QUANDO O CHARME PERFUMA A BRISA

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Antรณnio Fernandes


I—A NOITE Há, algures numa viela daquelas que na gíria se tem como sendo uma rua comum, escura, despida de transeuntes e de iluminação, em que o piso é em lage de granito escorregadio por tão coçado, mas também por acumulação de musgo devido à humidade do local. Uma visão típica, na perspetiva turística daquilo que são as ruas interiores dos cascos centrais das cidades, um bar de vão de escada muito procurado devido à animação noturna que proporciona. A sala transborda de pessoas. Umas alegres, outras nem por isso. Umas introvertidas, outras extrovertidas e outras, nem uma coisa nem outra. Aquelas que de tantas contas deitarem à vida já nem com essa se preocupam e tiram o maior partido que podem dos fugazes momentos de que dispõe. Em suma, o que há, a esta hora da madrugada – uma hora – são pessoas. Pessoas normais no quadro daquilo que socialmente se entende por normalidade corrente. Há também, um rol de macambúzios espalhados por todas as mesas que se limitam a ronronar trivialidades foleiras. Desde o

futebol ao físico da vizinha da mesa ao lado que mostra o naco possível da perna alçada ou a alvura do seio que se escapa 2


pelo decote sempre que a propósito se curva. Os copos tilintam. As garrafas deixam que a espuma se solte e escorregue pela mesa pingando, gota a gota, para o chão. Os sapatos de tacão alto ficam indiferentes coisa que os rasos não suportam porque apanham com os salpicos do vinho. Tinto,

como manda a tradição dos beberrões de fim de semana. Daquele que deixa lagrimas malga abaixo quando se faz rodar o líquido no seu interior. A banda já se posicionou e lança para o ar os primeiros acordes da madrugada. A vocalista afina a garganta com dificuldade porque no meio de tanto barulho já puxou demasiado pelas cordas vocais para que conseguisse ser ouvida pelos acompanhantes. - Sem problema! Diz o proprietário do estabelecimento para quem o barulho da banda é bem mais ameno que o barulho que os clientes fazem. - Vamos a isso! Reforça o citado para acelerar o consumo e dinamizar o bemestar ambiental de forma a que os atuais clientes fiquem satisfeitos e tragam novos clientes na próxima vez que voltarem. A um canto, na penumbra da luz artificial, ao som dos acordes 3


da guitarra elétrica e das batidas da bateria acústica, brilham com uma intensidade fora do comum, dentro da órbita do globo ocular, íris que parecem querer saltar para fora do seu espaço de forma a poderem tocar os objetos em que silenciosamente tocam de uma forma tão suave que todo o barulho em redor se esfuma. A mulher que dança contorce-se de prazer desfrutando o som porque se deixou, porque assim o quis, enlear, e, a esse a abraçada rodopia numa azáfama tremenda. Gira, gira, dá uns passos e volta a girar. Balança o corpo ao som da música num transe pessoal. Nada mais existe naquela sala cheia de gente.

Dança. Simplesmente, dança. Está - se pura e simplesmente borrifando para o indivíduo que de copo com cerveja na mão, de que beberica pequenos goles, lhe faz olhinhos com uns olhos de carneiro morto sem iniciativa para o que quer que seja. Ainda tenta dar uns passos de dança com intuito de que assim consiga um par. Não é feliz nessa tentativa e desiste. Só lhe resta mesmo desistir. A mulher é uma mulher de têmpera rija que não se satisfaz com o gozo e uns olhos mortiços. Gosta de sentir o toque de umas mãos ágeis. Que não percam muito tempo à procura do que está á vista de qualquer olho apurado e com gosto refinado. Por isso, pensa, é bem melhor 4


rodopiar ao som da voz sonante da cantora e, deixar-se ir nas ondas da melodia por mares em que sabe navegar. É a sua zona de conforto. Aquela em que não arrisca nada e por isso não corre qualquer risco. - Não vá acontecer algum percalço e depois é que são elas.

Porque homem para vir é coisa fácil. Para ir embora é que pode ser difícil. Neste triangular de vontades. O da penumbra; o de copo na mão e o da dançarina; em que a espuma saltitante sobre o sapato raso sob o olhar atento do sapato de tacão alto, desliza, sobressai a vida extasiada de uns e a vida empedernida de outros. O bar abriu por volta da meia noite para acolher os seus clientes e lhes proporcionar momentos de diversão. A sala de fumo é no varandim ao ar livre. As técnicas de engate corriqueiras já não funcionam e os pares já se encontram emparelhados salvo aqueles que emparelham porque já tinham essa intenção. O ocasional é uma miragem e a circunstância, um azar ou, uma sorte. Nada acontece por acaso. O João acende o cigarro da Joana, tira duas passas e dá-lho. A Maria olha o Manuel, estende-lhe a mão e fica com o afago que recebeu e o beijo terno na face. 5


O Domingos mais o conjunto de rapazes e raparigas que o acompanham empertigam o ego e distribuem discursos qual deles o mais convincente das potencialidades cada um sempre melhores do que as dos outros. Os pilins dos telemóveis não param de soar avisando dos alertas sobre mensagens de várias fontes com predominância para as redes sociais que fazem com que o “dialogo” seja muito mais profícuo nas teclas dos diversos teclados do que nas cordas vocais através das quais comunicamos uns com os outros. A Mizé, como de costume, abstraiu-se da envolvência e entendeu dar um ar da sua graça pavoneando essa sua graça de ca-

belo solto, anca torneada e rija, empinando os seios tal qual o nariz e a cabeça num ensaio de rebeldia madura e, dança! Espalha o perfume do charme que tem pela madrugada adentro por entre o ar pesado do bar, o fumo do tabaco do alpendre e a brisa do romper do dia pela rua fora.

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II—O OUTRO DIA A ressaca é um sentimento estranho. Um misto de dor de cabeça e de sensação de mal-estar. Um sentimento de cansaço e de desinteresse por tudo. Em especial pelo passo seguinte. Simplesmente, o passo seguinte, o passo a dar, tem de ser da-

do. Seja lá ele qual for. A ressaca estava assim no seu apogeu e, nem um banho de água fria resolveu o assunto a cem por cento. Resolveu, talvez uns cinquenta por cento. O que já não é mau, diga-se. Uma chapeirada rápida, secar o cabelo, calçar as meias até à

virilha, vestir a cueca, umas calças de ganga daquelas que só assentam depois de serem puxadas abanando bem o cu, uma blusa, um casaco ligeiro de malha e, por fim, umas sapatilhas para a corrida a caminho do emprego. Era bem melhor uma corridinha pelas ruas da cidade, assim, em jeito de manutenção física A Mizé não tem tempo para essas coisas. Para quem se deitou tão tarde levantar às oito horas para entrar ao serviço às nove é difícil, mas... como diz o povo: o que tem de ser. tem muita força. Na rua cruzou-se com uma “almeida” a típica designação nacional do tradicional varredor de rua que presta serviço na 7


empresa de limpeza das vias a quem o Município adjudicou o serviço que presta. - Estranho… pensou a Mizé. Antigamente estes, que agora são maioritariamente estas, varredores, que agora são maioritariamente varredoras, eram fun-

cionarias da Camara Municipal ou de Serviços Municipalizados. Agora já não são. Agora parece que são empresas Municipais privadas ou mistas. - Mas, para que raio é que isso me imposta! Deu um pontapé numa pequena pedra que se encontrava no chão e disparou pergunta, meio em jeito de quem quer meter conversa. - Bom dia, minha senhora! - Bom dia menina. Respondeu-lhe a matinal varredora de ruas. - Onde anda o pessoal que não vejo ninguém? Perguntou. Pergunta estupida porque aquele era o seu trajeto diário. - Então a menina passa aqui todos os dias e não repara que a esta hora nunca anda a qui ninguém!? Mizé encolheu os ombros despediu-se. - Até amanhã! 8


- Tenha um bom dia. Desejou-lhe e varredora. Seguiu passeio fora saltitando, como se fosse uma menina de mochila às costas a caminho da escola. A rua porque seguia estava vazia por ser uma rua interior. É uma daquelas ruas bucólicas, dormitório, onde o mais pequeno

barulho acorda o bebé mais dorminhoco do sítio. Que nas ruas principais o transito é já intenso e de barulho ensurdecedor. - Como é que se consegue dormir num sítio destes. Pensou a Mizé para consigo quando se abeirou da confusão geral. A bicha na paragem era enorme. Nada de estranho porque era assim todos os dias. Quando o autocarro chegou, subiu os degraus, mostrou o passe e foi completamente ensanduichada, apalpada e o que demais acontece nestes meios de transporte quando carregam passageiros a mais para que nenhum fique pelo caminho. Contingências tidas já por “naturais” que só chateiam quando quem aperta o que não deve são sempre os mesmos. - Que se lixe! É mais apalpadela, menos apalpadela, uma vez que ninguém leva uma nádega ou uma mama consigo. Fica tudo no sítio. Mais amassadas é certo, mas, no sítio.

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III—TERTULIA COM MÚSICA AMBIENTE A Mizé, conjuntamente com um grupo de amigos, seriam cerca das vinte e uma horas e trinta minutos, entrou porta a dentro de um estabelecimento de hotelaria, um café bar, mais propriamente dito, subiu uns degraus em pedra rija – de granito – e ao passar por um pequeno balcão onde se encontrava uma pes-

soa perguntou: - É aqui que levanto o cartão para registo do consumo? - Não. Respondeu a que estava por de trás do balcão. - O empregado de mesa lá em cima entrega-lhe o cartão. Acrescentou. - Obrigado. Retribuiu a Mizé. Retomando a subida para o piso superior. O estabelecimento é escuro e pejado de objetos velhos que foram recuperados e por ali espalhados. O mobiliário de uso. Mesas e cadeiras, mas também bancos corridos, apresentam um estado lastimável. Que para alguns poderá ser eventualmente um fator de atração. Pensou. Sobre as mesas há candelabros de três velas que estão acesas e empestam o ar com o fumo que deitam e o cheiro a cera que propagam. O ambiente é soturno, os colegas que a acompanham também,

e, o silencio reina entre todos, embalado pela música ambiente do estabelecimento. 10


Sentaram-se em torno de uma mesa feita de tabuas de pinho, por ventura de algum soalho que foi retirado de uma qualquer habitação demolida, em bancos corridos também feitos em tabuas de pinho envernizadas da mesma forma e com a mesma tonalidade de cor da mesa. Os anfitriões da Mizé são os do costume neste encontro mensal

destinado à escrita. São pessoas que já entraram na conta etária dos, “enta”. Letradas. Com percursos de vida relevantes em vários domínios. Todos escrevem. Uns publicam em livro, artigos de opinião, nas redes sociais entre muitas outras formas de publicação existentes. Em papel ou plataformas de tratamento de dados. Outras escrevem por prazer, simplesmente. As conversas em surdina são as estritamente necessárias, ajustadas à sonoridade e ao ambiente do meio que influi diretamente no comportamento. O empregado de mesa aproxima-se e recolhe todos os pedidos feitos que anota no cartão de consumo de cada um. - São… três cafés normais, um gim, uma água tónica… um chá de cidreira e… mais nada. Referiu dirigindo-se a todos. - Obrigado. Responderam alguns. Retirou-se o empregado de mesa para ir buscar o pedido pelos clientes e estes voltaram a dar continuidade à conversa em surdina que havia sido interrompida. 11


Entretanto, é lançado o repto, ao auditório cibernético, a que ainda não me referi, e que é considerável, na quantidade e na qualidade, e aos presentes: - Vamos lá distribuir por aqui os papelinhos do costuma para que cada um escreva o tema sobre que hoje nos vamos debruçar, escrevendo. Disse um dos presentes. - Vou colocar a mesma questão a todos aqueles que nos acompanham através da plataforma de comunicações de que nos servimos, o Facebook. Acrescentou. Os papelinhos foram distribuídos, onde foram escritos diversos temas aos quais foram acrescentadas, em papelinhos individuais também, as propostas de tema feitas pelos que que, em casa ou noutro local qualquer, acompanham a sessão usando um computador; um telemóvel; ou um outro qualquer equipamento ligado aos servidores da rede que vulgarmente designamos por “Internet”. Todos os papelinhos com os temas propostos estavam dobrados, foram embaralhados, e, Mizé anunciou o tema sorteado: - MÚSICA AMBIENTE. É este o tema: Disse. - Que porcaria de tema… pensou Mizé. - O que é que eu vou escrever sobre isto? Interrogou-se.

Os presentes terão pensado o mesmo, presumo, com exceção do autor do tema, que, curiosamente não assumiu a sua 12


paternidade, Entreolharam-se, os presentes. Foi indicado ao auditório em linha qual o tema sorteado. E todos os presentes, munidos do respetivo acessório para escreverem, deram inicio ao desbravar da mente que ordena aos seus executores, através do sistema nervoso central, para que os dedos pressionem as teclas ou

desenhem com uma esferográfica, as letras que darão forma expressiva ao que cada um pensa e que peça constrói sobre “musica ambiente”. O empregado de mesa chegou com as bebidas pedidas, serviu e, perguntou: - Não querem mais nada? - Não. Obrigado. Responderam alguns dos presentes. A Mizé deu inicio ao seu devaneio mental e foi escrevendo… “A música é uma forma de comunicação entre as várias espécies existentes: animais, vegetais e outras. Assume sonoridade específica consoante o ambiente em que se insira. Não é, a vulgaridade do efeito sonoro, sobre um determinado ambiente, como por exemplo: - O amenizar ambiental de um determinado meio de frequência - de frequentar/passar o tempo - humana, num determinado

contexto de alienação para estabilizar os neurónios. Seja através da música, seja através de um outro qualquer efeito sonoro 13


a que a vulgaridade racional rotulou de música. Ambiente, porque só é audível num determinado ambiente. Mas, também é. A sonoridade é assim, uma espécie de enleado entre o gesto e o som que provoca efeitos ativos de interação e também de reação. Existem experiências várias de alienação mental com efeitos reativos de descompressão que promovem o bem-estar e por consequência o aumento de capacidade produtiva, mas também criativa: - Na arte; - Na investigação; - Na produção; - Outros; Isto no domínio da espécie Humana. No domínio de outras espécies há estudos e praticas correntes: - Com bovinos em cativeiro, nomeadamente na produção de leite; - Com leporídeos mais concretamente coelhos na reprodução; - Com aves na espécie dos galináceos, no ciclo do crescimento, mas também com poedeiras; No domínio das espécies vegetais assume-se que sendo a sua 14


comunicação musical, estão em permanente estado de “música ambiente “ Na parte que me toca, toco tocando; toco dedilhando; toco batendo; toco soprando; toco falando. Mas, sobre tudo, toco em silêncio. Porque o silêncio também é música ambiente na justa medida em que é nesse ambiente que a música do pensamento melhor se expressa. E faz o ambiente de uma outra música qualquer.” Acabada a escrita apontou a data. - Que porra! Exclamou, espavorindo os presentes. - Tinha de ser um dia treze! Explicou-se. - E qual é o problema? Perguntou um dos seus companheiros de mesa. - É o dia do azar, carago! Retrucou. - É um dia como outro qualquer. Contrariou uma colega. Como todos os presentes deram por concluídos os textos da sua lavra, iniciou-se a leitura dos mesmos, pelos próprios. Finda a leitura, depois dos cumprimentos entre todos pela diversidade conseguida na explanação escrita do tema proposto, levantaram- se, cada um pegou no seu cartão de consumo, desceram os degraus de pedra, não sem antes apagarem as velas dos candelabros, e dirigiram-se ao balcão no rés do chão para efetuarem o pagamento respetivo. 15


Na porta principal, despediram-se . Um beijo em cada face para as senhoras. Um cumprimento de mão para os cavalheiros. E um: - Até ao próximo mês. Para todos. Ninguém descortinaria em personagem tão estranha. Sim. A Mizé é uma pessoa com um perfil estranho. Nuns casos demasiado introvertida. Noutros extrovertida. E noutros, nem uma coisa nem outra. É de um perfil inconstante. Mas isso é outro assunto. Que naquilo que ao caso interessa, ninguém, presumo, pensaria que esta personagem estranha tem um gosto tão peculiar. Gosta de escrever. Escreve em tudo quanto é lado e naquilo que tenha à mão. Se bem que, o telemóvel é a sua companhia permanente por dispor de um bloco de notas que não dispensa e que lhe permite aceder a partir de um outro equipamento informático qualquer com ligação apropriada.

Saída da sessão de escrita, Mizé rumou rua escura como se fora uma notívaga uma vez que já passava da meia noite. A essa hora começavam a entrar os clientes mais tardios e que ficariam madrugada adentro curtindo as bebidas e a música. Música gravada porque ao vivo não havia. Hábitos de pessoas, maioritariamente jovens, na faixa etária dos vinte aos trinta anos, na sua maioria, senão a totalidade, 16


estudantes, com folga no dia seguinte ou aulas só da parte de tarde. Mizé rumou na direção poente da cidade em direção a uma zona mais movimentada e mais ajustada à sua forma de ser e de convívio, mas também por ser frequentada por pessoas que conhece e com quem priva com regularidade. A Sé Catedral fica, imponente, com a coruja que lá pernoita na torre sineira, sobranceira sobre a esplanada, numa noite quente de verão. Não estão os amigos mais chegados, mas está o António, a Lúcia e o Ricardo que a recebe com a fogosidade que uns copos bem bebidos conferem. - Olha a Mizé, carago! Cumprimentou o António. - A esta hora da noite? Continuou o António. - Da manhã, queres tu dizer. Retorquiu a Mizé cumprimentando os restantes colegas. Sentou-se chamou o empregado e pediu uma água mineral porque álcool e esta hora da manhã não é recomendável para quem tem de ir para o serviço no dia seguinte. E ressaca, já tinha a sua conta para a semana toda.

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IV—SÁBADO É sábado. Manhã cedo. Nasce o Sol. Sopra uma brisa que convida a voar… que convida a arejar os neurónios. A mudar de ares, sair. A rumar sem rumo ou destino predefinido. A iniciar viagem sem caminho. A despertar aquela preguiça escondida que ainda dorme. Brrrr!... espreguiçou a Mizé saudindo o cabelo farto e atirando com o edredon pelo ar. Toca a levantar! Cantarolou. Levantou-se, despiu as cuecas e o soutien que eram as únicas

peças de roupa que trazia, atirou-as para o cesto da roupa suja, saiu a porta, saltitou pelo corredor – acordou bem disposta – e entrou na casa de banho, abriu a torneira com a agua já regulada para tépida, sentando-se de imediato na sanita para urinar enquanto que a banheira enchia agua para o banho matinal. Findo o banho tratou de toda a higiene, vestiu uma roupa ligeira e saiu de casa a caminho da garagem que ficava no piso menos um do prédio onde reside. Opção: Conduzir. Desafiar o tino, o tempo e os sentidos. Respirar fundo e expirar com a maior força de que for capaz. Entrou na viatura, um pequeno carro utilitario que usa só aos 18


fins de semana ou em dias em que, como se diz: “o que tem de ser, tem muita força.”, ligou a chave na ignição e, saiu. A estrada é sinuosa, curva e contracurva. Nas suas bermas há um frondoso arvoredo constituído por pinheiros bravos, castanheiros e carvalhos, mais o mato que se amontoa e a carrasca que procura local ao sol por entre os rochedos. A vida existente fervilha. Cada motivo tem história singular, em que, com a perspicácia possível se ajustam as molduras deste mundo em permanente mutação. Onde a estrada se acomoda ao colo da encosta serrana arrumando terras e civilizações até Monção onde o Rio Minho estabelece a fronteira com a Galiza na vizinha Espanha. Sim! Porque a estrada é a estrada nacional de Braga para Monção. Transposta a Ponte do Bico, sobre o Rio Cávado, e já se está em Entre Pontes no Concelho de Amares, atravessando a Ponte sobre o Rio Homem. Poucos metros percorridos, um a dois mil metros (?), no sentido de Vila Verde, fica o Alívio, já no concelho de Vila Verde. Localidade onde pontifica o Santuário erigido à Nossa Senhora do Alívio. Um Santuário Mariano muito visitado por residentes, forasteiros, emigrantes e, turistas também que, de forma regular vêm aqui exprimir a sua devoção; cumprir promessas feitas; e agradecer graças concedidas ou melhorias que foram devotamente pedidas. 19


Em tempos não muito distantes, na festa anual à Padroeira, predominavam os nacionais emigrados por essa Europa fora. Agora não. Agora é um ponto de paragem na passagem. Seja para orar, comprar um qualquer artigo num dos feirantes presentes ou na feira dominical que todas as semanas se realiza no topo Sul do largo fronteiro às escadas de acesso à Abadia. Uma Abadia com História e significado relevantes na vida de gerações continuadas no local e, nas redondezas, durante séculos. No Alívio, Mizé parou para tomar um café, comer um pastel de nata e dar dois dedos de conversa que acabou por acontecer com dois idosos, na rua, cada um com mais maleitas que o outro. Eram mãe e filho. Pareciam irmãos pelo aspeto por não se notar a diferença de idades mas, o certo, é que o não eram. Ficando a Mizé sem sebrer muito bem se era o filho que olhava pela mãe ou a mãe pelo filho. Das maleitas todas ficou superiormente informada. Sobre o resto, nada. Nem tempo teve para poder perguntar o que quer que fosse. Ouviu. Calou. E

seguiu viagem rumo a Vila Verde: “ a Vila com o nome mais bonito da Região de Entre Douro e Minho” segundo “reza” uma placa pregada numa das paredes laterais da Câmara Municipal, local. Vila Verde é um Concelho onde o verde pujante da ruralidade ancestral predomina. A agricultura mantém a sua função empregadora e de desenvolvimento económico local 20


conjuntamente com o comércio e os serviços. É uma “cidade de risco ao meio”. Uma designação popular para as cidades em que a sua rua principal é a estrada nacional que a atravessa. Vila Verde é também, uma cidade onde o asseio é notório. O

parque infantil existente no seu centro está repleto de crianças que brincam acompanhadas por familiares, presumivelmente serão os pais nuns casos e, os avós noutros casos. É uma Cidade que mantém uma caraterística tradicional das cidades do interior Minhoto. Na sua parte central pontuam tílias centenárias que ladeiam a via principal e outras artérias centrais por onde espalham o seu inconfundível aroma e a sua acolhedora sombra. Mais para o Outono “largarão” umas bagas pretas. Vila verde é uma cidade de pacatez sensaborona, que se olha, desfruta e goza. E que nesta viagem sem destino, mas cuja estrada conduz às cidades de Ponte da Barca e dos Arcos de Valdevez, passada que foi, Vila Verde já fica para trás. A estrada continua ao seu ritmo, curvas e contracurvas, um frenesim que põe há prova os cinco sentidos Humanos.

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As localidades intermédias como o são: o Pico dos Regalados e Portela do Vade; aparecem com os seus aglomerados de habitações junto da estrada epicentros dos pequenos lugares que se encontram espalhados pelas proximidades onde as populações se abastecem para as suas necessidades diárias e encontram sedeados alguns serviços centrais da responsabilidade do Estado . O Pico dos Regalados, numa curva acentuada e, a Portela do Vade, no cimo da estrada que até aqui subiu e que daqui em diante desce para a Ponte da Barca. O Minho é assim mesmo. Uma mancha de casas “beira de es-

trada” que nos tempos modernos se estenderam para o seu interior onde coabitam com a ruralidade existente e que, ainda mantém uma faixa significativa dos seus residentes a exercer atividades agrícolas de minifúndio. Ponte da Barca é um privilégio da Natureza. Com os seus miradouros sobre o Rio Lima. A Ponte Romana. A sua vasta área Fluvial de lazer e o choupal imponente. O seu local de eleição é um vasto parque relvado aprazível, para piqueniques, num dia solarengo, nas margens do Rio Lima, onde chegar cedo é a garantia de ter um lugar. O urbanismo avulso construído em altura na sua parte nova descaracteriza esta cidade do Minho profundo. O Minho interior. 22


O seu vinho verde branco tem fama firmada nos apreciadores deste nétar. Na Ponte da Barca, atravessou a ponte romana em direção aos Arcos de Valdevez que dista a uns escassos quilómetros . A cidade de Arcos de Valdevez é uma cidade em "cascata" que

"cai" sobre o Rio Vez de ambas as margens com um estuário soberbo que se espraia sobre areia e xisto límpidos constituindo uma magnifica praia fluvial. Que hoje, Sábado, do mês de junho, está cheia de gente. Gente nova porque os de mais idade por estas bandas são mais recatados no que ao mostrar os seus atributos físicos diz respeito. E a gostos de

lazer, também. Preferem o recato de suas casas, as lides rotineiras, uma troca de palavras com a vizinhança e pouco mais. Acontece que a hora já é de almoço, a “barriga está a dar horas” e Mizé também almoça.

Apurou a memória porque este percurso é um percurso intuitivo do seu gosto peculiar, aguçou a perspicácia possível e, lembrou -se de um restaurante onde sempre que por aqui passa costuma almoçar. Nem sequer hesitou.

Estacionou a viatura no primeiro local que encontrou que por aqui é tudo perto e, depois de tudo devidamente arrumado 23


Subiu por um curto trajeto de uma rua que liga ao centro. Rua que, não há muitos anos, era a estrada nacional de ligação para Monção que, como era usual, também atravessava a cidade. Na primeira travessa virou à esquerda, onde se situa o restaurante pretendido. Um restaurante em que a confeção gastronômica é regional como não podia deixar de ser. O seu interior tem decoração regional também. Predomina a madeira, material com que é feito o teto e forradas as paredes, assim como o tampo do balcão de atendimento e de onde sobressaem as traves que seguram o soalho do piso superior. Há uma quantidade considerável de adereços agrícolas pendurados nas paredes e colocados no chão em local que não estorve a circulação dos clientes. Tem uma pequena explanada corrida constituída por quatro mesas com as respetivas cadeiras em plena rua. Uma viela estreita. - A ementa? Perguntou-lhe um Senhor que parecia ser o proprietário do estabelecimento. - Não. Não vale a pena. Diga-me o que tem pronto. Respondeulhe. 24


- Ora... temos rojões à moda do Minho, bacalhau assado com batata cosida, cabrito e Vitela assada com batata assada. Optou pelo cabrito que, o homem que a atendeu, em voz alta, num berro perguntou para a cozinha. - Óh mulher! O cabrito é cão ou borrego? - Ah! Ah! Ah! Soa gargalhada estridente em jeito de resposta vinda da cozinha. - É cabrito do monte que eu mesmo fui buscar e que em casa matei. - Faz bem em escolher cabrito, menina, porque é de confiança! - Entretanto vá entretendo a barriga com estas "entradas" de presunto e bolinhos de bacalhau. Disse, pousando na mesa as ditas entradas que já levava sem sequer ter perguntado se as queria.

- Olhe lá! E a conta? Não me leve a pele porque com estas "entradas" mais o cabrito e o vinho, a conta vai "doer"! Perguntou Mizé. - Não se preocupe. Na minha casa ninguém sai sem o casaco! Ah! Ah! Ah! Respondeu o Senho que estava muito bemdisposto. E assim foi. A conta ficou dentro dos parâmetros dos preços 25


correntes. Finda a refeição resolveu dar um pequeno passeio pela marginal. Como é costume, em época de verão, no Minho há sempre festa. E festa no Minho tem que ter folclorre. Na bonita marginal está montado um palco. Por ele desfilam

dois Ranchos Folclóricos e um Grupo de Bombos. Cantares ao desafio também há. Terra Minhota que se preze não dispensa esta diversidade de dançares, cantares e tocares! E, em frente ao palco, o povo genuíno, o minhoto de gema, dança com alegria!

Mizé olha de relance o relógio e barafusta consigo própria: - Irra! - já é tarde para caraças! O Sol já se escondia por de trás dos montes e o orvalho come-

çava a fazer sentir o frio do entardecer nas terras entre montanhas do Minho. Arrancou apressada para o local onde tinha a v atura estacionada, entrou, colocou o sinto e fez-se à estrada de retorno a casa e, não gostava de conduzir de noite por se sentir constrangida e com medo que acontecesse alguma coisa. A estrada é demasiado escura e com pouco transito. 26


V—O RETORNO ÀS ORIGENS Este S. Mamede. Na minha freguesia,! - Ah! A minha freguesia! Como soa bem esta expressão tão comum e popular de uma

população que ainda não aceitou essa coisa de nome esquisito, -agremiação-, que, depois ,o poder político aligeirou para, "união de freguesias", e que tem uma história muito própria por principios especificos da sua dignidade e identidade cultural mas também porque a sua localização geográfica tem características próprias com um cunho territorial marcante em

que pesam fatores Históricos de defesa da cidade de Braga e de esconderijo em momentos difíceis para a estabilidade social aquando da transição da monarquia para a republica em que houveram perseguições a figuras publicas de então. O Sr. Padre Abílio Correia Martins, Pároco de Este S. Mamede, ativista restigiado, foi uma dessas figuras. A Maria da Fonte uma outra figura da nossa História nacional, que foi travada por populares na Serra do Carvalho em Este S. Mamede, vinda da Póvoa de Lanhoso è frente de um grupo de resistencia popular quando pretendia entrar na cidade de Braga em protesto que a História narra, entre muitas outras figuras

dignas de realce.

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A "minha freguesia", este jeito peculiar de nos "apropriarmos" de algo de que fazemos parte porque nos corre nas veias o sangue da sua seiva e nela deixamos as nossas raízes. Nela nascemos e fomos criados. Nela aprendemos o sentido do amor à terra. Dela transportamos na pele o "cheiro" a terra e a serra. A vides e a ramadas. A carreiros e a cangostas. A liberdade! A valores! A vida! A "minha freguesia" ainda resiste e não desiste da sua milenar forma de vida incrustada na falda serrana virada a poente. Só quem não sabe onde e em que condições geoestratégicas de ligação e afinidade se, e como, encontra Este S. Mamede, decide, - e apoia -, o figurino agremiado com que foram brindados. Este S. Mamede nada tem que ver com Este S. Pedro, salvo na relação geográfica de vizinhança "fronteiriça". Vizinhança "fronteiriça" que também tem com Santa Lucrecia de Algeriz,

Pedralva, Sobreposta e Gualtar. É o regaço das serras do Carvalho e dos Picos onde nasce o Rio Este. Não é "eixo rodoviário de passagem" para lado nenhum a não ser para o seu próprio interior. É terra de gentes ligadas ao campo e ao modelo de agricultura 28


A liberdade! A valores! A vida! A "minha freguesia" ainda resiste e não desiste da sua milenar forma de vida incrustada na falda serrana virada a poente. Só quem não sabe onde e em que condições geoestratégicas de ligação e afinidade se, e como, encontra Este S. Mamede, decide, - e apoia -, o figurino agremiado com que foram brindados. Este S. Mamede nada tem que ver com Este S. Pedro, salvo na relação geográfica de vizinhança "fronteiriça". Vizinhança "fronteiriça" que também tem com Santa Lucrecia de Algeriz, Pedralva, Sobreposta e Gualtar. É o regaço das serras do Carvalho e dos Picos onde nasce o Rio Este. Não é "eixo rodoviário de passagem" para lado nenhum a não ser para o seu próprio interior. É terra de gentes ligadas ao campo e ao modelo de agricultura de subsistência onde pontuam os galináceos, coelhos, bovinos, ovelhas e outros. A horta. As arvores de frutos. Etc.

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de subsistência onde pontuam os galináceos, coelhos, bovinos, Nela nascemos e fomos criados. Nela aprendemos o sentido do amor à terra. Dela transportamos na pele o "cheiro" a terra e a serra. A vides e a ramadas. A carreiros e a cangostas. Uma freguesia com atividades e dinâmicas autónomas e algumas fragilidades também. Fragilidades

centradas

no

acolhimento

infantil

e

na

dependência de idosos incapacitados. Valências que a Ascredno vai suprindo no que aos idosos diz respeito. Sendo que a Ascredno está sediada Em Nogueiró Tenões. No domínio da infância, há, na freguesia, senhoras que acolhem bebés nas suas residências. As amas. Umas com protocolo estabelecido com a Segurança Social e outras não. Tudo o resto, jardim de infância, atl, escola primaria, equipamentos de desporto, de lazer, e outros, a freguesia, tem.

Também tem o seu roteiro próprio de festas populares locais dedicadas aos seus santos em particular e de onde se que se destacam as festas a S. Sebastião e a S. Simão. Festas organizadas por comissões de festas com mandato temporal e que

passam

testemunho

por

nomeação

sem

qualquer

interferência da Paróquia na organização dos seus elencos

nem nos programas festivos que levam a efeito. A Paróquia colabora nas liturgias previstas por transição de tradição entre 30


gerações, e nada mais. Quais os benefícios da sua "união" com Este S. Pedro? Nenhuns! Rigorosamente, nenhuns! Acontece

inclusivamente

que

da

eliminação

do

poder

autárquico local e a sua "submissão" ao poder autárquico vizinho

tem

resultado

atrasos

significativos

no

seu

desenvolvimento e abandono completo da manutenção da sua extensa zona verde - propriedade da freguesia - e de todos os espaços públicos que carecem de ordenamento paisagístico. A zona envolvente à Nascente do Rio Este, um local de

excelência desporto;

para

inúmeras atividades de

desportos

de

montanha;

lazer:

desportos

turismo; radicais;

atividades lúdicas: encontros; piqueniques; e muitas outras que de momento não ocorrem, não foi ainda alvo de estudo tendo em vista o seu potencial por aproveitar. A florestação do território. A cintura viária. A preservação da Via Romana ou Estrada Real. A preservação dos caminho pedestres de montanha. Um manancial de potencialidades que esta freguesia tem para oferecer ao mundo e que o atual poder autárquico não tem alcance para vislumbrar. Que os Sagrados Coração de Jesus, no Chamor, e a Custódia,

na torre da igreja Paroquial, guiem esta comunidade por Caminhos de Luz. É a esperança que resta. 31


VI - O NOSSO CAFÉ Num certo dia, daqueles dias em que não se sabe muito bem o que fazer, Mizé, foi visitar o seu pai, com quem já não estava à algum tempo, mais pelos afazeres profissionais do que por outro motivo qualquer.

Depois de colocada a conversa em dia, refastelada numa cadeira de madeira alongada, pediu a seu pai que avivasse a memória e lhe contasse experiências de vida. O pai. Sentado num banco corrido instalado no varandão onde se encontravam perguntou: −

Que experiências de vida queres que te conte?

Da minha vida pessoal ou da vida comum da minha geração?

Desafio a que respondeu: −

Da sua geração, como é obvio!

Então vou-te contar como apareceu O Nosso Café, de que já ouviste falar com certeza. Retrucou o pai recostando-se na parede da casa onde o banco corrido em madeira se encontrava instalado.

O Nosso Café foi fundado, diziam, em protesto contra o aumento do café servido em chávena, por um conjunto de 32


cidadãos Bracarenses que se associaram naquela que foi, no tempo, a maior sociedade comercial existente na cida de. Nessa sociedade pontuaram ilustres personalidades das forças vivas da cidade que, na clandestinidade, lutavam contra o regime totalitário instalado no País e a sua extensão tentacular local, criando assim, também, um espaço de discussão e tertúlia intelectual que com alguma regularidade era “visitado” pela PIDE/DGS. Oficialmente e de forma dissimulada. Teria eu os meus dezasseis anos quando comecei a frequentar “O Nosso Café”. Morava na vizinha freguesia de Gualtar e, porque os transportes públicos no tempo eram escassos, era n'O Nosso Café que passava todo o tempo livre de que dispunha. Limitação que afetava toda a população juvenil e de outras faixas etárias e que por isso procuravam os estabelecimentos de hotelaria, os cafés, para passarem o seu tempo disponível. Até porque, as freguesias não dispunham de espaços com a mesma função e tinham outras dinâmicas de vida. O Nosso Café era, e ainda hoje é, um dos edifícios mais 33


bonitos da cidade mesmo não sendo uma obra de arquitetura convencional. Foi construído num tempo arquitetónico de transição entre o uso do granito e o da argamassa (cimento) não só na sua construção mas também, nas suas fachadas. Daí, a sua fachada e colunas assim como a varanda exterior terem sido construídas em cimento. −

No seu interior pontuavam: A Diana: uma escultura de mulher nua com um arco numa mão e a outra mão puxando a corda do citado em posição de atirar uma flecha. Era um autêntico desafio “erótico” aos jovens que despontavam para a fase da puberdade e

que olhavam deslumbrados aquele escultural corpo de mulher nua. Estátua que terá provocado algumas acaloradas polémicas numa cidade profundamente religiosa. As escadas de acesso ao piso superior que ostentavam a traça de opulência da “belle époque” com uma elegância fina para a época. −

A sua clientela “transpirava”: A multiculturalidade e a interculturalidade social; O perfil de cliente, o que usava as suas instalações, era multifacetado, desde: a diversidade profissional; multinaci-

onal; estrato social diferenciado; formação escolar e académica, entre outros; 34


A sua função social e cívica enquanto estabelecimento de hotelaria de referência: Era o ponto de encontro local sempre que alguém de uma outra localidade qualquer se deslocava a Braga para tratar de assunto pessoal, empresarial ou outro.

Mas era, sobretudo, a sala de encontro e de espera de todas as pessoas: amigos; namorados; casais; convívio; estudo; passatempo; reunião: e demais motivos. Ponto de encontro privilegiado de intelectuais; sindicalistas; empresários; artistas de todas as áreas; estudantes; trabalhadores; e outros. De discussão política antes e depois da Revolução de Abril de 1974 entre todas as correntes do pensamento desde a extrema esquerda à extrema direita. −

Duas Notas finais: Foi n'O Nosso Café que descobri a minha irreverencia e inconformismo perante um modelo social e político viciado e podre que ainda hoje teima em manter marcas profundas no tecido social. Foi n'O Nosso Café que pela primeira vez fui confrontado com a luta das mulheres pela igualdade de género num tempo em que, pela primeira vez, a P.S.P. - Policia de 35


Segurança Publica, abriu concurso para agentes do sexo feminino. Uma das colegas de O Nosso Café concorreu e, foi admitida. −

Uma marca indelével de O Nosso Café: O Sebastião, já corcovado e de bandeja na mão. Um personagem da cidade por excelência que merecia um perpetuar dessa memória coletiva que foi O Nosso Café. Para mim e, para as gerações do meu tempo, mais as gerações nossas anteriores e posteriores, que nele formata-

ram a sua irreverencia social e inconformismo para com o modelo politico então vigente, mas também, todos aqueles que na sua parte superior estudaram para concluir formaturas, O Nosso Café foi um esteio fundamental da formação do carater. E foi assim que a Mizé ficou a saber, sucintamente aquilo que seu pai tinha para ele como sendo o motivo da fundação de o Nosso Café em Braga e a sua influência sobre as gerações continuadas de jovens preparando-os para aquilo que veio a acontecer que foi a Revolução dos Cravos e que aconteceu em vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro.

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Obviamente de que também concluiu a importâncias de todos os outros locais de encontro dos jovens de então. E, como não resistiu, “disparou” a pergunta. −

Quais eram os cafés que nesse tempo havia na cidade, pai?

Havia muitos minha filha. Mas os mais frequentados por malta nova para além de O Nosso Café, eram: o Café Avenida; o Café Peninsular; o Café Cinelândia;

Os outros, como ; A Brasileira; o Café Viana; o café Astória; o café Sporting; eram frequentados por clientelas mais idosas e de perfil diferente sendo que, o mais marcante era o café Viana por ter uma clientela muito ligada ao mundo rural enquanto que nos outros era mais citadina e nos casos de A Brasileira e o Astória mais snobe.

Snobe!? O que é isso?! Perguntou-lhe Mizé.

Snobe, ou, “copinhos de leite”, era a nossa catalogação para aqueles que tinham a mania de que eram intelectuais. Gente fina. Enquanto que nós eramos tidos pelos parolos do sitio.

A “volta dos tristes” −

Mas, já agora também te posso descrever o que era a “volta dos triste”. Mas não me perguntes porque é que se

chamava assim porque não o sei. 37


Aquilo que sei e também a fiz vezes sem conta. Juntávamos em pequenos grupos por de baixo da arcada, que no tempo era domínio publico de passagem e de concentração de frequentada por populares, descíamos a Rua do Souto, virávamos para o jardim

de santa Barba

ra, subíamos a Rua dos Capelistas, volta vamos a ir ter à

arcada e andávamos às voltas pelo mês mo sitio horas a fio conversando uns com os outros.

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