Monotipia29

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XXIX Esta edição marca o começo de um breve período repleto de voracidades. Chegadas, partidas,mil coisas. Martins de Castro Editor Monalisa Marques Victor Rocha Colaboradores Jozz Capa http://monotipia.tumblr.com www.facebook.com/monotipia @monotipia Receba nosso informativo http://eepurl.com/um3j5



AndrĂŠ Lasak https://www.facebook.com/quimeraufana


Endrummondado Deixem-me em paz ao menos uma única vez! Digo isto apenas como consolo de algo impossível de se ocorrer Mas mesmo assim digo para não me sufocar em marés de desesperos Em silêncios da consciência cheios de barulhos por todos os cantos Em enlouquecidos gemidos de dor da falta de sentir alguma dor... Oh, mundo, mundo, Vasto mundo Se meu nome fosse Raimundo Seria rima Mas também Um puta PLÁGIO




BRISA Vagalumes tortos Ao relento Brilhando por seus mortos No cimento O cĂŠu cai sobre a Lua Num momento O vento move as folhas Do cimento Estrelas cadentes Somem no escuro PĂĄssaros prateados Planam com o vento O fogo se apaga num segundo O vento se inflama O sol escurece A Lua incide Luzes azuis no mundo E tudo some Com o vento


Senso Taciturno dentre os veios Vásculos do âmago muscular Bombeia sucos e elementos Moles, microscopicamente vivos, Por caminhos tortuosos Por vezes impossíveis de se Atravessar. Tudo passa por ali: Medos, alegrias, Esperanças, amores, Ódios, desejos, Iras, mistérios, Orgasmos, ideias E também a impossibilidade De tudo isso pertencer a apenas Um molde muscular chamado Coração.



Primeiros Circuitos Um mundo de rob么s lutando pela vida Por Victor Rocha



Um mundo de robôs lutando pela vida Fuz é um pequeno robô que, belo dia, passa a existir. No momento em que toma consciência de si, ele é arrebatado por dilemas sobre a sua criação, as lógicas que regem seu meio e aonde ele se encaixa nisso tudo. Começa, então, uma jornada introspectiva em um mundo sombrio que, um dia, foi o nosso. Essa é a gênese de “Primeiros Circuitos”, um conto de três páginas que virou sucesso entre os leitores do blog pessoal do jornalista, escritor e redator publicitário de 26 anos Rodrigo van Kampen. O destaque foi tanto que, agora, essa ideia caminha para se tornar um livro. A história já foi adaptada para um modelo de narrativa mais robusto e passa por um período de pequenos ajustes. Além disso, o conteúdo está ganhando belíssimas gravuras do design gráfico Filipe Pagliuso. O escritor e o ilustrador formaram uma dupla belicosa pela divulgação e acabamento do projeto, que ainda tramita em um sistema de crowdfunding (financiamento coletivo) no site catarse.com. Ou seja, Fuz precisa de apoio para ganhar vida. O livro já nasce voltado para as mídias eletrônicas, como iPads e Tablets. Apenas colaboradores que investirem mais de 42 reais pela produção terão a oportunidade de contar com uma cópia impressa. Esse direcionamento para e-books vem se tornando tendência para novos escritores e arrematando um público considerável. Entre 2008 e 2009 a compra de livros digitais pelo mundo mais que dobrou, e, em 2011, finalmente superou a venda dos livros em papel. Mesmo assim, o autor de “Primeiros Circuitos” espera algum dia ter seu projeto reconhecido por uma boa editora e publicá-lo. Como tudo que se comercializa pela internet, a venda de e-books costuma

acontecer a preços bem baixos. Por isso, Rodrigo revela que fazer dinheiro não é prioridade. O que ele espera agora é conseguir criar um livro de qualidade e que as pessoas leiam. “Acho difícil pensar nisso porque ainda é um lançamento independente. Com certeza não vou ter retorno financeiro. Mas eu sempre escrevi, em fóruns de literatura, em meu blog e etc. Acho que todo artista tem isso de querer criar, colocar a obra no mundo. Talvez seja um pouco idealista esse pensamento. O ‘Primeiros Circuitos’ não seria capaz de ‘me firmar no ramo’, mas sem dúvida é um degrau aí. Isso se a gente conseguir viabilizar o projeto, claro.” Rodrigo chegou a trabalhar em outro livro há algum tempo, publicando periodicamente seus capítulos em um fórum de literatura. O trabalho serviu pela experiência, mas o autor confessa que, hoje, não o divulgaria. “A história é boa, mas aquele final está muito mal resolvido”, explica. Segundo Rodrigo, essa primeira tentativa foi feita de forma mais solta, algo que ele não pretende repetir em “Primeiros Circuitos”. O próprio escritor resolveu levar o trabalho mais a sério. “Dessa vez eu tive uma estrutura desde o começo e sabia para onde estava caminhando.” Rodrigo se classifica como um “viciado em projetos de fim de semana”, que acabam durando meses. Foi assim que ele criou o Balaio Branco, um site de experimentações com mídia eletrônica. Lá, eram contadas histórias que misturavam texto, áudio, música e vídeo. Para tanto, o jornalista convidava amigos com facilidade em cada área e brincava de criar. Acabou não dando certo enquanto trabalho, mas ampliou a visão de Rodrigo. O criador de Fuz se classifica como um curioso no campo das artes e diz que




o mais interessante em começar um novo projeto é nunca saber no que vai dar. Cercado por designers e artistas plásticos, além de ser casado com uma “arte-educadora”, Rodrigo nutri uma grande admiração por aqueles que têm facilidade para ilustrar. Mesmo assim, ele acabou conduzido pela antiga paixão literária.

gostosa. É uma história incrível sobre o aprendizado de valores, algo que, na minha opinião, está cada vez mais carente na sociedade. Isso tudo saiu da mente dele e eu fico muito feliz por estar trabalhando com uma pessoa que pode extrair um sentimento tão singelo e bonito para escrever algo assim”, devolve Filipe.

“Eu sempre gostei de tudo, mas não tenho mão para ilustração, foto, ou qualquer coisa assim... No fim, eu sirvo para escrever mesmo (risos). Fazia um pouco de diagramação, na verdade, e também idealizava os projetos. Mas até meu bonequinho de palito sai torto... Acho que compenso a frustração convidando ilustradores para trabalhar comigo. Também acredito que ter mais gente envolvida em uma obra enriquece muito. As parcerias agregam.”

Para desenvolver esse texto tão comentado, Rodrigo diz não ter mirado um público alvo. Segundo ele, o fundamental era só contar uma boa história. “Claro que isso gerou um ‘Frankenstein’. Algumas partes ficaram muito adultas e outras muito infantis. Juntei o feedback dos beta-readers (leitores de teste), que apontaram isso, e defini um público: jovens adultos.”

E foi assim que ele encontrou suporte gráfico para seu mais novo e ambicioso projeto. Filipe Pagliuso era grande amigo da irmã de Rodrigo, e foi a jovem quem atuou como ponte para a parceria. A relação se desenvolveu a distancia. Até hoje os dois não se conhecem pessoalmente já que, para isso, seria necessária uma viagem de cerca de 350 km, entre Campinas e Bauru (onde moram Rodrigo e Filipe, respectivamente). Mesmo assim, a corrente de amizades e admiração recíproca sustentou o trabalho. “Eu estava à procura de um ilustrador, e minha irmã o recomendou. Como o portfólio dele é impressionante, começamos a conversar. Acho que temos um background meio parecido e amigos em comum. Eu gosto bastante de conceptart, que, por acaso, é o estilo que o Filipe domina muito bem, então casou”, explica Rodrigo. “Eu tive o prazer de ler o texto todo e ele me conquistou de uma forma muito

A partir daí, Rodrigo começou a pensar na ilustração, algo que pretendia desde o início do projeto. Ele ainda não tinha ideias para um estilo de traço, mas queria fugir do infantil. Foi quando abriu espaço para a criação livre de Filipe, que fez uma primeira versão de Fuz “bem dark, com cara de história de terror”. Esse foi o único momento em que Rodrigo achou melhor interferir no trabalho do ilustrador, que ainda não tinha lido o livro por completo. O segundo Fuz veio bem mais sereno e equilibrado, satisfazendo Rodrigo. A partir dessa versão, Filipe começou a ilustrar a história e conseguiu, inclusive, influenciar alguns pontos da narrativa, que ainda devem ser ajustados. “Direcionamos o estilo de desenho para algo mais concreto e sóbrio, o que me ajudou bastante, pois minha maior área de domínio é na arte realista. Acredito que alguns desenhos contribuíram para mudar partes da trama, mas isso sempre foi uma coisa muito natural e fluida. Acho que quando os desenhos surgiram, foi como se tivesse aparecido uma peça

escondida que ajudou na resolução de alguns problemas”, comentou o designer. “Essa história com certeza é do Rodrigo, ele teve todo o trabalho de penar em tudo, porém, conforme fui fazendo as ilustrações iniciais, ia me sentindo extremamente envolto por aquilo tudo, e depois de ver o desenho final pronto senti que o Fuz é um filhote meu (risos).” Para Rodrigo, o trabalho gráfico está fazendo toda a diferença no projeto e vai contar como um ponto forte a favor da mobilização pelo financiamento. Ainda assim, suas expectativa diante a resolução do trabalho no catarse.com estão como “uma montanha russa”. Isso porque cada pessoa que simpatiza com seu projeto, se compromete a dedicar pequenas quantias pela obra (dependendo do valor, o financiador recebe diferentes brindes como agradecimento). A meta estabelecida é de 17 mil reais, visando o esforço gráfico de alto nível e a produção dos próprios brindes. Caso esse valor não seja alcançado em um período pré-determinado (pouco mais que um mês), todos os colaboradores recebem seu dinheiro de volta e os desenvolvedores retornam ao zero. Ainda que exista esse risco, o autor vê pontos muito positivos em trabalhar com um sistema de crowdfunding. Segundo ele, há duas grandes vantagens nesse novo formato de financiamento. “Você não precisar de uma grande editora e pode testar uma ideia antes dela ser lançada, se tem público para o que você quer realizar”, define. O próprio Rodrigo já se tornou um colaborador ativo do catarse.com, ajudando a financiar outras sete iniciativas. Agora que mudou de lado, ele vê as dificuldades de conseguir comover o público com sua ideia. Se as pessoas ajudam porque se identificam com os projetos, é por aí que


o escritor quer conseguir apoio. Ressaltando mais uma vez a qualidade do desenhista, Rodrigo diz que, se estivesse do outro lado, não deixaria de colaborar com o “Primeiros Circuitos”. “É um livro ilustrado para jovens e adultos, algo que quase não tem na literatura brasileira, principalmente na prateleira de aventura. Os leitores de teste têm gostado muito do resultado, e as ilustrações do Filipe são sensacionais, só elas já valeriam a pena. Têm vários robôs loucos para ganharem vida nas mãos do Filipe, como o Sr Corujo, Nove, Big e Jef”, resume. Para desenvolver tantos personagens e até um mundo próprio, o escritor se inspirou em uma série de conceitos não só marcados na literatura, mas também no cinema, animação e jogos. “Citar fontes sempre soa um pouco pretensioso... Mas uma das grandes inspirações para este livro é o ‘Stardust’, do Neil Gaiman. Principalmente pela forma com que ele casa ilustrações e um texto corrido, que não é HQ. Mas tem muita coisa ali, no personagem. Tem um pouco de ‘9 - A Salvação’, de ‘Asimov’ também, mas bem pouco... Tem “Metrópolis”, o clássico e a versão em anime, e um bocado de inspiração em um jogo online chamado Machinarium. Ou seja, uma mistureba!” Já as ilustrações de Filipe Pagliuso foram conduzidas pelo texto do colega. Para o designer, o amigo atingiu um “toque incrível” ao criar uma atmosfera singular utilizando apenas palavras. Ele ainda completa afirmando que suas ilustrações não chegam a ser totalmente necessárias para reiterar o mundo de Fuz. “Quando li o livro me senti pequeno de novo, me senti como o Fuz, e isso foi uma coisa muito gostosa, como se houvesse uma imersão em um mundo inocente. Ele (Rodrigo) teve muito poder pra isso.”

A alta dinâmica e um planejamento rico são os pilares para que o trabalho se concretize, segundo explorou Filipe. “O segredo é justamente esse: tornar ilustração e texto duas ferramentas aliadas e potencializar a riqueza e capacidade de prendimento da história, não sendo apenas um adorno para o outro.” De acordo com o designer, Rodrigo está no caminho certo e ele espera poder ajudar para que a leitura de “Primeiros Circuitos” se torne importante na vida de várias pessoas, como alguns livros que ficaram marcados na sua infância. Com toda essa carga de autodescoberta e procura por respostas, o autor nega que seu trabalho seja puramente filosófico. “De certa forma, todo livro com uma jornada introspectiva acaba esbarrando em elementos filosóficos. Acho que praticamente toda a arte, se você parar para pensar, tem esse questionamento, essa busca.” Ficou com vontade de saber mais sobre a história? A pedidos, Rodrigo resumiu as aventuras que, talvez, poderemos acompanhar no livro: “Fuz é, antes de qualquer coisa, um robô. Ele é ligado, e começa a conviver em uma casa com outros robôs e um único humano. Nesse começo, ele passa a se questionar, a se descobrir. Ele tem sentimentos, mas isso não fica muito evidente de cara. Também não dá para saber se os sentimentos são simulados por sua inteligência artificial ou não. Ou se isso faria alguma diferença. No início do livro, algo acontece (não vou contar para evitar spoiler) e obriga Fuz a sair da casa. Por isso ele passa a explorar um local desolado, onde só existem outros robôs. Mas esses também estão meio perdidos, porque foram criados para servir aos humanos, que já não existem lá.”


Saiba mais sobre o livro e seus autores: Catarse: http://catarse.me/pt/primeiroscircuitos Portfolio do Filipe Pagliuso, ilustrador: http://filipe-pagliuso.deviantart.com/gallery/ BalaioBranco: http://www.rodrigovankampen.com.br/projetos/balaiobranco/


Jussara Gonzo



Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto e quadrinhista. Jussara Gonzo: Fiz curso na Escola Oficina de Artes e na Quanta Academia de Artes, embora eu acredite que o que realmente faz um quadrinista é o FAZER quadrinhos na prática - algo que muitos que fazem curso não fazem. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas,você identifica no seu trabalho? JG: Meus artistas favoritos e que tento sempre me espelhar são Hugo Pratt, Jon J. Mutt e Takehiko Inoue. Pelo menos tento, né? Heh! MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas e HQs. JG: Bem, minha dinâmica é bem dinâmica mesmo, hah! Eu tenho dois métodos: o primeiro é o mais “normal” em que eu traço uma linha de roteiro e vou fazendo as páginas na ordem, muitas vezes mudando a história no meio dela. O segundo é mais caótico: eu faço um monte de ilustrações de cenas que eu gostaria de desenhar e depois tento juntar tudo numa página coerente. Parece loucura, mas dá certo!



MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? JG: Eu tento ser sempre o mais clara possível. Confesso que não faço diagramações muito mirabolantes, é sempre o esqueminha quadrinho do lado de quadrinho, bem simples. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? JG: Estou escrevendo muito, preparando projetos e mais projetos, sobretudo de Ligth Novels. MT: Por que quadrinhos? JG: Acho que é mais fácil você perguntar aos quadrinhos “Por que a Jussara?” MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? JG: Before Watchmen estou lendo e adorando! De europeu estou lendo Sang Royal, Bordel des Muses (temos somente um único volume publicado no Brasil, sacripantas!), Julia Kendal (que é, na minha opinião, o melhor quadrinho seriado que temos em publicação no país hoje), alguns mangás mais difíceis de chegar ao país, como Vinland Saga, Historie e Shigurui (já encerrado).

Leia mais sobre a Jussara aqui http://issuu.com/hqgonzo




Otรกvio Tersi


MT: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. Otávio Tersi: Acho que a internet foi o que mais ajudou e tem ajudado no meu desenvolvimento, nunca fiz cursos. Foi no começo da adolescência, lendo revistas de RPG, que tive vontade de começar a desenhar mais seriamente. Nelas eu conheci o trabalho de alguns ilustradores brasileiros, como o Greg Tocchinni, e fui atrás de mais na internet. E aí é um poço sem fundo de referências, tem muita coisa. Gastava um tempo considerável vendo trabalhos (principalmente sketchbooks) de artistas que me agradavam e tentava reproduzir alguma coisa. Sempre foi uma questão de observar e tentar fazer, inclusive nos quadrinhos. Na faculdade tive contato com alguns outros aspirantes a ilustração, e inevitavelmente acabou acontecendo uma troca de experiências. Acho que isso enriqueceu o trabalho de todo mundo. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas,você identifica no seu trabalho? OT: Tem muitos artistas brasileiros que me servem de referência: Mutarelli, Davi Calil, o trabalho autoral do Roger Cruz, André Toma... dos gringos, tem me direcionado um pouco o do Richie Pope e do Timothy Powers. Mas sinceramente, não sei até que ponto isso fica explícito nos meus trabalhos. MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? OT: Cara, o que eu mais uso é lápis e nankin. Tenho um problema sério com



cores (ou elas que tem um problema sério comigo), mas tenho experimentado algumas coisas com aquarela recentemente. Passei muito tempo desenhando só em sketchbook, sem finalizar nada, então comecei a testar formatos diferentes sem predileção por nenhum. Uso A3 e corto conforme o material que vou fazer exige. Raramente faço trabalhos 100% digitais, uso mais pra cor e texturas. MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. OT: A parte autoral da criação é bastante caótica; às vezes a ideia surge com um elemento estético qualquer, às vezes uma música, às vezes em forma de texto (essas geralmente viram quadrinhos ou tirinhas). Quando o trabalho é pessoal, muitas vezes começo com uma ideia e ela muda completamente até o fim; acaba sendo mais pela diversão de ficar ali pirando um pouco. Hoje não busco tantas referências como costumava fazer antes de começar qualquer trabalho. Eu começo rascunhando e vou refazendo ou ajeitando o traçado conforme o que tem na minha cabeça. Muitas vezes acabo finalizando um estudo direto do sketchbook, gosto de coisas com cara de rascunho. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? OT: As HQs são esporádicas... as mais longas costumam ser lentas e com poucas falas, como se o tempo estivesse correndo normalmente dentro da história. As ti-



ras são, na maioria, brincadeiras visuais bastante estáticas. Esse é um meio que ainda estou começando. Pretendo me aprofundar, quero trabalhar melhor na construção dos roteiros. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? OT: Tenho feito as artes de divulgação da banda manauara Luneta Mágica. É um trabalho primordialmente de design e não de ilustração, mas que eu gosto bastante - tenho liberdade total pra fazer. O tempo tem estado bastante curto, então estou tentando relacionar tudo o que faço: as ilustrações acabam se tornando personagens, personagens viram tiras, e assim tudo vai conversando e tomando alguma forma, imagino. MT: Por que quadrinhos? OT: É divertido, acessível e a internet permite formatos ilimitados hahaha. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? OT: Diomédes, do Mutarelli, e umas do Jason (Sshhhh!, The Left Bank Gang). Para além das HQs eu acabei de ler O Som e a Fúria de Tim Maia (Nelson Motta), e estou numa batalha épica pra ler Story.

Leia mais sobre o trabalho do Otávio aqui http://seisecinco.wordpress.com/



Assim falou Jozz



MT: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. JZ: Bom, em termos “escola”, devo muito ao à Quanta Academia de Artes e no curso de Design Gráfico do Mackenzie. É comum que profissionais que se formam em design mas seguem pela ilustração digam que “mudaram de área”, ou “abandonaram o design para fazer ilustração.” Eu na verdade gosto de pensar a ilustração como um projeto de design. Cada cliente tem um perfil, cada trabalho uma exigência, e você deve fazer uma boa pesquisa para encontrar a melhor solução gráfica para o problema proposto. No começo vinham me comentar que era por isso que meu trabalho era uniforme, não tinha um estilo definido. Tentei não me abalar com isso, e percebi que essa falta de característica única tem mais a ver com o estágio em que você está de vida ou carreira, e todo mundo passa e precisa passar por isso. Hoje eu consigo encontrar o fio condutor de tudo que faço, independente do cliente. Com a história em quadrinho é a mesma coisa. A Quanta foi onde eu aprendi as ferramentas. Tive aulas com o mestre Marcelo “Brucke” Caribé, que hoje não está mais lecionando. Eu tinha muito medo de errar, e começar um desenho novo por que “sabia” que iria errar. O Marcelo Caribé me ajudou a incorporar esse tal “traço errado”, e ver, no final das contas, que aquilo não é erro, é processo, e muitas vezes linguagem própria. Sem contar que foi na Quanta de maneira geral, convivendo com o povo ali e com muitos que freqüentavam ali, que passei a desenhar o tempo e ver que era essa vida que eu queria.



MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas,você identifica no seu trabalho? JZ: Apesar de ter passado por turma da mônica, ziraldo, mangás e super-heróis como a maioria, minha cabeça explodiu quando conheci o quadrinho europeu. Tudo o que eu achava que era errado fazer por conta das referências anteriores agora eu via que era certo, possível e maravilhoso! hehe. De um lado as linhas inacabadas e manchas do Hugo Pratt, do outro as cores, formas e texturas do Lorenzo Mattotti. Os ângulos e expressões do Miguelanxo Prado com as composições de página do Guido Crepax e do Sérgio Toppi. Não sei se aplico tudo isso no que faço. Duvido. Mas é o que eu persigo. Tenho que fazer um a parte com relação aos autores latino-americanos que não chegam no Brasil, quero ver todo mundo dando um google em Max Aguirre (Arg.), Frank Arbelo (Cuba/Bol), Jesus Cóssio (Perú), Rodolfo Santullo (Uru), Alejandro Farias (Arg)...



MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? JZ: Pensando bem, acho que cada ano eu me apaixono por um material diferente. Então acho que é certo dizer que o que mais prefiro é a constante mudança. Cada formato e material sugere um trabalho novo. Não é regra, mas já notei que se cai na minha mão uma folha A3, branca, (caso da HQ Piedra Papel o Tijera ) e me pedem para fazer uma HQ, sai algo meio básico, tradicional. - apesar de ser possível fazer zilhões de coisas no A3 branco, claro. Mas, quando quero me inspirar em algo diferente, busco uma textura diferente, outro formato, deixo aquele material me contar uma história diferente, experimento a aquarela, lapis ou giz para ver como ficam, e se precisar mudar o rumo da narrativa, mudo, pois o suporte permitiu, ou até pediu.( Caso da HQ Con gusto a Maracuyá ).



MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. JZ: Leio o texto, seja meu ou de outro autor. E rabisco bastante. O que vier à cabeça, mas concentrado no assunto. Às vezes deixo para continuar no outro dia, só para amadurecer a idéia e a visão desses rabiscos. Depois, vejo a melhor forma de conciliar a técnica que vou utilizar com a forma como isso será publicado. Posso adorar pintar em acrílica com pinceladas grossas e textura, mas talvez não seja a melhor opção para se finalizar uma ilustração que será impressa em pb, num papel jornal, de gráfica simples. Definida a técnica, refaço o rabisco escolhido quantas fezes for preciso para achar a melhor composição, nem que tenha que escanear, alterar digitalmente, imprimir, por na mesa de luz, desenhar de novo. Até ficar satisfeito com o lápis, e então ir para a tinta escolhida. O mesmo vale para quadrinhos, e acredito que seja mais complicado ainda, pois são muito mais desenhos e muito mais detalhes para se compor. Se os editores soubesse eles sabem - do trabalho que dá uma página de HQ, essa deveria ser uma das profissões mais bem remuneradas do mundo.



MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? JZ: Gosto de fazer a decupagem (esboço de textos-cenas) de todas as páginas da hq que estou fazendo, ou pelo menos de um arco da trama no caso de uma HQ longa. Assim posso ler o visual, corrigir tempos, criar alguns efeitos de surpresa nas viradas de páginas. Dou muito valor a enquadramentos que fogem da linha dos olhos dos personagens, como se o leitor tivesse uma câmera e pudesse voar e parar onde ele quiser para acompanhar a história. Uso preferencialmente com intenção narrativa, essas mudanças devem ter um motivo, senão confundem. No mínimo uso para não deixar a seqüência monótona.



MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? JZ: Tenho dado mais atenção à pintura. Sempre usei acrílica no meu trabalho, mas nunca parei para fazer um simples quadro, por exemplo. Então, esperei por temas que me interessassem retratar, esboçando, esboçando, até encontrar desenhos que eu me sentisse confortável em dizer “Olha, vou fazer um quadro disso!” Além de quadrinista e ilustrador, eu continuo atuando com designer de livros (projetar capa, projeto gráfico). E um projeto de arte que saiu desse ramo de atividade é o América Dibujada, um livroimagem inspirado no livro As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Já fiz uma pequena exposição das imagens do livro, mas quero amplia-lo, tem potencial para fazer mais coisas. Também estou com um pé nos livros ilustrados, escrevendo e desenhando, e colocados estrategicamente na fila dos compromissos desse ano, hehe. Até com literatura tenho mexido, escrevendo contos e poemas, mas não com um fim neles mesmos, mais como gerador de idéias para os trabalhos visuais. Ainda não gosto desses textos enquanto textos. Animação eu deixei em segundo plano. Faço quando é algum cliente que pede e está ligado à algo maior, enfim. Acho que eu precisaria de outra vida para fazer pelo menos esse quesito bem feito.



MT: Por que quadrinhos? JZ: E por que não? Como falei acima, se eu estivesse totalmente satisfeito com meus textos apresentados como textos, talvez eu pudesse ter escolhido a literatura como veia artística. Se eu tivesse me dedicado mais à animação à ponto de dominar por completo a linguagem, talvez essa fosse a forma de expressão eu abraçaria para fazer arte. Já tentei ser músico, já tentei ser ator. Seja lá o que eu fizesse da vida, acho que não saberia escolher outra coisa que não fosse tentar fazer arte. E foi nas histórias em quadrinhos que encontrei um instrumento poderoso para me expressar. Cheguei até os quadrinhos motivado pela paixão óbvia que tenho por gibis, claro. Mas não só de gibis é feito um quadrinhista. - aliás, esse seria o tema da sequência de O Circo de Lucca que não consigo sentar pra fazer. Então, vejo os quadrinhos como qualquer diretor de cinema vê seu filme. Adoro o processo de pesquisa e investigação para escrever um roteiro, coletar imagens, cruzar informações. Céus, como é prazeroso inventar um personagem! Fazê-lo atuar pelas páginas como um ator que eu gostaria de ter sido. Coloca-lo para tocar uns instrumentos e tocar alguém com a música da forma como eu gostaria de ter feito um dia... ser um autor de quadrinhos é ter um poder muito grande.



MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? JZ: Sigo lendo os europeus, tudo o que sai no Brasil, como o Gosto de Cloro e o Castelo de Areia, até os fumettis italianos. E se alguém vai pra fora, faço encomenda, hehe. Sou meio atrapalhado para comprar pela internet. Deixa ver o que mais comprei por último, Asterios Polyp, Cicatrizes... Literatura eu encanei no Vargas Llosa e no Saramago. Eduardo Galeano fica na cabeceira. Sempre tem outros livros que pulam no meio, mas tenho retomado esses. Essas fases que a gente tem, enfim.

Leia mais sobre o trabalho do Jozz aqui www.jozz.com.br



Marco O


Oliveira


Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. Fiz um curso na escola de desenhos do meu amigo Iéio, onde aprendi a parte plástica da coisa, mas a formação com quadrinhista foi através da observação e tentativa. É a conhecida escola de artes “Sentando o Rabo na Cadeira e Desenhando”. Demorou um bom tempo, mas hoje estou satisfeito com meus resultados, principalmente quando consigo sintetizar a cena com simplicidade. Mas sempre haverá algo a se aprender.



MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas,você identifica no seu trabalho? Não conseguiria listar aqui minhas influências, porque sou influenciado por tudo aquilo que gosto e considero bom, talvez até o que não gosto, como “não faça isso!”. Mesmo que não seja evidente, sou influenciado o tempo todo. Quando vejo um quadrinho de um determinado autor e fico ali “cara, como isso é bom!”, aquele trabalho vai automaticamente para o arquivo mental e dali, hora ou outra, vai brotar alguma coisa. Essa é minha maneira de ver isso. Se for pra colocar no papel, seriam os mesmos de sempre: Laerte, Angeli, Dahmer, Fernando Gonsales, Crumb... são poucos os quadrinistas brasileiros que fogem disso. Mas também gosto de muitos outros artistas, muitos mesmo, pintores, ilustradores, cartunistas, quadrinistas... são muitos. Bebo um pouquinho de muitas fontes e a ideia de me prender a um estilo, movimento ou artista não me agrada nem um pouco.



MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? (Se sim, quais? Se não, por quê?) MO: Há muito tempo desenho só com o básico: lápis azul, papel e caneta nanquim. São os meus favoritos. Acho que pela praticidade o simples me atrai cada vez mais. Mas ainda pretendo explorar o uso de pincéis e tintas. Tenho muitos planos e ideias para isso, fazer um misto de pintura com quadrinhos. Mas a falta de tempo - que é a maior desculpa do mundo - frustra estes planos. Mas há tempo para isso. Assim os trabalhos vão amadurecendo de uma forma bem natural.



MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. MO: Tenho um caderninho cheio de anotações que são possíveis tiras ou hqs. Anoto nele muitas pequenas ideias e depois trabalho em cima das que considero executáveis. Antes de sair desenhando, procuro encontrar a melhor forma de expressar o que quero, analiso todas as possibilidades e só então parto para o desenho. Mais ou menos metade é descartada ou reciclada no futuro. Cada ideia tem seu tempo. Várias foram as vezes que anotei algo que, naquele momento, parecia absurdamente genial, mas passado um tempo aquilo dava pena de se ver. Deve existir prazo de validade para ideias que não são colocadas no papel na hora certa. Na parte física da coisa é tudo bem simples: faço o esboço (geralmente em A4) com lápis azul e arte-finalizo com caneta nanquim 0.8 ou 0.5, depois escaneio a 300dpis e colorizo no pc.



MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? MO: Me preocupo em transmitir a ideia da maneira mais clara possível. Procuro fazer de modo com que o leitor receba a mensagem que realmente quero transmitir, e o que transmito são ideias. Tenho me aventurado em quadrinhos mais experimentais - e que já é um futuro projeto - e que, com certeza, haverá quem não o compreenda, mas as mensagens estarão lá e expressadas da melhor forma possível. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? MO: Caramba, acho que nada! Mas quero muito começar a pintar, voltar a tocar instrumentos, fazer esculturas... queria abraçar o mundo, mas não dá. Estou lançando meu primeiro livro de tiras e produzindo uma graphic novel com o (Marcelo) Saravá. Então, por ora, ficarei apenas nos quadrinhos.


O Marco acabou de lanรงar seu primeiro livro. Compra, que vale a pena. https://www.facebook.com/OverdoseHomeopatica


MT: Por que quadrinhos? Pra ficar milionário, comprar um iate e encher de mulherada. Como todo quadrinhista. Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? Pouco. Os últimos foram Diomedes e Asterios Polyp. Não sou um bom consumidor. Não acompanho nenhuma série, nem de quadrinhos, nem de tv, nem de cinema. Sou meio alienado quanto a isso. Os quadrinhos autorais são os que realmente me atraem e, ainda assim, tenho lido pouco. O que mais leio são os quadrinhos da internet. Tem muita coisa boa.



Quando os gatos fazem a festa Victor Rocha conversou com Pedro Henrique Barros “O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz� Fotos de Monalisa Marques



Algumas vezes as portas simplesmente se abrem, sem ter que dar aviso prévio. Mesmo não esperando, você se depara com uma oportunidade, e é melhor aproveitar. Foi o que aconteceu com o carioca Pedro Henrique Barros que, enquanto preparava sua monografia para a graduação em cinema, acabou virando autor de um livro infantil. Vamos do começo. “O dia em que os gatos aprenderam a tocar Jazz”, publicado pela editora Cepe em 2011, nasceu de forma despretensiosa, como toda boa ideia. O texto foi escrito de uma só vez, depois que Pedro resolveu unir uma grande paixão musical aos animais que mais chamavam sua atenção. Mesmo sem nunca ter experimentado ser dono de um gato ao longo de seus 23 anos de idade, o agora cineasta e escritor garante que Meg, a bichana de sua avó, adora quando o som de John Coltrane, Ella Fitzgerald ou Michael Bublé começa a tocar. “A gata da minha avó é estressada, e muito comigo, pessoalmente. Quando estava mais nova era legalzinha, mas depois de velha passou a ser muito estressada”, explicou Pedro, que completou dizendo que a situação se reverte quando um bom Jazz toma conta da casa e o próprio parte para os vocais. “Eu canto. No início a gata não gostava tanto, mas eu acho que eu melhorei. Eu treino muito sozinho. Então ela foi se aproximando...” O autor gosta de usar o bichinho de sua avó como exemplo, já que é o único gato com o qual mantém contato, mas deixa claro que o livro já estava pronto antes de Meg entrar para sua vida. Ele explica que a inspiração veio enquanto observava os bichanos que vivem soltos pela rua, uma ótima largada para um livro que o próprio Pedro classifica como “urbano”. “Na Barra têm muitos gatos (bairro onde mora), tantos quanto pombos no Largo do Machado. Eles nunca estão num lugar só. Enquanto eu olhava,

eles sempre sumiam.” Mas um animal em especial foi decisivo para a criação de Pedro. O autor conta que foi quando trabalhava em uma editora no bairro Jardim Botânico. O espaço de trabalho era também parte da casa onde morava a dona do negócio. Com isso, os animais de estimação se sentiam livres para circular por todo o local. O cachorro era bem mais pacato, já a gata adorava implicar com Pedro. “Eu tentava fazer carinho nela e ela ia embora, já quando eu estava trabalhando ela vinha e deitava na frente do computador. Daí eu me inspirei na implicância dela.” Foi quando o estudante começou a imaginar que esses animais estavam tramando algo. Contrariando o popular, que indica os rivais do ‘melhor amigo do homem’ como uma espécie manipuladora narcisista, Pedro desenvolveu uma teoria pra lá de “Aristocats” (animação lançada nos anos 1970 pela Disney) de que os felinos estavam, na verdade, estudando música. “Sempre que você vai num bar de jazz e vê um gato se esparramando pelos sapatos das madames, ele está, na verdade, aprendendo a tocar”, brinca. Partindo dessa premissa, durante apenas um dia Pedro desenvolveu a história que liga os bichanos aos seus ídolos musicais. Em uma explosão de criatividade, inventou uma banda de enorme sucesso formada apenas por gatos, que, é obvio, não sabem falar, mas tocam e cantam de divinamente. Só dois anos depois de escrever seu conto, o então estudante de cinema que queria se especializar em criação de roteiros, deparou-se com um panfleto na secretaria da PUC-Rio. A leitura começou como um passatempo enquanto seu orientador de pesquisa não aparecia, mas acabou chamando a atenção de Pedro. O folheto tratava de um evento promovido pela Editora

Pernambucana: II Concurso Cepe de Literatura Infantil e Juvenil. Inseguro sobre seu futuro e pronto para tentar, Pedro decidiu revitalizar as três páginas que havia trabalhado em 2009 e participar do evento. O resultado veio seis meses depois, quando o escritor já nem se lembrava mais do concurso. “Mandei o texto por correio e eu já até tinha esquecido dele quando me telefonaram dizendo que eu ganhei. Era dezembro. Me ligaram e disseram ‘você ganhou na categoria juvenil’. Eu falei ‘legal!” e fiquei em silêncio. Foi a minha reação. Acho que a moça esperava mais de mim. Eu ainda perguntei: mas fiquei em que lugar? E ela disse ‘normalmente, quando se ganha, é em primeiro’. Foi uma ligação bem estranha...” A partir daí foram só surpresas. Pedro, que já não esperava sequer uma resposta da editora, decidiu continuar levando o assunto com calma, mesmo sendo premiado pelo melhor texto. Depois de algum tempo, o autor foi avisado por e-mail que seu livro seria ilustrado por Cau Gomez. A reação imediata foi pesquisar sobre o companheiro de projeto, do qual Pedro ainda sabia pouco. Apesar de conhecer mais profundamente o trabalho do multipremiado Cau Gomez, o primeiro modelo do livro chegou como uma feliz surpresa. “Da mesma forma que eu ganhei sem esperar, eu fiquei bem relax no processo todo. Eu tive só que corrigir algumas coisas. Eles me mostraram já o livro pronto e eu só pedi para mudar meu nome, que estava só Pedro Henrique, e eu pedi para adicionar o Barros. Também me mostraram os desenhos no formato pronto e eu gostei muito de como ficaram! Eu realmente não tinha o que esperar. Quando se fala de desenhos para livros infantis, principalmente no Brasil, eu penso em uma coisa muito idílica. Por exemplo, Marcelo Marmelo Martelo tem um tom muito idílico e uma ilustração, até pelo ano em que foi publicado, muito limpa.


Victor (esq.) e Pedro.


Tem um ar bonitinho. É difícil achar uma coisa mais urbana.” Pedro não sabia o que esperar e, também por isso, o impacto foi grande. “Mandei até um e-mail para o Cau Gomez, elogiando, porque capturou bem a essência da história. Ele não sublinhou a narrativa, mas escreveu em cima dela. É muito fácil você só desenhar o que está no texto, mas a ilustração se torna redundante. E o trabalho dele não fez isso, mas cresceu, adicionou ao livro. Até na parte que eu menos gosto da história, a ilustração me fez gostar bastante dela. Na verdade, era a parte que eu faria diferente... Que eu dedicaria um pouco mais de trabalho: o final.” A polemica “O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz” ganhou contornos próprios. Mesmo tendo um nome autoexplicativo e uma ilustração de traços adultos, o livro não escapou de uma boa polemica. Apesar de ser um livro juvenil, a história não tem apenas o Jazz como um tema mais maduro. Por tocar no assunto “morte”, Pedro recebeu algumas críticas de pais assustados. O autor foi pego de surpresa pela reação dos tutores. Segundo ele, não existem assuntos dos quais não se deva tratar com crianças, existem apenas jeitos certos e errados de se abordar cada tema. “Tá legal, matei um personagem, mas eu não acredito que uma criança não possa entender a morte. Também não acredito que você deva tratar uma criança como um porquinho da índia, e tem muito pai que trata. Quer enclausurar o filho, não deixa saber de nada... Eu não penso que exista essa distinção do que uma criança pode ou não ler, mas sei que ainda existe muita gente que pensa assim.” Aproveitando o gancho, Pedro faz um apelo e uma crítica aos pais que compram brinquedos, filmes ou livros para

seus filhos sem entender a fundo o significado do que estão consumindo. “Os pais dão livros aos filhos sem saber o que eles vão ler. Tem muitos que começam a contar a história sem saber o que vem pela frente, daí eis que surge uma morte no meio e o pai fica sem saber o que fazer.” Apesar de rebater as críticas, o autor confessou que talvez houvesse pensado duas vezes antes “matar um personagem” se, enquanto escrevia, estivesse imaginando que iria ser lido por crianças. “Eu acho que não faria se estivesse pensando em escrever algo infanto-juvenil. Enquanto eu escrevia, e vou soar muito, muito, muito arrogante agora, tentei fazer algo próximo da Pixar, que é para criança, mas não é. Não que eu queria ter escrito um filme da Pixar, longe disso, não era minha intenção. Mas eu pretendia pegar o simbolismo infantil para produzir algo para adultos. Que nem quando você lê Coraline, do Neil Gaiman, que é infantil, mas dá medo nas criancinhas.” O sumo da obra De acordo com Pedro, “O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz” não é apenas um livro voltado ao público infanto-juvenil, mas a qualquer amante de gatos e de do estilo e cultura jazz. Escrever algo desse nível seria impossível caso o autor não nutrisse uma admiração categórica pelos dois extremos do trabalho, ou seja, os gatos e o jazz. Sobre o perfil musical, Pedro explica que é fascinado desde sua infância pelo ritmo do improviso. Ele ouvia Jazz de forma esporádica, por influência dos pais, até que em um show gravado da banda U2 (uma das suas preferidas desde a época), escutou o vocalista Bono Vox dizer que “adorava Miles Davis”. Incentivado pelo seu ídolo, o jovem pesquisou sobre o trabalho de Davis e encontrou “algo completamente inédito”

para sua cultura. Foi paixão à primeira vista. A partir daí, o interesse pelo jazz só cresceu e diversos outros artistas consagrados passaram a fazer parte do cotidiano de Pedro. O fascínio por gatos também é de longa data. O autor conta que os vê há muito tempo como criaturas misteriosas que estão, constantemente, tramando alguma coisa. E, apesar de ter um cachorro, o Zago, Pedro demonstra bem mais apreço aos felinos. “Eu não vejo os gatos como vilões, sabe? Também não vejo cachorros como amiguinhos. Agora que eu tenho cachorro eu posso dizer isso: eu os acho mais imaturos do que os gatos. Eles querem muito mais brincar e aproveitar a vida. Os cachorros poderiam tocar rock. Eles tocariam rock, sem dúvida. Sem ofensas ao gênero do rock’n roll. Mas eles tocariam uma música bem mais hedonista, muito mais empírica. Mas não um estilo musical que requer tanto de você, que absorve muito e que precisa da sua alma. Eles tocariam uma música que não requer tanta dedicação. Ou seja, nunca tocariam jazz, como os gatos. É como música clássica. Você não pode, da noite para o dia, compor jazz. Você tem que estudar e crescer na música, entender... Tudo isso leva tempo”, argumenta. Mesmo tendo curiosidade e estudo nos temas abordados, inspiração para o livro veio em turbilhão. Por esse motivo, o autor preferiu escrever incessantemente até terminar sua história. Apesar de ter feito o texto de forma tão avassaladora e só inscrevê-lo no concurso da Cape dois anos depois, Pedro nega que o tenha “deixado na gaveta” pelo simples fato de que, nos primeiros momentos, simplesmente não pretendia utilizar o material para nada. “É que eu nunca escrevo para fazer alguma coisa. Eu só escrevi. Também não acho que dois anos são tanto tempo assim. Eu nem percebi. Fiz em um fim de


Pedro: pura animação.


semana e depois eu vi esse concurso aí. Mandei e pensei ‘ah, eu não vou ganhar mesmo.’ Eu achava que o texto não era comercialmente aprazível. Não são muitas crianças que gostam de jazz e gatos não são tão bem vistos pela população como os cachorros. Eu escrevi só por diversão e se eu não ganhasse, reclamaria do sistema. Mas eu ganhei!” Apesar da grande maioria de elogios, ainda falta bastante para o autor se sentir seguro com o livro. Pedro pensa que, agora, depois de mais de três anos, preferiria modificar alguns pontos da história. Além disso, o escritor afirma que sente falta de uma crítica direta das crianças, a qual não teve oportunidade de receber. De acordo com ele, esse tipo de público conta com a peculiaridade dos extremos, ou seja, se tiver que falar bem, irá elogiar muito, mas se a critica for negativa, as crianças vão usar palavras tão sinceras quanto duras, e doa a quem doer. Mesmo um pouco inseguro sobre a repercussão de sua obra, o cineasta, que agora cursa jornalismo, aponta diferenciais. Segundo ele, seu gosto por obras do realismo fantástico o convidou a escrever algo dessa estirpe, ainda que “puxando” para a narrativa infantil. Dessa forma, torna-se natural falar de um homem que viaja no tempo, ou é imortal, por exemplo. Parte-se de um absurdo, ou seja, gatos que tocam jazz, para tratar os aspectos dentro da normalidade. Além disso, a visão cineasta foi ponto de partida para Pedro trabalhar algo mais próximo do público. “...(tentei encantar as pessoas com meu livro) Partindo de um ponto de vista mais cinematográfico. Minha formação não é em literatura, mas em cinema. Eu penso a narrativa e tento escrever visualmente, pelas imagens. Eu já imagino o enquadramento, a tela, e escrevo. O

mercado de livros é muito concorrido e, para se destacar, a tendência é de escrever muito visualmente. O cinema é uma das (ou ‘a’) invenções artísticas mais importantes do século vinte. Antes, as pessoas não entendiam muito a narrativa visual. Agora elas já veem naturalmente, não precisa explicar. Quando você incorpora isso na literatura, facilita o entendimento. A leitura é mais viva, mais próxima do leitor.” Dentro dessa perspectiva, Pedro cita um de seus autores preferidos, Neil Gaiman, como exemplo de uma escrita visual de qualidade. Mas ressalva que nem todos autores precisam dessa técnica para se destacar, entre eles Daniel Galera (Barba Ensopada de Sangue) e Raimundo Carreira (A minha alma é irmã de Deus). De acordo com o jovem escritor, a dupla se destaca por uma “preocupação literária que trabalha o subjetivo, avançando mais para a psique, o estado mental e espiritual de seus personagens.” Esse mesmo Pedro que cultiva leituras fortes e bastante adultas não perdeu os passos da origem, e também aí encontrou seu trunfo para formar uma dinâmica narrativa capaz de envolver crianças de forma segura. Suas influências da literatura juvenil permanecem marcadas e a admiração dos tempos de criança ainda o contagia. “Eu gosto muito de muitos livros infantis. ‘Marcelo Marmelo Martelo’, da Ruth Rocha, eu acho cult. As histórias são geniais. ‘O garoto da bola de coro’... Essa história é brilhante. É ‘Cidadão Kane’. Eu acho esse livro muito bom. Tem um outro que não lembro o nome, fazia parte de uma série, aonde o personagem principal Gerson vai para a Terra do Contrário... Acho que nem é publicado mais... Lembro que o Gerson era meio gordinho e eu imaginava o Ed Motta. E o que me inspirou nessa história é que

era uma trama urbana e eu gosto muito disso. Como meu trabalho fala de jazz, e o jazz é muito urbano, penso que esse livro me ensinou muito.” Apesar dessas fortes influências, o autor de “O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz” confessa que não foi um leitor muito assíduo nos tempos de menino. De acordo com Pedro, seu interesse era muito escasso, ainda que sua mãe lutasse com todas as forças para que ele ganhasse intimidade com os livros. “Foi quando descobri o que eu gostava de ler, o meu tipo de livro, que comecei, de fato, a ler. E meu estilo é bem diferente do da minha mãe e do que ela tentava me empurrar”, explica. De acordo com o escritor, é muito importante que as crianças encontrem seu estilo próprio de leitura, sem deixarem de se instruir (e serem instruídas) sobre as mais diversas e importantes formas de literatura. “É legal mostrar (todo tipo de livro) e acredito que a criança tem que saber o que existe. Tem muita coisa que as pessoas deveriam ler, principalmente para conhecer os estilos e as obras que marcaram seu país e o mundo. Isso é válido. Mas, cedo ou tarde, o importante é você descobrir o que gosta de ler e partir daí.”






Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto e quadrinhista. Lila Cruz: Sou formada em jornalismo, mas minha paixão mesmo é desenhar. Eu fazia coisa demais quando era pequena, então nunca me dediquei muito a uma coisa só, daí a coisa de desenhar pouco. Depois que cresci - e que entrei pra faculdade de jornalismo - foi que a coisa toda piorou (rs). No começo, há uns sete anos atrás, eu desenhava uma série chamada Okas, algumas mulheres - cabeças - flutuantes que falavam absurdos sobre a vida cotidiana. Depois que fiz um curso de desenho famosinho do mainstream acabei ficando com vergonha de meu traço, e por algum tempo achei que não ia desenhar mais nada. Aí percebi que não conseguiria ficar sem desenhar. Então comecei a estudar sozinha. E a botar a cara na rua. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? LC: Sou viciadíssima na Alison Bechdel, do Fun Home. Amo o modo como ela consegue ser e não ser cartoon, essa coisa que ou amam ou odeiam. Outra pessoa que admiro muito e em que me espelho é a Ana Koehler, minha grande e maravilhosa amiga, que teve muita paciência (rs) comigo me mostrando um pouco do que sabe. E olha que a moça é uma sumidade nos quadrinhos. Além delas, tem outras figuras que admiro muito. A Bianca Ribeiro, que ainda não é muito conhecida, mas que arrasa demais. A Lu Cafaggi, a Cris Eiko e o Paulo Crumbim...nossa, tem tanta gente! O Eduardo Ribeiro (hellatoons) também é uma grande referência minha. O Laerte, Craig Thompson, Joe Sacco.... Gosto daquilo que se reinventa e que, ao mesmo tempo, faz a diferença.


MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? LC: Sou uma viciada em nanquim. Mas a Bianca Ribeiro me apresentou uma maneira responsável e profissional de usar o brush do photoshop, então estou numa fase muito tablet. haha MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas e HQs. LC: Acredite: minhas hqs vão se desenvolvendo em minha cabeça, e eu fico desesperada para arranjar algum lugar onde escrever a história, antes que eu esqueça. Outro dia estava no ônibus e simplesmente comecei a pensar numa cena bizarra do cotidiano, daí fui criando uma hq. Precisei de um caderno às pressas pra escrever. Outro dia foi no meio da sonolência da noite. A Lena, uma revista que estou fazendo, veio de uma pequena ideia que fui desenvolvendo. É meio como a Aisha Franz, uma amiga alemã que passou uns dias aqui em Salvador, me contou que funciona pra ela: uma folha de papel em branco, o primeiro quadro...e aí a gente vai caminhando. Se fizer sentido, fez. E de repente você está montando a história. Outras vezes, claro, vou escrevendo um roteiro e depois desenho. O meu processo muda muito, ainda estou buscando um melhor. Por enquanto, ando com caderno na bolsa.



MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? LC: Não tenho muitas preocupações narrativas. Na verdade, minha preocupação é que faça sentido, que se faça entender, que a história viva sozinha, sem que eu tenha que explicá-la. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? LC: No momento estou com o coletivo que está produzindo a revista Inverna. Também estou escrevendo um livro, mas acho que ele vai demorar muito pra sair, porque demanda bastante atenção e paciência. Esse ano também rolam umas duas exposições minhas, com fé. Pelo menos elas estão planejadas. :). MT: Por que quadrinhos? LC: Porque eu falo demais, penso demais, e preciso fazer com que as pessoas enxerguem as histórias de minha cabeça. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? LC: Ando numa fase de ler outro tipo de literatura, mas estou fazendo um trabalho sobre Aya de Youpougon. No momento estou lendo “O Último Vôo do Flamingo”, do Mia Couto, e mais um monte de outros livros que vou lendo aos pouquinhos, porque sou uma leitora compulsiva.

Leia mais sobre o trabalho da Lila aqui http://colorlilas.com/



Rodrigo Chaves

Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. Rodrigo Chaves: Sou bacharel em Artes Plásticas com Habilitação em Desenho pela UFRGS, mas não sei o quanto isso influenciou o minha formação como quadrinhista. Talvez tenha aberto os meus olhos para algumas questões estéticas do desenho, mas de uma maneira geral a ilustração e os quadrinhos são um tabu no Instituto de Artes. Também já fiz vários cursos de desenho, criação gráfica, oficina de contos... Acredito em cursos e formação, mas nada substitui a prática. Ter feito o Contratempos Modernos e passado anos atualizando-o, tentando melhorar praticando e estudando os artistas que admiro foi o que me fez aprender o que sei sobre quadrinhos. Conversar com outros quadrinhistas, mostrar o trabalho e ouvir as críticas é uma grande escola também. Temos que lembrar que ser quadrinhista não é só desenhar, é roteirizar também. Nisso, a prática e o estudo também são

importantes, mas ler de tudo, principalmente os clássicos, é fundamental. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? RC: Algumas influências são muito óbvias no meu trabalho, como Bill Watterson e uma pitada de Robert Crumb... mas eu acredito que se limitar a poucas influências limita muito o trabalho. Gosto de copiar tudo o que eu achar bacana, seja de quadrinhos, literatura, cinema... Meu trabalho autoral sempre acaba indo muito na direção do que eu achar interessante no momento, quando eu perder o interesse por aquilo, o trabalho muda. MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? RC: Gosto muito de artefinalizar com pincel e nanquim, técnica que copiei do Bill Watterson. Deixa o traço mais interessante e expressivo ao captar melhor a gestualidade. Coloco cores usando


o computador, mas gostaria muito de colorir com tinta acrílica, ou aquarela... mas falta paciência. Quanto ao formato, gosto de experimentar. Charges, cartuns, tiras, HQs maiores... material mais filosófico misturado com comédia pastelão. Gosto de me surpreender e surpreender o leitor. MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas HQs. RC: Gostaria muito de ter uma dinâmica definida. Estou procurando um método de trabalho. É tudo muito caótico, mas é interessante, pois o final é sempre algo estranho. Não sei o quanto me interessa começar um trabalho já sabendo qual será o resultado. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? RC: Minhas preocupações sempre são a clareza das idéias expostas e a diversão.

Mesmo quando o texto é sério, tem que ser divertido, tem que ser interessante para o leitor. E esses conceitos envolvem todo o trabalho, não só texto dos balões, mas o desenho de cada quadrinho, a história em si. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? RC: Sou artista plástico também, então de vez em quando sai uma pintura, por encomenda ou não, mas sem muita conexão com os quadrinhos. MT: Por que quadrinhos? RC: Porque é uma linguagem muito rica. Uma forma de arte e de expressão com a qual posso atingir as pessoas em vários níveis, desde os mais superficiais até os mais profundos. Além disso, é uma linguagem muito nova, uma das formas de arte mais recentes que temos e ainda muito pouco explorada.

MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? RC: Ultimamente tenho lido muita coisa infantil, não só quadrinhos, por motivos profissionais. Descobrindo a beleza dos textos originais de Winnie The Pooh, de Alice no País da Maravilhas e outros. Esses textos nos provam que história infantil não é sinônimo de história rasa e ruim. Infelizmente não se fazem mais histórias infantis tão lindas... pelo menos eu não conheço, se alguém aí souber, me indique. Tenho ido atrás de muitas coisas de quadrinhos do início do século XX, quando os quadrinhos não tinham padrões muito definidos e esses pioneiros realmente tiveram que ser criativos, criando obras maravilhosas, e muitas delas não recebem o devido valor hoje. Poucas pessoas ainda lembram de Little Nemo, ou de Krazy Kat (para citar dois exemplos que as pessoas talvez ainda lembrem) mas te digo, é muito mais interessante e criativo do que quase tudo o que é produzido hoje.

https://www.facebook.com/pages/Contratempos-Modernos/139442856069160


Rafael Marรงal



Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto e quadrinhista. Rafael Marçal: Sou formado em Processamento de dados e fui professor de design gráfico por 7 anos, Hoje trabalho com produção gráfica, mas como muitos, sempre desenhei e observando outros autores tive um estalo num dia de fazer isso também. Estou a mais de 3 anos tocando um site de Webcomics, isso deve valer de alguma coisa, né? MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? RM: Fazer quadrinhos envolve duas técnicas distintas: Texto e Desenho. Em texto eu me inspiro em muita coisa variada, de literatura a televisão, sempre humor. Gosto da Marian Keyes, Salinger e do Veríssimo, acompanho muitas séries de humor e de algumas consigo tirar alguns diálogos “escada” para as minhas tiras de piadas. Na parte do desenho tenho muito forte uma influência de Cavaleiros do Zodíaco e X-Men (animação dos anos 90). Não é a única coisa que me inspira, mas todo o gestual e expressões de personagens tem um pouco deles. Hoje estudo o estilo de alguns artistas mexicanos e animadores japoneses. Não vou fazer o que eles fazem, mas vou agregar alguma coisa pra minha arte. Um cara brasileiro que é um ilustrador que adoro e até enquadrei uma arte pra minha sala é o Vincent Hachen, de Foz. Destrói na ilustração digital e todos os meus cenários eu faço imaginando o que ele faria. Pra finalizar preciso dizer que Carlos Ruas, Marco Oliveira e Will Leite me inspiraram a fazer webcomic como uma opção válida e séria de arte, o Will, inclusive, me inspira até hoje.



MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? RM: Não tenho nenhuma predileção sobre essas coisas, vejo a beleza de cada um e me fascina mesmo. Infelizmente tenho que optar pelo digital, tablet + photoshop por pura comodidade de produção. Mas se eu tivesse tempo faria tudo na aquarela até ficar bom nisso. MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas e HQs. RM: Bom, é bem intuitivo, eu geralmente tenho umas duas ou três idéias no gatilho para fazer a tira, daí faço no dia de postar, tudo no photoshop, do esboço à colorização. Já cheguei a trabalhar com papel, produzir várias tiras antecipadas, mas além de não me valer tanto na organização ainda me tirou o tesão de produzir. Gosto do instantâneo, do imediatismo de terminar de postar e já ver gente comentando sobre aquilo. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? RM: Fazer tira é uma coisa muito complexa, pois ela precisa ser, acima de tudo, simples. Rápida e rasteira. Chegar nessa simplicidade de narrativa não é fácil, mas acredito que tenho uma facilidade nisso e acabo fazendo tudo muito intuitivamente. Geralmente meus problemas de texto são trocas de substantivos por outros menores, para caber no balão da fala. Já li muitos livros sobre roteiro, mas todos eles direcionados para mídia de cinema, TV, animação ou literatura. Mesmo o Scott McCloud é muito superficial nesse tema, o forte dele é



metaliguagem. Preciso muito fazer um curso de roteiro de quadrinhos. Para as tiras não sinto falta, mas para histórias maiores é complicado. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? RM: Espero estrear um vlog com reflexões sobre os assuntos que não consigo esgotar nas tiras. Mas nada profissional, só mais um canal de comunicação com o público que gosta do Marçal como autor de quadrinhos e piadista recorrente. (risos) MT: Por que quadrinhos? RM: Já escrevi, já tive banda, já fui professor, designer gráfico e em nenhuma dessas profissões eu produzia algo que eu também consumia. No máximo durante a época de banda, mas com minhas limitações vocálicas acho que o melhor é me dedicar aos Quadrinhos, uma arte rica e cheia de possibilidades. Posso LITERALMENTE contar a história que eu quiser, essa liberdade não existe em nenhuma outra mídia. Amo fazer isso. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? RM: Tenho lido Walking Dead, Hell Boy e Arthur de Pins. Outros que nunca paro de ler: Peanuts, Calvin & Hobbes, Mafalda e Garfield. Obrigado pela entrevista e, se couber, gostaria de mandar um sincero obrigado por cara um que faz parte da história dos Proféticos, de amigos autores à família, de parceiros divulgadores ao público. Sem esse apoio meu trabalho seria somente amador. Leia mais sobre o trabalho do Rafael aqui http://profeticos.net/



O rapto do quad


drinhista Dourado


Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. Acredito que desenho deve ter sido a terceira coisa que aprendi a fazer, logo após chorar e mamar... Desenho desde sempre, isso vale para saco de pão, guardanapo em restaurante, tatuagem feita com caneta pilot etc. Era a resposta padrão para a pergunta das titias “o que você quer ser quando crescer”: desenhista de histórias em quadrinhos. E meus pais, que sempre me deram muita força, investiram nesse sonho. Ganhei alguns livros sobre técnicas de desenho e ilustração, guias de como desenhar rosto, etc, isso sem contar na constante alimentação da minha coleção de gibis. Tanto que foi um curso de desenho que fiz no colegial técnico, embora fosse desenho de construção civil, mais focado em uma “pré-formação” para arquitetura ou engenharia, mas o desenho estava lá, embora a habilidade em fazer uma Mônica não ajudasse muito em plantas baixas ou cálculo de resistência dos materiais... Já a faculdade de design foi totalmente focada na possibilidade de melhorar minhas habilidades de desenho, e ainda pensando numa carreira de quadrinhista. Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? Posso dizer que aprendi a ler com o Maurício de Sousa, e turma da Mônica foi minha primeira escola. Muito do meu traço segue o estilo que desenvolvi enquanto copiava os personagens, e só já na pré-adolescência é que fui ter contato com outros materiais, como Asterix, Lucky Lucky, Tintim... E a turma da excelência nacional - Angeli, Laerte etc. E embora fã do material feito com técnica, capricho, talento e habilidade, na

prática o que realmente aplico é aquilo que consigo fazer mais rápido e com menos esforço... Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? Gosto muito de tiras, sempre gostei, acredito que funciona na dinâmica tanto pro leitor casual ou pro que acompanha com frequência. E, enquanto autor, o desafio de resolver uma história inteira em um espaço curto é um desafio excelente. E no meu caso, que sou excessivamente prolixo, é uma boa forma de trabalhar o poder de síntese. Mas gosto de histórias longas, embora produza menos destas do que gostaria. Já quanto a material, por muito tempo minha predileção foi a extinta caneta Futura da Papermate sobre sulfite A4 gramatura 90. Hoje ela voltou, com outro nome, mas a mesma maciez de traço, mas agora desenhar diretamente pela mesa digitalizadora acaba sendo muito mais prático. Tive alguma experiência com bico de pena (numa época pré-digital, o que transformava cada espirrada ocasional de nanquim numa pequena tragédia) e com canetas tinteiro, mas apenas para dizer que já fiz. E quando se trata de técnicas de coloração, qualquer criança em idade pré-escolar terá mais habilidade do que eu. Por isso prefiro o formato digital, em software vetorial, inclusive. Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. Para ilustração, a depender da complexidade, eu parto de um esboço simples, as vezes feito a lápis ou direto pela mesa digitalizadora, apenas para acertar posição dos elementos em cena. A partir daí faço cada peça da cena em separado (principalmente elementos de cenário,




de forma que possa alterar a composição se preciso for). Isso deixa inclusive necessidades de “refação” mais fáceis de serem atendidas. Já quando o assunto são quadrinhos, normalmente parto do roteiro inicial, posiciono inicialmente os personagens, e aí acerto o enquadramento de cada quadrinho em função do espaço disponível (inclusive - e principalmente - os balões). Só então acrescento o cenário (tentando reaproveitar elementos préprontos sempre que possível). Esboço de diagramação de página faço em HQs, e não em tirinhas (que o formato mais “rápido” me permite acertar depois, e o padrão digital de publicação me “libera” para alterar a área da página conforme a minha conveniência). Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? É importante salientar que o projeto de uma HQ exige demandas diferentes de uma tirinha. Para a tirinha, o mais importante é que a piada esteja no lugar certo, que as reações dos personagens estejam nítidas e que não haja nenhuma distorção ou intromissão que impeça o leitor de reconhecer os integrantes da cena, até por considerar que pode ser a primeira vez que ele tem contato com o material. Outra coisa importante - e que eu erro constantemente - é o cuidado em dar o devido destaque para os elementos da cena que realmente fazem parte da piada, e dos que são apenas objetos de decoração. Já quando o assunto são HQs, a montagem da página - o ponto que vai chamar a atenção, o gancho para a página seguinte, a orientação que eu quero que o leitor siga pela página. E, principalmente, valorizar o “quadro-a-quadro”. Uma grande influência pra mim (embora eu falhe miseravelmente em aplicar) é o Jeff Smith em Bone, quando uma


sequência de quadros mudos, apenas de observação ou reação, gera uma “gag” que faz valer só pelo tempo de espera que obriga do leitor para entender o ocorrido junto com o personagem. O que você tem produzido para além dos quadrinhos? Hoje eu me entendo mais como animador do que como quadrinhista, já que além do canal Sapo Brothers no youtube, é o que eu faço profissionalmente (tanto como professor como quanto empregado na produtora). Muito das técnicas de roteirização - ritmo, principalmente - para compor uma cena audiovisual segue as mesmas regras da artes sequencial, além das técnicas de enquadramento e composição. Mas a base de tudo ainda continua sendo a ilustração, ou mais especificamente ainda, o desenho. Por que quadrinhos? Por muito tempo, os quadrinhos foram a linguagem “multimídia” mais fácil de ser produzida e consumida. Na minha infância, explodiam HQs de todos os tipos nas bancas, e o sucesso imediato de se fazer uma historinha junto aos amiguinhos da escola era um grande estímulo para continuar investindo, o que provavelmente me custou oportunidades de fazer qualquer outra coisa, como jogar futebol, fazer amigos, ter namoradas... Mas acho que infância e adolescência de quem desenha não é feita lá com muitas opções... Enquanto linguagem, o quadrinho consegue passar a mensagem e, em específico para humor, meu “tema” preferido, ele oferece um pacote completo de informação e, até muito pouco tempo atrás, a única opção verdadeiramente “portátil” de entretenimento. A popularização e a recente facilidade em produzir outras mídias acabaram ofuscando um pouco os quadrinhos como mídia, ao menos para mim. Hoje me divirto mais plane-

jando uma animação do que uma HQ, e um dos motivos é que a HQ dá mais trabalho, por incrível que pareça. Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? Continuo assinante da Turma da Mônica (a clássica, e não a Jovem versão Mangá). Todo mês tenho minha dose de Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Chico Bento e Ronaldinho Gaúcho, e sou o orgulhoso detentor de uma coleção de pouco mais de mil e quinhentos exemplares (isso contando só dos personagens do Maurício de Sousa). Sem contar estes, o último quadrinho que li foi a primeira e segunda parte de “Sucesso de público”, e continuo ansiosamente esperando a conclusão da saga Bone, do Jeff Smith. De material nacional, cabe destacar o Jean (o livretinho “Vó” foi uma grata surpresa) além dos colegas de webcomics - toda a turma do Café com HQ, Meus Nervos do Solon Maia, Batsuman do Lobo Limão, tirinhas e charges do Bennet, Galvão do Vida besta, Linha do Trem do Rafael Salimena, Mudinho Animal do Arnaldo Branco, Juventude Perigosa do Fernando Duarte... Quanto a material além dos quadrinhos, recentemente consegui uma versão em português (de Portugal) do livro Agência de detetives holística, do Douglas Adams (autor do Guia do Mochileiro das Galáxias). A história do detetive Dirk Gently, que é personagem de outro livro do autor, Deuses à solta, também nunca publicado no Brasil. E acompanho também os lançamentos da série Discworld, do Terry Pratchett. E este ano li “A Espetacular Vida da Morte”, do M.J. Macedo, uma grata surpresa na literatura de humor nacional.



Juntando os Cacos Uma cr么nica de Ana Recalde @anarecalde


A menina estava catando os cacos do que tinha acabado de quebrar. Segundo sua mãe, ela tinha passado correndo ali “umas vinte vezes”. Ela não tinha contado, mas imaginou que a mãe poderia estar exagerando um pouco. Mas o fato inegável é que ela tinha sido alertada de não correr perto da louça, e no entanto, ela correu. Enquanto estava com o papel jornal estendido ao lado da tragédia e o olhar severo da mãe acompanhando, ela pensou: “poxa, eu também caí, me machuquei, será que ela não vê isso?”. Uma raiva preenchia seu peito, afinal, quem pensava nela dentro daquela situação toda? Mas com o passar dos pedaços grandes sendo catados, passando para os menores, até chegar no farelo, ela foi entendendo uma verdade, o acidente tinha sido causado pela sua imprudência, estava na hora de admitir a culpa. Mas era difícil e doloroso, afinal ela estava com o joelho doendo e ralado, mas o que podia fazer além de se levantar e limpar a bagunça? - Desculpa, mãe. - Tudo bem, filha, agora não corra mais aqui na cozinha, tá bom? - Pode deixar comigo. Logo a menina saiu da cozinha e pensou no que estaria passando na televisão. E breve esqueceu do ocorrido e do joelho dolorido. Abriu um grande sorriso ao notar que ia passar seu desenho favorito.



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