É preciso priorizar o transporte público em Maringá, apontam especialistas

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Domingo, 7 de novembro de 2017

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Edição: Rosane de Barros - rosane.barros@gmail.com Diagramação: Andrea Tragueta - andrea@odiario.com

Mobilidade Urbana

É preciso priorizar o transporte público em Maringá, apontam especialistas Cidade está à beira da saturação de veículos, entretanto mantém ações que priorizam o fluxo do carro em detrimento do modal ônibus

y Angélica Nogaroto

quiteto e urbanista e mestre em Engenharia Urbana com especialidade em transportes não motorizados.

Imagine o mundo sem metrópoles como Tóquio, Nova York ou São Paulo. Sem meios de transportes motorizados massivos, como existem hoje, a população viveria a mesma realidade de 1860. As cidades até então cresciam num raio máximo de cinco quilômetros. Se essa distância fosse transformada em percurso para caminhada, seria o equivalente a andar em linha reta por cerca de uma hora. O cenário mudou a partir de 1910, quando as ferrovias e metrôs na Europa começaram a se desenvolver. A infraestrutura de transporte viabilizou que cidades como a inglesa Londres pudessem crescer em um raio de, em média, 24 quilômetros. Foi nessa época, inclusive, que os automóveis começaram a circular na Europa. O aumento da malha rodoviária acompanhou esse crescimento das cidades e a aquisição de automóveis. Com isso, o uso massivo dos carros influenciou não só mudanças sociais, como também a arquitetura e configuração das cidades, criando um paradoxo. Enquanto a formação de metrópoles é condicionada ao aumento da oferta de transporte, os habitantes ficam dependentes do meio para se locomover até o trabalho, escola ou lazer, principalmente os que moram em regiões periféricas. Se não há investimento em oferta de transporte público eficiente, confortável e com preço justo, quem tem condições financeiras de manter um automóvel particular vai preferir utilizá-lo. A alta demanda por veículos satura as vias das cidades e gera problemas sociais. O consenso entre especialistas em transporte e mobilidade urbana é a necessidade de priorizar os meios de transportes públicos, como os ônibus, e não motorizados, como as bicicletas. Pode parecer simples na teoria, mas, então, por que isso não acontece na prática?

É lei!

nogarotoangelica@gmail.com

Criam-se ‘monstrinhos’ quando se constrói soluções que vão beneficiar o carro. Obviamente as pessoas vão comprar cada vez mais carros”. Thiago Neri mestre em Engenharia Urbana Enquanto cidades europeias na segunda metade do século 20 já repensavam o modo de oferecer transporte público para amenizar a saturação causada pelos automóveis privados, o Brasil dava início ao desenvolvimento rodoviário, motivado pela instauração das indústrias automotivas no país. Desde então, houve ações tímidas ou pontuais para priorizar os meios de transportes alternativos. Por outro lado, observou-se incrementos de ações que favorecem os usuários de automóveis e acontecem em maior escala, como redução de impostos na compra de carros e aberturas de vias e estacionamentos públicos. Entre 2010 e 2016, enquanto a população nacional cresceu 8%, a frota de automóveis aumentou 45%, segundo projeção populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relacionada com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). “A população começa a perceber, não de maneira intencional, que o veículo individual motorizado é a única solução viável. E [nesse contexto] realmente é, porque só se trabalha para eles. Criam-se ‘monstrinhos’ quando se constrói soluções que vão beneficiar o carro. Obviamente as pessoas vão comprar cada vez mais carros”, afirma Thiago Botion Neri, ar-

Num esforço para tentar demonstrar preocupação com o problema, o governo federal instituiu em 2012 as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. A Lei 12.587 estabelece que, até abril de 2018, cidades com mais de 20 mil habitantes devem incorporar ao Plano Diretor diretrizes de mobilidade urbana. Para estarem de acordo com a norma, desde a instituição da lei, todos os projetos de mobilidade devem priorizar os meios de transporte não motorizados sobre os motorizados e o serviço público coletivo sobre o transporte individual motorizado, além de integrar os modos e serviços de transporte urbano. Isso significa priorizar pedestres, ciclistas, usuários de transporte público e, por fim, usuários de automóveis individuais, nesta ordem. Porém, projetos de mobilidade têm alto custo para as cidades, por isso dependem de recursos financeiros estaduais ou federais. Caso as cidades não cumpram o prazo de incorporar o estudo ao Plano Diretor, repasses de verbas federais destinadas às políticas de mobilidade urbana poderão ser suspensos. A seis meses de vencer o prazo dado pela Lei 12.587, Maringá, a terceira maior cidade do Paraná, com população de 406 mil habitantes, ainda não iniciou os estudos. O primeiro prazo para entrega venceu em 2015. Em 2016, no entanto, foi estendido em mais três anos. Segundo a Secretária Municipal de Mobilidade (Semob), é preciso contratar uma ou mais empresas especializadas para elaborar a pesquisa de mobilidade, em Maringá. “Temos por obrigação federal fazer o plano de mobilidade. Talvez façamos um estudo só para transporte coletivo. O problema é que temos que abrir licitação para contratar uma empresa, senão poderíamos escolher uma que sabemos que o trabalho é bem-feito”, afirma a mestre em Arquitetura e Urbanismo Elise Savi, gerente de Projetos da Semob. Segundo ela, para se fazer o plano de mobilidade, geralmente as empresas pedem 10 meses. “Se for fazer a pesquisa de Origem e Destino (OD) junto com o plano demora um pouco mais. Vai depender do que for solicitado. ” O OD é fundamental para qualquer plano de mobilidade, pois traça o deslocamento da população. Conhecendo quais são os locais com altas e baixas demandas, o poder público pode, de forma objetiva, planejar ações que melhorem a mobilidade. “É um documento valiosíssimo para que se tome decisões corretas ou há o risco de se gastar milhões para implantar um corredor, que pode virar um ‘elefante branco’”, reforça o urbanista Thiago Botion Neri. Com o OD, segundo ele, é possível apontar em quais vias arteriais de Maringá poderiam ser implantados faixas ou corredores de ônibus. Espaços exclusivos para os coletivos são as principais medidas apontadas por especialistas para melhorar a mobilidade urbana na cidade. Maringá tem apenas um trecho de faixa exclusiva com cerca de 1,5 km, na avenida Morangueira - entre as avenidas Colombo e Alexandre Rasgulaeff. No entanto, o trecho está em obras para tornar a faixa de ônibus à esquerda da via, junto ao canteiro central. A obra inclui a construção de faixa para ônibus na avenida Kakogawa e a construção de três terminais de integração pelo trajeto. Se concluído o projeto (a prefeitura não fala em prazos), Maringá terá 4 km exclusivos para o transporte público. Os estudos de Origem e Destino são indispensáveis para traçar projetos de longo prazo e para absorver as futuras demandas populacionais. Projeção populacional do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), indica que Maringá atingirá o número de meio milhão de habitantes em 2030, passando a ser classificada como município de grande porte. Atualmente, a cidade conta com sistema de transporte radial, com as linhas distribuídas para os bairros a partir de um terminal de transportes centralizado.

DESIGUALDADE. Transporte público ineficiente gera alta demanda por veículos particulares, que resulta em problemas sociais urbanos como a falta de acessibilidade —FOTO: ANGELICA NOGAROTO

acesso proibido! É preciso restringir o uso dos veículos individuais motorizados, como a proibição em determinadas áreas e redução de estacionamentos nas vias, dizem especialistas. —FOTO: ANGELICA NOGAROTO

Queda IPK. Entre 2013 e 2016, a TCCC perdeu 14% dos usuários, enquanto o número de veículos no município aumentou 8%, quase o dobro do crescimento populacional —FOTO: Gabriel Brunini.

“Esse sistema é funcional nas cidades de pequeno a médio portes, mas começa a ficar problemático a partir do momento que a cidade se expande”, afirma o arquiteto Diego Vieira, mestrando em Engenharia Urbana, na subárea em transportes. Vieira desenvolveu, ainda na graduação, pesquisa que aponta que Maringá poderia ter cinco zonas de transportes com terminais regionais, divididas por vias arteriais. “Há regiões que essencialmente só podem ser acessadas por certas avenidas”, diz, citando como exemplos a avenida Colombo e as avenidas Morangueira e São Paulo, que se interceptam e ligam a cidade nos sentidos norte-sul, leste -oeste. Seria precisa dividir mais uma dessas zonas, por causa da grande extensão.

Priorização dos ônibus

Segundo os especialistas, a criação de espaços exclusivos para o ônibus é a maneira mais eficiente de melhorar o transporte público e torná-lo mais atrativo. É necessário uma rede de vias exclusivas que atendam demandas em diferentes áreas da cidade para que as pessoas comecem a utilizar o transporte coletivo, algo que, afirmam, não acontecerá do dia para noite. “É muita ingenuidade, para não dizer ignorância, achar que nos primeiros dias após a inauguração de uma obra dessa as pessoas vão começar a utilizar. Elas vão perceber que podem usar o transporte público real-

Qualquer redução mínima que se faça nos estacionamentos gera reclamações imensas. Ninguém percebe que está se fazendo isso para melhorar as condições de tráfego. ” Gilberto Purpur secretário de Mobilidade Urbana

mente quando virem que conseguem chegar mais cedo em casa ou que podem dormir um pouco mais, ter qualidade de vida melhor. E aí, muitos vendo que o transporte coletivo funciona de maneira um pouco mais eficiente, começam a aderir”, afirma Thiago Neri, mestre em Engenharia Urbana. Além disso, o ônibus compete em desvantagem com carro pelo espaço público. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o automóvel privado ocupa 60% das vias e carrega somente 20% dos passageiros, enquanto o ônibus pode carregar 70% dos passageiros, mas ocupa apenas 25% do espaço viário. Para Neri, quando não há faixas ou corredores exclusivos para os ônibus, quem depende do transporte público é onerado por estar preso a congestionamentos que não provocou, além de ter que pagar tarifas mais altas, pois, com a baixa qualidade do serviço, o número de usuários diminui.

Alto custo, baixa qualidade

Além da adequação da infraestrutura da cidade, a frequência, o itinerário que respeite o que a população deseja, o tempo de viagem, ônibus confortáveis e informações completas também devem contemplar as exigências dos usuários. Melhorias que incidem diretamente no valor da tarifa. Para Thiago Neri, ter linhas de ônibus que abrangem todos os bairros não significa bom serviço. Sem estudos, como a OD, linhas de ônibus passam a atender esses bairros periféricos - mesmo que precariamente -, o que aumenta a quilometragem. Se tiver demanda baixa ou quase zero a viagem acaba não sendo rentável. Aumenta-se a tarifa e o itinerário, que torna a viagem mais longa e o transporte menos atrativo. Em teoria, quanto maior o Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK) maior a condição de cobrar uma tarifa mais justa. Porém, de 2013 a 2016, IPK de Maringá caiu de 1,38 para 1,35, segundo as tabelas de custos operacionais da Transporte Coletivo Cidade Canção (TCCC), concessionária do serviço na cidade, disponibilizadas no site da prefeitura. “Até mesmo quem não tem tantas condições financeiras pôde comprar veículos nos últimos anos”, afirma Neri. Mas a tabela não mostra somente a queda de passageiros. Enquanto a média de usuá-

rios caiu 14%, a de quilometragem caiu 12%. Na comparação, o mesmo período, 2013-2016, a frota municipal aumentou 8% enquanto a população cresceu 4,5%. Para Luiz Carlos Alves Pinto, gerente de Tráfego da TCCC, o valor da tarifa repassado ao público poderia ser mais baixo com subsídios ao óleo diesel e recursos financeiros do poder público para custear a gratuidade de idosos e pessoas com deficiências. “Quem cria a lei [da gratuidade] não diz quem vai ser a fonte pagadora”, critica. Por contrato, quem deve determinar quais e como os serviços devem ser oferecidos é a prefeitura. No entanto, segundo Fabiane Gimenes Pradella, gerente de Operações do Transporte Coletivo da Semob, o poder municipal limita-se a sugerir o que a TCCC pode oferecer, como Wi-Fi, ar-condicionado, melhoria na estrutura física, extensão de itinerários. Este ano, a prefeitura bloqueou o reajuste da tarifa até que algumas solicitações sejam atendidas. “Queremos que seja proposto [pela empresa], por meio de um cronograma, como e o que vai ser feito e o que eles entendem como melhoria”, afirma Fabiane. Quaisquer dessas melhorias arcadas pela empresa fornecedora têm o custo repassado aos usuários por meio dos reajustes anuais. Porém, segundo Fabiane, a prefeitura, que autoriza os reajustes na tarifa, não tem controle seguro sobre a fidedignidade das planilhas de custos da TCCC. Segundo o titular da Semob, José Gilberto Purpur, a secretaria está montando uma equipe maior para gerir o transporte público. No entanto, o secretário não informou quando o setor assumirá a gestão. “Até a contagem dos passageiros, que é fundamental, recebemos da TCCC. Vamos exigir que esses dados sejam passados diretamente para a prefeitura. Claro que a empresa vai ter acesso aos dados, mas paralelamente, para que tenhamos segurança no número de passageiros”, garante José Gilberto Purpur, que também não estabeleceu prazo para o início dessa cobrança.

Outros modais

Segundo o arquiteto Diego Vieira, a população não pode ficar restrita a um único modo de transporte. É preciso oferecer a possibilidade de utilizar mais de um meio de loco-

moção para tornar a mobilidade eficiente. “De repente eu estou andando de bicicleta, preciso fazer um trajeto mais longo e não conseguirei chegar. Por isso, é preciso ter condições de ingressar no transporte [público] com a bicicleta, assim como ter condições de modos de transporte à medida que o usuário precise mudar”, afirma. Por isso, as ciclovias e faixas de ônibus devem caminhar juntos para atender as necessidades dos usuários. Para o urbanista Thiago Neri, por conta das ruas largas, Maringá tem potencial para um transporte público eficiente e, pelo terreno plano, extensa rede cicloviária. “São poucas as cidades que possuem tantas ruas largas e terreno tão bom para bicicletas como nós temos. Enquanto cidades antigas, cidades com ruas tortuosas, apertadas, estão fazendo alguma coisa, por que não fazemos?”, questiona.

Priorização dos carros

Apesar de ser uma cidade relativamente nova, com 70 anos, Maringá registra atualmente 1,2 pessoa para cada veículo, segundo projeção populacional para 2016 do IBGE relacionada com dados da frota divulgados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) para o mesmo ano. “Maringá está próxima à saturação. Até agora as ações foram muito concentradas na priorização do transporte individual. O binário [transformar as duas vias da avenida em sentido único] é uma prova disso. Maringá ainda é uma cidade privilegiada, com boas vias, não há pontos de engarrafamentos, e sim alguns pontos de lentidão bastantes curtos nos horários de picos, mas percebe-se uma piora gradativa”, analisa o secretário José Gilberto Purpur. A cidade, nos últimos anos, vem anunciando medidas para tentar solucionar questões pontuais do trânsito. Medidas entendidas pelos especialistas aqui entrevistados como uma “retardação do problema”, porém, muito bem aceitas pela população. Em 2010, antes da instituição da Lei n° 12.587/2012, as principais avenidas do centro de Maringá (São Paulo, Herval, Duque de Caxias e Paraná) passaram a adotar o sistema binário. De acordo com a então Secretaria Municipal de Transportes (Setran), em reportagem publicada no jornal O Diário

Espaço Desigual. De acordo CNT, o carro ocupa 60% das vias e carrega somente 20% dos passageiros, enquanto o ônibus carrega 70% dos passageiros e ocupa apenas 25% do espaço viário. —FOTO: ANGELICA NOGAROTO

TCCC 262

veículos

4,3 idade média dos ônibus

1,3 milhão km/mês

67 linhas urbanas

532

motoristas

do Norte do Paraná, o novo formato daria maior fluidez ao trânsito e possibilitaria a implementação das chamadas “ondas verdes”, semáforos que abrem em sincronia com a velocidade estipulada para os carros naquela via. Outra vantagem oferecida aos motoristas seria a possibilidade de conversão à esquerda, com a implantação de “agulhas” no canteiro central. “Nenhum caderno técnico disse que é obrigatório transformar uma avenida numa mão única para se fazer a onda verde. É uma tese que não se sustenta. Bastava proibir conversão à esquerda, que conseguiria viabilizar a onda verde nos dois sentidos”, critica o urbanista Thiago Neri. O centro de Maringá não foi a única região da cidade a sofrer mudanças para tentar realocar o fluxo de veículos. Com objetivo de desafogar o trânsito da avenida Mandacaru, as ruas do lado oeste, Arlindo Planas, das Orquídeas, das Rosas e dos Jasmins, na Zona 6, ganharam sentido único. Se em 2009 pareceu uma boa solução, atualmente, quem trafega por essas vias percebe que não há fluidez, muitas vezes até fora do horário de pico. Para o especialista em trânsito Luis Riogi Miura, responsável pela implantação pioneira, em Brasília, das faixas de pedestres onde não há sinaleiros (sistema posteriormente adotado por vários municípios brasileiros), o aumento da população e da frota de veículos faz fracassar qualquer projeto de acomodação do automóvel. Para resolver


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isso, o poder dominante deve mudar o foco de prioridades nas ações de mobilidade. Para Miura, as soluções de trânsito imediatistas só serão boas se forem instrumentos de um bom plano de mobilidade urbana. Hoje, segundo ele, são o fim e não vistas como instrumentos. “É necessário, junto com a melhoria na qualidade do transporte coletivo e medidas que estimulem o deslocamento a pé ou de bicicleta, restringir o uso dos veículos individuais motorizados, como a proibição desses veículos em determinadas áreas e redução drástica de estacionamentos nas vias.” Neste ano, a velocidade das vias binárias do centro de Maringá foi reduzida nos horários de pico, passando de 50 km/h para 40 km/h, segundo a Semob, por causa dos engarrafamentos.

Estacionamentos públicos

Enquanto projetos de mobilidade que beneficiam o automóvel são bem aceitos pela população, a retirada de estacionamentos para criação de corredores de ônibus ou ciclovias é motivo de reclamações e pressão popular, principalmente do comércio. Na avenida Mandacaru foi apresentado pela gestão do então prefeito (2012-2016) Roberto Pupin (PP) projeto de implantação de faixas de ônibus, mas seria necessário a retirada de estacionamentos. Em 2014, comerciantes e moradores da avenida fizeram abaixo-assinado para que o espaço exclusivo não fosse implantado. Eles argumentaram, na ocasião, que a mudança poderia provocar queda no número de vendas e do movimento e que apenas uma linha passava completamente pela avenida. A suspensão foi acatada pelo então prefeito após uma reunião com um grupo de empresários, segundo reportagem da RPC, publicada pelo portal G1. “O comerciante é contra porque há uma mentalidade, principalmente em Maringá, de que a vaga em frente [ao estabelecimento] pertence a ele, mas aquela vaga é para todos os usuários. O papel do poder público é priorizar o coletivo”, reforça Fabiane Gimenes Pradella, gerente de Operações do Transporte Coletivo da Secretaria de Mobilidade Urbana. Para o secretário Gilberto Purpur, “Maringá é uma cidade generosa com estacionamento públicos”, inclusive em áreas nobres da cidade, espaços que poderiam ser usados para convivência, mudanças previstas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana. “Existe uma inversão de valores por parte da população. Quando se acostuma a popu-

O aumento da população e da frota de veículos faz fracassar qualquer projeto de acomodação do automóvel. Para resolver isso, o poder dominante deve mudar o foco de prioridades”. Luis Miura especialista em trânsito

OPÇÃO. Em média, são realizadas 15 mil integrações por dia, viagens que podem durar mais de uma hora; deve-se considerar outras opções de locomoção além do ônibus . —FOTO: Gabriel Brunini lação com essas ofertas de vagas, qualquer redução mínima que se faça nos estacionamentos gera reclamações imensas. Ninguém percebe que está se fazendo isso para melhorar as condições de tráfego.” O urbanista Thiago Neri lembra que estacionar o carro na rua não é direito garantido por lei. É preciso estabelecer que as necessidades individuais não sobressaiam a coletividade. “Temos que começar a pensar que as ruas não foram feitas só para os automóveis. O carro continua sendo um modo de transporte importante, uma opção para muitos, só que precisamos criar outras opções e para isso é preciso tirar um pouquinho de quem sempre foi beneficiado”, insiste. Foi o que Curitiba fez anos 70. Priorizou o transporte público, tornando-se referência para várias cidades brasileiras. Mas, para isso, muitos estacionamentos tiveram que ser retirados para a implantação dos corredores para ônibus. “Ou nossa cidade realmente assume a responsabilidade de tornar o transporte público e o transporte não motorizado respeitados ou continuará esse ‘finjo que eu faço e todo mundo finge que está achando legal e vamos levando’, porque não estamos evoluindo muito”, desabafa Thiago Neri.

Cumprimento da Lei 12.587/2012

O Ministério Público (MP) tem a função de fiscalizar o poder público em diversas esferas e tem como um dos princípios a defesa dos interesses sociais. Segundo o promotor Maurício Kalache, da 6º Promotoria de Justiça de Maringá, na questão dos transportes, o MP fiscaliza as condições de oferta do serviço e a política tarifária praticada na cidade. Kalache explica que, caso Maringá não cumpra as determinações da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, o MP, en-

De um ponto a outro De acordo com a planilha de custos da Transporte Coletivo Cidade Canção (TCCC) referente a 2016, divulgada no site da Prefeitura de Maringá, das quase 4 milhões de viagens feitas por mês pela frota da empresa em Maringá, 470.254 foram integração, ou seja, o usuário usou mais de um ônibus para completar o trajeto, pagando apenas uma tarifa pelo serviço. Média de quase 15 mil por dia. Maria Aparecida Nachbar, 43, é uma entre os inúmeros maringaenses que usam dois ônibus para se deslocar entre a casa e o trabalho - um total de quatro trechos, dois na ida e dois na volta, cujo percurso pode demorar mais de uma hora. Auxiliar operacional no Hospital Municipal, a rotina dela tem que começar cedo. A primeira viagem é na linha 137, Conjunto Hermann Moraes de Barros, região norte de Maringá, às 5h30. O ônibus chega ao terminal urbano às 6h. De lá, o percurso continua pela linha 416, Cidade Alta, até o hospital, que fica na região sul, chegando a tempo de bater o ponto, às 6h30. Na volta para casa, o trajeto, que já é longo, ganha mais 20 minutos, por causa do “horário de pico”. Maria sai do serviço às 18h30 e só chega em casa às 19h50. Em escala onde se trabalha 12 horas num dia e há folga no outro, ela diz que não dá para ter a mesma rotina aos fins de semana. “A circular passa mais tarde, aí não dá para chegar ao trabalho a tempo. Não tem jeito, é melhor usar o carro”, reclama. A preferência pelo veículo se dá para ir a todos os outros lugares. “A gente perde muito tempo andando de ônibus”, diz. Perguntada por que abre mão do carro durante a semana, ela é taxativa: “Para economizar combustível”. quanto esfera de atuação administrativa, não pode obrigar ou determinar condutas dos gestores, mas pode sugerir adequações por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), estabelecido entre as partes. Já no plano judicial, desde que haja pedidos que encontrem fundamentos em lei, o MP pode “requerer ao Poder Judiciário que determine ações ou omissões aos gestores”. Além do bloqueio de financiamentos para a mobilidade urbana provenientes da União, Kalache afirma que o MP pode obter judicialmente a condenação do município na obrigação de elaborar o Plano de Mobilidade, com possível aplicação de multa pelo atraso no cumprimento. “Vejo ainda como possível discutir a improbidade administrativa do gestor, dentro de certos limites”, afirma o promotor.

Número

1,2 pessoa por veículo em Maringá Fonte: IBGE e Denatran

De bicicleta

Mobilidade urbana sustentável. Projetos de mobilidade devem priorizar o transporte não-motorizado; entre os motorizados: os públicos vêm antes dos particulares . —FOTO: Angélica Nogaroto

Ao contrário do que prega o senso comum, pesquisas indicam que a retirada de estacionamentos aumenta o fluxo de pedestres em áreas de concentração de comércio nas cidades. Desde 2007, Nova York vem investindo fortemente em um Plano Cicloviário. Segundo a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), a receita do comércio em avenidas que tiveram a circulação de carros restringida cresceu 49%, enquanto nas regiões sem o plano cicloviário, o comércio cresceu apenas 18%. Segundo pesquisa feita em Portland (EUA), indicada na cartilha Manual Bicicleta e Comércio, produzida pela associação, a cada visita feita aos estabelecimentos de uma região comercial, ciclistas gastam um pouco menos do que motoristas. Porém, ao fim do mês, o gasto é, em média, 24% maior, pois os ciclistas visitam o comércio mais vezes. Dados similares foram registrados em Toronto, Canadá e em cidades da Nova Zelândia. O motivo do aumento das vendas? Os ciclistas passam em baixa velocidade e não exigem grandes áreas para estacionar. Mais fácil para parar em frente a uma vitrine e entrar numa loja. O mesmo acontece com quem utiliza ônibus.


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