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Os Incoterms® e o Seguro de Cargas (mercadorias) - Marta Borges
from Edição 135
by Apat
Os Incoterms® e o Seguro de Cargas (mercadorias)
Os Incoterms® são o acrónimo para “International Commercial Terms”, da CCI (Câmara de Comércio Internacional), de aplicação facultativa, que regulam algumas matérias relacionadas com contratos de compra e venda internacional de mercadorias.
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Estão por isso muito presentes no comércio internacional, sendo habitual a sua inclusão na maioria deste tipo de contratos.
Duas das matérias que vêm reguladas nos Incoterms® dizem respeito ao momento da entrega das mercadorias e à transferência do risco, ou seja, o momento a partir do qual o risco de dano ou perda da mercadoria passa do vendedor para o comprador.
O contrato de seguro, por sua vez, consiste, grosso modo, na transferência de um determinado risco do tomador de seguro e/ou segurado para o segurador, contra o pagamento de um determinado preço, designado de prémio do seguro.
Para que este acordo de seguro seja válido é necessário que o segurado seja detentor de um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
O seguro de mercadorias ou de carga, como é habitualmente identificado, é uma das modalidades de seguro de danos, sendo que o interesse segurável respeita à integridade da carga ou mercadoria propriamente dita.
Apesar de só dois Incoterms® obrigarem à contratação de seguro de mercadorias (o CIP – Porte e Seguro pago até e o CIF – Custo, Seguro e Frete), nada impede as partes de celebrarem este tipo de seguro quando contratam ao abrigo de outros Incoterms®.
A questão que se coloca é saber se quem contrata o seguro de mercadorias é o detentor do interesse segurável na altura e quando os danos ocorrem à mercadoria segurada.
Assim, e numa compra e venda internacional em que seja acordado o Incoterms® EXW, nenhum interesse segurável tem o vendedor, pelo que não deverá celebrar qualquer seguro de mercadorias.
O mesmo sucede com os Incoterms® FCA (Franco Transportador), FAS (Franco ao Longo do Navio), FOB (Franco a Bordo), pois nestes casos a entrega da mercadoria e transferência do risco ocorre num momento inicial, no país de origem, antes do início do transporte.
Nestes casos, quem deverá celebrar o seguro de mercadorias será o comprador, pois este é que será o titular do interesse segurável ou, sendo o vendedor, deverá fazê-lo sempre no interesse do comprador, sendo que neste caso só o comprador poderá acionar o segurador em caso de sinistro. Inversamente, sempre que utilizados os Incoterm® DAP (Entregue no Local), DPU (Entregue no local descarregada) ou DDP (Entregue com Direitos Pagos), apesar da contratação do seguro de carga não constituir uma obrigação, o vendedor terá todo o interesse em segurar a mercadoria, porquanto a entrega ocorre num momento muito avançado, no país de destino, sendo este responsável pela mercadoria até esse local, correndo por si o risco de dano e perda da mercadoria.
Tem, por isso, interesse segurável digno de proteção legal. Até há muito pouco tempo, os nossos tribunais, quando eram chamados a resolver estas questões, não faziam a correlação entre o Incoterms® escolhido e o contrato de seguro de carga celebrado, por forma a apurar se o segurado tinha um interesse segurável ou não.
Num recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (P869/15.4T8AVR. P2), esta questão foi debatida.
No caso concreto, e apesar de outros contornos não relevantes para a presente análise, o Tribunal veio a entender que, da fatura comercial emitida resultou as condições de venda da mercadoria serem EXW, estando perante um seguro que teria sido celebrado a pedido da alegada compradora das mercadorias tendo a vendedora incluído no preço de venda o valor correspondente ao prémio do seguro e, portanto, atuado por conta e no interesse da compradora (segurado), pelo que só a compradora teria um interesse segurável e só esta poderia acionar o seguro de mercadorias.
Caso se viesse a demonstrar que o seguro efetuado tivesse sido efetuado em nome e por conta da vendedora, então o seguro seria nulo, por falta de interesse segurável.
Entendeu aquele Tribunal que, perante uma venda EXW, são da conta da compradora da mercadoria os riscos inerentes ao transporte desde o momento em que a mercadoria é colocada à sua disposição na fábrica da vendedora.
Ou seja, a vendedora em nenhum dos casos teria interesse na elaboração de um seguro de carga, porque já não era detentora do interesse segurável, desde que disponibilizou a mercadoria nas suas instalações para ser recolhida pela compradora ou terceiros contratados por esta.
É preciso ter em conta que os Incoterms®, apesar de só em dois casos obrigarem à contratação de seguro de mercadorias, mesmo assim influenciam a sua validade, pelas matérias que estes regulam, designadamente o período a partir do qual se considera entregue a mercadoria e transferido o risco do vendedor para o comprador.