AGENDA SETTING VERSUS ESPIRAL DO SILÊNCIO: CASO NARDONI - A MÍDIA CONTROLANDO E ESCRACHANDO A REALIDADE Pensemos por um instante a respeito do impacto que a mídia causa em nossa realidade, em nosso cotidiano? Seja através de jornais, televisão, revista, internet e demais meios de comunicação. A mídia cria moda, dita conceitos e até atinge nossas conversas no convívio social, ou seja, ela influencia nossa relação com o mundo. Neste contexto, há duas teorias que falam a respeito da influencia da mídia na sociedade: a teoria da Agenda Setting e a teoria da Espiral do Silêncio. Este trabalho busca relacionar ambas as teorias com o Caso Nardoni, usado como exemplo de influencia da mídia no Brasil. A menina Isabella Oliveira Nardoni morreu em 29 de março de 2008 com cinco anos de idade, depois de cair do sexto andar do edifício London, na zona norte de São Paulo. Em março de 2010, o júri condenou o pai da menina, Alexandre Nardoni, de 31 anos, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, de 26 anos, pela morte de Isabella. O casal foi considerado o responsável por asfixiar a criança e joga-la pela janela do prédio. Diante da complexidade do caso, veremos como os meios de comunicação utilizaram do fato para angariar audiência, influenciando e manipulando parte da população nacional. Para isso, abordaremos as duas incríveis teorias da comunicação: Agendamento ou Agenda Setting e a Espiral do Silêncio. O Agendamento ou Agenda Setting diz que a mídia determina a pauta para a opinião pública, descartando e ignorando aquilo que não deve ser mostrado. Ela coloca em evidencia para a sociedade o que quer que vire notícia. Ou seja, a mídia destaca determinados temas e ofusca ou ignora outros tantos. Esta hipótese sugere que os assuntos que são discutidos diariamente entre as pessoas são, anteriormente, apresentados pelos Meios de Comunicação de Massa. Outro fato a se destacar é quando um assunto é discutido de maneira insistente por parte da sociedade, este pode vir a se tornar novamente pauta dos mesmos meios que já haviam influenciado as discussões e debates entre as pessoas. Basicamente, as primeiras ideias do Agendamento surgiram com o trabalho de um conhecido jornalista americano chamado Walter Lippmann, em 1922. O jornalista formulou a tese de que as pessoas não respondiam diretamente aos fatos do mundo real, mas que viviam em uma falsa realidade, composta por “imagens em nossas cabeças”, influenciadas pela mídia. Entretanto, o conteúdo básico da teoria foi formulada originalmente por Bernard Cohen em 1963. Bernard dizia que na maior parte do tempo, a imprensa não mexia em “como os leitores pensavam”, mas sim com “o que eles pensavam”. Esta teoria parte de três pressupostos: 1 - Os meios de comunicação de massa não pretendem persuadir e atuam a médio e longo prazo; 2 - Indicam ao público que é necessário ter uma opinião; 3 – Eles ainda fornecem ao público a compreensão de grande parte da realidade social e não são capazes de impor o que pensar, mas influenciar. Além disso, o Agendamento segue fatores condicionados à mensagem e recepção, considerando a necessidade de orientação do público sobre determinado assunto. No quesito mensagem, a análise mais forte está nas manchetes políticas, pois a mídia aponta e interfere na formação da opinião pública a respeito da luta do poder. Neste caso a mídia utiliza como artifícios a dramatização dos acontecimentos nela noticiados, personalização do conteúdo na matéria, e a apropriação de dinâmica nos acontecimentos para acelerar o entendimento do receptor da mensagem. Guiados pela mídia, o público sabe ou ignora, presta atenção ou 1
desconsidera, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os meios de comunicação de massas incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Um exemplo a ser citado é a cobertura da morte da garota Isabella Nardoni, no dia 29 de março de 2008, na Zona Norte de São Paulo. Abordando o caso, a audiência dos telejornais cresceu até 46% nos primeiros 15 dias do mês em relação ao mesmo período de março, mesmo caso do "Brasil Urgente", da Band. A audiência do "Balanço Geral", da Record, cresceu 25%. A este caso também foram lembradas as consecutivas lideranças da Record no período da manhã. No Jornal Nacional, a cobertura preencheu 15 minutos e 20 segundos de uma só edição, o equivalente a 37% do programa. A Rede Globo utilizou 18 repórteres, 8 produtores e 20 cinegrafistas para mostrar o caso. Eles fizeram plantões permanentes em casas de parentes de Isabella e em delegacias. Em suma, aconteceu tudo que telespectadores e mídia queriam: cobertura repetitiva e agendamentos solicitados. O que isso aponta, é o fato de que periodicamente aparecem crimes, que pela intensa divulgação da imprensa, acaba gerando uma enorme comoção popular, de modo que todas as atenções são voltadas para as repercussões desses crimes em vários trabalhos jornalísticos. Neste contexto, o que me chama atenção, além da natureza dos crimes é claro, é a razão de tantas pessoas se sentirem comovidas por esses casos ao ponto de vibrarem com a condenação dos acusados, como aconteceu na leitura da sentença do Casal Nardoni. Pelo visto, não é o crime em si que gera tamanha repercussão, mas sua excessiva abordagem pela mídia, que de várias formas, produz uma visão extremamente unilateral dos fatos. Este único lado, no entanto, aparenta certa imparcialidade que não condiz com o próprio vício da imagem que há, como por exemplo, nos meios televisivos. Não há a menor dúvida de que o destino do Casal Nardoni poderia ser completamente diferente não fosse a atenção que o assassinato de Isabella Nardoni recebeu dos meios comunicacionais. Esse jornalismo é preocupado com a publicação desses crimes em todos os seus detalhes que servem como uma espécie de expiação para as pessoas extravasarem uma indignação contida que em outros casos jamais chegaria a acontecer. Canso de ver certos apresentadores de televisão ligarem os crimes a ausência de fé em Deus ou a ineficácia do Estado. Isso acaba por formar um círculo de opiniões que muito dificilmente irá ser diferente daquele presente em grande parte da população. Isso acontece justamente pela intensa atenção que a mídia dá a casos como o Nardoni. Além disso, o Caso Nardoni lembra também outra teoria: a Espiral do Silêncio, de autoria da pesquisadora alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Segundo Noelle-Neumann, os indivíduos buscam a integração social através da observação da opinião dos outros, procurando se expressar dentro dos parâmetros defendidos pela maioria com a intenção de evitar o isolamento. Nesse sentido, as pessoas tendem a esconder opiniões contrárias à ideologia majoritária, dificultando assim a mudança de hábitos com a finalidade da manutenção do seu status social. Essa opção pelo silêncio ocorre pelo medo da solidão social, onde as pessoas, influenciadas pelo que os outros dizem ou pelo que poderiam dizer, optam pelo silêncio quando suas opiniões correm o risco de não ter receptividade na sociedade. Dessa maneira, mudanças sociais somente ocorreriam quando houvesse um sentimento já dominante, o que passa invariavelmente pela mídia. O resultado desse 2
processo é uma espiral silenciosa que incita as pessoas a perceber as mudanças da opinião pública e a segui-las até que uma determinada opinião se estabeleça como atitude dominante, fazendo com que outras opiniões sejam rejeitadas ou evitadas pela maioria. Elisabeth Noelle-Neumann chegou a essa teoria ao analisar uma mudança súbita nas pesquisas de opinião nas eleições alemãs entre 1965 e 1972, identificando o fato de que os eleitores procuravam ajustar suas opiniões de acordo com a opinião dominante, direcionando seu voto ao candidato que se apresentava como vencedor. As opiniões contrárias à maioria tendiam a recair em uma espiral silenciosa, o que, para a pesquisadora, ocorreria em razão do medo do isolamento social que uma opinião contrária ao padrão dominante difundiria em grande parte da população. O resultado disso, por meio da acumulação, da consonância e da ubiqüidade, dispôs o "clima de opinião" e o próprio resultado das eleições alemãs da época. Diante desse cenário, é impossível não relacionar o modo como certos fatos são relatados pela imprensa com a opinião dominante que a população tem sobre eles. Não se discute a culpabilidade ou não dos sujeitos envolvidos em determinados crimes, mas a maneira aparentemente imparcial através da qual esses crimes são tratados. O bombardeio constante e repetitivo de imagens e textos, certamente provoca o surgimento de um senso comum de pouco reflexão, elencando acontecimentos que merecem pouca ou excessiva cobertura por parte dos meios de comunicação. Para compreender como funciona a Espiral do Silêncio, é preciso conhecer os três mecanismos descritos por Noelle-Neuman pelos quais a teoria influencia a mídia sobre o público. O primeiro deles é a Acumulação: excesso de exposição de determinados temas na mídia. O segundo, a Consonância: forma semelhante como as notícias são produzidas e veiculadas. E o terceiro e último, a Ubiquidade: presença da mídia em todos os lugares. Há também, os quatro pressupostos de onde partiu a teoria: a sociedade ameaça aos indivíduos desviados com o isolamento; os indivíduos experimentam um contínuo medo ao isolamento; este medo ao isolamento faz com que os indivíduos tentem avaliar continuamente o clima de opinião; os resultados dessa avaliação influem no comportamento em público, especialmente na expressão pública ou no ocultamento das opiniões. De acordo com Noelle, os quatro pressupostos acontecem em sequência. Primeiro o indivíduo forma a própria opinião. Em seguida, ele toma conhecimento da Opinião Pública sobre o assunto. A partir daí, tenta descobrir em qual das possibilidades oferecidas pelo tema a maioria dos membros da sociedade está acreditando. Se sua opinião concordar com a dessa maioria, ele não terá problemas em assumi-la em público. Caso não concorde, pode ser que se inicie a Espiral do Silêncio, porque o indivíduo terá o direito de admitir sua opinião, mas o medo do isolamento pode fazer com que ele minta ou a omita. A Agenda Setting e a Espiral do Silêncio possuem várias semelhanças. Ambas são hipóteses comunicacionais contemporâneas propostas na década de 70. Elas baseiam seus estudos na capacidade de influência dos meios de comunicação para com as atitudes e formas de pensar dos indivíduos pertencentes à Sociedade de Massa. Essas teorias também acreditam que a influência dos Meios de Comunicação de Massa provoca o surgimento de uma opinião unificada das pessoas acerca do assunto em questão. As hipóteses defendem que a opinião de 3
um indivíduo não é formada apenas pela influência dos Meios de Comunicação de Massa, mas também através das relações interpessoais. Elas acreditam também na existência dos Líderes de Opinião. A percepção da Opinião Pública por parte de uma pessoa vai ao encontro do pressuposto do clima de opinião da Espiral do Silêncio. Ou seja, elas defendem o fato de o indivíduo tentar descobrir qual a opinião da maioria sobre o assunto em questão. Ambas as teorias também possuem inúmeras diferenças. Basicamente, a Agenda Setting afirma que os meios de comunicação de massa agendam as nossas opiniões e discussões públicas. Já a Espiral do Silêncio é a teoria que influencia o nosso comportamento público pela opinião da maioria, ameaçando o indivíduo ao isolamento social. Enfim, nossas opiniões são marcadas pelos meios de comunicação de massa e pelo grupo social ao qual pertencemos. O Agendamento defende que os assuntos que geram discussões entre as pessoas podem virar pauta dos Meios de Comunicação de Massa, ou seja, que a mídia influencia a pessoa, mas também é influenciada por ela. Já a Espiral do Silêncio acredita que esta influência é uma “pista de mão única”, onde apenas a pessoa é influenciada. A Agenda Setting defende também que indivíduos de mesma audiência tendem a manifestar mesma opinião sobre os fatos. Já a Espiral do Silêncio acredita que isso ocorre quando indivíduos possuem um mesmo Líder de Opinião. Outra diferença é que Agenda Setting admite a discussão, o debate de ideias diferentes entre as pessoas da Sociedade de Massa. A Espiral do Silêncio recusa a ideia, defendendo que as pessoas que pensam de maneira diferente à da maioria, por medo de sofrer isolamento, não discutem. Logo, a Sociedade de Massa debate apenas em concordâncias, ou seja, compartilha perspectivas diferentes para uma mesma opinião. No Agendamento quanto maior é a discussão sobre um tema, maior é a busca de informações das pessoas sobre ele. Já na Espiral do Silêncio não se cogita essa procura. Se um indivíduo pensa de maneira contrária ele simplesmente se cala ou se rende à opinião da maioria. E há ainda, a diferença entre os pressupostos destas duas teorias. Os da Agenda Setting estão baseados no espaço de tempo em que a influência ocorre. Já os da Espiral do Silêncio dizem respeito às atitudes que uma pessoa pratica quando esta influência se estabelece. O Agendamento propõe três desdobramentos da hipótese: Agenda pessoal, Agenda interpessoal e Agenda perceptiva. A Espiral do Silêncio é uma só, sem divisões ou níveis de influência. Para concluir, penso que o Caso Nardoni é um ótimo exemplo para ambas as teorias comunicacionais. Em relação à Agenda Setting, penso que a partir do momento em que as pessoas percebem como podem ser influenciadas, elas passam a avaliar melhor suas atitudes, deixando de agir segundo os moldes estabelecidos pelos Meios de Comunicação de Massa. Isso, fatalmente diminui esta influência. Sendo assim, para exercermos cada vez mais nossa cidadania não basta apenas conhecermos nossos direitos e deveres, mas desenvolvermos nossa percepção e senso crítico na realidade do nosso cotidiano. Estamos na era da informação e a quantidade que recebemos dela é imensa, como ocorreu no Caso Nardoni. Por isso precisamos urgentemente melhorar nosso senso crítico para poder escapar do controle e manipulação feita pela grande mídia, que na verdade são empresas a serviço do capitalismo. Quanto a Espiral do Silêncio, é lastimável que uma pessoa que discorda da opinião da maioria é incapaz de manifestar sua opinião, porque sente medo de ser condenado ao isolamento. Precisamos refletir se realmente não é apenas o ponto de vista que interessa para alguns grupos. Diante 4
das possibilidades de influência dos meios de comunicação de massa na vida de uma pessoa, é essencial refletir sobre a importância de não se permitir influenciar e não tomar decisões sem prévia avaliação seja em relação à aquisição de um serviço ou a aceitar uma opinião. E assim, fica a questão: até quando vamos deixar a mídia controlar e escrachar a nossa realidade?
REFERÊNCIAS: LUIZ GALVÃO. Agenda Setting e Espiral do Silêncio. Disponível em: <http://luizgalvaomidia.blogspot.com.br/2008/07/agenda-setting-e-espiral-dosilncio.html> Acesso em: 13 abr. 2014. TEORIAS DA COMUNICAÇÃO. Teoria Espiral do Silêncio. Disponível em: <http://teoriasdacomunicacao2.wordpress.com/teoria-espiral-do-silencio/> Acesso em: 13 abr. 2014. RAZON Y PALABRA. A Hipótese da Agenda Seeting: Estudos e Perspectivas. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n35/jbrum.html> Acesso em 13 abr.2014.
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