E MIGO
POESIA AQUI, E AGORA!
Fazer poesia aqui e agora É coisa que não consigo. Tão pouco dize-la, boca fora! Como se algo fácil fora, Não! Não é, meu amigo! Por muito que o queira! Não é rabiscar num papel Metáforas de estontear Adoçadas, sabendo a mel, Sequer cantar a granel O constrangimento a pairar Em felicidade de cordel! Ou brisa de corrupio, De valsa ou folclore, Que lima o assobio De quem sabe o calafrio Que fica, por muito que apavore, A neve, a chuva, o frio! Fazer poesia aqui e agora
Só se for com o olhar. Fugaz, sem demora,
Macio, sem machucar, Esse rosto onde o arar De ruga que em vida mora, Deixa rasgo acentuado, Visível e invisível, Consoante o destacado Pelo peso do arado Num todo imprevisível No sulco e no causado! Fazer poesia, aqui a agora É impossível, de todo. Sem demanda que demora Em inspiração de outrora E muito menos o modo De quem ri ou de quem chora E se afunda no lodo
Pelo tempo acumulado, E também com o tempo ido, Bocado que se guardado No longo lastro corrido Do navio em que navego Onde pasmo os corredores Da fama, família, ou doença, E também os dos amores, Que lhe trouxeram as cores,
A vida, o cheiro e a dança, E canteiros de flores! Imortalizando assim A poesia por escrever Rasgado que foi o fim De um principio ruim Em palavras por dizer Aurora de um Sol... De mim!... Porque das palavras ditas Alguém se apropriou E, as tornando malditas Nelas desbaratou Todo o mal que ousou Causar, citando listas! De palavras inventadas Sem conteúdo algum
E que de tão trucidadas Se deram por terminadas Em rumo de fim nenhum! A um canto encostadas Em uma barraca térrea Sem água ou energia. Junto a uma linha férrea Em que o trilho é a rédea Que leva á regalia
De saber que esperava O orvalho matinal O clarear da alvorada Em que a aurora boreal É sonho, não é real Válida é a palavra dada(!) Que se extingue, letal! Fica assim por escrever Poesia, aqui e agora! Fica também por dizer, O quanto dói não poder Dizer aos amores de outrora O quão difícil foi viver, E o quanto o é agora, Em que a noção do perder Afetou o dia e a hora
Em que os vi ir embora Sem mala para meter Casa vazia onde mora A letra de uma canção Cantada ao amanhecer... Foi amor, foi ilusão, Foi querer, foi perdição, Foi acordar sem saber, O quanto dói o coração!
A alma, e tudo o mais! E verter em palavra corrida Em que entras e em que sais Dita aqui e agora, ou nunca, jamais! Poesia, tão sofrida Onde tudo são finais... E fica por dizer-te também Que o amor não é erótico! É sentimento que se tem De que se fica refém Mal se entra o pórtico, Do saber de onde vem A emoção contraída Em coração apertado, Em lagrima quente, vertida, Que dando sentido á vida,
Deixa escapar o pecado Na pele aveludada, Ou no seio enrijecido, Na boca acetinada, Na curva acentuada, No beijo estremecido, E tudo o mais que se eriçava! Na entrada ou na saída E também no embalar,
É ato de acalmar, Expoente do amar, E nem sempre o ninho Que se pensa, sem pensar!... Construi o maior castelo No sitio mais alto aonde cheguei Como era belo! Como era belo! Deixou de sê-lo, quando acordei. Desta azafama em que me embrenhei Pensando ter conseguido Escrever solto de regra e de lei Só porque assim é preciso! Colorir as palavras cinzentas Fazendo um poema corrido De tudo o que não lamentas
Por este poema que não consigo. Poesia, aqui e agora? Não é fácil, meu amigo! A inspiração foi-se embora Como forma de castigo.
- António Fernandes -