Monotipia19

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Lila Cruz @colorlilas http://colorlilas.com/


19. “Não se trata só do que a coisa é, mas também do que ela será”. Frase de “parachoque de caminhão” cujo sentido se revelará em alguns dias. Martins de Castro, Editor www.monotipia.com facebook.com/monotipia monotipia@gmail.com @monotipia


Dois dedos de prosa com

Denny Chang



Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. Denny Chang: Que pergunta difícil. Formação é algo cósmico, de difícil apreensão. Acho que minha formação está espalhada por aí, ou seja, é um amontoado de experiências que tive. Momentos, situações, aprendizados, traumas, amigos, paixões, família, pessoas que morreram, que foram embora, que entraram. Experiências que me marcaram e de alguma

perco no labirinto da contemplação. Uma grande influência pra mim é o Eloar Guazzelli. Além da identificação de temas e a forma de desenhar, o trabalho do Guazzelli, desde que eu li há uns 5 anos atrás o El Hombre de La Rambla na revista Dumdum, é minha maior referência. Ali descobri onde quero chegar com o meu desenho (e onde posso chegar) e a forma de contar histórias. Posso dizer que ter tido

forma terminaram determinando uma forma de desenhar ou fazer quadrinhos e, consequentemente, ajustando meu foco sobre o que é interessante e pode me ensinar a fazer bem meu trabalho, em relação a qualquer parte do processo. É cíclico. Acho que isso é maior, mais interessante e verdadeiro do que uma formação material, no sentido de listar referências culturais/artísticas. Isso também faz parte, claro. Ilustrar e quadrinizar são belos meios de celebrar essas coisas que são a formação de cada um.

contato com o trabalho dele foi uma daquelas experiências que muda muita coisa no nosso próprio trabalho, no que queremos fazer com ele. E isso segue até hoje, tô sempre me surpreendendo com o Guazzelli. Partindo daí, essa história de “o que fazer com o desenho” é onde foco mais quando vejo o trabalho de outros ilustradores/ quadrinistas. Gosto do traço solto e descompromissado com correções ou regras, quase tosco, mas que é belíssimo ao mesmo tempo na simplicidade, sem ser virtuosamente chato e entediante. Vi que isso tem sido chamado de desenho primitivo. Fantástico. Então todos esses quadrinistas que tomam esse caminho do desenho primitivo são influência pra mim.

MT: Quais são as suas principais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas? Denny: Vou tentar ser objetivo, se não vou pra todos os lados e me


Livro ilustrado integrante da exposição ‘Café Inferno’


Livro ilustrado integrante da exposição ‘Café Inferno’


Fora do Brasil e ainda nessa linha gosto muito do Bastien Vivés, Cyril Pedrosa e descobri recentemente uma quadrinista norteamericana chamada Eleanor Davis. Um trabalho excelente, de dar inveja e ser influência.

MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? Denny: Bom, antes de tudo, meu processo de trabalho é bem mais artesanal do que digital e dá pra dizer que isso é uma preferência de formato. Gosto de papel, de texturas, rabiscar, sujar as mãos, a roupa etc. Faz uns meses já que não tenho conseguido desenhar muito em folhas pequenas, cadernos de desenho pequenos. Isso tem me travado, então tenho um estoque de folhas grandes pra desenhar, fazer rascunhos e finalizar trabalhos também. Deixo umas cinco folhas em cima da mesa e sinto que é bem mais convidativo pra eu sentar e começar a desenhar, o que for, considerando que sou um tanto preguiçoso e mestre em adiar iniciativas. Quanto ao material: apesar de atualmente estar usando bastante cor,

o preto e branco é meu preferido. Um lar, praticamente. Sempre me sinto bem voltando pro p&b, então gosto bastante de canetas, especialmente aquelas japonesas da Pentel que simulam pinceis, usando nanquim mesmo. Mas gosto de outros materiais também, lápis dermatográfico, aquarela, acrílica, grafite, carvão. E tenho prestado mais atenção em tipos de papeis. Ao mesmo tempo não sou um maníaco por materiais. Tendo caneta e papel, já tá valendo. MT: Como é a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs? Denny: É basicamente um problema de disciplina e a dinâmica começa aí. Mas vamos lá, tento acordar todo dia no mesmo horário e não fico mais de pijama em casa, o dia inteiro. Isso ajuda a criar um ritmo de trabalho e uma ilusão de profissionalismo. O lugar ajuda na dinâmica também. Durante muito tempo trabalhei no meu quarto, quando morava com meus pais. Isso virou um inferno com o tempo. Quando me mudei, trabalhei na sala do apartamento. Isso virou um inferno com o tempo. Agora me mudei de novo e tenho


um lugar próprio só para o trabalho, então acho que vai melhorar bastante, é estimulante ter um canto só pra isso. No sentido prático, fico um bom tempo pensando e criando mentalmente, apenas. Independente de ser ilustração ou HQ, encomenda ou projeto pessoal. Faço bastante anotações, escrevo mais do que desenho nessa fase inicial, busco algumas referências. Depois, quando sinto que essa parte já está de bom tamanho, começo a desenhar. No fim do trabalho, vem a parte de saber se o resultado está funcionando ou não. Se não está, analiso e vejo o que dá pra mudar, o que pode ou deve continuar como está, ou se tudo deve ser refeito, baixo a cabeça e começo de novo. Bom, acho que esse processo cabe mais para ilustração. Com HQ o processo começa igual, como disse antes. Escrevo muito, desenho pouco. Se uma pessoa pegar meus supostos cadernos de desenho vai ficar um tanto decepcionada porque a verdade é que no fim eu escrevo muito mais do que desenho. Enfim, depois de organizar e anotar algumas ideias, escrevo um roteiro, mas não muito detalhado.

Basicamente diálogos, descrições e notas de detalhes que não quero esquecer ou de coisas que já estão bem estruturadas na minha cabeça. Depois disso, faço um rascunho das páginas em miniaturas e o roteiro vai mudando paralelamente; depois faço o rascunho das páginas e finalizo. O resto é o de sempre: escaner, retoques no photoshop e felicidade (ou desgosto). Isso tudo ao longo do dia, sempre. As distrações são fáceis, mas quando engato, a obsessão entra e é difícil de sair dessa dinâmica de criação. Agora, não sei se esse é um processo fixo. Foi o que usei, exatamente como descrito, no Trópico Fantasma, minha primeira HQ longa que vai ser publicada agora pela Editora Annablume. Talvez no próximo eu tente outro processo. MT: Habitualmente, quais são suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? Denny: Atualmente, me preocupo com atmosfera e uma boa diagramação. Os dois sempre em harmonia para servirem à narrativa.


‘Última dança’, ilustração 40x50cm, acrílica e pastel oleoso.


Ilustração em toldo de aço


Com atmosfera me refiro ao ritmo de uma sequência, cena, momento e a forma como essa fatia de tempo é mostrada. E isso se conecta com a diagramação, inevitável. Os quadros, os tamanhos, a disposição na página. Acho que estou dando uma explicação curta e grossa, mas é mais ou menos por aí. Não sei se tenho conseguido resultados consideráveis, mas são minhas primeiras preocupações. Depois

dos óbvios desenhos nas paredes trabalho com desenhos dentro de livros de literatura latino americana, contando histórias ou retratando moradores da cidade. Nunca tinha pensado muito em expor trabalhos meus, de fazer parte desse circuito, então essa história toda com a galeria começou de repente e entrei de cabeça e estou super contente. E o retorno das pessoas tem sido ótimo, assim como expor e descobrir que

desses elementos, vem outros, claro. Um cuidado com construção de personagens, encontrar um estilo de desenho que represente bem todo o universo e temas tratados etc.

dá pra fazer/criar muitas coisas nesse tipo de espaço sem abdicar da narrativa. O Tiago Coelho e o Régis Duarte, donos da Mascate, são bastante incentivadores. Eles têm a sensibilidade de entender cada artista e seu respectivo trabalho. Por isso estão sempre incentivando a pessoa a produzir mais, dando espaço e estímulos pra tentar coisas diferentes e ver até onde se pode chegar. Acho que meu trabalho, desde que comecei a ‘conviver’ com eles, evoluiu do jeito que sempre esperei nos últimos anos. Evoluir sempre evoluiu, mas bem pouco, em marcha lenta, porque sempre me senti travado com algumas questões e tinha alguns receios e problemas. Tudo bobagem extrema e absurda, uma frescura. O Tiago e o Régis foram legítimos

MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? Denny: Desde novembro de 2011 tenho trabalhado bastante com o pessoal do Barraco/Galeria Mascate aqui de Porto Alegre. Participei de algumas primeiras exposições ano passado e depois meu trabalho passou a ser representado por eles. Esse ano eles me deram espaço e oportunidade pra explorar com mais atenção um universo que venho rabiscando timidamente desde 2008, que é a Costa Oriental, uma cidade sulamericana fictícia. Além


Ilustração em toldo de aço


catalisadores e isso também me levou além dos quadrinhos. Além da galeria, estou fazendo projeto editorial do livro de um amigo que também desenha e ilustra, o Daniel Eizirik. Ele tem um trabalho incrível, particular, bastante intimista e não consegui evitar de me oferecer quando ele falou do material que tinha e da ideia de transformá-lo em livro. MT: Por que quadrinhos? Denny: Quadrinhos são um vício, uma obsessão, uma maravilha, um deleite, uma linguagem que sempre senti ser perfeita para o que sempre quis fazer na minha vida, trabalhar com narrativa. Me formei em cinema, mas os quadrinhos nunca perderam o primeiro posto de preferência e prazer como forma de expressão e comunicação. E o fato de ser solitário me atrai mais também, não posso negar. Todo esse maravilhamento orgásmico com quadrinhos é face de um mistério sedutor também. É inexplicável. É um sentimento e só quem compartilha sabe e entende do que eu falo. Talvez alguém aí saiba explicar, mas corre o risco de perder a graça...

MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? Denny: Tenho lido pouco quadrinhos, faz uns meses. Tem fases em que leio muitos, um atrás do outro. Outras não leio quase nada. Um dos últimos que li foi King of the Flies, do Mezzo e Pirus. Achei bem bom, tem uma excelente atmosfera, carregada, e gosto de toda a gama de personagens decadentes e perversos que a história apresenta. Faz uns dias comprei Aparecida Blues do Biu e Stêvz e Garoto Mickey, do Yuri Moraes, mas não li nenhum dos dois, ainda. Fora isso, recentemente comecei a ler sobre gastronomia. Não livros de receita, mas sim histórias, relatos sobre o universo selvagem das cozinhas. Tudo isso começou com aqueles programas hipnotizantes do TLC. Ando obcecado e maravilhado com o Anthony Bourdain, um antiherói da gastronomia. Enfim, são universos e todos são repletos de histórias e personagens fascinantes.

Conheça mais do trabalho do Denny visitando www.flickr.com/perro_ermitano www.tropicofantasma.blogspot.com www.barracoestudio.com.br/denny-chang/


Ricardo Coimbra @coimbraricardo

vidaeobrademimmesmo.blogspot.com.br



Murilo Souza @eu_tu_itter

Rafael Dourado @sapobrothers

Felipe Assumpção @_botamem

cavandocomacolher.blogspot.com.br

sapobrothers.net

http://www.botamem.com/


Juliano Rocha @juliano_tiras

julianorocha.com.br



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