Teatro O ENTRUDO CHOCALHEIRO
Antรณnio Fernandes 1
NOTA INTRODUTÓRIA
A peça de teatro que se apresenta insere-se num conjunto de iniciativas que visam repor as tradições, usos e costumes das populações Minhotas que enfrentam uma das maiores, se não
a maior, vaga de aculturação desde a independência da Nação. Esta constatação é de fácil perceção desde os manuais escolares ao desempenho dos Órgãos de Soberania através das iniciativas que tomam no domínio da Cultura e das suas diversas formas de expressão.
No caso que reporta ao trabalho que se apresenta, a tarefa proposta é a de recuperar a tradição popular comemorativa dos festejos em que se “corre o homem”, o Entrudo, que enfrenta a poderosa “maquina” dos media na tentativa já em avançado estado de implantação no Minho e no País do Carnaval que se festeja no Brasil incluído as danças e os trajes. Pretende-se assim, mostrar às gerações atuais, usos, entretanto em fase de alteração e que se prendem com a poderosa influência das crenças e das referências sociais transitadas desde tempos com memória.
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INDICAÇÕES CÉNICAS
Há duas cenas com cenários distintos: - O primeiro cenário configura uma praça aonde estão um pelourinho e um pedestal aonde os arautos difundiam verbalmente as notícias e uma forca aonde se procedia à execução dos condenados à pena capital: o enforcamento. O segundo cenário é composto por uma réplica de uma sala de julgamento, vulgo sala de tribunal, com uma mesa com três cadeirões e um local aonde sentar o réu acompanhado das forças policiais sempre em pé. Os advogados movimentam-se sempre em pé. O Povo assiste ao julgamento em local inferior . Nota; Toda a coreografia, cenografia, som e luminotécnica ficam ao critério do encenador e demais equipa que se ajuíze ser necessária. É importante o registo fotográfico ou outro de imagem, de todos os motivos primários da coreografia, iluminação e de interpretação. 3
ELENCO DE ATORES
Um arlequim.
Um arauto.
O Povo (figurantes)
Um Juiz presidente.
Dois juízes vogais.
Um escrivão.
Um advogado de acusação.
Um advogado de defesa.
Dois elementos das forças policiais, GNR.
O Entrudo,
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Há uma primeira entrada em palco de diversos figurantes que vestem roupas velhas, usadas nos anos 70, em que os homens se vestem de mulher e as mulheres se vestem de homem, batendo com testos e panelas e quebrando louça para correr com o Homem, o entrudo. Uma espécie de manifestação popular com uma tarja de início de "manifestação" com os seguintes dizeres: "O ENTRUDO? É NA CRAVEIRO! HOJE VAI SER O PRIMEIRO!” Gritando:
- VAMOS CORRER O ENTRUDO! AQUI NA BIBLIOTECA É GORDO E BARRIGUDO E NAS COSTAS TEM MARRECA!
- VAMOS CORRER O ENTRUDO! AQUI NA BIBLIOTECA É GORDO E BARRIGUDO E NAS COSTAS TEM MARRECA! "O ENTRUDO? É NA CRAVEIRO! HOJE VAI SER O PRIMEIRO!” 6
De salientar que estes festejos se realizavam durante a noite, na transição de um dia para o outro. No dia seguinte, o povo voltava a vestir as mesmas vestes e vinha para a rua festejar o Entrudo. Porque o dia era considerado gordo, a alimentação baseava-se em carne de porco com predominância para o toucinho e outros. Nesse sentido fazem-se merendeiros no largo térreo. No final dos festejos procede-se ao julgamento do Entrudo.
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Entram em cena um arlequim seguido por um arauto, devidamente trajados, tocando o arlequim um trompete rodopiando em volta
do pedestal para aonde o arauto sobe, desenrola um pergaminho e, em voz sonora, lĂŞ.
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Arauto Senhoras e Senhores Que me estais a ouvir, Como não vos devo favores Não vos vou sequer mentir. Porque o que aqui me traz A este campo sem vinha É o anúncio da paz Que o entrudo não tinha O entrudo chocalheiro Que as moças, namorisca Vai ter o condão primeiro De que se faça justiça! Neste nobre salão Lúcio Craveiro da Silva Haverá a decisão Que sabemos, é precisa! Neste nobre salão Lúcio Craveiro da Silva Haverá a decisão Que sabemos, é precisa! 10
Neste campo sem vinha Mas com vinho a granel Aí! Em qualquer cadeirinha, Haverá pão para o farnel? Mailo chouriço e o presunto O queijo e a linguiça A broa, o mel, e o unto, Tudo a rodos! Pela justiça! E que entre! Sua Excelencia! O meritíssimo, Sr. Dr. juiz. Que com toda a reverencia Aclamareis! Que é como quem diz...
Entra o Juiz Presidente Mailos outros reverendíssimos Juízes deste nobre coletivo, Todos, mui. Sumaríssimos, Pela lei e pela grei! O Entrudo é o motivo!
Entram os Juízes VogaisNeste campo, em torpor. Da vinha, sem vinha que se veja... Que entre o acusador! Mailo colega da defesa! 11
Entram os advogados, de acusação e de defesa
(continua o Arauto) E que se faça justiça Ao entrudo chocalheiro! Com a espada da liça E a balança do solheiro. Neste público tribunal Perante vos, mui nobre povo. Apresente-se a Guarda imperial. Mailo réu! Com garbo, e denodo.
Entram os dois GNR com o Entrudo algemado nas mãos e nos pés -
(continua o Arauto)
E que comece o julgamento Do Entrudo Bracarense. Neste preciso momento. Para que mais ninguém pense!...
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A mesa do coletivo está preenchida e o acusador e a defesa assumem as suas posições. O acusador no lado esquerdo da boca de cena. O defensor no lado direito da boca de cena. Os guardas posicionam-se, em pé, um de cada lado do "réu" que fica ao meio sentado numa cadeira, ou ajoelhado num oratório…
O JUIZ PRESIDENTE levanta-se.
Tem a boca amordaçada. Uma espada numa mão e uma balança na outra mão. Pousa a espada e a balança e desata a mordaça.
Juiiz Presidente Declaro aberta a sessão Deste ato que é julgar Pelo que ordeno ao escrivão Para dele, a ata lavrar Hoje, dia três Do mês de dezembro É a primera vez, Aqui. É o que me lembro.
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O julgamento primeiro Nesta sala aconchegadinha Do Entrudo chocalheiro Cuja sentença, se adivinha... Julgamento primeiro Neste amplo auditório Da Lúcio Craveiro Onde faremos o velório
Advogado de defesa : Meritíssimo Juiz! Não concordo! Com o desígnio apontado Perante este nobre povo O réu ainda não foi julgado… E digo ao tribunal E a toda esta gente Que o Entrudo afinal, Está aqui, inocente! Não cometeu qualquer crime Contra a vida ou propriedade E do resto se redime, Esta é que é a verdade! 14
Advogado de cusação Apoiado! Apoiado! Meritíssimo Juiz! O réu é culpado! É aquilo que se diz… Não vá o coletivo E o povo que padece Deixar passar o motivo Sem o castigo que merece O Entrudo representa O pecado da gula e da folia Se este tribunal o inocenta É cúmplice desta ignominia
Nesta frase última frase o acusador vira-se para o público e tapa a boça com a mão como que esteja a susurrar.)
O Entrudo cai para o lado. Um dos guardas apressa-se a colocá-lo na posição inicial.)
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Juiz Presidente
Retomemos a data. Ano de dois mil e dezoito Para que conste na ata E tudo o mais que foi dito Perante este povo que assiste,
O respeito deste tribunal é devido. Porque a justiça se existe, É para aquilo que é preciso. Ora neste julgamento, Uma vez que o réu é mudo,
A prova é o argumento, E os factos, eu deduzo…
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Advogado de defesa: Se me é permito Com a Vossa permissão Não entendi o sentido E muito menos a razão. Uma vez que o réu se queda Surdo, mudo e sem visão, Esperando que tribunal ceda E lhe dê a decisão. Que a meu ver é a de inocente Porque outra não pode ser Perante toda esta gente Ser justo. Meritíssimo. É o seu dever!
Advogado de cusação O meu colega está louco Perante esta ignomínia Em que a forca é pouco E a fogueira fantasia!
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O Entrudo é a devassa! A preguiçaa! A luxúria ! Do País, é a desgraça! Exijo uma pena dura! O Entrudo é a cobiça! Os sete pecados mortais! Por isso exijo justiça! Justiça, e nada mais!
Advogado de defesa - Nada disso! Nada disso! O meu colega é indecente. Haja senso, Meritíssimo! O Entrudo é inocente! O Entrudo só aceita Aquilo que a vida lhe dá Por isso nunca rejeita Fruta madura, quando a há. Onde é que já se viu Gozar a vida ser crime O meu colega sentiu, Ou põe a mão no lume? 18
Advogado de acusação Nada disso, digo eu. Em defesa da moral Ceder ao pagão ou ao plebeu É um pecado mortal! Não nos podemos perder No pecado que se adivinha O réu deve arder!... Neste campo, sem vinha! O réu já foi considerado Pelo povo aqui presente Como sendo o culpado Dos pecados desta gente!...
Advogado de defesa Meritíssimo Juiz Presidente, Perante todo, este nobre povo. Não querendo ser impertinente. Trago a este caso, algo de novo.
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O réu, que o meu colega acusa! De muitas coisas, e de devassa, A vossa clemencia, não recusa, Pois ser entrudo, é uma desgraça. Não basta ser feio, e chocalheiro. Mal-afamado, por toda a gente! É apontado de roto, o dia inteiro, Por de todos eles, ser diferente.
Interrompe a acusação
Meritíssimo senhor, doutor juiz,
É de bradar! E de clamar ao céu! Ao ouvir, o que o meu colega diz! Quando tenta inocentar, o réu! Todos nós aqui, bem o sabemos! Que o entrudo, é uma praga!
Sendo clementes, é esquecermos, Quele na vida! É uma chaga! Por isso exijo ao tribunal, Que a nossa razão não distorça! Para sua remissão, no final! É de espernear, numa forca!
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-JUIZ PRESIDENTE
Povo desta biblioteca Como em nada me hipoteca Dizei-me a vossa opinião Ela por mim já foi tomada E não vos adiantará nada Pedir-me a sua anulação!
VOZ DO POVO
Diga lá, outra vez, excelência!... Que a gente... Não ouviu... Querem ver que a eminência Fala por nós? Onde é que tal se viu!?
Defesa -
Meritíssimo Sr. Dr. Juiz Ao ouvir o que este povo diz Nada mais tenho a acrescentar Espero que Vª Ex.ª Não caia na inconsciência De, em nome do povo, condenar!
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Juiz Presidente Caro povo desta terra Aqui, a Lei sou eu. Não me importa o que queira O nobre ou o plebeu. Vim presidir a este tribunal Ouvir o réu e a razão Porque faz ele o ritual Da gula e da possessão Dou por isso encerrada Mais uma vez, esta sessão, A ata já está lavrada Com esta minha decisão! O entrudo é condenado A balançar nesta forca Nela será pendurado Bem alto e em corda curta!
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VOZ DO POVO Diga lá, outra vez, excelência!... Que a gente... Não ouviu... Querem ver que a eminência
Fala por nós? Onde é que tal se viu!? (os atores juntam-se e andando em círculo lançam a sua palavra de ordem) "O ENTRUDO NA CRAVEIRO HOJE FOI O PRIMEIRO!” - VAMOS CORRER O ENTRUDO! AQUI NA BIBLIOTECA É GORDO E BARRIGUDO E NAS COSTAS TEM MARRECA! - VAMOS CORRER O ENTRUDO! AQUI NA BIBLIOTECA É GORDO E BARRIGUDO E NAS COSTAS TEM MARRECA! "O ENTRUDO NA CRAVEIRO HOJE FOI O PRIMEIRO!” 23
Levantam-se todos e cumprimentam o publico
FIM
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