podia sentir a força muscular da coxa, e embora Sebastian tivesse a bota apoiada contra a fonte, Prudence estava ligeiramente encostada contra a parte interior de sua perna. A íntima posição em que se encontrava, fez com que Prudence estremecesse. ─ Imagino que os convidados desfrutem de vários jogos e passatempos nessas reuniões. – disse rapidamente tentando parecer experiente no assunto das reuniões nas casas de campo. ─ Durante o dia, sim, mas os jogos e passatempos mais interessantes são jogados à noite, quando todos já se recolheram. ─ Não entendo. A boca de Sebastian curvou-se ligeiramente. ─ Uma reunião em uma grande casa de campo proporciona uma oportunidade quase ilimitada de flertes e aventuras românticas, meu amor. Prudence arregalou os olhos. ─ Ah... ─ Em uma grande casa como Curling Castle há literalmente, dezenas de quartos, e todos estão convenientemente, situados muito próximos, uns dos outros. Prudence sentiu que estava muito ruborizada. ─ Santo Deus. Não havia pensado nesse aspecto. ─ Ter uma aventura aqui na cidade, requer muito planejamento e cuidado – disse Sebastian – Porém, uma reunião em uma grande casa, tal como a que Curling nos brinda, alguém só precisa cruzar o corredor para encontrar-se com o amante, ou... A sua noiva. – Sorriu. Prudence levantou o queixo e lhe deu um severo olhar. ─ Conto que Lady Pembroke insista em me acompanhar. ─ Conto com isso, também. – Estava claro que Sebastian não estava preocupado diante da possibilidade de que Prudence levasse com ela uma dama de companhia. – Meu secretário irá assegurar que ela também tenha o seu convite.
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Capítulo 8
Sebastian desceu o taco e olhou para os jogadores reunidos ao redor da mesa de bilhar de Lord Curling. ─ Se puderem me desculpar, cavalheiros, acho que já joguei o suficiente por hoje. ─ Ora, ora – protestou um dos convidados ─, deve nos dar a oportunidade de diminuir um pouco do que ganhou de todos nós esta tarde, Angelstone. ─ Parece que você não está entendendo, Dodwell, ─ disse Sebastian ─ eu estou cansado deste jogo. ─ Deixem que ele se vá – aconselhou outro homem, do lado oposto da mesa verde – Suponho que Angelstone tenha em mente outra distração mais interessante. Os homens reunidos ao redor da mesa riram entre os dentes e trocaram olhares significativos. ─ Todos nós temos, - protestou outro bem humorado
– Mas,
desgraçadamente, é muito cedo ainda. Um dos jogadores olhou para Sebastian. ─ Se estiver ansioso para ver o que está fazendo a sua noiva neste momento, verifique nos jardins da ala este. Creio que irá encontrá-la ali, ganhando o concurso de arco e flecha para damas. ─ Claro que sim. – Sebastian começou a caminhar para a porta da grande biblioteca de Curling ─, ela já ganhou todos os jogos que as damas disputaram, hoje. Enquanto Sebastian havia passado o dia com os demais cavalheiros que tinham sido convidados para Curling Castle, Prudence estivera ocupada com as senhoras, provando os prazeres de uma reunião em uma casa de campo. Como era típico de Prudence ela havia se dedicado aos jogos de todo o coração. Ao meio dia, justamente quando regressava de uma pescaria com os homens, chegaram às notícias de que Prudence havia sido a primeira, no complicado labirinto. Às duas da tarde, enquanto percorria os estábulos do seu anfitrião, ouviu que as
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senhoras regressaram da caminhada às velhas ruínas normandas. Ao que parecia, Prudence guiara o grupo na ida e na volta, e havia feito um esboço detalhado da paisagem. Naquela tarde, ganhou todas as competições que foram realizadas na vasta extensão do gramado, que estava em frente ao castelo, e havia se inscrito para participar do teatro, após o jantar daquela noite. Sebastian esperava ansiosamente para observar a atuação de Prudence como atriz. Sorriu pensando em sua mãe. Sebastian tinha o pressentimento de que Prudence e sua mãe se dariam muito bem desde o princípio. Ambas eram mulheres inteligentes, apaixonadas e íntegras. Uma vez seu pai havia lhe dito que tais mulheres eram raras e que, se um homem fosse suficientemente afortunado em conhecer e prender alguma, não existiria um preço demasiado alto a pagar. Sebastian examinou os ambientes enquanto se dirigia até o terraço através do longo corredor. Curling Castle era um cavernoso amontoado de pedras antigas que se erguia em três pisos sobre a terra que o rodeava. Fora construído durante o século anterior por um rico, porém um pouco excêntrico mercador que decidira elevar-se ao nível de cavalheiro. Com essa intenção, acabou gastando uma fortuna na propriedade. O resultado foi uma casa monstruosa. Os corredores pareciam intermináveis, e no desjejum, Curling admitira que não tinha certeza de quantos cômodos havia na casa, e acrescentou que o piso superior e os cômodos da torre nunca eram utilizados, na verdade, inclusive quando a casa estava repleta de hóspedes, como nesse fim de semana. Essa informação havia intrigado Sebastian. Segundo todos os informes, Ringcross caíra de um dos cômodos da torre. Sebastian perguntou-se o que ele estaria fazendo nessa parte inutilizada da casa. Esta noite, Prudence e ele investigariam um pouco, pensou enquanto passeava pelo terraço. Prudence adoraria isto. Viu que as senhoras estavam alinhadas em frente aos alvos de arco e flecha, que foram colocados nos jardins da parte este. Cada uma sustentava um arco
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extravagante e uma diminuta flecha, que provavelmente não derrubaria um rato a queima roupa. Havia muitos risos entre as participantes e vivas de avaliação de parte do público. Sebastian estudou a multidão com atenção, e enrugou o cenho quando viu Underbrink que estava no grupo. Era evidente que Underbrink era um recém-chegado, e indubitavelmente não estivera nos arredores na noite anterior, e nem nessa manhã. Sebastian notou que não havia sinal da sempre vigilante esposa de Underbrink. Enquanto observava, Underbrink foi andando até chegar a Prudence, e aparentemente se ofereceu para ajudá-la com o arco. Prudence sacudiu a cabeça com firmeza. Underbrink encolheu os ombros e caminhou de volta para unir-se a multidão. Lady Pembroke também estava entre os espectadores, e levantando os olhos, viu Sebastian no terraço e agitou um lencinho violeta que combinava com seu vestido. Em seguida, virou-se para observar como Prudence atiraria. Prudence era a última da fila, a única participante que não estava rindo nervosamente, nem pedia com afetação a um dos cavalheiros que lhe mostrasse como inclinar o arco. Suas lentes brilhavam a luz do sol, enquanto se concentrava atenciosamente no alvo. A seriedade de suas feições fez com Sebastian sorrisse. O dia estava nublado, e uma brisa firme fazia que a saia bronze de Prudence se agitasse sedutoramente entre suas pernas. Sebastian admirou os bonitos e pequenos tornozelos durante um minuto, antes de se dar conta do fato de que não era o único homem a fazer isto. Olhou para o lado, e viu que seu anfitrião havia saído da casa para unir-se a ele. ─ Devo felicitá-lo, Angelstone. É uma coisinha estranhamente atraente. Não de modo comum. – Os olhos de um azul pálido de Lord Curling estavam fixos em Prudence – Havia escutado dizer que sua noiva era uma Dona Estranha, porém, de acordo com o comentário geral, é o único tipo de mulher que possivelmente o atrairia. É verdade que investiga fantasmas? Sebastian dirigiu um olhar curioso de soslaio a Curling. Na realidade, o barão não era melhor, nem pior que a maioria dos outros cavalheiros da sociedade.
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Sebastian era consciente que muitos diriam que a sua própria reputação deixava mais a desejar que a de Curling. Como por exemplo, a legitimidade do nascimento de Curling nunca havia sido questionada. Sebastian havia realizado algumas averiguações antes de deixar Londres, porém não encontrou muito mais sobre Curling do que já sabia. Apesar da tendência às generosas festividades em Curling Castle, não havia rumores particularmente desagradáveis acerca do homem. Ninguém o acusara de trapacear no carteado, por exemplo; não duelara; nenhuma indicação que frequentasse os mesmo bordeis que Ringcross. Mas, Sebastian não conseguia simpatizar com este homem. No momento em que estivera o observando, pensou saber o porquê. Havia um frio interesse sexual nos olhos de Curling em quanto observava Prudence. Sebastian sabia que se não fosse pelo fato de que havia se comprometido a passar o fim de semana investigando a morte de Ringcross, ficaria tentado a levar Prudence imediatamente de volta para a cidade. Porém, Sebastian também sabia que, tão logo sugerisse partirem, Prudence sentir-se-ia ultrajada. Esperava pelas investigações noturnas com tanto entusiasmo que não poderia decepcioná-la. ─ Minha noiva está muito interessada em fenômenos espectrais. – disse Sebastian sem inflexão no seu tom de voz. ─ Fascinante. – Curling virou a cabeça para olhar para ele. – E, alguma vez encontrou um fantasma verdadeiro? ─ Não. ─ Uma pena. – As pesadas feições de Curling adquiriram uma expressão pensativa. – Em determinadas ocasiões, me pergunto se os fantasmas realmente existem. ─ Sério? – Sebastian segurou no muro de pedra que rodeava o terraço e observou como Prudence lançava a flecha – O que o deixa alarmado em relação aos fantasmas, Curling? Teme encontrar-se com um, ou a possibilidade de você mesmo virar um fantasma o deixa ansioso?
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─ Você não entendeu Angelstone. A ideia de fantasmas não me incomoda nem um pouco. Apenas me intriga. Frequentemente me sinto entediado, e encontrar-me com um fantasma seria uma experiência muito divertida, não é mesmo? Quase tão divertida como outras experiências que consigo imaginar. As mãos de Sebastian apertaram fortemente o muro de pedra. ─ Eu o aconselharia que fosse bastante cauteloso sobre como vai decidir aliviar o tédio. ─ Fique tranquilo, sou um homem muito prudente, Angelstone – Curling sorriu satisfeito quando a flecha de Prudence afundou próxima do centro do alvo – Excelente tiro. Acho que sua dama ganhou milord. ─ Geralmente é assim. – disse Sebastian. Observou que Underbrink aplaudia com grande entusiasmo. ─ Fique muito feliz por finalmente ter aceitado um de meus convites. – disse Curling, contudo não tirou os olhos de Prudence – A princípio, me perguntei o que o havia convencido a vir para o campo, mas quando recebi seu pedido de convite para a sua noiva e a sua amiga, Lady Pembroke, entendi a razão. ─ É mesmo? ─ Claro que sim. – Curling riu entre os dentes. – A vida na cidade pode ser restritiva em alguns aspectos para um casal de noivos. Aqui no campo, as coisas são muito mais informais. Desfrute deste fim de semana, Angelstone. ─ Tenho toda intenção de fazer isto.
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─ Escute, meu queridíssimo Gerald, está vindo alguém. Quem sabe não é Lord Braxton. Fuja. Fuja imediatamente. Você não deve ser encontrado comigo. Sentada em um sofá de cretone, em um pequeno cômodo que dava para um dos terraços do castelo, Prudence franzia a testa intensamente diante da frase que estava decorando.
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Recolhera-se no cômodo silencioso, meia hora atrás e tralhava intensamente em seu papel, porém chegara à conclusão de que atuar era mais difícil do que esperara. A pequena pela seria encenada mais tarde, e ela interpretaria o papel de Elise, uma jovem cujos pais estavam a ponto de anunciar o seu compromisso com o Lord Braxton. Aterrorizada diante da união, Elise estava disposta a fugir com o lindo e simpático Gerald. Pessoalmente, Prudence pensava que Elise havia escolhido o homem errado. Tentou falar as frases em voz alta. ─ Fuja. Fuja imediatamente. Não devem descobri-lo aqui comigo. ─ Não tenha medo, querida – disse Edward, Lord Underbrink, da porta. Olhou para trás e a seguir entrou rapidamente no cômodo ─ Está tudo bem. ─ Edward. – Prudence olhou para cima surpresa. ─ Sim, sou eu, querida. – Fechou a porta atrás de si e deu um sorriso conspirador – As senhoras estão todas lá em cima, descansando, antes da encenação, e os cavalheiros estão com Curling na biblioteca. ─ E, o que você está fazendo aqui? Você tem algum papel na peça? ─ Não, minha queridíssima Prudence, estou aqui porque devo falar com você. – Edward atravessou o cômodo e se ajoelhou frente a ela. Tomou sua mão entre as suas – Querida, estava sonhando em vê-la a sós. Prudence tentou libertar a mão discretamente e fracassou. ─ Por quê? ─ Porque tenho tanta coisa para explicar-lhe. – Edward beijou a mão que estava segurando – Você deve acreditar em mim, quando lhe digo que nunca esqueci aquele mágico verão em Dorset. ─ Que verão? Tivemos vários. De fato, temos um verão todos os anos. ─ Que humor encantador, querida. Mas, existe apenas um verão que vive em meu coração, queridíssima Prudence. – Os olhos de Edward ficaram plenos de emoção – e, foi o verão em que a conheci. Não posso acreditar que você tenha esquecido o que significamos um para o outro.
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─ Edward, se você não se incomoda, eu tenho que me concentrar em decorar as minhas falas. – Prudence tentou puxar sua mão e libertá-la de uma vez. Edward agarrou-se ao seu tesouro. ─ Você não pode saber o que senti quando a vi outra vez, no parque. A sua visão trouxe de volta todas as lembranças. Meu amor, minha vida está muito vazia sem você. ─ Edward, você está casado. Dificilmente, poderia dizer que a sua vida está vazia. ─ Mas, é verdade. Estou tão sozinho, meu amor. Você deve saber que o meu casamento é uma união sem amor, fui obrigado pelo bem da família e pelo título. Minha esposa não entende as minhas necessidades. Prudence começou a ficar irritada. ─ Ao que parece, eu tampouco as entendia, se fosse assim, eu teria dado conta que você estava apenas se divertindo comigo, naquele verão em Dorset. ─ Minha querida, não há nada mais distante da verdade. Foi somente pelo estrito sentido familiar que fui obrigado a abandoná-la. Não tive outra opção, meu amor. ─ Quando começou o verão, você poderia ter me dito que não estava livre para amar quem quisesse – disse Prudence secamente – Não gostei de ser a última a saber. ─ Desculpe-me, mas não consegui suportar dizer-lhe – Edward cobriu sua palma da mão de beijos – Confesso que os momentos que estive com você foram roubados, querida. Era tudo o que eu podia lhe dar, tudo que eu podia dar a mim mesmo. E, não foi o bastante para nenhum dos dois, não é mesmo? ─ Na verdade, creio que foi o suficiente para mim. – disse Prudence. Edward sorriu tristemente. ─ Não pode me esconder os seus verdadeiros sentimentos, Prudence. Eu sei que o seu amor por mim era muito bom e puro para que tenha se extinguido. ─ Temo que não era tão magnífico ou tão puro, porque parece que se apagou como uma vela.
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─ Então, irei dedicar-me a reacender as cinzas, que devem estar brilhando em algum lugar dentro de você. – prometeu Edward. Prudence se perguntou fugazmente como poderia ter levado a sério Edward, naquele verão em Dorset. Contudo, lembrou a si mesma, que na ocasião era três anos mais jovens, e nem havia conhecido Sebastian. ─ Acredito que Angelstone não vai apreciar os seus esforços. – acrescentou Prudence. ─ Angelstone. Aquele canalha. – Edward apertou-lhe ainda mais a sua mão; Não posso acreditar que irá se casar com o próprio Anjo Caído. Você é uma mulher de luz e calor, dói em mim pensar em você abraçado com um homem tão frio. Prudence enrugou o cenho. ─ Angelstone não é frio, em absoluto. ─ Dizem que tem gelo nas veias. ─ Bobagens – disse Prudence vigorosamente – Faz tanto tempo que se comporta como se assim fosse que ele mesmo acredita que assim seja. Tem o talento da interpretação no sangue. Porém, com toda certeza, ele não tem gelo nas veias. Edward olhou para ela com lástima. ─ Querida, você é muito generosa. Não entende como Angelstone é perigoso. Pelo carinho que um dia nós compartilhamos você deve me escutar. Não permita ser arrastada pelo Senhor das Trevas. ─ Tenho toda intenção de arrastá-la comigo, Underbrink – disse Sebastian do portal. Sua voz era perigosamente suave e muito, muito fria – Dessa maneira, eu o aconselharia a afastar imediatamente as mãos de minha noiva. Edward afastou as mãos de Prudence como ela o queimasse, e ficou em pé de um salto. ─ Angelstone. Prudence sorriu para Sebastian. ─ Olá, Angelstone, eu não ouvi você entrar. ─ Obviamente. – Sebastian descansava encostado no portal, com os braços cruzados no peito. Mantinha a atenção sobre Edward – O que está acontecendo aqui?
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─ Estamos ensaiando – disse Prudence docemente – Nada mais. Não é verdade Underbrink? Edward ficou vermelho. ─ Sim, - gaguejou – Estamos ensaiando, eu ajudava Prudence... quero dizer, Miss Merryweather...., para decorar suas frases. ─ Fuja – murmurou Prudence com seu melhor tom dramático – Fuja imediatamente. Não preciso da sua ajuda, milord. Angelstone pode me ajudar a decorar o meu diálogo. ─ Sim, claro que sim – Edward correu o dedo por baixo do colarinho firmemente amarrado – Com as minhas desculpas, Miss Merryweather. ─ Adeus, Lord Underbrink. Edward se dirigiu para a porta preocupado, claramente não tinha certeza que Sebastian iria se mover. No último momento Sebastian afastou-se indolentemente para o lado, e Edward moveu-se furtiva e rapidamente, e fugiu dali. Sebastian levantou uma sobrancelha quando olhou para Prudence. ─ Ensaiando? ─ Sim, e como você deve saber, Angelstone, descobri que atuar é muito difícil. ─ Isso é o que minha mãe sempre dizia. ─ Não entendo como o elenco vai conseguir aprender as frases para essa noite. ─ A maior parte do elenco não irá se importar. – Sebastian se aproximou dela ─ Simplesmente, lerão as frases no cenário. ─ Oh, Deus. Você acha que eu estou perdendo tempo? – Prudence sorriu pesarosamente. – Na verdade é uma peça muito boba. ─ Ah, sim? ─ Sim, é sobre uma mulher que está noiva de um homem muito interessante, chamado Lord Braxton, mas ela acredita tolamente, que está apaixonada por uma criatura extremamente estúpida chamada Gerald. Se eu fosse ela, daria adeus a Gerald e permitiria que o misterioso Lord Braxton me arrastasse. ─ É mesmo? – Sebastian a colocou em pé e enquadrou seu rosto com as mãos.
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─ Sem dúvida nenhuma. – Segurou o fôlego, perguntando-se se ele a beijaria – Isso é exatamente o que eu faria. ─ Fico encantado em ouvir isto. – Roçou ligeiramente a boca com a sua – Bom então, quer que eu lhe ajude a aprender a sua parte? ─ Você se incomodaria? ─ De maneira nenhuma. Eu tenho a interpretação no sangue, como você sabe. Mais tarde, nessa noite, Prudence despediu-se da donzela idiota que havia sido designada a ela, e de muitas outras senhoras, e começou a encaminhar-se para seu quarto. O silêncio havia caído sobre Curling Castle. Todos os convidados haviam se retirado para seus cômodos, depois de uma noite de teatro, jogos de cartas e bebidas. Prudence ficou muito orgulhosa da sua estreia no palco. Foi a única que se lembrou das falas de sua personagem, e sentiu-se ridiculamente feliz quando Sebastian aplaudiu sonoramente em resposta à sua atuação. Mas, neste momento estava pronta para a verdadeira aventura desta noite. Prudence havia trocado a roupa de dormir, assim que a donzela fechou a porta, atrás de si. Voltou a vestir-se rapidamente, com um grosso vestido de lã que havia levado consigo para a ocasião, e agora esperava impacientemente que Sebastian fosse buscála para poder começar a investigação. Parecia que havia passado uma eternidade, antes que a porta se abrisse de improviso e Sebastian entrasse silenciosamente no cômodo. Olhou para trás, sobre o ombro quando ele lhe fez um sinal. ─ Você está pronta? ─ É claro. – Prudence pegou uma vela apagada e correu até a porta – Por que demorou? ─ Estava esperando que diminuísse o tráfego no corredor. – sorriu – Você sabia que o jovem Dodwell tem uma aventura com Lady Keegan? ─ Lady Keegan? – Prudence estava assombrada – Mas, deve ter o dobro da idade dele. Sem contar que é casada.
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─ Não sei se você está lembrada, mas o marido dela está na cidade. – Sebastian tocou os lábios com um dedo – Agora, nem mais uma palavras, até nós chegarmos às escadarias. Segurou sua mão e a guiou rapidamente pelo silencioso corredor. Prudence percebeu que ainda não teriam necessidade da vela, pois a luz dos candelabros nas paredes iluminada o suficiente para que as portas e as escadas fossem vistas. Ao que parecia, Lord Curling estava bem consciente dos hábitos noturnos de seus convidados. A escadaria que levava ao terceiro andar era completamente diferente, pois estava absolutamente às escuras e uma fria corrente de ar se fazia sentir entre as saias do pesado vestido de Prudence. Sebastian não permitiu que Prudence acendesse a vela até que chegassem ao piso superior da escada, e estivessem fora de visão, nas profundas sombras do corredor mais alto. Quando a vela oscilou e cobrou vida, Sebastian a pegou e a manteve no alto. ─ Como saberemos em que cômodo Ringcross estava quando morreu? ─ Hoje, mais cedo, fiz com que o meu valete realizasse discretas investigações entre os criados – explicou Sebastian ─. Um deles disse que era o cômodo da torre sul. ─Faz muito frio aqui em cima. – Prudence friccionou os braços energeticamente em quanto caminhava em direção à ala sul do castelo irregular. ─ Curling disse que nunca usava esse andar, portanto não faz sentido gastar calefação aqui. ─ Se este piso nunca é utilizado, o que estaria fazendo Ringcross aqui em cima na noite que morreu? – perguntou Prudence. ─ Uma boa pergunta, minha querida. – Sebastian parou em frente à porta fechada, no final do corredor – Deve ser este o cômodo. Prudence tentou girar a maçaneta. ─ Está fechada com a chave. ─ Eu me encarregarei disto. Tome, segure a vela.
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Prudence segurou a vela, e observou admirada enquanto Sebastian pegava um pequeno pedaço de metal de sua manga e enfiava cuidadosamente, dentro da fechadura. ─ Abra-se para mim, querida – sussurrou Sebastian à fechadura ─. Isso mesmo, deixe-me entrar. Dê-me o que eu desejo. Ah, sim, é isso. É isso o que eu precisava. Lindo. Houve um pequeno ruído, então Sebastian girou a maçaneta e abriu a porta. As dobradiças rangeram de forma espectral. Prudence estava impressionada. ─ Muito inteligente, milord. Sebastian sorriu enquanto entrava no cômodo. ─ Obrigado, querida. É sempre muito agradável que apreciem nossas pequenas vitórias. ─ Você precisa me ensinar a fazer isso – disse Prudence. ─ Não tenho certeza de que seja uma ideia sensata. Se eu ensinar todos os meus truques, talvez você decida não continuar mais comigo. ─ Bobagem – Prudence começou a segui-lo dentro do quarto escuro ─. Somos uma equipe, milord. Devemos compartilhar nossa experiência com o... Deus do céu. ─ Engasgou quando uma onda de frio profundo e implacável percorreu o seu corpo. ─ O que foi? – perguntou Sebastian. ─ Eu não sei. – Prudence olhou para a vela que tinha na mão, completamente certa de que esta havia se apagado, porém a chama ainda ardia ─ Está gelado aqui em cima. ─ Não mais que o corredor. ─ Mas, eu estou sentindo muito mais frio. – Levantou a vela e olhou ao redor. Os móveis se limitavam a uma cama de aspecto estranho, com postes de ferro, um armário maciço, uma mesa e pesadas cortinas que cobriam as janelas. ─ É tudo negro – sussurrou Prudence assombrada. – As cortinas, a roupa de cama, o tapete. Tudo. – Levantou ainda mais a vela e examinou duas correntes penduradas na parede. – O que poderia ser isto?
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Sebastian caminhou pelo cômodo e examinou as correntes. ─ Algemas. ─ Deus do céu! Que estranho! Você acha que algum dia, isso foi um calabouço? ─ Não. Os calabouços geralmente são construídos em baixo da casa, não na parte superior. ─ Uma decoração muito pouco convencional. ─ Sim. – Sebastian pegou a vela das mãos de Prudence e começou a se movimentar lentamente pelo quarto. Prudence estava tremendo enquanto o observava. Pensou que, sem dúvida nenhuma, ali fazia muito mais frio do que no corredor. Perguntou-se por que Sebastian não havia sentido a diferença, pois não era apenas o frio do cômodo que a incomodava; havia uma desagradável sensação tenebrosa e sombras que não tinham nada a ver com a penumbra comum da noite. ─ Sebastian, tem algo de muito ruim acontecendo neste quarto – disse com urgência. Olhou para ela preocupado. ─ Maldição! Você está assustada. Não deveria tê-la trazido aqui. Vamos, vou levá-la de volta ao seu quarto. ─ Não. – Tentou um sorriso de tranquilidade – Não, estou muito bem. Apenas, estou com um pouco de frio. ─ Tem certeza de que não quer voltar para o seu quarto? ─ E, perder a oportunidade de observar as suas técnicas de investigação? Definitivamente, não – disse firmemente. – Continue, milord. Ele olhou para ela desconfiado. ─ Muito bem. Porém se você ficar amedrontada deve me dizer imediatamente, pois não vou permitir que este assunto aterrorize você. ─ Eu asseguro que não estou aterrorizada, em absoluto. – Prudence procurou uma forma de mudar de assunto. – Sabe, não consigo imaginar que utilizem esse quarto para os hóspedes. É muito incomum.
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─ Concordo com você. – Sebastian parou em frente ao armário e o abriu. – Poucos convidados da casa se sentiriam à vontade neste dormitório. ─ Tem alguma coisa dentro desse armário? – Prudence deu um passo para ficar mais perto, momentaneamente distraída diante da intensa expressão de concentração que viu no rosto de Sebastian. ─Não, parece vazio. – Sebastian inclinou-se até o armário. – Mas, há muitas gavetas dentro dele. ─ Deixe-me ver. – Prudence olhou, e viu que várias gavetas ocupavam a maior parte do espaço interno. – Pergunto-me o que se guardaria aqui. ─ Não tenho ideia. – Começou a abrir sistematicamente as pequenas gavetas. Estavam todas vazias, exceto a última no canto inferior, à direita, Sebastian estava quase fechando, como fez com todas as demais, quando franziu o cenho e parou. ─ O que foi? – Prudence estava na ponta dos pés, tentando enxergar por cima do ombro de Sebastian, e viu o brilho do ouro, em um canto da gavetinha. – Uma moeda. ─ Não, um botão. – Sebastian pegou o pequeno objeto de ouro da gaveta e o sustentou em frente à vela. – Tem uma gravação. – Estudou atentamente, - “Os Príncipes da Virtude”. ─ Virtude? Você acha que o botão pertence a um evangelista? ─ Duvido muito. – Sebastian estava pensativo. – Os membros de alguns clubes de cavalheiros, frequentemente fazem gravações nos botões, como os nomes dos clubes secretos. ─ Você alguma vez ouviu falar de um clube chamado “Os Príncipes da Virtude?” ─ Não – Admitiu Sebastian. – Não. Porém, talvez eu possa saber alguma coisa a respeito, quando voltarmos para a cidade. – Deixou cair o botão no bolso e fechou a gaveta. ─ Suponho que não seja muito provável que o botão nos dê algum indício sobre a razão da morte de Ringcross – Disse Prudence desiludida. – Duvido que haja alguma relação, e suspeito que há anos esse botão está caído aí, dentro desta gaveta.
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─ Nunca se sabe – disse Sebastian enigmaticamente. Fez menção de fechar as portas do armário e parou. Inclinou mais uma vez à frente. ─ O que foi? ─ É uma emenda pouco comum na madeira – disse Sebastian. Prudence se aproximou para olhar. ─ Parece muito com o tipo de emenda que encontrei no piso onde estavam escondidas as joias de Lady Pembroke. ─ Acho que tem uma parede falsa nesse armário. – Sebastian empurrou a parte posterior do armário apenas para experimentar, e não aconteceu nada. – Provavelmente existe um ressalto oculto em algum lugar. Prudence se dirigiu a parte traseira do armário para dar uma olhada na parte exterior. ─ O armário está encostado na parede, Sebastian. Inclusive mesmo que você consiga abrir a parte posterior, só irá encontrar pedras. ─ Mas, eu adoraria solucionar este pequeno mistério. – Sebastian continuou examinando o interior do armário. Prudence entendia o ímpeto que o impulsionava. Ela também estava curiosa para saber se havia um mecanismo oculto criado para abrir a parte posterior do armário. Ajoelhou para ver se havia algum sinal de uma alavanca ou mola embaixo do armário. Pelo rabo do olho vislumbrou um pequeno objeto embaixo da cama. ─ Sebastian, tem alguma coisa aqui. ─ O que é? ─ Está embaixo da cama. Acho que é uma pequena caixa. – Prudence engatinhou até a cama. – Abaixe um pouquinho a vela. ─ Deixe que eu faça isso. – Sebastian se inclinou e a puxou para cima. – Não sabemos que outra coisa possa haver embaixo desta maldita cama. Prudence enrugou o nariz diante dos ombros largos de Sebastian, enquanto este se apoiava sobre um dos joelhos.
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─ Muito bem, mas gostaria que você lembrasse quem foi que encontrou essa prova, em particular, seja lá o que for. ─ Eu exploraria embaixo da cama, no seu tempo devido. – Sebastian esticou a mão e segurou um pequeno objeto. ─ E, então? – Perguntou Prudence ansiosamente. – O que é? ─ Uma caixa de rapé. ─ Tem mais alguma coisa aí embaixo? – Perguntou Prudence. ─ Apenas um urinol. – Sebastian ficou em pé e virou a caixinha de rapé entre suas mãos, e abriu. – Havia um pouco de rapé, ali dentro. – Sustentou a caixa próxima do nariz, e inalou cuidadosamente. – Um aroma muito característico. ─ Fico feliz que você não use rapé. – comentou Prudence – É um hábito muito desagradável. ─ Porém, também, é muito comum, e esta é uma caixa de rapé. Se parece com dezenas de caixas que os cavalheiros usam na cidade. – Sebastian ficou em pé. – Contudo, esta mistura é pouco comum. Seria possível descobrir qual o vendedor de fumo o criou e para quem foi criada. ─ Talvez, tenha pertencido a Ringcross, o qual poderá nos dizer muito pouca coisa. ─ Não tenho tanta certeza disso. – Sebastian percorreu o cômodo escuro com outro intenso olhar. – Alguém poderia pensar que se houvesse pertencido a Ringcross, teria caído pela janela junto com ele. A menos que tenha havia uma luta nesse quarto antes que ele morresse, e de alguma forma a caixa caiu do seu bolso. Prudence olhou fixamente para ele. ─ Você realmente acredita que este seja um caso de assassinato? ─ Ainda é muito cedo para saber. Mas, a cada minuto, a investigação fica mais interessante. – Foi até a janela e correu as pesadas cortinas. Prudence olhou para a grande janela. ─ Seria muito difícil cair daí, a menos que alguém estivesse em pé no parapeito.
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─ Sim, mas é claro que alguém poderia empurrar um homem por cima do parapeito. – disse Sebastian, Prudence voltou a estremecer quando sentiu outra onda de frio profundo e interminável. ─ Ou, poderia saltar. Repentinamente, sentiu-se inundada de emoções que pareciam emanar de alguma outra fonte que não dela mesma. A ira e o terror se mesclaram em seu interior por um instante e fizeram que sentisse outro calafrio. Prudence cambaleou diante do feroz ataque e compreendeu imediatamente que não era ela quem na realidade sentia essas sensações horrorosas. Mais alguém havia experimentado essas sensações terríveis naquele quarto. Outra mulher. Prudence estava certa disto. ─ Prudence? – Sebastian sustentava a vela no alto e olhava para o rosto de Prudence. – O que está acontecendo? Prudence elevou o olhar para ele, desejando que Sebastian entendesse. ─ Creio que encontrei com o meu primeiro fantasma verdadeiro. ─ Basta. – A tomou em seus braços e se dirigiu com determinação para a porta. – Isto foi demais para você. Vou tirar você daqui, imediatamente. ─ Sebastian, não é minha imaginação, eu lhe juro que alguma coisa terrível aconteceu aqui, e não tenho certeza que tenha alguma coisa a ver com Ringcross. Posso sentir a presença de uma mulher. ─ Acalme-se, meu amor. ─ Mas, Sebastian...
Ele arrastara Prudence pela porta, detendo-se apenas o tempo suficiente para fechar o quarto, e a seguir apressou-se a atravessar o negro corredor até as escadarias. Prudence ficou consternada. ─ Você acha que estou permitindo que a minha imaginação se apodere dos meus sentidos, não é mesmo? ─ Você é uma mulher muito criativa e inteligente, querida. Tais talentos às vezes têm as suas desvantagens.
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─ Isso é um disparate. Acontecimentos terríveis tiveram lugar nesse cômodo, Sebastian. Talvez, estejam relacionados com a morte de Ringcross, talvez, não. Mas, eu lhe juro que ali aconteceu alguma coisa espantosa. ─ Não vou discutir com você, Prue. – Sebastian a conduziu rapidamente pelo longo corredor até as escadarias. ─ Você não acredita em mim. – disse. ─ Admito que não acredito em fantasmas. Também admito que tenho preferência por fortes e sólidas evidências, antes de chegar a alguma conclusão. ─ Em outras palavras, você acredita que sou vítima de uma imaginação muito ativa. ─ Querida, o simples fato de você decidir investigar os fenômenos espectrais, como passatempo, já indica que a sua imaginação é certamente muito ativa. Não se ofenda, mas você deve entender que o meu próprio passatempo requer um enfoque mais estritamente investigativo. ─ Como assim? Você acha que o seu enfoque é superior ao meu? ─ Talvez não no caso dos fenômenos espectrais, porém quando se trata de investigar um crime, sem dúvida nenhuma. ─ Isso é algo insuportavelmente arrogante e depreciativo de sua parte. ─ anunciou Prudence – Meus métodos são tão eficientes como os seus. Sem aviso, a porta à direita por onde eles estavam passando, de repente abriuse. Houve um ranger e depois uma vela oscilou. Um velho com uma barba desgrenhada olhou para eles. ─ Mas, que diabos? – Sebastian colocou Prudence atrás dele e voltou-se para enfrentar a figura envelhecida que estava no portal. – Quem é você? O velho não lhe deu confiança e olhou para Prudence com olhos úmidos. ─ Você não é ela. – O rosto com rugas profundas veio abaixo com evidente desencanto. ─ Como disse? – Prudence estava na ponta dos pés para olhá-lo da sua posição, exatamente atrás do ombro direito de Sebastian.
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─ Eu disse que você não é ela, eu estou escondido aqui em cima desde que a outra morreu, tenho esperado por ela. Imaginei que viria buscar os demais, e queria ver por mim mesmo. ─ Quem você estava esperando encontrar? – perguntou Sebastian. ─ A pobre mocinha que pulou e morreu da quarto maldito. – O homem deu um olhar astuto para Sebastian. – Fui eu quem a encontrou, sabia? ─ Não, não sabia. – Disse Sebastian. ─ Eu a encontrei no riacho. Disseram que havia caído e se afogado, porém eu a vi saltar. Eles levaram o corpo para o arroio e a jogaram ali para que as pessoas pensassem que havia caído e se afogado, mas eu sei que não foi assim. Prudence percebeu que o homem estava meio perturbado, mas acreditou em cada uma de suas palavras. ─ Quem é você? ─ Higgins. Chamam-me de Higgins, O Idiota. - Higgins riu silenciosamente, e revelou uma boca quase sem dentes. ─ Quando a mocinha jogou-se, Higgins? – Perguntou Sebastian. ─ Há muito tempo. – Agora, Higgins falava com voz monótona e seus olhos pareciam concentrados em algo muito distante. – Mas, eu não esqueci. ─ Ringcross foi o culpado? – quis saber Sebastian. ─ Todos foram culpados. – Higgins acrescentou – E, todos vão pagar por isto. Você verá. Todos irão pagar. Você sabe, antes dos malditos saltarem... Eu lhes disse que ela seria vingada, e agora, já começou. ─ Ela voltou por causa de Ringcross? – Prudence segurou o braço de Sebastian. – É isso que você está tentando nos dizer Mrs. Higgins? ─ Voltará por causa dos outros também. – Higgins afastou-se do portal e começou a caminhar pelo corredor. ─ Espere! Quem são os outros? – perguntou Sebastian rapidamente – Quando a mocinha pulou? Porém, Higgins já não lhe prestava atenção, cantarolou algo desafinadamente e continuou a caminhar pelo corredor. Sebastian fez menção de ir atrás dele.
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─ Deixe-o ir. – disse Prudence – O pobre homem está louco. Se você tentar perguntar-lhe mais alguma coisa, só irá deixá-lo mais agitado. Não se sabe o que poderá fazer, além de poder causar um alvoroço e alarmar toda a casa. Só faria com que perdêssemos as possibilidades de completar a investigação. ─ Maldição, ele sabe algo sobre este assunto. – Sebastian o observou frustrado, enquanto Higgins virava no canto do escuro corredor e se saia de vista. ─ Talvez, menos do que você acredita. – disse Prudence pensativamente. – Parecia estar delirando. A morte da menina pode ser apenas uma velha lenda, que de alguma forma se confundiu com a morte de Ringcross. ─ Quem você acha que ele é? ─ Não tenho ideia. Talvez, um velho criado da família que se aposentou há tempos. – Prudence sorriu – Ou, talvez, um fantasma. Sebastian olhou para ela sombriamente, enquanto a segurava pelo braço e a guiava até as escadarias. ─ Esse não era nenhum fantasma. ─ Como você sabe? Nunca se encontrou com nenhum. ─ Eu irei reconhecer quanto encontrar algum. – Sebastian chegou às escadas e apagou a vela. Havia uma débil claridade dos candelabros do andar de baixo. – Você, por sua parte, já viu coisas demais esta noite. Bobagem. Eu não vou deixar você faça com que pareça que eu tenho o hábito de ver aparições. Eu lhe garanto que não. O fato de sentir alguma coisa estranha naquele cômodo não significa que você seja débil mental. ─ Shhh. – Sebastian parou no meio da escada. Encostou-se contra a parede e tomou Prudence entre seus braços, e virou para que o rosto dela ficasse oculto em seu peito. ─ O que você está fazendo? – murmurou Prudence contra a camisa. ─ Silêncio – sussurrou em seu ouvido – O trânsito no corredor parece estar animado de novo. ─ Ah.
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Em algum lugar do corredor, uma porta se fechou. Sebastian esperou mais um momento, antes de soltar Prudence. ─ Creio que estamos a salvo. Era Larkin. Passou na ponta dos pés pela escada e não levantou os olhos. Vamos, voltemos para o seu quarto, pois pode ser que na próxima vez não tenhamos tanta sorte. ─ É muito emocionante, não é mesmo Sebastian? – Prudence se deixou levar rapidamente até a parte inferior das escadarias. – Creio que vou adorar a nossa sociedade. ─ Confio que sim, meu amor. – murmurou – Infelizmente, eu temo que os meus nervos sofram com a experiência. Alcançaram a porta do quarto de Prudence sem maiores incidentes. Prudence pode sentir o suspiro de alívio de Sebastian, que abriu a porta. Prudence ouviu o ranger de outra porta no corredor, entrou rapidamente no cômodo e girou para assegurar-se que quem estivesse andando pelo corredor nesse momento não visse Sebastian. Sebastian estava logo atrás dela, e fechou a porta com tanta cautela que não produziu nenhum ruído. ─ Maldição! – Largou a maçaneta – Essa foi por pouco. ─ Sim, mas agora, nós estamos a salvo. – Prudence acendeu uma vela. A oscilante chama revelou a expressão resoluta do rosto de Sebastian. Ela o olhou surpresa. – Alguma coisa errada? Tenho certeza que você poderá voltar para o seu quarto, dentro de um ou dois minutos. ─ Já que estamos aqui – disse Sebastian – tem uma coisa que desejo falar com você. – Prudence percebeu um olhar de inequívoca posse. – Agora, parece ser um momento tão oportuno quanto qualquer outro. Prudence sorriu transbordante de entusiasmo. ─ Eu suponho que você queira analisar os resultados da investigação desta noite. Deveríamos anotar algumas coisas, me dê um momento para eu pegar o meu diário.
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─ Mais tarde. – Os olhos de Sebastian reluziam os dourados da luz da vela. – O que eu quero falar agora é de caráter muito mais pessoal. ─ Pessoal? ─ Sim. Deu dois passos até ela e a tomou entre seus braços. ─ Muito pessoal. A batida suave na porta chegou justamente quando Sebastian cobria a boca de Prudence com a sua.
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Capítulo 9
─ Maldição! – Sebastian interrompeu o beijo e virou a cabeça para a porta. Nunca apresentara um aspecto mais perigoso. – Quem, em nome do demônio, acha que pode bater na sua porta a essa hora da noite? ─ Não tenho ideia. – Ela enrugou o cenho preocupada, enquanto via a fúria fria que renascia no olhar de Sebastian. – Pelo amor de Deus, acalme-se. Deve ser Lady Pembroke, talvez esteja precisando de ajuda. ─ Não acho provável. – Sebastian girou sobre os seus saltos e se dirigiu para a porta. Alarmada diante da atitude ameaçadora de Sebastian, Prudence quis agarrá-lo pelo braço e falou: ─ Sebastian, espere. Você não deve abrir a minha porta. ─ Nem pense em responder a esse chamado. ─ O que você acha que eu posso fazer. – Prudence correu atrás dele. – Este não é um enfoque lógico e racional do assunto. ─ Errado, Prudence. É uma tática muito lógica. Meu enfoque será muito efetivo para colocar um fim a futuras visitas noturnas, por parte de quem quer que seja! ─ Devo lembrá-lo que dessa forma será extremamente difícil rompermos o nosso compromisso, se as pessoas acreditarem que temos o hábito de partilhar o quarto. Todo esse assunto é muito desagradável. Houve outra batida suave na porta. Sebastian lançou-lhe um olhar debochado de soslaio. ─ Minha querida, você não conhece o significado da palavra desagradável. Para Prudence era o suficiente. ─ Isto é uma bobagem, você não está pensando claramente. É óbvio que as emoções masculinas estão governando a sua cabeça. ─ Ah, é? – Sebastian já estava com a mão na maçaneta – E, exatamente o que você faria nesta circunstância, Miss Merryweather?
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─ O mais prático. Entrar no armário e ficar ali, enquanto eu me encarrego disto. Ele dirigiu um olhar de completa incredulidade, e a seguir abriu a porta intempestivamente. Prudence ficou tão irritada, diante da arrogância de Sebastian, que por uns segundos, não registrou a identidade do visitante noturno. Ficou de boca aberta quando reconheceu Edward. Lord Underbrink estava em pé no corredor, de chinelos e uma bata azul escuro, bordada com o brasão da família. Não percebeu Sebastian, já que estava muito ocupado, olhando a esquerda do corredor para assegurar-se de que ninguém o estivesse vendo. ─ Boa noite, Underbrink. – disse Sebastian com voz que poderia congelar o próprio inferno. – Para sermos mais eficientes, poderíamos pular as formalidades. Vamos direto ao assunto. Farei com que meus padrinhos desafiem os seus, quando voltarmos à Londres. ─ O quê? – Edward deu um salto de uns seis centímetros de altura. Virou a cabeça com um gritinho, enquanto cravava o olhar em Sebastian com horror crescente. – Maldição, Angelstone! Desculpe-me! Parece que bati na porta errada. ─ Uma observação brilhante. É a porta errada, sem dúvida nenhuma a porta. ─ Foi um erro, eu lhe asseguro. – gaguejou Edward. ─ Um engano que vai sair caro. ─ Ora, o que é isso? – Balbuciou Edward – Certamente, não irá me desafiar por bater à sua porta. ─ Esta não é a minha porta. – disse Sebastian. Edward fingiu uma confusão transtornada. ─ Ah, não? Mas, você está em pé no portal. Acho que não estou entendendo. ─ É a porta da minha noiva, Underbrink, e você sabe perfeitamente bem. Sem dúvida nenhuma não tenho intenção de discutir esse assunto agora. Prefiro fazê-lo com pistolas. Edward estava aflito. ─ Eu lhe asseguro que foi um equívoco. Tive a impressão que era a porta de outra senhora. Uma senhora mais velha, e casada há anos. Nestas circunstâncias, eu
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estou certo que você poderá entender que dificilmente eu poderia revelar o seu nome, mas é claro que não era Miss Merryweather. ─ Boa noite, Underbrink. Edward estava claramente desesperado. ─ Milord, não pode me desafiar por isto. ─ É isso exatamente o que eu vou fazer. – Sebastian começou a fechar a porta. Prudence colocou a mão sobre o braço de Sebastian para impedi-lo. ─ Milord, deixe de fazer confusão. – Sorriu para Edward de forma tranquilizadora. – Tenho certeza que Lord Underbrink não tinha intenção de insultá-lo. ─ Em absoluto. – Edward olhou para ela em agradecimento. – A porta errada, foi esse o problema, pois todas são muito parecidas neste maldito corredor. ─ Sim, é claro. – Prudence se perguntou por que não havia notado antes como Edward era flácido e inútil. – Posso entender perfeitamente o que aconteceu. E, esta noite há muito atividade no corredor, não é mesmo? Sempre me pergunto como os convidados estão conseguindo dormir. Sebastian lançou-lhe um olhar de advertência. ─ Prue, mantenha-se distante disto. ─ Não, não me afastarei – disse calmamente – Pare de aterrorizar Lord Underbrink. Ele cometeu um erro e está muito arrependido. ─ Vai ficar ainda mais arrependido quando eu acabar com ele. – Prometeu Sebastian. Edward recuou amedrontado. ─ Milord, eu lhe rogo que me desculpe. Asseguro que tudo não passou de um enorme mal entendido. ─ Vê, Angelstone? Underbrink já se desculpou. – Prudence sorriu benignamente aos dois homens, mas cravou um olhar decisivo em Sebastian. – E, você vai aceitar amavelmente a desculpa, antes que atraiamos atenção inapropriada. Sebastian olhou Edward com olhos tortos. ─ Vou me encarregar de você mais tarde, Underbrink.
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─ Angelstone você está se comportando de forma muito irracional – disse Underbrink freneticamente. ─ Sim, é verdade, Angelstone. – Prudence deu um puxão que se mostrou inútil, no braço de Sebastian. – Agora, termine com essa estupidez imediatamente. – Virouse para Edward. – Boa noite, milord. Posso lhe assegurar que este assunto está acabado. Angelstone não irá desafiá-lo. Edward na parecia estar muito seguro, mas sim cheio de esperança. Deu um passo para trás e inclinou a cabeça com rígida formalidade. ─ Boa noite, Miss Merryweather. Mais uma vez, lamento muito tê-la perturbado esta hora da noite. ─ Não se preocupe. Ultimamente parece-me que estou de um lado para o outro nas horas mais inusitadas, com uma frequência surpreendente. – Prudence esticou o braço ao redor de Sebastian e fechou a porta suavemente. Sebastian virou-se para ela, ainda ardendo de raiva. ─ Não se atreva a voltar a interferir assim, novamente. Não irei tolerar. Prudence olhou para ele cautelosamente, mas não retrocedeu. ─ Você se comporta de forma irracional, e completamente ilógica. Underbrink cometeu um simples engano. ─ De forma nenhuma. Ele esteve aqui, nesta porta em particular e nesta hora indecente, para vê-la. Prudence ignorou as suas palavras. ─ E, por que faria isto? ─ Por que deseja você, sua tolinha inocente. Não teve você há três anos, e agora está se perguntando o que perdeu. Prudence ruborizou. ─ Não seja estúpido. ─ Estou apenas contemplando os fatos. ─ Você não sabe de nada. ─ O seu irmão me contou toda a história. – disse Sebastian.
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─ Ah, sim? – Isso travou Prudence por um instante – Bom, eu lhe asseguro que quaisquer que fossem os sentimentos de Lord Underbrink por mim, há três anos, já desapareceram. Casou-se com outra mulher e fim do assunto. ─ Para mim, parece que não. – O brilho da vela fazia que as feições do rosto de Sebastian adquirissem um ar diabólico. – Ao menos de sua parte. E, você Prue? O que sente por ele depois de todo esse tempo? ─ Sem dúvida nenhuma, não estou apaixonada por ele, se é isto que o preocupa, milord. – Prudence levantou o queixo. – Ainda que não consiga entender que seja um assunto seu. ─ Sem dúvida nenhuma é um assunto meu. – Sebastian cruzou com elegância o cômodo – Além do mais, você não pode se comportar como se o meu interesse pelo assunto fosse algo estranho ou incomum. Caso você não se lembre, nós estamos noivos. Aquela atitude arrogante, acerca do compromisso, enfureceu Prudence. ─ Você parece que ultimamente está sofrendo de lapsos de memória. Ou, já esqueceu que o nosso compromisso é uma farsa? Sebastian envolveu uma das mãos em torno do pilar da cama e a olhou com olhos velados e inescrutáveis. ─ Desejo falar com você sobre o nosso compromisso. Já estou farto dessa bobagem. Prudence foi invadida pelo desânimo. ─ Você quer terminar tão cedo? – Perdeu o fio da meada, enquanto procurava torpemente um motivo lógico e racional que impedisse o inevitável. – E, a nossa investigação? ─ Esqueça essa maldita investigação. Estou começando a pensar que se pudéssemos medir, eu chegaria depois do seu interesse por esta investigação. ─ Eu não quis dizer que você é menos importante. – disse desesperada. – Na realidade, nunca conheci um homem mais indiscutivelmente interessante. Estou convencida de que seu intelecto está entre os mais altos. Estou impressionadíssima pela sua natureza inquisitiva, e por sua astúcia com as fechaduras.
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─ Já chega! – Soltou o pilar da cama e se aproximou dela com um inflexível propósito. ─ Sebastian? O que você vai fazer? ─ Por que não aplica um poço da sua inteligência para responder à esta pergunta, Miss Merryweather? Tenho certeza que chegará rapidamente à resposta. Antes que ela se desse conta, ele a atraiu para seus braços e girou. ─ Sebastian. Ele colocou-a sobre a cama suavemente e se estendeu sobre ela, prendendo-a sob o seu corpo firme. Prudence respirou fundo, pois o peso de Sebastian era maravilhosamente excitante. Ela podia sentir o seu calor através da várias camadas de roupas. Vibrou, quando Sebastian tirou seus óculos. ─ Apenas dessa vez, Prue – disse Sebastian contra a garganta de Prudence – poderia pensar em mim, ao invés dessa maldita investigação? ─ Há vários minutos que não penso em outra coisa, a não ser em você. – Segurou nos ombros de Sebastian e tentou concentrar-se em sua implacável fisionomia. O fogo dos seus brilhantes olhos fez com que se sentisse em brasas. – O quê você está fazendo? ─ Vou fazer amor com você. – Inclinou-se e tirou-lhe os sapatos dos pés. ─ Agora? Esta noite? ─ Sim, agora. Esta noite. – E, começou a trabalhar nos botões do vestido de lã. Um momento depois, Prudence sentiu os dedos dele sobre a pele desnuda de suas costas. Um calafrio percorreu seu corpo quando se deu conta de quão rapidamente ele a estava despindo. Em pouco segundos estava com o corpete na cintura, e uma profunda e palpitante excitação despertou em seu interior. ─ Sebastian? ─ Shhhh, Prue. – Deteve as débeis e inquiridoras palavras com um beijo feroz, que efetivamente, tirou a respiração de Prudence. Ela gemeu e instintivamente agarrou mais ainda seus ombros. Sebastian levantou a cabeça para olhá-la. – Falaremos depois.
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Sebastian empurrou fortemente a perna entre as de Prudence e puxou as saias sobre as coxas. A surpreendente intimidade dessa ação lançou uma onda de calor e frio estremecimento através de Prudence. As recordações da noite no quarto de Lady Leacock explodiram em seu interior, uma vez mais. Com movimentos rápidos e urgentes, Sebastian terminou de desabotoar o corpete e o puxou para baixo. ─ Minha doce Prue. – A voz de Sebastian era pouco mais que um áspero sussurrou. Olhou para os seus seios durante um momento e a seguir inclinou a cabeça reverentemente e tomou um mamilo entre os dentes. Prudence tragou e fechou os olhos diante das estranhas sensações que a percorriam, sentia-se como se flutuasse por um rio cálido, deslizando com a correnteza que ficava cada vez mais forte e veloz. Devido ao que havia aprendido na noite em que esteve no quarto de Mrs. Leacock, Prudence sabia que uma magnífica cascata a esperava. Logo, sentiu que a impaciência cobrava seu preço. Arqueou-se contra a mão de Sebastian que a acariciava, e este gemeu uma resposta indistinta. ─ Desta vez, vou estar profundamente dentro de você quando alcançar a sua liberação. – Sebastian olhou para os seus olhos ardentes. – Não me importa que todos os espectros do inferno apareçam ao redor da cama. Afastou ligeiramente de Prudence e tirou a camisa, as calças e as botas. Quando se voltou para ela, estava despido. Prudence o olhou fascinadamente surpresa, pois nunca havia visto um homem nesse estado. A luz da vela realçava os ombros largos de Sebastian, e destacava os poderosos contornos do seu corpo firme e enxuto. Inclusive sem os óculos, Prudence podia ver que estava bem excitado. O tamanho de seu pênis erguido era desconcertante. Ela não tinha experiência, mas a lógica lhe dizia que um homem não era muito diferente dos machos de outras espécies, e como ela vivera no campo por toda a sua vida, sabia muito bem como os animais se reproduzia.
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Sabia que Sebastian intencionava introduzir a sua virilidade nela, e essa ideia era estranhamente excitante, porém o bom senso e a lógica faziam com que ela vacilasse, pois Sebastian parecia muito grande aos seus olhos. Prudence levantou o olhar. ─ Não percebi que havia tal diferença de tamanho entre nós dois. Sebastian emitiu um som rouco que estava entre um gemido e uma gargalhada. ─ Minha doce e racional Prudence, já lhe disseram que em determinadas ocasiões, a sua inteligência pode ser um problema. ─ Também não precisa rir de mim. – Disse ferida. Sebastian caiu em cima da cama, trouxe-a para perto dele, e beijou a sua pele delicada atrás da orelha. ─ Não estou rindo de você, Prue, e lhe asseguro que apesar das aparências, vamos nos encaixar perfeitamente. Deixe a logística da situação em minhas mãos. Prudence sorriu insegura, desejosa de poder confiar mais nele, nesse momento. ─ Muito bem, Sebastian. Se você tem certeza que sabe o que está fazendo, vamos em frente. Juro que não posso esperar muito mais para sentir o que senti da última vez que estive em seus braços. ─ Você é a mulher mais incrível que conheço. – Sussurrou-lhe Sebastian. Acabou de tirar-lhe o vestido e a camisa e os jogou para o lado da cama. As roupas caíram formando um pequeno montículo sobre o tapete. Sebastian estava fascinado estudando o corpo desnudo de Prudence com uma expressão que o desejo tornava severa. Prudence percebeu que ainda estava vestida com as meias, e por alguma razão, essa ideia a fez sentir-se deliciosamente perversa, e sentiu que a pele ficava mais aquecida. ─ Minhas meias. – murmurou. ─ Creio que vamos deixar as meias no lugar – disse Sebastian – acho que gosto muito de vê-la com elas. ─ É verdade, Sebastian?
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─ Sim, é verdade. – Deslizou a mão lentamente para a parte de baixo de Prudence, em um ato de extrema possessão que a fez estremecer – Prudence, você é encantadora, com ou sem as meias.
Quando a mão de Sebastian chegou ao triângulo de pelos suaves entre as coxas, Prudence deu um grito abafado e virou o rosto na direção do peito de Sebastian. A timidez lutava contra o crescente apetite sensual, bem dentro de si. E, o apetite triunfou. Aproximou-se ainda mais de Sebastian, a procura de mais carícias íntimas. ─ Seda e fogo – sussurrou Sebastian contra o busto de Prudence – Querida, você é feita disto, seda e fogo, e eu não consigo mais esperar para sentir as chamas. Sebastian colocou-se sobre Prudence, esticou a mão e abriu suas coxas, afundando os dedos dentro dela tateando suavemente. A carícia fez com que Prudence afundasse as unhas nas costas de Sebastian e se esfregasse contra a mão dele. ─ Você gosta disse, não é? – Perguntou Sebastian. ─ Você sabe que sim. – Prudence entrelaçou os dedos no cabelo de Sebastian e aproximou a boca a te a sua, pensando que estava subjugada, presa em um resplandecente feitiço de amor e paixão que havia lhe arrasado como uma tempestade de verão. E, Sebastian a desejava com a mesma intensidade, pensou com certeza crescente. Ele a amava tanto quanto ela o amava. Não podia fazer amor daquela maneira a menos que seus sentimentos fossem iguais aos seus por ele. Sebastian aceitou o convite daquela boca com uma ansiedade que falava por si mesmo. Percorreu seus dentes com a língua, reclamando-a com uma intimidade que pressagiava o que viria a seguir. Sebastian abriu com mais firmeza as coxas de Prudence, buscando um lugar em seu calor, em seguida deslizou mais para baixo para que seu corpo se amoldasse à abertura da feminina passagem.
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A sensação da lança extensa, suspensa, a ponto de invadi-la, fez com que Prudence retrocedesse fugazmente, de volta a uma vaga sensação de realidade. ─ Sebastian? ─ Diga-me o que você deseja Prue. ─ Eu desejo você. ─ Então, tudo vai dar certo. – Sussurrou. Lançou-se para frente, lentamente. Prudence engasgou contra a boca de Sebastian, e todo o seu corpo enrijeceu, reagindo à invasão. ─ Abra-se para mim. – Incentivou Sebastian, e afastou-se ligeiramente e a seguir retornou. – Deixe-me entrar, meu amor. Os dedos de Prudence se agarraram fortemente ao cabelo de Sebastian, enquanto procurava coragem, mas Sebastian não forçou a entrada. Em troca, retrocedeu mais uma vez na curta distância. ─ Você é como uma fechadura que preciso abrir com muito cuidado. – Disselhe. Sua testa estava coberta de suor e seus ombros resplandeciam a luz da vela. ─ Eu disse que não ia dar certo. ─ E, eu disse para você confiar em mim, pois sou muito bom com fechaduras, se é que você recorda. Moveu a mão mais para baixo, lubrificou o dedo na umidade de Prudence, e encontrou o firme botão que parecia ser o centro das suas paixões. Prudence começou a relaxar outra vez, enquanto Sebastian a acariciava com o dedo úmido. A deliciosa tensão começou a crescer em seu interior, e inclinando a cabeça sobre o braço de Sebastian, arqueou-se para frente. ─ Assim... ─ A voz de Sebastian era de satisfação – Agora, você vai se abrir para mim, não é verdade minha pequena e esperta fechadura? Agora, você está pronta para me deixar entrar. Tudo em que Prudence podia pensar era na excitação que os dedos de Sebastian criavam. Logo, pensou, logo sentirei outra vez aquela maravilhosa sensação. Em seguida, o vibrante alívio estava sobre ela. ─ Sim – sussurrou Sebastian – A fechadura de se abriu.
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Prudence ficou louca diante do feroz ataque, enquanto todo o seu corpo vibrava de prazer. ─ Sim – sussurrou ─ Sim, Sebastian. Oh, Deus querido. Uma vez mais entrou em Prudence, e desta vez não vacilou e nem se afastou, mas pelo contrário, lançou-se profunda e implacavelmente dentro do apertado canal. ─ Magnífico – disse Sebastian. Sua voz, um rouco gemido. Prudence ouviu seu suave grito de surpresa, abafado pelo ombro de Sebastian. A dor se mesclou com o prazer que ainda a percorria em diminutas ondas. Não conseguia separar as duas sensações. Mordeu sutilmente o ombro de Sebastian. ─ A minha magnífica e inteligente fechadura tem dentes – murmurou Sebastian. Mas o pequeno e apaixonado ataque ao ombro pareceu enviar Sebastian através do limite invisível, deu um grito silencioso e enterrou-se profundamente em Prudence. Os músculos de suas costas tornaram-se rígidos sob os dedos de Prudence. Prudence o abraçou fortemente, enquanto Sebastian tremia e entrava profundamente nela. A vela havia ardido quase completamente, antes que Sebastian se agitasse finalmente sobre Prudence. Levantou a cabeça e olhou para ela. Curvou os lábios com satisfação, e inclinou-se para roçar os lábios de Prudence com os seus. A seguir, saiu lentamente dela e rolou para o lado. ─ Por mil demônios. Nunca senti nada tão bom em toda a minha vida. – Caiu contra as almofadas e a atraiu para cima dele. – Eu falei que poderia abrir essa fechadura, especialmente. Prudence ruborizou. ─ E, assim foi. Sebastian sorriu e tocou com o dedo a ponta de seu nariz. ─ Irá melhorar com a prática. ─ Vamos praticar muito milord? ─ Pode apostar que sim. – Afundou os dedos no cabelo despenteado de Prudence e aproximou a boca da sua para um beijo firme e rápido. – Praticaremos a
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cada vez que tivermos oportunidade, o que me traz ao assunto que eu queria falar antes. ─ Sobre o nosso falso compromisso? – Uma súbita sensação de cautela tirou um pouco da satisfação de Prudence. ─ Exatamente. Desejo terminá-lo. Prudence estava muito mais agitada do que poderia imaginar. Certamente, sentia alguma coisa por ela, pensou. Depois de experimentar a intensidade do ato de amor, não conseguia acreditar que Sebastian não sentisse nada. Ele a amava tinha que ama-la. Tentou manter a voz tranquila. ─ Compreendo. ─ Não, eu acho que não. – Sebastian sorriu, porém seus olhos eram muito sagazes – Eu quero que nos casemos imediatamente. ─ Que nos casemos? – Prudence estava sem palavras. Sebastian enrugou a testa, e parecia muito irritado por Prudence não entender o conceito daquilo que aparentemente, era muito claro para ele. ─ Ora, minha querida – disse persuasivamente – De que outra maneira nós iremos praticar? Eu lhe asseguro que seria extremamente difícil ter uma aventura na cidade, e a outra opção seria aceitarmos todos os convites para os fins de semana no campo que nos fizessem, e isto seria um desastre, pois estaríamos viajando o tempo todo. ─ Eu sei, mas casamento? – Ela não esperava por isso. Olhou para ele fixamente, tentando centralizar sua visão sem o auxílio de seus óculos. – Sebastian, você está falando sério? ─ Esteja certa de que nunca falei tão seriamente me toda a minha vida. A alegria tomou conta de Prudence, até que a cautela se fez presente. Pois era muito consciente que divertia Sebastian, que ele a achava muito interessante, e era óbvio que sentia algum grau de paixão. Porém até este momento não havia lhe dito que estava apaixonado por ela, nem se quer havia dito as palavras enquanto faziam amor. ─ Você acha mesmo que nos daríamos bem, Sebastian?
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─ Não imagino ninguém mais que harmonizaria melhor comigo. – disse-lhe. ─ Sim, muito bem. – Tentou encontrar uma maneira de dar a resposta que desejava. – É claro que me sinto muito honrada, milord. ─ Bom. Então, o assunto está resolvido disse Sebastian bruscamente – Vou me encarregar de procurar uma permissão especial pela manhã. Lady Pembroke poderá ser nossa testemunha. O pânico se apoderou de Prudence. ─ Como lhe disse, eu me sinto profundamente honrada, e posso entender muito bem que seria muito melhor compartilharmos essa aventura dentro dos limites do matrimônio, porém não tenho certeza que esta seja uma razão válida para um compromisso permanente. ─ Há outras razões para um compromisso entre nós dois. – Disse Sebastian com grande seriedade. ─ Ah, sim? ─ Naturalmente. De outra forma não teria me ocorrido a ideia. Prudence esticou a mão para pegar seus óculos e as ajustou sobre o nariz. ─ Talvez, você pudesse enumerar-me algumas. Sebastian dedicou-lhe um sorriso arrogante e significante. ─ Da forma que você desejar, embora eu acredite que as razões sejam óbvias. Você é uma mulher muito apaixonada, Prue. Isso é o mais importante para mim, já que tenho certas necessidades físicas que necessitam ser atendidas de vez em quando... Prudence não podia suportar que descrevesse a paixão mútua de maneira tão indiferente. ─ Continue com a sua lista. ─ Sim, é claro. Além dos, ahãn..., aspectos saudáveis desse assunto, nós dois temos interesses intelectuais mútuos e variados. ─ É verdade. – Admitiu Prudence. ─ Em resumo, você não vai me aborrecer, meu amor. – Roçou ligeiramente a boco de Prudence com a sua – E, da minha parte, me esforçarei para não aborrecer você.
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─ Você nunca poderia me aborrecer. – Disse rapidamente. ─ Também gostaria de assinalar que ao vivermos juntos, como homem e mulher, as nossas investigações serão muito mais fáceis. Poderemos aconselhar um ao outro, além de estudarmos os métodos do outro com mais eficácia, se estivermos em baixo do mesmo teto. ─ Sim, posso entender. – Porém a sensação de desgosto ficou mais forte. Procurou com muito cuidado as palavras mais adequadas. – Sem dúvida. Mas, você acredita que interesses comuns e um... Um certo grau de afeto entre nós dois, será base suficiente para um casamento? Sebastian pareceu surpreso pela pergunta. ─ Não posso pensar em uma base melhor. ─ Alguns diriam que seria bonito acrescentar o amor a essa lista. – Murmurou. ─ Amor? – Estreitou os olhos com desgosto, como se não apenas estivesse surpreso, mas também desiludido. – Ora, vamos, Prue, certamente você não é vítima de uma natureza romântica. Nego-me aceitar a ideia de que uma mulher inteligente, perceptiva e muito habilidosa como você, seja estúpida o bastante para acreditar em algo tão vago e ilusório como o amor. Prudence engoliu com esforço. ─ Bem... ─ Você e eu nos baseamos no intelecto e não nas emoções. – Continuou sem piedade. – Deciframos mistérios e procuramos por provas. Nossas mentes lógicas não estão presas das fantasias febris que excitam as de Byron e os de sua estirpe. ─ Concordo. Contudo... ─ Acalme-se, querida, tenho muito respeito por você, para me permitir acreditar que na realidade você está esperando apaixonar-se antes de se casar. O amor é para as jovenzinhas tontas e que acabaram de sair das escolas. Uma mulher madura, responsável e inteligente como você, não se prestaria a tais fantasias. Prudence quase engasgou. ─ Sim, eu sei, mas a coisa é que...
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─ Afinal de contas, há menos provas da existência do amor, que dos fenômenos espectrais. ─ Eu não diria uma coisa dessas, milord. – Afirmou sinceramente. – O amor tem sido a força motivadora de um grande número de fatos históricos. Pessoas cometem crimes por amor, às vezes adoece por amor. É claro que muitas provas que sugerem que ele exista. ─ Bobagens. A força motivadora a que você se refere é a paixão. Ou, para ser mais direto, a luxúria. – Percorreu o traçado dos lábios de Prudence com o dedo. A alma de Prudence caiu aos pés. ─ Sebastian, você sente algum afeto por mim? ─ Naturalmente – disse rudemente – Isso não se discute. ─ Sério? – O afeto não era amor, porém poderia ser capaz de convertê-lo em amor, disse a si mesma com otimismo. ─ E, você? – Perguntou indiferente. ─ Sente algum grau de afeto por mim? Tão intenso como o que sente pelo meu passatempo, por exemplo? ─ Ah, sim – disse – Sim, sem dúvida. Na verdade, eu o aprecio muito, Sebastian. ─ E, eu também aprecio muito você. Que mais poderíamos pedir? Somos duas pessoas com mentes muito parecidas, que compartilham interesses mútuos e mútua paixão. Nós nos daremos muito bem juntos. Bem, então, diga que vai se casar comigo para que eu faça todos os preparativos. ─ Mas, por que devemos apressar as coisas? Não poderíamos esperar e dar a nosso mútuo afeto a possibilidade de amadurecer? – Perguntou Prudence. ─ Creio que isso não seria apenas uma perda de tempo, como também potencialmente inconveniente. ─ Inconveniente? Como? ─ Mas, é claro que você conhece a resposta para isto. Use a sua considerável inteligência, Prue. É perfeitamente possível que você esteja grávida pelo que acaba de acontecer aqui, entre nós dois. Prudence Olhou fixamente para ele, enquanto a realidade do que acabava de lhe dizer a golpeava.
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─ Meu Deus do céu! Eu não pensei nisso. ─ Mas, você pode ter certeza de que eu, sim. – Disse Sebastian claramente. – Já que muitas vezes me chamaram de bastardo, não estou disposto que meu filho ou minha filha tenham esse rótulo. ─ Não, é claro que não. Eu o entendo perfeitamente. – E, era assim, pensou Prudence. O frio orgulho e a arrogância de Sebastian o haviam feito lutar pela sua legitimidade no seio de sua família e diante da sociedade, e esse mesmo orgulho fez com que decidisse que nenhum de seus filhos carregasse esse estigma. Sebastian a olhou por baixo de seus cílios meio fechados. ─ Bem, então, Prue? Temos outro acordo? Você vai se casar comigo? Prudence respirou fundo e deixou de lado as dúvidas e as inseguranças. Assegurou para si mesma que o risco que correria valia a pena se iria casar com o homem que amava. ─ Eu vou casar-me com você Sebastian. Algo que poderia ser descrito com alívio oscilou nos olhos de Sebastian, mas sua voz permaneceu tranquila e inclusive, ligeiramente, risonha, como de costume. ─ Uma decisão eminentemente lógica e racional, meu amor. E, é claro que eu não esperava outra coisa de você. ─ É claro – murmurou Prudence. Porém, em seu interior tremia de esperança e medo. Foi envolvida por uma aterrorizante e sinistra sensação, pois sabia que se estivesse errada a respeito aos sentimentos de Sebastian por ela, acabava de vender todo o seu futuro e talvez, sua alma ao Anjo Caído.
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Capítulo 10
Quatro dias mais tarde, Garrick encontrou Sebastian em seu clube preferido. ─ E, então, Angelstone, que tal a vida de casado? Sebastian levantou os olhos do seu exemplar do The Morning Post que estava lendo, e deu a Garrick um olhar sinistro. ─ Aprendi muito sobre as esposas nos últimos dias – disse Sebastian – E, talvez você se interesse em saber, por exemplo, que inclusive as mais inteligentes nem sempre pensam logicamente. Garrick baixou a xícara de café sorrindo. ─ Você já está implicando com a sua esposa? Que vergonha Angelstone. Alguém imaginaria que a esta altura dos acontecimentos, você estaria fazendo o esforço por mostrar o melhor de si, para Lady Angelstone. Principalmente porque terá muito tempo para mostrar-lhe o seu lado real mais tarde. Sebastian maldisse em voz baixa quando recordou a pequena, porém animada cena que havia tido lugar, essa manhã, quando durante o desjejum, anunciou que pensava passar o dia visitando algumas tabacarias. Flowers havia terminado de servilos o chá e partido. Os encantadores olhos de Prudence haviam brilhado entusiasticamente atrás de suas lentes. ─ Você vai tentar identificar a pessoa para a qual foi preparada aquela mistura especial? ─ Sim. – Sebastian fatiou uma grossa salsicha – Agora que a questão do nosso casamento está terminada, e que você já se mudou para cá, creio que finalmente podemos continuar com a nossa investigação. O olhar de Prudence perdeu o brilho. ─ Pobre Sebastian – murmurou – Você não tinha ideia do alvoroço que nosso casamento causaria, não é mesmo? Suponho que você estava imaginando que seria simplesmente colocar um anúncio no jornal e pronto.
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─ Existe uma quantidade enorme de bobagens desnecessárias associadas ao casamento que eu não esperava – disse – Porém, eu espero que o pior tenha ficado para trás. Em verdade, não haviam tido paz desde que regressaram à Londres, pensou Sebastian, muito irritado. Tivera a intenção de passar a maior parte do tempo livre, na cama com sua nova esposa. Mas, o mundo civilizado havia pensado o contrário. Para seu desgosto, descobrira que as bodas (inclusive as mais tranquilas e simples) geravam uma grande quantidade de atenção e agitação. Na manhã do casamento, Hester os havia recordado alegremente, que seria muito provável que o casamento causasse sensação no mundinho social, e teve razão em seu pressentimento. Existira um fluxo constante de visitantes à casa de Sebastian. Todas as manhãs chegava uma nova montanha de convites e cartões de visitas. Requeria-se a presença de Lord e Lady Angelstone em todas as noitadas e festas da cidade. Sebastian inclinara-se a ignorar todas as visitas e a todos os convites, mas Prudence fora muito firme a esse respeito. Havia explicado que a reputação de Sebastian por sua conduta descortês, já era suficientemente ruim. Não iria permitir que a atacassem ainda mais, pelo simples fato de que ele não queria se aborrecer com alguns detalhes sociais. ─ Então, você está arrependido do nosso casamento? – Perguntou Prudence com a voz suspeitamente neutra, do extremo oposto da mesa de desjejum. ─ Mas, que pergunta idiota! É claro que não. Nós nos harmonizamos perfeitamente, tal como expliquei para você com todos os detalhes. – Olhou para ela cautelosamente, perguntando-se por que ela havia dito isso. A possibilidade de que ela mesma estivesse arrependida do casamento, fazia que ele tomasse consciência, uma vez mais, do frio que havia em seu interior. Não conseguia acreditar como Prudence era capaz de duvidar, nem por instante, de que ela pertencia a ele. Ela parecia bem em sua casa, sentada do outro lado da mesa. O sol matinal entrava abundantemente através da janela atrás de Prudence, tornando seu cabelo da mesma cor que o mel aquecido, que estava no
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pequeno pote, junto das torradas. Um raio de desejo indolente percorreu Sebastian, enquanto lembrava o aspecto do cabelo de Prudence, mas cedo, nessa manhã, espalhado sobre travesseiros brancos da cama. ─ Vou acompanhá-lo às tabacarias. – anunciou Prudence. ─ Não, você não vai comigo. – levantou com o garfo, outro pedaço de salsicha. – Tenho intenção de fazer grandes progressos no dia de hoje. Não sei quantos lugares terei que visitar. ─ Você está querendo dizer que vou atrapalhar a investigação? – As sobrancelhas de Prudence se uniram rapidamente numa linha reta sobre a borda superior de seus óculos – Se bem me lembro, nós formamos uma equipe. Sebastiana sabia que era o momento para ter muita cautela. Estava aprendendo rapidamente a profissão de marido, pensou ironicamente. ─ Você me entendeu errado, minha querida. – Sorriu serenamente – A verdade é que se alguém nos vir juntos, visitando várias tabacarias, poderia notar e achar estranho. Poderiam fazer perguntas. ─ Talvez, eu pudesse me disfarçar como um lacaio ou um rapaz. Ninguém questionaria a minha presença, se me vissem como um membro dos empregados de sua casa, não é verdade? ─ Todas as pessoas da casa certamente perguntariam acerca disso – disse Sebastian bruscamente – E, nem vamos falar sobre o fato de alguém reconhecê-la, casualmente. – A ideia de Prudence andando de um lado para o outro com roupas de homem fez com que Sebastian ficasse indignado. Prudence aproximou as sobrancelhas enquanto pensava. ─ Creio que funcionaria muito bem, milord. Acho que depois do desjejum vou correndo ao andar de baixo e ver se consigo encontrar um uniforme. Nesse instante Sebastian abandonou a estratégia e a diplomacia e voltou a cair nas ameaças cruéis. ─ Se você tentar esse artifício, milady, eu prometo que não irei acompanhá-la ao baile dos Arlington esta noite.
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─ Sebastian, você não faria isto. – Os olhos de Prudence transbordavam de grande consternação – Você tem que ir esta noite. Disseram-me que vários membros de sua família vão estar ali, incluindo a sua tia e seu primo Jeremy. ─ No que me diz respeito, esse é um excelente motivo para não comparecer. Em todo caso, não ficaria surpreso em saber que Lady Arlington planejou deliberadamente este maldito baile expressamente com o propósito de fazer uma cena para a sociedade. ─ Ora, Sebastian, isto é muito pouco provável. Ela só está tentando ser gentil. ─ Querida, você pode ser muito inteligente, mas em certas ocasiões você é surpreendentemente inocente. ─ O baile de Lady Arlington será a primeira ocasião em que os membros da sua família estarão todos reunidos em público. Se você não for, os Fleetwood sentir-se-ão humilhados. Sebastian ficou maravilhado. ─ Você acha que eu me importo? ─ Está se comportando deliberadamente mal, milord. Você sabe perfeitamente bem que se não for esta noite, colocará mais lenha na fogueira dos boatos que dizem que existe uma inimizade dentro da sua família. ─ A inimizade é muito real, Prue. – Sebastian deixou a faca e cruzou os braços sobre a mesa. – E, seria muito oportuno saber de que lado você está. E, mais, seria muito imprudente de sua parte, tentar bancar a conciliadora. Não quero nada com os Fleetwood e isso é definitivo. ─ É possível, Sebastian. ─ Sim, é possível. – Após ter tomado uma postura, Sebastian sabia que não teria como voltar atrás. Prudence descobriria na hora uma debilidade em suas defesas. – Bom, se você quiser que eu vá ao baile dos Arlington, será melhor que esqueça a ideia de se vestir com o uniforme do lacaio. ─ Mas, o que é isso, Angelstone, só porque estamos casualmente casados, você não deve imaginar que pode começar a me dar ordens, e me ameaçar como um marido qualquer.
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Sebastian dirigiu a ela um sorriso sereno e brincalhão. ─ Quer dizer que não me considera um esposo qualquer? ─ A princípio, não. – Dobrou o guardanapo e deixou junto ao prato com grave precisão. – Supõe-se que a nossa aliança seja uma sociedade. Dois indivíduos de mentes iguais, unidos por laços de interesses mútuos, se por um acaso você não recorda. ─ Lembro-me muito bem os termos do nosso acordo. – Sebastian ficou em pé. Prudence olhou cautelosamente para ele, enquanto este caminhava em sua direção. ─ Sebastian? Sebastian não disse nada. Quando chegou ao extremo oposto da mesa, inclinou-se e beijou Prudence na boca. Ela era deliciosa. Sentiu o impulso súbito de fazer amor com ela, ali mesmo, na mesa de refeições. O único impedimento era pensar que Flowers poderia entrar no cômodo a qualquer momento. ─ Como você disse a nossa aliança é baseada em interesses mútuos. – Roçou a boca de Prudence com a sua outra vez, e sentiu que vibrava em resposta – E, alguns de nossos interesses mútuos foram particularmente estimulantes na noite passada. Espero ansiosamente por mais do mesmo esta noite. Ela olhou para ele, carrancuda e desconfiada, através de seus óculos. ─ Não acredite que você pode me manipular com... Com esse tipo de coisas, Angelstone. ─ Que tipo de coisas? Esta, quem sabe? – Mordeu o lóbulo da orelha e deixou que a mão flutuasse sobre a modesta echarpe triangular que complementava o colete, do vestido matinal, listrado de castanho e branco. ─ Você sabe a que eu me refiro. ─ Ah, é? – Ele acariciou seus seios e ficou muito satisfeito com a resposta que obteve. As maças do rosto de Prudence tingiram-se de rosa, e um olhar deliciosamente perturbado substituiu a pose própria de uma esposa. ─ Saia agora – murmurou – E, não se esqueça do baile dos Arlington desta noite, ou nunca o perdoarei.
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Até esse momento Sebastian ainda sorria com as lembranças dessa manhã, serviu-se de outra xícara de café do bule que dividia com Garrick. Enquanto bebia o café, pensou na ideia de Prudence sentada em frente a ele no desjejum de cada manhã para o resto de suas vidas, e se perguntou se algum dia conseguiria viver sem ela. Garrick olhou rapidamente os anúncios no jornal que estava lendo. ─ Pensei em dar uma passada em Tattersall rapidamente, e ver o que estão oferecendo. Estou precisando de um bom caçador. – Levantou os olhos – O que você vai fazer hoje? ─ Tenho alguns assuntos para resolver. ─ Ah, eu conheço esse tom de voz. – Garrick sorriu fugazmente – É o que você utiliza quando está em uma de suas pequenas investigações. Por favor, não diga que já está tão aborrecido da vida conjugal que voltou para as suas antigas diversões. ─ Posso assegurar-lhe que a minha vida conjugal é qualquer coisa, menos aborrecida. Porém, não abandonei o meu passatempo. ─ Entendo. – Garrick olhou para ele curioso – A sua esposa sabe a maneira com que você se diverte? ─ Ela sabe. ─ E, aprova? ─ Não tem nenhuma queixa. – disse Sebastian. Garrick riu entre os dentes. ─ Meus parabéns, Angelstone. Acredito que se casou com a única mulher de toda a Inglaterra, capaz de entendê-lo. ─ Tenho certeza disto. A única coisa que preocupava Sebastian era que Prudence não estivesse tão satisfeita com a vida de casada, como ele. Disse a si mesmo que o assunto estava resolvido. Agora, Prudence pertencia a ele, que lhe havia proclamado como sua perante a lei, e na intimidade do leito conjugal. E, ela havia se entregado com uma paixão tão verdadeira que o tranquilizara. Mas, algumas vezes a surpreendia com observando-o com um anseio tão estranho que
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o incomodava. Não conseguia esquecer as palavras de Prudence aquela noite em Curling Castle – “Alguns diriam que seria bonito acrescentar o amor à sua lista”. Apesar de toda a sua inteligência e de seus admiráveis poderes de lógica, Prudence era uma mulher, e Sebastian suspeitava que tivesse a atitude romântica de uma mulher acerca do matrimônio. Havia querido casar-se por amor. Era muito consciente que havia forçado deliberadamente Prudence para um casamento apressado, que conseguira utilizando todas as armas disponíveis. Justificara suas táticas cruéis dizendo-se que Prudence seria feliz com ele. Prudence era suficientemente adulta e inteligente para dar-se conta de que qualquer emoção que houvesse sentido por Underbrink era fugaz e insubstancial. Em qualquer caso, o idiota pomposo havia traído o seu afeto. Ele sabia com toda segurança que Prudence nunca poderia voltar a confiar em Underbrink. Às quatro horas da tarde, uma parte da mente de Sebastian ainda estava refletindo sobre os dilemas inesperados de um casamento apresentava. Porém, grande parte de sua atenção estava, agora, concentrada em um problema mais imediato. Até o momento, havia visitado quase meia dezena de tabacarias, numa busca inútil para encontrar alguém que pudesse identificar a mistura de tabaco em pó, da pequena caixa de rapé descoberta por Prudence no quarto negro. Parecera uma tarefa relativamente simples, quando começara a missão, porém até esse momento, ninguém havia reconhecido a mescla. Subiu os degraus de R. H. Goodwright, tabaqueiro, sem grandes esperanças. Goodwright era o sexto da lista de Sebastian. Sebastian olhou a estátua, em madeira de tamanho natural de um Highlander, que salvaguardava a entrada da loja. As roupas da estátua estavam pintadas com as cores de um famoso regimento. O popular símbolo do comércio do negociante de tabaco era parecido aos outros cinco Highlander de madeira que Sebastian já vira esta tarde. Sebastian decidiu que se não tivesse sorte ali, teria que procurar nos estabelecimentos menos prósperos das ruas menos elegantes. Havia trabalhado sobre o pretexto de que quem perdera a caixa de rapé havia sido membro da sociedade, e
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por tanto comprara nos melhores estabelecimentos. Sebastian não podia imaginar Curling convidando alguém à Curling Castle que não pertencesse aos círculos elegantes. Sebastian abriu a porta e entrou na pequena loja, e foi envolvido pelo aroma de tabaco bem envelhecido e armazenado em potes de cristais e tonéis de madeira. Os cachimbos de barro estavam exibidos proeminentemente sobre um mostrador. Sobre outro mostrador estava disposta uma seleção de pequenas caixas de rapé. Sebastian as examinou mais de perto, porém não viu nenhuma tão boa como a que estava investigando. ─ Em que posso servi-lo senhor? – Perguntou uma voz áspera. Sebastian olhou em torno e viu um homem roliço, de cabelos brancos e grossas costeletas, vestindo um avental verde e usando óculos de ouro. Os dedos gorduchos do lojista estavam manchados de amarelo, pelos anos de manipulação do tabaco. ─ Estou tentando descobrir o nome desta mistura particular de tabaco. – Sebastian puxou a caixa de rapé, do bolsinho de seu colete e a entregou ao lojista – Um conhecido me presenteou com o suficiente para encher esta caixa, porém logo irá acabar e eu gostaria de comprar mais. É muito especial, por um acaso você reconhece? O tabaqueiro examinou as brilhantes botas e Sebastian e suas roupas elegantemente confeccionadas, enquanto abria a caixa. Cheirou o tabaco com cuidado, tendo a cautela de não inalá-lo. ─ É claro que a reconheço, milord. Eu mesmo criei essa mistura. A conhecida vibração da descoberta percorreu Sebastian. Até que Prudence entrasse em sua vida, refletiu, era obrigado a depender desses raros momentos de fugaz excitamento para manter o frio distante. Sebastian preparou as suas feições até conseguir uma máscara de interesse cortês. ─ Parece que estou com sorte, então. Suponho que seja uma mistura comum? ─ Talvez pudesse ser se eu vendesse para várias pessoas, porém o cavalheiro para quem eu a preparo estipulou que ele seja o único a recebê-la. Sou recompensado para mantê-la exclusiva para ele.
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─ Então, não está à venda para o público em geral? – Sebastian enrugou o cenho, tentando passar por alguém desiludido. Pensou que estava conseguindo, pois não teria que investigar a longa lista de compradores de tabaco. Tudo que necessitava era o nome da pessoa que encomendara essa mistura especial para si. ─ Eu acredito que não. – O comerciante do tabaco dirigiu-lhe um olhar estimativo. Estava claro que relutava a perder o cliente. – Talvez eu possa lhe oferecer um lote especial, milord. Alguma coisa um pouco de tabaco turco, quem sabe? Acabo de receber um envio estupendo do magnífico tabaco dos Estados Unidos. Muito suave. Posso fazer-lhe uma mistura muito característica que será invejada pelos seus amigos. ─ É muito amável de sua parte, porém eu tinha muito interesse em conseguir uma provisão desta mistura em particular. Estou preparado para pagar bem por ela. O comerciante suspirou tristemente. ─ Não posso arriscar-me a ofender o meu cliente, senhor. Tenho certeza de que você pode entender. ─ Seu cliente? – Apontou Sebastian cuidadosamente. ─ É muito provável que Mr. Fleetwood levasse sua encomenda para outra tabacaria, caso eu não respeite o meu acordo com ele. Sebastian olhou fixamente para o comerciante e desejou que não estivesse de boca aberta de assombro. ─ Fleetwood? ─ Sim, senhor. Mr. Jeremy Fleetwood. – O comerciante de tabaco enrugou a testa. – Você deve conhecê-lo, senhor, se foi ele que lhe deu uma amostra deste tabaco. ─ Nos encontramos em uma luta de boxe. – Disse Sebastian, pensando rapidamente ─ Acho que não guardei o seu nome. Deve saber como é superlotada as sessões de pugilismo. ─ Tem razão, senhor. Assisti a um combate interessante, semana passada. A multidão quase se amotinou quando Iron Jones perdeu. Era o favorito. Eu mesmo perdi uma fortuna com ele.
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─ Fiquei sabendo que o resultado foi muito decepcionante. – Disse Sebastian, enquanto caminhava até a porta. – Obrigado por me informar o nome de Mr. Fleetwood. Talvez eu possa convencê-lo a permitir que eu compre uma provisão desta mistura para mim. ─ Mas, senhor, se eu puder oferecer-lhe outra mistura... Sebastian fechou a porta da loja e caminhou a curta distância até o lugar onde era esperado pelo rapaz com a carruagem. Em nome do inferno, o que teria a ver Jeremy com tudo isto? Pensou Sebastian, enquanto pulava para o assento e tomava as rédeas. Prudence ficaria tão surpresa quanto ele diante da informação. Imediatamente, sentiu-se impaciente para falar com Prudence sobre a reviravolta do caso. ─ O que quer dizer com “não está aqui”, Flowers? Onde demônios estaria? – Sebastian apressou-se a ir diretamente para casa, compartilhar com Prudence os detalhes do estranho desenvolvimento na investigação. Era muito irritante saber que não estava esperando ansiosa por ele para aplaudir o seu talento brilhante. ─ Creio que Lady Angelstone saiu, milord. Sebastian fez um esforço para conseguir alguma coisa da sua desgastada paciência. ─ Onde foi, Flowers? Flowers tossiu discretamente. ─ À casa de Misses Singleton, na Rua Wellwood, senhor. ─ Quem diabos são Misses Singleton? ─ Lady Angelstone as descreveu como clientes. – Flowers parecia profundamente aflito – Chegou uma mensagem delas, pouco depois que Vossa Senhoria saiu. Ao que parece, desejavam consultar-se com Sua Senhoria sobre um assunto de fenômenos espectrais. Sua Senhoria saiu quase que imediatamente. ─ Quer dizer que está fazendo uma investigação, não é verdade? Flowers dirigiu-lhe um olhar lastimável. ─ Mencionou alguma coisa sobre uma máquina de eletricidade, milord. Sebastian enrugou o cenho.
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─ Máquina de eletricidade? ─ Tenho motivos para acreditar que Sua Senhoria pediu uma emprestada a Mr. Matthew Hornsby e pensa em utilizá-la hoje, no curso da investigação. Sebastian ficou momentaneamente distante do seu próprio caso. ─ Isto poderia ser interessante. Flowers ergueu-se dignamente. ─ Eu gostaria de perguntar-lhe senhor, se o pessoal da casa deveria se acostumar a esse tipo de conduta por parte de Sua Senhoria. ─ Sim, Flowers, creio que será melhor que todos se acostumem com a ideia de que esta nunca será uma casa completamente normal. ─ Você diz que os estranhos gemidos parecem vir deste setor do sobrado? – Prudence empurrou a máquina de eletricidade até um lugar no centro da pequena casa às escuras, diretamente abaixo do teto da casa acanhada. ─ Acho que está correto. – Evangeline Singleton, uma mulher franca e enérgica, de idade indeterminada, enrugou o cenho pensativamente. Virou-se para sua irmã a espera de confirmação. – Não acha que está bom, Ifigenia? ─ Suponho que sim. – Ifigenia, pequena, frágil e agitada, olhou a máquina de eletricidade com profundo temos. – Ouvi os ruídos em meu quarto, dessa forma devem estar vindo de algum lugar por aqui. Porém, na realidade não sei se deveríamos tentar encontrar o fantasma, Evangeline. ─ Não podemos permitir que essa coisa continue gemendo todas as noites – disse Evangeline – Você precisa descansar. – Voltou-se para Prudence – Bom, então, Lady Angelstone, como irá utilizar essa máquina para que o nosso fantasma apareça? ─ De acordo com a minha teoria – disse Prudence ─, os fenômenos espectrais utilizam a eletricidade da atmosfera para ficarem visíveis. Creio que a razão principal porque os vemos em raras ocasiões, é que não é sempre eles tenham acesso à energia suficiente. Os olhos de Ifigenia se arregalaram, alarmados. ─ Você está pensando em proporcionar ao nosso fantasma, a eletricidade necessária para ficar visível?
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─ Exatamente. – Prudence endireitou-se e examinou a máquina que havia pedido emprestada ao amigo de Trevor, Matthew Hornsby. Era um mecanismo simples, formado por um cilindro de cristal, uma manivela manual, uma almofadinha de couro e uma jarra. Matthew lhe havia assegurado que o manuseio da máquina não acarretaria nenhum perigo. ─ Peço-lhe desculpas, Lady Angelstone, mas seu marido aprova que a senhora faça essas investigações? – Perguntou Ifigenia cautelosamente. ─ Ah, sim! – Prudence trabalhou com afinco na máquina, assegurando-se de que tudo estivesse pronto – Angelstone tem uma natureza muito intelectual, e está muito interessado pelo meu trabalho. ─ Compreendo. – Ifigenia dirigiu-lhe um estranho olhar – Comenta-se que Angelstone é um homem pouco comum. ─ Eu suponho que sim. – Prudence experimentou a manivela manual. Girava facilmente. O cilindro de cristal começou a rodar embaixo da almofadinha de couro – Assim que o vi, soube que nunca havia conhecido nenhum homem como ele. Ifigenia trocou um silencioso olhar com sua irmã. ─ Comenta-se que é um pouco perigoso. ─ De maneira nenhuma. – O cilindro começou a girar cada vez mais rápido, enquanto Prudence girava a manivela – Alguma de vocês poderia apagar a lâmpada? ─ Duvido que possamos ver alguma coisa se houver luz suficiente. ─ Lady Angelstone, – começou Ifigenia nervosa – Na realidade acho que não é uma boa ideia. Não tem janelas aqui em cima, e logo vai estar muito escuro se apagarmos a lâmpada. ─ Realmente, Ifigenia, não seja tão tímida. – Evangeline dirigiu-se decidida para a lâmpada e a apagou. O cômodo caiu na mais completa escuridão. ─ Excelente – disse Prudence – Se há um fantasma aqui em cima vamos tornálo visível a seguir. – Começou a dar voltas na manivela da máquina de eletricidade o mais rápido possível.
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─ Mas, eu não quero ver essa coisa – Balbuciou Ifigenia – Só quero que se desfaça dela. ─ Controle-se – Ordenou-lhe Evangeline com vigor – Lady Angelstone sabe o que está fazendo, não é verdade senhora? ─ Claro que sim. – Gritou Prudence por cima do ruído do cilindro giratório – Tenho muita confiança em minha última teoria. Em muito pouco tempo deveremos produzir eletricidade suficiente para que o fantasma aparecer. ─ Ai, querida – disse Ifigenia desesperada – Tomara tivéssemos consultado outro tipo de especialista, Evangeline. Tudo isto está me perturbando os nervos. ─ Você pode tomar uma dose de láudanos quando tudo terminar. ─ Disse Evangeline – Agora, deixe de aborrecer, pois poderia espantar o fantasma. Prudence fez girar cada vez mais rápido a manivela. ─ Conseguir eletricidade é um pouco mais difícil do que eu havia pensado – disse sem fôlego. A luz relampejou rapidamente em um círculo de calor branco que iluminou o cômodo, por breves segundos. Prudence ouviu o berreiro de horror de Ifigenia. ─ Deus do céu, Evangeline, nós chamamos o próprio diabo. ─ Que diabos? – Prudence olhou ao redor bem a tempo de ver o rosto de Sebastian em um realce demoníaco e severo devido a brilhante centelha de eletricidade. Seus olhos dourados ardiam com o fulgor da luz sobrenatural. Um momento depois, havia desaparecido. Ifigenia gemeu debilmente, enquanto o cômodo caía novamente na escuridão. ─ Deus meu! – A voz de Evangeline tremia – O que foi isso, Lady Angelstone? Prudence olhou severamente através da penumbra. ─ Angelstone? É você? ─ Desculpe-me querida. – Houve um ruído rasante e uma vela oscilou. Sebastian sorriu sem graça – Não tinha intenção de interromper a sua investigação. A governanta disse que estavam todas aqui em cima, assim, resolvi unirme a vocês.
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─ Bom dia – disse Evangeline, que parecia enormemente aliviada – Você me deu um susto danado, senhor. Creio que minha desmaiou. ─ Oh, Deus! – Prudence olhou para baixo e viu que Ifigenia jazia sobre o solo – É verdade. Angelstone, a próxima vez que decidir observar minhas técnicas de investigação, tenha a amabilidade de se anunciar de maneira adequada.
─ Desculpe-me querida – disse Sebastian humildemente ─, eu só tentei passar despercebido. ─ Você não é dos que passam despercebidos. Olhe só o que fez com a minha cliente. Você a deixou aterrorizada e está fora de si – Prudence suspirou – Suponho que agora terei que começar tudo novamente. ─ Foi o próprio Lúcifer. Eu o vi – Os cílios de Ifigenia se agitaram, mas não se abriram – Já basta, eu lhe suplico, Lady Angelstone. Por favor, pare a investigação. Prudence enrugou o cenho. ─ Mas, acabamos de começar. ─ Exatamente – Disse Evangeline, enquanto sustentava um frasco de sais embaixo do nariz de sua irmã- Não podemos parar agora. Porém, fosse melhor que Angelstone não participasse da investigação. Não se ofenda, Sua Senhoria. Mas, os nervos da minha irmã se alteram muito facilmente. ─ Temo que ela tenha razão. – Prudence olhou para Sebastian – Creio que será melhor que você se afaste. Não posso permitir que minhas clientes fiquem alarmadas. Sebastian ficou aborrecido. ─ Mas, eu desejava falar com você, Prue. ─ Mais tarde, milord. – Fez-lhe um gesto para que saísse do sobrado com um amplo movimento da mão. – Como você pode ver, eu estou muito ocupada neste momento. Saia, por favor. Sebastian apertou a mandíbula. ─ Muito bem senhora, eu a verei mais tarde. ─ Sim, sim, é claro. – Prudence voltou para a máquina de eletricidade novamente, e começou a trabalhar com a manivela. – Adeus, milord.
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Sebastian desapareceu pela porta pela qual havia entrado poucos minutos antes. Evangeline cravou o olhar atrás dele. ─ Não acredito. ─ No que é que não acredita, Miss Singleton? – Prudence respirou fundo e aplicou-se a sua tarefa. Podia sentir o suor se acumulando em suas costas. ─ Que falou para Angelstone para sair. E, que ele tenha obedecido. ─ Ele mereceu – Prudence girou a manivela mais rapidamente. – Ele não permitiu que eu o ajudasse. ─ Entendo. – Evangeline lançou-lhe um olhar de curiosidade – Poderia dizer que você realmente tem talento para lidar com os fenômenos espectrais, senhora. Parece ser capaz de expulsar o próprio demônio.
*********************** Quando Sebastian entrou garbosamente no salão de festas de Lady Arlington à procura de Prudence, não estava de bom humor. Ouviu murmúrios de ansiedade que corriam através do ambiente abarrotado enquanto caminhava, e ele não fez nada para melhorar o seu humor. A sociedade esperava uma cena esta noite, e ele estava no exato estado mental para brindá-los com uma. Localizou Prudence na metade do caminho do cômodo resplandecente, Encontrava-se no centro de um grupo de pessoas e levantou o olhar, enquanto Sebastian avançava firmemente em sua direção. As lentes dos óculos brilhavam alegremente sob a luz dos candelabros, e o seu sorriso era mais brilhante que todas as múltiplas velas que estavam sobre as cabeças de todos. Usava um recatado vestido de musselina, de um pálido tom de azul. A linha do decote era muito acima que o de qualquer outra dama do salão. Sebastian aprovava entusiasticamente esse estilo modesto, no que e ele concernia, as roupas antiquadas de Prudence serviam muito bem para ocultá-la dos olhos de outros homens. Apenas ele sabia quão suaves e graciosos eram os seus seios; apenas ele sabia como respondiam seus mamilos às suas carícias; só ele sabia como ela se arqueava por baixo
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de sua boca, como se agarrava a ele. Sebastian afogou um gemido quando se deu conta de que estava consideravelmente excitado, bem ali, no meio do salão de baile. Perguntou-se, com pesar, o que havia acontecido ao bem comportado autocontrole que durante anos o acompanhara. Se deu conta que começara a perder o férreo controle sobre suas paixões, na noite em que Prudence saltara do armário para salvá-lo da pistola de Thornbridge. Sebastian não conhecia ninguém mais que houvesse se incomodado para salvar o seu pescoço. Quase havia chegado até Prudence quando pelo rabo do olho avistou Jeremy. Deteve-se e observou como seu primo abandonava o ambiente lotado e se dirigia ao terraço. Jeremy estava sozinho, portanto era um momento tão bom quanto qualquer outro para abordá-lo. Sebastian mudou de rumo bruscamente para seguir Jeremy. Quando chegou às portas abertas, olhou para fora e viu que seu primo estava em pé, próximo ao muro de pedra pouco elevado. Enquanto Sebastian o observava, Jeremy extraiu uma pequena caixa de rapé e abriu a tampa, com um elegante movimento do dedo. Obviamente havia praticado o movimento. Sebastian sacou do seu bolso a caixa de rapé que encontrara em Curling Castle e se dirigiu a ele. ─ Permita-me oferecer-lhe uma mistura especial, primo. – Sebastian aproximou a caixa na direção de Jeremy. ─ Como? Ah, é você Angelstone. – Jeremy não olhou imediatamente a caixa de rapé na mão enluvada de Sebastian. Em vez disso, o examinou sem nenhum sinal de entusiasmo. – Surpreendo-me vê-lo aqui esta noite, mesmo que mamãe dissesse que você viria. Falou-me que você aproveitaria a oportunidade para demonstrar o seu desprezo pelo restante da família. ─ Aproveitar essas oportunidades requer mais energia do que eu desejo gastar esta noite. Reconhece esta caixa de rapé? Jeremy olhou para a caixa e enrugou o cenho. ─ Desde quando você adquiriu o hábito?
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─ Não tenho o hábito. – Sebastian abriu a tampa com um movimento rápido. – Disseram-me que esta é uma mistura única. Misturada expressamente para uma pessoa em particular. ─ Que diabos você está fazendo? – Jeremy examinou mais de perto a caixa. – Maldição, Angelstone, é a minha caixa de rapé. Onde a encontrou? ─ Apareceu em meu caminho há pouco tempo. Quando e onde você a perdeu? Jeremy pegou a caixinha. ─ Não lembro exatamente. Senti sua falta depois que voltei de uma festa e, Curling Castle. Por que me pergunta? ─ Encontrei-a em Curling Castle. Jeremy encolheu os ombros. ─ Então, isso explica. Como soube que era minha? ─ Eu fiz algumas averiguações. ─ Entendo. – Jeremy olhou para ele, perplexo – Mas, por que você se incomodou em saber a quem pertencia? A caixa é bonita, porém não é valiosa. Fiquei muito curioso para conhecer o dono da caixa. – Disse Sebastian suavemente. – Afinal, eu a encontrei em um quarto muito estranho, no piso superior de Curling Castle. Um cômodo completamente decorado de negro. ─ Negro? ─ Há um mês, um homem chamado Ringcross caiu e morreu desse cômodo em particular. Por um acaso, você soube do acidente? Jeremy olhou para ele, confuso. ─ A queda de Ringcross aconteceu no fim de semana em que estive na festa da casa de Curling. Do que se trata tudo isto, Angelstone? ─ Por enquanto, de nada. – Sebastian o estudou atentamente – Só acho que é uma coincidência muito interessante. ─ Que coincidência? – Perguntou Jeremy – O fato que você tenha encontrado a minha caixa de rapé no quarto em que morreu Ringcross? Bom, eu acho interessante que só se tenha a sua palavra por tê-la descoberto ali. ─ Você acha que estou mentindo a esse respeito?
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─ Creio que você seria bem capaz, caso se ajustasse às suas necessidades. – Jeremy guardou a caixinha no bolso – Porém posso jurar que nem imagino por que você inventaria uma coisa assim. Para a sua informação, eu nunca estive no piso superior do castelo. Nunca conheci este quarto negro que você descreveu. ─ Você tem certeza disto? ─ Sim, maldição, tenho certeza! – O rosto de Jeremy estava tenso de raiva. – Por que demônios você está tentando me relacionar com este quarto? ─ Não estou tentando, pois a caixa de rapé fala por si só. – Sebastian girou sobre os saltos e se dirigiu outra vez ao salão de baile. ─ Espere um momento, Angelstone – gritou Jeremy atrás dele – Que tipo de jogo maluco está jogando agora? Exijo saber o que você acredita que está fazendo. Sebastian deteve no umbral da porta e olhou para Jeremy. ─ Casualmente, estou indo pedir a minha esposa que dance uma valsa comigo. Prudence apareceu no marco da porta antes que Jeremy pudesse reagir. Seu sorriso era tão brilhante como antes, porém seus olhos estavam repletos de preocupação e curiosidade. ─ Vejo que está tomando um pouco de ar fresco, Mr. Fleetwood. Noite encantadora, não acha? ─ Uma noite magnífica, senhora. – Disse Jeremy severamente. ─ Sim, assim é. Embora, um pouco fria, e acho que teremos mais neblina pela manhã. – Virou-se para Sebastian – Estão tocando a valsa, Angelstone. Procurei você por todos os lados. Pelo menos umas doze pessoas me informaram que você havia chegado, porém como não foi me encontrar, pensei que talvez não tivesse conseguido achar-me entre as pessoas. Sebastian sorriu rapidamente, enquanto a pegava pelo braço e a guiava até a pista. ─ Não se preocupe, Prue. Sempre a encontrarei, não importa onde esteja, nem o quanto tão bem você puder se esconder. Prudence franziu o nariz para ele, enquanto Sebastian a girava, bailando. ─ Isto parece mais uma ameaça do que uma promessa.
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─ Sim, eu suponho que sim. ─ Sinceramente, Sebastian, às vezes você é impossível. ─ Eu sei, minha querida, porém você parece muito capacitada para lidar comigo. Como terminou a sua investigação desta tarde? ─ Muito decepcionante, se faz questão de saber. – Disse Prudence. – Não consegui fazer com que aparecesse nem um só fantasma, com a máquina de eletricidade. Estou começando a me perguntar se não haverá um erro na minha nova teoria. ─ Talvez, não houvesse nenhum fantasma a ser descoberto neste sótão, em particular. ─ Talvez não. Porém, eu descobri nesse cômodo, um lenço que pertencia a uma das criadas. Quando a entrevistei, ela admitiu que se encontrava com um dos lacaios, neste sótão, bem tarde da noite. Creio que seja esta a origem dos gemidos que Miss Singleton escutava. ─ Outro ponto a favor da lógica e da razão. ─ Acho que sim, mas dificilmente é uma solução interessante para o mistério. – Olhou para ele atentamente – O que estava acontecendo ali, no terraço, entre você e o seu primo? Espero que você não esteja causando nenhum problema. ─ Estou destroçado pela sua falta de fé em meu trato social. ─ Eu sei! ─ Há várias horas que estou querendo falar com você. – Disse Sebastian. ─ Ah, sim? ─ Eu encontrei o dono da caixa de rapé. Prudence se animou. ─ Isso é maravilhoso, milord. Que perspicaz de sua parte. ─ Obrigado. – Sebastian não conseguiu evitar uma pontinha de vaidosa satisfação em sua voz. ─ Estou encantada por ouvir essa notícia, e não posso esperar para conhecer os detalhes. Só espero que isso não tenha nada a ver com Mr. Fleetwood. ─ A caixa de rapé pertence a Jeremy.
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Prudence olhou para ele fixamente. ─ Sebastian, você está falando sério? ─ Muito sério. Sebastian observou como seu primo voltava a entrar no salão de baile e moviase rapidamente entre as pessoas. O rosto de Jeremy estava irritado, enquanto se dirigia até a porta, como o andar de um homem tenso e furioso. ─ Deus do céu. – Sussurrou Prudence consternada, enquanto seguia o olhar de Sebastian. – Jeremy parece transtornado. ─ Sim. ─ Oh, Deus! Amanhã correrá por toda a cidade o boato de que você e o seu primo discutiram. Sebastian encolheu os ombros. ─ Uma briga entre Jeremy e eu não será nenhuma novidade, Prue. A única coisa que interessaria aos fofoqueiros seria que ele e eu teríamos tido uma conversa amigável. ─ Quer dizer que foi assim? – Perguntou Prudence esperançosa. ─ Não. – Disse Sebastian – Não foi assim.
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Capítulo 11
Prudence despertou de repente, consciente de que alguma coisa estava errada. Era a primeira noite que Sebastian e ela puderam dormir antes do amanhecer. As exigências da agitada vida social e amorosa de Sebastian haviam se combinado de certo modo para mantê-la acordada durante todas as noites desde as suas bodas. Tinha a sensação de que Sebastian estava acostumado a ficar acordado todas as noites. Parecia ter o hábito de não ir para a cama antes do amanhecer. Prudence já começava a se perguntar se algum dia poderia voltar a ter um horário normal, que incluía ir para cama em uma hora decente e levantar-se cedinho, todas as manhãs. Talvez, agora, que havia se casado com Sebastian, estaria obrigada a adaptar-se aos costumes da cidade. A ideia de ficar acordada a noite toda, durante o resto de sua vida era intimidante. Ficou ali, imóvel por um momento. Os restos fantasmagóricos do sonho ainda flutuavam em sua mente. Concentrou-se, porém não conseguiu compreendê-lo completamente. Lembrava-se de cortinas negras, que se agitavam em frente de uma janela aberta para uma noite sem fim. Porém a imagem desapareceu quase no mesmo instante. A seguir se deu conta que estava sozinha na cama. Virou sobre o travesseiro. ─ Sebastian? ─ Estou aqui, Prue. Prudence olhou para a janela e viu a grande silhueta, um pouco difusa, de Sebastian que estava ali, de pé. Estava de costas e tinha a mão apoiada no parapeito. Prudence sentou-se e esticou a mão para pegar seus óculos. Quando colocou torpemente, suas lentes sobre o nariz viu que Sebastian havia vestido seu roupão negro. Parecia-se mais que nunca ao Anjo Caído, enquanto permanecia ali, de pé, olhando para os jardins envolvidos pela noite. Lúcifer estava sentado no parapeito, próximo a Sebastian. O gato estava tão interessado pela noite, como Sebastian.
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─ Você tem problemas para dormir? – Perguntou Prudence delicadamente, enquanto acendia a vela que estava junto à cama. ─ Nunca durmo antes do amanhecer. ─ Ah, então, não tem nada errado? ─ Não. – Sua voz era triste e sombria. – Volte a dormir, Prue. Prudence ignorou essa ordem. Levantou os joelhos sob as cobertas e os abraçou. ─ Será melhor que você em que está pensando, é pouco provável que eu volte a dormir com você aí de pé, olhando fixamente para fora da janela. Fico intranquila. Sebastian acariciou Lúcifer. ─ Eu lamento que você não consiga dormir por minha culpa. Prudence sorriu. ─ Bem, é verdade, então, será melhor que me diga em que está pensando com tanta intensidade, de outra forma, não conseguirei voltar a dormir. Sebastian olhou para ela, momentaneamente divertido. ─ Acho que você está falando sério. ─ Sim, estou falando sério. – Prudence apoiou o queixo sobre os joelhos – Você está refletindo sobre a investigação, não é mesmo? ─ Sim. ─ Pensei que seria isto. – Prudence vacilou – Suspeitei que estivesse pensando na caixa de rapé de Jeremy. Sem dúvida, está tentando decifrar por que estava naquele quarto. ─ Ultimamente ando pensando se você desenvolveu a habilidade de ler a minha mente. ─ Como uma vez você observou, milord, temos processos de raciocínio muito parecidos. ─ Sim. – Sebastian acariciou Lúcifer em silêncio por alguns instantes. – Estou confuso. – Disse finalmente. Prudence supôs sem que fosse dito, que Sebastian havia voltado ao assunto original.
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─ A relação de Jeremy com a investigação? Estou de acordo com você. É muito desconcertante. Haviam conversado detalhadamente após o baile, Sebastian havia lhe contado sobre o seu confronto com Jeremy e como ele havia negado ter conhecimento do quarto negro. ─ Realizei algumas investigações mais cedo, esta noite. Parece que meu primo não é um dos amigos mãos próximos de Curling. Aquele fim de semana que Jeremy passou no castelo, foi a única vez em que esteve ali. ─ Quem falou isso? – Perguntou Prudence – Jeremy? ─ Não, um homem chamado Durham, que tem o hábito de comparecer às festas de Curling. É um satélite profissional que assegura sua presença na sociedade sendo gentil e bem humorado. Você já conhece esse tipo de gente. Prudence sorriu com pesar, diante do óbvio desprezo de Sebastian. ─ Suponho que o papel do pobre Mr. Durham, no mundo civilizado, é muito parecido com ao de uma Dona Estranha, como eu. As pessoas nos toleram enquanto formos divertidos. Sebastian voltou-se rapidamente, como os olhos brilhantes de ferocidade nas sombras. ─ Senhora, agora você é a condessa de Angelstone. Não se esqueça disso jamais. Você não existe para divertir e entreter a sociedade. Muito pelo contrário; a sociedade existe para divertir e entreter você. Prudence piscou diante da violência contida da resposta, ao que havia pensado ser uma brincadeira. ─ Um conceito interessante, milord. Pensarei sobre isto em algum outro momento. Por hora, voltemos ao assunto de seu primo. ─ O problema, ─ disse Sebastian lentamente – é que não há nada para onde voltar. Contudo, não sabemos nada, exceto que Jeremy estava no castelo quando Ringcross morreu e que foi a sua caixa de rapé que encontramos nesse maldito quarto. Junto com o botão dourado. Sebastian bateu lentamente o dedo contra o parapeito da janela.
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─ Bem, eu não comecei a investigação nessa direção. Poderia ser interessante ver o que descobrimos sobre o botão. Prudence o estudou por um momento. ─ Você acredita que o seu primo mentiu, quando afirmou nunca ter estado no quarto negro? ─ Eu não sei. ─ Você está preocupado porque na realidade, ele está implicado na morte de Ringcross? – Perguntou Prudence. ─ Creio que a coincidência de que a caixa de rapé estivesse nesse quarto negro é muito sólida para que a descartemos de pronto. Meu instinto me diz que existe alguma relação. ─ Às vezes as coincidências existem, Sebastian. ─ Eu sei muito bem, porém não acontecem sempre, e segundo a minha experiência, poucas vezes acontecem em uma investigação desse tipo. Prudence pensou sobre o assunto por uns instantes. ─ Eu não o conheço muito bem, porém o que vi do seu primo, seria muito difícil imaginá-lo como um assassino. Parece ser um perfeito cavalheiro. ─ Qualquer homem poderia ser arrastado para o crime, se tiver motivo suficiente. Um cavalheiro poderia matar com a mesma facilidade que o seu vizinho. ─ Porém, quais poderiam ser os motivos neste caso? Por que Jeremy iria querer matar Ringcross? ─ Eu não sei. São muitas perguntas a serem respondidas. Entre outras coisas, devemos saber se havia alguma relação entre Jeremy e Ringcross. ─ Você parece indeciso, Sebastian. O que está acontecendo? Sebastian a olhou para trás, por cima do ombro. ─ A pergunta que estou me fazendo esta noite, é se desejo ou não continuar com esta investigação. ─ Pensei que poderia ser isto – Disse Prudence ternamente – Certamente, posso entender a sua renúncia em investigar um membro da sua família. A boca de Sebastian curvou-se, sem humor.
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─ Não me entenda mal, senhora. Não é da minha conta, se prenderem Jeremy por assassinato. Prudence ficou consternada. ─ Como você pode falar uma coisa dessas? É o seu primo. ─ E, daí? Você acha que eu me importaria com o escândalo sobre a prisão de um Fleetwood? É muito pouco provável. Seria muito divertido. ─ Sebastian, nós estamos falando sobre um assassinato. ─ Sim, é verdade, não é mesmo? – O sorriso de Sebastian só poderia ser descrito como cruel. – Seria interessante ver essa desgraçada da Drucilla, junto com o resto dos meus encantadores parentes, nas bocas brutais da sociedade. ─ Sebastian, esse tipo de boato destruiria essa lado da sua família. ─ É muito possível. Se Jeremy for detido por assassinato, sem dúvida sua mãe seria expulsa da sociedade. A sociedade lhe daria as costas da mesma forma como fizeram com meus pais. Seria uma forma de justiça muito apropriada. Prudence tremeu. ─ Você não pode estar falando sério. ─ Você acha que não? – O anel de ouro do dedo de Sebastian refletiu a luz da vela, enquanto ele continuava mimando Lúcifer. ─ Sebastian, você é o chefe da família – disse Prudence firmemente – Deve fazer tudo que for necessário para protegê-la. Sebastian pegou Prudence de surpresa, a levantou pelos ombros e a manteve imóvel frente a ele. ─ Esta família – disse através dos dentes – se compõe de você, de mim e de todos os filhos que tenhamos a sorte de ter. Não me importo nem um pouco se enforcarem todo o resto desses incrivelmente aborrecidos Fleetwood. ─ Não pode estar falando sério. Não se pode descartar familiares apenas porque são desagradáveis ou pouco divertidos. ─ Asseguro-lhe que os Fleetwood não tiveram nenhum problema em descartar de imediato os meus pais. Prudence envolveu o rosto de Sebastian com as mãos.
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─ Então é vingança o que você quer, milord? Se for este o caso, por que não vai em frente? Sebastian apertou ainda mais as mãos sobre Prudence. ─ Acha que não sonho em fazê-lo? ─ Não consigo entender você. Seu amigo, Mr. Sutton, me explicou que você tem o poder de reduzir os proventos para a sua família, ou até de expulsarem todos eles do círculo social. Se você está tão animado com a ideia de castigar os Fleetwood, por que não exerceu o seu poder assim que teve acesso ao título? Os olhos de Sebastian cintilaram. ─ Não duvide, nem por um instante, de que exercerei todo o poder que tenho sobre a minha família, se algum dia eles me pressionarem demais. Porém, por enquanto eles estão a salvo, mesmo que não saibam. ─ Por que estão a salvo? ─ Porque estou preso a uma promessa. Uma promessa que fiz a minha mãe agonizante. Prudence estava penalizada. ─ Eu pensei que seus pais e seu irmão haviam morrido pela queda da rocha, conforme você me disse. ─ Naquela noite, mais cedo, recebi notícias do que tinha acontecido nas montanhas. ─ A voz de Sebastian era muito remota. ─ Eu levei um grupo de homens da aldeia, e fomos à procura da minha família. Chegamos à passagem no meio da noite. Nós acendemos as lanternas, e começamos a cavar através das rochas caídas e dos escombros. ─ Deus meu, Sebastian! ─ Fazia tanto frio, Sebastian, Prue, e havia tanta névoa. Nunca me esqueci da maldita névoa. Nós os encontramos próximo do amanhecer. Primeiro meu irmão, e a seguir meu pai, ambos estavam mortos. Minha mãe a duras penas estava viva. Viveu até o nascer do sol. ─ Eu lamento muito – sussurrou Prudence – Não pretendia ressuscitar tantas lembranças trágicas.
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─ Bem, você está sabendo agora. Não disse a ninguém que os Fleetwood estão a salvo, porque minha mãe rogou por eles no seu último suspiro. ─ A sua mãe pediu a você que não se vingasse deles? ─ Ela sabia que algum dia, eu herdaria o título, e supôs que quando eu o fizesse utilizaria o poder do título, para castigar o restante da família, pelo que fizeram aos meus pais. Ela não queria que isso acontecesse. Disse que a família já tinha estado suficientemente separada. ─ Parece-me que a sua mãe era uma mulher muito generosa e compreensiva. ─ É verdade. Mas, eu não sou nem generoso, e nem compreensivo, e confesso que tenho momentos de tentação, em que sonho destruir os Fleetwood de várias maneiras interessantes e quase irresistíveis. Prudence estudou o sombrio rosto de Sebastian. ─ Eu posso imaginar. ─ Desgraçadamente, a promessa que fiz a minha mãe impede-me tão eficazmente, como corrente de ferro. <<Dá-me a sua palavra de honra que não irá fazer nenhum mal aos Fleetwood, por aquilo que nos fizeram>>, disse. Ela estava agonizando, por isso dei a minha palavra. Nesse momento não me pareceu grande coisa, pois tinha outra vingança mais importante em mente. ─ Que outra vingança? O rosto de Sebastian parecia endurecido por linhas severas e insondáveis. ─ Meu único objetivo nesse dia era encontrar os bandidos que haviam sido responsáveis pela queda da rocha, eu não estava pensando nos Fleetwood, quando enterrei a minha família, nessas malditas montanhas; Estava pensando em cortar as gargantas daqueles que os haviam matado. Prudence cravou o olhar nele. ─ Você mesmo foi em busca dos bandidos? ─ Levei comigo alguns homens do povoado. Estavam ansiosos para ajudar, pois já tinham aguentado demais dos bandidos. O que faltava para eles era um líder que proporcionasse a eles um plano de ação. ─ Você os proporcionou com a liderança e o com o plano?
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─ Sim. – Sebastian se afastou dela, voltou para a janela e fixou o olhar na escuridão – Levou menos de uma semana pensar na forma de atraí-los para a armadilha. Morreram todos, cada um deles. Eu mesmo matei o líder. ─ Oh, Sebastian. A mão de Sebastian agarrou fortemente o parapeito da janela. ─ Eu lhe disse exatamente porque estava morrendo, enquanto ele sangrava aos meus pés. Prudence se aproximou de Sebastian e o rodeou com braços, pelas costas. Recostou a cabeça contra o seu ombro. ─ Não foi sua culpa. Seu pai era um explorador, e em suas viagens por terras selvagens encontrou muito perigos. Sebastian não disse nada. ─ Sebastian, não foi sua culpa que ele fosse por esse caminho, na montanha. O seu pai era um viajante experiente, escolheu cruzar essas montanhas. É óbvio que pensou que seria seguro fazê-lo. Foi o seu pai quem cometeu um trágico erro, não você. Sebastian ainda não respondia, então Prudence agarrou-se ainda mais a ele. Parecia-lhe que Sebastian estava muito frio, e ela estava sem palavras. Tudo que podia fazer era partilhar o seu calor com ele. Ela o abraçou fortemente durante um longo tempo, e finalmente percebeu que um pouco da tensão o havia abandonado. Sebastian tocou uma das mãos que tinha entrelaçadas em torno da cintura. ─ Agora, você já sabe o motivo pelo qual, na realidade, não me vinguei dos Fleetwood. – Falou com tranquilidade. ─ Entendo. Mas, Sebastian, o que você vai resolver com relação à investigação? Não pode abandoná-la. ─ Não – disse – Admito que agora estou curioso. Quero saber as respostas. ─ Eu sabia – disse Prudence satisfeita – Sabia que você não poderia abandonar o caso.
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─ Contudo, não decidi o que farei com as respostas. – acrescentou calmamente. ─ Sebastian. ─ Acalme-se Prue. Não vou entregar provas contra Jeremy, em Bow Street. Isso seria uma violação da promessa que fiz à minha mãe. Mas, tampouco, tenho a obrigação de proteger Jeremy, caso Bow Street descobrir suas próprias evidências. – Prudence olhou para ele intranquila. ─ Isto está parecendo outro dos jogos de gato e rato, que todos dizem que você gosta de fazer com os Fleetwood. ─ Eu só me dedico a esses jogos quando estou excessivamente entediado – disse Sebastian – Mesmo que você não acredite a maior parte do tempo, tenho coisas mais interessantes que fazer do que provocar os Fleetwood. Prudence sacudiu a cabeça. ─ Sebastian você deveria se envergonhar. ─ Sem sermões, senhora. – Virou-se e tocou em seus lábios como advertência. – Não estou com humor para escutar um dos seus sermões sobre a responsabilidade e o comportamento maduro. ─- E, daí se eu sinto desejo de lhe dar um sermão? ─ Então, eu simplesmente terei que encontrar uma maneira de silenciá-la. – Aproximou a mão de sua boca e beijou-lhe o reverso do seu pulso, sem afastar os olhos dos de Prudence – Estou seguro que pensarei em algum método adequado. ─ Sebastian, estou tentando falar seriamente com você. – Prudence já podia sentir o líquido calor enroscando-se em seu interior. Libertou a mão da de Sebastian. – Você está pensando em passar o resto de sua vida atormentando os Fleetwood cada vez que não tiver nada melhor para fazer? ─ Conforme eu lhe disse, geralmente eu tenho coisas para fazer. Os Fleetwood são todos eles, muito enfadonhos. ─ Que sorte para eles!
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─ Ademais, agora que sou um homem casado tenho a obrigação de preparar os aposentos das crianças e me comprometer na busca por um herdeiro, portanto, acho que vou estar muito ocupado no futuro. ─ Você é incorrigível, milord. ─ Eu me esforço para ser. – Novamente endureceu sua fisionomia – Você precisa entender uma coisa, Prue. ─ O que é? ─ É verdade que os Fleetwood estão a salvo de mim, porém somente até certo ponto. ─ Certo ponto? Sebastian sorriu com seu sorriso mais frio. ─ Se um deles passar dos limites, a promessa que fiz à minha mãe não irá protegê-los. ─ O que você considera passar dos limites? – Perguntou Prudence cautelosamente. ─ Se minha tia, ou outro alguém atacá-la de alguma maneira, eu quero saber. Esmagarei o responsável. ─ Sebastian. ─ Eu prometi a minha mãe que não castigaria os Fleetwood por darem às costas aos meus pais, porém não falamos nada sobre o que eu poderia fazer caso insultassem ou ofendessem a minha esposa. ─ Mas, Sebastian... ─ Não, Prue. Você negociou comigo, uma vez sobre esse assunto, depois que minha tia a insultou, durante o nosso noivado. Naquela época, eu tive oportunidade de fazer alguma coisa contra ela, porém permiti que você me convencesse com suas palavras. ─ Não creio que você permitiu que eu o convencesse com as minhas palavras – disse Prudence – Você raciocinou e decidiu comportar-se de maneira nobre como se espera de um homem com o seu poder e classe social. Sebastian arqueou as sobrancelhas.
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─ Eu me rendi diante de suas súplicas minha pequena, doce e inocente Prue, porque naquela época, estávamos apenas noivos, e não casados. ─ Como? ─ Naquele momento, eu me encontrava em uma posição precária. Não desejava encolerizar a minha futura esposa, ao ponto que rompesse o nosso compromisso. Por isso eu fui complacente. ─ Não acredito. ─ Sem dúvida nenhuma porque você está convencida de que eu sou Lúcifer antes da queda. ─ Isso é intolerável – Prudence olhou para ele severamente – Você está me dizendo que agora que estamos casados, você não irá se preocupar com a possibilidade de eu me enfurecer? ─ Eu prefiro muito mais quando você está disposta a cooperar e a ser encantadora, minha querida. Porém, é fato que estamos unidos legalmente, agora. – Sebastian passou o dedo sobre a curva do ombro de Prudence, e sorriu quando esta estremeceu – E, também, estamos unidos de outras formas, não é verdade? Não importa o quanto você se enfureça, nunca poderá me abandonar. ─ E, se eu o fizer? ─ Eu a seguirei e a trarei para casa – prometeu – Em seguida faríamos amor até que estremecesse em meus braços, até que me suplicasse que a fizesse minha, até que já nem soubesse por que estava irritada comigo. ─ Sebastian. ─ Até que percebesse que tudo o que importa é o que você e eu temos juntos. Prudence olhou para os olhos iluminados pela vela e ficou sem fôlego. ─ Já lhe falei uma vez para não pensar que você pode manipular-me com seu ato de amor. Sebastian sorriu lentamente. ─ É verdade, mas eu sempre gostei de desafios. ─ Sebastian, não brinque comigo, estou lhe pedindo. Este é um assunto muito importante.
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─ Eu lhe asseguro que estou falando muito a sério. – Segurou seu queixo – Escute-me bem, senhora. A promessa que minha mãe conseguiu não vai evitar que eu castigue os Fleetwood se insultarem ou ofenderem você de alguma forma. Prudence bateu o pé descalço no chão. ─ Tenho a impressão de que você deseja que um deles ultrapasse os limites. – O mesmíssimo sorriso do demônio bailava no olhar de Sebastian. ─ Você é muito perceptiva, meu amor, e tem razão. Não me importaria nem um pouco que um deles, de preferência a minha tia, cruzasse esse limite, mas não precisa se preocupar, pois lhe dou minha palavra solene que só irá acontecer uma vez. ─ Por que essa é a desculpa que precisa para castigá-los? ─ Apenas uma ofensa – disse Sebastian suavemente – Um insulto feito a você e farei com que todos sejam expulsos da sociedade. Reduzirei seus proventos a minúsculas pensões. Prudence estava pasma pelo significado implacável daquelas palavras. Imediatamente, ficou com as mãos úmidas. ─ Então, foi essa a verdadeira razão pela qual escolheu casar-se com uma Dona Estranha antiquada, milord? Porque você sabia que alguém tão peculiar como eu conseguiria atrair os insultos que desejava dos seus familiares? Sebastian enrugou o cenho. ─ Vamos, Prue... ─ Você se casou comigo para que finalmente pudesse ter um motivo para exercer a vingança que tanto sonhou? ─ Não seja tonta. – Os cílios escondiam os olhos de Sebastian – Acredita que me casaria por toda a vida com uma mulher cuja única qualidade fosse provavelmente irritar os Fleetwood? ─ Sim, essa ideia me passou pela mente. Sebastian ficou ofendido. ─ Se isso fosse a única exigência, eu já teria me casado há muito tempo. Asseguro-lhe que aqui em Londres muitas mulheres irritariam os Fleetwood. ─ Sem dúvida.
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─ Use o seu admirável intelecto, senhora. Admito que adoraria castigar os Fleetwood, porém não ao preço de me casar com uma mulher que fosse uma esposa completamente inadequada. ─ Claro, milord. – Prudence lutou para reprimir as lágrimas – Deveria ter estudado o assunto com mais atenção. Agora, posso entender que você precisava de uma com uma combinação muito incomum de características para ser a sua condessa. ─ É claro que sim. – sorriu. ─ Precisava de uma mulher suficientemente estranha para atrair o desprezo dos seus familiares, e que sem dúvida nenhuma, suficientemente inteligente para diverti-lo. Sebastian enrugou o cenho. ─ Você está se comportando deliberadamente de forma difícil, Prue. Já lhe falei porque me casei com você. ─ Interesses mútuos e mútua paixão. – Prudence passou as costas da mão pelos olhos. – Entendo esses motivos do nosso casamento, porém sinto que eu estava estupidamente enganada com respeito a essa outra exigência que mencionou, milord. ─ Prue, chega de bobagens. Você está misturando tudo. ─ Ah, sim? – deu um passo para trás – Você não me explicou que seria uma ferramenta conveniente que poderia utilizar para provocar os Fleetwood. Não gosto de ser usada dessa maneira. A expressão de Sebastian ficou perigosa quando Prudence se afastou dele. ─ Está torcendo as minhas palavras, Prue. Ela lutou para reprimir as lágrimas. ─ Você pede muito de uma esposa, milord. Cada vez que viro a minha cabeça, a minha lista de obrigações fica maior. Devo diverti-lo; devo ser uma companheira intelectual, para que você tenha alguém por perto que admire o seu talento, quando está no comando de alguma investigação; devo esquenta sua cama. E, agora, você espera utilizar-me como desculpa para castigar os Fleetwood pelo que fizeram aos seus pais. Sebastian deslizou e deu um passo na direção dela.
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─ Já estou farto dessas bobagens. ─ E, eu também. Chegou a hora de traçar os meus próprios limites, e é isso que vou fazer. ─ E, que limites são esses? – Deu outro passo até ela. ─ Você não vai me usar como desculpa para vingar-se de sua família. Não me importo que me insultem. Você não vai me usar, está bem claro? ─ Você é a minha esposa, Prue. Não vou tolerar nenhum insulto a você. Sobre isso, não haverá nenhum trato. ─ Então, eu exijo o direito de dizer se me insultaram, ou não. – Disse desafiante. ─ Maldição, Prue, você está chorando? ─ Sim... ─ Estou lhe avisando que você não vai me manipular com lágrimas. – Resmungou. ─ E, você não vai me manipular com sexo. Sebastian lançou-lhe um olhar irônico. ─ E, onde isso nos deixa? Prudence secou as lágrimas com a manga da camisola. ─ Não tenho ideia, senhor. Se me der licença, vou voltar para a cama. Observou-a atentamente. ─ Estarei com você em breve. ─ Não. Eu vou para o meu próprio quarto, milord. Acho que não poderia dormir muito bem aqui, em seu quarto. Prudence caminhou até a porta de comunicação, abriu-a e entrou em seu próprio quarto. Fechou a porta atrás de si e prendeu o fôlego. Não tinha certeza do que Sebastian faria em seguida. Quase esperara que a seguisse e lhe fizesse um sermão sobre os deveres de uma esposa. Porém a porta de seu quarto permaneceu fechada.
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Capítulo 12
─ Eu gosto muito do decote deste vestido. – disse Hester pensativa. Prudence tentou lembrar seu débil interesse, enquanto contemplava obedientemente o modelo da moda. Recordou a si mesma que sair para as compras havia sido ideia dela. Indubitavelmente, tinha tido as melhores intenções nessa manhã. Mas, depois de um começo entusiasmado nos fabulosos bazares que ofereciam de tudo, desde pequenos e inteligentes joguinhos, até deliciosos sorvetes, começou a ficar muito aborrecida. Prudence acomodou os óculos com um empurrão e estudou o vestido com mais atenção. ─ Parece que alguma coisa poderia pular para fora, se você respirar fundo. ─ Essa é a ideia. – Assegurou-lhe rapidamente a afetada modista, com um falso sotaque francês – O vestido de baile de uma dama deve dar a ilusão de que é feito de fios de teia de aranha, tecida quando o orvalho ainda está fresco sobre a grama. ─ Muito bem – declarou Hester – E, para estar absolutamente na moda, o vestido precisa ser da cor lavanda. Prudence olhou para o vestido em dúvida. ─ Bom, se você acredita que é o que preciso Hester, então vou encomendá-lo. Hester sorriu satisfeita e virou para a modista. ─ Necessitamos que o confeccione imediatamente. Estamos dispostas a pagar um pouco mais, se prometer que o entregará esta noite, às oito. A modista titubeou, e a seguir sorriu imperturbavelmente. ─ Pode ficar descansada, senhora. Farei que minhas costureiras trabalhem nele esta tarde. ─ Excelente – disse Hester – Bom, então, queremos trajes de montaria, vestidos para manhãs e para viagens, o quanto antes possível. Lembre-se que devem ser confeccionados em tecidos cor lavanda e violeta. Pode usar um pouco de púrpura para os enfeites.
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─ Entendi, senhora. Terá tudo, dentro de poucos dias. – A modista virou-se para Prudence, que estava examinando uns botões expostos – Se Sua Senhoria puder chegar até aqui, poderemos tirar as suas medidas. ─ Como? – Prudence levantou os olhos dos botões – Ah, sim, é claro. Permitiu que a levassem até o local de provas, onde permaneceu de pé, obedientemente imóvel, enquanto uma mulher roliça trabalhava com afinco, com uma fita métrica. A modista supervisionava tudo com olhos críticos. Prudence sorriu para a modista. ─ Fiquei sabendo que está na moda mandar gravar os botões e as capas de montaria, como o brasão e o lema da família. É verdade? ─ As senhoras não usam muito essas coisas. – A modista mantinha a atenção na costureira – É mais comum que os cavalheiros mandem gravar os seus botões. ─ Que tipo de coisas eles gravam em seus botões? – Perguntou Prudence, com o que imaginava ser nada mais que uma leve curiosidade. ─ Diversas coisas, tipo insígnias militares, símbolos dos regimentos, talvez. Brasões familiares. Alguns membros de certos clubes masculinos gravam o lema do clube. – A modista a olhou com cortesia – A senhora deseja gravar alguma coisa especial em seus botões? ─ Não, a menos que fosse um requisito da moda. Eu só estava curiosa. Onde se gravam os botões? ─ Há vários lugares especializados. – A modista olhou severamente para a costureira – Nanette, acho melhor que meça novamente o busto de Sua Senhoria. Não queremos que haja nenhum erro. Não haverá tempo para fazermos nenhum ajuste. A senhora tem uma... hã, hã....figura muito esbelta e refinada. Não queremos que o corpete fique muito grande. ─ Poderia me dar uma lista? – Perguntou Prudence enquanto Nanette apertava a fita métrica ao redor de seus seios. A modista olhou para ela novamente. ─ Uma lista de quê, senhora?
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─ Uma lista das lojas que fazem gravações especiais nos botões. Embora me ocorra que esse tipo de artigo não esteja em moda entre as senhoras, eu bem que poderia começar a usá-los. ─ mas, claro que sim. A senhora é muito inteligente em pensar sobre isso. – Era muito claro que a modista estava apenas tentando agradar à cliente – Antes de saírem vou anotar os melhores estabelecimentos especializados em adornos, botões e coisas desse tipo. ─ Obrigada – murmurou Prudence, Pela primeira vez, em várias horas, recuperou o seu entusiasmo em ir às compras. – Eu ficaria muito agradecida. Vinte minutos mais tarde, Prudence e Hester eram ajudadas a subir na carruagem Angelstone, por um lacaio vestido com o uniforme negro e dourado dos Angelstone. ─ Querida, eu devo lhe dizer que estou muito contente por ver que finalmente você se interessou pela moda – comentou Hester, enquanto se sentava – agora, que é uma condessa, deve prestar mais atenção a esses assuntos. É o que se espera de você. Drucilla Fleetwood e o resto do clã Angelstone estarão observando você bem de perto. ─ Sem dúvida nenhuma, com a esperança de que eu humilhe a mim mesma, fazendo alguma coisa completamente inadequada, como usar um traje de montaria e um par de botas em um baile. Hester lançou-lhe um olhar penetrante. ─ Esta é a razão por trás do seu novo interesse em vestidos e babados? Você está com medo de ofender os Fleetwood? ─ Só digamos que eu preferiria que a família de Angelstone não me insultasse novamente em público – disse Prudence secamente – Os Fleetwood já decidiram que não serei uma condessa adequada. Não gostaria de lhes proporcionar mais munição que sustentasse essa ideia. ─ Ora, ora, ora... – Hester riu entre os dentes – Não se ofenda querida, porém estou surpresa em saber que você está interessada em agradar os parentes de Angelstone, que claramente nunca se preocupou em encontrá-los.
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─ Talvez, ao me converter em condessa tenha me proporcionado uma visão mais atual do mundo social. – murmurou Prudence. Olhou para as agitadas ruas e se perguntou se os seus esforços para tornar-se um estereótipo da moda seriam inúteis. Não se atrevia a explicar a Hester a verdadeira razão pela qual estava se preocupando em modificar o seu guarda-roupa. O seu único motivo salvar os infelizes Fleetwood da vingança de Sebastian. Decidira que a melhor tática era tomar uma atitude preventiva. Essa manhã despertara decidida a não dar a seus novos familiares nenhum motivo para insultaremna gravemente. Pareceu óbvio para Prudence que o primeiro passo a ser dado era vestir-se na moda. O bilhete que enviara a Hester mais cedo, de manhã, convidando-a a uma expedição de compras havia trazido imediatamente uma resposta. Hester se sentia encantada que lhe desse passe livre e um crédito quase ilimitado. Até o momento, havia se encarregado que Prudence trocasse os óculos, ao menos durante as noites, por uma pequena lente de cristal, presa por uma fita de veludo púrpura, que poderia se adequar a qualquer vestido. Prudence queixara-se de que seria incomodo levar a lente ao olho a cada vez que desejasse ver claramente, porém Hester havia ignorado sem piedade essa queixa insignificante. Compraram sapatilhas de baile em todos os tons de lavanda e violeta e vários pares de luvas para combinar. Os pacotes que continham uma variedade de chapéus e leques se empilhavam até o teto da carruagem. ─ De forma geral, foi um dia muito frutífero – disse Hester com grande satisfação – Você quer dar uma parada para tomarmos um sorvete? Prudence se animou. ─ Sim, eu gostaria. E, depois, gostaria de visitar um dos estabelecimentos da lista que a modista me deu. Hester olhou o pedaço de papel que Prudence tinha na mão. ─ Que tipo de compra está pensando em fazer?
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─ Estou interessada em me informar sobre alguns botões com gravações especiais. Hester estava encantada. ─ Na verdade seria um toque muito agradável para o seu traje de montaria, e talvez suas capas. Que ideia genial. ─ Foi isso que eu pensei – disse Prudence, sentindo um pouquinho de vaidosa satisfação. – Estou procurando alguém que faça esse tipo de trabalho. É um toque muito interessante, você não acha? – Enfiou a mão no regalo, e pegou o botão dourado que havia encontrado junto com Sebastian em Curling Castle. ─ Parece muito com o tipo de botão que ficaria ótimo no colete de um cavalheiro. – disse Hester – O que está gravado? ─ Não tenho ideia. O nome de algum clube masculino, quem sabe? Poderia ter algum significado para um evangelista.3 – Prudence deixou cair o botão em seu regalo4, com indiferença. ─ Onde conseguiu isto? ─ Eu encontrei em algum lugar – disse Prudence naturalmente – Não lembro exatamente onde. Porém notei o trabalho e decidi que gostaria o comerciante que se encarregará de enviar ao dono verdadeiro. Quando eu fizer isto, gostaria de fazer um pedido especial para mim. ─ Eu imagino que qualquer comerciante poderá fazer botões gravados. Por que incomodar-se em encontrar quem fez esse botão em particular? – Perguntou Hester com curiosidade. ─ Porque quero me assegurar de obter a qualidade desse botão. – explicou Prudence suavemente – Angelstone faz questão que sua esposa use apenas o melhor. ─ Muito bem, querida. Se você deseja passar o resto da tarde comprando botões, quem sou eu para impedir?
3 Na tradição cristã os Quatro Evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João, são os autores atribuídos à criação dos quatro evangelhos do Novo Testamento, os quais são: Evangelho segundo Mateus Evangelho segundo Marcos Evangelho segundo Lucas 4Utensílio,
geralmente de peles. em que se resguardam do frio as mãos.
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Pouco depois das duas da tarde, Sebastian saiu do estabelecimento de Milway & Gordon, uma loja da Bond Street especializada em luvas de cavalheiros, gravatas e outros itens variados que os homens da moda necessitavam. Parou para consultar a lista de comerciantes que seu valete havia elaborado. Até este momento, havia visitado quatro estabelecimentos que afirmavam que recebiam encomendas de botões especialmente gravados. Nenhum reconhecera o botão que descrevera. ─ Dourado, com a frase “Os Príncipes da Virtude” gravada nele. – Ele explicara ao lojista. ─ Perfeito para um colete. Eu gostaria de uma cópia para o meu colete. ─ Talvez, se Sua Senhoria trouxesse o botão a ser duplicado, poderia dizer com segurança se já vi outro igual, ou não, anteriormente – sugeriu o lojista – Tenho quase certeza que poderíamos reproduzi-lo, mas ajudaria muito vermos o botão original. Infelizmente, tudo o que Sebastian podia oferecer aos comerciantes era uma descrição verbal, já que Prudence havia saído com o botão original. Havia tido uma visão fugaz do objeto brilhando entre os dedos enluvados de Prudence, antes que o deixasse cair no regalo. ─ É a minha vez de investigar, milord – havia murmurado Prudence apenas para os seus ouvidos – Este casamento é um sociedade, se você não recorda, e também é assim com esta investigação. Sentir-me-ia culpada se não me esforçasse em realizar a minha parte do trabalho. ─ Maldição. – grunhiu Sebastian – Você sabe muito bem que hoje irei visitar certos estabelecimentos. Não seria conveniente que nós dois perguntássemos pelo mesmo condenado botão, nos mesmos lugares. ─ Você tem toda razão, milord. – Os olhos de Prudence brilharam determinados – Devemos ser hábeis a esse respeito, não é mesmo? Eu estou com ele, e vou fazer minhas averiguações nas imediações da Oxford Street. Você pode investigar em qualquer outro lugar, pois dessa forma, não é provável que tropecemos um no outro, na mesma loja.
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─ Desculpe-me milord, mas devo partir, pois minha tia me espera. Consciente que a presença dos criados no vestíbulo limitava seriamente a reação de Sebastian, Prudence deslizou ao lado dele através da porta aberta, até a carruagem que a esperava. Sebastian estava tentado a ir atrás dela e puxá-la mesmo diante dos criados. Prudence merecia, pois ela sabia muito bem que ele pensava em prosseguir com a investigação do botão nesse dia. Porém, alguma coisa o freara, e sabia que não era apenas a possibilidade de criar uma pequena cena doméstica na frente do pessoal da casa, mas sim algo mais fundamental. Não desejava reacender as emoções que arderam em Prudence na noite anterior. Sebastian admitiu a si mesmo que não sabia como controlar Prudence quando ela chorava. Ficara chocado quando ela voltou para o seu próprio quarto e fechou a porta na sua cara. Sebastian franziu o cenho enquanto dobrava a lista de comerciantes. Dirigindose à carruagem, pensou que Prudence havia se excedido na noite anterior, esse era o problema, pois não havia lógica para as suas emoções. Não havia se casado com ela para utilizá-la como isca para atrair os Fleetwood a uma armadilha. Só capitalizaria as circunstâncias do casamento para alcançar um objetivo que se negara por muito tempo. Que mal havia nisso? Perguntou-se. A reação excessivamente emocional de Prudence o havia surpreendido. Não era próprio dela. Nesse instante, Sebastian parou na calçada quando um pensamento chamou a sua atenção. Escutara que as mulheres ficavam sujeitas a estranhas emoções quando estavam gestando. Era bem possível que Prudence estivesse grávida. Grávida do seu bebê. Começou a sorrir, apesar do mau humor. Nesse momento podia imaginá-la, redonda e madura, com a sua semente crescendo em seu interior. Foi percorrido por uma estranha sensação de ternura.
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Havia dito a si mesmo que uma vez que a prendera com os laços legais do matrimônio e as reivindicações físicas da paixão, Prudence seria sua. Tinha certa razão, porém durante a noite anterior havia percebido pela primeira vez, que os laços matrimoniais e a paixão, e inclusive, os interesses mútuos, talvez não fossem suficientes. Um filho uniria Prudence a ele de uma maneira que nenhuma outra coisa poderia igualar, pensou Sebastian, enquanto uma carruagem parava diante dele. A porta se abriu e Curling desceu, fazendo-lhe um sinal com a cabeça, e parou na calçada. ─ Gostaria de lhe perguntar o que o está divertindo nesse momento, Angelstone. De acordo com a sua reputação, alguém pensaria que é alguma coisa extraordinária, e sem dúvida nenhuma, estou muito curioso. ─ É um assunto particular. Nada que possa interessá-lo, Curling. – Sebastian olhou para a porta da loja que acabara de investigar – Você frequenta este estabelecimento? ─ Há anos que Milway & Gordon fazem as minhas luvas. – Curling olhou para ele levemente curioso. – Não sabia que você utilizava os seus serviços. ─ Recomendaram-me há pouco tempo – disse Sebastian naturalmente – Pensei que poderia experimentar. ─ Tenho certeza que ficará satisfeito com o trabalho. – Curling se dirigiu até a porta e tornou a parar – A propósito, Angelstone, ontem à noite, joguei algumas partidas com seu primo. ─ Ah, sim? ─ Mr. Fleetwood estava embriagado e não jogou muito bem. Ganhei uma soma considerável, mas isso não vem ao caso, o que eu não pude evitar notar, é que ele parecia estar com um humor bastante explosivo. Muito irritável, na verdade. Creio que por sua causa. ─ Não me interesso por essa informação. ─ Entendo – disse Curling – Eu sei que nunca gostou muito dos seus familiares.
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─ O sentimento é recíproco – disse Sebastian – Aonde você quer chegar, Curling? Curling apreciou as luvas e acessórios que estavam sendo exibidos na vitrine arredondada, atrás de Sebastian. ─ Vacilo em oferecer conselhos justamente a você Angelstone, pois O Diabo sabe que pode cuidar de si mesmo. Contudo, eu recomendaria, enfaticamente, que você tenha muito cuidado com Mr. Fleetwood. Sebastian inclinou a cabeça indiferente, e olhou para a calçada. ─ É como você disse, Curling, eu posso cuidar de mim mesmo. ─ Uma circunstância muito afortunada. – murmurou Curling – Comece a tomar providências ao cruzar a rua, pois Mr. Fleetwood disse claramente que não ficaria nem um pouco aborrecido, caso você sofresse um sério acidente. ─ Tenho certeza que você não entendeu muito bem o meu primo. Na verdade, Fleetwood jamais rezaria para que eu sofresse um sério acidente; ele preferiria que o acidente fosse fatal. Curling foi obrigado a sorrir. ─ Vejo que você não necessita de nenhum conselho de minha parte, senhor. É óbvio que conhece muito bem o seu primo. Tenha um bom dia. Talvez eu o encontre, junto com sua encantadora dama, esta noite, no baile dos Hollingron. ─ Talvez. Sebastian encaminhou-se até a carruagem que o aguardava. Ainda teria que visitar dois estabelecimentos, antes de voltar para casa e saber se Prudence havia tido sorte com a investigação. Até esse momento, havia percebido algo muito interessante: Dos quatro estabelecimentos que visitara, três ficaram ansiosos para conseguirem um pedido de botões gravados de sua parte; apenas Milway & Gordon não havia demonstrado nenhum interesse para tê-lo como cliente.
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Pouco antes das cinco da tarde, Sebastian ajudou sua esposa a subir no faeton5 e a seguir, sentou-se rapidamente, ao seu lado. Deu uma olhada de soslaio para ela, e decidiu que não lhe agradava a expressão irritada do rosto de Prudence. Não pressagiava nada de bom, se confirmava os seus piores temores, pois era óbvio que deveria ter passado boa parte do dia inquieta e preocupada pela discussão da noite anterior. Decidiu provar do veneno. ─ Você está encantadora com este vestido, querida. ─ Esta coisa velha? – Olhou com desprezo para o recato vestido de musselina bege e a capa marrom. – Fico surpresa que você ache atraente, pois não é exatamente a última moda. Sebastian sorriu enquanto girava os cavalos na direção do parque. ─ Desde quando você se preocupa em andar na moda? ─ Sinto que tenho a obrigação de ser mais consciente nesse assunto. Hester está me ajudando a alcançar o meu objetivo. – Lançou-lhe um rápido olhar – Hoje, nós duas gastamos uma parte considerável da sua fortuna em meu novo guarda-roupa. ─ Espero que você tenha ficado feliz. Sebastian perguntou-se se Prudence pensava que sair para as compras sem limites constituía vingança suficiente pelo que havia acontecido entre eles, na noite anterior. Se assim fosse, considerar-se-ia afortunado de ter escapado tão facilmente. Mais cedo, havia enviado-lhe uma mensagem dizendo que esperava que ela o acompanhasse em um passeio pelo parque, essa tarde. Contudo, temeu que Prudence recorresse a uma desculpa para evitá-lo. Pela manhã, quando havia escapado com o botão, em seus olhos encantadores havia uma serena e feminina determinação. A caminho de sua cada, desde Bond Street, ele se prometera que não permitiria que ela o evitasse. Era muito comum para maridos e esposas agirem de forma
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Significado de Faeton s.m. Viatura hipomóvel alta, de quatro rodas, leve e aberta, com assentos paralelos dois a dois, de frente uns para os outros.
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independente na cidade, era moda que o fizessem. Um homem e uma mulher podiam viver juntos na mesma casa e se verem em raras ocasiões, se assim o desejassem. Sebastian pensou que Prudence precisava entender que ele não tinha nenhuma intenção de permitir que o seu matrimônio se convertesse em uma fria aliança. Havia se casado com ela pelo seu ardor. Ele estava tristemente consciente do alívio que sentira quando viu que Prudence descera as escadas, vestida para o passeio. Poderia estar aborrecida, porém era claro que não ia desafiá-lo abertamente. Mesmo que fosse igualmente óbvio que Prudence não estava contente, portanto decidiu seguir por um assunto seguro.
─ Muito bem, senhor – disse enquanto guiava pelo parque – Hoje, você teve a oportunidade de imiscuir-se em minha investigação. Descobriu alguma coisa? ─ Nem uma maldita coisa. – Parecia que Prudence explodiria, obviamente, por sua irritação reprimida. – Devo dizer que foi muito decepcionante. Nenhum lojista conseguiu identificar o botão. Ai, Sebastian, eu estou me sentindo muito desiludida, todo o meu dia foi arruinado. Completamente arruinado. Sebastian olhou para ela intensamente, e finalmente, entendeu que a razão de sua expressão taciturna não tinha nada a ver com os acontecimentos da noite anterior. Não estava irritada com ele, ela estava frustrada e aborrecida porque suas investigações não haviam conduzido a lugar nenhum. Sebastian conhecia muito bem essa sensação. Animou-se e começou a sorrir. ─ Fico feliz que esteja satisfeito – disse Prudence irritada – Suponho que irá se regozijar perversamente durante muito tempo. Realmente, é muito cruel de sua parte. Sebastian percebeu que seu humor havia mudado repentinamente, e seu sorriso ampliou-se cada vez mais, até que começou a gargalhar. Os ocupantes de uma carruagem que passava por ali, um casal que Sebastian conhecia há mais de um ano, estavam admirados como se nunca o houvessem visto. E, não foram os únicos que voltaram suas cabeças diante da visão do Anjo Caído vencido pelo riso. ─ Não precisa ficar rindo de mim – murmurou Prudence.
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─ Meu amor, eu lhe asseguro... ─ Sebastian lutou para engolir o restante da exultante reação – Eu lhe asseguro que não estou rindo de você. Como eu poderia, se obtive tanto êxito como você. Prudence olhou para ele mal humorada. ─ Você também fez averiguações? ─ Certamente que sim. Embora o fato de não poder mostrar o verdadeiro botão, tenha dificultado a minha tarefa. Fui obrigado a dar detalhadas descrições, já que você fugiu com a peça original. ─ Eu não o roubei – protestou Prudence – Apenas, o peguei primeiro, antes que você pudesse sumir com ele. ─ Um ponto de vista muito interessante. Portanto, me esforcei em descobrir tudo que foi possível sobre ele, porém terminei de mãos vazias. ─ Vacilou ao lembrarse da estranha conduta do atendente na Milway & Gordon, o último estabelecimento da lista – Apesar de achar interessante a reação de um comerciante. ─ Qual? – A frustração de Prudence desapareceu no mesmo instante, e foi substituída por uma intensa curiosidade – O que ele disse? ─ Não foi o que ele disse – Sebastian franziu o cenho – Foi a maneira como descartou as minhas perguntas, como se elas o houvessem incomodado. Foi o único comerciante que entrevistei e que não tentou persuadir-me que poderia duplicar o botão a partir da minha descrição. ─ Comportou-se como se não quisesse tê-lo como cliente? Que estranho! ─ É verdade, não é mesmo? Creio que valeria a pena voltar a essa loja mais tarde, eu adoraria dar uma olhada nos registros. ─ Sebastian, você vai realmente invadir a loja? Que emocionante! Eu vou com você! Sebastian preparou-se para discutir. ─ Não, você não vai, Prue. Implica em muitos riscos. ─ Você permitiu que eu o acompanhasse quando explorou o quarto negro, em Curling Castle – Lembrou-lhe com um persuasivo tom de voz – Eu o ajudei muito durante essa ocasião.
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─ Eu sei, mas era diferente. ─ Como assim era diferente? – Perguntou. ─ Para começar, não estávamos fazendo algo onde poderíamos ser detidos e deportados ou enforcados – disse Sebastian – Já basta, Prue. Você não vai me acompanhar na investigação desta noite, contudo eu prometo a você que quando eu voltar darei informações detalhadas. ─ Sebastian, não vou permitir que você me exclua disso – A persuasão e a lisonja desapareçam da voz de Prudence, seu tom mudou para o de um sermão – Somos uma equipe, e eu exijo uma participação equitativa e... – Interrompeu-se de repente e olhou para trás da carruagem – Ah, olá, Trevor, eu não sabia que hoje você viria montar pelo parque. ─ Boa tarde, Prue. – Trevor guiou o cavalo baio e fez com que caminhasse no ritmo do faeton. Saudou com a cabeça, quase timidamente, Sebastian.
Parecia
inseguro e curioso. – Angelstone. Sebastian se alegrou ao dar-se conta que na realidade sentia certa gratidão pelo irmão de Prudence, dessa vez Trevor havia calculado muito bem quando aparecer. ─ Vejo que você mudou de alfaiate, Merryweather. Parabéns. Trevor ficou muito ruborizado. ─ Fui ver Nightingale, o seu alfaiate, milord. Obrigado por me apresentá-lo. ─ Acho que reconheci o corte do seu casaco – disse Sebastian tranquilamente – É exatamente como o meu. ─ Sim, senhor, é verdade. Eu pedi que Nightingale copiasse especialmente o seu – Trevor olhou para ele ansioso – Espero que não se incomode. ─ Não – disse Sebastian, ocultando um sorriso – Não me incomoda, absolutamente. Trevor, nesse dia, era um modelo da clássica elegância masculina. Usava a gravata com um nó de estilo simples, que lhe permitia girar comodamente a cabeça de um lado para o outro. O colarinho da camisa já não lhe roçava os lóbulos das orelhas, o
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colete já não escandalizava as pessoas, e Sebastian percebeu apenas o relógio pendurado em seu bolso. ─ Trevor, você está maravilhoso. – Disse Prudence, com o rosto iluminado por genuína admiração. A seguir, sorriu por antecipação – Eu também vou estar igualmente elegante esta noite. Espere para ver os meus primeiros vestidos novos. Hester me assegurou que o estilo e a cor estão na moda. ─ Vou aguardar ansioso, Prue – disse Trevor galantemente, mas estragou imediatamente o efeito – A propósito, Angelstone, eu recebi um convite para uma das festas de Curling, exatamente como aquele que você e Prue receberam. ─ Ah, sim? – disse Sebastian. ─ Sim, senhor. É no próximo fim de semana. Disseram-me que desta vez, será apenas um pequeno grupo de cavalheiros. – Trevor sorriu com óbvio prazer, diante de sua elevação de nível, no âmbito social. – Um grupo bastante seleto. Certamente, iremos caçar e pescar. Sebastian pensou no quarto negro, que suspeitava não era utilizado para propósitos saudáveis. ─ Quão pequeno e seleto será esse grupo? – Perguntou tranquilamente. ─ Não sei exatamente. Curling disse que só oferece esse tipo de festas em poucas ocasiões, muito exclusivas. ─ Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de aceitar esse convite – disse Sebastian ─ Está claro que eu não irei aceitar mais convites de Curling, pois suas festas não são divertidas. Trevor estava surpreso. Parecia estar momentaneamente confuso, e em seguida olhou para Sebastian de forma astuta. ─ Não são divertidas, não é? ─ Um tédio absoluto. ─ Não precisa dizer mais nada, milord. Eu entendo perfeitamente – disse Trevor, com jeito de quem fala de homem para homem – Aprecio muito o seu conselho, Angelstone. Tenha certeza que depois disso, não irei desperdiçar o meu
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tempo andando de um lado para o outro em Curling Castle, no próximo final de semana. ─ Uma sábia decisão – disse Sebastian calmamente. ─ Bom, então me despeço. – Trevor inclinou o chapéu diante de sua irmã – Vejo você esta noite, Prue. Estou querendo ver o seu vestido novo. Bom dia, Angelstone. Sebastian fez um gesto afirmativo com a cabeça. ─ Boa tarde, Merryweather. Trevor girou o seu cavalo em outra direção e saiu a meio galope pelo caminho. Prudence olhou aborrecida para Sebastian. ─ O que significa tudo isto? Desde quando um convite para Curling Castle é considerado um tédio total? ─ Desde que eu assim o declarei há dois minutos – disse Sebastian. Diminuiu o passo dos cavalos até que trotassem elegantemente – Não quero que o seu irmão esteja comprometido com esse convite de maneira nenhuma. E, eu duvido que você também queira. ─ Não, é claro que não. Porém, que problema poderia representar um convite para uma festa em Curling Castle? ─ Eu não sei – disse Sebastian – Obedeço aos meus instintos. Sinto que seria melhor que Trevor não se misturasse com Curling. ─ Muito bem. Você é mais experiente neste tipo de coisa, Sebastian. Estou de acordo em que devemos guiar-nos por nossas intuições. ─ Fico muito contente em ouvir isto, querida, porque os meus instintos também me dizem que será melhor que você não me acompanhe esta noite à visita ao estabelecimento Milway & Gordon. ─ Uma esposa inteligente sabe quando escutar o conselho de seu senhor – disse Prudence com graça encantadora. Sebastian estava pasmo diante daquela vitória tão fácil, que quase deixou cair as rédeas.
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─ E, também sabe quando não tem que fazê-lo – complementou Prudence com tom muito seco. Havia um desafio brilhando em seus olhos. ─ Maldita seja, Prue. – disse Sebastian.
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Capítulo 13
Prudence tentou conversar mais de uma vez com Sebastian esta noite, quando se encontrou com ele na mansão Hollington. Mas, não chegou a lugar nenhum. De fato, havia jurado que a atitude arrogante e obstinada de Sebastian, na realidade, piorou muito quando ele a viu entre as pessoas. Ele mal havia chegado, quando a pegou pelo braço e arrastou-a vigorosamente para a porta. Prudence lançou-lhe um olhar desagradável de soslaio, através da nova e elegante lente, enquanto permaneciam de pé nas escadarias esperando que a carruagem aparecesse entre a névoa. ─ O que aconteceu com você esta noite, milord? – perguntou, enquanto manuseava nervosamente seu monóculo. Pensou irritada que ter que lidar com um leque, um monóculo e um pequeno regalo, na verdade, era pedir demais de uma mulher. Ser elegante não era um trabalho fácil – Você está com um humor diabólico. ─ Ah, é mesmo? – A mandíbula de Sebastian estava rígida. Observou com impaciência o cocheiro, enquanto este manobrava a carruagem Angelstone e saía da longa fila de carruagens douradas, que esperavam nas ruas próximas à mansão. ─ Sim, é mesmo. Sebastian, você não acha que está levando a sua atitude longe demais? Eu sei que fui muito insistente durante a maior parte da tarde, porém isto não é razão para ser extremamente grosseiro diante dos meus amigos, esta noite. ─ Eu fui grosseiro? Sinto muito, minha querida. Eu não tinha ideia de que a minha conduta fosse tão censurável. ─ Bobagens, você sabe perfeitamente bem que foi muito censurável. – Prudence deixou cair o pingente de vidro, e pegou o xale de cashmere bordado com pequenas plumas. O xale delicado era a última moda, mas infelizmente oferecia pouca proteção contra noite úmida e brumosa. ─ Você foi muito desagradável com Lord Selenby e com Mr. Regid.
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─ Ah, quer dizer notou, não é mesmo? – A carruagem chegou aos pés da escadaria, e Sebastian pegou o braço de Prudence e quase a arrastou até o coche – Estou surpreso e, devo dizer, profundamente satisfeito que tenha conseguido ver o seu pobre esposo de pé, entre a multidão de cavalheiros que estava reunida ao redor dos seus seios desnudos. Prudence olhou para ele furtivamente, enquanto um dos lacaios Hollington se apressava para abrir-lhe a porta da carruagem. ─ Meus seios desnudos? – Gritou – Você está insinuando que não lhe agrada o meu novo vestido? ─ Que vestido? – Sebastian fez com que ela entrasse num empurrão na carruagem escura e subiu logo atrás dela – Esta noite não vi nenhum vestido, inclusive, pensei que você tivesse se esquecido de colocá-lo, antes de sair de casa. Prudence ficou indignada diante da afronta ao seu novo vestido de baile, de seda lavanda. ─ Pois, eu devo informá-lo que este vestido está na vanguarda da moda. ─ Como é que pode estar na vanguarda se não tem nada na frente? Prudence deu um pequeno grito de horror, e deixou de tentar empunhar seu monóculo e pegou seus antigos óculos no interior do seu regalo de contas. ─ Você está agindo de maneira irracional, e tenho certeza de que esteja consciente disto – Empurrou suas lentes sobre o nariz e olhou para ele furiosa. – Pensei que você ficaria feliz com o meu vestido. ─ Eu prefiro você no seu estilo habitual. ─ Muitas pessoas, inclusive Hester e meu próprio irmão, me asseguraram que o meu estilo habitual, não tem nenhum estilo. Sebastian acendeu as lamparinas da carruagem e se reclinou contra as almofadas. Cruzou os braços e deixou que seus olhos melancólicos flutuassem sobre decotado vestido. ─ Por que este súbito interesse pela moda? Prudence ajustou ainda mais o leve xale, ao redor do busto. Fazia muito frio no coche, e desejou ter trazido a capa consigo.
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─ Você mesmo vive me dizendo constantemente que tenho a obrigação de recordar a minha nova posição. A expressão de Sebastian ficou rígida. ─ A sua nova posição lhe outorga o privilégio de usar o que quiser. Como condessa de Angelstone você pode ditar a moda, não ser escrava dela. Prudence levantou o queixo. ─ E, o que vai acontecer se eu quiser usar vestidos como este? ─ Maldição, Prue, seus seios estão a ponto de pularem dessa coisa. Todos os homens do salão estavam olhando para você de forma lasciva, esta noite. Era esse o efeito que desejava causar? Está tentando me deixar com ciúmes, de forma deliberada? Prudence estava horrorizada. ─ É claro que não, Sebastian. Por que eu quereria deixar você com ciúmes? ─ Uma boa pergunta. – Estava com o olhar sombrio de perigoso – Mas, saiba que se o seu objetivo era este, eu lhe asseguro que você conseguiu. Prudence piscou, surpresa. ─ Você ficou com ciúmes de mim? Sebastian torceu a boca de forma a mostrar o seu desagrado. ─ Como você esperava que eu reagisse quando entrei no salão, esta noite, e encontro você no meio de meia dúzia de homens pairando ao seu redor? ─ Eu não estava tentando incitar o seu ciúme, milord. – Prudence estava consternada porque ele havia interpretado completamente errado as suas intenções. – Para ser muito sincera, nem me ocorreu que isso pudesse acontecer. ─ Verdade? Você não seria a primeira a tentar isso. – Sebastian reclinou a cabeça contra o assento e observou-a através de seus cílios meio caídos. – Outras mulheres mais peritas em tais técnicas tentaram essa tática. Prudence alisou a saia de seu vestido lavanda, lembrando que Hester havia lhe dito certa vez, da notória e malfadada intenção de Lady Charlesworthy fazer ciúmes à Sebastian.
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─ Tenho certeza que tentaram – disse Prudence tranquilamente – Também, sou muito consciente de minhas próprias limitações. Nunca me ocorreu que você ficaria com ciúmes – Estudou a expressão fria e inescrutável – Não acreditei que tivesse tal poder sobre você. ─ Como minha esposa, você tem muito poder. – disse Sebastian com placidez excessiva ─ Eu e você estamos unidos. No passado, quando outras mulheres tentaram me deixar com ciúmes, eu tinha a liberdade de abandoná-las, porém não posso abandonar a minha esposa, não é mesmo? ─ Não, suponho que não. – Prudence sentiu-se estranhamente sem esperanças. Deveria ter sabido que o ciúme de Sebastian estaria baseado no orgulho e na possessão, não no amor. ─ Ciúmes não me agradam, senhora. ─ Sebastian, você entendeu errado. ─ Ah, sim? ─ Sim. – Prudence suspirou – Não escolhi este vestido para tentar chamar a atenção de outros homens. Sebastian dirigiu-lhe um olhar interrogativo e suspeitamente suave. ─ Por que o escolheu, então? ─ Para não atrair mais comentários – murmurou Prudence, exasperada. Sebastian não se moveu, porém subitamente surgiu nele uma aura de alerta, que fez Prudence sentir-se cautelosa. ─ Comentários de quem? – perguntou Sebastian com voz sedosa. Prudence se deu conta tardiamente que estava em território traiçoeiro. Perguntou-se se Sebastian lhe conduzira até esse ponto com bobagens de ciúmes, pois ele poderia se qualquer coisa, menos estúpido. ─ Bem, do mundo social, milord. ─ Você quer dizer a minha querida tia, não é verdade? Prudence começou a tamborilar os dedos contra o assento, pois havia inúmeras desvantagens em estar casada com um homem inteligente. ─ Ora, Sebastian, não precisa precipitar as conclusões.
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─ Mas que inferno. ─ Sebastian alongou-se com a graça letal de um predador que ataca sua presa, estendeu a mão e fechou as cortinas das janelas sobre as portas, em dois movimentos rápidos. ─ Por que você está fazendo isto? – perguntou Prudence vivamente. Em vez de respondê-la, pegou-a em seus braços e a levantou do assento. ─ Eu sabia que tinha alguma coisa por trás desse seu súbito interesse pela moda. ─ Por favor, milord. – A saia transparente de Prudence inflou e se avolumaram, quando Sebastian a sentou sobre suas pernas. Seu xale caiu dos ombros, revelando uma vez mais as curvas da parte superior de seus seios. – Não precisa reagir tão fortemente, apenas porque me interessei pela moda. ─ Você estava tentando evitar os insultos dessa bruxa velha da Drucilla, não é assim? – Os olhos de Sebastian brilhavam como ouro, na luz das lanternas. Todos os vestígios da cólera fria haviam desaparecido, assim como qualquer outra emoção remotamente parecida com ciúmes. ─ Sebastian, não fica bem chamar a sua tia de bruxa velha. ─ Por que não? Isso é exatamente o que ela é. Você espera que se convertendo em uma joia rara, ela não terá motivos para insultá-la. Prudence calou um impropério, pois nesse momento a familiar diversão profana estava de volta aos olhos de Sebastian. Tinha certeza de que havia lhe enganado para que confessasse. ─ Estou apenas tentando vestir-me de acordo com o estilo que o mundo social considera apropriado para a sua esposa, Angelstone. ─ Eu decido o que considero apropriado para a minha esposa. Prudence era muito consciente dos musculosos contornos das coxas que estavam sob suas nádegas. A saia finíssima do elegante vestido de baile deixava muito pouco para a sua imaginação. ─ A sua arrogância me deixa sem fôlego, milord. A mão de longos dedos de Sebastian apertou a cintura de Prudence. O anel com selo de ouro refletia a luz opaca da lanterna.
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─ Você acha que com isso pode evitar que a minha tia a insulte publicamente, evitando que eu castigue os Fleetwood, não é assim? ─ Nem vou me dignar a contestar a esta conclusão estúpida! Ele esboçou um sorriso. ─ Foi uma ideia inteligente, porém tenho algumas informações para você, minha querida: Não vai funcionar. Drucilla está procurando desculpas para encontrar problemas em você. É inútil tentar acalmá-la, porque ela nunca ficará calma. Se o seu vestido não lhe der nenhum motivo para um comentário, ela vai encontrar outra coisa para criticar. É a natureza da besta. ─ A sua tia dificilmente poderá dizer-me algo mais insultante sobre o meu vestido, do que o que você já disse. – Prudence tentou endireitar a pluma lavanda do cabelo. ─ A minha condição de seu esposo me outorga alguns privilégios, querida. ─ Isto está aberto à discussão. – Olhou receosa para ele. – Fale a verdade. Você acha mesmo que o meu vestido é muito decotado? ─ É muito decotado para usá-lo publicamente. – Sebastian observou as curvas suaves dos seios com muita consideração – No entanto, posso ver que o decote do corpete pode ter certa praticidade. ─ Praticidade? ─ Permite um fácil acesso a uma vista encantadora. – Deslizou o dedo bem abaixo da borda do decote. Prudence sentiu um tremor de perversa excitação. ─ Sebastian, pare. Você não deve fazer esse tipo de coisa na carruagem. ─ Por que não? O cocheiro levará quase meia hora para chegar até nossa casa, com este trânsito. A névoa está cada vez mais espessa, e isso poderá atrasá-lo ainda mais. Sebastian puxou suavemente a borda do vestido para baixo e liberou um dos seios de Prudence. Sentiu percorrer pelo calor, e lhe deu um fraco e inútil tapinha. ─ Sebastian, isto não está correto, eu não posso permitir que você faça amor comigo, em uma carruagem.
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─ São as consequências da última moda, meu amor. – Sebastian começou a baixar a cabeça até a ponta rosada de seus seios. Prudence afundou os dedos no cabelo de Sebastian, fechou os olhos e tentou concentrar-se em seu objetivo principal. ─ Agora que terminamos de falar sobre o meu vestido, quero falar sobre o seu plano de voltar à loja da Bond Street, está noite. ─ Eu prometo lhe dar um informe completo quando chegar a casa. – A respiração de Sebastian era cálida sobre a pele de Prudence. ─ É muito injusto de sua parte deixar-me de fora. Sou sua sócia. – Prudence sufocou quando Sebastian roçou com o polegar o botão firme que coroava seu seio. Abriu os olhos e viu o papel que estava sobre o assento, no qual estivera sentada – O que é isto? ─ Um mamilo, eu acho. – Tocou-o com a ponta da língua – Sim, sem dúvida nenhuma, é um mamilo. E, extraordinariamente encantador. ─ Não, isso não. – Prudence olhou com olhos caídos sobre a cabeça de Sebastian – Esse papel sobre o assento. Devo ter sentado em cima quando subi na carruagem, há uns minutos. Parece ser um bilhete. Sebastian levantou um pouco a cabeça e viu o papel dobrado. ─ Que demônios? Esticou a mão e levantou a nota. A seguir desdobrou e a sustentou para que a luz da lanterna caísse diretamente sobre ela. Havia uma pequena mensagem rabiscada. ─ Foi isso que pensei... uma nota. Alguém deve ter deixado aqui, enquanto estávamos no baile. – Prudence puxou seu corpete, voltou a colocá-lo no lugar e ajustou os óculos. Fixou o olhar na escrita desconhecida, enquanto Sebastian lia a mensagem em voz alta.
“Os nomes dos Príncipes da Virtude são: Ringcross, Oxenham, Bloomfield e Curling. Escrevi seus endereços abaixo, com a esperança de que não me peça mais
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nenhuma informação. Assegurou-lhe que não tenho mais nada para lhe dar. Imploro que me deixe em paz.”
Sebastian enrugou o cenho. ─ Não tem assinatura. É muito provável que tenha sido escrita por algum dos lojistas que entrevistamos mais cedo. ─ Como você pode ter certeza? ─ Obviamente, é de alguém que não quer que o incomodemos com mais perguntas. As únicas pessoas que interrogamos foram os lojistas. ─ O nome de Lord Curling está na lista – disse Prudence – Tem sentido, suponho. Encontramos o botão no armário, afinal de contas. ─ Ringcross está morto. Curling deseja que investiguem a sua morte. Ambos pertenciam ao clube dos Príncipes da Virtude. – Sebastian bateu com o bilhete contra sua coxa, com expressão concentrada – Creio que o próximo passo é falar com Bloomfield e Oxenham. ─ Você os conhece? ─ Conheço Oxenham. Está relacionado com transporte marítimo. Em determinado momento, conseguiu se casar com duas herdeiras, mas soube que as jovens morreram pouco depois do casamento. Uma, em um acidente de carruagem, a outra de overdose de láudano. Isso foi há muitos anos. Prudence estremeceu, esticou a mão e pegou o xale, envolvendo-se com ele. ─ Parece algo sinistro. ─ Sim é verdade, não é mesmo? – Sebastian reclinou-se contra o canto da carruagem e olhou Prudence pensativo – Acho que vou falar primeiro com ele. ─ E, o que se sabe de Bloomfield? – perguntou Prudence. ─ Não sei muito sobre ele. Os boatos dizem que está meio louco. Não frequenta os clubes e nunca o encontrei socialmente. ─ E, Curling?
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─ Devemos realizar esta investigação passo a passo – disse Sebastian – Contudo, não está muito claro qual o papel de Curling em tudo isto. Tampouco, sabemos o papel desempenhado por meu primo. Prudence refletiu sobre isso por uns instantes. ─ Segundo o bilhete, Oxenham mora em Rowland Street. ─ Sim. – Sebastian fez uma pausa – Acho que eu prefiro visitar a casa deles, enquanto estão fora da cidade, antes de falar com eles pessoalmente. ─ Ocorreu-me, meu senhor ─ disse Prudence, baixinho ─, que, como você não precisa mais fazer aquela visita de fim de noite à loja de Bond Street, você está completamente livre de agora em diante. ─ Caso alguém suponha que esta lista esteja completa, o que não deixa de ser uma suposição perigosa. ─ Sebastian olhou-a com um olhar indecifrável ─ Aonde você quer chegar, minha querida? Prudence esboçou um sorriso esperançoso. ─ Hoje, a caminho de casa, iremos passar por Rowland Street. ─ Não – disse Sebastian imediatamente – Nem pense que irei levá-la comigo quando fizer uma visita noturna à casa de Oxenham. ─ Ao menos poderíamos passar pela casa e ver se saíram esta noite – disse Prudence tentando convencê-lo – Certamente, não haverá nenhum perigo nisto, Sebastian. ─ Absolutamente, não. Não vou permitir que você se aproxime da casa. ─ Mas, nem precisaríamos parar – declarou Prudence – Simplesmente, poderíamos verificar se está ou não em casa esta noite. Dessa forma, se você quiser voltar mais tarde, saberíamos se é seguro. Sebastian titubeou, obviamente perturbado. ─ Suponho que não haveria nenhum mal em passarmos pela casa. Prudence ocultou um sorriso de satisfação. ─ Em absoluto, seríamos apenas mais uma carruagem voltando para casa do baile. Ninguém prestaria atenção.
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─ Muito bem. – Sebastian levantou-se e abriu a portinhola da parte superior do coche. ─ Sim, milord? – respondeu o cocheiro. ─ Desejo ir para casa, passando por Rowland Street – ordenou Sebastian. ─ Teremos que sair um pouco do nosso caminho, milord. ─ Sim, eu sei, mas creio que será mais rápido, pois teremos menos tráfego. ─ Sim, milord. O que o senhor desejar. Sebastian baixou a portinhola e sentou-se lentamente diante de Prudence. ─ Por que tenho a sensação de que irei lamentar ter deixado você me convencer, com suas palavras, a fazermos essa pequena excursão. ─ Não tenho ideia – disse Prudence muito alegre – Sem dúvida, não correremos nenhum risco. ─ Mmmmmm. Prudence sorriu. ─ Admita, Sebastian. Você quer fazer isto tanto quanto eu. Em muitos aspectos nós dois somos muito parecidos, conforme você mesmo diz. ─ Um fator que acho cada vez mais alarmante. – Sebastian apagou as lanternas do interior, e a seguir, abriu as cortinas, e desceu os vidros das janelas. Prudence o observava com cautela. ─ O que você está fazendo? ─ Estou assegurando o nosso anonimato, enquanto estivermos nas vizinhanças. Agora a névoa está bastante espessa, portanto, é bem provável que não haja necessidade de nos preocuparmos que alguém reconheça a carruagem. Mesmo, que seja bom termos um pouco de cuidado. Sebastian procurou embaixo do assento e pegou um pedaço de madeira plana, pintada de negro, e a colocou sobre dois pequenos ganchos situados na parte interior da porta, e deixou que ficasse suspensa ao lado. Prudence percebeu que a madeira pintada cobria o brasão dos Angelstone. ─ Muito inteligente Sebastian. ─ Uma precaução razoável. – Voltou a sentar-se.
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Prudence sorriu. ─ E, presumo que não seja a primeira vez que a usa. ─ Sim. Prudence não podia observar a sua expressão, nas sombras profundas, porém podia sentir a ansiedade em sua voz. Nesses momentos, Sebastian estava preso pela emoção da aventura, exatamente como ela. Rowland Street acabou sendo uma rua extraordinariamente tranquila, e tal qual Sebastian imaginara havia pouco tráfego. Prudence olhou pela janela aberta, e através da névoa viu que a maior parte das casas estava às escuras. Sebastian inclinou-se para frente. ─ Se o endereço do bilhete estiver correto, esta deve ser a cassa de Oxenham. ─ Não há nenhuma luminosidade. – Prudence olhou Sebastian – Aposto que não tem ninguém em casa. Seria uma oportunidade perfeita para dar uma olhada rápida pelos ambientes. ─ Provavelmente, os criados estão em casa. – Sebastian olhava intensamente e com vivo interesse a casa às escuras. ─ Se for assim, estão dormindo no piso inferior. Inclusive, podem ter saído esta noite – sugeriu Prudence – Não seria de estranhar que os criados tirassem uma noite livre, caso estivessem certos que o senhor fosse chegar tarde a casa. ─ É verdade. ─ Poderíamos ordenar ao cocheiro que nos esperasse na esquina, enquanto caminhamos rapidamente pela calçada que existe atrás da casa de Oxenham. ─ Droga, Prue, eu disse que não a levaria comigo quando fosse visitar Oxenham. ─ Mas, quem sabe quando teremos outra oportunidade como esta? Pode ser que quando você me deixar em casa, e a seguir, voltar, Oxenham já tenha chegado. Sebastian hesitou. ─ Suponho que eu poderia deixá-la aqui, na carruagem, enquanto dou uma olhada rápida na parte de trás da casa.
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─ Eu quero ir com você. ─ Não, eu proíbo. – Sebastian levantou a portinhola e falou baixinho com o cocheiro – Vá até o final da rua e dobre na esquina. Vou sair por um momento, e caso aconteça alguma coisa estranha enquanto eu não estiver aqui, você deve levar Lady Angelstone imediatamente para casa. Eu voltarei por minha conta. ─ Sim, Sua Senhoria. – O homem falava com a voz resignada de um criado acostumado às estranhas correrias noturnas, e inclusive, às instruções mais estranhas, vindas de um patrão ainda mais estranho. Prudence tentou um último recurso para fazer Sebastian mudar de opinião. ─ Isso é muito injusto da sua parte. ─ Mas, foi ideia sua. – Lembrou-lhe Sebastian, retirando o sobretudo. – Tome, vista isto, será melhor. Posso demorar algum tempo e não quero que você se resfrie. ─ Mas, tenho o firme propósito de acompanhá-lo. – disse Prudence, enquanto combatia e colocava o abrigo. ─ Eu lhe disse, desde o princípio, que não permitiria. – disse. ─ Nem sequer estaria aqui agora, se eu não tivesse a ideia de passar por Rowland Street. ─ Você tem toda razão – disse, enquanto a carruagem parava – Porém, isto é mais longe que você poderá chegar nesta investigação. – Tomou seu rosto entre as mãos enluvadas e a beijou ardentemente. Quando levantou a cabeça, Prudence endireitou os óculos. Podia apenas ver as sombras do rosto de Sebastian na escuridão, mas conseguia sentir a excitação controlada dele. ─ Sebastian, me escute. ─ Seja razoável, Prue, você não pode correr por aí, na névoa, vestida assim. ─ Não se atreva a utilizar o meu vestido como desculpa, pois a verdade é que não quer que eu me divirta. Admita. Os dentes de Sebastian brilharam brevemente nas sombras. ─ Voltarei logo em seguida, minha querida. Não saia da carruagem.
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Abriu a porta, pulou para o solo e desapareceu quase que instantaneamente na noite, encoberto pela névoa. ─ Maldição. – murmurou Prudence. Um momento depois, abriu a porta do coche. ─ Desculpe-me senhora, mas aonde vai? – sussurrou o cocheiro alarmado – O senhor me ordenou que a vigiasse. Sua Senhoria cortará a minha cabeça se a senhora não permanecer no coche. ─ Não se preocupe – murmurou-lhe Prudence de forma tranquilizadora – Vou falar com Sua Senhoria, e ele não irá culpá-lo por isso. ─ Tenho certeza que sim. Por favor, senhora, eu lhe suplico de joelhos, volte para o coche. ─ Fique calmo. Eu voltarei rapidamente. ─ Eu sou um homem morto. – disse o cocheiro tristemente – Sempre soube que quando se casasse, Sua Senhoria escolheria uma mulher tão cabeça dura como ele, pois suponho que ele a mereça, mas o que irá acontecer comigo? ─ Eu me encarregarei de que seu emprego esteja seguro – disse Prudence em voz baixa – Mas, agora, eu preciso ir. Prudence agradeceu ao pesado sobre tudo de Sebastian, enquanto se dirigia até o caminho atrás da fileira de casas. Contou os portões dos jardins até que encontrou o que pertencia à casa que Sebastian havia indicado antes. Não se surpreendeu ao encontrar o portão aberto. Afinal de contas, Sebastian estava apenas alguns minutos a sua frente, e já havia passado por este caminho. O que fez com que um arrepio de alarme a percorresse, foi dar-se conta que havia luz em uma das janelas do andar inferior, na parte traseira da casa de Oxenham. Alguém estava em casa. Prudence vacilou e se perguntou por que Sebastian fora ao jardim sabendo que havia alguém na casa. Em seguida, lembrou a si mesma, de que ele era perfeitamente capaz de investigar o quarto de uma dama, enquanto que a mesma senhora estava embaixo, recepcionando metade da cidade. Tampouco vacilara em explorar o andar
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superior de Curling Castle, enquanto os hóspedes passeavam de um lado para o outro, de quarto em quarto. Não teria que estar surpresa caso Sebastian houvesse decidido dar uma olhada mais de perto na casa de Oxenham, apesar da luz na janela. Animada pela ideia de que ele havia se adiantado, Prudence abriu o portão e entrou no jardim. Estremeceu quando pisou no caminho de cascalho. Podia sentir todas as diminutas pedrinhas através das solas suaves de suas sapatilhas de baile de cetim. Na metade do caminho pelo jardim, Prudence se viu obrigada a mudar ligeiramente o seu curso devido à altura elevada da sebe. Deu a volta na esquina da espinhosa folhagem, e chocou-se contra um peito masculino grande e robusto. Braços fortes a apertaram e bateu o rosto contra uma camisa conhecida. ─ Ahhh. ─ Maldição! – A voz de Sebastian estava baixa e muito irritada – Tinha o pressentimento de que você não obedeceria as minhas ordens. Não faça nenhum ruído, entende? Prudence concordou freneticamente com a cabeça. Ele a soltou com cautela, e Prudence levantou o rosto, apenas podia distinguir a expressão irritada de Sebastian. ─ O que faremos? – Perguntou-lhe com a voz mais suave possível. ─ Você vai ficar aqui, em pé, enquanto eu dou uma olhada mais minuciosa. Partiremos o mais rápido possível. Sebastian se afastou dela e Prudence observou ansiosa, enquanto ele se dirigia até as janelas escurecidas do andar de baixo. Viu que movia a mão uma ou duas vezes, e se deu conta de que estava procurando alguma janela aberta. Prudence conteve o fôlego quando Sebastian se aproximou da janela iluminada, e se espremeu contra a parede olhando para o interior da habitação, de soslaio. Durante alguns instantes, não se moveu, e a seguir se afastou pouco a pouco e observou a habitação de um ângulo ligeiramente diferente.
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Alguma coisa estava errada. Prudence se deu conta. Podia sentir no olhar fixo de Sebastian através da janela e estudava a cena com grande atenção. Prudence deu um cauteloso passo adiante. Sebastian não notou, pois estava concentrado no que ocorria dentro da habitação. Prudence o observou com surpresa, enquanto esticava o braço e abria a janela. Saiu correndo até ele. ─ Não entre. – Ordenou-lhe Sebastian, enquanto Prudence se aproximava – Estou falando sério, Prue. Não me siga. ─ O que você está fazendo? Não pode entrar aí. É claro que tem alguém em casa. ─ Eu sei – disse Sebastian calmamente – Oxenham. Porém, não acredito que se dê conta que tem uma visita. Sebastian passou a perna pelo parapeito da janela e caiu agilmente dentro da habitação. Prudence, consternada consigo mesmo, diante dessa nova prova de audácia excessiva de Sebastian, correu até a janela, e olhou fixamente para o interior. Por um momento não entendeu o que estava vendo. A seguir registrou a visão, e instintivamente, deu um passo para trás, horrorizada. Um homem jazia de boca para baixo no tapete. Tinha sangue por toda a cabeça e havia ainda mais sangue no tapete, próximo a ele.
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Capítulo 14
Oxenham havia se suicidado. Ou, alguém havia se esforçado muito para fazer parecer que fosse um suicídio. A pistola estava a poucos centímetros da mão do mosto. Não havia sinais de luta. Sebastian deu uma rápida olhada pela biblioteca. Não poderia ficar muito tempo, precisava tirar Prudence de perto. Porém desejava encontrar alguma coisa que o convencesse de que Oxenham havia levado a pistola contra sua própria cabeça e apertado o gatilho. Ou, alguma coisa que provasse que não havia feito isso. Alguma coisa dourada brilhava sobre o tapete, perto da mão estendida de Oxenham. Sebastian aproximou-se mais, tendo o cuidado de ficar longe do sangue. Olhou rapidamente para a janela e viu que Prudence o observava ansiosamente. O objeto dourado que estava sobre o tapete era um anel. Agachou-se para olhá-lo mais de perto e se perguntou por que lhe pareceu conhecido. A seguir, viu a complexa letra “F” trabalhada sobre a parte superior. Um anel Fleetwood, muito parecido com o seu. ─ Maldição. – Sem parar para pensar, tomou o anel em suas mãos e ficou de pé rapidamente. Voltou-se para a janela, porém hesitou uma vez mais. Precisava ter certeza de que era Oxenham que jazia na poça de sangue. Era impossível ver o rosto do homem do lugar em que estava. Abstraiu e deu um passo até o cadáver. ─ Não toque nele. ─ Sussurrou impaciente, Prudence – Sebastian, devemos sair daqui. ─ Eu sei. – Porém, não poderia sair até que tivesse certeza. Sebastian esticou a mão até embaixo, agarrou o corpo pelo ombro e virou suficientemente o morto para ver seu rosto. Não havia dúvida, era Oxenham.
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Sebastian começou a baixar o flácido corpo para deixá-lo na posição anterior. O ouro voltou a brilhar, desta vez nos botões do casaco de Oxenham. Sebastian inclinouse e viu que as palavras “Os Príncipes da Virtude” estavam gravadas nos botões. Deixou que o corpo de Oxenham caísse outra vez sobre o tapete. ─ Pelo amor de Deus, se apresse Sebastian – Sussurrou Prudence. ─ Eu queria dar uma olhada rápida no escritório. Caminhou cuidadosamente pelo tapete até a escrivaninha. Havia um punhado de papéis espalhados na superfície. Sebastian lançou um rápido olhar; procurava ver se o defunto havia deixado um bilhete. Não havia nenhuma carta explicando o suicídio, porém na realidade alguém sim, havia deixado uma mensagem. Sebastian leu sob a fraca luz da lamparina. Era breve e concisa.
“LILLIAN SERÁ VINGADA”
Sebastian ouviu vozes vindas da frente da casa, no mesmo instante que Prudence. Os criados haviam regressado. ─ Sebastian, pelo amor de Deus, sai daí! Pegou o bilhete, guardou-a no bolsinho, junto com o anel Fleetwood e correu até a janela. Pulou sobre o peitoril, agarrou a mão de Prudence, e correu junto com ela até o portão do jardim. Chegaram à calçada sem incidentes. Sebastian olhou rapidamente sobre seu ombro e não viu sinal de perseguição. Apressou Prudence em direção à carruagem que os aguardava. O cocheiro olhou para os passageiros com aflita resignação, enquanto saíram de encontro à névoa. ─ Não tive culpa que ela fosse atrás de você, milord. Fiz tudo o que foi possível. ─ Para casa. – Ordenou Sebastian – Mais tarde falaremos sobre as suas obrigações. ─ Sim, milord. Quer dizer que, todavia, ainda estou empregado?
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─ O seu posto está garantido até que nos deixe em casa a salvos. – Sebastian abriu a porta da carruagem e jogou Prudence para dentro com um empurrão. – A partir daí, o assunto é discutível. – Entrou no coche atrás de Prudence e fechou a porta. ─ Você não de admoestar o pobre cocheiro. Ele fez tudo o que foi possível para seguir todas as suas instruções. – disse Prudence sem esperanças. ─ Ele está comigo há tempo suficiente para saber que quando dou uma ordem, eu espero ser obedecido. – disse Sebastian – Pago os melhores salários de Londres e em troca exijo que todos os meus empregados cumpram as minhas instruções ao pé da letra. Poderiam tê-la visto. ─ Pare de se preocupar, Sebastian. Tenho certeza que estamos a salvo. – Lutou para livrar-se do volumoso abrigo – É bem provável que se passe muito tempo até que alguém entre na biblioteca e encontre o corpo de Oxenham. ─ Ou, que não se passe tempo nenhum. – Sebastian correu as cortinas sobre as janelas, enquanto a carruagem avançava estrondosamente – Senhora, no futuro não irá me desobedecer. ─ Pode brigar comigo mais tarde. Diga-me o que encontrou. Só poderia culpar a si mesmo por ter se casado com uma mulher que compartilhava o mesmo entusiasmo que o seu pela investigação, pensou Sebastian. Manuseou torpemente uma das lanternas do interior, até que esta iluminasse. A seguir, encostou-se no assento e estudou o expressivo rosto de Prudence. Tinha os olhos cintilando pela emoção da aventura que acabavam de dividir. Era difícil brigar com ela, quando estava sentindo a mesma excitação correndo por suas veias. Pegou o anel e o bilhete do bolsinho, e sem dizer uma palavra, os entregou para Prudence. ─ Contudo, não tenho muito certeza do que encontrei. A propósito, o paletó de Oxenham estava adornado com botões gravados com a inscrição “Os Príncipes da Virtude.” ─ Fascinante. – Prudence estudou atentamente o anel durante um momento – O anel é exatamente igual ao seu.
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─ Sim. ─ O que estava fazendo no chão próximo ao corpo de Oxenham? ─ Uma excelente pergunta. – disse Sebastian suavemente. ─ E, quem é Lillian? Sebastian percebeu que estava olhando para o interior do anel, não o bilhete. ─ O que quer dizer? ─ O anel tem uma inscrição por dentro. Prudence o aproximou da lamparina “Para Lillian com amor.” ─ Deixe-me vê-lo. ─ Sebastian tirou o anel dos dedos de Prudence e examinou a inscrição. – Quem diabos é Lillian? ─ Você já ouviu esse nome antes? ─ Leia o bilhete. – disse. Prudence olhou para a folha de papel em seu colo. ─ Lilian será vingada. Meu Deus! Sebastian, o que está acontecendo? ─ Não sei, porém estou começando a me perguntar se Lillian era o nome da mulher que o velho louco de Curling Castle mencionou. Ele disse que ela havia pulado do quarto da torre. ─ O fantasma que acreditava que havia regressado para levar avante a sua maldição? – Prudence mordeu pensativamente o lábio inferior – Você acredita que as mortes de Ringcross e Oxenham têm alguma coisa a ver com a história que nos contou? ─ Quem sabe? – Sebastian olhou o anel que estava em sua mão – É bem possível, que alguém a quem interessava a misteriosa Lillian decidisse que Os Príncipes da Virtude eram os responsáveis por sua morte. Prudence olhou para ele. ─ Você acredita que o vingador está perseguindo um a um? ─ É o que parece. Os olhos de Prudence descansaram sobre o anel. ─ Sebastian, você disse que é um anel de família.
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─ Os homens da família Fleetwood usam anéis como este há cinco gerações. Sebastian pensou no dia em que o havia recebido de seu pai. Ele havia dito que o usasse com orgulho. Seu pai explicara-lhe que era um símbolo de honra pessoal.
“A opinião do mundo não importa, filho. Tudo o que importa é que saiba que não tenha manchado a sua honra em seu coração. A honra é uma responsabilidade sagrada e deve ser tratada como tal. Um homem pode sobreviver ao escândalo e à ruína, e a coisas piores, se souber que a sua honra está a salvo.”
Sebastian apertou o anel entre os dedos. ─ Você acha que é possível que um Fleetwood desse seu anel para a Lillian? – Perguntou Prudence. ─ Sim, é possível. – Mais que possível, pensou Sebastian, era muito provável. Prudence olhou para ele. ─ Você está pensando na caixa de rapé de Jeremy, que encontramos em Curling Castle, não é? Está se perguntando se o anel, também pertence a ele. ─ Sim. Contudo Sebastian, esta noite, mais cedo, eu vi Jeremy, e ele não estava com luvas, e se não me falha a memória, acho que usava um anel como esse no dedo. Sebastian olhou para ela. ─ Não seria muito difícil fazer uma duplicata de um anel como este. Supondose que alguém pudesse arcar com os custos, para um bom joalheiro seria muito simples fazer uma cópia. Prudence permaneceu em silêncio durante alguns instantes. ─ O que faremos em seguida? Você vai começar a entrevistar os joalheiros? ─ Não. – Sebastian havia tomado uma decisão – Creio que seria melhor que eu tivesse outra conversa com o meu primo, pois o nome de Jeremy tem aparecido com demasiada frequência no curso desta investigação. ─ Concordo com você. – disse Prudence – Irei ajudá-lo nesta entrevista. ─ Não tenho certeza de que seja uma ideia sensata, milady.
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─ Será muito útil ter duas opiniões a respeito da reação de Jeremy, não acha? Sebastian vacilou, mas não seria desagradável obter as observações de Prudence sobre Jeremy, pois não havia dúvida de que ela era muito perceptiva. Porém, era igualmente verdade costumava ser imprevisível, sem mencionar muito coração mole em relação à família. ─ Muito bem, Prue, você poderá escutar a minha conversa com Jeremy, mas de maneira nenhuma irá interferir, está entendo? Prudence sorriu alegremente. ─ Perfeitamente, milord. Jeremy foi encaminhado até a biblioteca, às onze e meia da manhã seguinte. O coração de Prudence percebeu o seu estado de humor, quando este apareceu, pois era óbvio o seu ressentimento por ter sido sumariamente convocado pelo chefe da família. ─ Que diabos significa tudo isto, Angelstone? Tenho coisa melhores para fazer que ficar respondendo as suas mensagens. Sebastian estava sentado atrás de sua escrivaninha, próximo à janela. Estava com Lúcifer em um de seus braços, e nem se incomodou a ficar em pé. ─ O prazer é mútuo, e talvez fosse interessante cumprimentar a minha esposa, de maneira civilizada antes de terminar de falar o que você pensa sobre mim. Jeremy olhou para o extremo do ambiente e viu que Prudence estava ali, de pé, próxima da bandeja de chá. Ele ficou muito sem graça. ─ Lady Angelstone. – Inclinou a cabeça rigidamente – Desculpe-me, não havia visto a senhora. Bom dia, milady. ─ Bom dia, Mr. Fleetwood. – Prudence sorriu – Gostaria de tomar um pouco de chá? Jeremy parecia desconfortável. Olhou para Sebastian. ─ Não sei se terei tempo. ─ Você terá muito tempo para tomar uma xícara de chá. – assegurou-lhe friamente Sebastian. – Sente-se, primo. Jeremy pegou a xícara de chá das mãos de Prudence.
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─ Obrigada, milady. – Esperou em pé até que Prudence se sentasse e então, sentou-se desconfortavelmente, em uma poltrona, diante a Sebastian. ─ E, então? – perguntou Jeremy bruscamente – Vamos em frente com isso, afinal, por que mandou me chamar? Sebastian o observou durante alguns instantes, Prudence suspeitou que o silêncio fosse propositadamente intimidante, e esteve a ponto de intervir quando Sebastian moveu-se. Sem dizer uma palavra, abriu a gaveta de sua mesa, tirou o anel que havia encontrado na biblioteca de Oxenham, e o jogou para Jeremy. ─ Mas, que diabos? – Jeremy agarrou o anel, em um ato reflexo, e olhou para ele. Prudence não deixou de perceber o pulo de surpresa de Jeremy, quando reconheceu o que tinha em sua mão. Olhou para Sebastian, e viu que estava sendo observado por seu primo com grande atenção. Não havia nenhum resquício da fria diversão nos olhos de Sebastian esta manhã, apenas uma inteligência inquietante e alerta, brilhando como fogo quente. ─ Maldição. – Jeremy levantou os olhos confuso e cauteloso – Onde, diabos, você encontrou isto? Sebastian acariciou Lúcifer demoradamente. ─ Você o reconhece? ─ Claro que sim. É meu. – Havia um estranho nervosismo na voz de Jeremy – Eu o perdi há três anos, aproximadamente. Nunca mencionei porque sabia que mamãe faria um escândalo. Você já sabe como funcionam as tradições familiares. ─ Sim. – A mão de Sebastian ficou imóvel sobre Lúcifer – Eu sei. ─ Eu não queria que ela ficasse transtornada, quando lhe dissesse que havia perdido o precioso anel que meu pai havia me dado. Dessa forma fiz outro para colocar no lugar. ─ Quem é Lillian? – perguntou Sebastian suavemente. ─ Não tenho ideia. – A xícara de chá tremulou contra o pires, quando Jeremy a pegou.
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─ Quem é Lilian? – Repetiu Sebastian, com a voz letalmente calma. Lúcifer torceu o pescoço. ─ Não sei do que você está falando, já disse. – Jeremy falou com voz forte – Não conheço nenhuma Lilian – Deixou a xícara no pires, com raiva. ─ Pois, eu acredito que a conheça – disse Sebastian – E, você não sairá daqui até que me diga quem ela é. ─ Maldito seja, Angelstone. Quem diabos, você pensa que é? ─ O chefe da família. – disse Prudence rapidamente. Olhou para Sebastian de maneira imperiosa, porém ele a ignorou – E, só está tentando ajudá-lo. Não é assim, Angelstone? ─ A única coisa que estou tentando fazer neste momento – disse Sebastian tranquilamente, ─ é averiguar quem é Lillian. Prudence olhou com severidade para ele. ─ Não existe necessidade de ser tão intimidante, milord. Estamos tratando de esclarecer alguns fatos. Não queremos alarmar o seu primo. Sebastian não tirava os olhos de seu inimigo, tampouco respondeu ao pedido de Prudence, que deixou de tentar controlar os modos de Sebastian e se virou para Jeremy. ─ Por favor, compreenda Mr. Fleetwood. – disse suavemente – Estamos apenas, tentando determinar por que encontramos o seu anel em circunstâncias tão estranhas ontem à noite. Jeremy olhou para ela. ─ Que circunstâncias? ─ Ele foi encontrado junto ao cadáver de Lord Oxenham – disse Sebastian secamente – Certamente, você não deve saber como chegou ali, não é verdade? ─ Cadáver? – Jeremy enrugou o cenho, confuso – Oxenham está morto? ─ Com toda certeza. Os olhos de Jeremy abriram-se ligeiramente. ─ E, meu anel estava perto dali? ─ Sim.
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─ Você acha que eu o matei, não é assim? – A indignação de Jeremy superou a confusão – Por que alguém encontrou o meu anel perto de um cadáver? ─ Eu me fiz essa pergunta. – O sorriso de Sebastian era lacônico. Os olhos dourados de Lúcifer piscaram. Prudence fez uma cara feia para Sebastian. ─ Pare de intimidá-lo, milord. ─ Fique fora disto. – Disse Sebastian, sem olhar para ela. Prudence não lhe deu confiança e se virou para Jeremy com um sorriso tranquilizador. ─ Mr. Fleetwood, até o momento, as autoridades não sabem que o seu anel foi encontrado perto do corpo de Oxenham. Claro que não temos nenhuma intenção de dizer, não é verdade, Sebastian? ─ Isto ainda está para ser decidido. – Sebastian falou indiferente. ─ Mas, eu não o matei! – O olhar desesperado de Jeremy oscilava de Prudence para Sebastian. – Eu juro. Por que haveria de querer matar Oxenham? Sebastian acariciou as orelhas de Lúcifer. ─ Talvez porque pensou que teria alguma coisa a ver com a morte de Lillian. ─ Mas, a morte de Lillian foi um acidente. Ela se afogou, pelo amor de Deus! – Jeremy parou bruscamente quando percebeu que acabava de admitir que conhecia Lillian. Dirigiu um olhar suplicante para Prudence. – Disseram-me que ela havia se afogado. Prudence instintivamente reagiu à dor e à confusão de Jeremy. Inclinou-se para frente e tocou-lhe a mão, em um gesto de consolo. Era consciente da ira de que brilhara brevemente nos olhos de Sebastian, embora ele não tenha dito nada. ─ Quem era Lillian, Mr. Fleetwood? – perguntou Prudence tranquilamente. Jeremy cerrou os olhos por uns breves segundos, e quando voltou a abri-los, tinha uma expressão de sombria resignação. ─ Suponho que não tenha muita importância que conheçam toda a história, embora não consiga entender porque veio à tona após tanto tempo. – Jeremy bebeu
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um longo gole de chá, e quando deixou a xícara, manteve o olhar fixo sobre Prudence. – Eu a amava. ─ Ah, sim? ─ Era a filha de um próspero comerciante. A única filha e a luz da sua vida, após a morte da sua esposa. Ocupou-se que a criassem com todo carinho. Era bem educada e suas maneiras estavam muito além de qualquer reprovação. Era uma dama em todos os sentidos, exceto pelas circunstâncias do seu nascimento. ─ Entendo. – sussurrou Prudence. ─ Eu a conheci um tempo depois da morte de seu pai. Estava sob a proteção de um velho tio que consumiu a sua herança e a obrigou a trabalhar em sua taberna. Pelo rabo do olho Prudence viu que Sebastian abria a boca para fazer uma pergunta. Ela o fez calar-se com um pequeno gesto da mão, e para a sua surpresa, Sebastian a obedeceu. ─ Como conheceu Lillian? – perguntou Prudence. ─ Aqui, em uma feira, há três anos. – A boca de Jeremy curvou-se em um sorriso nostálgico. – Lillian estava tomando um sorvete, e eu tropecei involuntariamente, com ela, e o sorvete caiu sobre o meu paletó. Foi amor à primeira vista. ─ O que aconteceu em seguida? – perguntou Prudence. ─ Comecei a vê-la sempre que possível. Era evidente que sabia que mamãe nunca aprovaria. A seus olhos, Lillian seria pouco mais que uma rapariga de taberna e nem sequer teria a fortuna do comerciante para compensar a falta de um bom meio ambiente. – A boca de Jeremy endureceu – Você não deve esquecer que naquele momento, mamãe pensava que eu seria o próximo conde de Angelstone. ─ Creio que seja seguro dizer que minha tia pensaria que uma moça de taberna, era completamente inadequada para ser a próxima condessa de Angelstone. – Disse Sebastian secamente – Quase tão inaceitável quanto uma atriz. Jeremy enrubesceu violentamente.
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─ Caso lhe sirva de consolo, Angelstone, frequentemente tenho pensado que entendo a decisão de seu pai em casar-se com a mulher amada. Eu havia feito planos para fazer o mesmo, sem nem pensar nas consequências. Sebastian franziu os olhos. ─ Sério? ─ Sim, eu amava Lillian verdadeiramente. Era uma pessoa linda, doce e pura. – Jeremy suspirou. – Porém, morreu antes que pudéssemos casar-nos. ─ Que trágico! – disse Prudence. ─ Nunca mencionei seu nome para a minha mãe, nem ninguém da minha família – disse Jeremy. – Com Lillian morta, não parecia existir nenhuma razão para fazê-lo. ─ Quem lhe disse que ela havia se afogado? – perguntou Sebastian. ─ Foi o seu tio. Disse que Lillian havia ido passar uns dias no campo com uma amiga. Enquanto estava ali, caiu em um riacho que transbordara devido a uma tempestade recente. Foi arrastada e se afogou. ─ Eu sinto muito, Mr. Fleetwood – disse Prudence pausadamente – Deve ter sido horrível para você. Jeremy olhou o anel. ─ O pior foi não poder contar a minha desdita a ninguém, pois ninguém poderia entender ou aprovar. – Voltou a levantar os olhos – Eu me recuperei com o tempo. Lillian está no passado, porém nunca a esquecerei. Sebastian olhou para o seu primo. ─ Você lhe deu este anel? Jeremy assentiu ─ O que estou usando é uma duplicata, que fiz quando deu este para Lillian, pois não queria ter que explicar a mamãe, nem ao resto da família, porque não estava usando o anel Fleetwood. Não, até que estivesse pronto para anunciar o meu casamento.
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─ Pode ser que não tenha sido necessário explicar aos Fleetwood sobre o desaparecimento do anel – disse Sebastian – porém, eu penso que chegou a hora de ter que explicar-me como ele foi para na biblioteca de Oxenham. ─ Mas, eu não sei como ele foi para ali – disse Jeremy rapidamente – Eu juro. Até onde eu sei, o anel foi perdido quando Lillian se afogou. Ocorreu-me que alguém (um dos aldeões, talvez) poderia ter roubado, após encontrar o corpo. Afinal, o anel era valioso. Contudo, eu sabia que tinha poucas possibilidades de recuperá-lo, por isso deixe as coisas como estavam. Prudence virou-se para Sebastian. ─ Talvez, devêssemos falar com o tio, o dono da taberna. ─ Não é possível. – disse Jeremy calmamente – Ele morreu de febre, há mais de um ano. Eu soube da sua morte quando passei casualmente pela taberna, e descobri que estava nas mãos de novos donos. ─ Só nos resta mudar de ideia. – disse Prudence, frustrada. ─ Não estou entendendo nada disto. – Jeremy olhou furioso para Sebastian – Primeiro, me devolve a caixa de rapé, e agora o anel. Praticamente me acusando de assassinato em ambos os casos. O que está planejando agora, Angelstone? Sebastian acariciou Lúcifer silenciosamente, durante um momento. ─ Em pouco tempo, dois homens foram mortos: Ringcross e Oxenham. ─ Isso eu já sei. ─ Em ambos os casos, nas imediações, foram encontrados objetos pessoais seus. Este bilhete também foi encontrado próximo do corpo de Oxenham. – Sebastian entregou a Jeremy o bilhete que havia descoberto. Jeremy o leu rapidamente, e quando levantou os olhos, parecia mais perplexo do que nunca. ─ O que significa isso de vingar Lillian? O que está acontecendo? ─ Parece que existem duas possibilidades – disse Sebastian ─. Ou, você decidiu vingar Lillian, porque acredita que a sua morte não foi um acidente, ou... ─ Ou, o quê? – perguntou Prudence antes que Jeremy pudesse fazer a mesma pergunta.
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─ Ou, alguém quer que assim pareça. – Concluiu Sebastian suavemente. ─ Mas, quem faria isto? – Perguntou Prudence rapidamente. Sebastian observou Lúcifer. ─ O verdadeiro assassino, talvez. Jeremy estava claramente perplexo. ─ Como você conseguiu saber tudo isto, Angelstone? Sebastian sorriu ironicamente. ─ Alguns rumores chegaram até a mim. ─ Rumores de onde? – perguntou Jeremy. ─ Bow Street. ─ Bow Street. – Jeremy estava horrorizado – Quer dizer que Bow Street está investigando as mortes de Ringcross e Oxenham? ─ Sim. – disse Sebastian – Muito discretamente, é claro. ─ Mas, como você conseguiu a caixa de rapé e o anel, se eles estavam nas cenas dos crimes. ─ Digamos que tenho contatos por todos os lados. Alguns deles estão em Bow Street. ─ Suponho que não devo ficar surpreso – murmurou Jeremy – Deus sabe que você tem seus tentáculos por todas as partes. ─ Bom, essa é uma maneira de ver as coisas – concordou Sebastian – Em qualquer caso, um dos meus tentáculos (quer dizer, um de meus contatos) está relacionado com a investigação. Certo indivíduo considerou adequado me informar que foi divulgada que certa prova relaciona você com as mortes. Nesse momento, essa pessoa está satisfeita por eu me encarregar desse assunto. ─ Você deve pagá-lo generosamente para que o mantenha informado – disse Jeremy amargamente. ─ Eu gosto de estar informado – disse Sebastian em tom neutro. Prudence olhou para Sebastian com fugaz admiração. Pensou que havia conseguido contornar muito bem a situação. Era perfeitamente possível que um homem na poderosa posição de Sebastian pudesse saber os rumores da Bow Street,
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especialmente rumores que envolviam a sua própria família. Também era razoável inferir que poderia ter utilizado a sua influência para convencer alguém com autoridade, que lhe entregasse a prova a ele, ao invés de a utilizarem contra o seu primo. ─ O problema – continuou Sebastian calmamente ─, é que pode haver mais mortes. Não sei se serei capaz de manter o seu nome fora desse assunto, caso isso aconteça. ─ Santo Deus! – Jeremy olhou fixamente para Sebastian – O que eu vou fazer? Não sei nada sobre as mortes de Ringcross e Oxenham. Se alguém estiver tentando implicar-me, com o tempo, eu poderia se detido por assassinato. Como poderia provar a minha inocência? ─ Não deve ficar aflito, Mr. Fleetwood. – Prudence tocou o braço de Jeremy – Angelstone irá ajudá-lo, não é verdade, Angelstone? Sebastian encolheu os ombros. ─ Quem sabe? ─ Angelstone, o que você está dizendo? – Prudence se pôs de pé em um salto. – É muito descortês de sua parte, atormentar dessa maneira Mr. Fleetwood. Eu não irei permitir. Jeremy ficou em pé bruscamente, e tinha os punhos cerrados. ─ Suspeito que o seu esposo esteja se divertindo, Lady Angelstone. Percebo que se me acusarem de assassinato, ele terá um tipo de vingança muito desagradável contra a família. Não existe maneira de saber o que o impacto e o escândalo fariam a minha mãe. ─ Não diga essas coisas, Mr. Fleetwood – Implorou Prudence – Não é a intenção de Angelstone causar dano à família, permitindo que o prendam por assassinato. ─ Não? – Jeremy baixou os olhos delirantes para ela – Caso não compreenda totalmente com que tipo de homem se casou, milady, permita-me dizer-lhe que Angelstone odeia o resto da família. Ele ficaria muito feliz em vê-los todos arruinados. ─ Isso não é verdade. – disse Prudence.
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─ É verdade. – Jeremy dirigiu uma olhada fulminante para Sebastian – De fato, agora que estou pensando sobre o assunto, acho que seja muito provável que seja ele por trás de tudo isto. ─ Não! – Gritou Prudence. Jeremy cravou o olhar em Sebastian. ─ É você quem está fazendo isto, Angelstone? Está tentando me incriminar por assassinato? Sebastian sorriu friamente. ─ Se fosse este o caso, não teria lhe entregado a caixa de rapé e o anel. Deixaria que fossem encontrados por Bow Street. ─ Como poso ter certeza? – respondeu Jeremy – Quem sabe não seja parte de um complô muito maior? Funciona como gato e rato, não é verdade? No momento, você pensa em se divertir nos atormentando, até que se aborreça. Então, acabará de vez com a brincadeira fazendo com que me enforquem e vendo o restante da família cair em desgraça. A boca de Sebastian curvou-se em cínica alegria. ─ Meu primo, eu o felicito por sua vívida imaginação. ─ Basta! – Ordenou Prudence. Deu um passo a frente da mesa e se colocou entre Jeremy e Sebastian – É muito drama para uma única manhã. Mr. Fleetwood, talvez seja melhor que saia. Trate de não se preocupar que o prendam por assassinato, Angelstone não irá permitir que isso aconteça. ─ Talvez Angelstone não possa evitar. – Disse Sebastian muito suavemente. Prudence virou para ele. ─ E, no que concerne a você, Angelstone, exijo que pare de tentar aterrorizar o seu primo. Os olhos de Sebastian brilharam. ─ Por que você sempre tenta acabar com a minha diversão? ─ Nem mais uma palavra. – disse Prudence entre os dentes. Olhou para Jeremy sobre o ombro. – Bom dia, Mr. Fleetwood. Vou me encarregar de que o mantenham informado dos acontecimentos. Por favor, tente não se preocupar. Tudo sairá bem.
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Capítulo 15
Sebastian sabia que Prudence iria reclamar assim que a porta se fechasse atrás de Jeremy, e ele não estava com humor para isto, portanto, girou rapidamente para confrontá-la no instante em que Jeremy abandonasse o ambiente. Por trás das lentes, os olhos de Prudence brilhavam, indignados. ─ Como você pode ser tão cruel com o pobre Jeremy? ─ Eu lhe asseguro que não foi nem um pouco difícil. – Sebastian deixou Lúcifer na mesa e ficou em pé. Sabia que era obrigado a ajudar Jeremy, porém não tinha motivos para ficar feliz. A ideia de ajudar a um Fleetwood fazia com que Sebastian se sentisse subjugado e de mau humor. Em um momento como este, um homem precisava do seu clube. Infelizmente, não poderia utilizar-se do tradicional refúgio masculino, porque tinha um compromisso. Porém, pensou, ao menos tinha uma desculpa para sair de casa. ─ Foi extremamente descortês de sua parte. Com certeza, você percebeu que o seu primo está sob uma pressão terrível. Precisa de ajuda e segurança. Insisto que não brinque mais com ele, Sebastian. ─ E, eu insisto que pare de interferir em meus assuntos. – Sebastian rodeou a escrivaninha com ar majestoso. – Além disso, não estou com humor para ouvir sermões a respeito da maneira que escolho tratar os meus malditos familiares. Prudence cruzou os braços por baixo dos seios e bateu com a sapatilha no chão. ─ Você sabe muito bem que irá ajudar o seu primo. Por que fez parecer o contrário? – Sebastian se apoiou contra a borda da escrivaninha. ─ O que a faz pensar que eu vou ajudá-lo? Prudence olhou para ele de forma fulminante. ─ Não há nenhuma dúvida. ─ Muito pelo contrário, milady. – Sebastian sorriu imperturbável – No que a mim concerne, está claro que há dúvidas. Eu já fiz muito pelo meu primo desagradável.
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Ou, você já esqueceu de que em recentes ocasiões eu escondi as provas que o relacionavam com as mortes dos dois homens? Prudence mordeu o lábio. ─ Não as ocultou, milord. Simplesmente, as devolveu para o seu legítimo dono. ─ Que poderia muito bem, ser um assassino. ─ Mr. Fleetwood não matou Oxenham, e nem Ringcross. Eu tenho certeza disto. ─ Fico muito feliz que você tenha certeza, porque eu não tenho. ─ Como você pode dizer isto? – Perguntou Prudence. ─ Deixe-me explicar-lhe dessa maneira. – Sebastian se endireitou e se dirigiu até a porta. – Se eu acredito que sei os nomes dos quatro homens que estiveram relacionados com a morte da minha dama, não duvidaria em matar todos eles. Prudence liberou os braços, e olhou para ele com a boca aberta de espanto. ─ Sebastian, o que você está dizendo? Você acha que o seu primo poderia ter matado aqueles homens? ─ Sinceramente, eu acho que ele poderia ter matado os dois. Sebastian estava com a mão na maçaneta. Prudence ficou animada. ─ Então, isso quer dizer que irá ajudá-lo, embora você pense que é culpado. ─ Não necessariamente. Contudo, tenho que considerar os meus próprios objetivos. – Sebastian abriu a porta e olhou por cima do ombro. – E, lhe asseguro que ajudar aos Fleetwood nunca foi nenhum deles. No que a mim diz respeito, eu já fiz mais que o suficiente por Jeremy. Ele já foi avisado. Não lhe devo mais nada, no que diz respeito à ajuda. ─ Mas, Sebastian.... Sebastian cruzou e fechou a porta rapidamente. Ouviu os golpes suaves das sapatilhas de Prudence, enquanto corria sobre o tapete, e supôs que tinha apenas poucos segundos para chegar a salvo até a porta da rua. ─ Flowers, diga a Sua Senhoria que não voltarei tão cedo. Flowers lançou-lhe um olhar reprovador, enquanto lhe entregava o chapéu e as luvas.
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─ Sim, milord. A porta da biblioteca se abriu de par em par, justamente quando Flowers abria a porta da rua para Sebastian. ─ Milord, espere – Chamou-lhe Prudence com urgência. – Maldito seja, Angelstone volte aqui. ─ Lamento muito, minha querida, mas devo sair imediatamente, se não chegarei atrasado a um compromisso. Sebastian desceu rapidamente as escadarias até a calçada. Prudence estava em pé, no portal, atrás dele. ─ Eu não terminei de falar com você. ─ Tenho consciência disto. – murmurou Sebastian, enquanto alcançava com segurança a calçada. Tranquilizou a si mesmo, dizendo-se que Prudence não poderia segui-lo até a rua. ─ Covarde! – Gritou Prudence do alto das escadarias. Sebastian viu que várias pessoas paravam e se viravam para olhar com consternação a imagem da condessa de Angelstone gritando para o seu esposo, como se fosse uma verdureira. Sebastian tampouco resistiu a tentação de dar a volta. Prudence estava em pé no portal, e o olhava furiosamente. Inclusive, enquanto a olhava, Prudence bateu com seu pequeno pé contra o solo, exasperada. Atrás dela, Flowers aparecia com um sorriso malvado em seu rosto, normalmente mal humorado. Sebastian pensou que nunca havia visto Flowers sorrir daquela forma. O ânimo de Sebastian melhorou imediatamente. Viu que estava sorrindo também, apesar do seu humor endemoniado. Muito ale de possuir um sem número de cativantes virtudes, Prudence também poderia ser uma ferinha. Uma nova confirmação do que já sabia, pensou Sebastian. A vida com ela nunca seria aborrecida. Sebastian parou um coche de aluguel e deu ao cocheiro o conhecido endereço da cafeteria, perto das docas. Subiu na carruagem, sentou-se e tirou do bolso a última mensagem de Whistlecroft. Ele havia chegado uma hora e meia mais cedo.
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Devo encontrar com Sua Senhoria o quanto antes possível. É muito urgente. Estarei no lugar de sempre, pouco depois do meio dia. W. Não havia mentido quando disse a Prudence que chegaria tarde a um encontro. Pegou o relógio no bolso, e viu já era duas e vinte. Whistlecroft poderia muito bem esperar por ele. Sebastian enconstou-se para refletir sobre o encontro com Jeremy. Meia hora mais tarde, o coche de aluguel parava em frente à cafeteria. Sebastian desceu e entrou, e viu que Whistlecroft estava sentado na mesa de costume. ─ Fico contente que tenha podido comparecer, mesmo eu tendo o avisado com tão pouca antecedência, milord. – Whistlecroft assoou o nariz com um lenço muito usado. – Tive medo que não pudesse comparecer, pois estamos com um problema com o cliente. ─ Que tipo de Problema? – Sebastian indicou que trouxessem uma xícara de café para ele. ─ Ele está ficando ansioso, ao que parece, encontraram Lord Oxenham morto, em sua biblioteca, na noite passada. Curling está muito agitado, pois parece pensar que existe alguma relação. – Whistlecroft olhou para Sebastian atenciosamente. – Está querendo saber por que não avançamos na investigação, milord. ─ Ah, é verdade? – Sebastian olhou a xícara de café que lhe serviram. – Digame exatamente, o quanto ansioso você diria que ele está? Whistlecroft bufou e aspirou pelo nariz algumas vezes. A seguir, inclinou-se adiante e baixou a voz. ─ Se não soubesse que não é assim, diria que está com medo de ser o próximo. ─ Interessante. –Sebastian pensou um momento nele. Então, Curling estava nervoso, provavelmente porque sabia que só restavam dos Príncipes da Virtude: Bloomfield e ele mesmo. – Pode dizer ao seu cliente que você está progredindo e que espera resolver o caso dentro de muito pouco tempo. Whistlecroft arregalou os olhos.
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─ Você tem certeza disto? Porque o meu cliente disse que se não puder encontrar rapidamente quem está por trás das mortes de Ringcross e Oxenham, irá contratar outro detetive. ─ Não se preocupe, Whistlecroft. Tenho muita esperança de que você vai poder cobrar a recompensa de outra investigação bem sucedida. ─ Eu espero que sim. – Whistlecroft parecia melancólico – Agora que vivemos em uma casa própria, minha esposa quer colocar um banheiro como aqueles das pessoas ricas. Eu lhe disse que o que está no jardim funciona muito bem, porém agora está desejando ter um dentro de casa. E, já sabe como são as mulheres quando tomam uma decisão, não é? ─ Estou aprendendo. Às três da tarde, Prudence regressou da ida à uma livraria. Contudo, estava furiosa por causa da retirada covarde de Sebastian. O fato de ter encontrado vários volumes interessantes sobre fenômenos espectrais, não havia contribuído em nada para adoçar-lhe o humor. Estava na biblioteca examinando as aquisições quando Flowers anunciou que tinha uma visita. ─ Mrs. Fleetwood veio vê-la, milady. – Flower fez uma pausa respeitosa – É claro que não será nenhum inconveniente informar-lhe que a senhora não está em casa. – agregou com naturalidade. ─ Não, não. Está tudo bem. – Prudence olhou para as suas roupas com olho crítico. Graças a Deus estava usando um dos vestidos novos, pensou. Era uma musselina cor lavanda pálido, adornado por um laço que combinando e várias fileiras de babados na bainha. Para Prudence parecia enfeitado e rebuscado demais, porém de acordo com Hester, estava muito na moda. Drucilla Fleetwood não poderia encontrar nenhum defeito. – Faça-a entrar, Flowers. O alarme iluminou as faces caninas de Flowers. ─ Talvez, não tenha me entendido bem, milady. É Mrs. Fleetwood quem a está visitando. A tia de Sua Senhoria.
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─ Eu já lhe ouvi, Flowers. Faça-a entrar, por favor. E, mande que sirvam o chá, entendeu? Flowers aclarou a garganta com uma tossida. ─ Se eu posso fazer-lhe uma sugestão, milady, quem sabe não seja melhor esperar que Sua Senhoria regresse, para perguntar-lhe se deseja que sua tia seja recebida. ─ Por casualidade, esta casa, agora, é tão minha quanto de Angelstone. – Disse Prudence com austeridade. Nada poderia irritá-la mais nesse momento em particular, do que a ideia de pedir a opinião de Sebastian sobre quem ela deveria receber. – Faça entrar Mrs. Fleetwood, Flowers, ou eu a farei entrar eu mesma. ─ Sim, senhora. Porém eu ficaria extremamente agradecido se a senhora pudesse me dar a sua palavra que dirá a Sua Senhoria que foi sua ideia receber Mrs. Fleetwood. – disse Flowers tristemente. ─ Mas, claro que sim! – Exasperada Prudence enrugou o nariz. – Pelo amor de Deus, Flowers, não há necessidade de ter medo de Sua Senhoria. Ele é um homem perfeitamente razoável. ─ Permita-me dizer-lhe, milady, que provavelmente, a senhora seja a única pessoa sobre a face da Terra que veja Sua Senhoria sob esse aspecto. Prudence sorriu irônica. ─ Não se preocupe Flowers. Eu vou me encarregar de Sua Senhoria. ─ Sim senhora. – Flowers dirigiu-lhe um olhar estranho. – Estou começando a acreditar que é bem possível que faça exatamente isto. – Retirou-se respeitosamente da biblioteca. Um momento mais tarde, Drucilla foi anunciada no recinto. Fez uma entrada imponente, com um vestido verde lindamente confeccionado. A capa de veludo era de um tom ligeiramente mais escuro, combinando com o elegante e pequeno chapéu colocado ligeiramente deslocado sobre sua cabeça. Prudence notou que usava apenas uma pequena fileira de babados na bainha do vestido. ─ Bom dia, milady. – Prudence ficou em pé, cortesmente – Que surpresa inesperada! Por favor, sente-se. Já pedi o chá, e espero que me acompanhe.
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─ Obrigada. – Drucilla examinou o vestido intensamente enfeitado de Prudence, com um olhar enigmático, porém não disse nada. Deixou-se cair graciosamente sobre uma cadeira. Suas costas não tocaram o encosto da cadeira. A governanta apareceu com a bandeja de chá. Quando obedientemente deixou a bandeja próxima de Prudence, sua expressão refletia desespero. ─ Obrigada, Mrs. Banks – disse Prudence – Eu vou servir. ─ Sim, milady. Suponho que Sua Senhoria terá alguma coisa a dizer a respeito – murmurou Mrs. Banks. Prudence fingiu não ter ouvido o comentário. Entregando uma xícara à Drucilla, enquanto a porta da biblioteca se fechava atrás de Mrs. Banks. ─ Que amável de sua parte visitar-me, Mrs. Fleetwood. ─ Não existe necessidade de se comportar como se fosse uma visita social. – Drucilla deixou a xícara e o pires em uma mesinha próxima. – Estou aqui por um assunto extremamente urgente. Deus sabe que apenas a necessidade mais extrema me traria a esta casa. ─ Entendo. Que tipo de assunto seria este? – Perguntou Prudence cautelosamente. ─ Assuntos de família. ─ Ah, sim. Assuntos de família. Drucilla endireitou os ombros que já estavam muito rígidos. ─ Eu tive uma longa conversa com meu filho, que me disse que está sendo vítima de um conjunto de circunstâncias extremamente maliciosas. Prudence afogou um pequeno gemido. Esperara que Jeremy não se sentisse obrigado a arrastar sua mãe nesta situação. Sua intuição havia lhe dito que seria mais simples manter Sebastian trabalhando na investigação, caso Drucilla não estivesse envolvida. ─ O que Jeremy lhe contou, milady? ─ Que alguém, muito provavelmente Angelstone, está jogando um jogo muito cruel. Ao que parece, Angelstone afirma ter encontrado algumas provas que
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envolveriam o meu filho nas mortes de dois homens. Isso é uma bobagem absoluta. É claro que Angelstone está mentindo. Prudence enrugou o cenho. ─ Eu lhe asseguro que Angelstone não está mentindo. ─ mas, é claro que sim. Não há outra explicação. Para mim está claro que ele arquitetou um plano tortuoso para vingar-se de todos nós. ─ Angelstone não inventou provas contra Jeremy – disse Prudence. ─ Não me contradiga. Tenho pensado muito sobre o problema, e só existe uma explicação para o que está acontecendo. Angelstone planeja usar o meu filho como peão para armar um escândalo e arruinar a família. E, eu não vou tolerar. A simpatia que Prudence dispensava à mulher desapareceu sob uma onda de ardente indignação. ─ Pois, eu lhe asseguro que Angelstone não é responsável pela situação em que Jeremy se encontra. De fato, Angelstone está se esforçando para evitar que as provas caiam nas mãos das autoridades. ─ Bah! ─ É verdade. – Prudence deixou a xícara sobre o pires estrondosamente. – Permita-me dizer-lhe, milady, que se Angelstone não tivesse agido, Jeremy já teria sido preso. ─ Meu filho não tem nada a ver com a morte desses dois homens. Nem sequer os conhecia. ─ É muito provável que tenha que provar isto, milady. Pela maneira em que as coisas estão Jeremy está na perigosa eminência de envolver-se em uma teia de aranha muito pegajosa. ─ Uma teia de aranha tecida por seu esposo. – A voz de Drucilla subira um tom. ─ Isso é uma mentira. Por que meu esposo iria querer ver Jeremy preso por assassinato? ─ Por vingança. – A boca de Drucilla formou uma fina linha de amargura. – Ele odeia todos nós, e sabe o que uma acusação de assassinato faria à família.
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─ Por casualidade, eu sei com segurança que Angelstone não tem intenções de vingar-se dos Fleetwood pelo aconteceu no passado. Está a salvo nesse aspecto, milady. ─ Isso é o que você está dizendo. – Drucilla olhou para ela com desprezo – Porém, não conheceu o seu lado da família. Não conheceu o pai de Angelstone – Uma estranha expressão brilhou brevemente em seus olhos – Por casualidade, eu o conheci muito bem. Prudence estava sentada muito quieta, e lhe ocorreu que o olhar que percebeu, por um instante, nos olhos de Drucilla, bem poderia ter sido de dor. ─ Ah, sim? ─ Oh, sim. Sim, é verdade. – Drucilla fez um pequeno gesto, estranhamente selvagem, com a mão elegantemente enluvada – O homem não tinha nenhum respeito pela tradição familiar. Nenhum sentido de responsabilidade. Era cruel e insensível e seu filho se parece muito com ele. Prudence estava consternada apesar de tudo, diante da profunda amargura que ardia naquela mulher. Ali havia algo além da desaprovação de uma matriarca dominante. ─ É uma opinião muito ampla, Mrs. Fleetwood. Chegou a conhecer o pai de Angelstone tão bem para emitir esse julgamento? ─ Durante um época – disse Drucilla friamente – Falou-se de um casamento entre o pai de Angelstone e eu, mas não deu em nada. Fugiu com essa atrizinha ordinária, e eu me casei com o irmão dele. Prudence estava atônita. ─ Esteve comprometida com o pai de Angelstone? A boca de Drucilla franziu colérica. ─ Nunca estivemos comprometidos. O assunto não chegou tão longe. Como eu disse, falou-se de um casamento entre nós, porém isso foi tudo. Nossas famílias estavam convencidas que seria uma excelente aliança, contudo, como já lhe disse, Jonathan Fleetwood não se interessava minimamente pela família. Ele acreditava estar apaixonado pela atrizinha. Fazia o que queria, e isso era tudo.
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─ Do ponto de vista dele, ele a amava. ─ Bobagens. – Drucilla exclamou com desgosto – Um homem na sua posição social não se casa por amor. Mesmo que a mulher o agradasse, não haveria nenhuma necessidade de fugir com ela. Poderia cumprir com seu dever para com a família e mantido a sua amante a parte, ninguém pensaria duas vezes. ─ Nem sequer você? Drucilla recuou. ─ Isto não é assunto seu, não é mesmo? ─ Possivelmente não – disse Prudence. Estava começando a ver a inimizade familiar dos Fleetwood sob outro aspecto. – Sem dúvida, não posso permitir que insulte a família de meu esposo apenas porque seu pai escolheu casar-se com a sua mãe. ─ Era uma atriz – disse Drucilla furiosamente angustiada – Poderia ter se casado comigo, porém escolheu alguém que não era nada além de uma cortesã profissional, isto foi intolerável. Provavelmente fez isso por desprezo pela família. ─ Está indo muito longe, Mrs. Fleetwood. Se não puder dominar a sua língua, terei que pedir que saia agora. Antes que Drucilla pudesse contestar, a porta da biblioteca se abriu violentamente. Prudence quase deixou cair a xícara de chá. Girou em sua cadeira e observou fixamente, enquanto Sebastian, que parecia Lúcifer depois da Queda, tomava de assalto o recinto, controlando precariamente a violência. ─ Que diabos está acontecendo aqui? – perguntou mortalmente suave. Prudence se pôs de pé, imediatamente e conseguiu dar um sorriso. ─ A sua tia fez a amabilidade de nos visitar. Sebastian deu um olhar gelado para Prudence. ─ Não me diga! Que sorte a minha ter chegado mais cedo em casa. – Inclinou a cabeça diante de Drucilla – Boa tarde, mas deveria ter nos avisado de que pretendia visitar-nos. – Seu sorriso era tão frio quanto seus olhos – Por pouco não consigo vê-la. ─ Eu queria falar com a sua esposa, Angelstone – disse Drucilla – Não desejava vê-lo, particularmente.
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─ Estou destroçado. – Sebastian caminhou até a mesa sobre a qual estava a garrafa de vinho rose – Acreditava que seria mais simples intimidar Prudence se eu não estivesse por perto? Prudence olhou para o teto e pediu paciência. ─ Angelstone, não existe necessidade de ser grosseiro. Mrs. Fleetwood está muito preocupada por causa da situação difícil de Jeremy. ─ Ah, que dizer que ele foi correndo até a mamãezinha, não é? Eu me perguntei se faria isto? – Sebastian tomou um gole de vinho rose, e sorriu o seu sorriso de Anjo Caído. – Estou profundamente afetado por esta prova de preocupação maternal. Quer dizer titia, que está com medo de que Jeremy for acusado de assassinato, a senhora deixará de ser bem recebida nos melhores salões? ─ Angelstone – começou Prudence, em tom de advertência, mas foi interrompida por Drucilla, que olhava para Sebastian como se tivessem deixado solto um demônio do próprio inferno. ─ Não pense em se divertir à custa do meu filho, com seus joguinhos diabólicos – disse Drucilla – Eu não sei o que você espera ganhar aterrorizando Jeremy, a ponto de ele pensar que poderia ser preso a qualquer momento, mas insisto que pare com isso imediatamente. Sebastian voltou-se com a taça de vinha na mão. ─ O que a faz pensar que estou blefando? Drucilla olhou irada para ele. ─ Porque é claro que até mesmo você não permitiria que enforcassem um homem inocente por assassinato. Sebastian parecia pensar sobre isso... ─ Não tenho muita certeza. É um Fleetwood, afinal de contas. ─ Por Deus! – sussurrou Drucilla – Não tem nenhuma vergonha? Prudence tentou recuperar as rédeas da situação. ─ Mrs. Fleetwood, eu lhe asseguro que Sebastian não está tentando deixar Jeremy nervoso. Nem tampouco permitir que seja detido – Enrugou o cenho severamente para Sebastian – Não é mesmo, milord?
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Sebastian bebeu um gole do rose e pensou cuidadosamente. ─ Bem... Prudence sorriu com tranquilidade para Mrs. Fleetwood. ─ Não se preocupe, milady. Ele vai cuidar de Jeremy. ─ Você espera que eu acredite em sua palavra? – Perguntou Drucilla irritada. Sebastian olhou para Prudence perigosamente divertido. ─ Mrs. Fleetwood tem razão em estar cética, minha querida. Por que eu me incomodaria em ajudar um Fleetwood? ─ Chega, Angelstone. – disse Prudence – Pare agora mesmo. Não vai continuar a atormentar a sua tia dessa maneira. Ela está profundamente preocupada. ─ E, com razão. O nariz de Mrs. Fleetwood estava contraído pela tensão e pela ira. ─ Eu sabia que não teria sentido tentar falar com você, Angelstone. Por isso mesmo, eu me esforcei em falar com Lady Angelstone em particular. ─ Um esforço que não teve bons resultados. – Sebastian passeou pelo ambiente, sentou-se atrás da escrivaninha e apoiou as botas sobre a superfície de magno. – Diga-me tia, o que esperava conseguir vindo implorar à minha esposa? ─ Não vim aqui suplicar a ninguém. Eu vim insistir para que pare imediatamente com esse seu jogo de gato e rato. Pensei que fosse possível que Lady Angelstone tivesse alguma influência sobre você. ─ Verdade? – Sebastian arqueou as sobrancelhas – O que poderia ter lhe dado a ideia que ela ficaria do seu lado em tudo isto? É a minha esposa, afinal de contas, e sua lealdade está comigo. ─ Angelstone, comporte-se. – Prudence olhou Drucilla – Fique tranquila, milady. Angelstone não está tramando coisa alguma contra a sua família. Sem dúvida, as provas que foram mantidas longe das mãos das autoridades são muito incriminatórias. Devo lhe dizer que é necessário averiguar porque foram deixadas nas cenas dos crimes. ─ Eu ouvi que Ringcross morreu por causa de uma queda acidental, e que Oxenham foi vítima de suicídio.
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─ Não se fala de assassinato, porque a prova que implicava Jeremy foi escondida por Angelstone – disse Prudence – Ele correu um grande risco pelo bem da família, milady. Sebastian sorriu seu sorriso mais perverso e bebeu o vinho silenciosamente. ─ Minha devoção pela família não tem limites. Drucilla lançou-lhe um olhar de rabo de olho. ─ Bah. Não acredito que no lugar do crime tenha existido prova alguma que implicasse Jeremy. Angelstone estava inventando tudo isto. ─ Não, não é isso. – Prudence estava começando a perder a paciência. ─ Sim, é isso sim – disse Drucilla – Eu vejo claramente. É claro que soube que essas duas almas desafortunadas deixaram o mundo, em seguida criou sua própria prova implicando meu filho, afirmou que havia sido encontrada no lugar do crime e mostrou a Jeremy. Está pensando em manter, a assim chamada prova, sobre as nossas cabeças como uma ameaça. ─ Uma conclusão muito lógica. – disse Sebastian aprovando – Estou surpreso, tia. Não esperava uma conclusão tão inteligente de você. Fica apenas um pequeno, porém já que eu não inventei as provas. Elas são muito reais, e realmente foram encontradas nos lugares dos fatos, e poderá haver mais provas, caso se produzam mais mortes estranhas. ─ Bobagem. Todo o assunto é algum tipo de plano arquitetado apenas para atormentar a sua família – Drucilla ficou em pé – Inclusive eu, que sei muito bem que tipo de conduta posso esperar de você, não acredito que você realmente fosse apresentar provas falsas, diante das autoridades. ─ Acha que não? – Sebastian sorriu – Mas, pense em como seria divertido, não é mesmo? Imagine o que os jornais diriam se um Fleetwood fosse a julgamento por um assassinato. O que diria a sociedade? ─ Sebastian. – Prudence desejava estrangulá-lo. Drucilla olhou Sebastian. ─ Eu não acredito que você permita que um homem inocente morra, apenas para se divertir. Nem mesmo você cairia tão baixo apenas em nome da vingança.
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─ E, o que acontece se ele não for inocente? – Perguntou suavemente Sebastian. Drucilla se dirigiu para a porta. ─ Não seja tão idiota, Angelstone. Meu filho não tinha nenhuma razão para matar aqueles homens. Prudence percebeu que Sebastian estava a ponto de contra-argumentar, e lhe deu um olhar de advertência, enquanto tocava freneticamente a campainha, chamando Flowers. ─ Bom dia, Mrs. Fleetwood, sei que foi uma experiência desagradável. Quero assegurar mais uma vez que Angelstone se encarregará da situação. ─ Faça isto. – Drucilla examinou o vestido de Prudence enquanto Flowers abria a porta – A propósito, a cor lavanda é terrivelmente espantosa, e lhe dá um aspecto muito vulgar. Prudence viu que Sebastian tirou as botas da escrivaninha. ─ Obrigada por sua opinião, Mrs. Fleetwood – disse apressadamente – Vou lembrar-me disso quando for às compras. ─ E, será melhor que procure uma nova modista. – Drucilla caminhou majestosamente até a porta aberta – O Vestido que você usou na noite do baile dos Hollington era decididamente indecente e inadequado à sua condição social. Você parecia uma aventureira, vestida para a ópera. Agora, Sebastian já estava em pé. ─ Maldita seja, minha esposa pode usar o que quiser. ─ Angelstone, por favor – disse Prudence – Caso você na se lembre, na noite passada, você tinha a mesma opinião sobre o meu vestido. ─ É diferente. ─ Ele atravessou a sala e foi até sua tia, com uma expressão terrível. ─ Não tem mais nada a dizer sobre a roupa da minha esposa? ─ Não posso imaginar porque está ofendido, Angelstone. – Drucilla olhou para trás – Aquele vestido era uma vergonha. Quase podiam ser vistos os mamilos de sua esposa. Era o tipo de vestido que usaria uma atriz.
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Os olhos de Sebastian brilhavam como o fogo do inferno. Prudence se interpôs no caminho de Sebastian. ─ Talvez seja melhor que saia agora, Mrs. Fleetwood – disse sobre o ombro. ─ Imediatamente, pois não tenho nenhuma razão para ficar aqui. – Drucilla passou junto a Flowers e saiu para o vestíbulo. Parecia desconhecer o perigo que corria. Flower deu uma olhada para o rosto do patrão e fechou a porta discretamente. ─ Maldita desgraçada. – Sebastian sacudiu as mãos de Prudence, que o seguravam – Eu verei a ela e a toda a sua prole no inferno. E, pelo que me diz respeito, podem enforcar Jeremy, aliás, podem enforcar todos eles. ─ Sebastian, não. Espere, você não quer dizer isto. Pare. – Prudence se adiantou rapidamente, e jogou em frente a porta. Ficou de costas, com os braços estendidos, formando uma barricada. ─ Saia do meu caminho, Prue. ─ Escute-me. A razão pela qual está tão ressentida é porque estava apaixonada pelo seu pai. ─ Você ficou louca? Ela odiava o meu pai. ─ Apenas porque ela se casou com outra. Você não entende? Estava apaixonada por ele e ele fugiu com outra mulher. Em seguida, você chega para reclamar o título. Não é de se estranhar que nunca conseguiu perdoar o seu pai. Nem a você.
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Capítulo 16
─ Seja razoável, Sebastian. – Pediu Prudence, enquanto se aferrava diante da porta. – O que você iria fazer se fosse atrás dela? É uma mulher pelo menos mais de vinte anos mais velha que você. Você não pode tocá-la, e sabe disso. ─ Não vou levantar a mão para ela. – Sebastian ardia de ira – Só gostaria de informar a essa desgraçada que tenho intenção de cortar a maior parte de sua renda da fortuna Angelstone. Também, como medida de precaução, poderia cortar a participação do restante da família. ─ Por causa dos comentários sobre a minha roupa? – Prudence olhava para ele incrédula. ─ Ela insultou você. ─ Ela não me insultou. Foi suficientemente amável para me oferecer seus conselhos experientes. ─ Conselho? ─ Hester me disse que ela é considerada uma mulher muito elegante. E, sabe sobre o que está falando. – disse Prudence. ─ Ela insultou você na sua cara. Na minha frente, não é pouca coisa. ─ Sim, bem, mas por casualidade, eu até que concordo com ela a respeito deste vestido em particular. – Prudence sacudiu as saias do vestido – Nunca gostei muito da cor lavanda. Só pedi este tom porque me disseram que era a última moda. E, me questionava acerca de todos esses babados. A sua tia tem toda razão, tenho que trocar de modista. ─ Maldição! – Sebastian ouviu o som das rodas da carruagem de Drucilla na rua, muito ale da porta. Era muito tarde para ir atrás dela, inclusive mesmo conseguindo afastar Prudence da entrada. Girou sobre seus saltos e caminhou com garbo de volta à escrivaninha. – Essa mulher é uma cadela.
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─ Sebastian, não irei permitir que use uns poucos comentários insignificantes sobre o meu vestido como desculpa para exercer a sua vingança. ─ Ah, não? – Deixou-se cair na cadeira e voltou a por os pés sobre a escrivaninha. ─ Não. – Prudence afastou-se lentamente da porta. Empurrou suas lentes sobre o nariz, piscou várias vezes e engoliu com força. Concentrou-se em olhar par a lareira – Eu lhe disse que não queria que me usasse dessa forma. È muito pouco digno de você, milord. Sebastian olhou-a com um sentimento de frustração selvagem. Em seguida, ele franziu a testa enquanto ela pegava um lenço do seu bolso e enxugava o canto do olho. ─ Mas, que droga, Prue, você está chorando de novo? ─ Não, é claro que não. – Voltou a colocar o lencinho no bolso – Eu estava com alguma coisa no olho, acho que já saiu. Sebastian sabia que ela estava mentindo. ─ Eu não entendo você. – Falou rudemente, sem olhar para ela, pois temia ver suas lágrimas. Prudence respirou profundamente. ─ O que é que você não está entendendo? Sebastian lutou para encontrar uma forma de explicar-lhe o que nesse momento, ele mesmo estava começando a entender. ─ Há uns momentos, quando tentei ir atrás de minha tia, eu não tinha em mente vingar-me pelo aconteceu no passado. ─ Se você não estava em busca de uma desculpa para castigá-la pelo aconteceu no passado, por que estava tão aborrecido pelos comentários sobre o meu vestido? – a voz de Prudence já estava mais firme, neste momento. Sebastian decidiu que já era seguro voltar a olhar para ela de novo. Ele o fez com cautela, com a remota esperança de ver seus olhos secos. Assim foi. Prudence estava olhando para ele solenemente, com as mãos entrelaçadas diante de si. Seus olhos estavam claros e atentos por trás das lentes de seus óculos. Sebastian estava muitíssimo aliviado.
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─ Eu fiquei enojado por ela ter insultado você. ─ A mim? – Ela parecia surpresa – Por isto? ─ Ela não tinha o direito de lhe falar da maneira que fez. – Sebastian baixou os olhos enquanto Lúcifer pulava alegremente para o seu colo, e começou a acariciar o gato. Prudence sorriu e pareceu também muito aliviada. ─ Ah, mas isso não foi nada, Sebastian. Sem dúvida nenhuma, a ofensa desimportante de sua tia, não merecia o tipo de represália que você tinha em mente. ─ Não tenho tanta certeza disso. – Sebastian fez uma pausa – Que bobagem é essa de que esteve apaixonada pelo meu pai? ─ Minha intuição, junto com algumas das coisas que disse antes que você tivesse chegado, me levam a creditar que este poderia ser o caso. – Prudence sentouse em frente a ele. É muito triste, não é mesmo? ─ Eu não consigo acreditar que minha tia tenha se apaixonado por alguém. ─ Eu, sim. – Prudence recostou-se contra a cadeira – Bom, então vamos resolver de uma vez o que vamos fazer sobre o assunto de Jeremy. Não quero que você nos coloque pisando sobre brasas, incluindo a mim, apenas porque isto o diverte. Sebastian brincou com o pequeno recipiente banhado em prata, que usava para derreter o lacre com que selava suas cartas. ─ Estou investigando. ─ Eu suspeitava que fosse isso. Vai ajudar Jeremy, não é verdade? ─ Suponho que sim. ─ Incomoda-se se eu perguntar o motivo? ─ Importa? – Sebastian estava muito irritado pela pergunta. Prudence sorriu desculpando-se. ─ Não posso deixar de sentir curiosidade. É a minha natureza. Você irá continuar a investigação, motivado pela sua responsabilidade familiar? ─ Maldição! Não. A desilusão encobriu o sorriso expectante de Prudence.
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─ Entendo. Então, é a sua própria curiosidade o incitando a ponto de você não poder resistir até saber todas as respostas? Sebastian encolheu os ombros. ─ Sem dúvida, mas apenas uma parte. – Coçou as orelhas de Lúcifer – Porém, não é tudo. ─ Então é porque se diverte em continuar a investigação? ─ Droga, Prue, eu faço isto por você. – Sebastian empurrou o recipiente para o lado – E, então, está satisfeita? Prudence o olhava fixamente. ─ Você vai ajudar Jeremy porque eu quero que o faça? ─ Sim. – Disse – Estou disposto a satisfazer a minha brilhante esposa. O que há de estranho nisso? – Prudence enrugou o cenho. ─ Entendo. Está fazendo isto porque acha divertido me agradar. ─ Como todos sabem, sou propenso a obter prazer em diversas formas de entretenimento pouco habituais. ─ Mas, Sebastian... Ouviu-se um golpe discreto na porta da biblioteca, e Sebastian sentiu-se profundamente aliviado diante da interrupção. ─ Entre. Flowers abriu a porta com cautela. Trazia uma pequena bandeja de prata com um bilhete dobrado. Seu rosto mal humorado relaxou um pouco, quando viu que o seu e a senhora da casa não chegaram às vias de fato. ─ Perdão, milady, milord. Chegou uma mensagem para Lady Angelstone. ─ Para mim? Quem poderia ter enviado? – Prudence ficou em pé rapidamente, e correu, atravessando o ambiente, antes que Flowers pudesse se aproximar dela. Sua impulsividade fez Flowers dar um suspiro de sofrimento. Entregou-lhe a nota e retirou-se da biblioteca. Sebastian observou Prudence enquanto quebrava o selo. Pensou que Prudence o cativava. Ou, talvez, encantava fosse a palavra correta. Tudo nela o afetava, como se
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fosse um feitiço e expulsava o frio. O rosto animado, a feminina vitalidade, a sinceridade apaixonada, tudo o aquecia de dentro para fora. ─ Santo Deus, Sebastian. – Prudence levantou os olhos da nota. Seu rosto estava tenso pela emoção. – É de Lord Bloomfield. ─ Bloomfield? Que diabos ele quer? – Sebastian deixou de lado Lúcifer. Ficou de pé e cruzou rapidamente o lugar para arrancar o bilhete das mãos de Prudence. Examinou a fina caligrafia.
Minha querida Lady Angelstone: Desejo lhe fazer uma consulta de caráter profissional. O assunto é de natureza extremamente urgente. Trata-se de acontecimentos recentes, que incluem fenômenos espectrais. Eu iria visitá-la, porém sofro de uma enfermidade nervosa e tenho dificuldade de locomoção, incluindo curtas distâncias. Portanto, seria possível que você me visitasse amanhã, às onze horas? Eu ficaria profundamente agradecido. Seu, C. H. Bloomfield.
─ Refere-se aos recentes acontecimentos de fenômenos espectrais. – Prudence semicerrou os olhos com especulação – Você acha que está se referindo às mortes dos outros Príncipes da Virtude? ─ Dizem que Bloomfield é muito estranho, e que seja possível que esteja meio doido. Pode ser que depois de saber das mortes de Ringcross e Oxenham esteja convencido de que o fantasma de Lillian voltou. ─ Não seria o único a acreditar nisto – lembrou-lhe Prudence – Era o que acreditava aquele pobre ancião que intitulava a si mesmo de Higgins, Meio Doido. Sebastian estudou a nota. ─ Bloomfield está louco, tal como dizem os rumores, e isto é um artifício para atraí-la até a sua casa. ─ Um artifício? Por que ele iria querer me atrair até a sua casa? ─ Eu não sei, mas de uma coisa eu tenho certeza: você não vai até lá sozinha.
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─ Claro que não irei sozinho. Vou levar a minha dama de companhia. ─ Não! – disse Sebastian – Irá me levar. ─ Não tenho muita certeza de querer levá-lo comigo, milord. Afinal de contas, esta é o meu campo de ação. ─ Deus sabe muito bem que você já se intrometeu demasiadamente em minha parte da investigação. – Sebastian voltou a dobrar o bilhete de Bloomfield – O mínimo que você pode fazer é permitir que eu me intrometa um pouco na sua área de ação. Agora, você deve me desculpar, minha querida. Vou ao meu clube. ─ Mas, nós estávamos no meio de uma conversa muito interessante antes de Flowers entrar com a nota. Eu quero continuá-la. ─ Sinto muito, Prue. Eu disse a Sutton que me encontraria com ele. – Sebastian beijou-a ligeiramente na boca e em seguida se dirigiu à porta – Também quero observar Curling para ver se parece tão ansioso como disse Whistlecroft. ─ Whistlecroft disse que ele estava ansioso? – Prudence seguiu Sebastian até o vestíbulo – Você não me falou sobre isso. ─ Eu não tive oportunidade. Caso você não se lembre, quando voltei, você estava ocupada entretendo a minha tia. – Sebastian pegou o chapéu e as luvas de Flowers. – Não me espere acordada, pois esta noite eu devo voltar tarde. ─ Angelstone, espere. – Prudence olhou rapidamente para Flowers que parecia ter ficado surdo. Deu alguns passos rápidos adiante, e baixou a voz – Milord, nós estávamos no meio de uma conversa muito importante há uns minutos, e eu gostaria muito de continuá-la. ─ Mais tarde, quem sabe. ─ Angelstone, você está tentando me evitar? ─ Mas, é claro que não. Por que eu iria evitá-la? Pela segunda vez naquele dia, Sebastian escapou pela porta da rua de sua casa. Deu um suspiro de alívio quando ouviu que Flowers fechava a porta atrás dele. A última coisa que ele desejava era terminar a conversa em que havia se envolvido com Prudence, antes que chegasse o bilhete de Bloomfield. Não tinha muita certeza porque temia continuar a conversa, apenas sabia que não queria que Prudence
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lhe fizesse mais perguntas mordazes, sobre o motivo pela qual continuava com a investigação. Permitira que ela pensasse que ele se divertia em agradá-la nesse assunto, porém não era toda a verdade. A realidade era que Prudence havia se tornado tão importante para ele, que adquirira um poder incrível sobre ele, que faria qualquer coisa lhe dar prazer, e essa ideia o preocupava. Ninguém havia exercido um poder emocional verdadeiro sobre ele desde aquele amanhecer frio e nebuloso nas montanhas do Saragstão. Havia construído uma barreira que o protegera até este momento, porém sabia que em algum lugar do seu interior havia começado o degelo. A luz do sol que Prudence levara a sua vida estava começando a ter um efeito insidioso. Sebastian ansiava pelo calor de Prudence e, contudo, a temia. Sabia que havia uma possibilidade muito real de descobrir que se o gelo de seu interior fosse destruído completamente restasse-lhe apenas um espaço vazio. No entanto, mesmo temendo o frio e escuridão, que esperava, ansiava por saber o que Prudence estava sentindo por ele. Ele precisava saber se ela fora atraída para ele por alguma coisa mais profunda do que apenas por interesses mútuos, e pela paixão compartilhada. Perguntava-se se algum dia ela seria capaz de amá-lo. Pouco antes da meia noite, Sebastian saiu do salão de jogos do clube. Havia passado as últimas três horas jogando whist com vários membros embriagados, com a esperança de saber alguma coisa útil sobre Ringcross e Oxenham. Existiam muitos boatos acerca das mortes, porém ninguém pronunciou a palavra assassinato. Tampouco mencionaram os Príncipes da Virtude. Em resumo, haviam sido três horas perdidas. ─ Ah, ali está, Angelstone. – Garrick cruzou o recinto para se encontrar com ele, em frente à lareira – Eu estava me perguntando se você estaria por aqui. Você teve sorte? – Fez um gesto com a cabeça em direção ao salão de jogos. ─ Um pouco. – Sebastian encolheu os ombros – Ganhei mil libras de Evans e provavelmente poderia ter ganhado muito mais, porém estava muito aborrecido para
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continuar a jogar. O jogo perdeu o interesse, pois o homem estava tão bêbado que só conseguia segurar as cartas. Sebastian lembrou que não havia contado a Garrick sobre o seu último caso. Percebeu que havia duas razões pelas quais não confiara em seu amigo. A primeira era que a investigação envolvia um Fleetwood e sabia, sem ter perguntado, que Prudence não gostaria que ele discutisse o assunto com estranhos, e na realidade, não tinha interesse nenhum em fazê-lo, pois gostando ou não, era um assunto de família. A segunda razão porque não tinha falado com Garrick acerca da investigação, era porque não necessitava de um confidente. Tinha Prudence. ─ Falando sobre bêbados – disse Garrick tranquilamente ─, Curling está vindo aí. Parece que não consegue ficar em pé. Sebastian observou como Curling cruzava a porta do clube com o andar demasiadamente cuidadoso de um homem muito embriagado. ─ Não é muito frequente o vermos nesse estado. Garrick estendeu as mãos em direção ao fogo. ─ A última vez que o vi em tal condição foi a cerca de três meses. Nós dois acabamos em uma mesa de jogo juntos, depois de uma longa noite de bebedeira. Eu não consigo me lembrar muito sobre isso, mas eu me lembro que ele estava tão bêbado quanto eu. ─ Eu acredito que eu me lembro da noite em questão. ─ Sebastian observou Curling enquanto se sentava cautelosamente em uma cadeira. ─ Foi na manhã seguinte que você me informou que pretendia parar de beber por um tempo. A boca de Garrick ficou tensa. ─ Eu juro Angelstone, não quero voltar nunca mais voltar ao estado em que fiquei naquela noite. Não gosto da sensação de não lembrar o que disse e o que fez. E, nem tão cedo, quero voltar a sentir-me tão mal como no dia seguinte. ─ Você disse que Curling estava tão bêbado como você, esta noite? ─ Sim. Seu cocheiro ficou responsável por nos levar para casa, a salvos. – disse Garrick em tom de desgosto. ─ Se puder me desculpar, creio que vou dar uma palavrinha com ele.
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─ Fique à vontade, eu o verei mais tarde. Sebastian caminhou até o lugar em que Curling estava sentado, sozinho. Havia uma garrafa inteira de Porto junto a ele, na mesa; Curling servira-se de uma taça. Levantou os olhos inchados para Sebastian. ─ Ah, é você Angelstone? Acompanha-me? ─ Obrigada. – Sebastian sentou-se e serviu-se de uma pequena dose de Porto. Esticou as pernas e fez menção de acomodar-se para uma longa sessão de bebedeira em afável companhia. Bebeu apenas um pequeno gole do Porto, de sabor doce e rico. ─ Pela felicidade conjugal – disse Curling, com voz pastosa. Levantou a taça e tomou a metade do conteúdo. – Espero que a sua dama consiga diverti-lo. ─ Muito – Sebastian girou a taça em suas mãos. ─ Diga-me, ela continua com o seu com o seu pequeno passatempo? – Curling sustentava a taça com tanta força que estava com as articulações brancas. Fixou o olhar no conteúdo como se procurasse algo em profundidades insondáveis. ─ Ela ainda está interessada nos fenômenos espectrais. O passatempo a diverte, e eu não faço nenhuma objeção a ele. ─ Você se lembra da conversa que tivemos sobre fantasmas, no castelo? ─ Vagamente. – disse Sebastian. ─ Acho que lhe disse que achava que seria muito interessante encontrar realmente com um fantasma. ─ Lembro você me dizer, que pensava que a experiência seria muito estimulante para o tédio que o afligia. ─ Fui um idiota. – Curling enrugou o nariz – Talvez se interesse em saber que mudei de opinião desde então. ─ Por quê? – Sebastian sorriu sem humor – Encontrou-se com um fantasma? Curling afundou-se ainda mais na poltrona e fixou o olhar na distância. ─ O que você diria se eu lhe dissesse que estou começando a me perguntar se os fantasmas realmente existem? ─ Eu diria que esta noite você bebeu demais. Curling concordou com a cabeça.
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─ E, teria toda razão. – Fechou os olhos e se recostou contra o encosto da poltrona. – Não consigo nem lembrar quantas garrafas já bebi esta noite. ─ Tenho certeza de que serão acrescentadas à sua conta. Curling torceu a boca. ─ Sem dúvida. Durante um momento houve apenas o silêncio, e Sebastian não tentou quebrálo, pois o instinto lhe dizia que Curling o faria em curto espaço de tempo. A não ser que o barão caísse no sono primeiro. ─ Por um acaso você soube da morte de Oxenham, Angelstone? – Perguntou Curling após um momento sem abrir os olhos. ─ Sim. ─ Eu o conhecia muito bem. – disse Curling. ─ Ah, sim? ─ Éramos amigos. – Curling abriu os olhos. ─ Entendo. ─ Nunca pensei que seria capaz de dar um tiro na cabeça. Sebastian examinou o vinho. ─ Talvez tenha sofrido alguns reveses econômicos recentes. É uma razão muito comum para o suicídio. ─ Não. Se ele tivesse perdido uma grande quantidade de dinheiro, eu teria sabido. ─ Era jogador? ─ Apenas em pequena escala. Não perdeu a sua fortuna no jogo de cartas, se é isto o que está querendo dizer. – Curling bebeu outro longo gole de Porto – Tampouco era propenso a ter ataques de melancolia. Eu não consigo entender. ─ É muito importante para você encontrar uma razão para o suicídio? – Perguntou Sebastian cautelosamente. ─ Creio que sim. – A mão de Curling formou um punho cerrado – Maldição! Sim! Tenho que saber o que aconteceu na realidade. ─ Por quê? – perguntou Sebastian suavemente.
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─ Porque se aconteceu com Ringcross e com ele, pode acontecer a todos nós. – Curling terminou o Porto e tentou deixar a taça sobre a mesa. Errou. Desistiu e ficou com a taça na mão. ─ Não entendo o que você quer dizer, Curling. Talvez você pudesse me explicar. Porém Curling estava muito além das explicações coerentes, embora tentasse. A cabeça estava caída em um canto da poltrona. ─ É difícil acreditar depois de todo esse tempo. – Arrastava as palavras. Fechou os olhos – Que Deus nos ajude, talvez seja merecido. Sebastian ficou ali, sentado em silêncio, durante alguns minutos, observando Curling deslizar em um estupor alcoólico. Segurou a taça antes que esta caísse das mãos do barão. Sebastian não voltou para casa até uma da manhã. Teve bastante tempo para refletir, enquanto o cocheiro dirigia. Uma vez mais a fria névoa diminuía o tráfego noturno, normalmente ativo, até convertê-lo a um passo lento. Através das janelas, Sebastian observava que os faróis de outros veículos apareciam e desapareciam na bruma cinzenta, como muitos fantasmas tentando encontrar o último lugar de descanso. Quando finalmente a carruagem parou em frente à sua porta, Sebastian desceu e subiu as escadarias com um estranho pressentimento. Flowers abriu a porta imediatamente. ─ Uma noite de frio intenso, milord. – Flowers estendeu a mão para receber o chapéu, o abrigo e as luvas de Sebastian. ─ Uma noite interessante. Sua Senhoria já chegou a casa? ─ Lady Angelstone chegou a casa há mais de uma hora. Sebastian pensou que Prudence já estaria na cama. Não sabia se sentia alívio, ou não. Pelo menos dessa maneira poderia evitar a continuação da incômoda conversa que Prudence desejara concluir mais cedo. Por outro lado, se estivesse profundamente adormecida, não poderia lhe falar sobre a inusitada conduta de Curling. ─ apague as luzes e vá para a cama Flowers. – Sebastian começou a tira a gravata, enquanto se dirigia para as escadas.
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─ Desculpe-me milord. – Flowers pigarreou – A senhora, todavia ainda não se retirou para dormir. Sebastian parou com o pé no primeiro degrau. ─ Pensei que você havia dito que estava em casa. ─ E, assim é, milord. Creio que ela o está esperando na biblioteca. Sebastian sorriu levemente. ─ Eu deveria saber. Prudence não era o tipo de mulher que desviava de seu curso facilmente. Durante todo o dia estivera tentando passar-lhe um sermão. Não havia razão para acreditar que renunciaria apenas porque era mais de uma hora da manhã. Sebastian tirou a bota do degrau da escadaria e atravessou o vestíbulo. Flowers abriu a porta da biblioteca sem dizer uma palavra. Por um instante, Sebastian não conseguiu ver Prudence. A biblioteca estava iluminada precariamente pelo baixo lume da lareira. Boa parte do ambiente estava às escuras. Foi recebido por um suave miado de boas vindas. Sebastian olhou primeiro para a escrivaninha e a seguir para o sofá em frente à lareira. Lúcifer estava enroscado no encosto, e abaixo de sua elevada e augusta posição, um mar de seda lavanda se esparramava sobre a borda do sofá e caía sobre o tapete. Sebastian avançou até poder olhar por cima do encosto do sofá. Prudence havia tirado as sapatilhas de cetim lavanda, e estava enrolada, profundamente adormecida diante do fogo. Os óculos estavam sobre a mesinha, junto ao livro que evidentemente estivera lendo. Durante uns instantes, Sebastian simplesmente ficou ali, admirando-a. A cálida luz das chamas fazia com que seu cabelo, cor de mel, ficasse da cor de ouro escuro, e criava uma sombra deliciosa entre os seus graciosos seios. Usava outro de seus novos vestidos, com decote ridiculamente baixo. Sebastian decidiu que violeta não era melhor que lavanda, porém não podia negar que a linha do decote profundo era um fator erótico para os seios suavemente curvados. Sebastian sentiu que se excitava enquanto observava a mulher com quem havia casado. Pensou que tudo nela estava exatamente muito bom. A inteligência, a paixão,
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o gosto divertido para vestir-se, inclusive a irritante tendência para repreendê-lo sobre as suas responsabilidades. Todos esses fatores estavam juntos para criar Prudence, não mudaria nem um deles. Havia pouco tempo que vivia com ela e, contudo, não poderia se imaginar casado com outra pessoa. Perguntou-se se Prudence alguma vez se imaginava casada com outro homem. Underbrink, por exemplo. As entranhas de Sebastian se reviraram diante da ideia. Sabia que não necessitava temer que Prudence lhe fosse infiel, pois tinha certeza que ela nunca o trairia. A profunda integridade de Prudence faria com que fosse impossível ela desonrá-lo dessa maneira. Porém, não podia evitar pensar em quão profundamente se interessava por ele. Pensou que os interesses mútuos, e uma mútua paixão fossem o bastante até agora, embora já não fosse suficiente. Necessitava mais de Prudence. Queria que ela o amasse. O tamanho da necessidade de que ela o amasse fazia com que se sentisse incomodo, porém já não podia negá-lo. Enquanto a observava, Prudence se agitou no sofá e procurou uma posição mais cômoda. As saias franzidas do novo vestido deslizaram e deixaram a descoberto suas meias de seda. Sebastian tirou o paletó e jogou sobre uma cadeira. Arrancou a gravata e lançou-a para o lado, enquanto dava a volta no sofá começou a tirar a camisa. Não podia afastar os olhos de Prudence, e seu corpo já estava tenso pelo desejo. Quando terminou de tirar a camisa, se apoiou sobre o joelho e deslizou a mão por baixo das saias dela. Fechou os dedos ao redor da coxa suave, e inclinando-se para frente, beijou os lábios dela, ligeiramente abertos. ─ Sebastian? – Os cílios de Prudence agitaram-se e a seguir se abriram ligeiramente. Levantou o olhar para ele com uma sonolenta boa vinda. – Boa noite, milord. Já era hora de chegar a casa. ─ Fico feliz por você ter me esperado. ─ Eu queria falar com você.
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─ Depois. – Outra vez cobriu a boca com a sua e deliberadamente aprofundou o beijo para cortar qualquer protesto adormecido. Depois de um par de segundos, Prudence nem tentou protestar. Em troca, suspirou suavemente e rodeou-lhe o pescoço com os braços. Sebastian deslizou a mão mais para cima, sob as saias lavanda e encontrou as firmes e sensuais curvas de suas nádegas. Com o dedo percorreu ligeiramente a fenda que separava os dois montículos. Prudence tremeu diante da inesperada carícia, mas não se afastou. Sebastian levou o dedo indicador mais baixo, entre suas pernas. Quando descobriu a apertada passagem feminina penetrou-a suavemente e descobriu que Prudence já estava úmida para ele. ─ Sebastian. Na voz de Prudence havia uma nota de sonolenta paixão que enviou outra onda de palpitante desejo através de Sebastian. Empurrou a língua para dentro da boca de Prudence e estendeu a mão para livrar-se das calças. Deus, ele a desejava, pensou. Tudo o que precisava fazer era olhar para ela e seu sangue começa a ferver. O anseio profundo dentro dele parecia insaciável. Ele tinha que tê-la. Naquela noite e para sempre. Os recaldos das perguntas que estiveram ardendo em seu interior durante toda a tarde se avivaram e converteram-se em novas chamas. Você me ama Prue? Pode me amar apesar do frio? Prometeu a si mesmo que não faria essas perguntas. As respostas não importavam. Afinal de contas, Prudence o desejava, não havia nenhuma dúvida a respeito, pois podia sentir. Nem sequer tentava ocultar-lhe sua reação física a ele. Era o suficiente. Tinha que ser suficiente. Sebastian levantou Prudence do sofá, deixou-se cair de costas sobre o tapete e fez com que Prudence tombasse sobre ele. O vestido de finíssima seda não havia sido desenhado para suportar tanta atividade, e os graciosos seios saltaram do decote. Sebastian os tomou entre suas mãos. Levantou o olhar para Prudence, que o olhava com olhos entorpecidos. Podia sentir que a sua virilidade latia abaixo do elegante peso do corpo de Prudence.
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Sem dizer uma palavra, estendeu a mão para baixo e tirou suas calças. A seda lavanda caiu como uma cascata sobre seu pênis rígido. Agarrou um punhado dos babados das saias de Prudence e os levantou até a cintura. ─ Sebastian? ─ Leve-me para dentro de você – disse com urgência – Rápido, meu amor, não posso esperar. Prudence o manuseou torpemente, e em seguida fechou fortemente os dedos ao redor dele. Sebastian respirou. Prudence começou a guiá-lo para dentro dela e ia ficando mais audaciosa à medida que ganhava confiança. ─ Assim. Abra-se para mim – sussurrou – Deixe-me entrar. Até o fim. Sebastian gemeu quando sentiu o úmido e escorregadio calor de Prudence. Quando o corpo tenso começou a amoldar-se a ele, gemeu. Era tão quente, e ele havia sentido frio durante tanto tempo... Nesse momento estava dentro de Prudence e não podia suportar mais o tormento. ─ Agora, amor. Tenho que ter você agora. – Sebastian apertou as mãos sobre as coxas de Prudence e fechou mais ainda suas pernas ao redor de suas cadeiras. A seguir a segurou pela cintura e a empurrou para baixo, enquanto ele se lançava para cima. Prudence deixou escapar um grito suave, enquanto Sebastian avançava com firmeza em sua úmida e estrita passagem. Fechou-se em torno dele, Sebastian sentiu que todo o seu corpo tencionava em resposta. Encontrou o pequeno e inchado botão entre as pernas e começou a brincar com ele, com os seus dedos. Sentiu que Prudence ficara imóvel por um momento, enquanto se adaptava a profunda penetração. Fechou os olhos quando sentiu que o calor do corpo de Prudence filtrava-se até ele. Logo, Prudence começou a movimentar-se lentamente. Elevava-se uma vez e outra, deslizando para cima e para baixo de seu pênis. Sebastian levantou os cílios e ficou encantado diante da visão de Prudence à luz do fogo. Tinha a cabeça caída para trás, seu cabelo estava dourado, aquecido pelas chamas do fogo. A linha formada pelo
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pescoço e os seios era a visão mais elegantemente sensual que Sebastian havia visto na vida. Quando ela estremeceu em sua libertação, Sebastian tremeu fortemente e se rendeu à furiosa torrente que rugia através dele. Finalmente, depois de um longo momento, ele se moveu. Todavia Prudence estava em cima dele. Abriu os olhos e viu que ela estava adormecida, e quando as perguntas regressaram, já não pode deixá-las de lado. ─ Prue? ─ Humm? – A voz estava rouca, e ela nem abriu os olhos. ─ Por que você se casou comigo? ─ Porque amo você. Sebastian ficou completamente imóvel. Por apenas uma vez na vida, sua mente inteligente estava completamente confusa. Por um momento, nem sequer conseguiu pensar. ─ Prue? Não houve resposta. Percebeu que estava profundamente adormecida. Após um momento, Sebastian saiu de baixo de Prudence, levantou-a do tapete e a levou para cima. Colocou-a cuidadosamente embaixo das cobertas e a seguir meteu-se na cama ao seu lado. Permaneceu com a cabeça no travesseiro e o braço ao redor de Prudence, até que a névoa por trás das janelas se converteu em um tom mais pálido de cinza. O frio amanhecer havia chegado. Apenas visível através da bruma escura, porém estava ali. Sebastian dormiu.
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Capítulo 17
Foi difícil para Prudence ocultar o assombro na manhã seguinte, quando Sebastian e ela foram acompanhados até o vestíbulo da casa de Lord Bloomfield. Mal havia espaço para se moverem. As caixas e embalagens açulavam-se por todos os lados. Nos cantos, pilhas altas de jornais velhos. Uma estranha mistura de objetos obstruía o caminho no vestíbulo. Livros, globos terrestres, pequenas estátuas, bengalas e chapéus se espalhavam por todo espaço disponível. O caos continuava pelas escadarias. Apenas metade da escada era visível, a outra metade estava ocupada por um baú, um pacote ou uma pilha de roupas velhas. Prudence pensou que havia uma atmosfera sufocante ou desagradavelmente úmida na casa, como se nunca abrissem as janelas, além de estar bastante escuro. Uma sensação opressiva de abatimento saturava o vestíbulo. Prudence deu um olhar de soslaio para Sebastian, por baixo da aba do seu novo chapéu de palha violeta. Precisou afastar um pouco as pontas do imenso laço púrpura, para conseguir vê-lo mais claramente. Sebastian estava examinando o ambiente com discreta curiosidade. ─ Sua Senhoria nunca joga nada fora – falou a desalinhada governanta com uma pontinha de orgulho. ─ Eu percebi – disse Sebastian ─. Há quanto tempo Bloomfield vive aqui? ─ Ah, já faz algum tempo, porém começou a acumular coisas há apenas três anos. – A governanta riu grosseiramente entre os dentes –. A antiga governanta renunciou ao cargo nessa ocasião, e eu assumi o trabalho. No que me diz respeito, o patrão pode acumular tudo o que quiser, desde que me pague o salário. A porta, de onde alguma vez deveria ter sido a sala, estava aberta. Prudence olhou rapidamente para dentro e viu que o lugar estava repleto de mais embalagens, papéis e outros objetos variados. Notou que as cortinas estavam fechadas. ─ Preste atenção aonde pisa. – A governanta os guiou por um corredor estreito através do vestíbulo. – Não temos muitas visitas, pois Sua Senhoria gosta de estar
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sozinho – Voltou a dar uma sufocada gargalhada, suas costas amplas sacudindo-se alegremente. Prudence olhou para Sebastian, ela não estava muito segura do humor em que ele se encontrava neste dia. Desde quando se levantara esta manhã, Sebastian não falara de outra coisa além da visita à Bloomfield. Não havia dito uma palavra acerca da noite anterior. Na realidade, Prudence não sabia ainda se a sua pequena confissão de amor havia tido algum efeito sobre ele. Sebastian a tomara de surpresa na noite anterior. Ela estava meio adormecida, quando ele lhe fez aquela assombrosa pergunta. Ela estava desprevenida, calorosa e relaxada pela forma amorosa de Sebastian. Havia confessado sem pensar. “Por que se casou comigo? Porque amo você”. Seu primeiro pensamento ao acordar esta manhã foi que havia cometido um grave erro. Durante todo o tempo estivera preocupada como Sebastian reagiria a uma declaração de amor de sua parte. E, o fato de Sebastian não comentar coisa alguma, neste dia, só havia feito com que ficasse mais ansiosa. Daria uma fortuna para saber o que Sebastian estava pensando. Não conseguia saber se estava irritado ou simplesmente aborrecido diante da ideia de que sua esposa estivesse apaixonada por ele. Prudence até pensou que talvez não tivesse dito as palavras em voz alta. Sentiu um alívio diante de tal ideia. Quem sabe estivesse sonhando, quando disse a Sebastian que o amava? Mas, certamente, se estivesse sonhando, também teria sonhado com a resposta. A triste realidade era que, de qualquer forma, em voz alta, ou em sonho, não havia tido nenhuma resposta de Sebastian. Se agora ela sabia que ela o amava, ao que parece, havia decidido passar por alto. Quem sabe ele não achasse divertido. ─ O patrão irá encontrá-los aqui. – A governanta parou perto de um vaso que continha os restos de uma planta que havia morrido há muito tempo. Abriu a porta.
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Prudence sentiu a mão de Sebastian apertando suavemente seu braço como se instintivamente desejasse deixá-la mais atrás. Prudence esquadrinhou a biblioteca de Bloomfield e perguntou-se porque que estava tão sombria a esta hora do dia. Prudence olhou ao redor e se deu conta que haviam fechado todas as cortinas. Apenas uma lamparina ardia em um canto. Por trás de uma escrivaninha estava um homem maciçamente obeso, de olhos saltados, cabelos desgrenhados e uma barba que chegava à metade de seu peito, suficientemente grisalha para indicar que provavelmente estaria próximo dos cinquenta anos. Tinha as mãos apertadas fortemente sobre a mesa e não ficou em pé. ─ Suponho que você seja Bloomfield. – Falou Sebastian. ─ Sim, sou Bloomfield. – As sobrancelhas se uniram rapidamente em cima dos olhos pálidos de Bloomfield. – E, suponho que você seja Angelstone. ─ Sim. ─ Mmmmmm. Desejava consultar Lady Angelstone à sós. Um assunto Professional, entende? – Parecia que Bloomfield estava trêmulo apesar de fazer muito calor naquele ambiente. ─ Eu não permito que minha esposa tenha consultas privadas com clientes masculinos. Tenho certeza de que você pode entender a minha posição. Se desejar falar com ela, deve fazê-lo na minha presença. ─ Bah. Como se eu fosse tentar me aproveitar ela. – disse Bloomfield com aspereza – Não me interesso por mulheres. ─ Sobre o quê desejava me consultar Lord Bloomfield? – Prudence avançou cuidadosamente através da pilha de exemplares velhos do Morning Post e do Gazette. Encontrou uma cadeira em frente à mesa e sentou-se. Pensou que não tinha sentido esperar que lhe dessem permissão, pois era óbvio que Bloomfield não se interessava por amabilidades sociais. Durante o desjejum havia conversado com Sebastian sobre a estratégia a seguir. Estavam de acordo que Prudence manteria a atenção de Bloomfield centrada sobre ela durante todo o tempo possível, para que Sebastian tivesse liberdade de observar o homem e o ambiente. Contudo, agora que havia visto a monumental
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desordem que reinava no recinto, Prudence não acreditava que Sebastian fosse capaz de observar muita coisa. Bloomfield voltou o seu olhar para Prudence. ─ Eu fui informado que você é uma autoridade em fenômenos espectrais, Lady Angelstone. ─ Estudei o assunto a fundo. – concordou Prudence modestamente. A expressão de Bloomfield tornou-se astuta. ─ Encontrou-se realmente alguma vez, com um fantasma? Por alguma razão, a lembrança da presença que pensou ter detestado no quarto negro de Curling Castle cruzou rapidamente a mente de Prudence. ─ Houve um momento em que acreditei que pudesse ter descoberto um exemplo de fenômeno espectral genuíno – disse lentamente ─. Porém não encontrei provas que fundamentassem as minhas conclusões. Pelo rabo do olho, viu que Sebastian a olhava com surpresa. ─ Pelo menos é honesta, não é como alguns charlatões com os quais falei. Afirmam que falam constantemente com os fantasmas, sim senhor. Dizem-me o que pensam que quero ouvir, apenas para cobrar os honorários. ─ Não cobro pelos meus serviços. – Disse Prudence. ─ Foi o que me disseram. Essa foi uma das razões pelas quais lhe enviei uma mensagem. – Um ruído baixinho interrompeu Bloomfield, ao invés de olhar com indiferença para ver o que havia causado, saltou como um louco da cadeira. ─ O que foi isso? – Perguntou agudamente – O que causou esse ruído? ─ Foi uma pilha de jornais que caiu no chão. – Sebastian sorriu e caminhou pela biblioteca até onde os vários exemplares do Morning Post estavam espalhados pelo chão. – Vou recolhê-los. Tremendo, Bloomfield cravou o olhar nos jornais como se nunca os tivesse visto. ─ Deixe-os. ─ Não custa nada voltar a colocá-los no lugar. – Sebastian se agachou para levantar os jornais, enquanto Bloomfield virava-se para Prudence, com urgência.
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─ Não farei rodeios, milady, pois tenho razões para acreditar que um fantasma está me perseguindo. Quero saber se posso me livrar dessa coisa antes que ela me mate, como fez com os outros. Prudence olhou para os estranhos olhos de Bloomfield e soube que ele acreditava em cada palavra que havia dito. Voltou a tirar de sua frente as pontas caídas do laço púrpura. ─ Você conhece a identidade desse fantasma? ─ Ah, sim, sim, eu a conheço. – Bloomfield extraiu um lenço do bolso e enxugou a testa. – Disse que se vingaria, e até esse momento já matou dois de nós. Cedo ou tarde chegará até mim. ─ Qual o nome desse Fantasma? – Perguntou Prudence. ─ Lillian. – Bloomfield cravou o olhar no lenço que tinha entre as mãos. – Era muito bonita, porém não queria para de gritar. No final tiveram que calar a sua boa com um pano. Prudence sentiu que suas mãos umedeciam dentro de suas luvas. Trocou um breve olhar com Sebastian, que havia acabado de arrumar os jornais e estava tranquilamente de pé, nas sombras. Prudence imediatamente percebeu que estava muito contente que ele tivesse insistido em acompanhá-la dessa vez. Animou-se e virou-se novamente para Bloomfield. ─ O que fizeram com Lillian? – Perguntou Prudence, mas realmente não queria conhecer a resposta, mas sabia que teria que guiar Bloomfield passo a passo se quisesse conseguir alguma coisa. Bloomfield olhou para a lamparina, perdido em seu mundo particular. ─ Só queríamos brincar com aquela vagabunda. Não era nada mais que uma moça de taberna. E, pagamos pela nossa diversão, mas ela armou um escândalo, e não queria parar de gritar. Prudence cerrou os dedos enluvados e formou pequenos punhos. ─ Por que ela estava gritando? ─ Eu não sei, pois nenhuma das outras mulheres gritou. – As mãos de Bloomfield tremiam ─. Pela maneira que se comportava acreditava-se que fosse muito
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bem educada. Eu até propus que procurássemos outra prostituta que fosse mais cooperativa, mas Curling queria essa. Finalmente, nós a colocamos na carruagem, e conseguimos colocar um pano em sua boca – O rosto de Bloomfield relaxou ─. Isso fez com que os gritos parassem. Prudence rangeu os dentes, encolerizada. ─ Aonde a levaram? ─ Até Curling Castle. Curling tem um quarto para esse tipo de diversão. Criada especialmente para os Príncipes da Virtude. – Bloomfield olhou para ela como se por um momento houvesse esquecido que ela estava ali. Aproximou as sobrancelhas – Esse era o nome do nosso clube, pois apreciávamos a ironia. ─ Compreendo. – Prudence desejava agarrá-lo pela garganta. Sebastian devia sentir a fúria que fervia como uma doença no estômago de Prudence. Moveu-se e colocou-se de pé, exatamente atrás dela, e então Prudence pode sentir a mão de Sebastian sobre seu ombro. ─ Os Príncipes da Virtude, ainda utilizam esse quarto para suas diversões particulares? – Perguntou Sebastian com tom prático, como se tal libertinagem fosse algo normal entre cavalheiros de alta linhagem. ─ O quê? – Bloomfield pareceu ligeiramente confuso ─. Não, não. Tudo já acabou, e nunca mais voltamos a nos encontrar depois desta noite. Ela colocou tudo a perder. Tudo, maldição. ─ Como assim? – Voltou a perguntar Prudence em tom relativamente tranquilo. ─ Ela se matou. – Bloomfield estremeceu. Em seguida, voltou a olhar fixamente para a lamparina. Prudence lutou para manter o controle sobre si mesma. Sua tarefa era arrancar a informação de Bloomfield, não dizer o que pensava sobre ele. ─ Ela se matou pelo que lhe fizeram? ─ Curling a teve primeiro. – Bloomfield falava muito suavemente. – Ela sangrou, e não esperávamos por isso. Curling estava feliz, e disse que havia não havia perdido o dinheiro, em seguida Ringcross e Oxenham se colocaram sobre ela. ─ E, você? – Perguntou Prudence.
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─ Quando chegou a minha vez, as cordas já estavam frouxas, e ela se soltou e correu até a janela. Curling ainda tentou agarrá-la, mas escorregou e caiu. As túnicas, entende? Nós todos usávamos túnicas negras, além do que estávamos muito bêbados para conseguirmos pegá-la a tempo. Prudence se lembrou de um sonho indistinto, onde cortinas negras flutuavam diante de uma janela que se abria para a escuridão. ─ Lillian saltou pela janela? ─ Ficou no parapeito por um instante, em seguida arrancou o pano da boca e virou-se para olhar para nós. Jamais esquecerei seus olhos quando nos amaldiçoou. Nunca, enquanto viver. – Bloomfield bateu o punho contra a mesa ─. Seus olhos me perseguem há três anos. A raiva de Prudence deixou-a engasgada, e durante, literalmente, uns segundos, não conseguiu falar. Foi Sebastian que reassumiu o interrogatório, com tranquilidade. ─ O que ela falou quando amaldiçoou vocês? – Perguntou sem nenhuma evidência em sua voz ─. Quais foram exatamente, as palavras ditas por Lillian, Bloomfield? ─ Vocês pagarão por isto. Deus é minha testemunha, e eu juro que vocês irão pagar. A justiça será feita. – Bloomfield baixou os olhos para suas mãos – A seguir, saltou em direção as pedras que estavam abaixo. Ela quebrou o pescoço. ─ O que vocês fizeram, em seguida? – perguntou Sebastian. ─ Curling disse que teríamos que nos desfazer do corpo. Fizemos com que parecesse que havia se afogado. Nós a envolvemos em uma manta e a levamos para o riacho. – Bloomfield aproximou as sobrancelhas – Ela era bem levinha, não pesava muito. Prudence endireitou os ombros e disse a si mesma que tinha que aguentar até o final da investigação, não importando o quão horrorizada estivesse. ─ E, agora, você acredita que Lillian voltou para exigir a sua vingança. Os olhos de Bloomfield ardiam de terror pouco controlado.
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─ Não é justo. Era apenas uma moça da taverna, nós queríamos apenas um pouco de diversão. ─ As moças de tavernas também possuem sentimentos, como qualquer outra mulher. – disse Prudence firmemente ─. Que direito vocês tinham de obrigá-la a subir na carruagem e levá-la dessa forma? – Refreou-se com um pequeno sufoco, quando os dedos de Sebastian se afundaram em seu ombro. Porém, em seguida, viu que não havia necessidade de se preocupar por ter interrompido a história de Bloomfield, pois este estava novamente, com o olhar perdido na luz da lamparina, pensando em alguma coisa que somente ele poderia ver. ─ É tão injusto – murmurou ─. A vagabunda já se vingou de mim. Por que quer me matar? Já não fez o bastante? Prudence inclinou-se para frente. ─ O que está dizendo? Qual foi a vingança de Lillian contra você? ─ Nunca mais estive com mulher nenhuma depois desta noite – Uivou Bloomfield. Tinha o desespero gravado no rosto, e neste momento não via Prudence, ainda mirava a visão da lamparina. – Não consigo estar com uma mulher, ela destruiu a minha virilidade naquela noite. Prudence começou a dizer-lhe que era correto que estivesse impotente há três anos, mas Sebastian apertou seu ombro mais uma vez, silenciando-a. ─ E, agora, você acha que ela veio matá-lo? – Acrescentou Sebastian calmamente. ─ Ela já matou Oxenham e Ringcross. – Bloomfield cruzou as mãos trêmulas ─. Dizem que a morte de Ringcross foi acidente e que Oxenham se suicidou, porém não é verdade. Sabem? Eu recebi um bilhete. Ele pegou um pequeno pedaço de papel e entregou a Prudence, que leu a breve mensagem. LILLIAN SERÁ VINGADA.
─ De onde veio isto? – perguntou Prudence.
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─ Eu o encontrei na minha mesa, ontem. Ela deve tê-lo deixado ali. Eu quero que você consiga que ela vá embora, e que me deixe em paz. – Disse Bloomfield. ─ Diga-me exatamente, como espera que eu faça isso? – Perguntou Prudence. ─ Entrando em contato com ela. Diga-lhe que eu já paguei a minha parte no ocorrido. Prudence olhou para ele. ─ Pode ser que seja difícil convencê-la a se dar por satisfeita, pois afinal de contas, você ainda está vivo, enquanto ela está morta. ─ Não é justo – disse novamente Bloomfield ─. Eu já paguei pelo que aconteceu, e nem sequer estive com ela. ─ Mas, ficou observando enquanto os demais o faziam – Disse Prudence ─. Além de que você teria tomado o seu lugar, se ela não tivesse pulado para a morte. ─ Mas, eu não mereço ser perseguido até a minha morte, pelo seu fantasma. Eu já lhe disse que paguei o preço. ─ Creio – disse Sebastian friamente ─, que seria prudente que abandonasse a cidade por um tempo. ─ E, de quê serviria isto? – Bloomfield olhou aterrorizado para Sebastian ─. É um fantasma, e encontrou Ringcross e Oxenham, e certamente irá me encontrar, não importa para onde eu vá. Prudence olhou para Sebastian que ao que parecia desejava que Bloomfield abandonasse a cidade. Apertou os lábios, como se estivesse considerando o assunto. ─ A minha opinião profissional, é que existe uma excelente oportunidade para fugir por um tempo, se abandonar a cidade hoje. ─ Não diga a ninguém aonde vai – disse Sebastian ─. Absolutamente, a ninguém. Nem mesmo à sua governanta. Bloomfield sacudiu a cabeça, impotente. ─ Eu não entendo. Quero apenas que Lady Angelstone se encarregue do fantasma de Lillian. Diga-lhe que já obteve a sua vingança. ─ Mas, eu preciso de tempo para refletir sobre a maneira adequada para entrar em contato com ela. – disse Prudence ─. Estas coisas necessitam de investigação e
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planejamento. Angelstone tem razão, e seria bem melhor que você deixasse a cidade por um tempo. ─ Mas, eu não gosto de viajar. – gemeu Bloomfield ─. Em raras ocasiões eu deixo a minha casa, pois fico ansioso. Eu sofro de uma enfermidade nervosa. ─ Pois, eu tenho a impressão de que se não deixar esta casa o quanto antes possível, irá se encontrar sofrendo de algo muito mais debilitante que uma enfermidade nervosa. – disse Sebastian. Bloomfield arregalou os olhos. ─ Ela virá atrás de mim, não é mesmo? ─ É bem provável – disse Sebastian naturalmente. ─ Eu acho que Angelstone esteja com a razão – disse Prudence energicamente ─. É claro que não posso garantir taxativamente a sua segurança em nenhum lugar, pois afinal de contas, estamos falando de um fantasma, mas estou convencida de que se deixar a cidade, imediatamente, e não disser a ninguém para onde vai, talvez possamos ter algum êxito. ─ Pelo menos ganharemos algum tempo para você, Bloomfield – disse Sebastian ─. E, tenho a impressão que o tempo é essencial. Bloomfield olhou para Prudence. ─ Você vai encontrar uma forma de colocar-se em contato com o fantasma de Lillian, enquanto eu estiver fora da cidade? Vai falar com ela? ─ Se eu conseguir encontrá-la, sem dúvida nenhuma, falarei com ela sobre esse assunto – disse Prudence. ─ Muito bem. – Bloomfield se pôs em pé pesadamente ─. Vou preparar o necessário para sair imediatamente. Estou muito agradecido, Lady Angelstone. Não sabia a quem mais procurar. Eu comecei a me preocupar quando Ringcross caiu do quarto da torre, mas quando soube que Oxenham havia morrido, comecei a temer por minha vida. ─ Você foi muito sensato em pedir conselhos à minha mulher. – disse Sebastian ─. Ela é expert nesse tipo de coisas.
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─ Nada mais foi igual depois daquela noite – sussurrou Bloomfield ─. Nada, absolutamente nada. Sebastian tomou Prudence pelo braço. ─ Acho que será melhor sairmos, minha querida. Você tem que trabalhar e tenho certeza de que Bloomfield deseja partir o quanto antes possível. Prudence não disse nenhuma palavra enquanto Sebastian a guiava através do intricado labirinto de amontoados confusos que enchiam a tenebrosa biblioteca. Prudence olhou uma vez para trás, quando chegou à porta. Bloomfield estava de pé atrás da mesa, com os medos interiores facilmente visíveis aos olhos de alguém. Olhava para baixo, para a lamparina. Sebastian e Prudence caminharam rapidamente pelo vestíbulo até a porta, nenhum dos dois sentia a mínima vontade de esperar a governanta. Sebastian abriu a porta e arrastou Prudence para fora, para a fria luz do sol. ─ Diga-me querida – disse Sebastian suavemente, enquanto ajudava que ela subisse na carruagem, que os esperava ─. O que você diria exatamente, ao fantasma de Lillian caso conseguisse falar com ela? Prudence apertou o regalo que estava em seu colo. ─ Eu diria que acho que ela tem todo o direito de se vingar dos Príncipes da Virtude, e lhe desejaria boa sorte na tarefa. Dir-lhe-ia que Jeremy a amava demais e que ele também pensa em vingá-la. ─ Sim. – Sebastian sorriu o mais gelado dos sorrisos, enquanto sentava-se frente a ela. ─. Acho que seria uma mensagem muito adequada. Porém, de alguma maneira, não creio que o fantasma de Lillian esteja por atrás das mortes de Ringcross e Oxenham. Prudence respirou fundo para acalmar-se. ─ Eu percebi isso quando você sugeriu que Bloomfield deixasse a cidade. Foi para a sua própria proteção, Sebastian? Você quer que ele desapareça por um tempo para que não seja vítima da pessoa que matou Ringcross e Oxenham? Por que não avisar Curling também?
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─ Não me interesso particularmente se Curling e Bloomfield apareçam mortos. Por esse aspecto, todos os Príncipes da Virtude merecem morrer sob a maldição de Lillian, mas eu queria Bloomfield fora de campo, para eu poder revistar esse mausoléu, sem pressa. Esse comentário afastou a atenção de Prudence da sua revolta e tornou a centrá-la na investigação. ─ Você vai revistar a casa? ─ A biblioteca, pelo menos – Sebastian recostou-se contra as almofadas ─. Pelo visto, Bloomfield não tirou coisa alguma de dentro da casa nos últimos três anos, desde a morte de Lillian. Deve ser interessante examinar o conteúdo desse escritório. ─ Eu irei acompanhá-lo. ─ Veja bem, Prue... ─ Dentro do meu campo Professional, é claro – Empurrou para o lado o laço que estava pendurado e deu-lhe uma olhar determinado ─. Devo insistir nisso, Sebastian. Afinal de contas, eu dei a minha palavra lord Bloomfield que iria tentar entrar em contato com o fantasma de Lillian. ─ Não acho que seja prudente. ─ Não irá acontecer absolutamente nada milord. Se nos encontrarem, simplesmente irei explicar que estou investigando os fenômenos espectrais para o meu cliente. Os olhos de Sebastian brilharam. ─ Muito bem, minha querida. Se nos encontrarem, irei deixá-la encarregada das explicações. Mas, tenha em mente que a última vez, você terminou comprometida comigo. ─ Dificilmente eu poderia esquecer milord. Prudence desejou ardentemente saber se Sebastian ouvira ou não a declaração de amor da noite anterior. À uma hora da manhã, Sebastian acendeu a lamparina do escritório de Bloomfield, extraiu o arame que escondera na manga e o inseriu na fechadura. ─ Sempre leva isso com você? – Perguntou Prudence.
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─ Sempre. Entrar na casa havia sido relativamente simples, pois a fechaduras de Bloomfield eram grandes e de aparência ameaçante, mas não particularmente complicadas. Sebastian as abriu sem esforço e Prudence estava sinceramente admirada do seu talento. ─ Este lugar é muito pior de noite do que de dia – sussurrou Prudence. Ela estava perto, em pé, espiando por cima do ombro de Sebastian, que trabalhava na fechadura da mesa – Não sei como Bloomfield consegue viver em uma casa tão escura e abarrotada. Eu ficaria louca. Sebastian não levantou os olhos do seu trabalho. ─ Ele já está louco, caso você ainda não tenha notado. ─ É muito difícil não notar, pois ele é um homem muito estranho. ─ Pelo menos, teremos a casa só para nós. Sem dúvida, Bloomfield não demorou muito para deixar a cidade, hoje. Ele realmente tem medo do fantasma de Lillian. – Sebastian sentiu alguma coisa ceder dentro da fechadura, e a satisfação percorreu o seu corpo. ─. Ah, sim amor. É isso. Abra-se para mim. Agora, com calma, deixe-me entrar. Lindo. Prudence reclamou, levemente irritada. ─ Você tem noção de que fala com as fechaduras da mesma forma que fala comigo, quando fazemos amor? ─ Naturalmente. Uma magnífica e inteligente fechadura, e você, têm muita coisa em comum. Ambas são infinitamente divertidas. ─ Sebastian, às vezes você é impossível. ─ Obrigado, eu tento! – Sebastian abriu a primeira gaveta e examinou o abarrotado interior – Maldição. Isso vai levar algum tempo. A nova capa púrpura de Prudence flutuou contra as botas de Sebastian, quando ela se aproximou mais. ─ Parece que Bloomfield guardava seus documentos de qualquer maneira. ─ Acho que era de se esperar. Aqui, segure esses. – Sebastian lhe entregou um maço de papéis ─. E, eu vou olhar estes.
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Extraiu três diários da gaveta. ─ Eu devo procurar o quê? ─ Não tenho certeza. Qualquer coisa que faça referência a Ringcross, Oxenham ou Curling seria, sem dúvida nenhuma, muito interessante. Também, qualquer coisa que faça menção a uma grande soma de dinheiro. De preferência, ambas as coisas. Prudence levantou os olhos, curiosa. ─ Não estou entendendo. ─ É muito simples, minha querida. Há poucos motivos para um assassinato. Vingança, cobiça ou loucura. Não acho que estamos lidando com um louco. ─ Mas, já decidimos que a vingança é uma clara possibilidade. ─ Sim, mas a única pessoa por aqui que parece ter uma razão para vingar-se, além de nosso fantasma, é Jeremy. E, se você estiver com a razão ao pensar que ele não sabia nada sobre as mortes de Ringcross e Oxenham, devemos, então, examinar a terceira possibilidade. A luz da lamparina refulgia nas lentes dos óculos de Prudence. ─ Cobiça? ─ Exatamente. ─ E, o que acontece se não encontrarmos nada que indique que seja esse o motivo? Sebastian abriu o primeiro diário. ─ Então, devemos voltar a considerar as possibilidades de vingança ou loucura. Prudence mordeu o lábio inferior. ─ O que você faria de descobrisse que Jeremy está por trás das mortes? Sebastian percorreu com o dedo uma longa lista de números. ─ Eu o levarei para o lado e lhe darei um severo sermão. Prudence piscou assombrada. ─ Um sermão sobre os malefícios de se cometer um assassinato? ─ Não. Um sermão sobre o prejuízo de se deixar provas que possam identificálo como o assassino. Se Jeremy deseja vingar-se, terá que ser mais eficiente e um pouco menos melodramático, nesse assunto.
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Prudence sorriu ternamente. ─ Isso significa que você decidiu que não deseja que o prendam? ─ Eu cheguei à conclusão de que não seria muito divertido. Era mais de duas da manhã, quando Sebastian finalmente descobriu o que havia começado a suspeitar que pudesse encontrar. O conhecido impulso de satisfação percorreu rapidamente por suas veias. O instinto lhe dizia que havia encontrado a chave do mistério. ─ Ah, sim! – disse ─. Deve ser isto! ─ O que é? – Prudence deixou a pilha de velhos recibos que estava examinando. Sebastian sorriu enquanto lia o acordo comercial que havia encontrado no fundo da gaveta inferior. ─ A razão que explica muito bem as mortes de Ringcross e Oxenham. Também, explica a razão do falecimento de Bloomfield, caso isso chegue a acontecer. ─ Nem loucura, nem vingança? ─ Não, apenas o mais simples de todos. – Sebastian voltou a dobrar o documento ─. Cobiça.
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Capítulo 18
Dez minutos mais tarde, Sebastian entrou na carruagem atrás de Prudence. Fechou as cortinas, enquanto o veículo pela cidade acendeu a lanterna, e desdobrou o documento que descobrira no escritório de Bloomfield. Prudence estava sentada em frente a ele, enroscada profundamente na capa, observando ansiosa, enquanto Sebastian estudava os papéis. ─ Conte logo para mim, Sebastian. Estou morta de curiosidade. Sebastian levantou os olhos por um momento e aproximou as sobrancelhas, concentrado. A seguir viu o olhar de Prudence e sorriu. Ela desfrutava de tudo isso, tanto quanto ele. Surpreendeu-se novamente diante da ideia de como fora afortunado pela escolha de sua esposa. Ninguém mais, exceto sua estranha Prudence seria capaz de entender como ele se sentia nesses momentos, inclusive compartilhar com ele essa emoção. E, ela o amava. ─ E, então, Sebastian? Não me deixe nesse suspense. – Sebastian voltou a sua atenção para o documento. ─ É um acordo comercial formado com o propósito de investimento numa empresa marítima. – Sorriu ─. Os diretores da firma são Ringcross, Oxenham, Bloomfield e Curling. Prudence o olhava perplexa. ─ Os Príncipes da Virtude fazem negócios juntos? ─ Exatamente. Este documento foi feito há três anos e meio. Vendiam ações da companhia e investiam o dinheiro em uma série de empresas. ─ E, o que isso tem a ver com as mortes de Ringcross e Oxenham? Sebastian estudou o documento legal, procurando os detalhes. ─ De acordo com esse pacto, se algum dos membros do grupo morresse os demais ficariam com a sua parte na companhia. – Levantou os olhos ─. Seguindo essa lógica, se morressem três dos quatro membros, então o último herdaria a companhia.
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Prudence entendeu rapidamente. Abriu os olhos ao absorver a conclusão óbvia. ─ Curling. ─ Sim. – Sebastian sorriu com fria satisfação ─. É possível que seja Bloomfield, porém, acredito que seja Curling. É óbvio que Bloomfield está muito transtornado para conceber, e muito menos para levar a cabo este plano tão elaborado. ─ Você acha que Lord Curling matou dois de seus amigos? ─ Acho bem provável. Sem dúvida, Bloomfield era o próximo da lista. Pensativamente, Prudence batia com o dedinho enluvado, sobre o assento. ─ As primeiras mortes não despertaram suspeitas. Todos supunham que a queda de Ringcross fosse um acidente, e que a morte de Oxenham fosse suicídio. Poderia ser muito simples fazer com que a morte de Bloomfield parecesse suicídio também. Todos já o consideram um louco. Então, por que o trabalho de tentar implicar Jeremy como assassino? ─ Porque com o tempo alguém poderia se questionar sobre as mortes convenientes dos três homens que faziam negócios com o quarto – disse Sebastian ─. Especialmente quando o quarto fica imensamente rico ao conseguir o controle completo da companhia. ─ Então foi por isso que Curling, se ele estiver por trás das mortes, decidiu tomar precauções? ─ Essa é a conclusão lógica. Proteger a si mesmo e tentar implicar alguém que parecesse culpado. Sem dúvida, precisava de um motivo para essa outra pessoa. ─ Curling em algum momento deve ter descoberto que Jeremy estava apaixonado por Lillian – disse Prudence ─. Portanto, percebeu que o seu primo tinha um motivo perfeito para assassinar os Príncipes da Virtude. ─ Colocou Bow Street para investigar para parecer completamente inocente, quando tudo viesse à tona. Quem suspeitaria do homem que havia ordenado a investigação? – Sebastian pensou sobre a conduta de Curling na noite anterior ─. Especialmente, quando esse homem deixou muito claro que temia pela sua vida. Com um puxão, Prudence se envolveu ainda mais na capa. Estava com o rosto encoberto pelo capuz.
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─ Se estivermos certos em supor que Curling é o assassino, então temos que considerar outro aspecto bem interessante dessa investigação. ─ Qual aspecto? ─ Não podemos ignorar o fato de que você faz as investigações para Whistlecroft. Portanto, você não acha que é uma extraordinária coincidência que a pessoa encarregada da tarefa encontre nas cenas dos crimes provas que implicam um membro de sua própria família? Sebastian sorriu lentamente em apreciação. ─ Querida, há momentos em que não tenho muita certeza do que admiro mais em você: a sua astúcia, ou a resposta apaixonada na cama. ─ Sebastian. ─ Eu sei, é uma decisão muito difícil, mas por sorte, para mim, não tenho que decidir entre as duas, pois posso desfrutar de ambas. Bem, você tem toda razão. Não podemos pensar que a minha participação nesta investigação, em particular, tenha sido apenas mera coincidência. ─ Como você acha que Curling soube do seu passatempo? ─ Se ele foi capaz de saber do afeto de Jeremy por Lillian, então é porque deve ter excelentes fontes de informações. Prudence enrugou a testa. ─ Mas, quem poderia tê-lo informado? Sebastian encolheu os ombros. ─ Whistlecroft, sem dúvida. Eu mesmo não consigo entender porque ele passou essa informação ao Curling. Whistlecroft sempre esteve mais interessado que eu em manter em segredo o meu passatempo, pois gosta de receber todo o reconhecimento pela investigação para poder cobrar as recompensas. ─ Bem, suponho que não importa muito como Curling soube do seu interesse, mas acontece que ele soube. – Prudence sacudiu a cabeça desgostosa ─. Nas cenas dos crimes ele deixou provas que implicavam o pobre Jeremy, confiando que você as encontraria e as identificaria. ─ Coisa que eu fiz.
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─ Não posso imaginar o que fez Curling acreditar que você ficaria ansioso para ver Jeremy ser preso por assassinato. ─ Todos sabem que não sinto nenhum afeto por minha família. – Disse Sebastian. ─ Sim, mas Curling teria que levar em conta que nos fim das contas, família é família. Deveria ter percebido que você protegeria Jeremy. Sebastian levantou uma das sobrancelhas. ─ Querida, às vezes você me deixa alarmado por causa da sua ingenuidade. Curling foi muito mais pragmático que você em sua lógica. Ele conhecia a minha opinião sobre o resto dos Fleetwood, além de ter todos os motivos para suspeitar que eu não levantaria um dedo para proteger nenhum deles. Prudence olhou para ele severamente. ─ Não brinque com esse assunto, milord. Você sabe muito bem que nunca permitiria que enforcassem o Jeremy. Sebastian sorriu para ela. ─ A sua fé ilimitada em minha forma de ser, nunca deixa de me divertir, querida. Prudence enrugou a testa. ─ O que vamos fazer agora? Não podemos provar que Curling está por trás dos assassinatos. Até agora, tudo o que conseguimos foi impedir que as provas contra Jeremy não caíssem nas mãos das autoridades. Talvez, não tenhamos tanta sorte na próxima vez. ─ Creio que é hora de ter outro encontro com o meu primo – Disse Sebastian. ─ Agora? ─ Não posso imaginar outra hora melhor – disse Sebastian ─. São quase três horas da manhã. Certamente, ele deve estar em seu clube preferido. ─ Vou com você. – disse Prudence, ansiosa. ─ Você não vai comigo – disse Sebastian calmamente ─. Você sabe perfeitamente bem que não permitem entrada de mulheres em um clube masculino.
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─ Sou perfeitamente consciente disto. – Prudence sorriu serenamente ─. Vou esperar com você na carruagem até que Jeremy saia do clube. ─ Maldição! – murmurou Sebastian, mas em suas palavras não havia muito ardor, pois estava aprendendo a reconhecer uma batalha perdida quando a via. Não precisaram esperar muito na névoa da St. James Street, antes que Jeremy saísse. Sebastian observou como seu primo descia as escadarias, e se dirigia ao coche de aluguel. Notou com satisfação que o passo de Jeremy parecia estável. Sebastian abriu a porta da carruagem assim que Jeremy passou ao lado. ─ Quero falar com você, primo. ─ Que inferno? – Sobressaltado, Jeremy olhou para a carruagem na penumbra. Seu olhar foi de Sebastian para Prudence ─. O que você está fazendo aqui, Lady Angelstone? Prudence sorriu tranquilizadora. ─ Desejamos falar com você sobre um assunto muito urgente, Mr. Fleetwood. Você se incomodaria em nos acompanhar? Jeremy hesitou claramente indeciso entre os bons modos, e um característico enfado diante da presença de Sebastian. Os bons modos ganharam. ─ Muito bem. – Entrou na carruagem e sentou-se ─. Confio que seja rápido, estou indo para casa. Foi uma noite muito longa e tenho intenção de assistir uma luta de boxe, pela manhã. ─ Trata-se de Lillian – Disse Sebastian serenamente. Fechou a porta da carruagem. ─ Lillian? – Jeremy olhou para ele, enquanto a carruagem avançava com estrondo ─. Já não falamos o bastante a respeito? ─ Soubemos como ela morreu há pouco tempo – disse Sebastian ─. Eu pensei que você deveria saber a verdade. ─ Não estou entendendo, eu lhe disse que Lillian morreu afogada. Prudence tocou o braço de Jeremy. ─ Escute Angelstone, Mr. Fleetwood. Sua amada Lillian não se afogou. Quatro homens terríveis a conduziram à morte.
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Jeremy olhou para ela, assombrado. ─ Não estou entendendo. – repetiu. ─ Tampouco nós, até esta noite. – Sebastian voltou a acender a lanterna do coche. Recostou-se contra o canto do assento e contou calmamente a Jeremy toda a história, incluindo a sua participação na investigação. Quando terminou, pensou que foi muito bom ter levado Prudence com ele, pois de outra forma, talvez Jeremy não tivesse acreditado. Mas, a presença de Prudence e seu ar de autêntica preocupação deram credibilidade à história. Jeremy olhou para ela várias vezes em busca de conformação. E, a cada vez, Prudence assentia com sobriedade. ─ É verdade, Mr. Fleetwood – disse finalmente ─. Absolutamente tudo. Eu mesma ajudei a interrogar Bloomfield. ─ E, foi Curling quem tentou implicá-lo nas mortes de Ringcross e Oxenham – acrescentou Sebastian ─. Ele assegurou deliberadamente, que eu encontraria as provam que o incriminavam. Jeremy franziu a boca. ─ Porque ele pensou que você aproveitaria a oportunidade de me ver preso por assassinato. ─ Sim. ─ Está me dizendo que de vez em quando você se mete em investigações como esta? – Jeremy olhou para Sebastian. ─ Sim. ─ Mas, por que você faz coisas assim, em nome de Deus? Sebastian encolheu os ombros. ─ Eu me divirto. Prudence empurrou o capuz de sua capa um pouco para trás. ─ Curling calculou mal, certamente. Ao que parece, não percebeu que como chefe de família, Sebastian não vacilaria em protegê-lo. ─ Eu lhe peço desculpas Lady Angelstone – disse Jeremy, nervoso ─, Porém é óbvio que é tão difícil para Curling acreditar nisto, quanto para mim.
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─ Bobagem – disse Prudence ─ Outro dia mesmo, eu lhe disse que não havia nenhuma dúvida sobre onde estava a lealdade de Sebastian. Sebastian olhou para ela com olhos indecifráveis. ─ Não precisa entrar em detalhes, milady. Jeremy olhou para ele, e voltou a olhar para Prudence. ─ Então, é verdade que esses quatro homens abusaram da minha pobre Lillian e a conduziram à morte? Prudence assentiu tristemente. ─ Embora não tenhamos nenhuma dúvida a respeito, nunca conseguiremos provar. Jeremy entrecerrou os olhos. ─ Não me importo se pode provar ou não, Lady Angelstone, contanto que tenha certeza dos fatos. ─ Temos toda certeza possível. ─ Prudence olhou para Sebastian ─. Não é verdade, milord? ─ Acredito na história de Bloomfield. ─ Sebastian observou que a mão enluvada de Jeremy formava um punho. – Porém, eu acho que será possível obtermos uma confirmação. A cabeça de Jeremy girou em direção a Sebastian. ─ De quem? ─ Do próprio Curling – disse Sebastian lentamente. Olhou Jeremy nos olhos ─. Sugiro que você e eu falemos com ele. Jeremy titubeou e estudou o rosto de Sebastian. A seguir levantou bruscamente o queixo. ─ Por Deus, sim! ─ Obviamente, está na hora de fazer planos. – Prudence olhou para Sebastian expectante ─ O que faremos primeiro? ─ Querida, primeiro, Jeremy e eu iremos levá-la para casa. ─ Ah, não, milord, você não pode me deixar fora do caso, agora. Jeremy enrugou a testa.
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─ É impossível que nos acompanhe Lady Angelstone. Este é um assunto de homens. Não é mesmo, Angelstone? ─ Sim – disse Sebastian, surpreso pela veemência na voz de Jeremy ─. É, sim. Preparou-se quando Prudence abriu a boca para protestar, e disse a si mesmo que desta vez, não iria ceder. Mas, para seu espanto, Prudence fechou a boca sem dizer uma única palavra.
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Eram quase quatro horas da manhã quando finalmente Sebastian ficou a sós com Jeremy, na carruagem. Os dois estavam indo para a casa de Curling. Prudence havia mantido um silêncio incomum durante todo o trajeto para casa, acompanhada por Sebastian, que rapidamente a mandara para a cama, porém ele sabia que ela o esperaria acordada para saber todos os detalhes, assim que ele chegasse a casa. ─ Vou desafiar o Curling, certamente. – Disse apressadamente Jeremy, assim que a carruagem se colocou em movimento. ─ Sério? ─ É tudo que posso fazer para vingar a pobre Lillian. Quando penso em tudo o que lhe aconteceu naquela noite, meu sangue ferve. ─ Arriscar o seu pescoço em um duelo não irá trazê-la de volta – disse Sebastian calmamente. Os olhos de Jeremy brilharam. ─ Tenho intenção de matá-lo. ─ Você é um bom atirador? ─ Faz algum tempo que venho praticando na galeria Manton. Sebastian sorriu brevemente. ─ A sua mãe conhece o seu interesse por este esporte? Jeremy se movimentou incomodamente. ─ Não, é claro que não. Ela não iria aprovar. Sebastian escutou o ruído das patas dos cavalos sobre o pavimento.
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─ Diga-me primo. Alguma vez você esteve em um duelo de verdade? ─ Bem, não, porém tenho certeza de que acertaria o meu alvo. ─ Atravessar uma bala no corpo de um homem que está apontando para o seu coração com uma pistola, não é exatamente a mesma coisa que acertar um alvo em Manton – disse Sebastian com segurança ─. Você precisa ter gelo nas veias. Você é muito afoito para um duelo. Jeremy olhou para ele, irritado. ─ Há boatos que você já participou de um ou dois duelos em sua vida. Sebastian olhou indolente para ele. ─ Os duelos são ilegais. Jeremy afastou os olhos de Sebastian, embaraçado. ─ Sim, milord, eu sei. – Pigarreou ─. Você é tido como uma lenda, e eu sei que está bem consciente disso. Você é um homem do mundo, e gostaria que me desse algumas ideias sobre como levar a cabo um duelo. ─ A sua mãe não aprovaria. ─ Para o inferno com a minha mãe. – Os olhos de Jeremy tornaram-se subitamente ferozes ─. Não é problema dela. Eu preciso fazer isto por Lillian. Você não entende? Eu a amava. Sebastian pensou que Jeremy falava muito a sério, e tomou sua própria decisão. ─ Muito bem. Se chegar a um duelo, eu serei um de seus padrinhos. Jeremy estava surpreso. ─ Verdade? ─ Sim. ─ Bom Angelstone – Jeremy olhou para ele com assombro ─. É muita bondade de sua parte, eu lhe agradeço. ─ Espero que você se dê conta de que se o matarem, a sua mãe dirá que eu sou o culpado. E, a minha esposa também. – Sebastian sorriu sem vontade ─. Eu posso me encarregar da sua mãe, mas não nem quero nem pensar no meu futuro se Lady Angelstone chegar à conclusão de que não fiz nada para evitar que o matassem.
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─ Não tenho nenhuma intenção de morrer – disse Jeremy ─. O meu objetivo é meter uma bala no corpo de Curling. ─ Não, primo – disse Sebastian calmamente ─. O objetivo é destruir Curling. Desafiá-lo para um duelo será nosso último recurso. ─ Por quê? ─ Os resultados seriam muito incertos. Por exemplo: ele poderia sobreviver, inclusive depois de você meter uma bala em seu corpo. Muitos homens sobrevivem. Creia-me, há muitas maneiras mais confiáveis de alcançar o nosso objetivo. Jeremy o observou enquanto a carruagem se dirigia estrondosamente rua abaixo. ─ O que você sugere que se faça para destruir Curling? Sebastian explicou o plano que estivera arquitetando desde o momento que descobriu o acordo comercial que unia os Príncipes da Virtude. Chegaram à casa de Curling uma hora antes do amanhecer. A névoa aumentava rapidamente e se fazia mais espessa. O mordomo de Curling, desalinhado e irritado por ter sido tirado da cama tão cedo, abriu a porta. ─ Diga ao seu patrão que Angelstone está aqui para vê-lo. – disse Sebastian. ─ Sua Senhoria chegou há apenas uma hora – disse o mordomo ─. Não gosta que o acordem. Sebastian sorriu. ─ Não me interesso nem um pouco o que o agrada, ou não. O mordomo observou o sorriso Sebastian. ─ Muito bem, milord. Se você e seu amigo entrarem na casa, eu irei me encarregar que informem sobre a sua presença a Sua Senhoria. – Afastou-se majestosamente. Sebastian olhou Jeremy que estava rígido pela tensão e pelo ódio. ─ Acalme-se Jeremy, ou, pelo menos tente dar a impressão de que está tranquilo. Nada altera mais os nervos do inimigo do que parecer indescritivelmente divertido, ou até mesmo entediado.
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─ Você deve saber – disse Jeremy secamente ─. Você é um mestre nesse assunto. Eu daria uma fortuna para saber como você consegue parecer tão absurdamente feliz, ou extremamente entediado em uma situação como essa. ─ Se por um acaso você não recorda, eu tenho o dom da interpretação no meu lado da família. Jeremy especulava enquanto disse: ─ Muitas pessoas dizem que você é frio por natureza. Sebastian pensou em Prudence que o esperava em casa. ─ E, algumas dizem que não... O som de vozes que vinha da escadaria chamou a atenção de Jeremy. ─ Aí vem Curling. ─ Permita que eu dirija a entrevista – disse Sebastian calmamente. ─ Sim, milord. Curling, vestido em uma bata cinza prateada, passou a mão pelo cabelo, enquanto descia as escadas. Estava com a expressão levemente irritada, apropriada em um homem que havia sido acordado bruscamente, porém seus olhos estavam alertas e vigilantes. ─ Mas, que demônios você deseja à uma hora execrável como esta, Angelstone? – Dirigiu um olhar inexpressivo a Jeremy ─. Espero que você seja rápido. ─ Seremos breves – Assegurou Sebastian ─. Não seria melhor irmos para a biblioteca? Curling encolheu os ombros e os guiou à pequena biblioteca que se abria para o vestíbulo. Fez um gesto informal na direção das cadeiras e se dirigiu à mesa do conhaque. ─ Acompanham-me em uma taça? ─ Não. – disse Sebastian. Sentou-se em uma poltrona e cruzou a perna sobre o joelho de maneira indiferente. ─ Não. – disse Jeremy com o mesmo tom frio. Deu uma rápida e furtiva olhada em Sebastian e sentou-se também. Não conseguiu obter o mesmo grau de indiferença em sua atitude, porém era óbvio que estava se esforçando para chegar lá.
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─ Como desejarem. – Curling se serviu de uma taça de conhaque e virou-se para enfrentá-los com um olhar impenetrável ─. E, então? O que é tão importante para que tenham pensado em me visitar a esta hora? ─ Estamos aqui para falar sobre as mortes recentes de dois de seus sócios comerciais – disse Sebastian. ─ Sócios comerciais? ─ Ringcross e Oxenham. Curling bebeu o conhaque. ─ O que o faz pensar que eles sejam meus sócios? Sebastian sorriu. ─ O documento que encontrei na escrivaninha de Bloomfield. Pelos termos do contrato, fica bem claro que agora você está muito mais rico do que há poucos dias. E, se conseguir assassinar Bloomfield, inclusive, ficará ainda mais rico. Curling ficou imóvel. ─ Por Deus homem! Você me acusa de assassinar os meus sócios comerciais? ─ Sim. – disse Sebastian – É isso mesmo. ─ Que bobagem! – Curling deu um rápido olhar para Jeremy com os olhos semicerrados ─. Ringcross morreu por uma queda e Oxenham se suicidou. ─ Desista – disse Sebastian ─. Eu já sei de tudo, inclusive como tentou implicar o meu primo. Estou muito interessado em saber como se interou que de vez em quando, eu faço investigações para Bow Street, mas isso não é importante agora. ─ Você está louco – disse Curling irritado. ─ Não. E, Bloomfield tampouco, pelo menos não totalmente. Ele me contou o que os Príncipes da Virtude fizeram com Lillian. Jeremy apertou firmemente os braços da cadeira. ─ Sequestraram-na. Violaram-na. Levaram-na para a morte. Curling virou-se para ele com o olhar fulminante. ─ Não passava de uma garota da taverna. Ela nos foi vendida por seu tio, por aquela noite. Nós pagamos pelos seus serviços.
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─ Ela não era uma prostituta – gritou Jeremy ─. Nunca aceitaria deitar-se com vocês, que a sequestraram, seu desgraçado. ─ Besteira – Curling curvou a boca com desprezo ─. Não era nada além de uma rameira barata, com pernas bonitas. ─ Nem se quer nega? – perguntou Jeremy incredulamente. ─ E, por que haveria de fazê-lo? – perguntou Curling ─. Eu reconheço uma boa fêmea quando vejo. E, como lhe disse, paguei bem por ela. ─ Maldito. – Jeremy estava com metade do corpo de fora da cadeira. ─ Sente-se – disse Sebastian suavemente. Jeremy vacilou e em seguida caiu relutantemente sobre a cadeira. ─ Vocês a estupraram. – Acusou. Curling levantou um ombro indiferente. ─ Admito que tive minha vez com ela. Não era muito experiente, se querem saber a verdade. O velho nos assegurou que era virgem e realmente acho que tinha razão. O olhar de Jeremy era de puro ódio. ─ Filho da puta! Curling estava se divertindo. ─ Então, era verdade que estava apaixonado por ela, não é mesmo? ─ Sim, eu a amava. Maldição! ─ E, foi por isso que matou Ringcross e Oxenham, não é verdade? – concluiu Curling tranquilamente – Pensou que estaria vingando a sua pequena rameira da taverna. ─ Eu não os matei – sussurrou Jeremy ─. Porque não sabia que eram culpados, mas tenho intenção de ver você destruído pelo que fizeram à Lillian. ─ Destruído? – Curling riu entre os dentes – Como você planeja destruir-me? Sebastian decidiu que já era hora de voltar a comandar o assunto. Sabia que seria difícil governar a natureza ardente de Jeremy. ─ Curling não tem sentido ficarmos arrastando esse assunto, basta que confesse que matou Ringcross e Oxenham, conforme eu acredito.
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─ Você não tem certeza. ─ Você é o único que tinha motivos – contestou Sebastian, com calma. ─ O seu primo também tinha motivo – replicou Curling –. Vingar a vagabundazinha da taverna. ─ Não, não é por aí, porque ele não sabia o que os Príncipes da Virtude haviam feito à Lillian, até que eu contei para ele. As narinas de Curling se dilataram. ─ Como você pode ter certeza? ─ Digamos apenas que eu confio em meus instintos. –. Sebastian apoiou negligentemente uma de suas mãos sobre a bota ─. Não que fosse importante. Se eu pensasse que Jeremy havia matado Ringcross e Oxenham para vingar Lillian, eu nem me interessaria pessoalmente pelo assunto. ─ Estamos falando de assassinato – disse Curling rapidamente. ─ E, daí? Eles mereciam serem assassinados. Se Jeremy houvesse sido o responsável, minha preocupação principal seria me ocupar de que na próxima vez, ele não deixasse nenhuma prova no local do crime. Jeremy olhou assombrado para Sebastian. A ira borbulhava nos olhos de Curling. ─ Maldição Angelstone. Você está dizendo que protegeria um Fleetwood das autoridades, mesmo que ele fosse culpado de assassinato? ─ Prefiro não dar declarações generalizadas – disse Sebastian – Mas, sem dúvida, eu posso lhe assegurar que não vou entregar o meu primo a Bow Street por esses assassinatos, em particular. ─ Não posso acreditar que queira proteger um Fleetwood ─ disse Curling com voz rouca – Todos sabem que você os odeia. ─ Admito que não tenha muito carinho por certos membros da minha família, porém eu não os desprezo tanto quanto aos homens que sequestram e estupram jovens mulheres indefesas. Curling deu um soco na mesa com tal força que tudo tremeu.
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─ Era uma moça da taverna. Por que inferno continua metendo-a nesse assunto? ─ Parece que você não está entendendo – disse Sebastian ─. Lillian é a única coisa que importa em tudo isto. ─ Não posso acreditar. – Grunhiu Curling. Jeremy apertou as mãos formando punhos. ─ Eu farei justiça por ela. Sebastian se deu conta de que mesmo contra sua vontade, estava começando a desenvolver certo respeito por Jeremy. ─ Maldição, você não pode provar nada, Angelstone – Curling terminou o conhaque e varejou a taça ─. Absolutamente, nada. Sebastian torceu os lábios sem humor. ─ Não teremos que provar nada. Você já admitiu que comprou Lillian de seu tio, e a estuprou. É o bastante. ─ O bastante para quê? – Perguntou debochadamente Curling ─. Nenhum tribunal iria me declarar culpado. Tudo aconteceu há três anos, e ela não passava de uma rameira. ─ Mas, é o suficiente para que eu insista que saia de Londres esta noite. Têm outros dois dias para dispor do necessário para abandonar a Inglaterra. Não volte. Curling cravou os olhos nele, aturdido. ─ Você está louco como Bloomfield. Por que eu haveria de abandonar a Inglaterra? Sebastian olhou diretamente para os olhos dele. ─ Porque eu me encarregarei pessoalmente de informar aos seus credores que a companhia que você formou com os Príncipes da Virtude é insolvente e que as suas ações não valem nada. ─ Mas, ela não está insolvente. Maldição, as ações não estão desvalorizadas, elas valem uma maldita fortuna.
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─ Irão valer menos que o papel em que estão estampadas quando eu acabar – Disse Sebastian ─. Tenho o poder e as relações necessárias para fazê-lo. E, nós dois sabemos disso. Curling, atordoado, movimentou a cabeça em negação. ─ Não faz sentido. Não consigo entender nada disto. Está tentando me expulsar do meu país porque um dia me envolvi com uma prostituta de taverna? ─ Acho que você está finalmente começando a entender a situação. – Sebastian ficou em pé – Se nos desculpar, meu primo e eu precisamos ir. Jeremy se pôs em pé de um salto e enfrentou Curling. ─ Não cometa nenhum erro, Curling. Se não sair de Londres hoje, eu o desafiarei a um duelo. Angelstone já aceitou ser um de meus padrinhos. Curling entrecerrou os olhos em nova expectativa. Olhou para Sebastian. ─ Ah, agora, faz todo sentido. Sem dúvida seria muito interessante que eu matasse um Fleetwood por você, não é mesmo? Essa é pequena encenação que tentou representar? ─ Muito pelo contrário, seria muito enfadonho que você conseguisse balear o meu primo – Sebastian caminhou até a porta ─. Porque dessa forma eu seria obrigado a desafiá-lo eu mesmo. ─ Maldito Angelstone. Por que demônios você me desafiaria para vingar um Fleetwood? – gritou Curling. ─ Não sei exatamente porque – admitiu ─. Deve ter algo a ver com as responsabilidades familiares, ou alguma coisa nesse estilo. Acho que minha esposa saberia explicar.
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Capítulo 19
Sebastian chegou a casa pouco antes do amanhecer. Ouviu o repique distante das caçarolas nas cozinhas, enquanto subia as escadas. Enquanto o dia terminava para os membros mais elevados da sociedade, para os criados, ele apenas começava. Desamarrou a gravata lentamente, enquanto caminhava pelo corredor até o quarto. A conhecida tensão podia ser sentida profundamente em seu interior, era a hora que mais odiava. Era o momento em que o novo dia lutava contra a noite, e nem a luz, nem a escuridão prometiam esperança. Para Sebastian parecia que era a hora em que estava mais consciente do frio em seu interior. A sensação de estar preso para sempre em uma névoa gela e cinzenta, sempre lhe parecia mais forte ao amanhecer. Porém, percebeu que não era tão ruim como no passado. Sabia que era porque Prudence o estaria esperando. Após o amanhecer seria capaz de perder-se no calor de Prudence. Como conseguiu sobreviver todos esses sem ela? Abriu a porta de seu quarto e viu que estava vazio, pois Prudence estava dormindo na cama de Sebastian, ao invés da sua. Lúcifer enroscava-se ao seu lado. O gato abriu os olhos dourados e olhou fixamente para ele, e sem pestanejar. Sebastian foi até a cama e ficou por uns instantes admirando Prudence, que tinha os cabelos soltos e a roupa de dormir caída, deixando um de seus ombros descoberto. Parecia terna e suave, além de eternamente inocente. Graças a ela já não estava completamente só. Afastou-se da cama e cruzou o quarto até uma mesinha, onde estava a garrafa de conhaque. Serviu-se de uma taça e sentou-se em frente à janela, esperando o amanhecer. Lúcifer apareceu junto à cadeira, e saltou sem nenhum esforço para o colo de Sebastian, acomodando-se para observar o silencioso conflito, através da janela. Sebastian acariciou o gato e tomou um gole de conhaque. ─ Sebastian?
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─ Já cheguei em casa, Prue. Ouviu que ela se levantava da cama e cruzava o quarto até ficar em pé, atrás de Sebastian, colocando a mão sobre seu ombro. ─ Está tudo bem? – perguntou suavemente – O encontro com Curling saiu como você havia planejado? ─ Sim – Sebastian deixou de acariciar o gato e levantou a mão para segurar a de Prudence. ─. Creio que ele irá abandonar a Inglaterra dentro de muito pouco tempo. Prudence apertou carinhosamente seus dedos. ─ Eu sabia que você cuidaria do assunto, milord. ─ Ah, sim? ─ Sim. Você é um homem magnífico, Sebastian. Estou muito orgulhosa em ser sua esposa. Aquelas simples palavras o emocionaram profundamente, derretendo ainda mais o gelo. ─ Eu fiz por você, Prue. ─ Pois eu acho que haveria feito o que fez por Jeremy mesmo que não houvesse me conhecido. Sebastian não queria discutir com ela, assim não disse nada. Tomou outro gole de conhaque, e Prudence ficou em silêncio por um momento. ─ Você acha que algum dia conseguirá dormir a essa hora? ─ Nunca. Odeio o amanhecer. Não importa quão brilhante possa ser o dia, a névoa fria ainda está lá fora, esperando. ─ Está esperando por todos, Sebastian. O segredo é não enfrentá-la sozinho. Apertou mais um pouco a sua mão, e juntos viram como a luz lutava contra a escuridão. Depois de um instante, Sebastian viu que a névoa tornava-se um tom de cinza muito mais claro. A manhã havia chegado. Sebastian deixou Lúcifer no chão, a seguir levantou-se, tomou Prudence em seus braços e a levou para a cama. Aproximou-a de si, saboreando o bem vindo calor.
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A notícia da partida de Curling, de Londres, não causou nem um murmúrio de interesse entre os convidados da festa dos Brandon, nessa noite. Prudence comentou sobre isto com Sebastian, enquanto estava de pé, juntos, próximos à janela. Sebastian sorriu. ─ Não há nenhuma razão para que alguém deva estar particularmente preocupado com o fato de que Curling tenha abandonado subitamente a cidade. Não há nada de estranho nisto. ─ Mas, ficarão interessados quando souberem de que abandonou o país? ─ Sim – Sebastian sorriu tranquilamente satisfeito ─. Isso, sem dúvida nenhuma, chamará atenção – Olhou para o outro lado do salão ─. Vejo que Lady Pembroke chegou. Prudence levou sua lente ao olho, e avistou Hester. ─ Sim, é ela mesma. – Agitou o leque com entusiasmo para sua amiga ─. Estou curiosa para saber se ela já encontrou um novo cliente para mim. Agora que a sua investigação terminou, está na hora de que eu contribua com um projeto interessante para nós dois. ─ Eu não me incomodaria nem um pouco de ter paz e tranquilidade por algum tempo – Sebastian franziu os olhos ─. Maldição! Aí vem Jeremy. ─ Onde? Ah, essa droga de monóculo é tão incomodo – Prudence levou outra vez a lente aos olhos e observou tudo ao redor. Jeremy estava se aproximando por entre as pessoas. Parecia ansioso para chegar próximo de Sebastian. – Acho que você se converteu em algo assim como um herói ante os olhos de seu primo, exatamente igual ao que aconteceu com Trevor. ─ Eu posso pensar em muitas maneiras mais interessantes para me divertir do que fazer papel de herói para os jovens. – Sebastian bebeu o champanhe da taça, enquanto Jeremy se aproximava. ─ Boa noite, Lady Angelstone. – Jeremy se inclinou graciosamente sobre a mão de Prudence. ─ Boa noite, Jeremy. – Prudence sorriu-lhe. Jeremy olhou para Sebastian de homem para homem.
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─ Suponho que você deve ter sabido que Curling deixou a cidade esta tarde. ─ Eu soube. ─ Sem dúvida, estará a caminho do continente em pouco tempo – Jeremy pegou bruscamente uma taça de champanhe, da bandeja que circulava por perto. ─ Suponho que eu deveria me contentar em vê-lo expulso do país, mas acho que ele deveria ser obrigado a pagar mais caro pelo que fez. ─ Creia-me, Curling descobrirá que é um inferno ser desterrado da Inglaterra – disse Sebastian ─, Especialmente quando se der conta de que sua nova fortuna vai se evaporar rapidamente. Prudence olhou para ele surpresa. ─ Por que irá evaporar-se? Pensei que você permitiria manter intacto o investimento na companhia, com a condição de que deixasse o país. ─ E, assim foi – Sebastian sorriu seu sorriso mais frio ─. Se é que irá servir-lhe de alguma coisa. Quando todos souberem de que ele deixou a Inglaterra, e que o único sócio que restou da firma é o louco do Bloomfield, o valor das ações irá cair rapidamente, e a companhia será obrigada a declarar falência. Jeremy olhou para ele fixamente. ─ Não havia me dado conta disso. Quer dizer que Curling já não poderá desfrutar da sua fortuna? ─ Não por muito tempo. Os rumores de que Bloomfield está à frente dos negócios, com certeza destroçaram a confiança dos acionistas. ─ Excelente – Jeremy sorriu com satisfação ─ Então, foi isso que você queria dizer com destruí-lo. Muito inteligente, se você me permite dizer, Angelstone. Prudence sorriu orgulhosamente. ─ Angelstone é um homem muito inteligente. Sebastian arqueou as sobrancelhas diante de Prudence. ─ Pergunto-me se Curling está consciente do seu destino. ─ Imagino que ele irá compreender o alcance do seu destino dentro de muito pouco tempo – disse Sebastian ─. Sem dúvida, seus banqueiros o manterão informado da queda da sua fortuna.
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Jeremy olhou para ele alarmado. ─ Você acredita que ele irá tentar voltar à Inglaterra? ─ Para enfrentar uma multidão de acionistas furiosos e a clara possibilidade de ser jogado na prisão pelos credores? – perguntou Sebastian ─. Eu, sinceramente, duvido muito. Mas, se assim for, nós nos encarregaremos do problema. ─ Então, está tudo acabado. ─ Acho que sim – disse Sebastian. Prudence sorriu. ─ Espero que vocês dois estejam consciente dos olhares que estão atraindo. Jeremy sorriu. ─ Eu sei. As pessoas não estão acostumadas a verem Angelstone conversando amigavelmente com os membros da sua família. Ah, a propósito, isso me lembra duma coisa. Eu contei à minha mãe que você me salvou de ser preso por assassinato. Sebastian engasgou com a boca cheia de champanhe. ─ Maldição! Tomara que não tenha lhe contado toda a história. ─ Mas, é claro que não – disse Jeremy seriamente – Sabia que teria um ataque se eu lhe contasse tudo. Eu expliquei que todos conheciam a inimizade entre nós, e que um assassino havia tentado capitalizar essa informação para cobrir seu próprio rastro. ─ O que mais você lhe contou? – perguntou Sebastian ameaçadoramente. ─ Apenas que você utilizou o seu poder para assegurar que Bow Street não iria se interessar por mim. ─ Mmmmm. Prudence viu uma borrada silhueta familiar que abria caminho através da multidão. Colocou outra vez o monóculo. ─ Falando de Mrs. Fleetwood, aqui está ela. ─ Bom dia – disse Sebastian ─. Será que vou ser obrigado a passar toda a festa em companhia dos meus familiares? ─ Eu tenho certeza de que minha mãe só deseja desculpar-se – Assegurou Jeremy.
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─ Sem dúvida, é isso exatamente o que pensa em fazer – Prudence fixou um olhar de advertência em Sebastian ─. O mínimo que você poderia fazer é ser amável, Angelstone. Sebastian sorriu sombriamente. ─ Se, realmente, a tia Drucilla tentar desculpar-se, eu comerei a minha gravata. Drucilla parou em frente à Sebastian. ─ Ah, aí está você, Angelstone. ─ Sim senhora aqui estou eu. Por quê? ─ Comporte-se – sibilou Prudence baixinho. Drucilla não prestou atenção à cena. Olhou severamente para Sebastian. ─ Meu filho me disse que você cumpriu com o seu dever para com a família, no que se refere a certo assunto que poderia ser potencialmente embaraçoso. Uma conhecida e endiabrada diversão cobrou vida nos olhos de Sebastian. ─Pode ficar tranquila, pois Jeremy não corre nenhum perigo iminente de ser enforcado. ─ Mas, claro que não. É um Fleetwood, afinal de contas. Não se enforca um Fleetwood desde os tempos de Cromwell. – Drucilla fechou rapidamente o leque com um movimento elegante e enérgico – Jeremy também me disse que você não era quem estava tentando implicá-lo nas mortes desses homens. ─ Jeremy lhe explicou isso? – perguntou Sebastian. ─ Sim. ─ E, você acreditou? Prudence deu uma cotovelada nas costelas de Sebastian e sorriu para Drucilla. ─ Angelstone está brincando, milady. Como já deve saber, ele tem um humor muito estranho. ─ Aiii! – Sebastian passou os dedos pelas costelas – Eu não estou achando graça agora – disse entre os dentes. Drucilla deu um olhar reprovador para Prudence. ─ Realmente querida, esse tipo de cena não é muito apropriada para um salão de festas.
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─ Eu não estava atuando – murmurou Prudence. Estava muito consciente que cada vez mais e mais cabeças começaram a virarse para eles. Prudence sentia que a curiosidade aumentava como uma onda ao seu redor. Também podia sentir que Sebastian estava preparando o próximo comentário insolente para fazer a sua tia, e rezou pedindo por uma salvação, e esta apareceu sob a forma de Hester. Como todos os demais no salão, Hester havia decidido que um desastre social estava se aproximando, portanto realizou um esforço audaz para impedi-lo. Deu um olhar ansioso para Prudence e a seguir voltou-se para Drucilla com um ar de surpresa afetado. ─ Oh, como vai Drucilla – disse Hester ─. Não havia visto você. Como está passando? ─ Estou bem, obrigada, Hester. Estava mesmo precisando falar com você sobre o novo vestido de Prudence. ─ É muito bonito, não é mesmo? – disse Hester encantada com aquilo que parecia ser um assunto seguro ─. Esse tom particular de lavanda é a última moda. ─ Faz com que pareça um pano de prato desbotado – disse Drucilla – E, todos esses babados parecem absolutamente ridículos. – Enrugou os olhos para Prudence – Vejo que você ainda não encontrou uma nova modista. Prudence sentiu que ficava vermelha. Olhou desamparadamente para Sebastian, porém ele não mostrou nenhum sinal de lhe oferecer ajuda. ─ Não milady, eu ainda não tive tempo. Mas, penso em fazer isto na primeira oportunidade. ─ Não tem remédio, eu vou ter que apresentá-la a minha modista – disse Drucilla esplendidamente – Creio que poderia fazer alguma coisa com você. Você tem muitas possibilidades. O coração de Prudence ficou apertado. Ela estava bem consciente do brilho nos olhos de Sebastian. Conseguiu sorrir com cortesia. ─ É muito amável da sua parte, milady.
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─ Alguém precisa se encarregar de você. Afinal de contas, é a condessa de Angelstone. Parece que terei que me encarregar pessoalmente de educá-la, pois se espera certas coisas da esposa do chefe da família. ─ Sim, é claro – disse Prudence debilmente. ─ Farei todos os arranjos necessários para irmos às compras o quanto antes possível – Drucilla girou sobre os seus saltos e se afastou majestosamente entre as pessoas. Hester movimentou o leque, excitada. ─ Deus meu! Prudence, talvez ela tenha razão. Agora, que estou pensando sobre o assunto, não estou totalmente segura de que lavanda e violeta lhe favoreçam, particularmente. ─ Mas, foi você que escolheu essas cores – disse Prudence completamente mal humorada. ─ Sim, eu já sei, e estão muito em moda. Sem dúvida, acho que devemos nos inclinar diante da experiência de Drucilla – Hester examinou a vestimenta branca e negra, austeramente elegante de Sebastian. Em seguida olhou para Jeremy, que estava igualmente impressionante ─. Na verdade, os Fleetwood têm um instinto natural para o estilo. Poderia muito bem ser aproveitado. Sebastian sorriu indolente para Prudence. ─ Muito bem, minha querida. Coloque-se nas mãos de minha tia e não se preocupe com os custos. Nenhum preço é alto demais para ver como você se sairá em uma excursão de compras com minha tia. Prudence olhou para ele furiosa. Sebastian sabia muito bem que estava detestando a experiência. ─ Não se atreva a rir de mim, Angelstone, ou farei alguma coisa drástica, eu juro. ─ Você deve me perdoar, querida – Os olhos de Sebastian guardavam uma alegria demoníaca – Porém, parece que está se abrindo diante de mim um novo mundo de entretenimento. ─ É sério, Sebastian.
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─ Mas, era você que queria a paz na família, digníssima esposa. Bem, já conseguiu seu maior desejo. Foi muito divertido ver como você lida com a velha bruxa. Perdoe-me pela tia Drucilla. Jeremy fez uma careta. ─ Minha mãe tem boas intenções, Lady Angelstone, mas temo que tenha uma noção muito arraigada de responsabilidade familiar. ─ Tenho certeza que sim – disse Prudence pesarosamente. ─ Como você, minha querida – disse Sebastian naturalmente – As duas devem se sair fabulosamente bem – Ele começou a rir. Prudence olhou para ele indignada, porém Sebastian simplesmente riu ainda mais alto. Nem se quer teve a delicadeza de parar quando todos na sala deram a volta para olhar para eles. Prudence olhou significativamente para Jeremy. ─ Jeremy, você se incomodaria muito de dançar comigo? Se eu ficar aqui com Angelstone, sem dúvida, irei me humilhar dando-lhe um pontapé. Sebastian deu outra gargalhada. Jeremy olhou curioso para Sebastian, e a seguir sorriu e estendeu o braço em direção a Prudence. ─ Será um prazer, milady. ─ Obrigada. Só depois de ter chegado à pista de dança com Jeremy, Prudence se deu conta de que, sem querer, havia dado à sociedade mais uma coisa para maravilhar-se. Pois nesse momento, todos os olhos do ambiente estavam sobre ela. ─ Todos estão olhando para nós. ─ E, quem poderia culpá-los? – Jeremy riu, enquanto a fazia girar ao ritmo da valsa – A Dama do Anjo Caído está dançando com um membro do clã Fleetwood. E, mais, sem nenhum sinal de que o diabo está a ponto de derramar a sua ira sobre mim, como vingança. Está muito ocupado, rindo de alguma coisa que mais ninguém pode entender. ─ Devem estar pensando que Angelstone perdeu a razão – disse Prudence ─. E, pode ser que tenham razão.
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─ Pela manhã, toda cidade saberá que terminou a inimizade entre os Fleetwood – refletiu Jeremy. ─ Suponho que me colocar nas mãos de sua mãe não seja um preço muito alto a pagar pelo fim da inimizade – disse Prudence tentando ser otimista. ─ Não tenha tanta certeza disso. Uma hora mais tarde, Prudence ainda estava protestando diante da iminente excursão de compras, quando Sebastian a acompanhou até a fria e nebulosa noite. ─ Sebastian, isso é muito irritante. Em minha casa ninguém falava nada sobre a minha maneira de vestir. Aqui, na cidade, parece que não cosigo agradar ninguém. E, agora, eu pergunto a você, o que farei com o guarda roupa que comprei com Hester? ─ Dê para alguém, suponho. – Sebastian fez um sinal para a carruagem. O coche dos Angelstone não podia ser visto, por causa da enorme quantidade de veículos que enchiam a rua em frente à grande mansão. ─ Mas, para quem? Sebastian levantou um canto da boca. ─ Para alguém que fique bem em tons de violeta e lavanda. – A tomou pelo braço, e começou a descer impacientemente os degraus ─. Venha comigo, pois a carruagem vai demorar mais de vinte minutos para abrir caminho nesta confusão. Podemos caminhar até lá. ─ Muito bem. Eu não gosto de ficar aqui em pé durante muito tempo, está fazendo muito frio esta noite – Prudence pensou que pelo menos esta noite estava usando uma capa, pois Sebastian havia insistido. Era muito difícil distinguir uma carruagem da outra na névoa espessa. A negra carruagem dos Angelstone estava esperando no final de uma longa fila de veículos. Um lacaio com o conhecido uniforme Angelstone negro e dourado apareceu para abrir a porta para Prudence. Alguma coisa parecia diferente com ele, e Prudence levantou o olhar e se deu conta de que não o reconhecia. Antes que pudesse levar o monóculo ao olho para observá-lo com mais atenção, ouviu Sebastian praguejando em voz baixa. ─ Quem demônios...?
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Um golpe curto e desagradável cortou suas palavras. Sebastian gemeu, e Prudence virou-se rapidamente enquanto sentia que ele soltava o seu braço. ─ Sebastian. – Instintivamente se esticou para ele, enquanto Sebastian desmaiava sobre o solo. Porém, era muito pesado para ela, que se enroscou ao seu lado. – Meu Deus! Sebastian o que está acontecendo? Um homem apareceu de dentro da névoa, seu rosto estava borrado, mas Prudence não teve dificuldade em ver o enorme e contundente objeto que trazia na mão. ─ Não se preocupe, milady, ele ficará bem. Conheço o meu trabalho. Agora, siga adiante, suba na carruagem. Colocarei Sua Senhoria aí dentro com você. Prudence rapidamente ficou em pé, com a boca aberta para gritar por ajuda, mas uma rude mão masculina apertou imediatamente seus lábios, silenciando-a. ─ Cale a sua maldita boca, milady – sibilou em seu ouvido o lacaio desconhecido. Prudence começou a lutar, dando chutes e pontapés de forma violenta, porém tinha os movimentos severamente restritos por causa das pesadas pregas de sua capa. O outro capanga agarrou-a pelos tornozelos, foi quando ela se deu conta que havia três homens no total, incluindo o cocheiro. ─ Comporte-se muito bem, ou será pior para o seu homem- murmurou o falso lacaio ─. Estamos com pressa, pois não temos a noite toda. Eu e meus dois camaradas prometemos entregá-los a tempo. Não nos pagarão, a menos que o façamos. Prudence olhou desesperadamente para o condutor, enquanto colocavam-na amordaçada na carruagem. ─ Coloque-os aí dentro – disse um dos malfeitores com uma voz, que sem dúvida nenhuma, não pertencia ao cocheiro habitual de Sebastian ─. Não temos a noite toda. Os captores de Prudence jogaram-na ao chão da carruagem. Houve um pequeno e agudo ruído, que ela reconheceu imediatamente como o som do monóculo sendo quebrado, embaixo das pregas de seu manto.
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─ Não tem nenhum sentido esgotar-se – disse rudemente um dos homens. Estendeu a mão para dentro da carruagem e levantou Prudence até o assento ─. É melhor guardar energia. Suponho que o meu cliente tem planos para uma coisinha linda como você. O homem que usava o uniforme Angelstone empurrou o corpo flácido de Sebastian para dentro da carruagem. Sebastian jazia de boca para baixo sobre o chão. Ele não se movia. Prudence olhava para ele horrorizada, tentando desesperadamente ver se tinha sangue na cabeça, ou os olhos abertos. Era impossível, mesmo que tivesse sido capaz de colocar os seus óculos, sabia que seria difícil saber se Sebastian estava ferido, pois o interior da carruagem estava muito escuro. O vilão que usava o uniforme dos Angelstone pulou para dentro da carruagem e sentou-se à frente de Prudence, mas a luz foi suficiente para que ela visse a arma que tinha nas mãos. ─ Bem, milady, calculo que a senhora e eu teremos que encontrar alguma coisa para falar durante a próxima hora, mais ou menos. Seu homem não vai estar em condições de falar durante um bom tempo ─. Empurrou o corpo de Sebastian com a ponta da bota. ─ Não toque nele – falou Prudence. ─ Não se preocupe, vai estar em um estava razoável quando for entregue em Curling Castle. Foi esse o acordo que fiz com Sua Senhoria, sabe? Os dois pacotes devem ser entregues em bom estado. Prudence conseguia apenas respirar. ─ Está nos levando para Curling Castle? ─ Estamos nos dirigindo exatamente para ali. Esta maldita e condenada névoa irá nos atrasar um pouco, porém não muito. Jack, o condutor, é realmente muito bom com as rédeas, e calculo que chegaremos logo.
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O quarto negro era tão frio como Prudence recordava. O frio obscuro e pesado parecia ter vida própria. Emanava das próprias pedras, não do ar noturno do outro lado dos muros do castelo. Assim como a névoa, cobria como uma mortalha tudo que havia no ambiente. Prudence virou a cabeça. Os homens que a levaram até ali, junto com Sebastian, há poucos minutos, deixaram uma única vela ardendo sobre a mesa. A chama era de pouca serventia contra as opressivas sombras que preenchiam a alcova. Permanecia imóvel sobre a cama, escutando o som das botas que retrocediam pelo corredor. Foi inundada por uma pequena sensação de alívio. Os sequestradores tinham ido embora. Sentou-se rigidamente, mas estava com as mãos e os pés amarrados, porém os vilões não lhe haviam amordaçado. Não que estivesse pensando em gritar neste momento, pensou, pois a última coisa que desejava era chamar algum de seus captores. As correntes soaram contra as pedras. Prudence levantou a cabeça e esquadrinhou as sombras. ─ Sebastian? Você está consciente? ─ Maldição. O som da voz mal humorada de Sebastian levantou o seu ânimo como nenhuma outra coisa poderia fazê-lo. ─ Colocaram você nesses horríveis grilhões da parede. ─ Já notei. – Mais uma vez as correntes bateram ligeiramente contra as pedras, como se Sebastian calmamente as estivesse testando. – Você está bem? ─ Sim. – Prudence tentou sentar-se sobre a beira da cama ─. E você? ─ Sinto-me como se houvesse lutado cem assaltos com Witt, mas fora isso, estou inteiro. ─ Você esteve inconsciente durante muito tempo, eu fiquei terrivelmente preocupada com você. ─ Não fiquei inconsciente, apenas atordoado. – Nesse momento, Sebastian parecia friamente furioso – Durante uns instantes, achei que não poderia me mover,
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ao menos com rapidez suficiente para desarmar o homem da carruagem. Decidi esperar a melhor oportunidade. ─ Nós estamos em Curling Castle – acrescentou Prudence. ─ Embora você não acredite, eu já havia deduzido. Prudence enrugou as sobrancelhas. ─ Não precisa ser sarcástico, eu estava apenas tentando ajudá-lo a se orientar. ─ Eu lhe peço desculpas. Não estou no meu melhor humor – Sacudiu novamente as correntes ─. Maldição! ─ O que está acontecendo? – perguntou Prudence. ─ É o que não está acontecendo! Toda essa investigação foi errada desde o princípio. Droga! ─ Quero dizer, o que está acontecendo agora? – disse Prudence pacientemente ─. Por que está blasfemando? ─ Porque não consigo alcançar o ângulo correto das fechaduras desses grilhões. Preciso de alguns centímetros a mais. O rosto de Prudence ficou mais animado. ─ Você está tentando abrir os cadeados com uma gazua? ─ Sim. – As correntes foram sacudidas de novo ─. Maldição! ─ Veja se aquele urinol que vi em baixo da cama, na última vez, ainda está aí – disse Sebastian. ─ Um urinol? Será que você não poderia esperar mais um tempinho? Precisamos ter pressa, Sebastian. ─ Eu preciso da droga do urinol para subir sobre ele e meter o arame nas fechaduras – disse Sebastian entre os dentes ─. Se você o encontrar, tente empurrá-lo para cá. ─ Ah, sim! É claro! Mortificada, Prudence saiu rapidamente da cama. E, já que não podia usar as mãos ou as pernas amarradas para controlar a descia, aterrissou sobre os joelhos. ─ Ai! ─ Rápido.
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Inclinou-se e olhou embaixo da cama, e a silhueta borrada do urinol estava apenas visível nas sombras profundas. ─ Está aqui. ─ Traga-o aqui – ordenou Sebastian. Prudence pensou que era mais fácil dizer do que fazer, porém não teria sentido queixar-se da difícil tarefa. Tinha a incomoda sensação de que suas vidas bem poderiam depender de que ela conseguisse pegar o urinol, que estava embaixo da cama. Ficou de costas, e arrastou parte do corpo para baixo da cama de ferro. Precisou de três tentativas para conseguir enganchar os tornozelos em torno do urinol. ─ Consegui – sussurrou. ─ Empurre até aqui. ─ Estou tentando. Prudence tentou três formas diferentes, antes de rodar de costas e finalmente poder utilizar os pés para empurrar o urinol. Sinto-me como uma minhoca. – Conduziu lentamente o urinol pelo frio chão de pedra. A ela pareceu que o processo levava uma eternidade. Estava suando, apesar do frio terrível. Ouviu as delicadas saias de seda sendo destruídas ao serem arrastadas contra as pedras. ─ Um pouco mais perto, Prue – disse Sebastian calmamente ─. Você está quase chegando aqui. Prudence se arrastou um pouco mais a frente e empurrou o urinol alguns centímetros mais para frente. ─ Já peguei – disse Sebastian triunfante. Prendeu o urinol com a ponta da bota e o arrastou para próximo de si. Prudence sentou-se e observou como Sebastian subia sobre o urinol de cabeça para baixo. Franziu os olhos, tentando ver o que ele estava fazendo.
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─ Isso, meu amor – cantarolou Sebastian em voz baixa ─. Dê para mim o que eu quero. Abra para mim, meu amor. Deixe-me entrar. Bem fundo. – Houve um pequeno ruído ─ Sim. Ah, sim. Lindo. ─ Conseguiu abrir? – perguntou Prudence. ─ Um deles. Falta o outro. O segundo ferrolho se abriu bem mais rápido. Um momento mais tarde, Sebastian estava livre. Desceu do urinol e começou a trabalhar nas cordas que prendiam as mãos e os pés de Prudence. Prudence percebeu que não podia sentir nada na parte superior dos braços. A seguir a sensibilidade começou a voltar. Prudence abafou um grito quando a dolorosa sensação de formigamento percorreu os seus braços. Colocou uma ponta do manto dentro da boca e a mordeu com força. ─ Oh, Deus! Eu deveria sabido. – Sebastian começou a massagear os seus braços vigorosamente – Espere, Prue, você vai estar bem dentro de um minuto. Está sentindo as minhas mãos? Ela assentiu com a cabeça, porém não se atrevia a tirar o pano da boca. Ainda estava muito perto de soltar um grito. ─ Bem – Sebastian parecia aliviado ─. Isso significa que não amarraram seus braços muito fortemente. Você ficará bem logo em seguida. Prudence não estava tão segura quanto ele. Porém, depois de uns instantes já não tinha medo de gritar, caso movimentasse os braços. Deixou que Sebastian a colocasse de pé. ─ Meu Deus. – sussurrou. ─ Temos que sair daqui – disse Sebastian ─. Não podemos esperar mais. ─ Eu sei. – Prudence respirou profundamente. Olhou a lente quebrada do monóculo, na ponta final do elegante laço de veludo. Estava inutilizada. No entanto, tinha a pequenina bolsa presa ao seu pulso. Abriu-a e descobriu que seus óculos
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estavam ali a salvo. A armação de metal estava meio torta, mas as lentes estavam intactas. Colocou firmemente sobre o nariz. ─ Estou pronta – anunciou. ─ Você é uma mulher incrível, minha querida. – Sebastian agarrou sua mão e encaminhou-se para a porta. Prudence ouviu os passos no corredor no mesmo instante que Sebastian. ─ Maldição! – Sebastian parou ─. Por que nada está dando certo nesta noite? Prudence sentiu que apertava os dedos em torno de seu pulso. Empurrou-a na direção da parede mais afastada da porta. ─ Não se mova – sussurrou. Prudence apertou-se contra as pedras. Sebastian caminhou rapidamente pelo quarto e levantou o urinol. A seguir colocou-se contra a parede, junto à Prudence. A porta abriu-se. Um homem com as mãos amarradas às costas entrou torpemente no quarto. Fora empurrado com as mãos amarradas para trás, e estava cambaleante, até que perdeu o equilíbrio e caiu. A luz da vela oscilou sobre o rosto de Garrick Sutton, e seus olhos encontraram nas sombras os de Prudence. Antes que Prudence pudesse racionar, um dos homens que havia lhe sequestrado junto com Sebastian, entrou no quarto, empunhando uma pistola na mão. ─ Bem, vamos lá, aqui estamos então – anunciou satisfeito ─. Um trabalho bem feito, se me permite dizer. A seguir, seu olhar caiu sobre a cama vazia. Prudence viu que os seus olhos aumentavam de tamanho enquanto olhavam na direção das algemas penduradas. ─ Mas, o que é isto? Eles escaparam. Abriu a boca para gritar pedindo ajuda. Sebastian avançou e baixou o urinol sobre a cabeça do vilão. A pistola deste caiu, e deslizou para debaixo da cama. O homem caiu no chão com apenas um gemido e ficou imóvel. Sebastian desceu os olhos para Garrick. ─ Isto complica as coisas.
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─ Sinto muito – disse Garrick desculpando-se – Estavam me esperando quando saí do clube. ─ Desamarre-o – Disse Sebastian para Prudence ─. Vou pegar a pistola, do jeito que estamos indo, sem dúvida, iremos precisar de ajuda. Mas, antes que Prudence pudesse se mover, abriu-se violentamente a porta do maciço armário negro. Lord Curling estava ali, de pé, com uma pistola na mão. Atrás dele abria-se o buraco negro de uma escadaria oculta. Prudence percebeu muito tarde da falsa parede que Sebastian havia descoberto no armário. Agora, sabia o que estava escondido atrás dela. ─ Não se mova nem um centímetro, Angelstone – Curling deu um passo adiante, para fora do armário ─. Ou, atravessarei sua esposa com uma bala. Sebastian ficou gelado. ─ Isso já foi longe o bastante, Curling. ─ Não tanto. – Curling fez um sinal para Prudence ─. Venha aqui, milady. Prudence não se moveu. Curling franziu os olhos. ─ Eu lhe disse para vir até aqui. Se não o fizer, posso mudar de opinião e disparar a primeira bala com o seu querido Anjo Caído. Prudence foi adiante, com relutância. Assim que a teve ao seu alcance, Curling colocou um braço ao redor da garganta e aproximou-a mais de si, para utilizá-la como escudo. ─ Ora, ora. –disse Curling ─. Isto é muito melhor.
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Capítulo 20
Sebastian lutou para manter o controle sobre si mesmo. O impulso de lançar-se sobre Curling com insensata fúria era quase doloroso. A visão de Prudence como refém fez com que fosse percorrido por uma comoção de angústia selvagem. Tinha conhecimento que tal emoção se não fosse governada seria letal. ─ O que espera lucrar, Curling? – Sebastian obrigou-se a utilizar o tom de voz aborrecido que havia aperfeiçoado tão bem. O sorriso de Curling era fino e ameaçador. ─ Você sabe muito bem o que estou tentando lucrar. Você realmente acreditou que eu permitiria que me expulsasse da Inglaterra e destruísse a minha fortuna? ─ Sua fortuna? ─ Não finja que desconhece. Sabe muito bem do que eu estou falando. – O braço de Curling apertou a garganta de Prudence ─. Não sou nenhum idiota. Sei o que irá acontecer com meus negócios assim que eu abandonar a Inglaterra. Os investidores irão pensar que este louco do Bloomfield está à frente de tudo. Haverá pânico. A companhia irá quebrar em pouco tempo se eu não estiver aqui para ficar no comando. Sebastian encolheu os ombros. ─ Suponho que é uma possibilidade. ─ Por mil demônios. Eu sei que é exatamente o que você planejava – gritou Curling ─. Você pensou que poderia sair ganhando? Eu já tenho tudo planejado, e não estou disposto a deixar que você arruíne os meus planos. Garrick se agitou sobre o chão. ─ É tudo minha culpa, não é mesmo? ─ Curling nem se incomodou em olhar para ele, mantinha os olhos sobre Sebastian. ─ Pode reclamar a responsabilidade, se assim desejar. Eu precisava de informações sobre Angelstone. Todos comentavam sobre o ódio que sentia de todos os Fleetwood, porém não estavam tão seguros de quão profundo poderia ser.
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─ Quer dizer que não tinha certeza se eu usaria a minha posição para proteger o meu primo caso o implicassem em um assassinato? – perguntou Sebastian. ─ Exatamente – disse Curling ─. Nunca consegui entender porque, se odiava tanto os seus familiares, você não utilizava seus poderes para destruí-los. ─ Não entendia – disse Prudence em tom de advertência ─, porque se estivesse no lugar de Angelstone já teria se afastado da sua família há muito tempo. ─ Exatamente – Os olhos de Curling continuavam sobre Sebastian – Eu precisava saber mais sobre os motivos de Angelstone e de como reagiria se eu utilizasse Jeremy Fleetwood em meus planos. ─ Dessa forma me embriagou para obter a informação de mim – disse Garrick enojado de si mesmo. ─ Foi algo muito simples – disse Curling – E, muitíssimo proveitoso. Você me assegurou que Angelstone sentir-se-ia muito feliz de ver qualquer um de seus familiares destruído, e que provavelmente acharia muito divertido ver um deles preso por assassinato. E, então, você deixou escapar um detalhe fascinante. Garrick blasfemou com desespero. ─ Eu lhe contei sobre o seu passatempo, não é mesmo? ─ Sim, é verdade. – Curling sorriu lentamente – Contou-me tudo sobre o pequeno passatempo de Angelstone, inclusive o nome do seu contato em Bow Street. ─ Droga. – Garrick olhou para Sebastian ─ Não me lembro de nada disso, Angelstone. Eu juro por Deus que não lembro. Nessa época eu bebia muito, e tem muita coisa desse tempo que eu não consigo lembrar. ─ Entendo. – Sebastian não afastava os olhos de Curling – Agora não importa. ─ Modifiquei meus planos a partir dessas informações – disse Curling – Decidi que seria ideal fazer com que Angelstone fosse encarregado da investigação. Ele reconheceria as provas que plantei para implicar o seu primo. ─ Uma precaução interessante – disse Sebastian – Bow Street poderia passar por cima dos objetos que encontrei, ou quem sabe não pudesse identificar com exatidão. Suponho que também tenha sido você quem deixou o bilhete na minha carruagem, na noite da morte de Oxenham?
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─ Claro – Curling aproximou as sobrancelhas – Eu queria que fosse você o primeiro a chegar à cena do crime para encontrar as provas contra o seu primo. O jovem Fleetwood era muito importante. ─ Porque sabia que não poderia matar seus três sócios e assumir o controle total da companhia sem chamar a atenção. – Disse Sebastian – Uma morte, talvez duas poderiam ser acidente. Porém seria difícil explicar três mortes, especialmente quando você se beneficiaria tanto com elas. Precisava ser capaz de demonstrar que alguém mais tivesse um motivo para matar esses três homens. ─ Seu primo era perfeito – disse Curling – Tinha um motivo que apenas eu conhecia, mas que ele não poderia negar diante de um tribunal. Eu havia planejado revelar tudo sobre a morte de Lillian. Afinal de contas, não tinha nada para esconder. Aquela vagabunda estúpida pulou pela janela, enquanto os meus amigos e eu nos divertíamos um pouco com ela. ─ Testemunharia que o meu primo, que estava apaixonado por ela, descobriu os fatos que envolveram a sua morte há três anos, culpou os Príncipes da Virtude, e foi em busca da vingança – disse Sebastian. ─ Exatamente – disse Curling – Pareceria que eu estava destinado a ser a última vítima, mas felizmente o prenderam bem a tempo. ─ E, para assegurar-se que ele fosse visto como o culpado, deixou várias provas nas cenas dos crimes para incriminá-lo – concluiu Prudence, com o desprezo gotejando de suas palavras – Lord Curling, você é muito, mas muito idiota. Realmente pensou que poderia usar Angelstone para ajudá-lo a levar avante o seu plano? ─ Pareceu-me uma ideia razoável. ─ Ora! – Prudence bufou com desdém – É porque não conhece nem um pouco o meu marido. Curling ficou tenso. ─ Por tudo que me disseram e por todos os boatos que sempre o rondaram, supus que Angelstone ficaria muito feliz em usar as provas contra o seu primo. As sobrancelhas de Prudence formaram uma linha feroz por cima dos seus óculos.
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─ Se enganou muito a respeito do caráter do meu marido, não é mesmo? Sebastian viu que o braço de Curling apertava ainda mais a garganta de Prudence. ─ Ehh, Prue... ─ Angelstone conhecia seu dever para com a família e o cumpriu – continuou Prudence, sem se sentir ameaçada. ─ Silêncio – ordenou Curling – Está começando a me irritar, Lady Angelstone – usou o braço ao redor da garganta para lhe dar uma advertência. Sebastian recuou diante do receio. ─ Estava equivocado a respeito de Angelstone – rugiu Prudence – Todos estavam errados a respeito de Angelstone. Sebastian começou a ficar preocupado que Curling perdesse o controle e estrangulasse Prudence. ─ Já chega, Prue. Prudence piscou diante dele, e algo que viu no rosto de Sebastian fez com que se calasse. Sebastian arqueou uma sobrancelha. ─ Estou curioso a respeito de uma coisa, Curling. Como você soube que meu primo estava interessado por Lillian? ─ Eu soube desde o princípio. – Curling riu entre os dentes – O tio de Lillian me contou que o jovem Fleetwood acreditava estar apaixonado pela menina. Mas, o velho era pragmático, e sabia muito bem que os Fleetwood nunca permitiriam que o seu precioso herdeiro se casasse com uma moça de taverna, assim resolveu vendê-la para nós. ─ O que vocês fizeram depois que a menina morreu? ─ Perguntou Sebastian. Curling encolheu os ombros. ─ Eu contei para o seu tio que ela havia se afogado, e o compensei pela perda, é claro. Dei dinheiro suficiente a ele para me assegurar que não faria as perguntas necessárias. Sebastian cruzou os braços e se recostou contra o poste da cama de ferro. ─ Não poderá se livrar de nós três sem despertar algumas perguntas.
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─ Muito pelo contrário – disse Curling – Penso que isto vai funcionar muito bem. Direi a todos que durante uma festinha de fim de semana, em minha casa, você descobriu a sua recente esposa nos braços do seu melhor amigo. ─ Como se atreve? – Explodiu Prudence, indignada – Eu jamais trairia Angelstone. ─ Acho que estou entendo, Curling – disse Sebastian serenamente. ─ É muito simples. – Curling parecia muito divertido – Você vai usar uma pistola contra a sua esposa e seu melhor amigo. Quando eu cheguei, com a minha própria pistola para ver o que estava acontecendo, você se jogou em cima de mim, e fui obrigado a disparar para salvar a minha própria vida. Um final muito apropriado para o Anjo Caído. ─ Nunca dará certo – disse Garrick rapidamente. ─ Vai dar sim. – Curling apontou para Sebastian – Ande, você será o primeiro a morrer, Angelstone, porque é o mais perigoso. Sutton será o próximo. Sebastian se preparou. Teria que se jogar diretamente sobre Curling, e contar que o primeiro disparo saísse desviado. Se tivesse sorte, a bala não o derrubaria logo. Sebastian pensou que tudo o que precisava fazer era ficar de pé o tempo suficiente para chegar até Curling. ─ Desgraçado – gritou Prudence. Agarrou com força o que restava de seu monóculo – Não se atreva a atirar em Sebastian. Curling riu. ─ Talvez, lhe interesse saber que vou retardar a sua morte até o amanhecer, Lady Angelstone. Sabe, eu tenho muita curiosidade para saber exatamente que tipo de mulher divertiria o Anjo Caído na cama. Esta noite eu vou descobrir. Sebastian viu que Prudence levantava a mão para cima, em direção do braço que Curling havia enrolado em sua garganta, e se deu conta do que Prudence estava tentando fazer. Prudence cortou o braço de Curling com os estilhaços da lente daquilo que um dia havia sido um elegante monóculo.
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Curling gritou. Instintivamente soltou Prudence e agarrou o braço. O sangue brotou de entre os seus dedos. ─ Sua vagabundinha. Prudence correu para fora do seu alcance. Curling girou para se enfrentar com Sebastian, porém era muito tarde. Sebastian já se movera. Curling tentou empunhar mais uma vez a pistola, mas não havia nenhuma possibilidade. Sebastian lhe deu um golpe violento com o pé e tirou a arma da mão de Curling. Sebastian moveu-se rapidamente. Deu um soco no queixo de Curling, e o golpe fez com que ele tropeçasse para trás, em direção às janelas da torre. Elas não deviam estar trancadas, porque se abriram ruidosamente sob o impacto. O vento rugiu dentro do quarto, a chama oscilou, se apagou e fez com que o ambiente caísse em uma quase total escuridão. As dobradiças das janelas oscilaram violentamente. Sebastian avançou. Havia luz suficiente apenas para discernir a silhueta de Curling agachada em frente à janela. O vento rugia no quarto. ─ Não! – Gritou Prudence sobre o ruído do vento – Sebastian, espere. Fique longe dele. O que deteve Sebastian foi a sensação de urgência na voz de Prudence. Olhou para trás, mas só podia ver a forma de seu rosto muito pálido, e percebeu que tinha o olhar fixo atrás dele. Curling gritou. Era um som de pavor que entorpecia a mente. ─ Meu Deus! – sussurrou Garrick. Sebastian voltou-se rapidamente. Curling ainda estava gritando. ─ Afaste-se de mim. – gritou Curling. Porém não estava falando com Sebastian. Estava olhando na direção da cama, como as mãos estendidas para frente, como se quisesse afastar alguém que estivesse ali. – Não, se afaste de mim! Afaste-se de mim! Um pavor fascinante se apoderou de Sebastian. Observou que a forma obscura de Curling se arrastava para trás como um caranguejo, até que estivesse contra o parapeito da janela.
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─ Era você! – Explodiu Curling. Trepou no anteparo da janela e ficou em pé – era você, não é mesmo? Não toque em mim. Nunca tive a intenção de matá-la. Não está vendo? Foi você que escolheu saltar. Não precisava fazer isto. Eu só queria um pouco de diversão. Você era apenas uma garota da taverna... Não me toque! Curling berrou e recuou diante de alguma coisa eu apenas ele poderia ver. Cambaleou para trás, através da janela e caiu em direção à escuridão que o esperava. O grito perfurou a noite durante o que pareceu ser uma eternidade. A seguir houve o silêncio. Silêncio absoluto. Inclusive o vento estranho que surgira do nada cessou imediatamente. Fora da janela, a névoa voltou a se instalar como uma mortalha sobre Curling Castle. Sebastian se deu conta que ninguém, inclusive ele mesmo estava se movendo. Respirou profundamente e sacudiu a paralisia que o havia mantido em suspenso. Voltou e procurou tateando a vela que deveria estar em algum lugar por ali. Tentou diversas vezes até achá-la e acendê-la. Quando a chama oscilou e cobrou vida, era forte e firme. Sebastian virou-se para Prudence, esperando ver o espanto e a comoção em seus olhos. Prudence estava em pé no meio do quarto, com as sobrancelhas juntas, sua expressa era pensativa. Não tinha a aparência de alguém que acabara de ver um fantasma. ─ Não é curioso Sebastian, que agora não faça tanto frio como antes? – Perguntou. Sebastian olhou para ela. ─ Sim. – Ouviu-se dizer muito suavemente – Agora, a temperatura é muito mais agradável. Garrick lutou para sentar-se e fez uma careta de dor. Olhou o homem que estava caído no chão. ─ Havia três canalhas como este. Todos contratados por uma noite, nas ruas. Este mandou os outros dois de volta à Londres depois que foram pagos. Sebastian levantou a pistola.
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─ Então não serão problema para nós esta noite. – Foi até a janela e olhou para baixo. A névoa formou um rodamoinho e deixou ver fugazmente as botas de Curling sobre as pedras que ficavam embaixo da torre. ─ Nós teremos que acordar o magistrado – disse Garrick. ─ Quem irá lhe contar sobre o fantasma de Lillian? – perguntou Prudence. ─ Acho que termos que deixar o fantasma fora de tudo isto – disse Sebastian ─. Eu, na verdade, não o vi. E, vocês tampouco. ─ Não. – disse Garrick em tom de alívio ─. Eu não vi nada que se parecesse com um fantasma. ─ Eu não estou tão segura disto – disse Prudence. Uma reflexiva expressão transparecia em seus olhos – Eu acredito que posso ter testemunhado uma significativa prova de fenômeno espectral. ─ Minha querida, eu acho que você se equivocou – disse Sebastian – Esta é a minha investigação, e sou eu quem irá falar com o magistrado. E, eu não vi nenhum fantasma. Prudence levantou as sobrancelhas. ─ Como quiser, milord. Não pude deixar de observar que a maldição que Lillian lançou contra os Príncipes da Virtude foi realizada. Os quatro foram destruídos de uma forma ou de outra. Até mesmo Bloomfield pagou pelo que fez com ela. Sebastian começou a argumentar, mas em seguida pensou melhor, e indubitavelmente, Lillian havia sido vingada. Eram quase três horas da manhã quando finalmente puderam apresentar as explicações ao magistrado local. Mr. Lewell era um homem grande e fanfarrão, que levava as suas obrigações muito a sério. Parecia estar profundamente encantado de se encontrar frente a frente com um conde. Fez algumas poucas perguntas, o que foi bastante conveniente, já que Sebastian havia decidido ajustar um pouco os fatos, de acordo com sua própria conveniência. Tal como explicara para Prudence e Garrick, não havia razão para arrastar Jeremy nesse assunto. Além do que, nesse ponto não teria nenhuma maneira de
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provar que as mortes de Ringcross e Oxenham haviam sido outra coisa, além do que haviam parecido, um acidente e um suicídio. ─ Então, Curling cometeu suicídio – Lewell sacudiu a cabeça quando Sebastian terminou a sua história – Bem, ele era muito diferente. De vez em quando havia rumores de coisas estranhas que aconteciam no castelo. ─ Ah, é mesmo? – disse Sebastian com cortesia. ─ Sim. Boatos de criados, vai saber...Contudo, existem dúvidas. Faz alguns anos, uma jovem desapareceu, e algumas pessoas disseram que Curling e seus amigos havia... – Lewell deixou a frase perdida no ar – Bem, isso não tem mais importância nesse momento. O home já está morto. ─ E, bem morto – disse Sebastian. Lewell concordou sabiamente. ─ Lamento dizer-lhe que ele não fará falta por estas bandas. ─ Por causa dos acontecimentos do castelo? – Perguntou Sebastian. ─ Não exatamente – admitiu Lewell – Acho que Curling tinha o costume de trazer os seus amigos elegantes de Londres cada vez que havia uma oportunidade. Infelizmente para os comerciantes locais, trazia suas próprias provisões. Costumava dizer que não conseguia produtos de qualidade no povoado. Nunca gastou um centavo por aqui. ─ Entendo – Sebastian sorriu. Quando a entrevista terminou, Garrick optou por passar o que restava da noite em uma pousada das cercanias. ─ Estou com muita dor de cabeça para pensar em uma viagem de carruagem. Já me preparei para voltar para a cidade amanhã de manhã. E, você dois? Prudence escondeu um bocejo. ─ Eu poderia dormir em pé. Sebastian olhou para ela. Desejava levá-la para casa onde sabia que estaria segura. Desejava colocá-la na cama, onde poderia abraçá-la perto de si para que nada, nem se quer um fantasma, pudesse afastá-la dele. Desejava protegê-la, ampará-la, mantê-la próxima do seu coração para o resto de sua vida.
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─ Pode dormir na carruagem, durante a volta para casa – falou com tranquilidade. ─ Claro, milord – Respondeu ela com a mesma tranquilidade. Sebastian não precisou de muito tempo para fazer todos os preparativos, e meia hora mais tarde, Prudence e ele haviam partido para Londres, em uma diligência alugada. ─ Acho que a névoa está começando a desaparecer. – Prudence bocejou delicadamente uma vez mais e ajustou as mantas de viagem sobre os joelhos ─. Vai levar um bom tempo, Sebastian. Sebastian pôs o braço ao redor de Prudence trazendo-a para perto de si. Olhou para a noite. ─ Chegaremos a casa ao amanhecer. ─ É bem provável. Foi tudo tão emocionante, porém eu juro que não consigo manter meus olhos abertos nem um minuto a mais. – Prudence enroscou-se contra a curva do braço de Sebastian. ─ Prue? ─Hammm? – Tinha a voz rouca de sono. ─ Eu gostaria de tê-la apresentado aos meus pais. Eles iriam gostar muito de você. ─ E, eu gostaria que você pudesse ter conhecido os meus – sussurrou Prudence – Eles ficariam muito felizes em tê-lo como genro. Sebastian lutou para encontrar as palavras para o que desejava dizer. Procurou cuidadosamente em seu interior, testando em suas profundezas o lugar oculto que estivera congelado durante tanto tempo. Percebeu que sem dúvida o gelo havia desaparecido, porém estava intranquilo a olhar com muita atenção o lugar em que havia estado. Era como tentar enxergar através da névoa do lado de fora da carruagem. Não tinha certeza do que encontraria. Temia não encontrar nada no lugar onde havia o frio. ─ Esta noite eu não cuidei muito bem de você, Prue. – disse por fim – As coisas serão diferentes no futuro.
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Ela não respondeu. Sebastian olhou para baixo e viu que tinha as pálpebras fechadas. Estava profundamente adormecida. Pensou se ela o teria ouvido. A viagem acabou sendo curta. Quando a carruagem parou em frente à sua casa, Sebastian levantou Prudence e a levou nos braços diretamente ao piso superior. Colocou-a cuidadosamente na cama, e Prudence não despertou nem se quer quando Sebastian encostou-se ao seu lado. Sebastian se aproximou e pela primeira vez em quatro anos, caiu profundamente adormecido antes que a primeira luz do amanhecer aparecesse. *************
Um mês depois, Sebastian deixou de lado o livro de contas que havia estado olhando, esticou as pernas e recostou-se contra a cadeira. Lúcifer se levantou do encosto do sofá, pulou sobre a mesa e passou por uma pilha de papéis, antes de saltar para o colo de Sebastian. Sebastian olhou para o relógio de bronze dourado, enquanto acariciava o gato. ─ Ela irá chegar em casa a qualquer momento, e veremos o que a minha tia fez com ela. Lúcifer enroscou a cauda ao redor de si mesmo e ronronou em resposta. ─ Só espero que a minha pobre Prudence tenha sobrevivido à experiência. – Sebastian sorriu – Desde cedo ela estava receosa, e eu atrasei o máximo possível, mas finalmente a tia Drucilla conseguiu pescá-la. Lúcifer retorceu as orelhas e deu um miado como resposta. Poucos minutos maia tarde, o ruidoso alvoroço do vestíbulo anunciou a volta de Prudence do passeio de compras. ─ Ah, aqui está ela. – Sebastian observou a porta com expectativa – Aposto que a minha tia a enfeitou de verde esmeralda e amarelo intenso. A porta da biblioteca se abriu bruscamente e Prudence entrou no recinto. Ainda usava o vestido lavanda profusamente enfeitado com babados, com que havia saído. O chapéu, de tamanho ridiculamente exagerado, decorado com flores lavanda,
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agitava-se loucamente. Por trás das lentes de seus óculos, os olhos de Prudence brilhavam animados pela emoção. ─ Sebastian, você nunca irá acreditar no que aconteceu. Sebastian deixou cair Lúcifer e ficou em pé, para saudar a sua esposa. ─ Por favor, minha querida, sente-se. Estou curioso para ouvir os detalhes do seu passeio de compras. ─ Passeio de compras? – Olhou para ele perplexa, enquanto sentava-se em uma cadeira. ─ Talvez, se você fizer uma forcinha, irá lembrar que saiu há mais de três horas em companhia de minha tia. – Sebastian tornou a sentar-se – Iriam reformá-la dos pés à cabeça. ─ Ah, sim... As compras. – Prudence tirou o chapéu e jogou para o lado. – Creio que tudo correu muito bem. Pelo menos a sua tia pareceu muito contente, em todo caso. Eu espero que você goste de verde e amarelo, porque acho que irei usar muito essas cores. Sebastian sorriu. ─ Mas, não é nada disso que eu quero falar com você. – Prudence sorriu satisfeita – Eu consegui outro cliente, milord. Sebastian parou de sorrir. ─ Droga! ─ Ora, Sebastian, não faça assim. Talvez, eu devesse esclarecer que esta será uma das minhas investigações. Vou observar um assunto relacionado aos fenômenos espectrais. E, eu pensei que você gostaria de me ajudar, desta vez. Sebastian olhou para ela com cautela. ─ Eu não quero que você corra nenhum perigo, e isso é definitivo. ─ Se você estiver preocupado com o seu herdeiro, pode ficar tranquilo. – Prudence acariciou o ventre plano – Tenho certeza de foi feito de boa matéria. Não irá se incomodar com um ou dois fantasmas. ─ Vamos, Prue....
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─ Acalme-se, milord. – Sorriu serenamente – Não vai haver nenhum perigo. É um assunto relacionado com um fantasma familiar muito antigo. Ao que parece, foi visto na casa de campo dos Cranshaw. E, eu gostaria de verificar se existe realmente, ou não. ─ E, se existir? ─ Bom, então, eu gostaria de encontrar uma forma de me desfazer dele, pois parece que está amedrontando os criados. Os Cranshaw foram obrigados a contratar três novas criadas e uma nova cozinheira nos dois últimos meses. E, essa rotação de criados é muito irritante, conforme me disse Lady Cranshaw. Sebastian ouvia a esperança na voz de Prudence. Viu que os seus olhos resplandeciam. Também era penosamente consciente da sensação familiar de excitação controlada que fervilhava dentro de Prudence. ─Suponho que não haja muito perigo em fazer uma pequena investigação. ─ Absolutamente. – concordou Prudence. Sebastian ficou em pé outra vez e caminhou com elegância até a janela. ─ Você tem certeza de que seja apenas um assunto de fenômenos espectrais? ─ Certeza absoluta. ─ Neste caso não há envolvimento de assassinato, caos ou planos criminais? ─ Mas é claro que não. ─ Nem envolve nada que seja absolutamente de natureza perigosa? – persistiu. Prudence riu com indulgência. ─ Sério, Sebastian. É totalmente ridículo pensar que esta investigação pudesse implicar alguma atividade criminal perigosa. Estamos falando de um fantasma muito antigo. ─ Bem, - disse Sebastian cautelosamente – Suponho que seja muito bom que investigue o assunto. Mas, é claro que eu irei acompanhá-la, assim terei a oportunidade de observar a sua metodologia. ─ Perfeito. Sebastian sorriu. ─ Pode ser divertido.
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─ Eu achei que você gostaria, milord. – disse Prudence modestamente. Sebastian pensou que ela estava se divertindo com ele. A danadinha sabia que ele sentir-se-ia tão intrigado quanto ela diante da oportunidade de investigar outro interessante mistério. Ela o conhecia muito bem. Pensou que não estava muito surpreso, pois afinal de contas, ela era a outra parte de si mesmo. Sebastian olhou para o jardim iluminado pela luz do sol. ─ Tenho apenas uma condição a fazer, antes de aceitar continuar essa investigação com você. ─ Sim, milord? ─ Quero que me diga outra vez que me ama. – disse Sebastian suavemente. No silêncio que se seguiu, a queda de uma pluma poderia ser ouvida. Sebastian prendeu o fôlego, fortaleceu-se e girou para olhar Prudence. Prudence estava em pé, com as mãos entrelaçadas, e com os olhos muito brilhantes e levemente curiosos. ─ Quer dizer que você me ouviu naquela noite. ─ Eu ouvi você. Mas, não voltei a ouvi-la dizer as mesmas palavras. Você mudou de ideia? ─ Não, milord. Eu amei você desde o primeiro momento em que o vi. E, eu o amarei pelo resto dos meus dias. – sorriu sonhadoramente – Não voltei a dizer essas palavras porque pensei que talvez você achasse, na melhor hipótese, simplesmente engraçadas. ─ Eu saber que você me ama não é motivo de diversão. – Sebastian percebeu que suas mãos tremiam com a força da emoção que o percorria – Você é a minha salvação. ─ Oh, Sebastian! – Prudence voou para os seus braços. ─ Eu amo você, Prue. – Estreitou-a contra si – Sempre. Para sempre. Finalmente, pensou Sebastian, era seguro olhar aquele escuro lugar dentro de si, que um dia fora tão frio. Não estava vazio, como temera; o amor preenchia essa parte dele que estivera presa no gelo durante tanto tempo.
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Abraçou Prudence durante um longo tempo. O calor de Prudence fluía até ele, e o preenchia completamente. ─ Tem alguns pequenos detalhes sobre a nossa próxima investigação que, talvez, deveriam ser mencionados. – murmurou finalmente Prudence contra a camisa de Sebastian. ─ Detalhes? – Sebastian levantou a cabeça. Prudence sorria com seu sorriso mais vitorioso. ─ Bem, de acordo com o meu cliente, há o detalhe de uma gargantilha de diamantes que desapareceu. ─ Diamantes? Estamos falando de diamantes desaparecidos? Bem, espere um instante. Na minha experiência, sempre que há um assunto de joias perdidas, é muito provável que haja uma questão de jogo sujo. Prudence clareou a garganta com uma tosse discreta. ─ Bom, aparentemente tem dois indícios (pequenos, não se preocupe), de que águem tentou invadir a casa dos Cranshaw. ─ Droga, Prue. Você disse que não havia nada de perigoso desta vez. ─ Mas, eu tenho certeza de que não há nada de absolutamente perigoso nesta investigação, milord. Apenas alguns elementos misteriosos, que irão diverti-lo. Eu não gostaria que você ficasse aborrecido. Sebastian sorriu sarcasticamente. ─ Você acha que pode me manobrar facilmente, não é mesmo, meu amor? ─ Da mesma forma que você pode manobrar a mim. – Ficou nas pontas de seus pés e rodeou com os braços o pescoço de Sebastian. – Eu acredito, meu queridíssimo Sebastian, que você e eu fomos feitos um para o outro. Sebastian olhou para os olhos brilhantes de Prudence e sentiu o calor do amor ardendo em seu interior. ─ Eu não tenho nenhuma dúvida a esse respeito. Entrelaçou os dedos no cabelo de Prudence e cobriu-lhe a boca com a sua. Sebastian nunca mais voltaria a temer o frio.
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