A CASA DO PENHASCO EM AREAS, SÃOXENXO

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I - Uma casa num penhasco em Areas Uma casa num penhasco que lhe serve de alicerce, beijado pelo mar em cada maré cheia, pintada de branco, amplas varandas que por aqui se chamam esplanadas, envolvida por um pinhal denso onde arrulham pombos bravos e crescem já as pinhas de onde serão tirados os pinhões para o Natal que na orla costeira as pegas saltitam por entre a erva sempre atentas a ruido estranho alheio ao som da ondulação, ao vento Norte e às "conversas" dos pinheiros. Ao longe ouve-se o zumbido dos motores dos automóveis que circulam na estrada nacional. Que a casa num penhasco, pintada de branco e o telhado preto, atentando o verde da paisagem que a envolve, “roubou” as cores da gaivina que voa rasando o mar. Não há viva alma por estas bandas onde o mar espelha e as suas ondas se espraiam pelo rochedo compacto de onde os mexilhões desaparecerem apanhados por empregados das plataformas de viveiros para reprodução e posterior comercialização que se encontram mais para sul. Uma atividade que, penso, substituiu em parte a arte da pesca porque não se avistam quaisquer embarcações de pesca nas redondezas. Nem no mar. nem em terra. É provável que, para alem da ocupação nas artes de mariscar, aquacultura e, sobre tudo, a indústria hoteleira, as antigas artes da pesca, mas também da agricultura tenham sofrido um forte revés porque as atuais ocupações são bem mais leves e melhor remuneradas. Embora, no que à agricultura diz respeito, as vinhas ocupam já a quase totalidade do solo arável também não são muito comuns as gaivotas. Por ventura arribaram para outras paragens por qualquer motivo. O corvo marinho de penugem preta, pescoço longo, está pousado no cimo de um rochedo descansando, mas em permanente estado de alerta. A gaivina, de penugem branca e cabeça preta, da família das gaivotas, com velocidade no voo e de mergulho eficaz, vai satisfazendo a sua necessidade alimentar, atenta ao mar onde os cardumes de peixe rei e de sardinha pequena andam demasiado fundo. A casa do penhasco assiste a tudo o que se passa em seu redor, impávida e serena como que se fora a “Senhora” de todos os rochedos que se estendem pela costa Atlântica desde Porto Novo a Pontevedra e desta ao Atlântico, mas pela outra margem da Ria de Pontevedra.

Disseram-me ser comum os golfinhos entrarem na Ria em cardume considerável. Esperei pacientemente por eles, não os vi. Talvez os veja na próxima semana. Não sei. 2


A vida é assim mesmo. Uma caixa de surpresas desagradáveis para que nunca estamos prepa-

rados porque às agradáveis não lhe damos o valor devido. II – O dia mais longo e mais curto de todos os dias, num folgo de golfinho Os dias como tudo na vida e contrariando a opinião estereotipada corrente de que os dias são todos igualados por rotinas quotidianas um pouco à semelhança de uma outra corrente que só exclui o próprio emissor opinativo e todas as demais pessoas são iguais mais ponto menos ponto sem virgulas nem pontos finais sejam parágrafos ou não seja em que circunstancias for e com a pontuação que se lhe quiser introduzir o que acontece a meu ver é que de facto todos os dias

são diferentes e todas as pessoas são diferentes também porque quanto mais não fora os circunstancialismos de vida de cada um assim o ditam e as contrariedades que fazem parte desses circunstancialismos formatam o perfil do indivíduo mais ou menos agreste mais ou menos simpático mais ou menos indiferente mais ou menos um salpicar de tudo aquilo que faz parte de tudo aquilo que é essencial à vida mesmo nas condições excecionais de diferença aguda genética ou adquirida inclusive na variação pensada ou extemporânea do comportamento em função da decisão que é coisa aparentemente irrelevante mas de efeito social marcadamente identitário por ser esse o denominador comum do perfil sociológico do indivíduo na conceção generalista em sociedade que tem dias que o marcam profundamente e pessoas que fazem parte desses mesmos dias que fazem com que as marcas produzidas não mais se apaguem e por isso o dia em que se deu o primeiro grito é sempre o dia maior de todos os dias um dia curto quiçá o dia mais curto de cada ano de vida tão só porque a carga emocional que carrega não cabe nas vinte e quatro horas que cada dia tem mais ou menos milésima de segundo que acaba por ter acerto no ano bissexto e pelo significado histórico da data na história de cada indivíduo parecendo ser mais um dia por muito que assim se o deseje nunca o é mesmo que o não se admita numa tentativa de ludibriar a mente porque é nesse dia que se vivem emoções marcadamente diferentes no contexto daquilo que é o quotidiano de todos os outros dias porque neste dia em particular tudo aquilo que acontece é especial desde o mais insignificante ao mais relevante momento traduzido em gestos simples de diferentes formas e feitios mas que merecem atenção especial só porque aconteceram nesse dia mais os que deviam ou se pensava que iam acontecer e não aconteceram que dilaceram a carne e abrem sulco no peito que jamais será reparado só porque no meio do silêncio de todo o ruído interior provocado reside o mesmo grito sem idade do dia do nascimento de todos os indivíduos independentemente do género como agora está na moda diferenciar o sexo e que só valorizamos porque nos sentimos estranhamente sós e agarrados às memórias boas que conseguimos guardar na gaveta mais recôndita do cérebro e da alma que

ainda consegue acompanhar os golfinhos foz adentro em busca de alimento num qualquer caudal ainda sem poluição que no caso Humano transcende a poluição ambiental para ir mais além e se converter na poluição mental que enrobustece os fracos de espírito e fragiliza os fortes de coração. 3


Nota: Hoje, dia dez de julho é o dia do meu aniversário. Entendi escrever o texto acima, sem

qualquer pontuação, desafiando a arte das palavras e nelas a da compreensão de quem lê porque ousei publicar este texto no “Jornal Tornado”, um jornal virado para a Lusofonia. Provavelmente também o publicarei no Semanário Digital “Minho Digital”. Assim como no Blog “Clube de Pensadores” por pensar que o texto está bem conseguido. Presunção? Não sei. Os leitores o dirão. III Minu, A prima de Mariano Rajoy. Está um dia solarengo sobre o rochedo sobranceiro ao mar onde se encontra a “Casa no Pe-

nhasco”, na ponta da praia de Areas no sentido de quem caminha para Norte onde se avista a praia de Silgar, em Sanxenxo, e de onde sobressai a esguia escultura de “La Madame de Silgar” de inspiração Celta, construída por um homem da terra, escultor com reconhecimento público, avista-se um homem alto, relativamente magro, descalço, em calções e o tronco nu, porque o tempo lho permite caminhando em direção da casa do rochedo. O seu caminhar e pausado, cabeça erguida, olhar divago, respiração regular, finca os calcanhares na areia balançando o corpo para o passo seguinte firmando a ponta dos dedos de que ficam pegadas fundas que a água aligeira e elimina na sua cadência ondular. Com um ligeiro toque da mão empurra os óculos um pouco mais para cima do nariz de forma a centrar a íris e assim, conseguir ver melhor o caminho em direção ao rochedo que ia trepar. E trepou com relativa facilidade. Havia uns degraus de acesso e uma pequena cancela presa a um muro de proteção exterior da casa branca sobre o rochedo.

Mariano Rajoy Brey, foi presidente do governo de Espanha, nasceu em Santiago de Compostela e terá frequentado muito Pontevedra onde é bastante conhecido pelas pessoas da sua geração que com ele conviveram de perto, mas também para Norte por ser um distinto Galego com ligação familiar, de convívio e de amizade.

Minu, a proprietária de a casa do rochedo, cuja idade andará próxima da idade de Rajoy, ambos há muito entrados na “enta”. Ela já jubilada, no nosso modesto referencial, reformada, e ele um ativo político que ainda terá muito para dar. Minu é prima de Rajoy e o vem receber abrindo a já antes citada cancela. 4


- Porque me apareces por aqui descalço, Mariano? - Venho da praia. Preciso arejar. - Homem! Não te cansas de trepar essas pedras como se fosses uma cabra? - Não. Não me canso. - E o que fazes por aqui? - Olha. Estava olhando o mar e me recordei do tempo em que para aqui vinha. - Mas esse tempo já vai há muito tempo... - Pois vai. Mas há coisas que nunca esquecemos. E eu não me esqueço destes rochedos com os mexilhões que hoje já não há e dos golfinhos que por aqui subiam e que pelo que vejo continuam a subir. São menos, mas ainda por aqui andam. - Sobe primo meu, sobe e me dá um abraço para te confortar. Ouço dizer que por Madrid a política não anda bem por isso anda cá!

Rajoy abraçou afetuosamente Minu permitindo a uma lagrima que deslizasse pelo canto inferior do olho e emocionado após o abraço de boas vindas(!), se debruçou sobre a parede olhando o Atlântico por onde navegam os seus sonhos de um dia voltar a discutir nas urnas a presidência do PP-Partido Popular se as condições políticas lho permitirem. Minu, meio surpreendida pela visita inesperada estendeu uma toalha sobre uma mesa que se encontrava no pátio onde colocou uns aperitivos e a celebre cerveja Estrela Galícia para que o primo se acomodasse e descansasse o suficiente para retornar ao convívio da família mais chegada. Ao Português “empurrou” uma garrafa do “Albariño” porque sabia que o preferia. Foi longa a conversa. Uma conversa entre um Português acidental; o ex. presidente do governo de Espanha e a Senhora Minu. O Português e o Espanhol estão de férias e Minu controla a “Casa no Penhasco “de que é proprietária, e aluga os apartamentos que por dentro mandou construir. São cinco ao todo, de tipologia T2. O Português, de nome António, e que havia ficado por não gostar muito de praia estava sentado num canto, escrevendo algo, num computador portátil. Abeirou-se e, depois das apresentações, 5


foi naturalmente incluído na conversa que decorria. Dos mexilhões desaparecidos aos golfinhos ainda vivos å política nacional (Portuguesa e Espanhola) e internacional tudo se falou até ao cumprimento de mãos firme, de despedida. - Foi um gosto conhece-lo! Mariano Rajoy levantou-se, sacudiu as migalhas do corpo despediu-se da prima e retornou ao penhasco que havia trepada desaparecendo na escuridão da noite que, entretanto, se havia apossado do dia.

E assim se acabou este dia farto na surpresa e no convívio franco e fraterno entre cidadãos que sabem que as sociedades estão sempre em mudança e que é preciso acautelar o seu equilíbrio na biodiversidade de forma a garantir-lhes a continuidade. Uma conversa memorável na “Casa do Penhasco” Areas, Sanxenxo, Espanha, 10 de Julho de 2018

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