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Agenda do trabalho digno - Jorge Urbano Gomes
from Edição 135
by Apat
Agenda do trabalho digno
O Governo aprovou, na reunião de Conselho de Ministros decorrida no passado dia 2 de Junho, uma proposta de lei que regula aquilo a que deu o nome de «AGENDA DO TRABALHO DIGNO».
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De acordo com o comunicado então efectuado, tal proposta de lei tem, como principais objectivos: - promover o emprego sustentável e o combate à precariedade, em particular nos jovens; - regular as novas formas de trabalho associadas às transformações no trabalho e na economia digital; - reforçar as relações colectivas de trabalho e a negociação colectiva; - reforçar a protecção dos jovens trabalhadores-estudantes, no âmbito dos estágios profissionais; - melhorar a conciliação entre trabalho, vida pessoal e familiar; - reforçar a capacidade dos serviços públicos que actuam no âmbito da administração do trabalho, bem como a simplificação administrativa.
Não se conhecendo, à data em que escrevemos as presentes linhas, o texto da proposta de lei, iremos elencar e fazer uma breve análise de algumas das medidas anunciadas, daquela que parece ser a maior alteração ao Código de Trabalho realizada nos últimos anos.
O Governo prepara, desde logo, um combate ao trabalho temporário, com a obrigação de as Empresas de Trabalho Temporário (ETT) serem obrigadas a integrar trabalhadores nos seus quadros, ao fim de quatro anos de cedências temporárias pela ETT ou outra do mesmo grupo, bem como a integração dos trabalhadores na empresa utilizadora quando o trabalhador tenha sido cedido por ETT não licenciada.
Ora, se relativamente a esta última medida estamos de acordo, uma vez que a empresa utilizadora não pode desconhecer a falta de licenciamento da ETT, já quanto à primeira colocamos várias dúvidas quanto à sua implementação e, pior, quanto à sua eficácia para a implementação do objectivo que se pretende: o combate à precariedade.
Por outro lado, falta perceber o que é uma empresa do mesmo grupo da ETT. Passar-se-á a proibir também a proibição de recurso a “outsourcing” durante 12 meses após despedimento colectivo ou por extinção dos postos de trabalho, reforçando-se ainda o poder da ACT na conversão de contratos a termo em contratos sem termo.
Uma vez mais, e tendo em conta estas duas medidas, o Governo se prepara para, como diz o povo, dar uma no cravo e outra na ferradura.
Se a proibição de recurso a “outsourcing” atrás mencionada se justifica inteiramente (colocando-se aqui apenas a questão de saber se 12 meses não será um período muito alargado), no que concerne ao reforço do poder da ACT na matéria aqui em questão parece-nos, desde logo, de legalidade e constitucionalidade duvidosas, faltando saber se a ACT se vai ou não substituir aos tribunais na aplicação do direito, o que, face ao nosso ordenamento jurídico, se afigura como violador da nossa Constituição.
Nós que andamos pelos tribunais sabemos como muitas vezes as decisões da ACT em matéria contra-ordenacional são julgadas ilegais pelos tribunais competentes; imagine-se o que será em matéria tão sensível como a legalidade de termo aposto em contrato de trabalho.
O trabalho totalmente não declarado será criminalizado com prisão até 3 anos ou com pena de multa, medida que se aplaude e que todos aqueles que cumprem as suas obrigações não podem deixar de apreciar. Será ainda eliminada a possibilidade de pagar a estagiários menos que o previsto no Código de Trabalho.
Ora, se à primeira vista esta poderia ser uma boa medida, parece-nos que terá o efeito precisamente contrário àquilo que se pretenderia.
A ACT vai ainda passar a, permanentemente, ter o poder de suspender processos de despedimento com indícios de irregularidade, permitindo-se ainda notificações electrónicas nos processos administrativos da competência desta entidade.
Ora, num estado de direito democrático, reforçar o poder da administração pública é restringir a liberdade (neste caso) das empresas.
Imagine-se que a ACT entende existirem indícios de irregularidade num processo de despedimento e que, mais tarde (como tantas vezes acontece), um tribunal declara que não existia qualquer irregularidade.
Quem pagará os prejuízos que uma situação como esta certamente acarretará para a(s) empresa(s)? Irá ser alargada a compensação para 24 dias por ano em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo, certo ou incerto.
Passar-se-á a exigir que nos contratos públicos superiores a 12 meses, os contratos de trabalho sejam sem termo e que em contratos com menos de 12 meses, os contratos de trabalho tenham, pelo menos, a duração do contrato, o que, no nosso ponto de vista, mais não é do que uma restrição à contratação pública.
Aguardemos, pois, pelo resultado final da discussão e votação no parlamento, mas tudo indica que as empresas portuguesas se irão deparar com uma enorme mudança na organização do trabalho, em que, uma vez mais, se privilegia a contratação colectiva em detrimento daquilo que faz o trabalho, as empresas e os países crescerem: a negociação individual.