1 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
REAPCBH [recurso eletrônico] /Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, R464
Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte / v. 3, n. 3 (2016). – Belo Horizonte, MG: PBH, Fundação Municipal de Cultura, 2016. 181 p. Anual Modo de acesso: http://www.pbh.gov.br/cultura/arquivo ISSN: 2357-8513
1. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte 2. Periódicos 3. Patrimônio Cultura I. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. II. Fundação Municipal de Cultura. CDD 025.171
Endereço: REAPCBH - Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte Rua Itambé, 227 - Floresta Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte 30150-150 – Belo Horizonte/MG e-mail: reapcbh.fmc@pbh.gov.br Telefone: (31) 3277-4665 homepage: http://www.pbh.gov.br/cultura/arquivo e http://www.bhfazcultura.pbh.gov.br
2 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
EXPEDIENTE
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Fundação Municipal de Cultura Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte Conselho Editorial Carolina Marotta Capanema Demilson Malta Vigiano Gabriella Diniz Mansur Yuri Mello Mesquita Normalização Bibliográfica Rafaela de Araújo Patente Revisão Demilson Malta Vigiano Yuri Mello Mesquita Design Assessoria de Comunicação – FMC
Conselho Consultivo Drª. Andrea Casa Nova Maia (UFRJ) Drª. Beatriz Kushnir (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro) Dr. Caio César Boschi (PUC Minas) Drª. Cláudia Suely Rodrigues de Carvalho (Fundação Casa de Rui Barbosa/UFRJ) Drª. Ivana Denise Parrela (Escola de Ciência da Informação – UFMG) Drª. Janice Gonçalves (UDESC) Drª. Júnia Sales (Faculdade de Educação – UFMG) Dr. Leônidas José de Oliveira (Fundação Municipal de Cultura – PBH/PUC Minas) Dr. Luiz Henrique Assis Garcia (UFMG) Drª. Maria do Carmo Alvarenga Andrade Gomes (Fundação João Pinheiro) Drª. Regina Horta Duarte (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG) Dr. Renato Pinto Venâncio (Escola de Ciência da Informação – UFMG) Drª. Silvana Bojanoski (UFPel) Dr. Tiago dos Reis Miranda (CHAM – Centro de História de Além-mar) Drª. Vilma Moreira dos Santos (UFMG)
Diagramação Gabriella Diniz Mansur Rafaela de Araújo Patente
3 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
AGRADECIMENTOS A REAPCBH é uma publicação eletrônica que tem por objetivo divulgar trabalhos científicos que contribuam para o desenvolvimento dos debates sobre a história de Belo Horizonte, assim como o campo de estudos arquivísticos. Graças à valiosa colaboração de diversas pessoas que aceitaram dispensar seu tempo e seus conhecimentos em avaliações criteriosas, a Revista chega a sua terceira edição. Agradecemos a atenção dispensada e os trabalhos realizados com empenho e dedicação. Agradecemos também ao Conselho Consultivo pela disposição em sempre nos orientar no necessário.
4 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
SUMÁRIO EDITORIAL _________________________________________________________________________ 06
ARTIGOS A Planta Geral da Cidade de Minas e algumas considerações sobre o projeto e o meio ambiente ___08 Patrícia Rodrigue Bálbio de Lima
Sob o Asfalto do progresso: os rios invisíveis da zona urbana de Belo Horizonte _________________25 Alessandro Borsagli 1 Brenda Melo Bernardes
O grande ceifeiro, o Caranguejo e o Cemitério do Bonfim ___________________________________ 46 Ethel Mizrahy Cuperschmid Angélica Siqueira de Castro Sarah Campos Cardoso Maria Tereza Paulino Leal da Silva Ana Luísa Moreira Silva Maria do Carmo Salazar Martins
Bairro Santa Tereza: uma história lastreada na documentação de diferentes instituições de Belo Horizonte __________________________________________________________________________ 61 Maria Letícia Silva Ticle
A Parceria entre a Câmara Municipal de Belo Horizonte e o Arquivo Público da Cidade: digitalização de documentos, trajetória e resultados ____________________________________________________79 2
Thais Marcolino dos Santos
Uma experiência de Educação Patrimonial na Escola: método de se reconhecer pessoas e lugares como referenciais ___________________________________________________________________95 Luiz Divino Maia
Ocupação William Rosa: um produto de uma sociedade segregacionista e especulativa _________ 116 André Lucas Magalhães dos Santos Silva Ewerton Junio da Silva Laet Thell Victor de Andrade Rodrigues
A influência da implantação do circuito cultural na percepção dos usuários da Praça da Liberdade _________________________________________________________________________ 128 Gabriel Caldeira Gomes Glaycon de Souza Andrade Gustavo Augusto Andrade de Oliveira Thales Peixoto Soares
Tradição e inovação na arte, cultura e sociedade de Belo Horizonte: tensões entre modernização e modernismo (1897-1930) __________________________________________________________ 142 André Mascarenhas Pereira
Entrevista - Vilma Camelo Sebe – APCBH _______________________________________________ 165
SEÇÃO – ARQUIVO NA SALA DE AULA Proposta Pedagógica 1 ______________________________________________________________169 Julia Ferreira Veado
5 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
EDITORIAL Com muita satisfação apresentamos o terceiro número da Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, a REAPCBH. O periódico nasceu em 2013 com o objetivo de divulgar trabalhos acadêmicos sobre a cidade de Belo Horizonte, nas diversas áreas do conhecimento, assim como trabalhos relacionados ao campo arquivístico.
Outro objetivo da publicação é dar fruição ao potencial de pesquisa do
APCBH, que desenvolve trabalho de parcerias com diversas instituições de ensino em várias áreas de conhecimento, como história, arquitetura, arquivologia e museologia. Esse número da revista traz o artigo “A Planta Geral da Cidade de Minas e algumas considerações sobre o projeto e o Meio Ambiente”, de Patrícia Lima, sobre o processo de transformação do Arraial de Belo Horizonte (antigo arraial Curral Del Rey) na Capital do Estado a partir do projeto da Comissão Construtora sob a perspectiva das transformações no Meio Ambiente. Em “Sob o asfalto do progresso: os rios invisíveis da zona urbana de Belo Horizonte” de Alessandro Borsagli e Brenda Melo Bernardes realizam o importante trabalho de analisar a cobertura dos rios na zona planejada da capital mineira, com foco no ribeirão Arrudas e os córregos do Acaba Mundo e Leitão. No artigo “O grande Ceifeiro, o caranguejo e o Cemitério do Bonfim”, Ethel Mizrahy Cuperschmid; Angélica Siqueira de Castro; Sarah Campos Cardoso; Maria Tereza Paulino Leal da Silva; Ana Luísa Moreira Silva e Maria do Carmo Salazar Martins narram a história da morte por câncer em Belo Horizonte no período de 1923 a 1935, primeiros anos de atividade do Instituto de Radium, primeiro hospital especializado em oncologia do Brasil. Em “Bairro Santa Tereza: uma história lastreada na documentação de diferentes instituições de Belo Horizonte”, Maria Letícia Ticle estuda o bairro de Santa Tereza do final do século XIX até o ano de 1996, quando o bairro se tornou Área de Diretrizes Especiais (ADE). No artigo: “A parceria entre a Câmara Municipal de Belo Horizonte e o Arquivo Público da Cidade: Digitalização de Documentos, Trajetória e Resultados ”, Thais Marcolino analisa o trabalho realizado por meio do convênio entre a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), com foco nas atividades de digitalização de documentos. Em “Uma experiência de Educação Patrimonial na escola - Método de se reconhecer pessoas e lugares como referenciais”, Luiz Divino Maia aborda uma experiência em Educação Patrimonial, realizada na Escola Municipal Dinorah Magalhães Fabri. Em “Ocupação Willian Rosa:
Um produto de uma sociedade 6
REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
segregacionista e especulativa”, André Lucas Magalhães dos Santos Silva; Ewerton Junio da Silva Laet e Thell Victor de Andrade Rodrigues analisam o início a organização da ocupação William Rosa, no município de Contagem, como da formação desigual do espaço urbano da Região Metropolitana de Belo Horizonte. No artigo “A influência da implantação do Circuito Cultural na percepção dos usuários da Praça da Liberdade” Gabriel Caldeira Gomes; Glaycon de Souza Andrade e Silva; Gustavo Santos e Thales Peixoto Soares estudam a percepção dos usuários sobre as mudanças ocorridas após a efetivação do Circuito Cultural na Praça da Liberdade. Em “Tradição e Inovação na arte, cultura e sociedade de Belo Horizonte: tensões entre modernização e modernismo (1897-1930)” André Mascarenhas Pereira analisa a configuração do cenário artístico e cultural de Belo Horizonte nas três primeiras décadas do século XX. Julia Ferreira Veado contribui com a proposta em sala de aula: “Permanências femininas - Campanhas publicitárias”. Além disso, inauguramos as entrevistas na REAPCBH com Vilma Camelo Sebe, funcionária do Arquivo desde 1994.
É
importante ressaltar que no ano de 2016 o arquivo completa 25 anos com muitas novidades, como a inauguração da série de publicações “O Arquivo e a Cidade”, composta de publicações com temas específicos, relacionados com os projetos ou as atividades desenvolvidas pelo APCBH. Além disso, será lançado o Catálogo de Fontes: Arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte e Guia de Fundos e Coleções da instituição em dezembro. Agradecemos aos colaboradores que tornaram possível esta edição e à Fundação Municipal de Cultura por apoiar nossa iniciativa. Desejamos a todos uma boa leitura!
7 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A PLANTA GERAL DA CIDADE DE MINAS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO E O MEIO AMBIENTE THE GENERAL PLAN OF THE CIDADE DE MINAS AND SOME CONSIDERATIONS ABOUT DESIGN AND NATURAL ENVIRONMENT Patrícia Rodrigue Bálbio de Lima3 Resumo Belo Horizonte foi uma cidade projetada no final do século XIX para ser a capital do estado de Minas Gerais, época de início do período republicano brasileiro. Os conceitos utilizados para o projeto e implantação da nova cidade foram fortemente influenciados por esse período histórico bem como outras referências da época. Sendo o espaço urbano atual uma consequência evolutiva de ações do passado, hoje convivemos com decisões e ações tomadas sob esse contexto histórico, social e econômico bem diferente das atuais. Em um momento em que nos confrontamos com diversas mudanças ambientais com impactos negativos sobre a sociedade, muito se discute sobre cidades sustentáveis e o melhor planejamento urbano, fio condutor para novos assentamentos humanos e para as políticas habitacionais e urbanas. Assim, esse artigo pretende compreender o processo de transformação de um Arraial na Capital do Estado a partir do projeto sob a perspectiva das transformações do Meio Ambiente. Palavras-chave: Planejamento urbano. Projeto. Meio Ambiente. Abstract Belo Horizonte was a projected city in the late nineteenth century to the state capital of Minas Gerais, start time of the Brazilian Republican period. The concepts used for the design and implementation of the new city were heavily influenced by this historic period beyond the time references. Being the current urban space an evolutionary consequence of past actions, now we live with decisions and actions taken in this historical, social and economic context quite different from the current conditions. In a time when faced with various environmental changes with adverse impacts on societies, many discussions on sustainable cities and better urban planning, thread for new human settlements and housing and urban policies. Thus, this article aims to understand the process of transformation of an Arraial in the Capital of State from design decisions and from the perspective of the transformation of the Natural Environment. Keywords: Urban planning. Design. Natural environment.
Introdução No momento atual em que se discute a interação homem x natureza em ambientes urbanizados frente à gradativa redução de recursos naturais, buscam-se soluções que conduzam o crescimento populacional e urbano e que atendam requisitos de sustentabilidade. Essa é uma questão não somente para as áreas de expansão urbana como também ao grande desafio de adaptação do ambiente já construído. Decisões tomadas no passado implicam em formação dos espaços futuros por vezes impactados por cenários não previstos, apesar de ser esse um objetivo do estudo 3
Arquiteta e Urbanista pela UFMG. Mestre em Engenharia das Estruturas pela UFMG. Professora nos cursos de Arquitetura e Engenharia Civil da UNA/BH. Email: patriciabalbio@yahoo.com.br
8 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
do planejamento. Para ir além das ocupações espontâneas, cidades planejadas procuram atender a demandas atuais e futuras das sociedades. Verificar as motivações das decisões urbanas e suas consequências permite uma análise mais aprofundada do que vem a ser o planejamento urbano e quais as suas benesses. No caso específico de Belo Horizonte, sua situação tempo e espaço tem características próprias que conduziram a transformação de um arraial, Curral Del Rey, em Capital do Estado. As formas espaciais presentes carregam marcas do passado, e dessa forma o entendimento do seu processo de inserção permite a análise e planejamento de ações futuras. Nas marcas deixadas na paisagem urbana atual, o espaço destinado as áreas verdes e a situação dos rios que atravessam o centro da capital tem origem no projeto inicial, em seu traçado urbano, apesar de não se resumirem somente a isso. A própria implantação do projeto e sua dinâmica urbana submetida a alterações nos cenários políticos, econômicos e sociais contribuíram para a conformação atual, num processo que é certamente o somatório de fatos passados. A proposta deste trabalho se fundamenta na análise da relação do projeto urbano e seu sitio a partir da sobreposição da Planta Geral da Nova Capital nos registros cartográficos das paisagens naturais, topografia e recursos hídricos, quando da construção da nova capital entre os anos de 1894 e 1897, de autoria da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC). Os mapas históricos digitais e suas camadas de sobreposição são de autoria da Terysos do Brasil4. Para a verificação da origem criadora dos espaços inferidos nas plantas serão utilizadas referências complementares. O objetivo final é a compreensão das decisões propostas, implementadas ou não, que se relacionam diretamente com a atualidade. A história Em 1889, tem-se a queda política da Monarquia Brasileira e início do Período Republicano. Para o Governo Mineiro, a então capital Ouro Preto já não possuía condições de atender as demandas da nova sociedade republicana. Sua conformação
4
Da autoria da TERYSOS do BRASIL, o Mapa Histórico Digital de BH, projeto 117-2013 da Lei de Incentivo à Cultura, Fundação Municipal de Cultura e Prefeitura de Belo Horizonte, foi dirigido pelo Arquiteto José Antonio Hoyuela Jayo, com colaboração do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, Museu Histórico Abílio Barreto, UFMG e arquivo Público Mineiro. Disponível em:<http://www.mapahistoricodigitalbh.com.br>. Acesso em: 18 maio 2016.
9 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
geográfica não propiciava o desenvolvimento urbano e a implantação de melhorias sanitárias. Sua arquitetura colonial não representava os anseios da sociedade moderna. Dá-se então início a uma busca para identificar outro lugar que oferecesse boas condições geográficas e de saneamento para que se construísse uma capital. A ordem do dia para a Nova Capital era reforçar o caráter de independência da nova nação, e como negação do período colonial, que a nova capital fosse moderna. A partir do final do século XIX, esperava-se que as cidades fossem capazes de transitar do colonial agrícola para o urbano moderno. “A República, nessa perspectiva positivista, deveria inaugurar uma nova era de progresso, de industrialização, de urbanização e de aumento da racionalidade nas decisões políticas e administrativas” (NASCIMENTO at al, 2013, p.7). A reorganização urbana que se deu em diversos Centros Europeus após a Revolução Industrial, a exemplo da empreendida em Paris por Haussman entre os anos de 1895 e 1870, adotaram medidas como: a reticulação e alargamento de vias, a garantia de certos requisitos de higiene, a implantação de parques e a construção e melhoramento dos edifícios públicos. O conceito higienista do saneamento urbano consolidado no Brasil nos anos subsequentes a proclamação da República em 1889, considerava que as águas que propagavam doenças também seriam responsáveis por afastá-las: Decorrente do movimento higienista surgido na Europa do século XIX, que preconizava como medida de saúde pública a eliminação sistemática das águas paradas ou empoçadas nas cidades assim como dos dejetos domésticos jogados nas vias públicas. Surge o conceito de evacuação rápida para longe, por meio de canalização subterrânea, de toda água circulante na cidade, passível de ser infectada ou contaminada por dejetos humanos ou animais. (SILVEIRA, 1998, p.3).
Diante desse cenário o Governo do Estado decide procurar uma nova localidade para a construção da Capital. Os estudos foram conduzidos pelo Engenheiro Civil e Geógrafo Aarão Reis, que avaliou as escolhas possíveis do Congresso Mineiro para abrigar a nova capital, sendo elas: Juiz de Fora, Várzea do Marçal (São João del Rei), Barbacena, Paraúna e, Belo Horizonte, antigo Curral Del Rey e que foi ressaltada pelo Eng. Aarão Reis, apesar de não ter sido sua primeira opção. A decisão final foi então política. Belo Horizonte reunia as condições naturais de salubridade, com abundância de abastecimento de água potável, além de topografia e localização geográfica favorável à construção da nova capital. 10 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A diretriz do projeto Em dezembro de 1893, foi promulgado pelo Congresso Mineiro a lei n° III que estabeleceu a mudança da capital para a cidade que se deveria edificar no lugar do arraial de Belo Horizonte, com prazo improrrogável de 4 anos para a construção e mudança da capital. O Presidente do Estado5 Afonso Pena convidou o Engenheiro Aarão Reis para organizar e dirigir a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), que foi criada pelo decreto n° 680 de 14 de fevereiro de 1894, reproduzido em Barreto (1996). Em seus artigos 3º e 4º podemos verificar algumas diretrizes que norteariam o projeto de Belo Horizonte: (...) Art. 3º O projeto geral da nova capital será delineado sobre a base de uma população de 200.000 habitantes, e sobre essa mesma base será efetuada a divisão e demarcação dos lotes; as obras, porém, a executar desde já, serão projetadas e orçadas sobra a base de uma população de 30.000 habitantes; devendo, entretanto, os respectivos projetos ser organizados de forma a permitirem o natural desenvolvimento das obras executadas à proporção que for aumentando a população. Art. 4º A organização dos projetos geral e parciais, das obras da nova capital, deverá obedecer às mais severas indicações e exigências modernas de higiene, conforto, elegância e embelezamento; porém, sem exagerada preocupação de suntuosidade dispensáveis, salvo os monumentos artísticos que o governo deliberar sejam erigidos, e para cujos projetos poderá mandar abrir concorrência estipulando, para os que forem aceitos, prêmios ou preferências aos respectivos autores para a execução das obras por empreitadas.
Sobre o disposto acima vale ressaltar que a previsão da população proposta para ocupação de Belo Horizonte era bastante superior a população residente na sede de Ouro Preto ao logo daquele século, mesmo no período mais populoso: (...) Ouro Preto possuía cerca de 4.000 habitantes no início do século XVIII. Durante o auge da mineração, a população teve um surto de crescimento, batendo o seu recorde em 1776, quando a população chegou a 78.618 habitantes. No final do século XVIII, com a crise da mineração, a população declinou e, em 1809, chegou a 10.000 habitantes. Apesar da crise do ouro, a população da cidade voltou a crescer no século XIX por causa da vinda dos funcionários e estudantes das universidades, chegando a cerca de 17.000 habitantes na década de 1890. (OLIVEIRA, 2005, p. 73).
5
O título Governador foi utilizado a partir de 1947 com Milton Campos. Até então as nomenclaturas e funções são variadas.
11 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O projeto Em atendimento a solicitação do Governo, o Plano de Aarão Reis para a nova capital de Minas Gerais seguia o pensamento corrente de modernização, como linearidade, geometrização, salubridade, comodidade e hierarquização dos espaços, além da busca pelo embelezamento. Importante ressaltar que do antigo Curral Del Rey, nada ou quase nada foi contemplado no novo projeto, talvez a única adaptação ocorrida neste contemplou a conservação da Matriz da Boa Viagem e seu entorno transformado em praça. E ainda assim, em meados do século XX, foi demolida enquanto se construía outra no mesmo local. O Curral Del Rey possuía um traçado urbano resultado de uma ocupação espontânea (como o das demais vilas e cidades do período colonial), com ruas que serpenteavam pelo espaço conforme a topografia. Para a implantação das novas ruas e quarteirões, grande parte das edificações existentes foram demolidas, a vegetação natural suprimida e a topografia alterada. A população então residente foi desapropriada, alguns se conservaram no arraial e a maioria transferiu-se para os seus arredores. Figura 01 - Planta Cadastral do Arraial de Belo Horizonte - 1894
Legenda: Escala numérica 1:5.360. Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto.
Em março de 1895, ficou concluída a planta da nova capital, que foi submetida à aprovação do Governo do Estado através do Oficio n° 26. Através deste o Engenheiro Aarão Reis apresenta sua proposta e o desenho da nova cidade:
12 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Foi organizada planta geral da futura cidade dispondo-se na parte central, no local do arraial, a área urbana de 8.815.382 m², dividida em quarteirões de 120 x 120 m, pelas ruas, largas e bem orientadas, que se cruzam em ângulos retos, e por algumas avenidas que as cortam em ângulos de 45º. Às ruas fiz a largura de 20 m, necessárias para a conveniente arborização, a livre circulação de veículos, o tráfego de carris e os trabalhos de colocação e reparações das canalizações subterrâneas. (BARRETO,1996, p.251)
Em linhas gerais o projeto do Eng. Aarão Reis parte da divisão do espaço em três grandes zoneamentos distintos. Sendo o primeiro a Zona Urbana (área amarela do mapa da figura 02), ocupando a parte central do projeto, possui um traçado geométrico. Externamente a esta, temos a Zona Suburbana (área verde do mapa). Na Zona Suburbana podemos perceber quarteirões com traçados mais irregulares. E por fim, um terceiro zoneamento envolvendo este último, que foi reservado aos sítios destinados à pequena lavoura. Figura 02 - Planta Geral da Cidade de Minas organizada sobre a planta geodésica topográfica e cadastral de Belo Horizonte.
Legenda: Escala numérica 1:10.000. Planta aprovada pelo Decreto n. 817 de 15 de abril de 1895 Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto.
A planta da cidade conforme setorização totalizava uma área de 51.220.804 m², dividida da seguinte maneira6:
6
•
Área urbana
8.815.382 m²
•
Área suburbana
24.930.803 m²
•
Área de sítios
17.474.619 m²
Oficio n° 26 de Aarão Reis sobre a Planta Geral da nova capital ver Barreto (1996), p.251.
13 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Para os primeiros 30.000 habitantes estavam reservadas as seções I a VII do mapa na área urbana (com 4.395.212 m²), e as seções de I a VI da zona suburbana (com 3.855.993 m²). Isso já se pensando em uma ocupação gradativa que seria acompanhada pela execução da infraestrutura na medida do seu avanço. Já a Avenida 17 de Dezembro (atualmente conhecida como Avenida do Contorno) que circunda toda a Zona Urbana tinha como função explícita separar a Zona Urbana da Zona Suburbana, diferentes tanto na forma de implantação dos lotes e arruamentos quanto na distribuição de equipamentos urbanos. A localização das praças e parques projetados pode ser vista na figura 03. Figura 03 – Recorte da Planta Geral da Cidade de Minas com destaque para os equipamentos urbanos. Escala 1:10000
Legenda: ZONA URBANA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.
PARQUE JARDIM ZOOLOGICO PRAÇA DA LIBERDADE PRAÇA BELO HORIZONTE PRAÇA DA AMÉRICA PRAÇA DA ESCOLA PRAÇA 14 DE SETEMBRO PRAÇA 14 DE FEVEREIRO PRAÇA DA FEDERAÇÃO PRAÇA DA REPUBLICA PRAÇA BENJAMIN CONSTANT PRAÇA 21 DE ABRIL PRAÇA DO PROGRESSO PRAÇA JOSÉ BONIFÁCIO PRAÇA 15 DE NOVEMBRO
14 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
16. 17. 18. 19. 20. 21. 22.
PRAÇA 07 DE SETEMBRO PRAÇA DO CRUZEIRO PRAÇA TIRADENTES PRAÇA 15 DE JUNHO PRAÇA DA ESTAÇÃO PRAÇA 13 DE MAIO PRAÇA 14 DE OUTUBRO
ZONA SUBURBANA 23. PRAÇA OPALA 24. PRAÇA SAFIRA 25. PRAÇA AMETISTA 26. PRAÇA TURQUESA 27. HIPÓDROMO 28. CEMITÉRIO MUNICIPAL 29. PRAÇA RUBI 30. PRAÇA TOPÁZIO 31. PRAÇA ESMERALDA
Fonte: Arquivo Público Mineiro. Coleção de documentos cartográficos. Notas: não foram identificadas no mapa na Zona Urbana as praças Marechal Deodoro, 14 de julho, 24 de fevereiro, 3 de maio. Relação encontrada em Barreto (1996), p.253.
Pelo trabalho realizado pela Terysos do Brasil (2015), as áreas projetadas são distribuídas pela área de superfície na seguinte proporção7: Tabela 1 – Áreas Projetadas Lotes na área de Sítios
36,55%
Lotes na área Suburbana
35,66%
Lotes na área Urbana
8,24%
Ruas
14,36%
Equipamentos
2,65%
Áreas verdes
1,58%
Outros (como águas e ferrovias)
0,96%
Saturnino de Brito, que também desenvolveu um trabalho urbanístico para cidade de Santos no estado de São Paulo em 1910, em defesa a seu projeto apresentou as áreas verdes em algumas cidades do mundo, conforme citado em Nascimento (2013): (...) em Bruxelas, Edimburgo, e Viena, esta uma das cidades mais populosas do mundo por volta de 1910, a áreas verdes representavam 17,6%; 23,10% e 28,6% de suas respectivas áreas urbanizadas. Ele observa também, com base em dados citados por seu colega engenheiro Victor Freire, que a razão entre a população urbana e as áreas verdes variava, em sua amostra, de 1.031 hab/ha em Londres, 14.000hab/ha m São Paulo, 1.200 hab/ha, em Buenos Aires e 1.355hab/ha em Paris. (NASCIMENTO at al, 2013, p.23).
Fazendo um paralelo com os dados referenciais de Saturnino, ainda que em período de tempo posterior, temos no projeto de Belo Horizonte a razão de 2.163,96 7
Fonte: TERYSOS do BRASIL. Aarão Reis 1895: Cartografias Digitais – descrição das plantas. Belo Horizonte, 2015. Disponível em: http://www.mapahistoricodigitalbh.com.br/. Acesso em: 09 de maio de 2016. O somatório das áreas do mapa digital do APCBH totaliza 58.495.781,11 m2, diferente da conta apresentada por Aarão Reis, 51.220.804,00 m², na apresentação do Planta da Cidade em Barreto (1996).
15 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
hab/ha de área verde, considerando a previsão máxima de 200.000 habitantes para a população urbana. De fato, ocorre que a grande maioria da previsão de praças e jardins se concentrava na zona urbana, assim como outros equipamentos públicos. Restando para a zona suburbana, área maior de loteamento, a previsão de sete praças menores, além do hipódromo e cemitério municipal. Alterações do Meio Ambiente Natural Toda ocupação urbana traz por si só alterações ao sítio, seu ecossistema natural é sempre agredido variando na intensidade conforme a forma e tamanho da intervenção. Da sobreposição da Planta do Engenheiro Aarão Reis sobre o levantamento topográfico, podemos perceber que o projeto da Nova Capital em nada considerou a topografia existente como premissa para o arruamento. As largas avenidas projetadas que cortam de forma retilínea a Zona Urbana e suas quadras reticuladas fizeram com que fossem realizadas grandes movimentações de terra para adaptação da topografia, conforme ressaltado por Borsagli: A conveniente cegueira generalizada da CCNC e dos políticos, em relação à topografia da zona planejada, assentada nas vertentes das três microbacias ficaria cada vez mais evidente nos anos seguintes à inauguração da cidade, pois os cursos d´água permaneceriam desprezados e as inúmeras movimentações de terra, terraplenagem, arrasamento de morros e aterramentos por toda zona planejada, principalmente das várzeas e das lagoas marginais aos cursos d’água atestariam os erros dos administradores mineiros na aprovação da rígida planta racional de Aarão Reis e equipe. (BORSAGLI, 2016, p-71-72)
A localização da Zona Urbana sobre o levantamento topográfico e a identificação dos cursos d´água que a cortavam estão na figura 04.
16 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 04 - Planta Geral da Cidade de Minas sobre levantamento topográfico e locação dos rios.
Legenda: 1. RIBEIRÃO ARRUDAS; 2. BARRO PRETO8* 3. LEITÃO 4. MENDONÇAS* 5. ACABA MUNDO 6. SERRA Fonte: Terysos do Brasil. Aarão Reis 1895: Cartografias Digitais. Disponível em: http://www.mapahistoricodigitalbh.com.br/. Acesso em: 15 out. 2015.
Os primeiros estudos para tratamento e condução das águas foram realizados para o abastecimento da nova cidade, e dessa forma foram identificadas as fontes, os seus meios de condução à cidade, a configuração do solo, a distribuição do povoado e suas alturas máximas. Os estudos para abastecimento de água na cidade começaram pelos córregos Serra e Acaba Mundo, que a CCNC percebeu insuficientes para o suprimento total da futura cidade. Sobre o córrego do Leitão foi percebido como “de pouco volume, baixo e com suas nascentes disseminadas por um amplo anfiteatro de propriedade particular, não era o que mais enquadrava ao pano de abastecimento inaugural” (BARRETO, 1996, p.167). Assim a CCNC buscou sua complementação por outras fontes mais afastadas da área urbana central.
8
Em BARRETO (1996), não aparece estas nomenclaturas nos rios estudados.
17 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
De fato, quando observamos o uso das águas neste projeto, é bastante elucidativo o texto escrito por Camarate, encontrado em Barreto: (...) procurando água pra 200.000 habitantes, quer dar-lhes regalias de patos; quer que se inundem por dentro e por fora, multíplices necessidades de um povo civilizado, com relação ao líquido elemento, e haja, em abundância, água para o movimento das turbinas, para irrigação das ruas, para lavagem dos esgotos, para a seção balnear de todos os hospitais, asilos, quartéis e casas de ricos e pobres, para cascatas e repuxos, nos jardins públicos e chácaras particulares e dizem até que para beber! (CAMARATE citado por BARRETO, 1996, p. 164).
Apesar de cumprir papel fundamental no Projeto da Nova Capital, os rios não foram objetos de estudo para sua preservação. Pela sobreposição dos cursos d´água com o Projeto da Nova Capital é percebido na forma do traçado das ruas e lotes que os cursos d’água foram ignorados. Sendo a exceção o Ribeirão Arrudas que aparecia no projeto inserido no contexto da cidade, mas ainda assim modificado com a previsão de retificação em alguns trechos do seu leito. Essa solução foi discutida pela própria equipe CCNC, como percebemos na proposta do Saturnino de Brito, figura 05. Figura 05 – A implantação da Nova Capital.
Legenda: A planta A apresenta o traçado geométrico adotado pelo Engenheiro Aarão Reis. A Planta B apresenta o Traçado Sanitário, uma alternativa proposta por Saturnino de Brito. Fonte: TERYSOS do BRASIL. Saturnino de Brito 1916: Cartografias Digitais. Disponível em: http://www.mapahistoricodigitalbh.com.br/. Acesso em: 15 out. 2015.
Saturnino de Brito dirigiu os projetos de abastecimento de agua potável entre 1894 e 1895 quando deixou a comissão antes da conclusão do projeto. Questionava
18 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
então o traçado geométrico muito rígido por referência a rede hidrográfica natural, apesar de reconhecer o caráter moderno da proposta de Aarão Reis9. Sendo a cidade projetada sobre o percurso dos rios, não haveria outra possiblidade senão a modificação do regime dos cursos d’água e a sua canalização. Assim as intervenções propostas pela CCNC a esse respeito visavam as boas condições de abastecimento de água e esgotamento sanitário, a drenagem do solo e por fim a canalização dos cursos d’água. As canalizações também tinham como objetivo, além da expansão da malha urbana, resolver o problema das enchentes e desbarrancamentos, ocorridos também pela própria canalização e retificação do leito natural, que aumentam a vazão e velocidade das águas sem os seus obstáculos naturais, potencializadas pela retirada da cobertura vegetal e ocupação das várzeas10. Já na definição dos espaços que abrigariam os equipamentos urbanos percebemos uma correlação da topografia existente com o projeto. Na Zona Urbana, as áreas verdes e edificações especiais ocupam posição de destaque no traçado urbano e tomam partido do relevo natural como a Praça da Liberdade e o Palácio do Governo, que estão situados em um ponto alto do relevo em uma parte mais central. A implantação do Parque é claramente correlacionada com a topografia e vegetação, além de tirar partido dos cursos de água. Localizado na área mais baixa do terreno, possui dentro dos seus limites projetados o Córrego Acaba Mundo e seu encontro com o Ribeirão Arrudas. O oficio nº 26, o Engenheiro Aarão Reis afirma esta escolha: A parte central dessa faixa – onde se dá a confluência do córrego AcabaMundo com o ribeirão Arrudas e existem várias fontes naturais, sendo muito acidentada a topografia do terreno – ficou reservada para o grande Parque, já em construção, o qual pela ondulação do solo, exigirá pequeno dispêndio relativo para tornar-se o maior atrativo da nova cidade, cujo clima, seco e saudável, é dos melhores que há no Estado de Minas. (BARRETO, 1996, p.251)
O Zoológico projetado também tirava partido da topografia. Era inclusive noticiado na impressa brasileira: “um tanto afastado do Parque, mas em magnifica posição, estava o Jardim Zoológico com 100.000 m²” (BARRETO, 1996, p.255). E
9 Ver NASCIMENTO et al, 2013 10 Ver BORSAGLI e MEDEIROS (2011).
19 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
além de se localizar em posição elevada possuía a previsão de integração com córregos existentes. A execução Tendo deixado a CCNC em 1895, o Engenheiro Aarão Reis foi substituído pelo Engenheiro Francisco Bicalho que deu continuidade as obras de implantação da Nova Capital até a data de sua inauguração em 12 de dezembro 1897. Também já não era mais Afonso Pena o Presidente do Estado. Este deixou o cargo em 07 de setembro de 1894 sendo substituído por Bias Fortes, Presidente do Estado na época da inauguração. No dia 13 de dezembro de 1897, o Engenheiro-chefe da CCNC, Francisco Bicalho, encaminha o oficio ao então Presidente do Estado, solicitando a sua exoneração do cargo. E através de decreto expedido em 3 de janeiro de 1898 é tanto concedida a exoneração do Engenheiro-chefe como também extinta a CCNC. A direção dos serviços para conclusão das obras em andamento passou-se então para a Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras públicas. Em meio a esse processo de troca dos gestores governamentais e também dos executores do novo projeto, e com o avanço gradativo da ocupação e valoração dos terrenos e imóveis, nem tudo que foi projetado foi executado tal e como pensado incialmente. Dos grandes equipamentos urbanos e áreas verdes definidos em projeto podemos verificar a implantação da Praça da Liberdade e do Parque e por outro lado propostas como o Zoológico e o Hipódromo não foram construídos. E o próprio Parque teve sua área bastante reduzida frente ao projeto inicial:
20 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figuras 06 e 07 – O Parque Municipal Américo Renné Giannetti – 1897 e 2015
Legenda: Planta geral do Parque e Hoje. Fonte: Site da Comissão Construtora da Nova Capital / Google Imagens
Na proposta de Aarão Reis as avenidas seriam largas e arborizadas. Em uma foto da avenida Afonso Pena, podemos constatar a efetividade desta intervenção, figura 08. Hoje, o cenário é diferente, com a supressão das árvores e alargamento das pistas destinadas aos veículos. Figura 08 - Vista geral da Avenida Afonso Pena. 1938
Fonte: Acervo: Museu Histórico Abílio Barreto
Da mesma maneira, os cursos d´água foram retificados e cobertos priorizando o alargamento das vias para aumento do fluxo crescente de veículos. Também não foi considerado os afastamentos mínimos necessários entre os cursos d´água e as construções. A consequência dessas ações foi (e ainda é) a ocorrência das enchentes.
21 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 09 - Alagamento do Ribeirão Arrudas, 1987
Fonte: Jornal Estado de Minas. Disponível em: http://www.em.com.br. A BH das 200 enchentes. Acesso em: 16 maio 2016.
E selando o destino dos rios “urbanos’, para um outro propósito também serviriam suas águas: a manutenção sanitária. Conforme estudo de Borsagli (2016) sobre o destino dos cursos d’água que atravessam a capital, todos viriam com o tempo receber as redes de esgoto. Logo no início da implantação da cidade teve-se a retificação e canalização do Ribeirão Arrudas. Sobre a várzea do córrego Acaba Mundo seria implantado o Bairro Funcionários, e devido à falta de emissários de esgoto, estes eram jogados diretamente no córrego. Já o Córrego do Leitão, canalizado posteriormente em meados da década de 1920, por se tratar de uma parte da cidade que não foi inicialmente ocupada, não recebeu de imediato os esgotos sanitários. O córrego da Serra que atravessava também parte do bairro Funcionários para possibilitar a implantação dos lotes e arruamentos teve o mesmo fim dos anteriores, a canalização. Quanto a poluição sofrida pelos rios, desde meados dos anos 1920 com crescimento urbano e populacional, os emissários de esgotos independentes não suportaram o crescimento urbano. Não havendo planejamento adequado para esta situação, aliado a falta de investimentos em infraestrutura pelo poder público, a solução adotada foi o despejo nos cursos d’água. Assim os rios se transformam em esgotos a céu aberto e na primeira metade da década de 1960 o poder público decide fechar todos que atravessam a zona urbana compreendida dentro da Avenida do Contorno11.
11 Ver (BORSAGLI; MEDEIROS, 2011).
22 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
No fim, a solução para os cursos d’água que atravessavam a Zona Urbana da Nova Capital primeiro foram as suas canalizações e posteriormente a sua cobertura possibilitando mais espaço veicular nas ruas e avenidas. Ainda hoje esta solução é utilizada no planejamento urbano de Belo Horizonte. Atualmente foram realizadas obras para cobrir mais um trecho do Ribeirão Arrudas e implantar o denominado Boulevard Arrudas, continuando o processo de exclusão dos rios do contexto urbano iniciado com a elaboração da Planta Geral da Cidade de Minas. Conclusão A partir de uma situação espaço-tempo específica que gerou a demanda de construção da Nova Capital, foi elaborada a planta que atendia as premissas da época. Hoje, mais de um século depois, novas demandas surgiram. Seja pelo crescimento populacional, que extrapolou muito o planejado, seja por razões ambientais mundiais como aquecimento global, aumento da poluição, e a redução dos recursos naturais. Se estas situações não foram possíveis de serem previstas na época, ou ainda que fossem em uma parte e não foram contempladas na sua totalidade, nos dias atuais temos que lidar com as suas consequências. A
adaptação
do
ambiente
construído
normalmente
envolve
grandes
investimentos financeiros. Neste momento em que os requisitos de sustentabilidade assumem o centro de discussões mundiais, o planejamento urbano e pesquisas aplicadas podem contribuir para melhoramento do espaço urbano. Assim a pesquisa de base fundamental sobre o efeito das decisões projetuais urbanísticas e a forma da sua implantação, inclusive sobre a perspectiva do fator tempo, são relevantes para a proposição de melhorias consistentes ao ambiente construído.
REFERÊNCIAS Acervos Documentais ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital. Disponível em: <www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br >. Acesso em: 15 out. 2015. TERYSOS do BRASIL. Mapa histórico digital de Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.mapahistoricodigitalbh.com.br/>. Acesso em: 15 out. 2015. Livros, teses, fontes digitais e impressas BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva - história média. v.2. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.
23 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
BORSAGLI, A. Rios invisíveis da metrópole mineira. Belo Horizonte: Ed. do autor, 2016. BORSAGLI, A.; MEDEIROS, F.G. L. Os córregos e a Metrópole: a inserção no espaço urbano dos cursos d´água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte. In XII Simpósio Nacional de Geografia urbana, 2011, Belo Horizonte. Disponível em: < https://pt.scribd.com>. Acesso em 15out. 2015. NASCIMENTO, N. O. et al. Águas urbanas e urbanismo na passagem do século XIX ao XX: o trabalho de Saturnino de Brito. Revista UFMG, Belo Horizonte, v. 20, n.1, p.102-133, jan./jun. 2013. OLIVEIRA, M. R.S. Gestão patrimonial em Ouro Preto: alcances e limites das políticas públicas preservacionistas. (25/08/2005. 264p.). Dissertação (Mestrado). Instituto de Geociências Unicamp, Campinas, 2005. SILVEIRA, A.L.L. Hidrologia Urbana no Brasil. In: Drenagem Urbana – gerenciamento, simulação, controle - 1998. Porto Alegre. Editora da Universidade / UFRGS (ABRH publicação número 3).
24 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
SOB O ASFALTO DO PROGRESSO: OS RIOS INVISÍVEIS DA ZONA URBANA DE BELO HORIZONTE UNDER THE PROGRESS OF ASPHALT: THE INVISIBLE RIVERS OF BELO HORIZONTE URBAN AREA Alessandro Borsagli12 Brenda Melo Bernardes1314
RESUMO Os rios desempenhavam, inicialmente, um estratégico papel proporcionando a sobrevivência e o transporte, induzindo a formação de núcleos populacionais nas suas proximidades. Contudo, a partir do final do século XIX iniciaram-se a canalização de importantes cursos d’água com o objetivo de proporcionar expansão urbana e salubridade dos centros urbanos. No caso de Belo Horizonte, capital planejada, foi necessária a retificação e canalização dos cursos d’água pelo Poder Público para a imposição do traçado viário. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo a análise do processo de inserção e cobertura dos rios na zona planejada da capital mineira. Será foco de investigação o ribeirão Arrudas e dois dos seus afluentes da margem direita, os córregos do Acaba Mundo e Leitão, atualmente escondidos sobre a malha viária de Belo Horizonte, a partir da possibilidade futura da reabilitação e reinserção dos mesmos na paisagem urbana, retornando-os como um importante elemento estruturador urbano. Palavras chave: Rios urbanos. Espaço urbano. Paisagem urbana. ABSTRACT The rivers played a strategic role, providing survival and transport, inducing the formation of settlements around it. However, from the late 19th century began channeling of major water courses aiming at the urban sprawl and urban health. In the case of planned capital Belo Horizonte, was necessary rectification and piping the water courses by the Government for the imposition of the road circuit. In this sense, the article aims at the insertion process analysis and coverage of the rivers in the area planned from the capital of Minas Gerais. It will be investigation focus the Arrudas’ River and two of its tributaries on the right bank, Acaba Mundo and Leitão, currently hidden on Belo Horizonte roads, and their future rehabilitation possibility and reinsertion at urban landscape, it is returning them as an important urban initiator. Keywords: Urban rivers. Urban space. Urban landscape.
Introdução Os rios urbanos das cidades brasileiras em sua maioria são vistos como entraves para o processo de expansão da malha viária baseado, sobretudo, na política 1
Graduado em Geografia pela PUC Minas e autor do site www.curraldelrey.com, destinado ao resgate e construção da memória urbana de Belo Horizonte e do livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira.
13
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e pós-graduada na Especialização em Sistemas Tecnológicos e Sustentabilidade Aplicados ao Ambiente Construído pela UFMG; professora do curso de Arquitetura no CUMIH.
25 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
rodoviarista, sinônimos de degradação ambiental e desprezados pela sociedade e pelo Poder Público. A cidade de Belo Horizonte é mais um notável exemplo dessa relação negativa estabelecida entre o desenvolvimento das cidades e os cursos d’água. Construída pelo Governo Estadual para abrigar a capital de Minas Gerais, desde sua inauguração em 1897, até a atualidade presencia-se um processo de retificação, canalização e cobertura dos cursos d’água de maneira mais intensa em determinados períodos, como entre 1925 e 1944, e com menor intensidade como nos primeiros anos da capital. Essas modificações levaram à erradicação de importantes cursos d’água da paisagem urbana da capital correspondente a bacia do ribeirão Arrudas. Nos últimos anos estão ocorrendo diferentes reflexões sobre o processo de ocultação dos cursos d’água em Belo Horizonte, já que a contínua impermeabilização do solo, o intenso adensamento populacional e a ininterrupta verticalização, irradiando da região central para as zonas mais afastadas da cidade planejada, sobrecarregam os rios urbanos convertidos em emissários de esgotos e receptores de toda a água pluvial das vertentes impermeabilizadas. Os problemas decorrentes desse crescimento urbano acelerado podem ser constatados nos períodos chuvosos, quando as vias construídas sobre o leito dos cursos d’água se transformam em verdadeiros rios, acarretando inúmeros transtornos para a população e trazendo à lembrança que “sob a rua ainda existe um rio”. A partir das mazelas causadas pelo emprego do método da retificação e da canalização, surgem todos os anos trabalhos e movimentos15 questionando, entre outras coisas, o ininterrupto emprego de uma técnica em desuso em países que agora reabilitam os seus rios urbanos, a partir da compreensão da importância das águas urbanas e do conhecimento adquirido pela população, que em muitos casos desconhecia a existência de um importante curso d’água dentro da sua cidade. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é colaborar para a identificação de alguns dos rios “invisíveis” de Belo Horizonte que foram retificados, canalizados e escondidos para a expansão da malha urbana da capital, procurando contribuir para o (re)conhecimento da rede hidrográfica da capital e das profundas modificações ocorridas no espaço urbano da urbe, que culminaram no ocultamento desse importante elemento natural. Antes considerados elementos referenciais e integradores da paisagem urbana, os cursos d´água ainda são vistos como entrave para a mobilidade e para o desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, o que tem ocasionado o esquecimento e o 15
Destacam-se os trabalhos acadêmicos em diferentes áreas do conhecimento e as ações dos Coletivos, questionando a solução única (canalização) para as águas urbanas entre outras coisas.
26 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
próprio desconhecimento da sua existência por grande parte da sociedade, colocando Belo Horizonte na contramão das atuais políticas de gestão dos recursos hídricos. Nesse caso, torna-se necessário recorrer aos mapas produzidos desde a construção da capital até a década de 1960, período da produção do último mapa no qual figuram os rios urbanos abordados nesse estudo para identificação dos caminhos seguidos por eles dentro da zona urbana planejada da capital mineira. A escolha da análise do ribeirão Arrudas e de dois dos seus principais afluentes, diante de quase 700 km de córregos existentes no município de Belo Horizonte16, é justificada pelo fato desse ribeirão atravessar a zona urbana planejada pela CCNC destinada ao abrigo dos funcionários públicos, que dispõe de toda a infraestrutura necessária para o desempenho da função administrativa da cidade, além de concentrar comércios, serviços e equipamentos comunitários, características constatadas desde a inauguração da capital em 1897. Além disso, a área central, inserida nas bacias dos córregos do Leitão e do Acaba Mundo e do próprio ribeirão Arrudas é a que apresenta volume significativo de documentação disponível para pesquisa, assim como inúmeras imagens e plantas permitindo a compreensão das transformações no espaço urbano ao longo das décadas. Os rios urbanos no traçado viário de Belo Horizonte: erradicação para o progresso da capital As terras atravessadas pelos rios, ribeirões e córregos sempre foram locais atrativos para o agrupamento humano nômade ou permanente por fornecerem bons solos para o cultivo de alimentos, várzeas proporcionando melhor ocupação, além de outras condicionantes como a possibilidade de transporte pelo curso dos rios, que facilitavam o desenvolvimento das aglomerações humanas ao longo dos séculos. Ainda deve ser considerado o fato de que esses cursos d’água foram e são utilizados como demarcação territorial, proteção e corredores de circulação comercial e populacional, entre outras atividades necessárias não só para a manutenção da sociedade, assim como para o fortalecimento comercial de uma determinada região. Além disso, uma cidade geralmente desenvolve e estrutura sua malha urbana a partir do eixo de um curso d’água, os quais em alguns casos determinam e norteiam o seu crescimento. A água é a garantia da sobrevivência de um núcleo urbano. Nesse sentido pode-se dizer que até meados do século XVIII os cursos d’água eram vistos como elementos integradores da 16
Dados obtidos a partir da publicação do DRENURBS (2002).
27 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
paisagem urbana, desempenhando importantes funções na delimitação territorial, na fertilização dos solos, no comércio fluvial, abastecimento e no exercício de atividades cotidianas como nadar, banhar e pescar. Nesse contexto, ao se analisar a expansão urbana dos núcleos urbanos das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e mesmo de Belo Horizonte, apesar do surgimento recente em relação às duas capitais, depara-se com uma estruturação urbana semelhante no que tange o crescimento no sentido centro-periferia a partir da definição de um modelo de expansão concêntrica (VILLAÇA, 2001, p.38). Entretanto, para que esses núcleos fossem consolidados houve a necessidade de sobreposição pelo sistema viário, tanto das barreiras físicas representadas por ferrovias, quanto às barreiras naturais conformadas por rios (VILLAÇA, 2001, p.40). Apesar de tais expansões resultarem em desenhos urbanos distintos, verifica-se no processo de ocupação e crescimento dos centros urbanos a partir do século XIX uma negação dos cursos d’água integrantes das cidades, apoiado em ideias higienistas e em uma política que privilegiavam a conformação de ruas e avenidas largas para a modernização das cidades, surgido a partir da reforma de Paris empregada por Georges Eugène Haussmann, entre os anos de 1852 e 1870. Assim, os cursos d’água que antes eram vistos como elementos indutores da ocupação urbana passaram a ser vistos como entraves para o desenvolvimento das cidades e ainda como os principais causadores das epidemias, as quais assolavam os nascentes núcleos urbanos industriais que despejavam todo o efluente gerado nas águas, agora urbanas. No surgimento de Belo Horizonte, exceção feita ao ribeirão Arrudas, é notório o descompasso entre o percurso dos leitos naturais dos demais cursos d’água e o traçado urbano da nova capital, projetada pela equipe do Engenheiro Aarão Reis17. A zona urbana delimitada pela Avenida do Contorno foi definida a partir de uma malha quadriculada, ortogonal, entrecortada por vias diagonais que convergiam para pontos focais onde eram previstas as praças principais. A valorização de largas avenidas arborizadas evidenciava a preocupação com aspectos relacionados com a salubridade da nova capital, em razão dos problemas oriundos dos processos de industrialização nos centros urbanos europeus. 17
Deve-se ressaltar que a região onde se assentou o sítio urbano da nova capital que abrigava anteriormente o arraial do Curral del Rey, que até então convivia em harmonia com os cursos d’água que nascem nas encostas da Serra do Curral foi escolhida, entre outros fatores relevantes, por causa da abundância hídrica da bacia do ribeirão Arrudas.
28 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
É importante mencionar que antes da produção da planta definitiva de Belo Horizonte, foram desenvolvidos estudos de viabilidade para a construção da nova cidade em cinco localidades distintas, a partir da análise de características específicas das localidades consideradas relevantes para sediar a capital, a saber: arraial de Belo Horizonte, Várzea do Marçal (São João del Rei), Juiz de Fora, Barbacena e Paraúna. Os principais critérios considerados para a escolha do local que deveria abrigar a nova capital foram as condições topográficas locais, a existência de propriedades particulares e de terrenos devolutos e as características da rede hidrográfica existente para estudo de compatibilidade da rede para abastecimento, geração de energia e para escoamento de esgotos. A salubridade de cada localidade era de suma relevância para a comissão, assim como o abastecimento de água e a disponibilidade de captação, distribuição e a construção de redes de esgotos. No que diz respeito à água o arraial de Belo Horizonte, banhado por inúmeros mananciais de excelente qualidade se destacaria dos demais, ao mesmo tempo em que o relevo não favorecia a construção das redes sanitárias. Com a definição do arraial de Belo Horizonte, em 1893, como o local que deveria abrigar a nova sede, foram conduzidos outros estudos para planejamento da ocupação e para fins de desapropriações do antigo arraial. Nesse contexto, tendo em vista o caráter sanitarista da proposta com a consolidação de largas e arborizadas avenidas na área planejada de Belo Horizonte, não foi priorizado, na definição do traçado urbano, o percurso natural dos cursos d’água existentes, que logo foram vistos como barreiras à expansão do tecido urbano, ficando a cargo das administrações posteriores à inauguração da capital a inserção na malha urbana planejada. É importante ressaltar que desde o inicio do processo de consolidação da nova capital tanto o córrego do Leitão quanto o córrego do Acaba Mundo foram desprezados pelos planejadores, tendo em vista a limitação de suas vazões para abastecimento de Belo Horizonte18. Dessa forma, com exceção do ribeirão Arrudas, que era reconhecido como um importante curso d’água devido a sua capacidade de drenagem a partir dos córregos procedentes da Serra do Curral, os demais seriam retificados, canalizados a céu aberto e posteriormente cobertos para privilegiar a implantação do sistema viário em fundos de vale, já que eram áreas que apresentavam condições topográficas menos
18
Não será abordado no presente artigo o importante córrego da Serra, primeiro manancial responsável pelo abastecimento da nova capital, cujo curso atravessa uma parte da zona urbana planejada. Por estar coberto desde o inicio da década de 1930, optou-se por analisar os cursos d’água canalizados a céu aberto na dita zona.
29 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
acidentadas e mais favoráveis para a solução dos estreitamentos viários entre as zonas urbana e suburbana, assim como a alegação da construção dos interceptores de esgotos, que acompanhariam o curso d’água até o seu destino final. Nesse contexto, é necessário o conhecimento do atual traçado dos cursos d’água aqui abordados (Figura 1), a saber: Figura 1 – Parte do caminho percorrido na zona urbana planejada pelo ribeirão Arrudas e pelos córregos do Acaba Mundo e do Leitão.
Fonte: Google Earth (modificado por BERNARDES, 2015).
Córrego do Leitão O córrego do Leitão situava-se na porção oeste do antigo arraial do Curral Del Rey. Procedente das terras das antigas Fazendas do Leitão, Capão e do Cercadinho, o córrego deságua no ribeirão Arrudas, nas áreas correspondentes as terras da antiga Fazenda do Sacco. A ocupação do vale do Leitão teve inicio na década de 1920, a partir da incorporação da colônia agrícola Afonso Pena à zona suburbana da capital em 1914. As colônias agrícolas, que conformavam um cinturão verde e envolviam a zona suburbana, eram destinadas ao abastecimento alimentar da cidade. É importante mencionar que as áreas situadas no vale do Leitão eram destinadas pelo poder público às famílias que apresentavam melhores condições financeiras para a compra de lotes, assim a ocupação de suas margens ocorreu de forma lenta quando comparada a outras regiões situadas na zona suburbana, as quais apresentavam lotes com preços mais acessíveis, como era o caso dos bairros Lagoinha e Carlos Prates.
30 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Tendo em vista os ideais de progresso que estavam vinculados à possibilidade de expansão da malha urbana de Belo Horizonte, as canalizações dos cursos d’água eram vistas, muitas vezes, como solução não só para liberar área para abertura de vias, mas também para minimizar o problema das enchentes que ocorriam nas suas margens e o saneamento das bacias. Essas ações, que eram empreendidas pelo poder público, não contemplavam os riscos futuros no que tange a probabilidade de ocorrência de enchentes próximas à foz dos rios devido ao aumento de sua velocidade e de sua vazão, consequência do desvio do curso natural associado à impermeabilização do solo e à supressão vegetal de suas matas ciliares. Alinhado a tais diretrizes, teve inicio o processo de canalização do córrego do Leitão a partir de 1925, período no qual foram instalados os emissários de esgoto na sua margem direita, saneando por um curto período de tempo a região atravessada por ele. Com a retificação do córrego, seu curso foi alterado para as Ruas Tupis, Padre Belchior - que não existia no projeto oficial da nova capital, e Rua São Paulo, limitado ao cruzamento desta rua com a Alvarenga Peixoto, término da canalização aberta do curso d’água. Como consequência do alto grau de adensamento e da insuficiente capacidade dos emissários de esgotos instalados na margem do córrego para atender a demanda dos bairros da bacia, tornaram-se frequentes os despejos de águas residuais no curso d’água, optando pela cobertura do canal e extensão da canalização até as proximidades de suas nascentes, no final da década de 1960. Esse curso d’água corre atualmente, desde as suas nascentes, pelas Ruas Kepler e Cônsul Antônio Cadar, desembocando na Barragem Santa Lúcia que foi construída com o objetivo de propiciar o controle da sua cheia nos períodos chuvosos. Em sequência, o córrego segue pela Avenida Prudente de Morais, Ruas Marília de Dirceu, Bárbara Heliodora, São Paulo, Padre Belchior, Tupis e Mato Grosso, desaguando no Ribeirão Arrudas no cruzamento dessa via com a Avenida do Contorno. O córrego tem como principais afluentes o córrego do Zoológico (Rua Felipe dos Santos, Rio de Janeiro e Alvarenga Peixoto) e córrego da Barroca ou Barro Preto (Rua Araguari e Mato Grosso).
Córrego do Acaba Mundo Com suas nascentes situadas nas vertentes da Serra do Curral, o córrego do Acaba Mundo, assim como o córrego do Leitão, também passou pelo processo de 31 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
retificação e canalização de seu trajeto para ampliação da malha urbana de Belo Horizonte ainda na década de 1920. De maneira semelhante, como ocorrido na bacia do córrego de Leitão, direcionada pelo Poder Público para execução de obras de canalização devido ao interesse do destino das terras para ocupação por classes mais abastadas, no córrego do Acaba Mundo foram executadas obras similares, apresentando apenas diferenças estéticas. Até esse período as intervenções urbanas na bacia se limitavam à manutenção de pontes nos períodos chuvosos e eventualmente era feita a limpeza do córrego, que atravessava uma parte da porção destinada à primeira ocupação urbana da capital e a região do extinto arraial, em frete ao Largo da Boa Viagem. A partir de 1925, foram iniciadas as obras de retificação e canalização aberta do córrego do Acaba Mundo no trecho compreendido entre a Avenida do Contorno e o Parque Municipal. O trajeto do curso d’água foi alterado para o canal construído na Rua Professor Morais e Avenida Afonso Pena, mantendo-se a sua função de abastecimento dos lagos do Parque Municipal. O material escavado do Morro do Cruzeiro (atual Praça Milton Campos) foi utilizado para o aterramento de seu antigo leito, obra executada paralelamente à canalização. Essa intervenção no curso do córrego tinha por intuito possibilitar o loteamento de 13 quarteirões situados no bairro Funcionários e adjacências, fato que pode ser constatado a partir da Planta Geral da nova capital. Nas décadas seguintes, o córrego do Acaba Mundo, da mesma forma que o córrego do Leitão, passou a ser fonte de despejo dos esgotos residenciais em consequência da intensificação do processo de adensamento, sendo empreendido o alargamento e cobertura a partir do ano de 1963, que será abordado posteriormente. Atualmente, o córrego segue sob as avenidas Uruguai e Nossa Senhora do Carmo e em sequência ruas Grão Mogol, Professor Morais e Avenida Afonso Pena desembocando no ribeirão Arrudas, na altura do Parque Municipal. O Acaba Mundo supostamente percorre 1.00 metros em canal aberto e tem como afluentes os Córregos Ilha (Rua Assunção e Venezuela) e Gentio (Ruas Odilon Braga, Francisco Deslandes e Outono).
32 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Ribeirão Arrudas O ribeirão Arrudas, cuja bacia abrange uma área19 total de 20.600ha, dos quais 16.200 pertencem ao município de Belo Horizonte (atravessada por 37 quilômetros do ribeirão), tem suas nascentes localizadas nas vertentes da Serra do Rola Moça, abrigando parte dos mananciais que fornecem água para o município de Belo Horizonte e parte da região metropolitana, desde a década de 1910. O ribeirão é formado a partir da confluência dos córregos do Jatobá e do Barreiro, que se dá em frente à Siderúrgica Mannesmann. Ambos os córregos nascem na Serra do Rola Moça, na região do Barreiro e percorrem alguns trechos em leito natural. Destaca-se ao longo do percurso dos córregos a poluição de suas águas e a retificação e a canalização de diversos trechos. Dentro desse contexto, vale salientar que grande parte da Cidade Industrial está assentada na bacia do ribeirão Arrudas e de um dos seus principais afluentes, o córrego do Ferrugem. Além disso, sua bacia abrange parte dos municípios de Contagem e Sabará e percorre 47 quilômetros, desde o Rola Moça até o distrito de General Carneiro, onde desagua no rio das Velhas. Transformações ao longo das décadas; inserção e cobertura A ocupação das vertentes do córrego do Acaba Mundo e parte das vertentes dos córregos do Leitão e da Serra, referentes à zona urbana planejada, contribuíram para que o destino dos cursos d’água existentes dentro dos limites da nova capital continuassem a ser procrastinados pelas administrações municipais. Os cursos d’água continuavam a correr em leito natural, atravessando os fundos dos lotes e recebendo todo tipo de resíduos, tanto domésticos quanto industriais (Figura 2). No período compreendido entre os anos de 1897 e 1920, o crescimento urbano de Belo Horizonte se deu de forma lenta, concentrado em grande parte na zona suburbana, onde haviam sido criadas as cinco colônias agrícolas visando o povoamento da zona suburbana, assim como o abastecimento de viveres da capital. As colônias foram assentadas nas vertentes de cinco córregos afluentes do ribeirão Arrudas, os quais fazem parte os córregos do Acaba Mundo e Leitão, e alguns dos seus afluentes.
19
PLAMBEL, Drenagem urbana na área central, p.4.
33 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 2 – Planta Topográfica da Cidade de Minas, apresentada em 1895 pela CCNC.
Legenda: A planta figura como um elemento-chave para a compreensão das profundas mudanças morfológicas sofridas nas microbacias da zona planejada de Belo Horizonte. Fonte: PANORAMA, 1997.
O córrego do Acaba Mundo, que já atravessava uma porção considerável do bairro Funcionários, evidenciava o adiamento da canalização por parte do Poder Público por quase trinta anos, iniciada ainda nos tempos da CCNC20 nos metros finais do curso d’água antes do Parque Municipal. Nesse contexto, o município obrigava os proprietários dos lotes atravessados pelo curso d’água a empreenderem a sua retificação no referido trecho, uma medida no mínimo singular, que já evidenciava o destino do leito natural à condução pluvial. O vale do córrego do Leitão permanecia com feições tipicamente rurais, devido à reserva das terras do vale para a expansão urbana das décadas seguintes. Vale ressaltar que durante esse período a Prefeitura se restringiu apenas a realizar a manutenção das pontes sobre os córregos, muitas delas feitas de madeira oriunda dos antigos casarões do arraial21 e eventualmente a limpeza dos cursos d’água e das margens, o que se sucedeu até o inicio década de 1920, período em que Belo Horizonte deixou de ser uma capital exclusivamente administrativa para se tornar um polo de atração no Estado, permitindo a primeira remodelação espacial patrocinada pelo Poder Público Estadual. A segunda metade da década de 1920, caracterizou-se pelas inúmeras obras de canalização em Belo Horizonte, que já apresentava uma população superior a 80.000
20 21
Relatório, 1900, p.30. Ibid., 1900, p.11.
34 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
habitantes no final de 192522, obras realizadas somente na bacia do ribeirão Arrudas (Figura 3). No ano de 1926 assumiu a prefeitura o advogado Christiano Monteiro Machado, indicado pelo então presidente do Estado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Essa escolha para a administração da capital tinha finalidades especificas, o governador precisava de um homem de sua confiança no controle da capital do Estado, pois desejava ser o próximo candidato na disputa para a Presidência da República em 1930. Antônio Carlos vislumbrou em Belo Horizonte a oportunidade que precisava para se projetar nacionalmente e para isso não poupou esforços, nem investimentos, para dar continuidade à expansão urbana e a melhoria dos equipamentos e serviços públicos necessários ao crescimento da cidade. Figura 3 – Retificação e canalização do ribeirão Arrudas na Avenida do Contorno em 1928.
Fonte: Arquivo Público Mineiro
No período compreendido entre 1925 e 1930, o Estado interviu diretamente na administração da capital, já que esta não apresentava recursos suficientes para arcar com a rápida expansão urbana. Para tal, além do investimento realizado com recursos próprios, foram obtidos empréstimos junto ao Governo Federal, o que contribuiu para a disseminação das obras por toda a capital. O Estado não só continuava a nomear os seus
22
Notas Cronológicas de Bello Horizonte p.207.
35 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
prepostos para a administração municipal, mas passava a interferir diretamente na consolidação do espaço urbano. Dentro do plano de obras estava a canalização das águas que corriam em leito natural pelas terras da zona urbana planejada. Nesse contexto, em menos de dez anos os córregos do Leitão e do Acaba Mundo (Figura 4) e alguns dos seus afluentes, foram retificados, canalizados e mesmo cobertos, com a justificativa do controle das enchentes, do saneamento e da regularização da cidade planejada, permitindo um vultoso incremento do erário municipal a partir da venda dos lotes surgidos com o aterramento do antigo leito dos cursos d’água. O conjunto de obras fazia parte do vultoso plano de embelezamento do vale do ribeirão Arrudas, também retificado e canalizado no período 1926/1930 em grande parte da zona urbana planejada. Figura 4 - Conclusão do canal do córrego do Acaba Mundo na Rua Professor Morais em 1929.
Fonte: Arquivo Público Mineiro.
A partir de 1945, Belo Horizonte passou a receber um notável contingente populacional, atraídos pela criação da Cidade Industrial em 1942 e pelo fortalecimento do comércio e serviços, resultando no inicio do processo de metropolização da capital mineira na década de 1950. Nesse contexto de consolidação dos principais vetores de expansão, os cursos d’água que atravessavam a zona urbana planejada passaram a serem vistos como um entrave na urbe, pois a “dita” zona se tornava uma região cada vez mais adensada e verticalizada, ainda que os cursos d’água já estivessem encerrados em canais 36 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
a céu aberto e inseridos na malha urbana da capital há duas décadas. Nesse momento o asfalto, incorporado à doutrina rodoviarista passara a encabeçar as políticas urbanas do município, onde a população necessitava de uma ininterrupta melhoria da mobilidade, pois não havia mais lugar para os rios urbanos na paisagem (Figura 5). Aliado a isso vinha o problema da poluição hídrica que aumentava ano após ano, visto a impossibilidade dos emissários de conduzirem todo o esgoto para fora da cidade planejada. Nesse sentido, os rios urbanos entraram em rota de colisão com a cidade, era questão de tempo à cobertura das águas que corriam poluídas e indesejadas pela iminente metrópole. O primeiro curso d’água a ser coberto na nova leva de canalizações foi o córrego do Acaba Mundo, realizada entre os anos de 1963 e 1965 (Figura 6). Tal iniciativa do poder público foi direcionada para os demais cursos d’água a partir do programa de reforma urbana Nova BH 66, lançado pela gestão do prefeito Oswaldo Pieruccetti (1965-1966), responsável por proporcionar às gestões seguintes o empreendimento de inúmeras canalizações e coberturas por todo o município, como a realizada no córrego do Leitão entre os anos de 1970 e 1972 no trecho compreendido na zona planejada. Em pouco mais de dez anos todos os cursos d’água que foram anteriormente canalizados a céu aberto foram cobertos, proporcionando uma suposta melhoria viária para o município e tornando-se oficialmente os receptores de grande parte dos esgotos gerados na zona urbana planejada. Figura 5 – Asfaltamento da Avenida dos Andradas em 1963.
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte - Fundo ASCOM
37 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 6 - Ampliação da seção do canal do córrego do Acaba Mundo em 1963 na Rua Professor Morais.
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – Fundo ASCOM
Durante a notável reforma urbana, o ribeirão Arrudas não sofreria intervenções significativas no seu curso. No entanto, a partir da década de 1970, tendo em vista a intensificação dos transbordamentos associado ao alto grau de impermeabilização do solo e o ininterrupto crescimento do tecido urbano, iniciaram-se os estudos para o alargamento e o aprofundamento do seu leito na zona urbana, ao mesmo tempo em que o trecho suburbano do ribeirão passava por diversas intervenções para possibilitar a abertura da Avenida Tereza Cristina e da via expressa Leste Oeste, iniciada no ano de 1976. É importante mencionar que o ribeirão já se configurava um grande condutor das águas pluviais e dos esgotos de uma porção considerável do município assentada em sua bacia. As obras no trecho urbano canalizado seriam iniciadas no ano de 1981 e interrompidas poucos meses mais tarde, contribuindo decisivamente para a trágica enchente de 02 de janeiro de 1983, que destruiu grande parte das obras realizadas, acarretando prejuízos não só para o Poder Público, mas também para os comerciantes e para a população ribeirinha das regiões leste e oeste do município. 38 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Após a grande enchente de 1983, responsável pela destruição de uma parte significativa do vale do Arrudas, tiveram continuidade às obras de canalização baseadas nos estudos do PLAMBEL realizados na década anterior, estendendo para fora dos limites da Avenida do Contorno o mesmo método de canalização, priorizando a remoção e a urbanização das áreas então ocupadas por inúmeras favelas (Figura 7), removidas para dar lugar ao novo canal e as vias adjacentes. Figura 7 – Crianças na lama do gigantesco leito do ribeirão Arrudas - 1983
Legenda: Lama no leito do ribeirão Arrudas, proporcionado pelo turbilhão hidráulico da grande enchente de 1983. Entre os escombros ainda havia a esperança de salvar o pouco que restava. Ao fundo a fábrica de pregos São Lucas e o bairro de Santa Tereza. Fonte: PBH/Acervo Laudelina Garcia
O vale do ribeirão Arrudas na atualidade
Nesse contexto de ininterruptas canalizações, no alvorecer do século XXI, mais precisamente no ano de 2002, foi lançado na capital mineira o programa DRENURBS/NASCENTES, o qual visava promover a reinserção ou a integração dos cursos d’água na paisagem urbana, além de proporcionar a sua despoluição, o controle de sedimentos carregados para os fundos de vale e a redução dos riscos de inundação. O programa abrangia apenas os cursos d’água ainda encontrados em leito natural, não incluindo os rios urbanos canalizados a céu aberto ou cobertos. Entretanto,
39 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
inquestionavelmente era a sinalização de uma possível quebra no paradigma das técnicas empreendidas há quase um século. Apesar de toda a promoção feita em relação ao pioneiro programa, que priorizava a busca por soluções alternativas ao método de canalização dos cursos d’água, passados três anos de lançamento do programa, o poder público iniciou às obras de cobertura do ribeirão Arrudas no trecho compreendido entre o Parque Municipal e a Rua Rio de Janeiro. Nesse sentido, é contraditório pensar que o programa DRENURBS/NASCENTES teve reconhecimento no cenário latino-americano ao promover essa nova relação dos rios urbanos com a cidade diante da obra sequencial realizada pelo poder público para tamponamento do ribeirão. Denominado de Projeto Linha Verde, a obra realizada no Arrudas tinha como objetivo principal o alargamento das pistas de rodagem para promover a melhoria viária entre a região central da capital e o aeroporto de Confins. O projeto, justificado como um incremento para a melhoria viária e o embelezamento do vale do Arrudas a partir de uma natureza controlada, refletia mais uma vez o desprezo dos administradores públicos sobre a questão da presença dos rios na paisagem urbana, uma contradição que corroborava a força dos agentes econômicos e do lobby do asfalto, do concreto e do automóvel nos meios políticos. Predominava, nesse sentido, a ideologia de que na cidade não existem rios, apenas esgotos e a constante necessidade de investimentos públicos para melhoria da capacidade viária de Belo Horizonte. Como continuidade dessa intervenção voltada à melhoria da capacidade viária municipal que tem como foco o transporte individual, o Poder Público promoveu nos anos seguintes a extensão do Boulevard Arrudas em direção ao bairro do Calafate (Figura 8) e paralelamente aconteciam as obras de retificação e canalização do ribeirão no município de Contagem, onde se encontrava em seu leito natural, optando-se pela retificação parcial do curso e a supressão da mata ciliar e das várzeas, levando ao desaparecimento de um dos últimos resquícios naturais existentes na sua bacia.
40 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figuras 8 e 9– O ribeirão Arrudas antes e depois do Boulevard na Avenida Tereza Cristina
Legenda: O ribeirão Arrudas antes (esq.) e depois (dir.) do Boulevard na Avenida Tereza Cristina, no ano de 2011 correndo a céu aberto e no ano de 2013 em canal coberto. Fonte: Alessandro Borsagli.
No contexto atual, mais precisamente no ano de 2015, a região Sudeste do país está atravessando por um período de grave crise hídrica. No caso de Belo Horizonte, ainda que se vivenciem as consequências da relação de negação dos cursos d’água existentes para ampliação constante da malha viária das cidades, os rios, inicialmente cogitados para o abastecimento humano e proporcionadores de momentos de lazer e de balneabilidade, além de um importante elemento paisagístico na cidade, continuam a ser ignorados pelo poder público e permanecem “invisíveis” aos olhos dos moradores locais. Os rios assumem nesse sentido, apenas a função de condução das águas pluviais e dos esgotos trazendo uma significativa economia para o erário municipal, no que diz respeito ao aumento da seção das redes existentes. Assim, diante das ininterruptas obras de canalização e cobertura dos rios associado à impermeabilização dos solos é de se esperar transbordamentos cada vez mais graves nos próximos anos.
Em contrapartida às ações de canalização e
tamponamento dos cursos d’água em Belo Horizonte, destacam-se projetos voltados para o gerenciamento dos recursos hídricos da bacia do ribeirão Arrudas, baseadas na qualidade ambiental dos fundos de vale e no controle da drenagem urbana23. Por meio do projeto da Operação Urbana Consorciada do vale do Arrudas é enfatizado que o saneamento dos cursos d’água existentes na área do projeto ainda em leito natural serão despoluídos a partir da execução do plano, assim como os canais de drenagem – leia-se rios urbanos - terão os esgotos retirados das suas águas. Contudo, não é mencionado no projeto a possibilidade de reinserção das águas escondidas sob o sistema viário, ainda que sejam previstas ações de educação ambiental dirigida às 23
OUC Vale do Arrudas, p.62.
41 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
escolas, associações, postos de saúde entre outros setores de relevância, de modo a conscientizar a sociedade da importância de impedir o lançamento dos esgotos nos corpos receptores, mas sem passar o conhecimento do que esses cursos representam para a cidade e para a vida dos moradores. Assim, é preciso pensar em trabalhar a bacia do Arrudas como uma unidade de planejamento, em que a adoção de uma gestão coerente contribua para a viabilidade de se estruturar um plano para a conservação dos rios em seus leitos naturais e a reinserção das águas canalizadas na paisagem, a partir da despoluição e da recuperação das várzeas, matas e cabeceiras. Essas medidas são fundamentais para o reconhecimento da importância dos rios urbanos para os moradores, bem como, para o microclima e para minimizar a ocorrência de enchentes e crises hídricas, problemáticas que tem assolado Belo Horizonte. Para um suposto controle da macrodrenagem, ainda são sugeridas pelo Poder Público a construção de diversas bacias de detenção no município, destacando a bacia de detenção do Calafate, a qual tem sua utilidade questionável, pois o projeto indica a construção em um local que não resolverá os problemas existentes na porção do canal construído à montante da região, onde os transbordamentos continuam em voga. Os planos e os projetos são idênticos aos métodos e técnicas aplicadas no município há quase cem anos, não havendo conhecimento por parte dos autores de projetos alternativos ao método da canalização e cobertura no âmbito oficial. Considerações Finais
Os rios urbanos que atravessam a zona urbana planejada de Belo Horizonte faziam parte do cotidiano da cidade nas primeiras décadas de existência da capital. Nesse momento, os rios eram reconhecidos como locais de sociabilidade, compartilhados pelos habitantes e importante referência na paisagem belorizontina. A partir da primeira remodelação espacial da capital na década de 1920, os rios foram inseridos no tecido urbano e embelezados, dentro dos planos políticos almejados para a capital, nos quais os padrões estéticos das cidades europeias ainda norteavam os trabalhos dos engenheiros que acreditavam no canal artificial como a solução para as enchentes e para o saneamento das bacias. Era o inicio da conversão da rica paisagem fluvial da região em paisagem urbana notavelmente valorizada, diante do valor de mercado das terras antes atravessadas por eles. 42 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Apesar de o método ter se mostrado falho logo após a inauguração dos canais, eles vêm sendo aplicados ininterruptamente, condicionado não mais ao embelezamento, mas voltado, sobretudo, para o saneamento e principalmente para a melhoria viária. Contudo, o que se vê desde o inicio das intervenções nas bacias é a piora das enchentes, resultado da ocupação das áreas inundáveis dos cursos d’água, do confinamento dos cursos d’água em um canal artificial, do alto grau de impermeabilização das vertentes e a imposição do transporte dos esgotos. Salvo alguns anos após a canalização dos córregos do Acaba Mundo e do Leitão, quando os interceptores construídos ainda comportavam o volume de efluentes gerados nas bacias, o despejo dos esgotos in natura nas águas dos dois cursos d’água era ininterrupto, piorando consideravelmente após o ano de 1945, ano em que tratamento e qualidade de vida a partir do cuidado e do respeito com os elementos naturais passaram a não estar mais na pauta das administrações municipais, acentuado nos anos seguintes a partir da política de alteração profunda da estrutura ambiental fluvial da capital, visando atender a demanda automobilística e ao mercado imobiliário. Desde então, a cidade vivencia a continua cobertura dos córregos e do ribeirão Arrudas que, assim como os seus principais afluentes décadas antes, vem desaparecendo da paisagem urbana para dar lugar a um questionável embelezamento de um vale que oficialmente não figura mais como tal, deixando de ser percebido como um importante elemento natural e um obstáculo a ser transposto pela preconização do espaço, reflexos de uma política rodoviarista instaurada em Belo Horizonte há mais de meio século, desestimulando qualquer incentivo a criação de áreas verdes, parques lineares e mesmo de reais Bulevares, os quais poderiam ainda exercer o importante papel de corredores verdes, irradiados a partir do vale do ribeirão Arrudas. Apesar das políticas urbanas atuais valorizarem supostamente a inserção dos cursos d’água não canalizados na paisagem urbana, como um agente concreto que a compõe, os rios urbanos cobertos, ao que tudo indica, ainda passarão décadas sob as vias e quarteirões até que se adote uma política de reinserção ou reabilitação dos cursos d’água no espaço urbano, onde o estudo do processo de erradicação das águas urbanas de Belo Horizonte será prioritário para a elaboração de um plano que seja bem sucedido, no qual as águas urbanas serão elementos chave para a requalificação urbana da bacia.
43 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 9 – A hidrofobia pública nas propagandas oficiais - 1971.
Legenda: Soluções se faziam urgentes numa cidade que crescia imprevisivelmente. O canal do Córrego do Leitão, outrora poético, tornou-se um obstáculo. Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto
REFERÊNCIAS BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva; história média. v.2. Belo Horizonte: FJP/ Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996. BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Mensagem apresentada pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro ao Conselho Deliberativo da Cidade de Minas em 1900. Cidade de Minas: Imprensa Official do Estado, 1900. BELO HORIZONTE. Operação Urbana Consorciada Antônio Carlos/Pedro I Leste-Oeste/Vale do Arrudas. Prefeitura de Belo Horizonte, outubro de 2013. BORSAGLI, A. Seria possível uma reabilitação, revitalização ou Renaturalização dos cursos d’água cobertos de Belo Horizonte? Disponível em:< http://www.curraldelrey.com/ >. Acesso em: 25 set. 2015. CIDADE DE MINAS. Prefeitura Municipal. Mensagem apresentada pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro ao Conselho Deliberativo da Cidade de Minas em 1899-1900. Cidade de Minas: Imprensa Official do Estado, 1900. COSTA, H. S. M.; BONTEMPO, V. L.; KNAUER, S. Programa DRENURBS: uma discussão sobre a constituição de alianças de aprendizagem na Política de Saneamento de Belo Horizonte. Anais... Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2008, Caxambu. COSTA, Lúcia Maria Sá Antunes (org.). Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, Ed. PROURB, 2oo6. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/Centro de Estudos Históricos e Culturais. Panorama de Belo Horizonte; Atlas Histórico, Belo Horizonte, 1997. GORSKI. Maria Cecilia Barbieri. Rios e Cidade: ruptura e reconciliação. São Paulo: Senac, 2010.
44 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
HOYUELA JAYO, J. A; MESQUITA, Y. M. Um plano diretor para o Parque Municipal: patrimônio cultural e ambiental da cidade de Belo Horizonte. VII Mestres e Conselheiros: Agentes multiplicadores do Patrimônio - “Patrimônio e Cidades”. Belo Horizonte, 2015. MESQUITA, Yuri Mello. Os Rios e a Cidade, espaço, sociedade e as políticas públicas em relação ao saneamento básico em Belo Horizonte, 1964-1973. Revista Espacialidades, UFRN, Dossiê História, espaço e imagens, v.3, n.2. Natal, 2010. PENNA, Octávio. Notas Cronológicas de Belo Horizonte. Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 1997. PLAMBEL. Drenagem Urbana na Área Central. Belo Horizonte, 1975. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2.ed.São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001. 373p.
45 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O GRANDE CEIFEIRO, O CARANGUEJO E O CEMITÉRIO DO BONFIM GREAT REAPER, THE CRAB AND THE BONFIM CEMETERY Ethel Mizrahy Cuperschmid24 Angélica Siqueira de Castro25 Sarah Campos Cardoso26 Maria Tereza Paulino Leal da Silva27 Ana Luísa Moreira Silva28 Maria do Carmo Salazar Martins29 Resumo O presente artigo narra a história da morte por câncer em Belo Horizonte no período de 1923 a 1935, primeiros anos de atividade do Instituto de Radium, primeiro hospital especializado em oncologia do Brasil. Através de pesquisa em seu primeiro Livro de Registro de Pacientes e na documentação do Cemitério do Bonfim, e de outras fontes para a história da cidade durante o mesmo período serão feitas correlações entre o câncer e a morte domiciliar e hospitalar, terminologia médica, profissionais e a cultura do morrer na nova capital. Palavras-Chave: Câncer, Instituto de Radium, Cemitério do Bonfim.
Abstract This article will deal with the history of cancer death in Belo Horizonte, from 1923 to 1935, the first years of activity of the Institute of Radium, Brazil´s first hospital specialized in oncology. Through research in its first Patients Record Book, and Bonfim Cemetery´s documentation in the same period, correlations will be established among cancer and home/hospital death, medical terminology, professional staff, and the culture of dying in the new capital city. Keywords: Cancer, Instituto de Radium, Cemiterio do Bonfim.
As fontes Para estudar os primeiros 13 anos de atendimento oncológico do Instituto de Radium, fundado em 1922, foi utilizado o Livro de Registro de Pacientes que se encontra sob a guarda do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da
¹ Historiadora, coordenadora acadêmica do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; ethelmizrahy@gmail.com ² Graduanda de História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, estagiária do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; angelicasc@gmail.com ³ Graduanda de História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, estagiária do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; sarahcamp15@gmail.com 27 Graduanda de Museologia pela Escola de Ciência da Informação da UFMG, estagiária do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; tetepleal@gmail.com 28 Graduanda de História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, estagiária do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; anamoreirahistoria@gmail.com 29 Cientista Social, pesquisadora do Centro de Memória da Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG; ducaroberto@uol.com.br
46 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
UFMG. A análise destes dados foi publicada em artigo na Revista História, Ciência e Saúde – Manguinhos (CUPERSCHMID; MARTINS, 2014). Os dados do Cemitério Municipal encontram-se no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e foram cruzados com os do Instituto de Radium, para verificação do número de mortos de câncer na cidade. Estes documentos se revelaram uma fonte tão profícua que, por si só, permitem um estudo sobre parte da história da nova capital. Estes dados foram coletados na documentação do Cemitério do Bonfim. A documentação do Cemitério Municipal está registrada em livros que trazem informações de todos os mortos enterrados neste campo santo. Foram utilizados os livros que cobrem os anos de 1923 a 1935, pois são as que nos interessam neste estudo (Ver tabela 1). O livro é todo numerado e rubricado, ao final de cada ano possui uma estatística que posteriormente era utilizada nos relatórios dos prefeitos da cidade. Em seu termo de abertura podemos ler: Servirá este livro, por mim aberto e rubricado, para nelle ser feito a escripturação do Cemitério Municipal, de acordo com o § 5º do artigo 36 do respectivo Regulamento (Decreto nº 1.368 de 5 de março de 1900). Belo Horizonte, 31 de janeiro de 1921. O Diretor de Hygiene Municipal, Dr. Pedro Paulo Pereira. O administrador do Cemitério, José Carlos Vaz de Mello; O administrador do Cemitério, Celso Silveira.
O quadro da mortalidade mensal era preenchido manualmente, as informações eram organizadas em 17 colunas: data, número das guias, nomes dos sepultados, filiação, nacionalidade, Estado, idade, adultos (dividido entre masculinos e femininos), menores (dividido entre masculinos e femininos), fetos, localidades, enfermidades, quadros, números de covas e de carneiros, atestado médico, dinheiro recebido e observações. A coluna “número de covas e de carneiros” informa da organização espacial do Cemitério, qual quadra e número da sepultura. Estas informações estão ligadas a situação econômica da família ou a seu status social, pois o cemitério separava os locais de maior prestígio para determinadas famílias construírem seus jazigos. As covas eram uma escavação na terra, uma fenda de 7 palmos, simples, sem ornamentos, provavelmente para pessoas sem posses.
47 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O termo “carneiro”, segundo o Dicionário Moraes (1924, p.349), refere-se a expressão “carneiro d’ossos”, que é uma “cova vasia de terra onde se mettem caixões de defuntos”. A palavra vem do latim, carnarium, que em sua origem significa quarto ou casa subterrânea onde se sepultavam cadáveres. O carneiro é uma sepultura construída com tijolos, na parede ou no chão. Tabela 1 – Quadros da Mortalidade – 1922-1929
Breve Histórico do Instituto de Radium de Bello Horizonte O Instituto de Radium de Bello Horizonte foi inaugurado em 07 de setembro de 1922 e partiu da iniciativa do Dr. Eduardo Borges da Costa (1880-1950). Tal iniciativa teve apoio do Presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes (1922-1926) tanto na doação do terreno quanto nos recursos para sua construção física e aparelhamento interno. Foi o primeiro hospital oncológico em funcionamento no Brasil. Para o período de 1923 até 1935, 269 pacientes faleceram de câncer no Instituto de Radium. O cruzamento dos dados do Instituto de Radium com os do Cemitério Municipal identificou 218 ex-pacientes do Instituto lá sepultados. Destes, 52 faleceram em suas casas. A pesquisa constatou dados relevantes:
48 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O cruzamento com os dados do Cemitério do Bonfim também nos permitiu identificar indivíduos que saíram do hospital a pedido ou diagnosticados como “curados” ou “melhorados”. Ou seja, nove dos pacientes que saíram do hospital “a pedido”, receberam o diagnóstico de “curado” e seis, o diagnóstico de “melhorado”. Três mulheres e três homens resistiram um ano e meio após a alta do hospital. Outro aspecto curioso revelado pelo cruzamento de dados do Instituto de Radium com o Cemitério do Bonfim: os atestados de óbito por câncer no pênis e câncer na vagina dados no Instituto não eram reproduzidos nos livros do cemitério. Talvez por pudor, talvez para preservar a imagem do morto, ficava registrado para a posteridade que a causa mortis era caquexia cancerosa, termo vago, não comprometedor (CUPERSCHMID; MARTINS, 2014, p. 1257).
O combate ao câncer em Minas Gerais Em sua obra “A doença como metáfora”, Susan Sontag (1984, p.08) explica que a mais remota denominação de câncer é um tumor, uma inchação ou uma protuberância. Seu nome em grego, karkinos e em latim, câncer remetem ao caranguejo. Esta associação é feita pela semelhança entre um tumor externo e suas veias intumescidas e as pernas de um caranguejo e não necessariamente com sua evolução metastática. A metáfora também se encaixa no fato do tumor corroer dolorosamente como se fosse resultado da ação deste animal. O câncer é uma doença de crescimento anormal do ritmo geracional das células que possui uma evolução anormal e geralmente letal. Seu desenvolvimento é “compassado, incessante e firme” (SONTAG, 1984, p.18). O câncer é degeneração, transforma os tecidos do corpo em algo diverso. “O câncer é uma gravidez demoníaca” (SONTAG, 1984, p.20). O câncer trabalha lenta e insidiosamente. Ele se espalha, prolifera, difunde. Na morte, o doente é retratado como destituído de toda a capacidade de transcendência e humilhado pelo medo e pela agonia. Dispensar cuidados a um portador de câncer envolvia uma série de questões: as chagas abertas exalavam odor característico; a alimentação deveria ser especial; os gastos com medicamentos e consultas eram elevados; e as roupas deveriam ser lavadas separadamente. Além disso, “todos os membros da família assistem a espetáculos repugnantes e são testemunhos impotentes de sofrimentos indizíveis” (BAINBRIDGE, 1924, p.479). O número de mortes por câncer em Belo Horizonte, num período de 13 anos (1923-1935), evidenciou como essa doença já começava a superar aquela pela qual a cidade ficara tão conhecida: a tuberculose. Não era mais verdade a paráfrase que se 49 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
fazia da canção "cidade maravilhosa": “Cidade tuberculosa, cheia de bacilos mil, cidade tuberculosa, sanatório do Brasil” (BERTOLLI FILHO, 2001, p.183). No banco de dados do Livro de Registro de Pacientes do Instituto de Radium foram adotadas as informações contidas em suas colunas: nome, idade, sexo, estado civil, profissão, local de origem, se vacinado ou não, data de entrada, data de alta, motivo da alta, diagnóstico, cirurgia, terapia e outras observações. Já o banco de dados construído com as informações do Cemitério Municipal basearam-se somente na causa mortis, nome, idade, sexo, ano, local do falecimento e médico que fez o atestado de óbito.
O Cemitério Municipal O primeiro cemitério do Curral del Rei, local escolhido para construção da nova capital de Minas Gerais30, ficava em frente a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem. No entanto, este espaço já estava no seu limite. Segundo o engenheiro responsável, Aarão Reis (1895, p.13): Na frente fica-lhe um cemitério, fechando um pequeno adro, de 10 metros em quadro, cuja terra empapassada de óleo humano e entremeada de ossos, está acusando a excessiva quantidade de cadaveres, que tem recebido, em desmarcada proporção com sua capacidade. Ahi a abertura de uma cova tornára-se um espectaculo à desocupados curiosos para triste contemplação de quatro ou cinco ossadas juntas, ao que poz logo termo a Commissão construindo um cemitério provisório em logar afastado, pouco depois da sua intallação.
Um segundo cemitério ficava na Rua São Paulo, atrás do Orfanato Santo Antônio e teve curta vida, “foi logo cercado com muros de tijolos, pois a sua supressão e remoção de ossos não pode ter lugar senão daqui a cinco anos, tempo mínimo calculado para a completa decomposição dos corpos” (BICALHO citado por BARRETO,1996, p.602). O Cemitério, quando fundado, era denominado Cemitério Municipal e já estava previsto no “Projeto de Construção da Nova Capital de Minas Gerais” (REIS, 1895, p.101). Segundo Mundim e Miranda (2014, p.38),
30
Conforme Decreto nº7, de 20 de novembro de 1889, artigo 2º, §1º.
50 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Nos moldes da ideologia republicana positivista, a concepção desse projeto pautava-se na utopia de uma cidade ideal, com espaços ordenados, iluminados e saneados. Assim como era preciso planejar a cidade dos vivos, a cidade dos mortos deveria ser ordenada e higiênica. Concebida inicialmente para ser depósito mortuário, o necrotério e o cemitério eram elementos catalizadores de uma nova concepção do mundo, visto que, contrastavam com os antigos hábitos de se sepultar nos arredores das igrejas, herança fortemente arraigada na cultura brasileira nos séculos XVIII e XIX.
De acordo com Abílio Barreto (1996, p.602-3), para a construção do cemitério do Bonfim foi reservado um terreno com área de 170.036 m² situado no alto dos “Menezes”, a 650 m do perímetro urbano, no prolongamento do eixo da Avenida Cristovão Colombo [atual Avenida Bias Fortes] onde ela se encontrava com a rua Bonfim, com a capacidade para servir a uma população de 30.000 almas. Este projeto foi submetido à aprovação do governo a 6 de março de 1895, em Ofício n.32, e aprovado. Projetado e construído sob a supervisão técnica da Comissão Construtora da Nova Capital (com plantas de Hermano Zickler, José de Magalhães e Edgard Nascentes Coelho), o cemitério tem traçado arquitetônico bastante semelhante ao da cidade (ALMEIDA, 1998, p.188). No álbum de Belo-Horizonte (CAMPOS, 2002) o Cemitério é descrito com as seguintes palavras: “uma clareira branca de paz no delírio verde da cidade”. A cidade era então conhecida também por “Cidade Jardim”, “Cidade da Esperança”. O empreiteiro desta obra foi o Senhor Conde de Santa Marinha. O primeiro corpo enterrado foi da senhorinha Berta Adele Teresa de Jaegher, de 20 anos no dia 8 de fevereiro de 1897, antes mesmo da inauguração da cidade de Belo Horizonte. O Cemitério do Bonfim era ainda um matagal cercado de arame farpado, cerca essa contratada pelo Sr. José Gonçalves de Melo e construída pelo seu filho, Sr.Francisco Gonçalves de Melo, tendo sido esse jovem construtor um dos primeiros habitantes de nosso campo santo, onde foi sepultado a 5 de setembro de 1897 (BARRETO,1996, p.603).
Embora fosse um matagal, o cemitério já funcionava, sendo seu primeiro administrador o Sr. Basílio Cecílio dos Santos que exerceu esse cargo de 3 de janeiro de 1898 a 17 de outubro de 1905 (BARRETO, 1996, p.603). Como único cemitério da capital os enterramentos tinham um quê de democrático. Pobres e ricos, religiões diversas, todos eram recebidos para seu repouso final. O que não quer dizer que certas quadras fossem mais cobiçadas do que outras, tanto pela sua localização quanto pelo status que apresentavam. Hoje ainda vemos a
51 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
beleza e a riqueza de alguns túmulos ostentando os "grandes da terra" enquanto outros são sepulturas simples. Conforme relatórios dos Prefeitos da cidade, percebe-se que a compra de jazigos perpétuos pela população mais rica e a construção de monumentos magníficos para abrigar seus entes queridos impossibilitou o acesso da população de baixa renda. O modelo monumental dos túmulos - característica, em Belo Horizonte, exclusiva do Bonfim - demandou trabalhos complexos encomendados no Rio de Janeiro, São Paulo e em dezenas de artistas e ateliês locais (como os irmãos Natali, os Lunardi e a Marmoraria São José), todos paralelamente envolvidos na construção de prédios públicos e residências ilustres na recém-inaugurada capital (ALMEIDA, 1998, p.188). Segundo site do IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, as peças refletem claramente duas fases marcantes na história do Bonfim. A primeira, da inauguração até as décadas de 1930 e 1940, tem túmulos e elementos artísticos predominantemente em mármore. A maior parte das obras posteriores a este período é em bronze ou granito preto. A ocupação do cemitério em quadras progressivas também demonstra muito da evolução de estilos ao longo das décadas. Ao redor do necrotério estão os primeiros túmulos e, afastando-se o perímetro, caminha-se em direção a obras posteriores e, portanto, marcadas por características diferenciadas. Outra forma de diferenciação é a ocupação “temática” de determinadas quadras do cemitério. Existem quadras com túmulos só de crianças, outras predominantemente ocupadas por personalidades da política mineira. Para se ter uma ideia, no Bonfim estão enterrados, dentre outros, os ex-governadores mineiros Francisco Silviano de Almeida Brandão (1848-1902, presidente do estado de 1898 a 1902), Benedito Valadares Ribeiro (1892-1973, governou de 1933 a 1945), Raul Soares de Moura (1877-1924, governador de 1922 a 1926) e Olegário Dias Maciel (1855-1933, governador em 1924, 1930 a 1933), o ex-senador Bernardo Pinto Monteiro (1857-1924, prefeito de Belo Horizonte de 1899 a 1902) e o ex-prefeito Cristiano Machado (1893-1953, prefeito de Belo Horizonte de 1926 a 1929); além de personagens importantes da história de Minas. Entre tantos escultores e marmoristas cujas obras se destacam nos túmulos do Bonfim - e também em pontos diversos de Belo Horizonte - exemplo é João Amadeu Mucchiut. Autor de dezenas de esculturas de destaque no cemitério (incluindo as de seu próprio mausoléu). Outros artistas a quem se atribui a maior parte do acervo são os 52 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
irmãos Natali, João Scuotto, Carlo Bianchi, Gino Ceroni, Nicola Dantolli, Antônio Folini, Lunardi, Alfeu Martini e José Scarlatelli (ALMEIDA, 2011 p.5). Um dos mausoléus mais suntuosos do Cemitério do Bonfim, o túmulo de Raul Soares atrai o olhar dos visitantes. O altar em bronze e granito foi esculpido pelo italiano Ettore Ximenes, artista com forte inclinação para a temática mitológica e autor de inúmeras obras na Itália, Estados Unidos e Argentina (IEPHA, 2010). Somente em 1942, com a construção do Cemitério da Saudade, a população carente que tinha dificuldade de acesso ao imponente Cemitério do Bonfim passou a ter um lugar onde podia requerer e comprar túmulos perpétuos separados para seu descanso final. Com a criação do Cemitério Israelita em 1936 corpos foram exumados e o Cemitério do Bonfim passou a ser basicamente para enterros de cristãos. (CUPERSCHMID, 1997) O Cemitério do Bonfim tem sido considerado como um museu a céu aberto. IEPHA fotografou e cadastrou parte do acervo do cemitério para preservação de sua bela arquitetura (MIRANDA; MUNDIM, 2011). Pesquisadores acadêmicos da Universidade Estadual de Minas Gerais, em parceria com o IEPAH e a FPM - Fundação dos Parques Municipais resolveram estabelecer visita guiada ao Cemitério do Bonfim. Este projeto existe desde 2012 e dentre os objetivos do projeto podem ser citados: educação patrimonial e desenvolvimento de política pública de promoção dos bens culturais (UEMG, 2014). O Cemitério Israelita A Sociedade Cemitério Israelita de Belo Horizonte foi fundada em 1936, por meio da celebração de um contrato com a prefeitura da cidade e de um Comitê Pró Fundação da comunidade israelita local que se organizou para angariar recursos internamente. Segundo Balabram e Gobbi (2006, p.412), fatores genéticos e ambientais são importantes na gênese de grande parte das doenças e é possível estudá-los pelas causas de mortalidade. Na comunidade judaica de Belo Horizonte houve uma substituição das mortes por doenças infecto-parasitárias, mais prevalentes nas décadas de 30 e 40, pelas mortes por doenças degenerativas e cardiovasculares, que aumentaram a partir da década de 30 (ver tabela 2). 53 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Tabela 2 – Mortalidade proporcional por neoplasias malignas como causa de óbito na população judaica de Belo Horizonte no período de 02/03/1936 a 01/06/2003.
Fonte: BALABRAM; GOBBI, 2006.
Antes da criação do cemitério, os judeus eram sepultados no único cemitério da cidade o Bonfim e não eram acompanhados pelo ritual judaico de preparação dos mortos. Quando a comunidade judaica da cidade conseguiu legalizar o terreno como cemitério, os corpos foram transladados com a aprovação dos familiares. É por essa razão que existem em seu livro de atas o registro do sepultamento de judeus que haviam morrido em 1926. Com essa finalidade, foram envidadas circulares aos parentes pedindo uma autorização. (CUPERSCHMID, 1997, p.157) O Cemitério do Bonfim em seus primórdios recebia os restos mortais de todo e qualquer cidadão, fazia uma inclusão irrestrita e independente de credo religioso. Era um cemitério nos padrões da cidade moderna e republicana. O Grande Ceifeiro representava o fator universal de que todos morrem. De 1923 a 1935 não há registro de judeu no livro de pacientes do Instituto de Radium, pois em geral eles informavam apenas sua nacionalidade. Assim, no Livro de Atas da Sociedade Cemitério Israelita de Belo Horizonte, em 11/10/1937 encontra-se anotado que a lista de nomes de israelitas sepultados no Cemitério do Bonfim foi publicada em jornais do Rio de Janeiro, em especial na imprensa judaica e cartas foram enviadas para avisar os parentes residentes em outras localidades da necessidade deste translado. Conforme a Ata da reunião da Sociedade Cemitério Israelita de Belo Horizonte, do dia 16/11/1937: Foram transferidos os restos mortais com a conformidade da reunião do dia 25 de outubro de 1937, a [as] seguintes pessoas, todas estas com a autorização dos parentes e da Prefeitura: Samsão Schwartzamn (28/05/1933); Zigmundo Brenes (24/04/1928); Moisés Persiano; Y. Lauffman; Abram Pisnoj (13/07/1932); José Gaas (01/08/1935); Elka Levy (30/08/1935); Perla
54 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Lerman (02/03/1931) e Matilde Berman (26/01/1931). (CUPERSCHMID, 1997, p.158).
A comunidade judaica de Belo Horizonte, formada de imigrantes de vários países da Europa, Ásia e África, teve como modelo suas comunidades de origem, onde sofriam discriminação e perseguição, por esta razão, dentre outras, esta comunidade resolveu constituir seu próprio cemitério. Foi o primeiro cemitério particular de Belo Horizonte. Neste espaço contaria com uma infraestrutura capaz de suprir as necessidades culturais e manter as tradições de luto e sepultamento.
Hospitais de Belo Horizonte Os hospitais de Belo Horizonte, assim como o Cemitério, prestavam serviço à população de um modo geral e alguns cobravam pelo atendimento. Na tabela feita com dados do Livro de Enterramentos do Cemitério do Bonfim, foram localizadas 10 instituições hospitalares: Santa Casa (fundada em 1889), Instituto de Radium (fundado em 1922), Maternidade Hilda Brandão (fundada em 1916), Sanatório Hugo Werneck (fundado em 1928), Asilo Afonso Pena (fundado em 1912), Hospital Militar (fundado em 1914), Hospital São Geraldo (fundado em 1920), Hospital São Vicente (fundado em 1920), Hospital Cícero Ferreira (1911), Hospital Raul Soares (fundado em 1924) e Hospital São Lucas (fundado em 1922) (MARQUES et al, 2011). Os sanatórios atendiam os enfermos de tuberculose que vinham procurar a saúde no clima agradável e salubre da cidade. Este fama está registrado num suposto Hino a Belo Horizonte, letra de Djalma Andrade e música de Elviro Nascimento: Belo Horizonte – fonte de vida, Chegam enfermos em procissões! Só com a magia desses teus ares, Fazes milagres, ressurreições (PBH, 2002)
Entre 1923 e 1935, foram enterrados no Cemitério do Bonfim 1058 indivíduos que morreram de algum tipo de câncer: 558 eram homens, 492 eram mulheres e não foi possível saber o sexo de oito corpos, 26 eram crianças com menos de dois anos. O local de falecimento desses indivíduos está registrado nos livros de apontamentos do Cemitério do Bonfim e é o que se segue: 447 indivíduos morreram em 55 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
casa; 326 morreram na Santa Casa; 210 morreram no Instituto de Radium; 17 morreram no Hospital São Vicente; 7 morreram no Instituto Raul Soares; 11 morreram na casa de Saúde São Lucas; sete morreram no Asilo Afonso Pena; nove morreram no Hospital São Geraldo; três morreram na Maternidade Hilda Brandão ou na Maternidade da Santa Casa (não foi possível determinar o local com precisão); nove morreram no Sanatório Hugo Werneck; nove morreram no Hospital Militar; dois morreram no Hospital Cícero Ferreira e um não consta o local de falecimento. Esses dados mostram que 42% dos doentes morriam em casa. É preciso lembrar um hábito cultural da época: Até um passado recente, o homem enfrentava quase sempre a morte em casa, rodeado pela família. Seus familiares compreendiam lhe as necessidades, os desejos, por viverem com ele há muito tempo; podiam ajudá-lo a ter uma morte tão suave quanto possível. Se houvesse médico presente ajudava também ao moribundo, ainda que fosse apenas com sua presença. Era raro enviar-se um doente para morrer no hospital (ZIEGLER, 1947, p.349).
Na primeira metade do século XX, Os doentes ricos tinham meios de pagar uma enfermeira, às vezes até uma guardiã noturna. (...). Os doentes menos afortunados recorriam em parte à família e em parte a pessoas de certa idade, viúvas ou celibatárias, que recebiam um pequeno salário em troca de seus cuidados (ZIEGLER, 1947, p.250)
O atendimento médico domiciliar parece ter sido prática rotineira nesse período. O hospital ainda causava muito medo. Em alguns hospitais, metade daqueles que eram operados estavam sujeitos a morrer. A doença varreria alas inteiras de hospitais. Essa doença teve até um nome: ‘hospitalismo’(...) Antes de a assepsia operatória ser introduzida no hospital, havia 16 mortes para cada grupo de 35 cirurgias. Morria quase um a cada dois pacientes (HOLLINGHAM, 2011, p.85 e p. 105).
Todos os médicos encontrados nos registros do Cemitério, mesmo aqueles que tinham clínicas próprias, como Hugo Werneck (1878-1935) e Borges da Costa, por exemplo, atendiam seus pacientes em suas casas, acompanhando-os até que o Grande Ceifeiro os levasse. O Ceifeiro, metáfora, representação da morte, figura mitológica ligada desde tempos imemoriais, personificação do tempo e de suas características destrutivas A ninguém é permitido viver além de seu tempo e nada permanece imutável. O atendimento na Santa Casa também era prestado por uma grande variedade de médicos e, quando se relaciona a causa mortis com a especialidade do facultativo podemos afirmar que aquele doente foi tratado por quem de direito. 56 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
É preciso salientar que 31% dos corpos enterrados no Bonfim nesse período de 13 anos faleceram na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. A Santa Casa era (e ainda é) um hospital que atende quase que exclusivamente a população carente. Isso indica que, ainda nesta época, o cemitério comportava o enterramento dos mais pobres. É interessante observar que todos os 210 atestados de óbito que tiveram origem no Instituto de Radium foram assinados pelos médicos Borges da Costa (1880-1950), Mário Goulart Penna (1886-1960) e Luiz Adelmo Lódi (1894-1979), a exceção de 1 atestado que foi assinado por Guilherme Halfeld (1892-1977). O que não é de se estranhar, pois estamos lidando com morte por câncer e eles trabalhavam, principalmente, no Instituto de Radium. O doutor Hugo Werneck assinou 33 atestados de óbito por câncer nesse período. Como médico de senhoras, 27 desses atestados referiam-se a algum tipo de câncer ginecológico e 6 eram atestados para indivíduos do sexo masculino. Segundo os dados, 88% desses atestados foram fornecidos para pacientes que morreram em diversos hospitais (Santa Casa, Maternidade Hilda Brandão, Sanatório Hugo Werneck e Casa de Saúde São Lucas) onde o médico exercia suas atividades. Outro médico que também assinou atestados de óbito foi Juscelino Kubistchek de Oliveira (1902-1976). No período estudado ele assinou sete atestados de óbito. Um deles foi para um paciente seu que faleceu na Santa Casa. Os outros seis atestados foram para pacientes que morreram em casa. Ou seja, como todos os outros médicos da época, o atendimento domiciliar fazia parte de sua rotina. Considerações Finais A morte pode ajudar a vida, seja numa sala de anatomia, seja num arquivo, onde o pesquisador pode encontrar dados para entender o passado e intervir no presente para que o futuro seja rico em experiências positivas. Segundo Pedro Nava (1903-1984), memorialista e médico formado pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte em 1927, em sua obra Beira Mar, (...) o grande equívoco de todos – doentes e médicos – é julgar que, prolongando a vida por alteração de condições estamos combatendo a morte. Jamais. Tanto quanto imbatível ela é incombatível. (NAVA, 1985, p.333).
O câncer é uma doença que até hoje é responsável por número expressivo de mortes, a história de seu combate em Belo Horizonte pode ser encontrada na 57 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
documentação médico-hospitalar e também nos dados da documentação de cemitérios. Estas fontes ainda podem fornecer dados interessantes sobre a vida familiar, a saúde, a doença, as ocupações profissionais, os costumes e o imaginário da morte na capital de Minas Gerais. Nesse sentido, a morte, enquanto objeto de estudo, pode e deve ser ressignificada. Envolta toda em mistério, A cidade comovida, Nas dôres do cemitério, Deixa os risos desta vida (J. Gastão Machado) (PBH, 2002)
Nesse sentido, são verdadeiros os dizeres em latim no portão monumental do Cemitério Municipal: Moriuti mortuis, ou seja, “Aqueles que um dia hão de morrer dedicam aos mortos”. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Christobaldo Motta de. Perfis biográficos dos patronos da Academia Mineira de Medicina. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 2006. 304p. ALMEIDA, Marcelina das Graças. Cemitério: história, memória e patrimônio – um debate sobre educação patrimonial. Disponível em: <ufpi.br/subsiteFiles/patrimoniocultural/arquivos/files/texto_6.pdf >. Acesso em: 08 ago. 2015. ALMEIDA, Marcelina das Graças. O espaço da morte na capital mineira: um ensaio sobre o Cemitério de Nosso Senhor do Bonfim. Revista História Regional, v. 3, n. 2, 1987-1991. Inverno 1998. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2067/1549>. Acesso em: 11 abr. 2016 ALMEIDA, Marcelina das Graças. Arte e artesanato: registros da presença italiana no conjunto arquitetônico do Cemitério do Bonfim em Belo Horizonte. Ponte Entre Culturas: Revista da Imigração Italiana em Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011, pp 1-11. Disponível em: <http://www.ponteentreculturas.com.br/revista/arte_artesanato.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016. BAINBRIDGE, Willian Seaman. El problema del câncer. Barcelona: Cervantes. 1924. BALABRAM, Débora; GOBBI, Helenice. Padrão de mortalidade da comunidade judaica de Belo Horizonte no século XX. Revista da Associação Médica Brasileira, 2006; 52(6):409-12. BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – história antiga e históira média. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1995. 2v. 912p. BERTOLLI FILHO, C. História social da tuberculose e do tuberculoso: 1900-1950 [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. 248p. Antropologia & Saúde collection. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/4/pdf/bertolli-9788575412886.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016. BICALHO, Francisco. Relatório. MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras. Relatório. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896. CAMPOS, Darlí Vieira (org). Album de Belo-Horizonte. In: PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE; MUSEU ABÍLIO BARRETO. Juscelino prefeito, 1940-1945. Abril 2002. CUPERSCHMID, Ethel Mizrahy. Judeus entre dois mundos: a formação da comunidade judaica de Belo Horizonte (1922-1961). São Paulo: Marketing Aumentado, 2013. 371p. Disponível em:
58 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
https://itunes.apple.com/br/book/judeus-entre-dois-mundos/id654689533?mt=11. Acesso em: 13 abr. 2015. CUPERSCHMID, Ethel Mizrahy; MARTINS, Maria do Carmo Salazar. Instituto de Radium de Minas Gerais: vanguarda da radioterapia no Brasil, 1923-1935. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.21, n.4, out.-dez. 2014, p.1235-1260. HOLLINGHAM, Richard. Sangue e entranhas: a assustadora história da cirurgia. São Paulo: Geração. 2011 INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS. IEPHA/MG finaliza inventário do Cemitério do Bonfim.2010. Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/banco-de-noticias/869-iephamg-finaliza-inventario-do-cemiterio-dobonfim>. Acesso em: 12 abr. 2016. LIVRO DE ATAS DA SOCIEDADE CEMITÉRIO ISRAELITA DE BELO HORIZONTE. Instituto Histórico Israelita Mineiro, Belo Horizonte, MG. LIVROS DE SEPULTAMENTOS DO CEMITÉRIO DO BONFIM. DQ. 07.00.00. (Arquivo Público da Cidade de belo Horizonte). 1923-1935. MARQUES, Rita de Cássia; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres; FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves (org). História da Saúde em Minas Gerais: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Barueri, SP: Minha Editora, 2011.162p. MIRANDA, André de Sousa; MUNDIM, Luis Gustavo Molinari. Belo Horizonte: o edifício do necrotério do Cemitério do Bonfim. Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/component/content/article/3322guia-dos-bens-tombados-iephamg/1328-belo-horizonte-edificio-do-necroterio-do-cemiterio-do-bonfim > Acesso em: 08 ago. 2015. MIRANDA, André de Sousa; MUNDIM, Luis Gustavo. Edifício do Necrotério do Cemitério do Bonfim. Guia de Bens tombados IEPHA/MG. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2014. 2 V. MORAES, Antônio Silva. Diccionario de Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Officina da S.A. LithoTypographia Fluminense, 1922. 2 vol – Edição Fac – similada da segunda edição 1813. Edição Commemorativa do primeiro centenário da Independência do Brasil. NAVA, Pedro. Beira Mar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.408 p. SONTAG, Susan. Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 1984. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Mensagem apresentada ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Christiano Monteiro Machado: outubro de 1928. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1928. 282p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Mensagem apresentada pelo prefeito Christiano Monteiro Machado ao Conselho Deliberativo de Bello Horizonte em 6 de outubro de 1927: relatorios annexos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado, 1927. 214p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Mensagem apresentada pelo prefeito Christiano Monteiro Machado ao Conselho Deliberativo de Bello Horizonte em 10 de outubro de 1929 e relatorios annexos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado, 1929. 222p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Christiano Monteiro Machado: outubro de 1926. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1926. 133p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Flavio Fernandes dos Santos: setembro de 1923. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1923. 171p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Flavio Fernandes dos Santos: setembro de 1924. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1924. 64p. PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Flavio Fernandes dos Santos: outubro de 1925. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1925. 172p.
59 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
PREFEITURA DE BELLO HORIZONTE. Relatório da diretoria geral de obras, relativo ao ano de 1931, apresentado ao prefeito Luiz Penna. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1933. 232p. PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Relatório apresentado a S.Ex. o Sr. Governador Benedicto Valladares Ribeiro pelo Prefeito Octacilio Negão de Lima e relativo ao período administrativo de 19351936. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1937. 71p. PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE; MUSEU ABÍLIO BARRETO. Juscelino prefeito, 1940-1945. Abril 2002. UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Projeto da ED UEMG no Cemitério do Bonfim recebe prêmio nacional. Disponível em: <http://www.ed.uemg.br/noticias/2014/06/projeto-da-ed-uemgno-cemiterio-do-bonfim-recebe-premio-nacional>. Acesso em:12 abr. 2016. ZIEGLER, Jean. Os vivos e a morte: uma “sociologia da morte” no Ocidente e na diáspora africana no Brasil e seus mecanismos culturais. Rio de Janeiro: Zahar. 1947.
Agradecimentos Agradecemos a Pollyana Gomes a gentileza e presteza na tradução do nosso resumo e ao professor Ajax Pinto Ferreira as considerações sobre gramática latina.
60 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
BAIRRO SANTA TEREZA: UMA HISTÓRIA LASTREADA NA DOCUMENTAÇÃO DE DIFERENTES INSTITUIÇÕES DE BELO HORIZONTE SANTA TEREZA NEIGHBORHOOD: A HISTORY BASED ON DOCUMENTS FROM DIFFERENT INSTITUTIONS IN BELO HORIZONTE Maria Letícia Silva Ticle3132 RESUMO Este artigo é uma apresentação do estado da arte relativo ao bairro Santa Tereza, na cidade de Belo Horizonte. Trata-se de uma possível escrita de sua história, aqui apresentada com um recorte temporal que vai dos últimos anos do século XIX até 1996, quando o bairro se tornou uma Área de Diretrizes Especiais. São colocadas, ainda, as principais características atribuídas ao bairro observadas nas diferentes tipologias de fontes consultadas, quais sejam tradicional, cultural e boêmia. Sinaliza-se a necessidade de pesquisar a fundo tais atribuições, a fim de compreender a relação das pessoas com o bairro e sua relação com a cidade. Além de pesquisa bibliográfica, foi fundamental para a escrita do artigo a pesquisa documental nas instituições de guarda de acervo da capital mineira, com o intuito de lastrear o processo de escrita da história do bairro. PALAVRAS-CHAVE Santa Tereza. Belo Horizonte. Arquivos ABSTRACT This article is about Santa Tereza neighborhood in Belo Horizonte. It is intended to be one of its possible histories, from the late 19th century until 1996, when the neighborhood was given a special treatment on the municipal legislation. Three features of Santa Tereza are presented here, traditional, cultural and bohemian. The research about these features is urgent in so to understand the relation between people and the neighborhood and between Santa Tereza and Belo Horizonte. The documental research was fundamental to this article in order to define the process of writing its history. KEY-WORDS Santa Tereza. Belo Horizonte. Archives.
Introdução O presente artigo é parte do relatório de qualificação de mestrado da autora e de sua dissertação. Ele é resultado do estabelecimento do estado da arte acerca do bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, a partir de referências bibliográficas e de pesquisa documental em instituições da capital, a saber: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) Arquivo Público Mineiro (APM), Museu Histórico Abílio Barreto, seção Coleções Especiais (MHAB) e Diretoria de Patrimônio Cultural da Fundação Municipal de Cultura (DIPC-FMC). 31
Mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais; graduada em História nas modalidades Licenciatura e Bacharelado pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. Historiadora, pesquisadora e professora voluntária do Departamento de Análise Crítica e Histórica da Arquitetura da EA/UFMG no curso de Design. leticiaticle@gmail.com
61 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Seu objetivo é apresentar um panorama geral da história do bairro, expondo seu processo de ocupação, crescimento e relação com o restante da cidade. O recorte temporal vai do surgimento do bairro, entre os anos de 1896 e 1898, até sua inclusão como Área de Diretrizes Especiais, em 1996. O período posterior é compreendido como sendo mais específico, no qual é desenvolvida e se estabelece uma visão sobre o bairro como patrimônio cultural da cidade. A análise crítica desse momento foi excluída do presente artigo por sua dimensão, que extrapolaria os limites da publicação. No entanto, a utilização de fontes é contínua e as análises poderão ser apreciadas no conjunto de produções da autora e ainda após a conclusão de sua dissertação de mestrado. A pesquisa documental é também chamada de pesquisa por documentação primária ou fontes primárias sobre o objeto, como matérias e reportagens de jornais e revistas, legislação e regulamentação urbana, fotografias, cartografia, relatórios de prefeitos, dossiês de tombamento, pareceres técnicos. Além dessas, a produção de fontes tem se mostrado essencial na construção do trabalho – participação e observação no bairro, entrevistas e conversas com moradores, frequentadores, usuários e grupos sociais estão sendo feitas com o intuito de completar as lacunas que por muitas vezes são deixadas quando a pesquisa se atém apenas às fontes arquivísticas. Foi essencial considerar a diversidade e a possibilidade do entrecruzamento dessas fontes de diferentes naturezas. Esse processo permite ir além do entendimento da ocupação e desenvolvimento oficiais do território, possibilita perceber várias maneiras de como é construída a relação das pessoas com o espaço. Bairro Santa Tereza Origens da ocupação e delimitação do bairro Para falar sobre o bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, é indispensável que se faça uma breve exposição sobre os primeiros momentos da história da cidade. Determinada para ser construída onde antes havia um pequeno povoamento de nome Curral Del Rey, Belo Horizonte foi planejada por uma Comissão Construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis. Tendo sua planta aprovada em 1895, a nova capital de Minas Gerais, então chamada Cidade de Minas, seria dividida em área urbana, com ruas largas e cruzadas em ângulos retos, cortadas em ângulos de 45º por algumas avenidas, circundada pela Avenida 17 de Dezembro, atual Avenida do Contorno; seções suburbanas em volta dessa mesma avenida, cujo projeto contava com ruas irregulares, 62 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
mas traçadas e, muitas delas, nomeadas; e área rural, para abrigar sítios produtores agrícolas, chamados também de colônias, responsáveis pelo abastecimento da cidade.
Figura 1 – Planta Geral da Cidade de Minas - 1895
Fonte: Arquivo Público Mineiro.33
A ocupação dessas colônias remonta a alguns anos antes mesmo da mudança e construção da nova capital. A vinda de imigrantes para o estado de Minas Gerais com o intuito de trabalhar preferencialmente na agricultura, foi incentivada e legislada pelo então presidente do estado, Affonso Augusto Moreira Penna, em 189234. No mesmo ano, a seção especial de terras e colonização foi criada na Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Públicas35. O incentivo consistia na indenização pela passagem da Europa para o Brasil, desde que o imigrante se estabelecesse e permanecesse por, no mínimo, quatro meses em Minas Gerais; na facilitação de aquisição de terras ou mesmo concessão gratuita, desde que respeitando as disposições da lei; no auxílio à introdução de novas culturas agrícolas, dentre outras. 33
Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/grandes_formatos_docs/viewcat.php?cid=107. Acesso em: 25 out. 2015. 34 Lei n. 32, de 18 de junho (sic-julho) de 1892. Autoriza o presidente do Estado a promover immigração de trabalhadores mediante a concessão de diversos favores. Fonte: Colecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais em 1892. Ouro Preto: Imprensa Official de Minas Gerais, 1893. Acervo do APCBH. 35 Lei n. 27, de 25 de junho de 1892. Approva o regulamento dos nucleos coloniaes, creados pela lei n. 150 de 20 de julho de 1896. Colecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais em 1892. Ouro Preto: Imprensa Official de Minas Gerais, 1893. Acervo do APCBH.
63 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Já no ano seguinte à aprovação da planta da nova capital do estado de Minas Gerais, por meio da Lei nº 150, de 20 de julho de 1896, o governador do estado, Crispim Jacques Bias Fortes, aprovou a instalação de seis colônias agrícolas às margens da cidade, que poderiam ocupar também parcelas das seções suburbanas. Assim, nos locais onde foram instaladas colônias, as plantas das regiões suburbanas foram alteradas nas regiões ocupadas por partes dos núcleos. Segundo a lei, os lotes dos núcleos eram “destinados a imigrantes do norte da Itália, alemães ou portugueses insulares, agricultores de profissão, laboriosos e morigerados, (...) acompanhados das respectivas famílias.”36. Somente no ano de 1899 foi aprovado pelo governo do estado o regulamento desses seis núcleos coloniais, que seriam subordinadas ao próprio governo do estado por execução da Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Públicas37. Entre os núcleos, estabeleceu-se em 1898 a Colônia Ribeirão da Matta (ou Córrego da Matta), posteriormente chamada Américo Werneck38, na região leste da cidade. A ocupação daria origem aos atuais bairros da Graça, Horto, Floresta, Sagrada Família e Santa Tereza, este compreendido na 7ª seção suburbana. Segundo o jornalista Luis Góes39, estudioso e antigo morador de Santa Tereza, para compreender a origem do bairro “interessam os lotes compreendidos entre as ruas Pouso Alegre, Salinas, Capitão Bragança e Avenida Flávio dos Santos. Desta forma, parte do que seria Santa Tereza, em 1898, tem outro mapa (...). ” (GÓES, s.d., p. 6). Atualmente, o bairro está localizado na Regional Administrativa Leste de Belo Horizonte, região composta por bairros que têm suas origens nas ocupações mais antigas da capital, como exposto acima. De acordo com o mapa da PRODABEL de 2010, o Santa Tereza é circundado mais a oeste pela Avenida do Contorno, ao sul e ao leste pela Avenida dos Andradas e ao norte pela Rua Pouso Alegre.
36
Lei nº 150 de 20 de julho de 1896. Autoriza o Governo, por conta do crédito do art. 6.º da lei n.º 32 de 18 de julho de 1892, a estabelecer seis "núcleos coloniais" à margem das estradas de ferro, nos pontos julgados mais convenientes a juízo do Governo, e contém outras disposições. Fonte: Livro da Lei Mineira, 20/07/1896. Acervo da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Disponível em: http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=150&comp=&ano=1896. Acesso em: 28/07/2015. 37 Decreto n. 1.258, de 21 de fevereiro de 1899. Approva o regulamento dos nucleos colniaes, creados pela lei n. 150 de 20 de julho de 1896. Fonte: Colecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais-1899. Cidade de Minas: Imprensa Official de Minas Gerais, 1900. Acervo do APCBH. 38 “Foi este nucleo [Americo Werneck] criado egualmente em 1898.” Fonte: Relatório da Diretoria de Agricultura, terras e colonização, 1906. p. 233. Fundo Secretaria da Agricultura, rolo 05, APM. 39 GÓES, [s.d.]
64 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 2 – Delimitação administrativa do bairro Santa Tereza.
Fonte: Mapas de Belo Horizonte, Prodabel, 2010, modificado pela autora.
No entanto, sua delimitação não é tão rígida e nem se limita a logradouros, variando de acordo com a percepção de cada sujeito. Há aqueles que consideram a linha férrea limítrofe, como a moradora Eliza Peixoto40, outros se remetem a ela evocando sua sonoridade, “se você ainda está ouvindo o barulho do trem, está por Santa Tereza”, segundo André Macedo, morador do bairro Santa Efigênia, vizinho ao Santa Tereza, e frequentador dos bares e restaurantes do bairro41. Os lotes que possuem frentes voltadas para a Avenida do Contorno são constantemente associados ao bairro Floresta, bem mais que ao Santa Tereza, bem como aqueles da rua Pouso Alegre que são identificados como pertencentes ao bairro Horto. Há até mesmo quem desconsidere essa rua como parte do Santa Tereza, enquanto outros incluem os quarteirões entre ela e a Avenida Silviano Brandão como pertencentes ao bairro42. Há quem diga que o bairro “começa na Hermilo Alves mesmo”, mas só se sente em Santa Tereza quando alcança a Praça Duque de Caxias, como um dos entrevistados, morador e frequentador dos bares do bairro, que ainda cita a “forte
40
Eliza Peixoto, 60 anos, jornalista, moradora do bairro Santa Tereza há 11 anos, criadora e responsável pelo Portal Santa Tereza Tem e integrante do movimento Salve Santa Tereza. Entrevista concedida em novembro de 2014. 41 André Macedo, 28 anos, profissional de Relações Públicas, morador do bairro Santa Efigênia há mais de 20 anos e frequentador dos bares e restaurantes de Santa Tereza. Entrevista concedida em abril de 2015. 42 Os entrevistados Eliza e Cláudio discordam nesse ponto. Para Cláudio, os quarteirões entre a Rua Pouso Alegre e a Avenida Silviano Brandão pertencem ao bairro Horto; Eliza, moradora de uma dessas ruas, afirma pertencer ao bairro, “de coração e de correspondência”.
65 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
atmosfera” do bairro na região do Alto dos Piolhos ou nos arredores do antigo Mercado Distrital43. Para José Tavares Correia Lira (2014), (...) bairro continua a ser aquela parte ou divisão costumeira da cidade. É a referência a ele que fornece ao citadino seu endereço e sentimento de pertença – e até mesmo de bairrismo, como expressão de autoestima ou de um espírito de exclusividade e recesso (...) (LIRA, 2014, p. 86)44
Portanto, é inútil tentar impor aos moradores, frequentadores e usuários do bairro limites administrativos, assim como é impossível se esquivar completamente deles. No verbete bairro escrito pelo autor, na obra organizada por Christian Topalov, Stella Bresciani, Laurent Coudroy de Lille e Hélène Rivière D'Arc (2014), ele afirma ainda que um bairro se define por suas particularidades sociais, étnicas, religiosas ou econômicas para além de funções estabelecidas. Ele nos apresenta diversas origens da palavra, como militar, religiosa, exclusão social proposital ou relacionada ao posicionamento de um aglomerado de casas em relação ao muro da cidade. Considerando, então, a delimitação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, a percepção de moradores e frequentadores, a percepção da autora e ainda os limites do recém-criado Conjunto Urbano Bairro Santa Tereza45 (Fig. 3), será considerado para o presente artigo o seguinte perímetro do bairro Santa Tereza: ao sul e ao leste a linha férrea, praticamente coincidente com grande parte da Rua Conselheiro Rocha, ao norte a porção superior da Rua Pouso Alegre e a oeste a Avenida do Contorno.
43
Cláudio Procópio, morador e frequentador dos bares do bairro. Entrevista concedida em outubro de 2014. LIRA, J. T. C. Bairro. In: Christian Topalov; Stella Bresciani; Laurent Coudroy de Lille; Hélène Rivière D'Arc. (Org.). A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades. 1ed.São Paulo: Romano Guerra, 2014, p. 85-100. 45 O tema da proteção do Conjunto Urbano Bairro Santa Tereza será tratado adiante. 44
66 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 3 – Poligonal de proteção do Conjunto Urbano Santa Tereza
Fonte: Deliberação Nº 019/2015. Anexo i - Poligonal de Tombamento. Diário Oficial do Município: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2015.
Independente das definições de seus logradouros perimetrais, fato é que o bairro possui relativo isolamento geográfico como forte característica, por abrigar uma colina cercada pelo Córrego da Mata e pelo Ribeirão Arrudas. Seu isolamento natural foi ainda intensificado pela presença da linha de trem e pelos acessos ao bairro limitados por algumas vias específicas. As poucas opções de transporte público também contribuíram para que o isolamento se mantivesse por muitos anos – o bonde avançou até a Rua Mármore somente em 1926, a estação de metrô foi implantada na década de 1990 e ainda hoje há apenas duas linhas de ônibus que atendem ao bairro. (BAGGIO, 2005) 46
Da Colônia Agrícola à consolidação do bairro Santa Tereza Retomando a fase inicial da Colônia Agrícola Américo Werneck e os primeiros anos do bairro já com a denominação de Santa Tereza, é possível estabelecer alguns 46
BAGGIO, Ulysses da Cunha. A Luminosidade do Lugar: Circunscrições Intersticiais do Uso de Espaço em Belo Horizonte: apropriação e territorialidade em Santa Tereza. 2005. 221f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2005.
67 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
marcos arquitetônicos que distinguem temporalidades da história do bairro. São eles o Hospital de Isolamento, entre os anos de 1910/11 até 1965, substituído pelo Mercado Distrital em 1970; a Hospedaria de Imigrantes, entre 1914 e 1918, quando de sua primeira adaptação e posterior expansão para receber forças militares, que também foram substituídas pelo Colégio Tiradentes em 1964; a Praça Duque de Caxias, inaugurada em 1937. Relativo ao Hospital de Isolamento, o Dr. Zoroastro Rodrigues de Alvarenga, em relatório da Diretoria de Higiene referente ao ano de 1910 e publicado em 191147, dá o seguinte depoimento: Os primeiros doentes de moléstia transmissível, que à Directoria de Hygiene coube isolar, foram removidos para uma velha habitação no bairro do Cardoso. As condições desse isolamento eram de tal sorte inaceitável, que tive de transferir delle para o hospital recentemente construído e ainda sem mobiliario e sem luz, uma mulher accometida de varíola. Isso se deu no mez de setembro. Nenhuma interferência teve a Directoria de Hygiene na construcção do Hospital de Isolamento, que lhe foi entregue quasi acabado. Devidamente autorizado, encommendei da America do Norte o mobiliario destinado a esse hospital e que deve estar a chegar no porto do Rio de Janeiro. (DIRECTORIA DE HYGIENE, 1911, p. 13)
No item “Lazareto do Cardoso” do mesmo relatório, o médico continua: “No dia seguinte tive que transferi-la para o novo Hospital de Isolamento, ainda não acabado e vazio de mobiliario, taes as más condições do lazareto velho.” (DIRECTORIA DE HYGIENE, 1911, p. 24). O relatório deixa claro que havia na localidade uma antiga construção que servia de abrigo para pacientes de doenças infectocontagiosas, o Lazareto do Cardoso. No entanto, as condições eram tão precárias que o Hospital de Isolamento foi construído próximo da antiga construção. Aspectos que contribuíram para a manutenção desse tipo de instituição na região foram a relativa distância do centro da cidade e ao baixo adensamento populacional da área na primeira década do século XX. Essas características foram indicadas por Oswaldo Cruz e coincidiram com as do bairro, conhecido à época como Cardoso48. Outros motivos citados foram a proximidade com a linha férrea, facilitando o acesso dos pacientes de Belo Horizonte e de outras cidades do estado, o tamanho do terreno, que permitiu o plantio de árvores em
47
Directoria de Hygiene. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro Secretario de Estado dos Negócios do Interior pelo Dr. Zoroastro Rodrigues de Alvarenga – Diretor Geral de Hygiene. Anno de 1910. Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1911. Acervo do APM. 48 FIGUEIREDO, Betânia G.; MARQUES, Rita de Cássia; SILVEIRA, Anny Jackeline T (orgs). História da Saúde em Minas Gerais: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Barueri: Minha Editora, 2011. p. 35. A região era conhecida como Cardoso ou Bairro do Cardoso devido à proximidade com o Córrego do Cardoso.
68 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
uma área já bastante vegetada e próxima ao Ribeirão Arrudas, aspectos decisivos para o bom clima necessário aos pacientes em tratamento. Com sua construção iniciada em 1910 e já funcionando em 1911, o Hospital de Isolamento, posteriormente chamado Cícero Ferreira, passou a funcionar sob a administração da Diretoria de Higiene em 1912. Localizava-se onde hoje está a construção do Mercado Distrital de Santa Tereza (desativado) e a Escola Estadual Pedro Américo. Segundo Góes (2014), muitas pessoas que não viviam por ali tinham certo receio em circular a pé ou mesmo utilizar os meios de transporte que atendiam ao bairro e às imediações do Hospital por causa dos pacientes que eram internados – pessoas em tratamentos psiquiátricos ou de doenças infectocontagiosas, como varíola, tuberculose e outros problemas respiratórios. Muitos moradores também se sentiam incomodados com o hospital, que funcionou entre as ruas São Gotardo, Pirite, Silvianópolis e Alvinópolis durante cinquenta e cinco anos, até ser transferido para a região hospitalar de Belo Horizonte, na porção central da cidade. Figura 4 – Hospital Cícero Ferreira
Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto, 1947.
O decreto municipal de 05 de fevereiro de 191249 oficializou a emancipação da Colônia Agrícola Américo Werneck e a incluiu na sétima seção suburbana de Belo Horizonte, o que incluía a área que viria a se tornar o bairro Santa Tereza, como
49
Lei nº 55, de 05 de dezembro de 1912. Incorpora à zona suburbana da Capital o povoado do Calafate e as colônias Bias Fortes, Américo Werneck, Carlos Prates e Adalberto Ferraz e dá outras providências a respeito. Fonte: Coleção de Leis do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte (de fevereiro a dezembro de 1912, ns 54 a 62). Bello Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1912. Acervo do APCBH.
69 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
explicitado anteriormente. A ex-colônia passou a ficar, então, sob jurisdição da capital do estado. Essa nova ordem implicou normas e regulamentos para controlar sua ocupação, ficando sob a responsabilidade do município a urbanização da área. Nesse período foi implantado ali o galpão do Centro de Imigração da Capital, com a função de estimular a vinda, receber e regularizar imigrantes europeus que aqui chegariam para trabalhar. Segundo o relatório da Diretoria de Agricultura, terras e colonização publicado em 1913: É facto que, de tempos para cá, nenhuma corrente de immigrantes, expontânea ou subvencionada, tem se encaminhado para o Estado, quando é certo que existe, como os Estados de S. Paulo, Paraná, etc., oferecem vantagens inconstestáveis àquelles que buscam colocação e trabalho fora da terra natal. Para estabelecer essa corrente e facilitar a introdução, já está contractada a construcção de uma hospedaria nesta Capital, predio que deverá ficar concluído dentro de dez mezes. [...] Concluída a Hospedaria, funccionaria junto dela a Agencia de Collocação. (APM, 1913)50
A edificação definitiva da Hospedaria dos Imigrantes só ficaria pronta em 1914, nas imediações de onde está hoje a Praça Duque de Caxias. Habitavam a região italianos, portugueses e espanhóis, além de migrantes brasileiros, sendo que boa parte desses trabalhadores fixou residência nas imediações do Centro de Imigração. Aos poucos, comerciantes também se instalaram ali, fomentando a movimentação e a crescente ocupação da área, que ficou conhecida por muitos anos como Imigração (BAGGIO, 2005). Como não houve aumento significativo do fluxo migratório, o prédio da Hospedaria dos Imigrantes foi adaptado em 1918 para receber a 59ª Companhia de Caçadores do Exército Brasileiro Em 1924, nova expansão foi feita para receber o 5º Batalhão da Força Pública Mineira que, posteriormente, foi substituído pelo Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais. (BAGGIO, 2005) Segundo Vera Westin (1998), a forte presença dos militares foi essencial para que as famílias se fixassem na área, atraindo assim mais comerciantes e outros prestadores de serviço que ajudaram a povoar o bairro51. A região havia abrigado desde 1896 a 9ª Companhia de Ouro Preto, transferida de lá para a nova capital ainda em construção, marcando a região pela presença militar até os dias de hoje.
50
Relatório da Diretoria de Agricultura, terras e colonização, 1913, p.8. Fundo Secretaria da Agricultura, rolo 10, APM. 51 WESTIN, Vera Lígia Costa. Santa Tereza na construção cotidiana da diferença. 1998. 145f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 1998.
70 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 5 – Quartel do 5º Batalhão da Força Pública.
Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto, 1945/1950
Em princípios da década de 1920, houve crescimento e consolidação da área, com abertura de ruas e quarteirões nas regiões da ex-colônia Américo Werneck e do antigo bairro da Imigração52. Não se pode deixar de falar do “prolongamento da linha da Floresta pela Avenida do Contorno, até o cruzamento da Rua Hermillo Alves” em 1923, principal acesso ao que seria o bairro Santa Tereza. (BELO HORIZONTE, 1924, p. 53).53 Em 1926, já com o nome de “Avenida do Contorno, a linha foi estendida até a Rua Mármore, ainda hoje uma das principais vias do bairro. Uma nota no jornal Estado de Minas do ano de 1928 traz a informação de que os moradores do entorno do 5º Batalhão da Força Pública pediram a mudança no nome da linha do bonde que chegava até a Rua Mármore de “Avenida do Contorno” para “Santa Thereza. ” 54 As referências a partir de então fazem alusão à região como Bairro Santa Tereza. Na literatura sobre o bairro, foram encontradas duas versões para a escolha de seu nome. Segundo Ulysses Baggio (2005), a designação por reivindicação dos moradores teria sido uma sugestão do Capitão José Pinto de Souza, do 5º Batalhão da Força Pública. A escolha estaria ligada a coincidências com o bairro Santa Teresa, no Rio de Janeiro, devido à localização geográfica elevada de ambos e também ao acesso
52
Segundo Relatórios apresentados ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Flavio Fernandes dos Santos. Prefeitura de Belo Horizonte, setembro de 1923 e setembro de 1924. Acervo do APCBH. 53 Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo pelo prefeito Flavio Fernandes dos Santos. Prefeitura de Belo Horizonte, setembro de 1924. Acervo do APCBH. 54 “O Bond Avenida do Contorno passa a chamar-se Santa Thereza”. Jornal Estado de Minas, 31/03/1928 apud GÓES, 2014.
71 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
aos bairros feito por bonde. Flávia Possato (2009)55 confere à chegada da imagem de Santa Teresa D´Ávila para a criação da paróquia a escolha pelo nome. A igreja matriz da paróquia de Santa Teresa e Santa Teresinha teve sua construção iniciada em 1931 no largo onde já se encontrava o antigo Batalhão da Força Pública, defronte a este, tendo sido concluída e inaugurada cerca de trinta anos depois, em 1962. Figura 6 - Igreja Matriz da Paróquia de Santa Teresa e Santa Teresinha
Fonte: Acervo pessoal, 2014.
O perfil dos moradores do bairro foi sendo reafirmado, que contava com imigrantes e suas famílias, pequenos comerciantes que se instalaram ali e militares. No relatório de 1922/1923, o prefeito Flavio Fernandes dos Santos afirma que “lotes tem sido concedidos gratuitamente, e alienados a funccionários e empregados estadoaes e federaes, a officiaes e praças da Força Pública, e a operários (...) (BELO HORIZONTE, 1923, p. 10)”. Segundo Baggio (2005), o bairro já era considerado populoso nos anos 1930, mas poucas de suas ruas eram pavimentadas e serviços urbanos como energia elétrica, rede de água e esgoto, coleta de lixo e transporte público eram escassos. Apesar de constantes reclamações dos moradores, essa situação manteve-se praticamente 55
POSSATO, Flávia Mosqueira. Reconhecer para valorizar: Patrimônio Cultural do Bairro Santa Tereza. 2009. 83f. Monografia (especialização) – Escola de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
72 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
inalterada até a década de 1970. Intervenções de calçamento e iluminação pública principalmente em fins dos anos 1930 e nos anos 1940 foram executadas. Exemplo disso é a Praça Duque de Caxias, demanda dos moradores, que foi inaugurada em 1937 com o nome de Praça de Santa Thereza pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima.56 No mesmo ano, são apresentados pelo prefeito como parte das inaugurações da cidade os serviços finais de pavimentação das ruas do bairro. Figura 7 – Praça Duque de Caxias
Fonte: Acervo pessoal, 2014.
A partir da década de 1930, o bairro alcançou alguma notoriedade na cidade devido a elogios em jornais e folhetins “Santa Thereza é o novo subúrbio que surge, exhuberante de vida social e commercial, attestando os esforços de seus diligentes moradores, confortados pelo apoio material e moral das auctoridades municipaes e estaduaes.” 57. A matéria continua tecendo elogios à região onde o bairro foi implantado, à presença do bonde, ao progresso, ao seu comércio e suas construções. Os reais problemas de infraestrutura não se mostraram como impedimento para o crescimento populacional do bairro e do número de pequenos estabelecimentos, como
56
Relatório de 1937. Apresentado a S. Excia. O Sr. Governador Benedicto Valladares Ribeiro pelo Prefeito de Bello Horizonte. Graphica Queiroz Breyner Ltda. 57 “OS BAIRROS NOVOS”. Jornal Estado de Minas. 31/03/1928 apud GÓES, 2014.
73 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
tinturarias, armazéns de secos e molhados, restaurantes e botequins58. Apesar dessa grande oferta de comércio e serviços, o bairro Santa Tereza manteve o uso predominantemente residencial ao longo do século XX e até os dias de hoje. A maioria das construções até finais da década de 1940 eram residenciais, casas de um ou dois pavimentos, de arquitetura simples, porém buscando seguir os estilos vigentes de cada década – há no bairro exemplares dos estilos Eclético e Art Déco, principalmente. (Fig. 8). Geralmente, com portas e janelas voltadas para a rua, as casas eram construídas ocupando uma pequena porção do lote, ficando o restante como quintal ou disponível para a construção de um barracão ou pequeno galpão. A partir dos 1950, começam a surgir os pequenos edifícios multifamiliares, com grande oferta de lotes e aquecimento do mercado imobiliário, fase pela qual a cidade de Belo Horizonte como um todo estava passando. Já na década de 1980, os conjuntos habitacionais de pequeno porte também passam a fazer parte dos empreendimentos imobiliários presentes em Santa Tereza. Relativamente às obras urbanas, em 1992 foi construído o viaduto José Maria Torres Leal, que liga os bairros Santa Tereza e Santa Efigênia, e em 1994 a estação de metrô entrou em funcionamento. Ao longo dos anos 1990, essas mudanças começam a ser percebidas pelos moradores e usuários do bairro em seu cotidiano e estilo de vida. (BAGGIO, 2005) A crescente densificação da área construída e o aumento populacional podem ser considerados responsáveis por algumas consequências diretas para o bairro, como o recrudescimento do tráfego de veículos e circulação de pessoas. Seus dois novos acessos alteraram significativamente, embora não de maneira definitiva, a paisagem do bairro – seu relativo isolamento geográfico, uma das particularidades do Santa Tereza, foi reduzido, possibilitando que agora o bairro se tornasse também um lugar de passagem e não apenas o destino final das pessoas. Teve princípio, então, um processo de mudanças, ora sutis, ora fortemente perceptíveis, da paisagem do bairro Santa Tereza – sons e imagens característicos, usos tradicionais de espaços, práticas cotidianas e relações entre moradores, ritmo e velocidade da vida. Segundo estudos de Souza, Cajazeiro e Soares (2012)59, o mercado imobiliário voltou-se com certa intensidade para Santa Tereza, bairro pericentral que até então 58
Crescimento, pois desde o período da Colônia de imigrantes a região contava com pelo menos cinco estabelecimentos comerciais, que vendiam produtos variados. (GÓES, [s.d.], p.75) 59 SOUZA, Françoise Jean de Oliveira; CAJAZEIRO, Karime Gonçalves. A singularidade do lugar: a construção de um discurso identitário para o bairro Santa Tereza.
74 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
havia sido relativamente pouco explorado pelo segmento. Os dois novos acessos também exerceram papel importante para ampliar as negociações imobiliárias, se mostraram essenciais nesse momento de exploração do bairro pelo setor. As pressões do mercado culminaram com a inclusão do Santa Tereza como Zona de Adensamento Preferencial (ZAP) nos estudos que estavam sendo conduzidos para a elaboração de um novo Plano Diretor do município de Belo Horizonte. A concomitante proximidade de Santa Tereza ao Centro, à região hospitalar e à Savassi (áreas já saturadas), tornou-o um espaço bastante vulnerável aos interesses do capital imobiliário, vulnerabilidade reforçada com a sua classificação de ZAP (Zona de Adensamento Preferencial) proposta inicialmente pelo Plano Diretor. (BAGGIO, 2005, p. 153)
Moradores e frequentadores do bairro perceberam o quanto as transformações urbanas e o interesse do mercado imobiliário alterariam profundamente a vida e as especificidades do lugar, a paisagem e a vida de Santa Tereza. No ano seguinte, em 1996, estabeleceu-se um forte movimento de resistência, principalmente no que se referia à inclusão do Santa Tereza no Plano Diretor como ZAP. A pressão do movimento culminou no estabelecimento da Área de Diretrizes Especiais (ADE) Santa Tereza. A organização dos moradores em defesa de melhorias e de boa qualidade de vida pode ser percebida em outros momentos da história de Santa Tereza, como foi possível comprovar a partir de relatos de uma dessas pessoas. Em entrevista concedida ao Portal Santa Tereza Tem60, acompanhada pela autora, o senhor Virgílio de Abreu Martins Filho, com 96 anos de idade e 68 dos quais vivendo no bairro, relata reivindicações feitas pela Sociedade Pró Melhoramentos de Santa Tereza, da qual fez parte na década de 1960. Segundo Virgílio, o Mercado Distrital foi implantado no bairro a pedido da Sociedade ao prefeito Aminthas de Barros. O Colégio Tiradentes foi requerido ao governo estadual. Outros exemplos encontrados ao longo da pesquisa são a Associação Comunitária do Bairro de Santa Tereza, fundada em 1983, cujo primeiro presidente foi Mario Giuseppe Tedeschi e o atual é João Bosco; a Sociedade Amigos de Santa Tereza, fundada em 1991 pelo jornalista Luís Góes e um grupo de moradores do bairro; o
____; SOARES, Carolina Pereira. Instrumentos de proteção do patrimônio cultural: um olhar sobre o caso do bairro Santa Tereza. In: ANDRADE, Luciana Teixeira de; ARROYO, Michele Abreu (Org.). Bairros Pericentrais de Belo Horizonte. Patrimônio, Territórios e Modos de Vida. 1ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012. 60 “O Casal Virgílio e Edite, um pedaço da história de Santé”. Portal Santa Tereza Tem. Disponível em: http://www.santaterezatem.com.br/casal-virgilio-e-edite-um-pedaco-da-historia-de-sante/ Acesso em: 19 mar. 2015.
75 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Movimento Salve Santa Tereza, expressivo pela conquista junto ao poder público da inclusão do bairro como Área de Diretrizes Especiais (ADE) em 1996, na tentativa de conter o adensamento previsto pelo Plano Diretor; a Associação de Bares e Restaurantes de Santa Tereza, que congrega alguns estabelecimentos do setor.
Particularidades do Bairro Três características são frequentemente atribuídas ao bairro Santa Tereza em reportagens e matérias jornalísticas, trabalhos acadêmicos, no discurso oficial do poder público municipal e ainda no popular. O imaginário coletivo é constantemente reforçado com os termos tradicional, cultural e boêmio quando há algum tipo de referência ao bairro61. Sua história, paisagem, a maneira como os moradores interagem uns com os outros e fazem uso dos espaços do bairro funcionam como suportes bastante razoáveis para a atribuição dessas três características tidas como primordiais e de outras tantas delas derivadas ou relacionadas, além de serem base de manutenção do discurso sobre o bairro. A matéria urbana forma-se pelo fio condutor da opinião, como transmissor de memórias, uma doxa urbana vagabunda, mutável, transportadora de pedaços, de recordações, tanto históricas, como pessoais, intimamente misturadas à escrita, à escuta, ao momento e aos costumes. (...) e a opinião, como já foi dito, se torna o elemento necessário desta operação de mistura pela qual chegam até nós as condensações dos tempos, essas dobras, esses deslocamentos de nomes que provocam modificações sensíveis na percepção da cidade. (CAUQUELIN, s/d apud BRESCIANI, 1991, p. 13, primeiro grifo da autora, segundo grifo meu.)62
Moradores de Belo Horizonte, não apenas os de Santa Tereza, constantemente reafirmam as características acima mencionadas através do discurso e buscam ainda intensificá-las ao viver experiências no bairro que possam ser descritas como tradicionais, boêmias ou culturais – frequência aos bares e botecos do bairro, aos eventos realizados na Praça Duque de Caxias, como shows gratuitos, carnaval e feiras gastronômicas, frequência às demais praças do bairro, ouvindo música, conversando e 61
“Santa Tereza preserva o romantismo”, Veja Minas Gerais, 1989 “Santa Tereza, um dos grandes redutos da boemia seresteira de Belo Horizonte”, Estado de Minas, 1994; “Santa Tereza: Liverpool em BH”, O Tempo, 1997; “Moradores lutam por preservação do bairro – local tem vida cultural intensa e grandes artistas e Praça Duque de Caxias é marcada pela boemia”, O Tempo, 1998; “Pelas ruas de Santa Tereza – o bairro mais boêmio de Belo Horizonte”, Hoje em Dia, 1998; “Santa Tereza, 100 anos de amor e tradição”, Estado de Minas, 1998; “Santa Tereza reafirma a cada dia sua tradição notívaga”, O Tempo, 2001; “Santê: um roteiro etílico, gastronômico e cultural do bairro e arredores”, Estado de Minas, 2004; “Santa Tereza: reduto cultural de BH”, Estado de Minas, 2004. 62 BRESCIANI, Stella Maria. As Sete Portas da Cidade. Espaço e Debates: Revista de estudos regionais e urbanos, São Paulo, n. 34, p. 10-15. Ano XI, 1991.
76 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
bebendo, numa clara demarcação do espaço público como local do encontro e da sociabilidade.63 Maria Eugênia, moradora do bairro há 15 anos, discorre um pouco sobre suas impressões: É um bairro diferente, parece interior. É escuro, a luz é diferente... [...] Tem identidade, as pessoas têm identidade, são mais focadas no lado cultural. É um bairro cultural porque você convive com vários tipos de pessoas, tem o pessoal do teatro, do cinema. Olha pra você ver, hoje é segunda, isso aqui é uma mercearia, mas é um boteco!64
As memórias, sejam elas vivenciadas ou somente ouvidas e repassadas, ou ainda individuais, familiares ou coletivas, são transportadas e intrincadas de maneira tão complexa e profunda ao bairro, que a opinião das pessoas que mantêm as subjetividades do lugar é um dos principais elementos de percepção em Santa Tereza. (CAUQUELIN, s/d apud BRESCIANI, 1991). É imprescindível investigar um pouco mais as características do bairro acima mencionadas e as práticas que lhes dão sustentação – tradicional, cultural, boêmio. Estão elas profundamente intrincadas à percepção dos sujeitos sobre o bairro e são partes do fundamento da valoração de Santa Tereza como patrimônio cultural da cidade de Belo Horizonte.
REFERÊNCIAS BAGGIO, Ulysses da Cunha. A Luminosidade do Lugar: Circunscrições Intersticiais do Uso de Espaço em Belo Horizonte: apropriação e territorialidade em Santa Tereza. 2005. 221f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2005. BRESCIANI, Stella Maria (org.). Palavras da Cidade. Porto Alegre: UFRGS, 2001. FIGUEIREDO, Betânia G.; MARQUES, Rita de Cássia; SILVEIRA, Anny Jackeline T. (orgs). História da Saúde em Minas Gerais: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Barueri: Minha Editora, 2011. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais. Belo Horizonte, 1997.
63
Foram realizadas entrevistas com moradores do bairro e de outros, mas que frequentam o Santa Tereza, e conversas informais com pessoas nas ruas e bares durante as observações de campo. 64 Maria Eugênia Silveira, moradora do bairro há 15 anos. Anotações de conversa em julho de 2015. A conversa aconteceu durante uma observação de campo e registros fotográficos no bairro Santa Tereza. Maria Eugênia e a irmã estavam passeando com seus cachorros e curiosas com a pesquisa iniciaram uma conversa sobre o bairro e a vida ali.
77 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
GARCIA, Luiz Henrique Assis. Na esquina do mundo: trocas culturais na música popular brasileira através do Clube da Esquina (1960-1980). 2006. 288f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. GÓES, Luis. Bairro de Santa Theresa: formação e história - 1900 a 1960. Belo Horizonte: Editora Luis Góes, [s.d.]. 80 p. GÓES, Luis. Bairro de Santa Tereza, 100 anos. Belo Horizonte: Editora Luis Góes, 1998. GÓES, Luis. BAIRRO SANTA TEREZA: Tradição e História. Belo Horizonte: o autor (publicação independente), 2014 LIRA, J. T. C. Bairro. In: Christian Topalov; Stella Bresciani; Laurent Coudroy de Lille; Hélène Rivière D'Arc. (Org.). A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades. 1 ed. São Paulo: Romano Guerra, 2014, p. 85-100. NEVES, Libério. BH: A Cidade de Cada um: Santa Tereza. Belo Horizonte: Conceito, 2010. PEREIRA, Ana Beatriz Mascarenhas; TICLE, Maria Letícia Silva. Palimpsesto Urbano: camadas da paisagem cultural de Santa Tereza. In: 3º Colóquio Ibero-Americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto. Belo Horizonte: IEDS; MACPS; IPHAN, 2014. POSSATO, Flávia Mosqueira. Reconhecer para valorizar: Patrimônio Cultural do Bairro Santa Tereza. 2009. 83f. Monografia (especialização) – Escola de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009. SOUZA, Françoise Jean de Oliveira; CAJAZEIRO, Karime Gonçalves. A singularidade do lugar: a construção de um discurso identitário para o bairro Santa Tereza; SOARES, Carolina Pereira. Instrumentos de proteção do patrimônio cultural: um olhar sobre o caso do bairro Santa Tereza. In: ANDRADE, Luciana Teixeira de; ARROYO, Michele Abreu (Org.). Bairros Pericentrais de Belo Horizonte. Patrimônio, Territórios e Modos de Vida. 1 ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012. TICLE, Maria Letícia Silva.Tombamento, Registro e Área de Diretrizes Especiais (ADE): instrumentos de políticas de preservação do patrimônio cultural - o Bolão e o bairro Santa Tereza, Belo Horizonte. Anais... In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL POLÍTICAS CULTURAIS, 5,2014. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2014. WESTIN, Vera Lígia Costa. Santa Tereza na construção cotidiana da diferença. 1998. 145f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 1998.
78 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A PARCERIA ENTRE A CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE E O ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE: DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTOS, TRAJETÓRIA E RESULTADOS. THE PARTNERSHIP BETWEEN THE CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE AND THE ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE: DIGITIZING, TRAJECTORY AND RESULTS 65
Thais Marcolino dos Santos66
Resumo Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho realizado por meio do convênio entre a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), especialmente as atividades de digitalização de documentos. Dessa forma, pretende-se mostrar o quanto a cooperação entre as duas instituições traz melhoramentos para ambos os lados, entre eles a estruturação de áreas do arquivo garantindo melhores condições para o recolhimento, a preservação e a guarda dos acervos. Todavia esta cooperação traz também desafios como a necessidade de elaboração de novas técnicas de trabalho. Para tanto será feita uma breve apresentação das duas instituições, as parcerias firmadas e os resultados alcançados. Palavras-chave: Arquivo. APCBH. Digitalização Abstract This paper aims to analyze the work done through the partnership between the Camara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) and the Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), especially the archival digitalization process. Thus, we intend to show that this cooperation brings numerous benefits for the two institutions, including improved working space and better facilities for the documents. It will be presented a brief presentation of the two institutions will be presented, with some of the results of this cooperation. Keywords: Archives. APCBH. Document scanning
Introdução O presente trabalho tem o objetivo de apresentar a parceria entre a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e o Arquivo Público da Cidade de Belo 66
Licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), técnica em Digitalização no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). tatambh@hotmail.com
79 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Horizonte (APCBH), bem como mostrar que os convênios trazem benfeitorias para as duas instituições, para a memória da cidade e para o pesquisador. As parcerias são analisadas, assim como a importância do trabalho do Arquivo para a manutenção dos documentos do município e a sua relevância no cenário histórico-cultural da cidade. Esse artigo tem como foco mostrar o processo da digitalização de documentos no APCBH, os acervos contemplados e o resultado dos trabalhos desenvolvidos. Desse modo, demonstra-se como as atividades executadas pelos técnicos contratados por meio de convênios entre o Arquivo e a CMBH trazem resultados que vão além do trabalho técnico cotidiano executado por esses profissionais em sintonia com os gestores, servidores, funcionários e estagiários do APCBH. Na legislação federal os arquivos públicos são definidos como conjuntos de documentos produzidos e recebidos no exercício das atividades dos órgãos públicos. São ligados aos poderes executivo, legislativo e judiciário na esfera federal, estadual e municipal. No caso de Belo Horizonte, foi definida a existência do arquivo público relativo às funções próprias da gestão do município, ou seja, às funções executiva e legislativa. Portanto, Arquivos são instituições que guardam documentos com caráter probatório, de contexto histórico, administrativo e cultural de uma determinada instituição, proporcionando diversas pesquisas, mas também servem às demandas de comprovação relacionada a um fim individual ou coletivo. Criado em 1991, o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)67 é o órgão da Prefeitura responsável por recolher, guardar, conservar e dar acesso aos documentos produzidos ou recebidos pelas unidades funcionais públicas do município, bem como de documentos privados de interesse público. Usualmente os documentos são produzidos em seus órgãos de origem e, após o cumprimento de sua temporalidade, aqueles de caráter permanente são transferidos ao arquivo público para organização, arranjo, restauração, quando necessário, para então serem disponibilizados ao público. No APCBH encontram-se documentos textuais, revistas, mapas, plantas, projetos arquitetônicos, cartazes, fotografias, filmes, fitas VHS e fitas K7, dentre outros. A instituição mantém ainda uma biblioteca voltada para a história da cidade.
67
Lei n. 5.900, 20 de maio de 1991, que “dispõe sobre a criação do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte”.
80 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Câmara Municipal de Belo Horizonte A cidade de Belo Horizonte não contava com uma Câmara Municipal nos seus primeiros anos, mas com um Conselho Deliberativo. Criado em 189968, este Conselho votava os impostos e decretava as despesas da administração da Capital. No ano de 1931 o Conselho Deliberativo foi extinto69 e criaram-se os Conselhos Consultivos em todos os municípios mineiros. Em 1936 foi criada a Câmara Municipal de Belo Horizonte70, mas com pouco mais de um ano de funcionamento foi extinta71 com o advento do Estado Novo. Somente em 1947 a CMBH foi reestabelecida.72 Nota-se que até 1947 Belo Horizonte, apesar de ter nascido com a República, foi, desde sua fundação, submetida ao poder do Estado, ou seja, não possuía autonomia. Segundo Gomes e Nascimento (2008, p.168): Belo Horizonte, Capital nascida com a República, guarda grande especificidade, pois sua existência como entidade política e administrativa não teve início com a atuação da Câmara Municipal, mas com a ação do governo estadual, consubstanciada na criação da Nova Capital. A cidade foi planejada e construída com o intuito de sediar o poder político mineiro, em substituição à antiga capital do Estado, Ouro Preto.
Desde sua criação o APCBH recebe, por meio de doações, os documentos produzidos pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) a partir de sua fundação em 1947. Todavia, no ano de 2005 a Câmara Municipal e o Arquivo da Cidade fizeram a primeira parceria para o recolhimento do acervo produzido pelo legislativo no período entre 1947 a 2005, ou seja, toda a produção documental dos exercícios da CMBH. Após o recolhimento, o acervo recebeu tratamento arquivístico; organização física e intelectual, acondicionamento e descrição. A partir desse processo foi criado o Fundo73 da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Logo em seguida foi elaborado o primeiro instrumento de pesquisa do Fundo: o inventário do acervo da Câmara Municipal de Belo Horizonte, organizado de acordo com a Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE), publicado em 2008. Em 2007, os dois órgãos renovaram a parceria por meio da assinatura de um segundo convênio para o recolhimento da documentação produzida entre os anos de 68
Lei Estadual nº 275, de 12 de setembro de 1899, que ”Institui na capital do Estado um Conselho Deliberativo eleito pelo povo da mesma capital e contém outras disposições”. 69 Decreto Estadual nº 9.847, de 2 de janeiro de 1931, que “Reorganiza o governo provisório dos municípios. ” 70 Anais da Câmara Municipal de Belo Horizonte, 1936. BR.APCBH//C.14/b.001. 71 Decreto Municipal nº1, de 30 de dezembro de 1937, que “Extingue a secretaria da Câmara Municipal”. 72 Lei nº 28, de 22 de novembro de 1947.Organização Municipal. 73 Conjunto de documentos de uma mesma proveniência.
81 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
2005 e 2008, nessa segunda etapa estava prevista a digitalização dos documentos em papel, além do recolhimento do acervo fotográfico da Câmara Municipal. Foram recolhidos cerca de 6.000 fotografias e 62.000 negativos produzidos no período entre 1990 e 200874. Esse acervo encontrava-se em estado precário de acondicionamento, sem a preservação adequada ou organização, o que impossibilitava o acesso. Os negativos estavam em sacos de lixo e enrolados. As fotografias são especialmente sensíveis às condições ambientais, mas encontravam-se em envelopes dentro de caixas de papelão ou simplesmente soltas, ou seja, em locais impróprios, aumentando assim as chances de se perderem, como pode ser visto nas figuras 1, 2 e 3. Figuras 1, 2 e 3 – Acervo da CMBH no momento da chegada ao APCBH
Legenda: As condições em que fotos e negativos chegaram ao APCBH. Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – APCBH 74
NASCIMENTO, Adalson Oliveira. Relatório Final de Trabalho prestado no APCBH. fev. 2010. Não publicado.
82 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O acervo recolhido foi então higienizado e acondicionado em invólucros adequados, no caso dos negativos em jaquetas75 e armazenado em área de guarda climatizada, como pode ser visto nas figuras 4 e 5. Figuras 4 e 5 – Acervo da CMBH tratado e acondicionado no APCBH
Legenda: Fotografias e negativos corretamente acondicionados no APCBH. Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – APCBH
75
As jaquetas são feitas em polipropileno quimicamente tratado, inerte, livre de ácido, possuem 7 tiras e 6 frames para o acondicionamento dos negativos.
83 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
No início dos trabalhos de digitalização no APCBH, por volta de 2006, não havia procedimentos estabelecidos para a reprodução digital do acervo, além disso, havia problemas estruturais como falta de espaço para os arquivos armazenados em computador. O único escâner do Arquivo era dedicado a digitalização de negativos tamanho 6x6, provenientes do Fundo ASCOM (Assessoria de Comunicação do Município), para a realização do Projeto Cestas da Memória76. Além disso, os técnicos da instituição se esforçavam para atender os consulentes. Em 2008, em grande medida devido ao Convênio com a CMBH e com a atuação da ACAP (Associação Cultural Amigos do APCBH), foi possível montar o laboratório de digitalização da instituição que, no seu início, contava com um escâner Microtek® para transparências e documentos textuais e dois escâneres Kodak i1220®, composto de um módulo rotativo, ou de produção, e uma mesa digitalizadora com capacidade para tamanho até o formato A3. No convênio de 2010, o APCBH conseguiu angariar fundos para a compra dos equipamentos necessários como computadores, escâneres, storages (repositório digital) para a guarda do material digitalizado, entretanto, somente em 2013 com a assinatura do Convênio nº 005/2013 entre as duas instituições foi possível traçar estratégias para tratamento e digitalização de acervos específicos da CMBH, como o sonoro e os livros de grandes formatos, além das contratações de técnicos e estagiários da área que prestam serviço não só para a CMBH, mas também contribuem muito com os projetos e a rotina de trabalho do APCBH. A prefeitura também teve participação ativa nas benfeitorias do Arquivo, o que possibilitou o alcance de melhores resultados no Convênio com a CMBH. Em dezembro 2013, foi inaugurada a nova área de guarda do APCBH, para abrigar documentos do legislativo. Em 2014, após parceria com a Secretaria Municipal de Governo (SMGO), por meio do Programa de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos (PMAT-4) do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), o Arquivo investiu em infraestrutura, possibilitando melhores condições para o tratamento do acervo, incluindo arquivos deslizantes para o melhor acondicionamento dos documentos recebidos, como pode ser visto na figura 6.
76
Projeto do APCBH que identifica, com ajuda de voluntários, especialmente ex-funcionários da PBH, imagens da administração pública municipal para facilitar e agilizar as pesquisas.
84 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 6: Novas estantes deslizantes das áreas de guarda do APCBH.
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
Além disso, o prédio do Arquivo passou por reformas internas, assim como outros equipamentos da Fundação Municipal de Cultura (FMC). Entre as melhorias, destacam-se a pintura da sede e a ampliação do laboratório de digitalização, mostrando que as diversas parcerias desenvolvidas pelo Arquivo, principalmente nos últimos anos, resultam em melhores condições de trabalho e de acondicionamento dos documentos. O trabalho feito com o acervo fotográfico da Câmara Municipal contribui para a preservação da memória do poder legislativo da cidade de Belo Horizonte. Nele há registros dos vereadores eleitos, dos servidores, dos funcionários, das sessões plenárias, das festas das comunidades, do carnaval dentre outros. Encontramos também os vereadores em várias ocasiões informais como em partidas de futebol, em churrascos, em clubes e em festas diversas. Existem ainda, fotos aparentemente particulares, com crianças, idosos e alguns registros com imagens de foro íntimo que não podemos afirmar ser dos próprios vereadores ou dos fotógrafos, pois muitas vezes as pessoas fotografadas não são identificadas. A importância desse fundo se dá na riqueza de informações contidas sobre o cotidiano do legislativo da cidade, pois há abundância de temas a serem pesquisados 85 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
como os assuntos abordados em uma época específica, o perfil dos representantes eleitos, os projetos de leis que eram votados, as reivindicações da população, a participação da comunidade nas votações, a postura dos vereadores frente às reinvindicações, as ações empregadas por eles, as questões sociais vigentes na época, o crescimento e a ocupação da cidade, os partidos políticos e até a utilização dos filmes de uso público para fim privado. De acordo com Manini (2008, p.125.): A fotografia documentária cuja principal característica é ser uma reportagem visual de caráter especialmente – mas não exclusivamente – social funciona, muitas vezes, como um testemunho histórico da ocorrência de fatos, da existência de pessoas e da participação dessas em eventos, além de poder demonstrar imageticamente objetos, artefatos e lugares.
Dessa forma entende-se o valor histórico dos negativos da CMBH, pois neles identificamos os vereadores fazendo uso da sua imagem na fotografia para angariar votos, para divulgar o seu trabalho aos seus eleitores, quando fazem uma pose ou um gesto específico em várias ocasiões, na inauguração de alguma obra, na participação em algum evento comunitário. Percebemos os vereadores fazendo uso da fotografia para comprovar, por exemplo, sua participação nas plenárias, sua presença e trabalho nos eventos da comunidade que o elegeu, ao lado de uma placa de inauguração entre outros. Tudo isso devidamente recolhido, tratado e disponibilizado servirá de fonte de pesquisa para trabalhos acadêmicos, aulas, seminários, apresentações, etc. Além disso, o acervo possui imagens que certamente foram capturadas no âmbito familiar, em festas informais e que por algum motivo estão juntos às fotografias oficiais. Enfim, o acervo fotográfico da CMBH possui extrema importância histórica para a memória da cidade de Belo Horizonte. No entanto, temos que nos atentar para o fato de que só com o recolhimento e tratamento adequado desses negativos junto ao Arquivo Público, é que podemos de fato garantir a segurança da informação contidas nele, afinal: A fotografia só se torna um documento de uso geral, de interesse público coletivo e de importância histórica e/ou cultural quando inserida num arquivo: importará sua origem ou proveniência, a finalidade de sua criação ou produção e será tratada segundo um agrupamento sistemático respeitando a organicidade do fundo a que pertence. (MANINI.2008. p.127.)
86 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Acervo Sonoro A digitalização do acervo sonoro da CMBH merece maior atenção, pois, foram inúmeras tentativas de concretização do trabalho frustradas. O projeto de digitalização de áudio vem sendo elaborado desde o Convênio nº 009/2010, a partir disso foi feito, a pedido do APCBH, pelo Professor Doutor da Universidade Federal de Minas Gerais Arnaldo de Albuquerque um parecer sobre reformatação de gravações de áudio77. Todavia, como o software recomendado para a digitalização de áudio ainda não havia chegado ao APCBH, apesar de ter sido adquirido pela FMC, em novembro de 2014, foi utilizado um software livre, o Audacity, com o objetivo de calcular espaço em disco e fazer testes de compressão. Deu-se início então à elaboração dos primeiros testes de digitalização de áudio, por meio do Convênio nº 005/2013, com o objetivo de reformatar todo o acervo sonoro da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Nesse processo as recomendações da consultoria prestada pelo Professor Arnaldo, foram consideradas. A partir disso um diálogo foi aberto entre os técnicos para definir uma metodologia de trabalho que atendesse aos critérios da digitalização arquivística e as condições físicas do documento e da instituição. Em geral esses acervos são compostos por discos (vinil ou acetato), fitas (microcassete, minicassete e K7) e tapes magnéticos. A Série Registros Audiovisuais de Eventos Diversos, pertencente ao Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte foi produzida entre 1970 e 2010. O acervo é composto por 944 fitas K7, 1089 fitas VHS, 945 rolos, além de outras 100 fitas magnéticas não registradas. Considerando todos os formatos citados o total aproximado em minutos é de 15.000 horas de gravação. Os documentos sonoros possuem uma especificidade, pois a digitalização desse tipo de arquivo exige softwares e dispositivos específicos como vídeo cassetes e gravadores, além disso para o controle de qualidade é necessário ouvido treinado e atento. Desse modo, só após a assinatura do Convênio nº 010/2014 foi possível colocar em prática o Projeto de Digitalização de Áudio. Este ainda tem como objetivo indexar os documentos textuais correspondentes, já digitalizados anteriormente, às sessões gravadas nos documentos sonoros. Assim, será possível oferecer ao consulente acesso rápido ao documento integral, textual e sonoro, do evento pesquisado. 77
ARAÚJO, Arnaldo de Albuquerque. Reformatação de Gravações de Áudio e Preservação Digital. Belo Horizonte: Departamento de Ciência da Computação; Universidade Federal de Minas Gerais. nov.2011. Parecer Técnico.
87 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A Importância da Digitalização Digitalização é o processo de conversão de documento do meio físico para o digital. Já a digitalização arquivística78 tem o objetivo de garantir a máxima fidelidade entre o representante digital gerado e o original. Esse processo está em conformidade com as recomendações e normas específicas do CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos CONARQ, que estabelecem parâmetros para digitalização, armazenamento e conservação do acervo digital. Contudo, a cópia digital não substitui o original que deve ser preservado. Atualmente, de acordo com a legislação vigente, os documentos resultantes de procedimento de captura digital não são considerados válidos para efeitos legais. Devido a responsabilidade do APCBH, o crescimento das tecnologias e também com o crescente o interesse dos pesquisadores, é imperativo a criação de múltiplos mecanismos de reprodução, guarda e acesso. Nesse sentido a digitalização arquivística é importante ferramenta na concretização de sua missão institucional na medida em que: h Produz cópia de segurança ou múltiplas cópias que podem servir a diversas finalidades; h Traz agilidade na recuperação da informação por meio da indexação do conteúdo, se comparada ao suporte físico; h Contribui para a difusão do acervo e da instituição, pois os documentos digitalizados podem ser disponibilizados em bancos de dados arquivísticos na internet; h Possibilita a preservação do documento original ao reduzir seu manuseio; h Permite o intercâmbio de documentos entre instituições. Dessa forma pode-se dizer que a digitalização é um novo suporte para registro de informações, que surge não para substituir o documento original, mas para complementá-lo em suas limitações. No processo de digitalização de documentos arquivísticos para conversão em imagem, é muito importante observar os fatores que possam trazer riscos ao documento original, desde as condições de manuseio, a definição dos equipamentos de captura, o 78
Digitalização adequada às recomendações e normas do CONARQ (Conselho Nacional de Arquivos). Resolução nº 31, de 28 de abril de 2010. Essa resolução visa auxiliar as instituições detentoras de acervos arquivísticos de valor permanente na concepção e execução de projetos e programas de digitalização.
88 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
tipo de iluminação, o estado de conservação, até o valor inerente do documento original, ou seja, o valor que o documento contém devido às circunstâncias de sua produção, suporte, selo ou assinatura. A qualidade da imagem gerada vai depender de fatores como a resolução ótica79, a profundidade de bit80 e os níveis de compressão. A resolução da imagem é definida pelo número de amostras eletrônicas (pixels)81 vertical e horizontal. Os pixels são utilizados para apresentar a imagem que é expressa em pontos por polegada (dpi) ou pixels por polegada (ppi). Assim sendo, quanto maior o número de pixels (sem interpolação)82, melhor a qualidade da imagem digital e consequentemente uma cópia mais fiel do documento original. A profundidade de cor também é um ponto importante, pois representa o número de bits de cada pixel. Quanto maior o número de bits, mais cores são representadas, e maior será a gama de cores que o escâner consegue captar. Quando só há um bit por pixel chamamos de bitonal, somente preto e branco. A definição da resolução para fins de digitalização arquivística tem como objetivo a captura fiel do documento original, ou seja, a resolução ótica maior que a comumente utilizada em reproduções de mercado. A cópia gerada a partir desse processo é chamada de matriz digital (MD)
83
, que deve ser preservada. A partir da
Matriz é possível criar as Derivadas de Acesso (DA)
84
. Assim, com o avanço da
produção de documentos nato-digitais85, a preservação digital torna-se, a cada dia, imprescindível, pela agilidade de expansão, mas acima de tudo um torna-se um desafio, pois o processo de preservar a informação por um longo período e mantê-la acessível exige esforço contínuo devido à volatilidade tecnológica e fragilidade das mídias. À medida que a resolução aumenta, o número de dados capturados e consequentemente o tempo de escaneamento, processamento da imagem e o espaço necessário para o armazenamento também aumentam. Isso quer dizer que os custos para o armazenamento do acervo digital também crescerão. E é exatamente neste ponto que o Arquivo tem encontrado dificuldades, pois executar os trabalhos propostos e consolidar79
A resolução ótica é o que realmente define a qualidade da imagem, a quantidade de pixels que serão capturados na hora da digitalização. 80 Bit é a sigla para Binary Digit, que em português significa dígito binário, é a menor unidade de informação que pode ser armazenada ou transmitida. 81 O menor ponto que forma uma imagem digital. Quanto maior for o número de pixels, melhor a resolução da imagem. 82 Aumento artificial, por meio de software, da quantidade de pixels. 83 Representante digital com alta qualidade de captura que deve ser armazenado e gerenciado por profissionais qualificados e com acesso restrito. 84 Representante digital gerado a partir da Matriz Digital com compressão e menor resolução ótica 85 Documentos nascidos em meio digital.
89 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
se como referência no cenário cultural da cidade enfrentando a carência de recursos e pouco reconhecimento da relevância do seu trabalho é uma tarefa árdua. Nesse sentido, a parceria estabelecida desde 2005 com a Câmara Municipal de Belo Horizonte representou progresso para as duas instituições, pois além de possibilitar a guarda, conservação e disponibilização do acervo da Câmara, permitiu que o laboratório de digitalização do APCBH desenvolvesse técnicas na área baseado nas recomendações da U.S. National Archives and Records Administration (NARA) e do CONARQ, implementando uma rotina de trabalho que favorece e respeita o documento, as instituições e a população. Assessoria de Comunicação de Belo Horizonte Os documentos do fundo ASCOM (Assessoria de Comunicação Social do Município) foram recolhidos pelo APCBH entre os anos de 1993 a 2010 e continua a receber novos documentos dos mais variados formatos e suportes. Os negativos do fundo ASCOM, assim como o fundo CMBH, são fontes privilegiadas para se conhecer a história da administração pública em Belo Horizonte, pois guardam registros das plenárias, audiências públicas, solenidades, visitas, inaugurações, obras públicas, manifestações, eventos culturais entre outros. Dessa forma já estão inseridos em uma rotina de tratamento e digitalização, destarte proporcionam a realização do Projeto Cestas da Memória e alimentam o banco de dados da instituição. Com esse trabalho o APCBH consegue dar ao seu consulente acesso rápido e remoto aos negativos digitalizados. Um dos acervos mais consultados do APCBH o fundo ASCOM, recebe diariamente visita de consulentes dos mais variados perfis, do morador da cidade que necessita de algum documento para um fim burocrático ao estudante e pesquisador para trabalhos e teses. São inegáveis a importância histórica e a riqueza de informações que essas fotografias trazem para a memória de Belo Horizonte. Como já foi dito sobre os usos das fotografias feitos pelos vereadores e prefeitos das sucessivas gestões da cidade percebemos o quanto é interessante e importante conhecer como os governantes usavam esse recurso ao seu favor. Em um dos trabalhos acadêmicos desenvolvidos a partir da pesquisa nos negativos da Assessoria de Comunicação, Mesquita destaca:
90 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
(...) essa forma de discurso seria a marca de toda a gestão de Amintas, que tinha quase obsessão em divulgar seus atos, principalmente através de imagens. Por isso, a produção fotográfica oficial da prefeitura de Belo Horizonte cresceu sensivelmente a partir de seu mandato. Apesar de o setor de fotografia da municipalidade já existir desde, pelo menos, a gestão de Américo Rennê Giannetti, as imagens aumentaram muito de volume a partir da gestão de Amintas. Segundo fotógrafos que trabalharam na prefeitura nesse período, Amintas exigia que fossem tiradas muitas fotos durante eventos oficiais. De acordo com os ex-funcionários, os pedidos eram tão insistentes que frequentemente extrapolavam o estoque de filmes dos fotógrafos. Assim, para evitar uma repreensão, eles tiravam muitas fotos com a máquina vazia. (Mesquita, 2014, p. 447)
No fundo ASCOM existe um grupo de mais de 9.000 negativos que se encontra em avançado estado de degradação, alguns extremamente quebradiços e porosos. Tendo em vista a responsabilidade do APCBH em guardar, preservar e dar acesso aos documentos da administração pública municipal faz-se necessário um grande esforço para evitar que fotografias com informações tão ricas e uma demanda tão grande de consultas se perca por causa da ação do tempo e a forma equivocada que estava sendo acondicionado antes de ser recolhido pelo APCBH. Segundo: O acervo de negativos e outros itens fotográficos provenientes da Assessoria de Comunicação – ASCOM da Prefeitura de Belo Horizonte sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – APCBH, encontra-se acondicionado em invólucros apropriados, envolvidos em papel alcalino e mantidos em sala climatizada. Em vistoria neste mês foi constatado que estes procedimentos não foram suficientes para estabilização da degradação deste acervo. Foi feita uma avaliação das condições físicas por parte do conservador restaurador que elaborou o relatório ora apresentado onde é feita a sugestão de digitalização imediata. (VIGIANO, 2014, p. 01)
Após a contratação dos técnicos foi possível trabalhar também esses documentos. Dessa forma a digitalização desse grupo de negativos em especial impediu que toda essa rica fonte de informações históricas se perdesse, afinal mesmo que o documento físico, apesar de todos os cuidados a eles dispensados, se tornem inutilizáveis devido ao seu grau de degradação as informações neles contidas possuem uma cópia de segurança por meio do processo de digitalização. Considerações Finais Os técnicos contratados no Convênio nº 005/2013 possuem formação nas áreas de história e arquivologia. Foram distribuídos nos setores de acordo com a sua experiência e a necessidade do convênio. Entre os técnicos temos um no Laboratório de Digitalização, um no setor de Pesquisa e Acesso, outro na Descrição de Documentos e
91 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
um na Gestão. Contudo, todos os profissionais contribuem com os demais setores nos trabalhos diários, elaboram projetos e cooperam com os projetos existentes. Dessa forma o trabalho realizado não se limita ao acervo da CMBH, apesar de ser prioritário, mas engloba todos os acervos sob a guarda do APCBH. Isso é fundamental, pois o acervo da CMBH entra em constante diálogo com os demais acervos existentes no Arquivo. Um bom exemplo da integração dos técnicos na rotina do Arquivo é o Programa Memória do Mundo86. O acervo da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) ganhou o título de Patrimônio Documental da Humanidade em setembro de 2015. O processo de elaboração intelectual da candidatura no Programa contou com grande ajuda dos técnicos contratados. Além disso foi possível fazer a digitalização de todos os projetos arquitetônicos da CCNC. No mês de outubro de 2015 o APCBH adquiriu, também por meio do Convênio
nº 005/2013, o escâner planetário ZEUSTSCHEL OS 12002®. Com tecnologia alemã, foi desenvolvido especialmente para a digitalização de livros, mapas, jornais e demais documentos até o formato A2. Além da qualidade da digitalização o escâner possui baixa emissão de luz que diminui o dano aos documentos no processo de reprodução digital. Esse equipamento permitirá a digitalização de vários acervos que ainda não tinham sido contemplados por falta de condições e fragilidade, como os livros do Cemitério do Bonfim e o Fundo Nelson Coelho de Senna. Por meio da parceria com a Câmara Municipal o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte realiza hoje a digitalização arquivística dos negativos pertencentes aos Fundos ASCOM e Câmara Municipal, concomitantemente à digitalização de áudio das sessões plenárias da CMBH. Da ampliação do acesso aos documentos à produção de cópias de preservação, as possibilidades de uso das novas tecnologias têm ampliado os horizontes de atuação do Arquivo que continuará a investir na área junto com seus parceiros, como a Câmara Municipal. É importante ressaltar que além do trabalho realizado especificamente com o acervo textual, fotográfico e sonoro da CMBH, a parceria concretizada entre as duas instituições garante à população de Belo Horizonte o direito ao acesso à informação 86
O Programa Memória do Mundo da Unesco tem por objetivo identificar documentos ou conjuntos documentais que tenham valor de patrimônio documental da humanidade. Estes são inseridos no Registro Internacional de Patrimônio Documental, a partir da aprovação por comitê internacional de especialistas, da candidatura encaminhada pela instituição detentora do acervo.
92 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
sobre a gestão do município, além da preservação da memória histórica e cultural da cidade. Esse tipo de parceria é benéfico ainda no quesito financeiro, pois como sabemos por se tratar de uma instituição pública e voltada para um fim cultural, lamentavelmente, nem sempre é possível contar com as verbas repassadas pelo executivo municipal. Nesse sentido a parceria entre as instituições é primordial para angariar fundos para a compra de equipamentos e mobiliários que garantem a execução do trabalho e o recolhimento não só do acervo da CMBH, mas também de outras instituições municipais que estão sob a guarda do APCBH são do interesse de toda a população, ou seja, a ampliação do escopo dos trabalhos, abarcando outros acervos e serviços. Dessa forma, a ressalva a ser feita é quanto à manutenção desses convênios. Os inúmeros trabalhos e cooperações citados podem simplesmente deixar de existir na troca da gestão das instituições. O trabalho do Arquivo é infinito, tendo em vista que as instituições públicas do executivo municipal em tempo algum deixarão de produzir documentos e consequentemente o APCBH terá que recolhê-los. Todavia, para esse trabalho continuar entre os poderes executivo e legislativo, é necessário um termo oficial de cooperação. Sendo assim a manutenção desses convênios e a elaboração de novos de acordo com a necessidade das instituições parceiras é de fundamental importância, ou todo esse trabalho poderá ser interrompido. REFERÊNCIAS ARQUIVO NACIONAL (Brasil). NOBRADE, Norma Brasileira de Descrição Arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/download/nbda200512.pdf. Acesso em: 03 set. 2015 ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Resolução n. 31, de 28 de abril de 2010. Dispõe sobre a adoção das Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes. Disponível em:http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/images/publicacoes_textos/Recomendacoes_digitalizacao_ completa.pdf. Acesso em: 04 set. 2015. ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Inventário do Fundo de Assessoria de Comunicação do Município 1947-2010. Belo Horizonte: APCBH, 2011. ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Inventário do acervo da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte; Câmara Municipal de Belo Horizonte, 2008. BELO HORIZONTE. Lei 5.899, de 20 de maio de 1991. Dispõe sobre a política municipal de arquivos públicos e privados e dá outras providências, 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm. Acesso em: 10 set. 2015.
93 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Anais da Câmara Municipal de Belo Horizonte de 1936. Belo Horizonte: [s.e], 1936. (APCBH: C. 14 / b – 001). GOMES, Maria do Carmo Andrade; NASCIMENTO, Adalson de Oliveira. A preservação documental na esfera do poder legislativo: a experiência do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Cadernos da Escola do Legislativo, v. 10, p. 157-190, 2008. MANINI, Miriam Paula. A fotografia como registro e como documento de arquivo. In: BARTALO, Linete; MORENO, Nádina Aparecida (org.). Gestão em arquivologia: abordagens múltiplas. Londrina: EDUEL, 2008, pp. 119-184, MESQUITA, Yuri Mello. Água para governar, água para se eleger: políticas de saneamento e de desenvolvimento urbano em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil (1955-1965). Revista de La SOLCHA HALAC: História Ambiental Latinoamericana y Caribeña, Belo Horizonte, v.III, n.2, p.421-466, mar/ago 2014. Disponível em: http://goo.gl/7DiSFd. Acesso em: 15 out. 2015. NARDINO, Anelise Tolotti Dias; CAREGNATO, Sônia Elisa. O futuro dos livros do passado: a biblioteca digital contribuindo na preservação e acesso às obras raras. Em Questão: Comunicação e Informação, Porto Alegre, v. 11, n.2, p. 381-407, jul. /dez.2005. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/view/126. Acesso em: 23 out. 2015. PEREIRA. Maria Juvanete Ferreira da Cunha. O Arquivo Público enquanto lugar de memória. Em tempo de histórias, Brasília, n.10, p.94-116. Disponível em: http://goo.gl/2rvB7v. Acesso em: 20 set. 2015. VIGIANO, Demilson Malta. Relatório com justificativa para o imediato processo de digitalização dos negativos e outros itens fotográficos da coleção ASCOM. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Mar. 2014. Original não publicado.
94 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NA ESCOLA: MÉTODO DE SE RECONHECER PESSOAS E LUGARES COMO REFERENCIAIS. A PATRIMONIAL EDUCATION EXPERIENCE AT SCHOOL: METHOD OF RECOGNIZING PEOPLE AND PLACES AS REFERENCE. Luiz Divino Maia8788
Resumo Este artigo trata de uma experiência em Educação Patrimonial, realizada na Escola Municipal Dinorah Magalhães Fabri, localizada na Vila Cemig, divisa com Conjunto Esperança (região do Barreiro) e motivada pelas obras de reforma da bacia do Córrego do Bonsucesso. Ao longo do texto, a abordagem se concentra nas atividades – com seus recursos metodológicos – e nas discussões desenvolvidas na experiência, que se baseou na compreensão do Patrimônio Cultural e na relação dos participantes com os bens culturais da localidade onde vivem, seus valores e lugares. Palavras-chave: Educação. Patrimônio. Bens Culturais. Abstract This article deals with an experience in Patrimonial Education, held at the Municipal School Dinorah Magalhães Fabri, located in “Vila Cemig”, bordering with “Conjunto Esperança” (“Barreiro”, region) and motivated by the works of reform of “Córrego Bonsucesso”. Throughout the text, the approach focuses on activities – with its methodological resources and discussions developed in the experiment, which was based on the understanding of Cultural Patrimony and the relationship of participants with the cultural property of the locality where they live, their values and places. Keywords: Education. Patrimony. Cultural Property.
Introdução Projetos de Educação Patrimonial, além de interagir com condições e contextos específicos, devem ter conexão com os “atores” inseridos numa determinada localidade; necessitam também pautar-se na atenção à criação cultural e na convicção do permanente desenvolvimento do sujeito, de uma específica realidade, com seus atos cotidianos; sujeito inserido em seu meio e integrado às transformações locais, pois somente assim “(...) a educação patrimonial passa a ter uma função estruturante na 87
Graduado em História e mestre em Antropologia Social.
95 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
formação do cidadão: promover, a partir do meio, sobre o meio e para o meio, a percepção da importância de preservar nosso patrimônio cultural (RANGEL, 2002, p. 16)”. Para a elaboração deste projeto, pautou-se num contexto em andamento das obras de reforma do Córrego Bonsucesso, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. A relação foi com o Programa de Drenagem Urbana e Saneamento (Drenurbs)
89
,
programa instalado há algum tempo na localidade, num processo bastante avançado, com ações de interação e vínculo com a comunidade. Além disso, considerou-se que as pessoas da localidade, das imediações, estão propensas ao entendimento e compartilhamento da experiência patrimonial, que, em última instância, está fincada na preservação de seus lugares, bem como em sua transformação, e nas suas próprias práticas culturais. Para explicar a obra na região, compreender suas ações e não tornar a explicação institucional demais, o programa Drenurbs, como “ação de contrapartida”, considerou relevante que fossem realizadas atividades de Educação Patrimonial com a população circundante (ao menos, com parte dela, de caráter mobilizador, em princípio), para o alargamento da compreensão do empreendimento e para a percepção de sua inserção no meio social local e para também contextualizá-lo numa linguagem para além da obra em si. A linguagem do projeto, aliás, deveria estar comprometida com os valores, lugares, práticas, modos locais, pois, o que o trabalho de Educação Patrimonial deve sempre buscar alcançar - nos que nele se envolvem - é a construção de um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural.
89
Programa de saneamento implementado pela Prefeitura de Belo Horizonte à Bacia do Córrego do Bonsucesso, que percorre vários bairros do Barreiro, como o Bonsucesso, Conjunto Ferrara, Vila Cemig, Conjunto Esperança e outros. O objetivo do programa, de modo geral, é o controle e recuperação dos recursos hídricos naturais, na busca da valorização das águas existentes no meio urbano.
96 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 1 – Programa de Aceleração do Crescimento – PAC2/PBH – Meta 1
Legenda: Vista área do percurso do Córrego do Bonsucesso Fonte: imagem retirada de material de divulgação da Drenurbs.
Assim, foram feitos os contatos para a efetivação do projeto, que ocorreu entre os dias 04 de abril a 07 de maio de 2015, na Escola Municipal Dinorah Magalhães Fabri, na divisa da Vila Cemig com o Conjunto Esperança (Barreiro), lugares próximos ao Córrego do Bonsucesso. As atividades se basearam nas “heranças culturais” dos participantes, adultos e adolescentes - alunos e professores da escola. Aliás, essa escolha se deu pela convicção de que “a escola é o lugar para efetivar a educação patrimonial. Dela fazem parte os atores necessários à consecução do resultado pretendido” (RANGEL, 2002, p.18). Em relação às atividades específicas dos projetos de Educação Patrimonial, é pungente a necessidade de se refletir – e refazer sempre – sobre os temas ligados ao Patrimônio Cultural, que, por sua vez, não podem ser entendidos como uma “peça de museu, apartada do cotidiano das populações, mas como instrumento de construção viva das realidades pessoais e de seu entendimento do mundo” (CARSALADE, 2002, p. 76). Assim, na experiência ora apresentada, foram realizadas apresentações sobre o significado do conceito e a sua relação com a comunidade da Vila Cemig e do Conjunto Esperança, onde residem os participantes. Para deixar as coisas mais claras, foi feita uma dinâmica relacionada ao livro 1001 Razões para se Gostar do Brasil
90
, pois,
90
A dinâmica foi realizada assim: cada participante foi convidado a falar um número e o “patrimônio” (afetivo, musical, literário, belezas naturais, culinária...) relativo a esse número era lido para todos
97 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
conforme seu autor, existem “1001 itens de coisas legais sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro” (CAMACHO, 2003, p.6). O intuito foi o de apresentar o patrimônio, tendo como base a miríade de exemplos sobre a temática e sua infinda abrangência no Brasil. As atividades mais recorrentes ao longo dos dias foram a exibição de fotos, em PowerPoint®, com imagens relacionadas aos conceitos discutidos e apresentados e algumas oficinas, como a denominada de “Memória e Patrimônio”
91
. O desígnio foi o
de relacionar o Patrimônio Cultural com questões vinculadas à existência social dos participantes - e as implicações dessas questões na formação e vivência de cada um. Os efeitos da Educação Patrimonial – o patrimônio como referência. Para que oficinas de Educação Patrimonial tenham efeito, faz-se necessária a percepção dos espaços e dos lugares como referência cultural, ligados à prática diária e em constante transformação, pois “se os lugares podem ser conceituados em termos das interações sociais que agrupam, então, essas interações em si mesmas não são coisas inertes, congeladas no tempo: elas são processos” (MASSEY, 2000, p. 184). Nesse sentido, os participantes recorrentemente foram instigados à apresentação de exemplos de lugares, valores e costumes intricados em suas ações cotidianas, que acompanham as transformações de suas experiências sociais. Todavia, ao menos no início dos trabalhos, a compreensão não foi por esse viés, pois, os exemplos mais lembrados foram: Rua do Pomar (no Bairro das Indústrias), Praça da Liberdade, Praça Sete, Pampulha, Cristo Redentor (Bairro Milionários), Forró (dança). Em suma, locais e valores constituídos e que não fazem parte – diretamente – do contexto de vida dos participantes. Com o tempo, quando a questão foi novamente proposta, os “bens culturais” apresentados passaram a estar em consonância direta com a realidade dos participantes.
91
A dinâmica “Memória e Patrimônio” assim ocorreu: distribuição de papéis para que todos anotassem seus nomes, endereços, cidades de nascimento, as datas de aniversário e os nomes dos pais. Depois, cada um deveria entregar algumas das respostas ao responsável pela dinâmica (03 delas). Então, foi feita uma pergunta sobre uma questão relacionada às anotações – e somente seriam dadas as que contivessem respostas. Se não houvesse, por exemplo, o nome, quando fosse lhe indagado sobre isso, o participante não teria resposta – ou então ele responderia não ter nome. O desígnio foi o de gerar reflexão sobre a importância dos tópicos abordados e as implicações disso se não se houvessem os tópicos na vida de cada um.
98 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 2 – Primeiros encontros das Oficinas de Educação Patrimonial.
Legenda: Escola Municipal Dinorah Fabri Magalhães. Fonte: Acervo Pessoal
Por se tratar de uma experiência normalmente extracurricular, interdisciplinar, uma das características da Educação Patrimonial é a volatilidade dos participantes – e os adeptos e organizadores precisam conviver com essa situação. Assim, o acolhimento dos novos integrantes costuma ser uma situação corriqueira. No caso dessa experiência, um dos grupos inseridos (por um tempo) foi uma turma do “EJA Múltiplas Idades”. Inclusive, foi uma das partícipes desse grupo que fez uma observação deveras sagaz – a da relação entre a ideia de patrimônio com o conceito de “referência” -, um ponto bastante útil aos encontros por vir e relacionado à ideia do “processo de descoberta” dos envolvidos, ponto capital dos projetos de Educação Patrimonial. Abrangendo o conceito de “referência”, como aquilo que une a comunidade e que faz parte da história e do cenário local, os participantes – principalmente os que eram moradores mais antigos - foram convidados a apresentar alguma “referência” que outrora existia na região. O desígnio da motivação à lembrança ancorou-se na ideia, tirada de Maurice Halbwachs (2006), de que o olhar sobre a cidade é uma experiência de se notar o que não mais existe. Nesse momento, foi lembrado um lugar existente na Vila Cemig - a “biquinha” - que, segundo uma moradora, num dos dias, era um filete de água, um córrego, que havia na região e que servia para lavação de roupas e para se buscar água para as casas. O local ainda era adequado para “jogar conversa fora”, ficar à 99 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
toa. Outra participante fez referência a uma “mina” (não se soube se essa e a “biquinha” eram a mesma coisa) que existia na comunidade e que servia para o lazer – nadar e tomar cerveja. Outra premissa relacionada ao público volátil em encontros de Educação Patrimonial é o fato de que os temas costumeiramente precisam ser retomados. Retomada que pode vir com revisões de propostas, métodos e de ideias, pois o conhecimento é um processo que se dá pela repetição, calcado nos recuos e avanços, nas revisões, não necessariamente nessa ordem. Por isso, um método antigo, mas indispensável, foi – ainda que breve – a reapresentação das atividades, com novas reflexões sobre Patrimônio Cultural e com outros exemplos relacionados ao tema. A abordagem pertinente às “referências” e sua afinidade com a ideia de Maurice Halbwachs (2006), anotada acima, de que o olhar sobre a cidade é uma experiência de se notar o que não mais existe, foi redirecionada a uma considerável discussão: mais importante que a impermanência é a transformação das coisas. Nesse aspecto, outro ponto levantado foi o da transformação dos lugares e de sua estreita ligação com o contexto de uma determinada época e condição social. Para isso, parte do texto de Myriam Lins de Barros, “Gênero, cidade e geração: perspectivas femininas” (2006), que trata da experiência de mulheres idosas em viver na cidade e a percepção delas das transformações urbanas relacionadas às suas vidas, foi aludido. Outra obra citada foi a de Eclea Bosi, Memória e Sociedade – Lembranças de velhos (1994), que trata da relação das lembranças individuais dos idosos com o Patrimônio Cultural. A referência a essas obras foi uma tentativa de dar profundidade teórica aos temas levantados. Os relatos dos idosos, contida na obra de Bosi (1994), por exemplo, foram vistos como “arte de narração”, situação em que florescem os marcos históricos e as referências patrimoniais; os relatos foram vistos sob a égide da percepção dos sinais presentes e ausentes do tempo. Depois disso, o espaço foi aberto à discussão da memória como mecanismo de compreensão do espaço urbano e de suas transformações. A existência da “biquinha” e da “mina”, mencionadas acima, por exemplo, foram conectadas ao período de falta de água na região. As condições locais eram outras. Para aprofundar as coisas e trazer os pontos levantados para uma perspectiva mais contemporânea, cada participante foi convidado a apresentar o que considerava como sua atual referência patrimonial, que
100 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
poderia ser relacionada à “biquinha” e à “mina”. Nesse momento, os jovens, sentindo-se também motivados a interagir com as questões propostas, apresentaram exemplos, como o Parque das Águas (Bairro Flávio Marques Lisboa), o campinho, a pracinha e o cruzeiro, lugares, como os de outrora, de encontro e de lazer. Outros encontros e outros lazeres. Com isso, a questão de o Patrimônio Cultural congregar interatividade passou a ser refletida de modo mais constante. Para isso, os participantes foram convidados a apresentar exemplos do patrimônio local e a interface deles (os participantes) com esse patrimônio. De início, houve relutância, pois muitos não entenderam que a Vila Cemig e o Conjunto Esperança tivessem algo que os dignifiquem a ser considerados sob esse prisma. Mas, com o tempo, foram surgindo exemplos, alguns curiosos, como o caso de uma participante que citou a sua casa como patrimônio, “lugar de relíquias”. Outra vez uma menção foi apreciada, incentivada, pois, foi notório, pelo seu semblante, que, com a citação, no contexto da questão proposta, a participante havia “descoberto” que chegara a uma espécie de “reconhecimento” a partir de sua realidade. Com daquilo que ela tem fortes laços de afetividade e de identidade. Trata-se, sem dúvida, do que Ferrari (2002) definiu como o primeiro passo para se chegar a uma “consciência preservacionista”. Figura 3 – Vista Parcial do Conjunto Esperança.
Legenda: Conjunto Esperança. Ao fundo, nota-se início da área verde que circunda a localidade. Fonte: Acervo Pessoal
101 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A partir daí, foi perceptível o envolvimento de todos de modo mais constante. Com isso, chegou-se a discussão em relação à paisagem local, dos verdejantes montes (montanhas) que circundam os bairros; paisagem distante e próxima, mas que, ainda que não tenha uma “utilidade” prática (e o patrimônio cultural não precisa ter sempre esse tipo de utilidade), foi entendido por todos que deve ser valorizado, ser digno de nota, em razão de sua beleza exuberante. As discussões e os exemplos em relação ao Patrimônio Cultural instigaram uma miríade de possibilidades discursivas e de integração patrimonial. Sem dúvida, um componente relevante nesse processo é a questão da música. Ainda mais no Brasil, país musical por excelência, que tem as canções como sua fonte inspiradora; canções capazes de despertar a memória e o entendimento da História (e da história cotidiana), o passar do tempo, a revisão das experiências outrora vividas. Pautado nessa premissa, “Saudosa Maloca”, (composição de Adoniran Barbosa e cantada por João Bosco), que trata da intricada questão da transformação do cenário urbano e das implicações que isso traz à vida do sujeito, foi tocada em CD (de 2003), ouvida e revista no processo em vigor de (re)construção de conhecimento na experiência de Educação Patrimonial. O momento da temática musical apresentou-se propenso à apresentação – e distribuição - de colagens de imagens (de jornais). Os recortes com imagens e, em alguns deles, pequenos textos de conflitos internacionais, de ação irresponsável de motociclistas, de descuido ambiental, de uma amostragem de frota de carros, dentre outros, foram distribuídos para que houvesse uma discussão em grupo. Seguem alguns apresentados: •
Imagem de motociclista trafegando por uma passarela, abordada sob o prisma da irresponsabilidade com o outro; espaço público (passarela) foi entendido como usado em desacordo ao seu uso original; tema levantado: falta de espírito público.
•
Imagem de um cenário de destruição (de casas e de prédios) causado pela guerra (conflito internacional). As guerras foram vistas como exemplos de destruição dos lugares simbólicos da localidade atacada.
•
Imagem do Rio Arrudas com enchentes. Na discussão, houve a percepção do rio como marco para Belo Horizonte. Para muitos, o fato dele ter sido coberto com
102 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
asfalto, no projeto de ampliação da Av. dos Andradas, causou problemas para os moradores mais próximos, pois aumentou o mau cheiro no local. •
Imagem da Praça da Estação, com o Museu de Artes e Ofícios ao fundo. O museu foi lembrado como espaço de preservar atividades, como mecanismo de memória, de valorização do passado; a praça como lugar de interação e participação popular. Ainda em relação à guerra, foi proposta a seguinte reflexão: se houvesse conflito
armado no Brasil, em Belo Horizonte, por exemplo, qual local seria atacado? (Essa questão foi levantada, pois, conforme alentado, o simbolismo de um ataque não pode ser desconsiderado, em sua premissa de deixar marcada e difundida alguma ação indubitável de destruição). Os locais lembrados foram: Mineirão, Praça da Liberdade, Lagoa da Pampulha, Praça Sete... Ou seja, “grandes” lugares da cidade. Voltando à questão da música, um contumaz instrumento para se refletir sobre a cidade e seus lugares – ou seus lugares destruídos e/ou transformados - foi executada, em CD, outra: “Chegadas e Partidas” (voz de Maria Rita, composição de Milton Nascimento e Fernando Brant). Nesse caso, a canção serviu de mote para a compreensão da relação do patrimônio com as condutas cotidianas, os encontros e os fazeres que, repetitivos (“a vida se repete na estação”, conforme verso que consta na referida canção) servem para se pensar a vida e o usufruto do patrimônio. A execução da música foi favorável também para se pensar a “estação” (Ferroviária) como bem material, reverberante, lugar de possibilidade, de construção e desconstrução de relações fincadas na experiência humana. A música conveio também para se perceber modos diferentes de se pensar a realidade: nada se repete na estação (na vida) ou tudo se repete, mas sempre como experiência nova. Nessa etapa, foi apresentado um vídeo, da história em quadrinhos, “As Sombras da Vida” (2002), do personagem da pré-história, Piteco, de Maurício de Souza. O tema abordado na tirinha foi inspirado no “O Mito da Caverna”, de A República, de Platão. Eis a história apresentada: três homens são encontrados pelo personagem principal dentro de uma caverna, olhando absortos e entusiasticamente as sombras nas paredes, sem saber que, de fato, o mundo “de verdade” acontecia do lado de fora da caverna; os personagens, desafiados por Piteco (crítico à visão errônea deles), ruidosos, perseguem o herói e, inadvertidamente, saem da caverna. Num primeiro instante, aturdidos pelo 103 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
clarão do sol, eles se assustam, mas depois, se encantam com o mundo “real”, com as belezas naturais, as cores e as pessoas à luz do dia. Na continuidade da história, foi mostrada a passagem do tempo (a estratégia usada foi elíptica, com Piteco, em cada quadrinho, com roupas diferentes, que representam o homem em diferentes épocas) até seu encontro com outros homens “presos” em casa (a nova “caverna”), defronte às imagens televisivas, também absortos, numa situação tão alienante quanto à daqueles que ficavam fitos e inertes com os olhares fixos nas paredes da caverna. Figura 4 – Recorte da tirinha do Piteco - “O Mito da Caverna”, de Platão.
Legenda: Recorte da tirinha do Piteco, personagem de Maurício de Souza, que traz sua livre representação de “O Mito da Caverna”, de Platão. Fonte: Acervo Pessoal.
O exemplo da história em quadrinhos foi o estopim para que se concebesse uma discussão sobre o que está fora da “caverna”. Ou seja, o que faz parte do Patrimônio Cultural e que está ao redor de cada um; os bens culturais usufruídos. Os participantes, conclamados a apresentar o que costumam ver fora da “caverna” (do espaço onde vivem), apresentaram como exemplos o “verde”, os morros, a paisagem, o Parque das Águas e outros. Enfim, apegaram-se a imagens “próximas” das encontradas pelos homens dos quadrinhos, quando saíram na caverna. Desse modo, a ocasião foi pertinente para que se pudesse abordar a questão da imaterialidade do Patrimônio Cultural, que, assim, pode ser definido, de modo mais amplo (e que foi apresentado, em linhas gerais, aos participantes):
104 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A própria cultura material torna-se significativa não pelo produto que gera pura e simplesmente, mas pelas práticas que possibilitam a sua produção, os modos de vida e organização social que as geram. Desse modo, as festas, rituais e celebrações, as formas de expressão diferenciadas, os modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades, os lugres onde se concentram e reproduzem práticas coletivas são práticas culturais que se tornarem passíveis de se tornar patrimônio, i. e., de se atribuir valor e significados que amalgamam grupos. Mas também essas práticas culturais estão intrinsecamente relacionadas a uma territorialidade e a uma concretização, no tempo e no espaço, ainda que dinâmicas, em movimento e, por vezes, voláteis ou fugazes (CHUVA, 2002, p. 85)
Nesse momento, uma participante afirmou que existe uma característica bastante peculiar das pessoas da sua comunidade, a de manterem constantes e próximos contatos entre os vizinhos. Um atributo, sem dúvida, relacionado – como aludido acima e aos participantes – à observação de Halbwahs (2006) de que é na observação da cidade que se pode perceber aspectos de outrora, o que, no caso, deve ser vinculado às características interioranas da população, ainda mantidas. A localidade, conforme informado, é marcada pela presença de muitas pessoas provindas do interior de Minas Gerais. Como confronto ao apontado acima (e como reforço ao aspecto da singularidade da Vila Cemig e do Conjunto Esperança em relação ao patrimônio imaterial), houve a recorrência a um ponto abordado por Georg Simmel (1973). Ou seja, a de que a impessoalidade é uma das características da grande cidade, em razão do espírito objetivo dos cidadãos. Trata-se da forma (impessoalidade) das pessoas manterem suas liberdades, em contração ao mundo das cidades interioranas. Simmel expõe a atitude blasé e de reserva que os cidadãos metropolitanos se encarregam de se portar para conviverem num espaço mútuo com outros. Em suma, de acordo com o autor, “[...] a metrópole é o genuíno cenário dessa cultura que extravasa toda a vida pessoal” (SIMMEL, 1973, p. 23). Educação Patrimonial – atividades práticas. Projetos de Educação Patrimonial, para tratar das questões teóricas, precisam propor atividades que as corroborem. No caso deste, uma delas foi a de que se formassem grupos e que cada um, de quatro ou de três membros, desenhassem num papel kraft e/ou reproduzissem por escrito o que entenderam das discussões empreendidas até o momento. No início, houve receio. Depois, com incentivo de que fizessem e apresentassem da forma que melhor lhes conviessem – com a ressalva de que 105 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
não haveria avaliação – todos se sentiram à vontade para expressar suas representações “pictóricas”. Assim, os trabalhos foram executados e, depois, apresentados os resultados alcançados, com explicação de cada um deles, com referência a lugares, como a supracitada “biquinha”, a “mina” e o cruzeiro, além de algumas casas e outras referências locais, além das menções ao “O Mito da Caverna”, de Platão, mostrado no quadrinho de Maurício de Souza. Talvez pelo alívio do entendimento da proposta ou pela sensação de sentirem-se preparados, após cada apresentação, houve aplausos entusiásticos de todos. A condição de se sentir capacitado é um valioso instrumento de aprendizagem. Figura 5 – Apresentação do trabalho da oficina de Educação Patrimonial.
Legenda: Responsável pelos encontros de Oficina Patrimonial, Luiz Maia (camisa azul) Fonte: Acervo Pessoal
A estratégia de retomada das discussões, com resumo dos temas abordados, foi um processo constante. Por isso, no início de um dos dias, foi considerada como apropriada a apresentação novamente do vídeo referente a tirinha do personagem Piteco. O que se almejava era o alcance de novas reflexões e revisões. Em seguida, era feito o seguinte questionamento: o que foi visto fora da “caverna” naquele dia? As respostas dadas foram, predominantemente, voltadas para os aspectos da natureza do lugar, como árvores e as matas. Diante disso, talvez seja oportuno ressaltar novamente que as pessoas fizeram relações diretas do vídeo com referências locais, ligando-a aos aspectos vinculados no universo retratado na tirinha, ou seja, os bichos e a natureza.
106 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Em seguida foi apresentado um vídeo internacional, “Piano Stairs” (2009), que mostra pessoas subindo uma escada, de uma estação de metrô (que um dos presentes identificou como um Shopping Center, pelo fato de ter notado a escada rolante ao lado da escada “normal”, não rolante, mas era de fato a estação Odenplan Stocklolm, na Suécia – que, por ser subterrânea, não foi percebida como tal pelo participante). O vídeo apresenta a montagem de uma escada, como se fosse um piano – cada degrau, uma tecla. Em seguida, são mostrados os transeuntes, na azáfama diária, subindo os degraus; em cada passo dado, sai um som, como se cada degrau fosse tecla de piano. Nessa toada, de acordo com as imagens, parece que as pessoas passaram a preferir subir a escada montada, a despeito da existência da rolante. O som que constroem motiva-os para a preferência. As subidas passam a ser lentas, feitas de idas e vindas, entusiasmadas, feitas para a produção de uma melodia. O aprendizado com o vídeo foi a percepção da existência da relação das diversas ocupações dos espaços públicos, ocupações que podem ser diferentes das suas funções “originais”. Ocupações mais lúdicas, por que não. A etapa seguinte seria para que se fizesse uma tentativa de trazer para o centro dos debates a relação inextricável entre vida privada e social, a partir da percepção do patrimônio inserido na experiência cotidiana. Mas, para isso, seria necessário o atendimento de uma proposta previamente combinada: a de se trazer de casa algo que retratasse a vida em comunidade, que poderia ser uma foto, um objeto, uma carta..., mas não houve atendimento a essa proposta. Diante disso, uma das participantes pediu a permissão (no que foi atendida) para mostrar a todos uma flor de crochê avermelhada que tinha consigo, feita de modo artesanal. E foi uma boa iniciativa, pois, com isso, foi aberta uma discussão sobre ofícios e a sua relação com a realidade e com as outras pessoas (todo trabalho e, antes de tudo, social). Além disso, a experiência serviu para uma reflexão sobre as mudanças e a extinção de ofícios; um fenômeno vinculado às permanentes transformações em curso na cultura e na história humana. No método de retomada constante de temáticas, houve outra vez, em outro momento, a apresentação de um vídeo institucional da Drenurbs sobre o Córrego Bonsucesso e as obras em execução na região da Vila Cemig e do Conjunto Esperança. Depois da exibição do vídeo, inspirados, os participantes se puseram a comentar sobre os lugares mostrados e as pessoas conhecidas por eles presentes no vídeo, ainda
107 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
que a passagem das imagens tenha sido célere e fugazes, pois o vídeo foi feito por drone. Mais do que tudo, as manifestações deixaram evidente que os participantes do projeto conhecem profunda e detalhadamente o lugar onde vivem. Essa discussão foi propícia para que, outra vez, fosse feita menção ao cenário urbano, entendido como em transformação constante. Inclusive, essa alusão foi oportuna para que houvesse a exposição e leitura de trechos de um trabalho desenvolvido na escola, no ano de 2006, coordenado por um professor de Geografia, que teve como premissa as percepções dos alunos, daquela época, em relação às mudanças espaciais da região. Como fundamento, as histórias de vida. Os apontamentos foram cotejados com os dos tempos de outrora, quando esses alunos passaram a residir na localidade (anos 80, a maioria). A apresentação do trabalho pedagógico foi útil para a proposta de se captar relatos de modos de vida atuais dos moradores da Vila Cemig e do Conjunto Esperança. Um ponto merece consideração. O fato de os participantes narrarem que residem há décadas na localidade serviu de motivação para que eles fossem inquiridos sobre suas percepções em relação às mudanças na região, nas casas, ruas, paisagem, etc. Um dos exemplos expostos foi o da construção de uma nova igreja na localidade. Houve também alguns problemas apontados, como o da relação do tráfico de drogas com as guerras de gangues: da Vila Cemig contra as do Conjunto Esperança. Embora houvesse a ressalva de que essa guerra está em processo de diminuição progressiva. Como corolário do fenômeno da violência, foi proposto que fosse feita a correlação entre o tráfico com as transformações no cenário local. Não houve retorno. Refazendo a questão, foi sugerido que se fizesse menção às coisas que a guerra pelo tráfico não foi capaz de destruir na comunidade, as permanências, sustentado pela supracitada premissa de Halbwachs (2006) de que é na cidade de hoje que um observador percebe muitos fatos de outrora. Nesse instante, os pontos se direcionaram para um aspecto interessante – de que existe uma harmonia comunitária, que o ambiente de violência não conseguiu aniquilar. Foi ainda enfatizado, de modo quase unânime, que o lugar é muito bom de morar, pois, durante a noite e madrugada, as pessoas podem dormir até com a casa aberta, sem perigo algum. A vida é feita de contradições, pois essas observações levaram a algo considerado importante, a permanência local: o respeito pelos espaços dos outros, num ambiente ainda marcado pela violência (mesmo
108 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
que não tão premente quanto em outrora). Inclusive houve quem relacionasse o excesso de igrejas (católicas e protestantes) existentes na localidade como o principal motivo para a citada diminuição das guerras entre as gangues – e o consequente respeito pelo espaço do outro. O ponto relativo à excelência do lugar para se morar levou os participantes a ponderar que, lugares mais “nobres” da cidade, como a Savassi, a Praça Raul Soares e o Centro, também sofrem as agruras da violência. Na acepção geral, quem faz o lugar são as pessoas que nele residem. Aproveitando o tema, o poema “A Lagoa” (2000), de Carlos Drummond de Andrade, foi lido. Nele, o poeta de Itabira elogia a lagoa, que ele conhecia (e que devia ser de sua cidade natal), antes de conhecer o mar (que iria conhecer no Rio de Janeiro). A lagoa conhecida é considerada melhor que o mar que ele não conhecia. A lagoa, então, foi apresentada como metáfora dos lugares que fazem parte da vida cotidiana, próximos, e que, por isso, devem ser valorizados. O tema foi oportuno também para que fossem sugeridos, como exercício reflexivo, exemplos de lugares do dia a dia, as “lagoas” de cada um. Nesse instante, todos apresentaram suas casas, os seus pertences e outras coisas (uma das participantes informou que construíra uma piscina em sua residência, da qual ela muito se orgulha – a piscina, no caso, seria sua “lagoa”). Aliás, a mudança das casas para construções melhores, foi outro exemplo lembrado (e não mencionado acima) quando foi posta a questão das transformações nas últimas décadas. Mas o aspecto mais precioso lembrado e apresentado – de modo quase unânime – foram os filhos e netos, tidos como o “bem maior” das suas vidas. Aproveitando, foi exibido um vídeo produzido na Austrália, Children see – Children do (2008), de caráter paradidático, que mostra que o comportamento repulsivo das crianças, quando ocorrem, tem relação direta com o que os adultos fazem; o que os adultos fazem reflete diretamente no comportamento das crianças. O vídeo apresenta o vício, a intransigência e a violência reproduzidos pelas crianças a partir da visão do comportamento dos pais (ou de outros adultos). Serviu, ainda, de tema tangencial e de mensagem reflexiva mensagem relacionada à temática da importância da preservação e do cuidado com o patrimônio. Em relação à apresentação de vídeos, foram várias vezes apresentados com o clipe da música “Pátria Minas” (2008), gravado ao vivo, com o compositor e a
109 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Transfônica Orkestra, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. As imagens do clipe eram intercaladas com imagens típicas da cultura mineira, relacionadas aos seus bens patrimoniais (material ou imaterial), como o feijão, a “Maria Fumaça”, a comida típica, as cidades de Tiradentes, São João Del Rei, Belo Horizonte, Sabará; o termo “trem bão”; a Igreja da Pampulha; as festividades (Folia de Reis, Danças); a Serra do Caraça, a Casca D´Anta da Região de São Roque/MG; as igrejas, o Barroco Mineiro e outros. De fato, imagens são importantes para comparação e reflexão sobre o Patrimônio Cultural, pois a partir delas pode-se fazer relações com locais e com práticas culturais, quando são vistas como patrimônio, seja imaterial, material ou ambiental. Para melhor compreensão e valorização do patrimônio local, o vídeo da Drenurbs, o do dreno (de um microcosmo patrimonial), foi relacionado com o vídeo “Pátria Minas” (numa visão macro). Com a exibição do percurso do Córrego do Bonsucesso, foi solicitada a exposição dos pontos conhecidos, mostrados no vídeo da Drenurbs, ainda que tangencialmente, mais perceptíveis para quem conhece a região. Os locais e pontos apresentados foram o Hospital Júlia Kubitschek (que fica no Bairro Milionários, em foto abaixo, de uma de suas alas), o Asilo do Bonsucesso, a Rua Dr. Cristiano Rezende (Bairro Bonsucesso), o campinho, as matas, o Hospital Eduardo de Menezes (Bairro Bonsucesso) e outros. Figura 6 – Vista parcial do Hospital Júlia Kubitschek.
Legenda: Hospital Júlia Kubitschek promove programação sobre o Dia Mundial de Combate à Tuberculose – 24 de março de 2012. Fonte: http://www.fhemig.mg.gov.br/banco-de-noticias/233-complexo-de-hospitais-gerais/2012hospital-julia-kubitschek-promove-programacao-sobre-o-dia-mundial-de-combate-a-tuberculose.
110 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Entretanto, uma das participantes argumentou que, para ela, as imagens mostradas não poderiam ser consideradas como Patrimônio Cultural, pois os locais estavam malcuidados. Essa afirmativa não foi contestada. Ao contrário, foi útil, pois serviu para uma reflexão sobre os desmazelos patrimoniais, o que, infelizmente, não costuma ser muito incomum, mesmo com os “bens culturais” mais difundidos. Outra questão levantada foi em relação ao incentivo ao usufruto e à adoção das pessoas pelos seus lugares e valores, para que, com o tempo (e com a reafirmação disso), seja “natural que a comunidade se sinta gratificada, se sinta valorizada, se sinta encorajada a cuidar a ter consciência de seu patrimônio cultural” (MAGALHÃES, 1997, p. 238). Na premissa da repetição constante (repete-se para construir novos conhecimentos), o vídeo do programa Drenurbs, com suas imagens do Córrego do Bonsucesso, foi novamente apresentado, com a proposta de relacioná-lo à música e às imagens mostradas no clipe de Marcus Viana – e foram feitas as seguintes relações: •
As casas de barro do interior mineiro, mostradas no vídeo “Pátria Minas”, cotejadas com as casas dos moradores da Vila Cemig e do Conjunto Esperança;
•
Igrejas históricas do vídeo “Pátria Minas” aproximadas às do vídeo do programa Drenurbs das igrejas da Vila Cemig e do Conjunto Esperança (imagens imperceptíveis para os que não conheciam a região);
•
As ruas de terra que ainda resistem no local onde vivem os participantes foram comparadas com as antigas ruas de terras mostradas no vídeo de Marcus Viana. Figura 7 – Parte da Bacia do Córrego Bonsucesso.
Legenda: Ao fundo imagem da Vila Cemig e Conjunto Esperança. Fonte:http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.doevento=portlet&pAc=not&idConteudo=191883&pId Plc.
111 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Ainda em relação ao vídeo com a música de Marcus Viana e os símbolos de Minas Gerais, foi proposto um novo olhar sobre uma manifestação cultural apresentada no referido vídeo; no caso, uma imagem das bonecas de cerâmica do Jequitinhonha. Um olhar para além da aparência imediata. Com isso, surgiram comentários sobre a roupa das bonecas e a religiosidade contida nelas. Em seguida, foi feita uma reflexão sobre quem seriam os autores da obra. Foi também levantada a questão do valor embutido no trabalho – valor que varia conforme o público e o local da exposição dos trabalhos. Depois, foram apresentados exemplos de experiências de cada um com as manifestações culturais exibidas no vídeo “Pátria Minas”. De imediato, uma professora fez menção à Folia de Reis, uma celebração que lhe é muito cara, pois a faz lembrar-se de seu tempo de menina. Mas é um festejo que, para ela, não mais existe. Amparados na ideia das permanências, o comentário da professora, em alguma medida, foi questionado, com o argumento pautado na noção de que, na experiência de se olhar para a cidade, pode-se observar os resquícios culturais ainda presentes no cenário urbano. No caso dessa manifestação, é lícito considerar que, doravante, ela ainda é praticada em diversos bairros periféricos da cidade, e em outros lugares, e com renovados adeptos. Um tópico da música de Marcus Viana, quando anuncia que “Pátria é o fundo do meu quintal”, foi revisto. Depois, foram feitas as seguintes indagações: o que é “fundo de quintal”? O que têm nos nossos fundos de quintais? As casas atuais ainda têm fundos de quintais? Filosoficamente, o ponto que mereceu atenção foi o seguinte: o “fundo de quintal” é o lugar que mais prezamos e onde guardamos o que nos é mais valioso. Assim, não foi custoso refletir e perguntar: o que é mais valioso na vida? E as respostas foram diversas: as plantas, os netos; o fundo de quintal também foi visto como lugar de lazer (de se fazer churrasco), o lugar de intimidade, etc. Talvez esse tenha sido o ponto. Patrimônio Cultural como lugar que se guarda, pois é o que mais se preza (prezar aproxima-se de preservar); trata-se do que define e o que identifica uma determinada comunidade. Ou seja, os nossos “fundos de quintais”. Com isso, foi levantada a questão da importância de se preservar lugares e os aspectos imateriais, que nos são mais caros. No caso dos moradores da Vila Cemig e do Conjunto Esperança, o que foi mais considerado foram os espaços verdes que circundam a região. Para exemplificar a questão foram mostradas imagens “chocantes” de desapreço pelos lugares, de posturas desrespeitosas ao lugar, como o excesso de lixo
112 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
nas nascentes e nos espaços públicos. Enfim, posturas que devem ser desprezadas e que, todos concordaram, devem ser evitadas para se viver melhor e para se conquistar melhorias significativas. Reflexões e atividades finais Para mostrar que questionar nunca é demais, no processo de aprendizagem, houve outra vez o questionamento em relação ao significado de patrimônio - e de novo, ele foi relacionado à propriedade individual. Mas a necessidade de reconfiguração do termo se fez imprescindível, para o seu deslocamento a situações que se caracterizam pela constante apropriação dos cidadãos, nas vivências cotidianas. A afirmação voltouse para o entendimento de que o Patrimônio Cultural se fundamenta na relação. Nesse momento, vários foram os exemplos apresentados. Mas, fica-se com dois, ainda que díspares: o queijo do Serro/MG e o Cemitério do Bonfim, em BH. A menção ao queijo, como patrimônio, veio a cachar para que se fizesse uma digressão sobre os “modos de fazer” de determinadas regiões, como, no caso do citado queijo. Em relação ao Cemitério do Bonfim, a consideração foi mais delongada, pois um aspecto novo se impôs: como entender o local como Patrimônio Cultural se o conceito tem relação com a ideia de apropriação? Como apropriar-se desse local se os seus “usuários” estão mortos? Entretanto, a referência ao cemitério foi útil para que fossem lembrados outra vez os diversos usos dos espaços públicos, além de instigar o tema das “tribos” urbanas e suas ocupações. Assim, o cemitério foi visto como um lugar dos vivos - dos parentes e dos amigos que dele se apropriam para visitar os defuntos. Aliás, se não fazem isso, comprometem o próprio lugar, pois é a falta de uso que danifica o patrimônio. No caso desse cemitério, a pouca frequência ao local (um fato consumado) faz com que ele tenha sua estrutura surrupiada por vândalos, conforme lembrou a adolescente que citou o Cemitério do Bonfim. Ainda em relação aos usos dos espaços, especificamente dos cemitérios, a adolescente confessou que ela - que se identificou como roqueira - aprecia muito esses locais, pois eles servem para encontros com sua “tribo” (embora ela não soubesse explicar os reais motivos dessa predileção dos roqueiros pelos cemitérios). Houve ainda tempo para que a mesma adolescente pudesse narrar o que, para ela, deve ser o bem mais estimado em relação ao patrimônio cultural: são as pessoas, sobretudo, as idosas. Inclusive, ela contou que tem muita afinidade com a sua avó, que 113 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
lhe ensina muitas coisas. Mas é uma relação recíproca, pois a avó também aprende muito com ela, principalmente questões mais atuais, como as relacionadas ao mundo digital. Voltando à questão local, um dos participantes apontou que o mais conspícuo patrimônio da Vila Cemig e do Conjunto Esperança é a Escola Municipal Dinorah Magalhães Fabri, um espaço deveras valioso para a comunidade, pois abriga diversas atividades interativas, como eventos e festas, além daquelas estritamente relacionadas aos estudos e aprendizagens escolares. Como o cemitério, trata-se de um local que serve para muitas funções e fins. A foto abaixo, inclusive, mostra o evento do Cortejo Contra Abuso Sexual e Exploração Infantil, que percorreu as ruas dos bairros e culminou na escola, em junho de 2015. Figura 8 – Cortejo contra abuso sexual e exploração infantil – 2015.
Fonte: Acervo da Prefeitura de Belo Horizonte. Fotógrafo: Denis Dias.
Com isso, chegou-se ao ponto culminante: o entendimento de que o patrimônio tem relação direta com as pessoas. Para isso, foi (re)lembrada a questão da memória (que os idosos se apropriam com mais regularidade) e da imprescindibilidade da interação geracional, que é um processo de aprendizagem (recíproco) para se chegar à compreensão da urgência da apropriação, ocupação e da diversidade do Patrimônio
114 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Cultural que rodeia o mundo. Mundo vasto mundo, mesmo que restrito a uma região específica. REFERÊNCIAS ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000. BARBOSA, Adoniran. Saudosa Maloca. Intérprete: João Bosco. In: ADONIRAN, o poeta do Bexiga. Rio de Janeiro, Som Livre, 2003, 1 CD, Faixa 02. BARROS, Myriam Lins de. Gênero, cidade e geração: perspectivas femininas. In: BARROS, Myriam Lins de (Org.). Famílias e Gerações. Rio de Janeiro: Editora, FGV, 2006 (p. 17-34). BOSI, Eclea. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1994. CAMACHO, Marcelo. 1001 Razões para Gostar do Brasil. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. CARSALADE, Flávio de Lemos. Educação e Patrimônio Cultural. In: Minas Gerais, Secretaria de Estado da Educação, Grupo Gestor (org.). Reflexões e Contribuições para a Educação Patrimonial (org.). Belo Horizonte, SEE/MG, 2002. (p. 65-80). CHUVA, Márcia. Patrimônio Imaterial: práticas culturais na construção de identidades de grupos. In: Minas Gerais, Secretaria de Estado da Educação, Grupo Gestor (org.). Reflexões e Contribuições para a Educação Patrimonial (org.). Belo Horizonte SEE/MG, 2002. (p. 81-90). FERRARI, Aída Lúcia. Educação Patrimonial. “In”: Minas Gerais, Secretaria de Estado da Educação, Grupo Gestor (org.). Reflexões e Contribuições para a Educação Patrimonial. Belo Horizonte SEE/MG, 2002. (p. 107-120). HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Roberto Marinho, 1997. MASSEY, Doreen. Um Sentido Global do Lugar. “In”: ARANTES, Antônio A. (Org.) O Espaço da Diferença. Campinas: Papirus Editora, 2000. NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Encontros e Despedidas. Intérprete: Maria Rita. “In”: Maria Rita. Rio de Janeiro, Warner Music Brasil, 2003, 1 CD, Faixa 09. RANGEL, Marília Machado. Educação Patrimonial, conceitos sobre Patrimônio Cultural. “In”: Minas Gerais, Secretaria de Estado da Educação, Grupo Gestor (org.). Reflexões e Contribuições para a Educação Patrimonial. Belo Horizonte, SEE/MG, 2002. (p. 15-36). SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. “In”: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. Material Audiovisual Child Friedly/Australia, Children see – children do [vídeo]. Austrália: Child Friedly/Australia/Make our influence positive, 2008. Piano Stairs – Odenplan Stocklolm [vídeo]. Suécia: The FunTheory.com – Rolightsteorin.se, 2009. SOUZA, Maurício. As Sombras da Vida [quadrinho em vídeo]. São Paulo: estúdio de Maurício de Souza, 2002. VIANA, Marcus; ORKESTRA, Transfônica. Pátria Minas [vídeo, clipe]. Belo Horizonte: Palácio das Artes, 2008.
115 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
OCUPAÇÃO WILLIAM ROSA: UM PRODUTO DE UMA SOCIEDADE SEGREGACIONISTA E ESPECULATIVA WILLIAM ROSA OCCUPANCY: A PRODUCT OF A SPECULATIVE AND SEGREGATIONIST SOCIETY
André Lucas Magalhães dos Santos Silva92 Ewerton Junio da Silva Laet93 Thell Victor de Andrade Rodrigues94 Resumo O presente artigo leva a compreender a origem e a organização da ocupação William Rosa, no município de Contagem, como resultante da complexa interação entre a formação segregacionista do espaço urbano da Região Metropolitana de Belo Horizonte junto a fatores econômicos como a supervalorização imobiliária, na qual membros das classes mais baixas são afetados diretamente fazendo com que não consigam acompanhar o “ritmo do capitalismo” e veem nas ocupações uma oportunidade de estabelecer um lar eximido do aluguel e suas consequências. Palavras-chave: Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ocupações. William Rosa. Abstract This article comprises the origin and organization of the William Rosa occupancy, in the city of Contagem, as result of the complex interaction between the segregationist formation of the urban space in Metropolitan region of Belo Horizonte and economic factors like the overvalued real state, by wich lower class members are affected directly making them unable to keep up with the “capitalist rhythm” and see in the occupancies an opportunity to stabilish a home exempt of rent and it’s consequences. Keywords: Metropolitan region of Belo Horizonte. Occupancies. William Rosa
Introdução De modo geral, as ocupações urbanas se mostram como uma resultante das articulações segregacionistas dos proprietários dos meios de produção, dos proprietários fundiários, dos promotores imobiliários e do Estado, moldando assim a configuração das cidades, como argumenta Corrêa, (1995, p. 12). Dada sua eclosão ao meio elitista cujas cidades se configuram, as famílias organizam-se para ganhar força e lutar pelo direito de moradia. Em Belo Horizonte vemos as ações dos promotores imobiliários e fundiários aumentar ao ponto de muitas famílias serem retiradas de suas residências levando-as à marginalização em áreas periféricas. Além disso, grande parte dessa 92
Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. E-mail: andrelucasmag@gmail.com Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. E-mail: ewerton.junio@gmail.com 94 Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. E-mail: thellvictor@hotmail.com 93
116 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
parcela da população se agrega aos grupos sociais excluídos. Esses grupos aderem à luta por moradia, como ocorre na Ocupação William Rosa, localizada próxima à região do CEASAMINAS – Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S.A., na cidade de Contagem, região metropolitana da capital mineira. As famílias que se encontram nesse espaço de luta tentam se organizar dentro do contexto capitalista do século XXI e sustentar-se frente a este modelo econômico excludente. Para que se entenda o processo que levou à exclusão dessas famílias e sua organização remontaremos desde a construção das cidades de Belo Horizonte e Contagem a fim de exemplificar e mostrar como os agentes de construção do espaço urbano interagiram. E dessa maneira analisar como as famílias se organizaram coletivamente dando origem à ocupação William Rosa. Para este trabalho utilizou-se de diversas referências teóricas, desde títulos relativos a geografia nacional, teses questionando o dilema ético de ocupações urbanas, às recentes obras com uma abordagem histórica crítica da formação da região metropolitana e de sua situação econômica e realidade imobiliária locais. Analisou-se particularmente o caso da Ocupação William Rosa, recortando-se por escalas no conjunto do texto, desde a formação das cidades de Belo Horizonte e Contagem às implicações imobiliárias, que fomentaram complicações para as famílias no sentido de manter seus imóveis. Desse modo, iniciou-se um processo de organização das famílias desalojadas ocupando um terreno abandonado e dando origem ao processo de luta pela moradia. Complementando todo o embasamento teórico, fez-se uma pesquisa de campo95 no local com intuito de coletar informações diretas dos ocupantes, trazendo, dessa forma, um conhecimento empírico sobre a ocupação. Formação das cidades de Belo Horizonte e Contagem Com a instauração da Republica em 1889, acirrou-se o debate sobre a localização do poder em Minas Gerais. Sendo Ouro Preto uma representação tipicamente colonial/imperial, além das dificuldades impostas pelo relevo e de acesso à antiga Vila Rica, torna-se inviável que esta cidade se configurasse como um polo estadual, como convinha aos pressupostos republicanos. Portanto, projetou-se uma nova cidade a fim de sediar o centro administrativo mineiro que consolidava em um sentido material a ideia de ruptura da República com o Império (PASSOS, 2009, p.39). Em um 95
A pesquisa de campo realizada no dia 21 de junho de 2015.
117 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
primeiro momento, “entre 1897 e final da década de 1930, a cidade de Belo Horizonte previamente projetada assume seu papel de polo econômico do estado e enfrenta grande crescimento urbano, já superando o plano original” (TONUCCI FILHO, 2012, p.60). A cidade de Belo Horizonte teve sua fundação pautada no simbolismo que a nova república demandava, uma exemplificação do poder do Estado no molde da malha urbana, uma vez que teve desde o princípio seu planejamento voltado para a industrialização. Contudo, sob o contexto histórico de crises econômicas e disputas políticas locais, levaram a nova capital a uma estagnação de seu desenvolvimento, sendo retomado somente na década de 1940, com a construção da Cidade Industrial Juventino Dias e das grandes obras viárias96, conforme pode ser observado na Figura 1.
Figura 1: Grandes intervenções viárias na RMBH na década de 1940.
Fonte: PLAMBEL, 1986
A cidade de Belo Horizonte se desenvolveu de forma acentuada, como demonstrado pela construção do conjunto arquitetônico da Pampulha. “A Pampulha, além do seu caráter simbólico que projetou o município para além de seus limites, é construída com o objetivo de abrigar o uso residencial da elite industrial em formação” (SOUZA et al, 2010).
96
Por exemplo as avenidas Presidente Antônio Carlos, Amazonas e Pedro II que possibilitaram a integração viária das regiões Oeste e Norte de Belo Horizonte.
118 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A década de 1940, com a industrialização, acelerou a expansão urbana com a construção da Cidade Industrial e, já a partir da década de 1950, iniciou-se o processo de conurbação97 e metropolização98 da atual Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH; a evolução da mancha urbana de Belo Horizonte está ilustrada nas Figuras 2 e 3. Figura 2: Mancha urbana em 1920.
Fonte: PLAMBEL, 1986 Figura 3: Mancha urbana em 1950.
Fonte: PLAMBEL, 1986
97
O conceito de Conurbação refere-se ao crescimento de duas ou mais cidades vizinhas, que acabam por formar um único aglomerado urbano. Em geral, numa conurbação existe uma cidade principal e uma (ou mais de uma) cidadesatélite. Fonte: Novo Dicionário de Geografia (2008). 98 O conceito de Metropolização refere-se ao processo de formação de aglomerações urbanas metropolitanas. Idem.
119 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Inserido sob esse contexto, o antigo arraial de São Gonçalo do Ribeirão das Abóboras, que em 1911 foi emancipado do município de Santa Quitéria e elevado a condição de vila, surgiria como o município de Contagem, que já em 1937 perdeu (por motivos não muito bem compreendidos) novamente sua autonomia política, tornando-se distrito de Betim. Situação mantida até 1948, quando, após a constituição de 1947, e conquistou sua condição de município. Com a implantação da Cidade Industrial em 1946, instalaram-se ali grandes indústrias. Em um segundo momento, na década de 1970, Contagem passou por mais uma grande expansão industrial com a implantação do CINCO (Centro Industrial de Contagem) e do CEASAMINAS. Pode-se observar um avanço da mancha urbana de Belo Horizonte no sentido de Contagem, e por outro lado, um avanço da mancha urbana de Contagem sentido Belo Horizonte. O abalroamento das duas manchas urbanas que avançaram desenfreadamente em um curto período de tempo que provocou, enfim, a conurbação existente entre ambos os municípios.
O espaço imobiliário da RMBH: A gênesis segregacionista e a supervalorização imobiliária na segunda década do século XXI. Formulação de um espaço de segregação social Como elucubrado até aqui, a capital mineira revelou-se uma cidade previamente projetada a fim de atender os ideais positivistas dos republicanos pautados, notoriamente, na “ordem” e no “progresso”. O planejamento inicial projetou o centro de Belo Horizonte (dentro dos limites da Avenida do Contorno) foi inspirado pelo proposto por Willian Harvey em sua obra De motu cordis: “o coração bombeia sangue através das artérias e veias, recebendo-o das veias, para ser bombeado” (1601, apud SENNETT, 2003, p.215). Aarão Reis, atendendo ao governo da época, planejou a cidade também vislumbrando as ruas como “artérias e veias”, como se observa na Figura 4.
120 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Figura 4: Planta geral de Belo Horizonte -1895.
Fonte: Comissão Construtora da Nova Capital, 1895
Segundo o artigo n.2, do decreto de n.803 do ano de 1895, sobre o levantamento da planta geral da Capital, percebemos tal influência: “A sua área será dividida em seções, quarteirões, lotes, com praças, avenidas e ruas necessárias para a rápida e fácil comunicação dos seus habitantes, boa ventilação e higiene. ” (PASSOS, 2009, p.44) Sob uma perspectiva de ordem urbana, classificou-se o espaço da capital de acordo com as necessidades e funções sociais, como podemos observar na planta que dividia a cidade em três zonas99: •
A zona urbana: constituía o espaço moderno e ordenado reservado para as elites mineiras. Possuía avenidas largas, retas, geométricas, infraestrutura sanitária e técnica, área que deveria ser espelho das cidades mais modernas do mundo;
•
A zona suburbana: fora dos limites da Avenida do Contorno, que funcionava como uma fronteira que separava a vida urbana da suburbana onde as moradias eram sofríveis e os serviços precários;
99
Decreto n.803 de 11 de janeiro de 1895. Minas Gerais, Ouro Preto, 1895, p.84. apud BARRETO, Abílio. Memória histórica e descritiva (história antiga e história média). p.232.
121 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
•
Por fim, a zona rural: um cinturão verde, onde se localizariam os núcleos coloniais que abasteceriam a Capital de frutas, legumes, verduras e matéria prima para a sua construção. Assim, iniciou-se o processo de construção do que reconhecemos hoje como Belo
Horizonte. Através desses diversos processos de planejamento e urbanização a cidade formou sua base, mas seu crescimento foi tão alto que a área expandiu ao ponto de criar áreas conurbadas, como é a região entre Belo Horizonte e Contagem. A supervalorização imobiliária na RMBH. Segundo alguns economistas, o preço no mercado é estabelecido a partir de um equilíbrio entre a oferta e demanda de um determinado bem. Há de salientar-se que no atual contexto capitalista ao qual estamos inseridos há outro fator que varia consideravelmente o preço de um produto, qual seja, a especulação, apostas baseadas em previsões futuras de como o mercado se comportará. A partir de políticas públicas elaboradas pelo governo Lula (2002-2010), o país passou por um aquecimento no mercado imobiliário que incitou um aumento significativo na procura e na oferta de imóveis, interferindo fortemente no preço, de forma a supervalorizá-lo, de cada metro quadrado a ser vendido no Brasil. A grande movimentação nesse mercado resultou em grandes expectativas dos investidores, posteriormente surgindo projeções econômicas e uma nova intervenção no preço de um imóvel. Belo Horizonte não ficou à mercê desse processo, muito pelo contrário, a capital mineira assim como sua região metropolitana foi, principalmente no ano de 2013, também palco desse processo de supervalorização dos imóveis. O gráfico a seguir evidencia a supervalorização do preço dos imóveis em Belo Horizonte que se comparando ao IPCA100 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) nota-se um crescimento da linha de análise desproporcional a partir de 2006.
100
O IPCA é índice oficial do Governo Federal para medição das metas inflacionarias contratadas com o FMI, a partir de julho/99.
122 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Gráfico 1: Preço médio de venda dos imóveis residenciais em BH, período 2000 / 13.
Fonte: VELOSO, 2014. Enquanto o IPCA valorizou 132,4%, no período de jan/2000 a jun/2013, o Preço Médio do Imóvel Residencial em Belo Horizonte mais que quadruplicou, atingindo 301,3% de valorização no mesmo período, superior a outros rendimentos financeiros como o Índice IBOVESPA, a Poupança e outros índices de inflação.(VELOSO, 2014, p.8-9).
Ainda que considerável parte da população tenha adquirido um imóvel ao longo desses dez anos, outra parcela, em especial os pertencentes às classes mais desfavorecidas, não conseguiram êxito na aquisição de um imóvel para moradia, contribuindo para o déficit habitacional e permanecendo à mercê do aluguel. Como houve essa supervalorização no imóvel, concomitantemente ocorreu houve também uma supervalorização do aluguel, que ao fim resultou nessa parcela de membros das classes mais desfavorecidas supracitadas impedidas de acompanhar o ritmo acelerado de valorização do imóvel e do aluguel. O processo de ocupação de imóveis A partir do processo de supervalorização dos imóveis, bem como do aluguel e das estruturas segregacionistas da organização de um espaço urbano, suas vítimas se organizaram coletivamente para adentrar em um imóvel abandonado e transforma-lo em moradia, iniciando o processo de ocupação. As ocupações urbanas surgem devido à incapacidade de parte da população de arcar com os custos de moradia, em parte por causa de seu baixo poder aquisitivo, bem como as restrições impostas pelo mercado imobiliário. Sendo assim, tais grupos 123 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
garantem seu acesso à habitação através das ocupações irregulares, “as ocupações acontecem quando determinado grupo de pessoas sem acesso à moradia passa a ocupar terrenos ou construções dos quais não têm posse, podendo ser espontâneas ou organizadas por grupos sociais e políticos. ” (CANETTIERI, 2014, p.26). As ocupações acontecem em terrenos públicos ou privados ou construções abandonadas que não possuem destinação, assim sendo, elas não desempenham sua função social de propriedade. O autor ainda argumenta que “as ocupações devem ser vistas não como o problema, mas sim como a solução encontrada por estas pessoas que tiveram o acesso à moradia negado”. Haja vista que as ocupações se tornam a opção mais acessível para que essas famílias, que vivem às margens do acesso formal à moradia, sem possibilidade de crédito ou apoio de programas de habitação do Estado, tenham acesso à moradia. O referido modelo de ocupações se tornou a forma mais eficaz encontrada por essas famílias para terem acesso a uma residência. Em consequência desse processo acabam também por garantir o uso social das áreas ocupadas. Canettieri também destaca que mesmo com os esforços feitos para amenizar o problema da habitação, como os programas habitacionais populares, por serem projetos homogeneizados, além de uma tipologia construtiva, esses projetos não atendem às necessidades de certas famílias. Desse modo, vemos que por questões de sobrevivência os grupos segregados socialmente, que estão envolvidos com a causa das ocupações, acabam por se organizar em movimentos de luta e resistência pelo direito à moradia. Atualmente vários grupos101 têm se articulado em torno dessa temática, cuja pauta principal é a legitimação das áreas ocupadas. Como o caso das ocupações da Mata do Isidoro, da qual fazem parte as ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória que, em março de 2014, após a realização de uma marcha, ocuparam o prédio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte com o objetivo de pressioná-la a cadastrar as mais de seis mil famílias residentes nas ocupações em programas municipais de acesso à moradia e para que estes tivessem legalizado a posse dos terrenos ocupados. Nesse sentido, Rolnik alega que:
101
Em destaque os grupos: MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas); Brigadas Populares; Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular).
124 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
a segregação ganha um conteúdo político: a luta pelo espaço urbano. Para os membros da classe dominante, a proximidade do território popular representa um risco permanente de desordem. Por outro lado, o próprio processo de segregação acaba por criar a possibilidade de organização de um território popular, base da luta dos trabalhadores pela apropriação do espaço da cidade. (1988, apud CANETTIERI, 2014).
Com as pressões exercidas sobre o poder público, este se vê obrigado a negociar e buscar uma solução para o conflito instaurado. O caso da Ocupação William Rosa O processo de ocupação deu início na madrugada do dia 12 de outubro de 2013, onde apoiados pelo CSP-Conlutas, Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e da AGB-Associação dos Geógrafos Brasileiros várias famílias se estabeleceram em uma área abandonada há décadas. A ocupação recebeu o nome do professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, ligado as lutas sociais e falecido em dezembro do ano anterior. O terreno ocupado se localiza nas margens da Avenida Severino Ballesteros Rodrigues, na região Sede de Contagem - um terreno pertencente ao governo federal, sob a responsabilidade do CEASAMINAS, abandonado por cerca de 40 anos e sem cumprir qualquer função social. Assim que a mobilização começou, várias famílias foram ao local para o processo de ocupação. O contingente de ocupantes aumentou com o decorrer do tempo, chegando a seu auge com 3.900 famílias residindo no local. A ocupação se organizou em diversas equipes com diferentes funções: a de infraestrutura, com a função da construção coletiva da cozinha comunitária, banheiros e creche; outra equipe responsável pela canalização da água e energia elétrica; uma equipe para cadastrar as famílias, assim numerando as barracas; e mais outra equipe para a segurança, espalhada em pontos estratégicos no terreno; além de uma equipe, formada principalmente de mulheres, que assumiram a cozinha coletiva. Cerca de três meses após o início do processo de ocupação, em um curto período, grande parte do terreno já havia sido ocupado por seus novos moradores, ocorrendo grandes transformações no local. Destacando-se a grande densidade de construções e uma interiorização das casas, não se limitando à beira da Avenida Severino Ballesteros.
125 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Um ano e oito messes depois de sua criação, a ocupação William Rosa se vê reduzida, com cerca de 400 famílias. Essa evasão muito se deve à política de despejo empregada pelo governo estadual através da Polícia Militar. Para que se facilitasse o processo de despejo, segundo moradores locais, policiais incitaram o medo através de distribuição de panfletos informando que todos os ocupantes informando a desocupação obrigatória do terreno. Esses panfletos foram espalhados pelo helicóptero da instituição, além da disseminação de boatos na ocupação de que todos seriam despejados coercitivamente. Esse clima de tensão e medo fez com que muitas famílias recuassem e se retirassem da ocupação. Muitos dos moradores, presentes na ocupação, são pessoas que viviam em imóveis alugados com preços elevados, recebendo insuficientes salários para manter o pagamento em dia, que viram na ocupação um jeito de se desvincular dessa “exploração imobiliária” e de lutar por moradia digna. Desta forma, juntaram-se ao movimento. A população ali presente é diversa, desde jovens que saíram de casa sem condições de arcar com o aluguel a idosos que sempre sonharam com uma moradia digna e independência do aluguel. Considerações finais Pode-se compreender as ocupações urbanas, em especial a ocupação William Rosa, não como um processo aleatório na produção do espaço, mas sim como a resultante de um conjunto de fatores que remontam desde o planejamento de Belo Horizonte à supervalorização imobiliária, a partir do século XXI, na região metropolitana. Com a incorporação da perspectiva positivista na construção de Belo Horizonte, desenvolve-se uma segregação sócio espacial desde a gênese da capital mineira. Ao se analisar essa organização espacial observam-se atualmente reflexos do passado que criaram um espaço segregacionista. Unidos aos fatores econômicos especulativos e conjunturais que culminaram na supervalorização imobiliária e agravaram a situação dos moradores de baixa renda. Esse cenário econômico e social fomenta a luta pela moradia intensificando os processos de ocupação urbana. Tais processos são fundamentados a partir do direito a moradia e a função social dos imóveis ocupados.
126 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A ocupação William Rosa se dá como produto da associação dos aspectos geohistóricos nos processos de urbanização de Belo Horizonte e de sua região metropolitana, bem como da complexa dinâmica econômica. REFERÊNCIAS CANETTIERI, Thiago. Ocupações, Remoções e Luta no Espaço Urbano: A Questão da Moradia. Emetropolis: Revista eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais. Vol. 17, p. 22-29. Jun. 2014. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1995. GOMES, Gilberto. LUTA POPULAR: Ocupação William Rosa em Contagem (MG) já conta com mil famílias. Cspconlutas.org, 2013. Disponível em:<http://cspconlutas.org.br/2013/10/movimento-lutapopular-ocupa-terreno-em-contagem-mg-por-moradia/> Acesso em: 25 jun. 2015. MATOS, Ralfo Edmundo da Silva. Dinâmica migratória e desconcentração populacional na macrorregião de Belo Horizonte. (1995. 223 pag.). Tese (Doutorado em Demografia). Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1995. OLIVEIRA, Éder Aguiar Mendes de. A imigração italiana e a organização operária em Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX. (2004. 93pag.) Monografia (Especialização em História) – Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo, Centro de Pós-Graduação, Pedro Leopoldo, 2004. PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. A formação urbana e social da cidade de Belo Horizonte: hierarquização e estratificação do espaço na nova Capital mineira. Temporalidades: Revista discente do programa de pós-graduação em história da UFMG. Vol. 01, p. 37-52. Ago. 2009. PLAMBEL. A estrutura urbana da RMBH. Belo Horizonte: Plambel, 1985. 2 volumes. (Vol. 1 - o processo de formação do espaço urbano. 172 p) PLAMBEL. A estrutura urbana da RMBH Belo Horizonte: Plambel, 1985b. 2 volumes. (Vol. 2 - A estrutura atual. 232 p.) SENNETT, Richard. Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. SOUZA, Leandro de Aguiar e; MARQUES, Yara Landre; ALVES, Diego Filipe Cordeiro. O simbólico, o institucional e o econômico na região metropolitana de Belo Horizonte. Arquitextos. Centralidades: ano 11 Nº 123.02, ago. 2010. TEREZO, Claudio Ferreira. Novo dicionário de geografia. 2ª ed. São Paulo: LivroPronto, 2008. TONUCCI FILHO, João Bosco Moura. Dois momentos do planejamento metropolitano em Belo Horizonte. (04/06/2012. 236pag.) Dissertação (Mestrado – Área de concentração: Planejamento urbano e regional) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2012. VELOSO, Pedro Matos. Bolha imobiliária em Belo Horizonte. Anais... In: XVI Seminário sobre economia mineira, Diamantina, 2014.
127 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A INFLUÊNCIA DA IMPLANTAÇÃO DO CIRCUITO CULTURAL NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA PRAÇA DA LIBERDADE
THE INFLUENCE OF THE CIRCUITO CULTURAL’S IMPLANTATION ACCORDING TO THE PERCEPTION OF THE PRAÇA DA LIBERDADE’S USERS
Gabriel Caldeira Gomes Glaycon de Souza Andrade Gustavo Augusto Andrade de Oliveira Thales Peixoto Soares RESUMO A Praça da Liberdade, sendo um fixo belo-horizontino de referência sociocultural, convida e recebe, constantemente, fluxos para se integrarem às atividades que tomam lugar em seu espaço. Com efeito da implantação do Circuito Cultural Praça da Liberdade, o maior envolvimento de seus usuários neste ambiente é possibilitado. O artigo objetiva a compreensão da percepção dos usuários sobre as mudanças ocorridas, espacialmente, na Praça, analisando, assim, sua funcionalidade. Para este fim foram aplicados questionários a 66 usuários. Os resultados estabelecem a Praça da Liberdade como um organismo dinâmico, devido as suas modificações funcionais que acompanharam suas estruturais, caracterizando-a como um espaço passado-presente, além de atribuí-la o fenômeno paradoxo espacial, sendo que muitos usuários não utilizam o Circuito, somente a Praça.
Palavras-chave: Circuito Cultural Praça da Liberdade. Praça da Liberdade. Percepção. Paradoxo Espacial.
ABSTRACT The Praça da Liberdade, representing a belo-horizontino fixed sociocultural reference, invites and receives constantly flows to integrate the activities that take place in its space. Indeed, the implantation of Circuito Cultural Praça da Liberdade enhances the greater involvement of its users. This article aims to understand the users' perception on the spatial changes in the Praça, analyzing thus its functionality. For this reason, a questionnaire was applied to 66 users. The outcomes establish the Praça da Liberdade as a dynamic organism, due to its functional changes that accompanied their structural, characterizing it as a past-present space, and assign it the spatial paradox phenomenon, since many users do not use the Circuito but the Praça.
Keywords: Circuito Cultural Praça da Liberdade. Praça da Liberdade. Perception. Spatial Paradox.
INTRODUÇÃO
Belo Horizonte é oficialmente, em 12 de dezembro de 1897, inaugurada com grandes ideais de prosperidade. A Praça da Liberdade foi de grande importância para os festejos de inauguração, pois as primeiras comemorações foram feitas em seu espaço. A
128 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
praça situa-se na parte mais alta do entorno central de Belo Horizonte e sua função era abrigar a sede do governo de Minas Gerais. Este artigo tem como propósito fazer um estudo sobre a Praça da Liberdade, situada na região centro-sul de Belo Horizonte, Minas Gerais, analisando suas transformações estruturais e funcionais, assim, identificando seus usos e formas de apropriação desse espaço. Desta forma, pretende-se observar a Praça enquanto fenômeno experimentado a partir da percepção, atitude e valor atribuídos a ela pelos usuários. A pesquisa, em questão, busca obter respostas e reflexões, por meio da averiguação da perspectiva do usuário, seguindo as interrogações como: a saída da feira hippie, a reforma estrutural dos jardins e, finalmente, a transferência da sede do governo para a cidade administrativa, dando lugar ao Circuito Cultural Praça da Liberdade, interferiram na forma de apropriação da Praça da Liberdade?; Como os usuários percebem essa mudança?; Quais os tipos de usuários que a Praça da Liberdade recebe em seu cotidiano? Hipóteses foram erigidas pretendendo responder as interrogações propostas como a mudança funcional sucedida na Praça da Liberdade a qual agregara novos valores na percepção dos usuários, por exemplo: a relevância cultural e a integração entre turismo e espaço de conhecimento. Não obstante as transformações da praça, esta representa um organismo dinâmico que se metamorfoseia ao receber influências externas de modo que sua funcionalidade está sempre se ressignificando. No entanto, é possível levantar uma outra hipótese: os usuários não percebem esta dinâmica, considerando a praça inerte a essas mudanças funcionais. O objetivo geral se configura em analisar as mudanças manifestadas na Praça da Liberdade, principalmente, a partir da instalação do Circuito Cultural Praça da Liberdade, e identificar, por meio das percepções dos usuários da praça, valores atribuídos a este espaço. A metodologia do artigo é compartimentada em pesquisas de cunho qualitativa e quantitativa com o uso de questionários, pesquisa documental e de campo, além do levantamento bibliográfico, de material audiovisual e referencial teórico. A justificativa deste estudo se enquadra para a contribuição em um planejamento urbano da área estudada, identificando a importância atribuída aos bens públicos como promoção do lazer, do entretenimento e da cultura.
129 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A Praça da Liberdade e suas funcionalidades O contexto cultural da Praça da Liberdade nos remete as suas diversas transformações desde sua inauguração até os dias correntes. Houve várias transições, conforme a Linha do Tempo: Eventos memoráveis da Praça da Liberdade, por exemplo: a inauguração e instalação da sede do governo em 1897; a presença da era moderna arquitetônica mais veemente com a intervenção da edificação de Niemeyer, a ocupação da Feira Semanal de Artes e Artesanatos em 1969 até 1991; a reforma paisagística em 1984 e, em 2010, a instalação do Circuito Cultural Praça da Liberdade que perdura até hoje. Figura 1: Linha do Tempo: Eventos Memoráveis da Praça da Liberdade - 2016
Fonte: elaborado pelos autores
A partir da ideia de lugar, como algo vivido e de natureza sensorial, é possível notar a praça como um lugar de convivência social, onde os utilizadores se sentem acolhidos e pertencentes ao seu meio. Sendo assim, se faz necessário uma reflexão a respeito dos valores atribuídos a ela e se estes valores são compatíveis com a ideia de lugar evidenciada por Tuan (1980) que ressalta que o lugar se refere a sítios e Centros aos quais atribuímos valor. 130 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
A Praça da Liberdade é um lugar de suma importância para a população Belo Horizontina. Em virtude de seu contexto social, cultural e histórico, a Praça se revela como um lugar de recordações para os frequentadores, seja em suas edificações, em seu Circuito Cultural ou, principalmente, na própria Praça como centralidade. Em um contexto histórico que remete à fundação da cidade de Belo Horizonte, a Praça foi considerada o ponto inicial de onde partiram as primeiras ruas e avenidas da cidade. Outro aspecto de grande importância da Praça são as relações sociais estabelecidas naquele local pela população belo-horizontina. As relações começaram com as primeiras famílias e comunidades que chegavam a cidade de Belo Horizonte e continuam até os dias correntes, tendo em vista a praça como um fixo de encontro entre pessoas. ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS O método de análise criado pelos autores determina que os perfis de usuários devem ser agrupados por categorias correspondentes ao período de coleta das informações, sendo, num “dia de semana”, na sexta-feira e no sábado em diferentes turnos. Portanto, durante a pesquisa, foram aplicados 66 questionários em quatros dias diferentes – domingo, dia de semana (compreendido por segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e quinta-feira), sexta e sábado – nos três turnos – manhã, tarde e noite.
DOMINGO
DIA DE SEMANA Manhã
Tarde
SABADO Noite
33%
38%
29%
100% 31%
31%
SEXTA
38%
100% 38%
23%
38%
100% 44%
28%
28%
21%
26%
53%
100%
GRÁFICO 1: Total de entrevistados - 2015
TOTAL
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
131 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O gráfico 2 demonstra as idades dos usuários da Praça da Liberdade, posto isso, podemos perceber que os jovens representam, predominantemente, o turno da noite, os adultos no turno da manhã e, geralmente, os idosos na manhã também. GRÁFICO 2: Idade dos entrevistados por períodos do dia - 2015 20 15 10 5
Domingo
Dia de Semana
Sexta
Sábado
Jovem 14-30
Adulto 31-65
Idoso 66-95
Noite
Tarde
Manha
Noite
Tarde
Manha
Noite
Tarde
Manha
Noite
Tarde
Manha
Noite
Manha
Tarde
0
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
A maioria dos usuários da Praça pertencem ao gênero masculino, sendo um total de 34 pessoas e 31 pessoas do gênero feminino, apenas uma pessoa não quis identificar o seu gênero (Gráfico 3). GRÁFICO 3: Gênero dos entrevistados - 2015
34
19 8 10 1 DOMINGO
18 9
9
0
7
DIA DE SEMANA Masculino
6
0
SEXTA
Feminino
13
31
16 10 6
0
1
SABADO
Não se Identificou
TOTAL Total
Fonte: elaborado pelos autores.
Devido a importância da educação no processo de formação cultural procuramos identificar qual o nível de escolaridade dos usuários. De acordo com o gráfico 4, no domingo apresenta predominância de usuários com 2° Grau Completo (5) e Pós-graduados (5), já nos “dias de semana” a maior parte dos participantes possuíam apenas o 2° Grau do Ensino Básico Completo (Ensino Médio), na sexta-feira, de forma semelhante, o mesmo padrão se repetiu e no sábado houve uma modificação de público acentuada: os questionários captaram mais pessoas com 3° grau completo (Ensino Superior). 132 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Uma vez comparadas as três principais respostas dos usuários, identificamos que 19 pessoas possuíam o Ensino Médio Completo, seguido por 16 pessoas com Curso Superior Completo e Curso Superior Incompleto. A partir das respostas quantificadas do gráfico 4, podemos perceber, claramente, que a maioria dos usuários frequentadores da praça possuem instrução escolar de nível Médio à Pós-graduado, por outro lado, a minoria da parcela do público possui 1º Grau Incompleto e 2º Grau Incompleto. GRÁFICO 4: Grau de escolaridade - 2015 19
19
18 16
16
13 9 7 5
5 3
111
2
DOMINGO
4 1
1
00
5 0
1
0
2
11
7
6
5 3
4
3 1
0
0
5
2 0
0
1
2
DIA DE SEMANA
SEXTA
SABADO
1° Grau Incompleto
1° Grau Completo
2° Grau Incompleto
2° Grau Completo
3° Grau Incompleto
3° Grau Completo
Pós-graduado
Outro
Total
6
2
TOTAL
Fonte: elaborado pelos autores.
Com base no gráfico 5, o sábado e nos “dias de semana” são os dias que apresentam a maior parte de usuários que utilizam a praça para caminhar, praticar esportes ou outras funções. Aos domingos temos maior presença de pessoas de outros lugares – turistas – e isso justifica a quantidade de respostas “mensalmente” e “outro”. É notório que, quando indagados sobre a sua frequência na praça, poucos moradores do entorno utilizam a praça aos domingos, talvez devido ao grande fluxo de pessoas e pelas apropriações de grupos para fins não conservadores.
133 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
GRÁFICO 5: Frequência de utilização da Praça da Liberdade - 2015
23 19
18
18 16
16
13 9 7 2 5
7 5
5 2 4
DOMINGO
1
DIA DE SEMANA
Diariamente
6 6
6
0
SEXTA
Semanalmente
7 3 0 SABADO
Mensalmente
TOTAL
Outro
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
Aos domingos e sextas-feiras, a praça é mais utilizada para o lazer e cultura, durante os “dias de semana” e sábado, seu uso é mais frequente para prática de esportes, principalmente para caminhada, de acordo com gráfico 6. O total de finalidades de uso da praça são: Caminhada - 36,66%. Cultural (Participar de eventos da praça) - 34,84%. Percurso para o trabalho - 13,63%.
• • •
GRÁFICO 6: Finalidade que frequenta a Praça da Liberdade - 2015 30
24
25
19
20 15
11 2 1 0
16
13 9
10 5
18
5 0
1
4 3
1 0
0
3 3
10
9
6 1 0
23
1
1
3
1 0
2
3
5
0 Domingo
Dia de Semana
Sexta
Sabado
Para trabalhos escolares
Caminhada
Percurso para o Trabalho
Cultural (Participação de eventos na Praça)
Visitar o Circuito Cultural
Outros
Total
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
De acordo com o gráfico 7, a maioria dos usuários 50%, quando perguntados sobre a frequência de visitas ao Circuito Cultural relataram que raramente frequentam 134 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
os seus espaços, 40,9% declararam que visitam frequentemente e 9,09% informaram que nunca haviam visitado o Circuito. GRÁFICO 7: Frequência de visitas ao Circuito Cultural- 2015
33 27 19 3
12
18
16
13 4
9
8
DOMINGO
1
7
DIA DE SEMANA Frequentemente
5
9
1
7
0
SEXTA
SABADO
Raramente
Nunca visitou
6 TOTAL Total
Fonte: elaborado pelos autores.
De acordo com o gráfico 8, aos usuários que responderam frequentar os museus do Circuito Cultural, mesmo que raramente, foram perguntados quais museus já haviam visitado e, com base nesta questão, conclui-se que os museus mais frequentados, em ordem decrescente, são: Centro Cultural Banco do Brasil, Memorial Minas Gerais Vale, Espaço do conhecimento UFMG, Museu de Minas e Metal. GRÁFICO 8: Museus, Memoriais e centros culturais que já frequentaram - 2015 Centro Cultural Banco do Brasil
Espaço do conhecimento UFMG
Memoriais Minas Gerais Vale
Museu do automóvel
MM- Gerdau Museu das Minas e do Metal
Museu Mineiro
Casa Fiat de cultura
Outro
DOMINGO
DIA DE SEMANA
SEXTA
SABADO
27 21 13 3
14
46 32 36 15 10 13 6 12 7 3 0
10 6 4 0 2 1 0 1
3 5 10 4 2
9 11 9
12 5 10 5 8 3 6 0
24
49
53
66
Total
TOTAL
Fonte: elaborado pelos autores.
Podemos ver no mapa 1, os espaços que integram o circuito e sua localização por meio da Praça da Liberdade, lembrando que somente está caracterizado os espaços que estão em funcionamento dispensando os que estão em processo de inauguração. 135 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Mapa 1: Mapa dos Espaços do Circuito Cultural Praça da Liberdade - 2016
Fonte: elaborado pelos autores.
Por meio do gráfico 9, quando questionados se recomendariam o Circuito Cultural Praça da Liberdade, notamos que as pessoas entendem que ir ao museu é de extrema importância, pois passa-se a valorizar o patrimônio histórico e preservar aspectos culturais, naturais e objetos relevantes. Do total, 63 responderam que recomendariam, uma pessoa não recomendaria e duas não opinaram.
136 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
GRÁFICO 9: Recomenda a utilização do Circuito Cultural – 2015
63
17 0
2 19
DOMINGO
0 18
17 1
13 0
DIA DE SEMANA Sim
0 13
16 0
SEXTA
Não
0 16
1
SABADO
Não Opinou
2
TOTAL
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
Em seguida, de acordo com o gráfico 10, foi perguntado se existe divulgação do Circuito Cultural da Praça da Liberdade nos meios de comunicação, 35 pessoas responderam que não há divulgação, 25 pessoas apontaram que há divulgação, 2 pessoas não se manifestaram e 4 informaram que possui “mais ou menos”, mas que precisam melhorar. GRÁFICO 10: Existe divulgação do Circuito Cultural? - 2015
35 25 19
18
13
11 5 0 1
DOMINGO
4
0 3
3
DIA DE SEMANA Sim
Não
10
16
13 0 0
SEXTA Indiferente
5
9
2 0
2 4
SABADO
TOTAL
Outro
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
De acordo com o gráfico 11, apesar de 45,45% dos usuários informaram que a população valoriza o espaço, Praça da Liberdade, ainda há forte oposição quanto a este aspecto, pois 36,36% dos usuários acham que a população não valoriza o espaço e 18,18% não se pronunciaram ou não souberam responder. Foi durante o domingo que
137 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
apareceu a maior parte das repostas positivas e as respostas negativas estão distribuídas, igualmente, entre os demais dias da semana. GRÁFICO 11: A população valoriza o espaço? - 2015
40 30 30 20
24 19
10 9
6
18
4
7
6
5
6
6
1
13
16 8
6
12
2
0 Domingo
Dia de Semana Sim
Sexta Não
Sabado
Outro
Total
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
Outra pergunta realizada foi se a Praça é bem gerida pelo poder público e, de acordo com o gráfico 12, a resposta mais escolhida foi “sim”, com 48,48%, em seguida por “não”, 28,78% e “outro” com apenas 22,72%. GRÁFICO 12: A Praça é bem gerida pelo poder público? - 2015 40 30
32
20 19
10 9 7 3
18 11 5 2
5 2 6
13
16 7 5 4
19
15
0 Domingo
Dia de Semana Sim
Sexta Não
Outro
Sabado
Total
Total
Fonte: elaborado pelos autores.
O mapa a seguir mostra a regional de origem dos usuários pesquisados, ao analisá-lo, percebe-se que 39,4% moram na regional Centro-sul, seguida pela regional Pampulha que contém 15,1% das residências e as demais regionais separadas não passam de 9,1%.
138 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Mapa 2: Regional de Origem das Pessoas Entrevistadas na Praça da Liberdade, Belo Horizonte – 2016
Fonte: elaborado pelos autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os frequentadores da Praça da Liberdade apontam que a implantação do Circuito Cultural agregou valores culturais e despertou na cidade o turismo intelectual concebido em espaços destinados ao conhecimento e ao saber, por meio de museus, memoriais e centros culturais com os seus variados temas. Apesar de não ter aparecido de forma relevante na pesquisa, a utilização do Circuito para fins escolares também se faz presente naquele espaço, com o propósito de imersão dos alunos no mundo do conhecimento cultural e científico; as escolas, cada vez mais, investem nessa nova forma de experimentação e conhecimento dos espaços da cidade.
139 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Sendo o espaço da praça um organismo dinâmico que sempre se metamorfoseia ao receber novos componentes fixos e/ou fluxos, percebemos que algumas características antigas da praça ainda se fazem muito presente na atualidade (caminhada, footing102, rodas de conversa, passeio com pets, recreação) e que outras vão ganhando espaço e adeptos (uso de drogas e bebidas alcoólicas, moradia para grupos socialmente excluídos, “esquenta pré-balada e pós”, prática de slackline e outros). Fica claro que a praça hoje é resultado das transformações históricas e sociais daquele espaço e, portanto, traz marcas residuais de seus melhores e piores momentos históricos como a inauguração da sede do governo em 1897, a instalação da Feira Hippie em 1969, a reforma dos jardins em 1991 e, recentemente, em 2010 a criação do Circuito Cultural Praça da Liberdade. É notória a atuação da territorialidade na Praça da Liberdade identificada através da observação empírica possibilitada. Durante os dias úteis a maior parte dos usuários são moradores locais que usam a praça para passeio com animais de estimação, “prosear” com os demais moradores e praticar atividade física. Outra presença marcante na Praça durante os dias úteis são as excursões escolares destinadas ao Circuito Cultural. Contudo, durante os finais de semana, temos a presença de moradores das demais regiões de Belo Horizonte e a incidência de turistas nos principais monumentos públicos e, consequentemente, na própria Praça da Liberdade. Deixamos aqui a pesquisa em aberto para que futuros pesquisadores possam mergulhar na infinidade de aspectos da Praça da Liberdade como diversidade cultural, social, econômica e outras. Esperamos que este estudo possa auxiliar de alguma forma e ajudar em pesquisas sobre o espaço, colaborando para um planejamento futuro, levando em conta as peculiaridades do local e o público que o frequenta. REFERÊNCIAS CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007, 85 p. CIRCUITO CULTURAL PRAÇA DA LIBERDADE. Disponível em: http://circuitoculturalliberdade.com.br. Acesso: 21 maio 2015. LOBATO, Paulo Henrique. A praça do povo e da cultura. Caderno Gerais. Jornal Estado de Minas. 22 de março de 2010. MACEDO, Silvio Soares; ROBBA, Fábio. Praças Brasileiras. São Paulo: Ed USP, 2002. 102
Footing: Passeio a pé, para espairecer ou à guisa de exercício físico. Local numa cidade onde se faz esse passeio, esp. com objetivo de arranjar namorado(a).
140 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
MACHADO, L. M. C. P. A praça da Liberdade na percepção do usuário. Revista Geografia e Ensino, São Carlos, SP: v. 5, n. 1, p. 19-33, 1993. PENNA, Octavio. Notas Cronológicas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1997. PEREIRA, Francelino. Espaço Cultural da Liberdade: Praça da Liberdade: Belo Horizonte, capital do século: 12/12/1897 – 12/12/1997. Brasília: Senado Federal, 1998. 135p. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado, fundamentos teórico e metodológico da geografia. Hucitec. São Paulo 1988. TUAN, Yi-FU. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1980.
141 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA ARTE, CULTURA E SOCIEDADE DE BELO HORIZONTE: TENSÕES ENTRE MODERNIZAÇÃO E MODERNISMO (1897-1930) TRADICIÓN E INOVACIÓN EM EL ARTE, CULTURA Y SOCIEDAD DE BELO HORIZONTE: TENSIONES ENTRE MODERNIZACIÓN Y MODERNISMO (1897-1930) André Mascarenhas Pereira103104 RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar a configuração do cenário artístico e cultural de Belo Horizonte nas três primeiras décadas do século XX a partir da hegemonia de um grupo de artistas clássicos, produtores de obras que refletiam o gosto e os valores tradicionais das elites belo-horizontinas. Posteriormente, constata-se que o desenvolvimento urbano e industrial da cidade a partir da década de 1920, contribuiu não só para a ampliação das atividades da imprensa local, mas também de forma ideológica, para impulsionar a atuação de um grupo que reivindicava a consolidação de correntes modernistas em Belo Horizonte. Baseando-se numa abordagem sociocultural, foi possível relacionar as transformações estruturais na cidade com o surgimento de grupos artístico-intelectuais de tendências progressistas. A partir da utilização de conceitos como modernização e modernismo, buscou-se estabelecer uma reflexão sobre a conexão entre transformações urbanas e as expressões artístico-culturais. Palavras Chave: Modernismo. Modernização. Belo Horizonte RESUMEM Este articulo tiene como objetivo identificar la configuración del escenario artístico e cultural de Belo Horizonte en la tres primeras décadas del siglo XX a partir de la hegemonía de un grupo de artistas académicos productores de obras que reflexionaban el gusto e los valores tradicionales de las elites belohorizontinas. Seguidamente si comprobó que el desarrollo urbano e industrial de la ciudad a partir de la década de 1920, contribuyó no solo para la ampliación de las actividades de la prensa local pero así como de carácter ideológico para impulsar la actuación de un grupo que reivindicaba la consolidación de corrientes modernistas en Belo Horizonte. Basando-se en un abordaje socio-cultural, fue posible relacionar las transformaciones estructurales en la ciudad con el surgimiento de grupos artísticos e intelectuales de tendencias progresista. A partir de la utilización de conceptos como modernización y modernismo, se buscó plantear una reflexión sobre la conexión entre transformaciones urbanas y las expresiones artísticas. Palavras Clave: Modernismo. Modernização. Belo Horizonte
Introdução Para o desenvolvimento deste artigo foi de grande importância considerar a configuração da sociedade belo-horizontina durante os primeiros 30 anos subsequentes à sua fundação a fim de compreender as complexidades do círculo artístico-cultural local. É valido ressaltar que o presente trabalho não se trata de um estudo sumário de teoria ou de análise estética da arte, mas de uma abordagem sob a perspectiva da 103
Graduado em História pela PUC Minas. Doutorando na linha de História Social da Cultura no Programa de PósGraduação em História da UFMG.
142 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
história social da cultura, da qual foca a produção artística e a relação deste campo com as reformulações estruturais na cidade de Belo Horizonte. Diante desta proposta, recorre-se a obra de Marshall Berman (2007), Tudo que é Sólido Desmancha no Ar, para denominar como modernização as transformações físicas, tais como o desenvolvimento urbano e industrial. E, no que tange às expressões culturais, intelectuais e artísticas influenciadas por estes processos, a definição de modernismo. Neste aspecto, busca-se estabelecer um diálogo com Nestor Garcia Canclini (1997), que propõe um estudo no qual constata-se um desajuste entre estes dois fenômenos na América Latina.105 Para ele, nos países latino-americanos as manifestações modernistas foram abundantes e não acompanharam os projetos de modernização realizados em seus próprios países. Embora considera-se pertinente sua análise, constatou-se que no caso belo-horizontino as manifestações modernistas foram muito influenciadas pelas transformações urbanas, pelo crescimento da imprensa e pela ascensão de uma nova geração de artistas e intelectuais a partir da década de 1920. Dentro de tal perspectiva que correlaciona à arte como uma produção do mundo social, Pierre Francastel (1965), revela que as contribuições da sociologia e da história auxiliaram uma abordagem em que se considera o tempo, o espaço e os agentes que produzem tais fontes, assim, “Toda arte é a transposição das necessidades e das aspirações da época em que nasce. É, portanto, legítimo pedir-lhe tantos elementos de conhecimento histórico, isto é, descritivo e global, como sociológico, isto é, sistemático, da vida das sociedades.” (p.47). Deste modo, entende-se que a produção artística carrega uma subjetividade que é concebida como fruto de um imaginário e representações influenciadas pelo seu contexto sócio-político e até mesmo por causas econômicas, como Pierre Bourdieu (1996) afirma ao se referir ao campo artístico. O campo artístico é formado por um sistema estruturado de relações, das quais distintos agentes que possuem variadas posições disputam a dominação de um determinado capital simbólico (status que define o prestígio, autoridade, reconhecido socialmente). Tal disputa é travada com o objetivo de apropriar-se deste capital – em suma, do posto de consagração, como um grau elevado de autoridade e prestígio de uma área específica. Neste caso, o campo artístico configura-se em uma arena na qual os artistas de posições menos privilegiadas, (ou até, pode-se dizer, inferiores) traçam
105
Em Culturas Hibídas (1997), Canclini propõe no capítulo Contradições Latino Americanas, um exercício que busca detectar como existiram processos estruturantes debilitados (modernização), diante de uma abundante onda de manifestações modernistas.
143 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
estratégias para quebrar a hegemonia de artistas consagrados e apoiados pelas classes dominantes. O produtor do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que produz o valor da obra de arte como fetiche ao produzir a crença no poder do criador do artista. Sendo dado que a obra de arte só existe enquanto objeto simbólico dotado de valor se é conhecida e reconhecida, ou seja, socialmente instituída como obra de arte por espectadores dotados da disposição e da competência estéticas necessárias para conhecer e reconhecer como tal, a ciência das obras tem por objeto não apenas a produção material da obra, mas também a produção do valor da obra ou, o que dá no mesmo, da crença no valor da obra (BOURDIEU, 1996, p.259).
A partir desta relação entre arte e sociedade, sua relação com as transformações do mundo urbano e a delineação de um campo de produção que envolve agentes produtores, classes político-sociais consumidoras e apreciadoras de arte e o prestígio simbólico dos artistas, torna-se possível compreender esta conjuntura na sociedade belohorizontina nas primeiras décadas do século XX. A hegemonia da arte acadêmica, com temática predominante das paisagens mineiras e representações rurais e da natureza, foi intensamente apreciada e patrocinada pelas elites da cidade desde sua fundação. Em 1918 é fundada pelo artista fluminense Aníbal Mattos a Escola Mineira de Bellas Artes que por meio desta se institucionaliza um círculo de artistas que vão dominar a produção da capital de forma inconteste até o início da década de 1920, período que marca uma série de transformações na estrutura urbana na capital e a participação de um grupo de jovens intelectuais e artistas.106 No que se refere à Escola Mineira de Bellas Artes, a partir do momento em que seus integrantes são contestados, inicia-se um embate no campo artístico, que se agravou aproximadamente no início da década de 1930. Tais integrantes, como os pintores Aníbal Mattos e José Amedée Peret começaram a ser questionados por este grupo ascendente que começava a reivindicar espaço dentro do circuito das artes em Belo Horizonte. O questionamento pautou-se basicamente por dois motivos: a monopolização do espaço artístico e a manutenção de correntes tradicionais. Tal questionamento pode ser identificado na seguinte crônica sobre o salão Bar Brasil de 1936 que circulou no jornal Folha de Minas: “Os artistas 106
A esta nova geração de artistas nomeamos intelectuais e artistas, que a partir da década de 1920 começaram a se destacar gradualmente no cenário cultural belo-horizontino. Além de um fator cultural, destacamos nestas disputas com artistas clássicos o fator geracional. A grande maioria destes nasceu no século XX, como: Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Abgar Renault, Emilio Moura, Achilles Vivacqua, Fernando Pieruccetti, Domingos Monsã, Érico de Paula e Delpino Júnior.
144 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
novos foram discutir a arte na penumbra de um bar. São oposicionistas. Não concordam com a evidência concedida em Minas ao pintor Aníbal Mattos” (SILVA, 1936, p.03). 107 Por isso, torna-se relevante analisar social e culturalmente os agentes produtores e seu público apreciador a fim de compreender a configuração do campo artístico de Belo Horizonte em suas três primeiras décadas. Arte, cultura e sociedade nos primórdios da capital mineira Planejada de acordo com as novas tendências que influenciavam o pensamento político e científico da época, Belo Horizonte foi fundada em 1897, sob a as regras da premissa positivista: racionalizada, higiênica e ordenada. A fundação da cidade consolidava de forma material e simbólica a nova proposta das elites políticas mineiras. Inspiradas nos marcos do progresso, essas elites inauguraram a cidade ideal para oficializar o advento da República e se distinguir dos padrões coloniais remanescentes da antiga capital Ouro Preto. Após sua inauguração foi necessário que os setores e funcionários administrativos do estado também migrassem para a nova capital. Isso fez com que várias famílias se deslocassem de Ouro Preto e outras cidades do interior para se estabelecer em Belo Horizonte. Esse processo gerou uma vida social incongruente com a proposta estética que a cidade representava. Sua população, acostumada à vida pacata e apática interiorana, não catalisava o cosmopolitismo das grandes metrópoles. Nas primeiras décadas após a inauguração da cidade, a imprensa belo-horizontina fazia uma campanha contra a bucólica monotonia que predominava na cidade. “Praças, ruas, cafés, apesar de convidativos aos encontros, pareciam entregues ao abandono ou eram então usufruídos timidamente. ” (JULIÃO, 1996, p.64). Em suma, a nova capital, desde sua inauguração até a década de 1920 contrastava cada vez mais uma ambivalência: formada sob um indumentário moderno, porém com forte peso da tradição. “A capital não passava de um cenário fundado na miragem do progresso, monumento de uma sociedade empenhada numa modernização superficial [...]” (idem,1996, p. 62). Tal tradição era uma característica arraigada na população que se transferiu de cidades interioranas e fez com que a o ambiente sociocultural transitasse entre o provincianismo das cidades interioranas e o 107
Ivone Luzia Vieira em seu artigo de 1997 sobre a emergência do modernismo em Belo Horizonte aponta para estas reivindicações dos artistas emergentes contra as artes que consideravam oficiais e acadêmicas.
145 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
cosmopolitismo das metrópoles que ganhavam ares dinâmicos com suas transformações culturais, econômicas e políticas. Mas, beirando seus vinte e poucos anos, a Belo Horizonte idealizada segundo os últimos preceitos urbanísticos dividia opiniões. Discursos opostos eram construídos e divulgados através da imprensa quanto ao fato da capital ter ou não chegado a bom termo quanto às aspirações de seus construtores e habitantes: moderna e civilizada, trepidante, uma verdadeira metrópole; ou, ao contrário, uma cidade pacata e provinciana, perdida em meio das montanhas de Minas, e onde, pela sua “sem graceza”, nem mesmo o trem tem vontade de parar (SILVEIRA, 1996, p.121).
Os primeiros habitantes da nova capital, indivíduos provincianos vindos das cidades do interior, sentiam o choque com a modernidade que era evidenciada principalmente no urbanismo da capital. Os novos residentes sentiam uma espécie de incongruência entre espaço e a vida sociocultural. Desta forma é que se apresentava um sentimento de hesitação por parte dos moradores que caminhavam pelas ruas da cidade: acostumados às pequenas ruas, mais semelhantes a veredas, sentiam-se deslocados no meio das grandes avenidas.
“A mudança, para estes primeiros habitantes, abalou
inequivocadamente a tradição e os costumes inerentes a seu lugar de origem e até seu próprio grupo familiar [...]” (ANDRADE, 2003, p.83). Seus planejadores tiveram sucesso na sua construção, através da técnica e da objetividade. Todo cientificismo e recurso técnico que resultaram em sua modernidade não foram capazes de se concretizar uma experiência cosmopolita de sua população. Contraditoriamente, a vida sociocultural de vilas e pequenas cidades foram transportadas juntamente com seus novos habitantes, oriundos de cidades como estas, mantendo um estilo de vida interiorano. Em que pesem as intenções de seus formuladores, o projeto de construção de Belo Horizonte não atendeu aos objetivos de se criar uma metrópole moderna para Minas, na medida em que foram para lá transplantados os laços pessoais, os vínculos familiares dos redutos rurais e as redes políticas de preservação do poder (BARROS citado por VISCARDI, 2008, p.35).
As artes plásticas na capital refletiam a característica ambígua de Belo Horizonte: fundada para ser moderna e o símbolo da República, tinha em sua essência a pretensão de ser uma cidade que estivesse condizente com as ideias progressistas, no entanto ainda se carregava o peso interiorano conferindo um aspecto tradicionalista. A apreciação artística da população ainda se caracterizava pela essência provinciana da qual o gosto pela paisagem mineira era predominante. Na temática paisagística, seja 146 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
urbana ou não, destacam-se as visões de ícones representativos de Minas Gerais como as montanhas, os panoramas de cidades históricas, árvores típicas como ipês ou roseiras, fazendas e demais temas pastoris (RIBEIRO, 1997). Entretanto, o gosto por tal temática vigora nas artes plásticas nos primeiros anos com referências a temas religiosos, paisagísticos e históricos. Com uma roupagem de cidade moderna, o tradicionalismo era a verdadeira essência da nova capital, perpetuando por vários anos. Esse processo de continuidade cultural pode ser observado também nas demais manifestações artísticas, ambiente onde são comuns os saraus recitativos, as operetas, e as exposições curiosamente feitas em vitrines de lojas comerciais, nos saguões de hotéis ou foyers de teatro, como ocorreram na Europa no início do século XIX. Entretanto deve ser destacado, que já na primeira década do século XX ocorreram inovações pertinentes devido à influência europeia de artistas que contribuíram na pintura, escultura e fotografia, relevantes para a mudança de referenciais artísticos. (...) Émile Rouede, Frederico Steckel, João Amadeu Mucchiut, Francisco Soucausaux e Igino Bonfioli, “entre outros - pintores e escultores e fotógrafos provenientes da França, Alemanha, Áustria e Itália que introduziram o paisagismo, o simbolismo e o realismo na arte da nova capital. ” (RIBEIRO, 1997, p. 233). No que se refere às demais atividades intelectuais como a imprensa, desde a inauguração da cidade existiam publicações imaturas e efêmeras que apenas conseguiram se estabilizar em meados da década de 1920. Com exceção do jornal Minas Gerais
108
, que era o veículo oficial do Estado, vários periódicos tiveram curta
duração. Tal escassez de veículos de imprensa foi um agravante para a promoção de mais artistas e intelectuais que não eram atrelados a dinâmica dos periódicos oficiais. Em uma crônica de 1936, Fritz Teixeira Salles define com precisão a situação do artista em Belo Horizonte ao longo de quase 40 anos: “O artista em Belo Horizonte só vê dois caminhos na sua frente: o emprego público (sinônimo de assassinato da arte) ou a debandada para outros centros” (SALLES, 1936).
Ou seja, a atividade artística
intelectual diante de um cenário de poucos espaços de produção, como um circuito cultural dinâmico e amplo era refém das classes políticas que diante das instituições de governo promoviam um acanhado palco para a atuação destes agentes. A imprensa assim como as demais atividades culturais era restrita. 108
O Minas Gerais se transferiu de Ouro Preto para Belo Horizonte, em 1898; em 14 de julho de 1914, o jorrnal se desenvolveu graficamente, devido à aquisição de uma máquina de impressão Marioni.
147 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Belo Horizonte concebida como a expressão da modernidade que se anunciava com o advento da República e que configurava no seu traçado geométrico e meticuloso a racionalidade como matriz da ordem social, se via amesquinhada na sua atividade editorial. Belo Horizonte era, para Moacyr de Andrade em 1925, “a cidade que Gutemberg esqueceu”, pois, a transitoriedade das publicações que aqui surgiam indicavam que a imprensa não se enraizava na cidade e que todas acabavam por se extinguir precocemente (LINHARES, 1995, p. 25).
Outro jornal que permaneceu ativo por um largo período foi o Diário de Minas,109 tendo em vista que era diretamente financiado e representava oficialmente o Partido Republicano Mineiro. O que se pode observar nos jornais Minas Gerais e Diário de Minas, nas primeiras décadas, é que sempre funcionaram sob a manutenção das classes politicamente hegemônicas, portanto das facções que dominavam a administração estadual e municipal. É possível observar que esses jornais serviram como meios para a divulgação dos artistas acima citados, de suas exposições e propagandas de suas produções artísticas. Como será possível identificar adiante, verifica-se que o Diário de Minas e o Minas Gerais, desde o início do século XX, eram verdadeiros veículos de publicidade para artistas como Honório Esteves, Genesco Murta e Aníbal Mattos: “Está exposto na livraria Joviano um quadro do distinto pintor Honório Esteves, destinado a ornar a Vida de Santa Efigênia, que demos notícia. É uma alegoria a Ouro Preto; Santa Efigênia derrama luz sobre a cidade, vendo-se ao fundo, sobre o Itacolomy, a capelinha da Santa” (DIÁRIO DE MINAS, 1902, p.01). No periódico Minas Gerais, encontra-se também a divulgação de uma futura exposição da qual Honório Esteves participou: “O Artista Honório Esteves, que está pintando uma grande tela, representando o panorama de Ouro Preto e destinada à Exposição Nacional de 1908, pretende fazer ali uma exposição de seus quadros” (MINAS GERAIS, 1908, p.5). Estava mais que evidente que a essência provinciana ainda era forte nos habitantes de Belo Horizonte, que os grupos de receptores admiravam e valorizavam a arte voltada para as cidades coloniais de Minas Gerais.
109
A publicação comum do Diário de Minas teve início no dia 1º de janeiro de 1899. Sempre se caracterizou como um jornal político, principalmente por ser um órgão do PRM. Sua principal sede estava localizada na rua da Bahia.
148 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
O nosso patrício Honório Esteves exporá terça-feira, no salão da Câmara dos deputados, o seu belo quadro Panorama de Ouro Preto, que vai figurar na Exposição Nacional. Esse trabalho, um dos melhores do festejado artista, será, por certo, nesta capital muito admirado, mormente pelos filhos da lendária cidade mineira (MINAS GERAIS, 1908, p.5).
A veneração ao Ouro Preto vivia intensamente na memória coletiva de grande parte dos habitantes da nova capital. A pintura de um panorama desta cidade muito se relacionava à conexão com as linhagens históricas dos mineiros. Enquanto Belo Horizonte era relacionada ao novo, sua Ouro Preto era relacionada a tradição e origem: A Exposição que Honório Esteves realiza agora nesta capital, no atelier Belém, tem atraído a atenção pública, pela variedade das telas exibidas, todas entre elas executadas com o savoir faire a que o autor habituou os apreciadores da arte. Nele figuram trechos pitorescos da velha capital, edifícios públicos, sítios históricos como sejam (MINAS GERAIS, 1913, p.4, grifo nosso).
No ano de 1917, o artista fluminense Aníbal Mattos se transfere definitivamente para Belo Horizonte, a convite do senador Bias Fortes, mudando, em certos aspectos, o curso das artes plásticas na cidade. Desde 1913, Mattos já gozava de um grande prestígio por parte dos habitantes da capital. No período, era considerado um artista de qualidade incalculável, com uma atividade técnica muito admirada. Nesse mesmo ano, o pintor já visitara a cidade para realizar uma exposição. Sua atuação significou a movimentação, diante da pacata lentidão da vida cultural belo-horizontina. Belo Horizonte aguarda com justificada ansiedade a inauguração, em princípios de agosto, da exposição de quadros do estimado pintor patrício Aníbal Matos. Essa exposição anuncia-se como um verdadeiro acontecimento de arte e a nossa população terá mais uma vez oportunidade de levar a sua admiração e o seu aplauso ao moço pintor. [...] (Revista VITA, 1913).
Portanto, sob a concessão do poder público, desde o início da década de 1920, existia a hegemonia das manifestações artísticas conferidas a Aníbal Mattos. “Em 1918 foi fundada por este a Escola de Bellas Artes, sintonizada com os ditames da política local; na década de 1920, ele consegue consolidar as bases sobre as quais se edificou a hegemonia acadêmica em Belo Horizonte” (VIEIRA, 1997, p.133). Atuando com prestígio em Belo Horizonte, Mattos dirigia, sob sua tutela, praticamente todas as atividades acadêmicas e exposições da cidade. “O ambiente artístico mineiro desse período é bastante amorfo, salvo quanto às iniciativas do pintor Aníbal Mattos, a quem estão entregues praticamente todas as promoções e estímulos à arte do período” (ÁVILA, 1986, p.174).
149 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Entretanto, deve ser feita uma observação a respeito de Aníbal Mattos que estava coerente com as aspirações da sociedade belo-horizontina. Suas ações sempre tiveram o aval dos setores públicos. De fato, a própria Escola que fundou passou a ter subsídio Estatal, em 1932. Suas contribuições muito valeram para o desenvolvimento artístico da cidade.
“Por iniciativa do artista professor Aníbal Mattos, vamos ter, muito
brevemente, em nossa capital, essa nova associação. A Sociedade Mineira de Belas Artes terá como fim principal levar avante a ideia de nossas exposições anuais de arte, e a propagação do ensino (sic) profissional artístico” (DIÁRIO DE MINAS, 1918, p.1). Além da Escola de Bellas Artes que significou um espaço para o conhecimento e criação, em 1920 foi organizada a exposição de Zina Aita. Impulso artístico para a capital, essa exposição fortalece Belo Horizonte e sua proposta de modernidade. Mesmo não possuindo o ímpeto revolucionário de gerações posteriores, com a mostra de Zina Aita revelam-se os primeiros sinais de inovação. Aníbal Mattos foi também o responsável pelo primeiro filme de ficção produzido em Minas Gerais, no ano de 1923, chamado “Canções de Primavera”. Mattos, portanto, tinha o Estado como Mecenas, formando uma relação, na qual o artista era subordinado ao poder político. A década de 1920: Primeiros sinais de transformação
O fim da Primeira Guerra Mundial também traz profundas mudanças em Belo Horizonte. A cidade deixa de ser apenas centro administrativo e se amplia como pólo comercial, industrial, político e econômico. Consequentemente surgem e agrupam-se associações na sociedade, com a proposta de melhorias de suas condições enquanto classes trabalhadoras. O desenvolvimento que se observa é em grande parte resultante da ação dos empresários locais que já se firmam então como grupo de razoável autonomia em relação ao Estado [...] Observa-se durante todo o período acentuado interesse por parte dos grupos sociais de se organizarem, seja para fazer frente aos problemas que atingem a economia da cidade como é o caso das classes produtoras, seja no sentido de se agruparem por categorias socioprofissionais, como é o caso dos profissionais liberais (Associação dos Médicos, dos Advogados, dos Jornalistas, etc.) ou ainda para reivindicar direitos, como é o caso de Associações de bairros, e as diversas associações operárias (PLAMBEL, 1979, p.138, 140).
A partir da década de 1920, as mudanças estruturais em Belo Horizonte foram intensificadas com o crescimento da indústria, da população e da dinamização da vida cultural. “Nessa época a cidade já estava cultural e socialmente equipada para responder 150 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
às demandas de uma vida urbana que se intensificava” (ANDRADE, 2004, p.86). Neste período, atuavam nomes como os de José Peret
110
, Alberto Delpino
111
, Honório
Esteves112, Anibal Mattos, Genesco Murta113 e Francisco Paula Rocha114. Não obstante, mesmo com as mudanças identificadas nas estruturas urbana, social e cultural de Belo Horizonte, perpetuava-se a pintura impressionista, permanecendo o gosto pela natureza e paisagem mineira, expondo tais obras uma característica mais documental do que uma representação interpretativa. O tradicionalismo e o comportamento provinciano representavam o que os apreciadores da arte almejavam vislumbrar nas aquarelas desses artistas. Produzia o que a sociedade demandava e apreciava principalmente aquilo as elites políticas financiavam como aponta Ivone Luzia Vieira: “O racionalismo e pragmatismo da burguesia local, compromissada com a oligarquia mineira articulada a Política dos Governadores, favoreceram o florescimento em Belo Horizonte de uma arte harmoniosa com o status quo” (VIEIRA, 1997, p. 125). Portanto, é possível verificar que desde a formação de Belo Horizonte, até as décadas de 1920 e 1930, a cidade estava submersa em um profundo paradoxo: foi planejada para ser um centro metropolitano moderno, com um potencial para abranger indústrias e faculdades, mas setores da sociedade que ditavam os rumos e atividades artísticas e culturais permaneciam conservadores, alinhados aos direcionamentos das elites políticas (JULIÃO, 1996). No ano de 1920, Belo Horizonte contava com uma população de 56.914 habitantes e em 1925 já possuía 81.396 (PAULA; MONTE-MOR, 2004). Com um expressivo crescimento populacional e físico, as transformações da cidade não tinham influência sobre esses artistas, sendo inexpressivas ou raríssimas as representações sobre a paisagem urbana belo-horizontina.115 Não existiam em suas obras a Belo Horizonte enquanto capital do Estado de Minas Gerais, das décadas de 1910, nem 110
Belo Horizonte, 1898 - 1970. Caricaturista, pintor e escultor. Foi um dos primeiros caricaturistas de Belo Horizonte a se destacar na imprensa. Frequentou o ateliê do artista Genesco Murta e a Academia Imperial Britânica de Belas Artes. Trabalhou na revista Vida de Minas, entre outros periódicos da cidade. 111 Juiz de Fora, MG, 1864- Belo Horizonte, 1942. Pintor, caricaturista e professor. Estudou na Academia Imperial de Belas Artes, RJ, e na Academia de Paris. 112 Santo Antônio do Leite, MG, 1860 - Mariana, MG, 1933. Pintor, paisagista e professor. Estudou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro e fundou, em 1886, o Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto, MG. 113 Minas Novas, MG, 1885 - Belo Horizonte, 1967. Pintor, desenhista, caricaturista e professor. Transferiu-se para Belo Horizonte em 1910. Participou da Primeira Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte, no Bar Brasil, em 1936. 114 Sabará, MG, 1879 - Belo Horizonte, 1937. Pintor e paisagista. Foi aluno de José Dotti e de Alberto André Delpino. Trabalhou como professor no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte. 115 Como foi apontado por Vivas em seu artigo de 2011 sobre as exposições de Belas Artes em Belo Horizonte, os pintores de formação clássica não se interessavam pela cidade moderna que se configurava. Interessavam-se mais nas paisagens de fazendas, montanhas e demais temáticas interioranas.
151 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
mesmo a emergente metrópole da década de 1920.116 Como é observado na citação seguinte, sobre os pintores da Paris do início do século XX, não existia a mesma identificação correspondente na relação entre o impressionismo dos artistas de Belo Horizonte e o registro da cidade moderna: Nesse ponto a contribuição dos pintores impressionistas ou neoimpressionistas é essencial. Não somente as obras revelam correspondências entre os espaços urbanos criados e as formas novas de sensibilidade, mas, por sua leitura da cidade, seu olhar, os artistas criam uma imagem da capital (RONCAYOLO, 1999, p.91).
Sobre as reflexões anteriores, é pertinente questionar; estaria a capital recéminaugurada, caracterizada para glorificar e oficializar o advento da era republicana, da ascensão de uma classe progressista e industrial, coerente com a vida artística e cultural das grandes metrópoles nas quais foi inspirada? Ícone da inovação que se contrapunha às antigas cidades coloniais, a capital mineira estaria vivenciada pelo espírito cosmopolita e dinâmico de grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro? Esta incongruência era muito perceptível no comportamento dos habitantes da nova capital. No discurso, Belo Horizonte era a cidade que romperia com os vestígios coloniais (MELLO, 1996), símbolo do progresso, da modernidade, porém, na prática, os habitantes se revelavam muito conservadores, apegados ao passado de cidades interioranas como é possível perceber na apreciação artística. Ao se refletir sobre as constatações de Canclini (2008) e adaptá-las a realidade de Belo Horizonte, verifica-se que esta relação entre modernização e modernismo foi complexa. Configurada dentro de uma lógica de modernização econômica, política e administrativa a cultura da capital não refletia um conjunto abundante de expressões modernistas durante os primeiros 20 anos do século XX.
117
Este tipo de
comportamento, que significou um conflito de valores de indivíduos na cidade moderna, foi analisado por Marshall Berman:
116
Sobre estas representações Belo Horizonte, entre 1908 e 1940, poderíamos citar poucas obras que retratam a capital, como a de Frederico Steckel, Avenida João Pinheiro de 1908 e de Genesco Murta, Rua da Bahia de 1933. 117 Suas reflexões sobre os desajustes entre modernização e modernismo na América Latina foram fundamentais e nevrálgicas para o presente artigo, entretanto para o autor, a escassez de projetos modernizadores não remeteu a um esvaziamento de expressões modernistas.
152 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Nossos pensadores do século XIX eram simultaneamente entusiastas e inimigos da vida moderna, lutando desesperados contra suas ambiguidades e contradições; sua auto ironia e suas tensões íntimas constituíam as fontes primárias de seu poder criativo. Seus sucessores do século XX resvalaram para longe, na direção de rígidas polarizações e totalizações achatadas. A modernidade ou é vista com um entusiasmo cego e acrítico ou é condenada a uma atitude de distanciamento e indiferença […] (BERMAN, 2007, p.35).
Se por um viés, artistas em 1918 instauram a Escola de Belas Arte com o intuito de promover e inovar a arte, na década de 1920 não se modificou nem em forma e conteúdo as pinturas difundidas na cidade. A tendência clássica de origem acadêmica, continuava como modelo artístico hegemônico. Quando começou a residir em Belo Horizonte, Aníbal Mattos foi homenageado com a 1ª Exposição Geral de Belas Artes que contou com artistas como Honório Esteves. Essa união entre os artistas clássicos118 de Belo Horizonte despertou o interesse e foi celebrada com entusiasmo por intelectuais da imprensa oficial, como nos jornais Diário de Minas: Vai despertando grande entusiasmo a iniciativa do pintor professor Aníbal Mattos. Sabemos que os nossos artistas, principalmente os pintores, trabalham com afinco para o êxito do nosso 1º Salão de Primavera. Dentro de breves dias será convocada uma reunião de todos os artistas aqui domiciliados para a organização de regulamento e formação das comissões (DIÁRIO DE MINAS, 1917, p.1).
Apesar de toda expectativa de inovação que foi gerada devido à primeira exposição de Aníbal Mattos como morador de Belo Horizonte, por ser um artista renomado no Brasil, a mimese da natureza e o panorama interiorano ainda predominavam como elementos principais e fundamentais das pinturas. “Continua em franco sucesso a exposição de Aníbal Mattos. A Cruz dos caminhos, Paisagem Mineira, No pasto, A porteira e Madrugada no Paraíba e muitas outras telas despertam o mais vivo entusiasmo nos visitantes” (DIÁRIO DE MINAS, 1917, grifo nosso). Anos se passavam e o prestígio de Mattos e de suas aquarelas, que documentavam a paisagem mineira, era cada vez maior na alta sociedade belohorizontina. Predominantemente, toda a elite política do Estado era natural das antigas cidades do interior de Minas. Portanto, a cidade moderna surge como uma necessidade funcional adaptada às demandas dessas facções.
118
Optou-se neste artigo por denominar estes artistas como Mattos, Peret e Murta e outros, que tiveram formação em academias de Belas Artes e influências de correntes como o impressionismo, de artistas clássicos. Tal denominação foi empregada, como se destacou anteriormente por não se tratar de uma análise estética da arte. Desta forma, a fim de não cometer equívocos de estética e corrente artística, buscou-se recorrer a um termo pertinentemente utilizado no relevante artigo de Vivas de 2011.
153 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Não obstante, mesmo habitando em Belo Horizonte, o modo de vida ainda era provinciano. Optaram pela construção de uma nova sede, pois o espaço e localização da antiga capital não comportariam as necessidades técnicas e administrativas exigidas na época. Desta forma, as classes dominantes da nova capital se empenhavam em manter tal tradição e encontravam na arte paisagística mineira representações que abastecia subjetivamente estas condutas: Uma simples inspeção aos quadros da exposição Terra Mineira é bastante para logo nos pôr em contato com um artista de excepcional merecimento, com uma palheta opulenta, rica de tonalidades imprevistas, interpretando com requinte de estesia (sic) e assombrosa segurança e felicidade aspectos inéditos da nossa estonteadora e empolgante natureza. [...] Acompanhado de todos os seus auxiliares de governo, esteve ontem no conselho deliberativo, visitando a exposição Aníbal Mattos, o Dr. Raul Soares, Presidente do Estado (DIÁRIO DE MINAS, 1924, p.01).
A citação superior esclarece a situação do campo artístico em Belo Horizonte no referente período: as classes politicamente hegemônicas de Minas Gerais criavam um aparato, para conferir à memória coletiva uma imagem idealizada do Estado. Tais classes através de sua influência e seu capital econômico eram responsáveis pela produção cultural da capital. Portanto é pertinente constatar que a cultura tem uma relação de dependência política e econômica, uma vez que os bens culturais são produzidos a partir de uma demanda das elites da capital. Pelo fato de que descansam em uma relação com a cultura que é inseparavelmente uma relação com a economia e com o mercado, as instituições de produção e difusão de bens culturais, na pintura como no teatro, na literatura como no cinema tendem a se organizar em sistemas estruturais e funcionalmente homólogos entre si que mantêm ademais uma relação de homologia estrutural com o campo das frações da classe dominante (onde se recruta a maior parte de sua clientela) (BOURDIEU, 2009, p. 169).
A influência que o poder público tinha sobre os artistas mineiros era expressiva; artistas como Genesco Murta eram financiados pelo Estado para realizar intercâmbios na Europa. Outro aspecto a se levantar é que em 1925 persistia a manutenção da temática paisagística e documental. A visita dos artistas da Semana de 1922 a Minas Gerais, pouco ou nada influenciou este grupo de artistas clássicos. Em 1925, uma coluna no jornal Diário de Minas divulga a exposição de Genesco Murta que expõe, em sua maioria, telas marinhas e paisagens:
154 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Terá lugar hoje às 14 horas no salão nobre do Clube Belo Horizonte a inauguração da exposição de pintura do artista mineiro Genesco Murta, que estava na Europa em estudos como pensionista de nosso Estado. Genesco Murta que é uma individualidade muito interessante em nosso meio artístico exporá perto de 40 telas de assuntos dos mais variados de paisagem e marinha (DIÁRIO DE MINAS, 1925, p.3).
Já haviam se passado 10 anos desde que Aníbal Mattos se estabeleceu em Belo Horizonte e sua hegemonia sobre o circuito artístico cultural era sólida. Em 1928, Aníbal Mattos ainda possuía o mesmo apreço e ainda tinha sob sua tutela o predomínio das exposições de artes em Belo Horizonte. Sua atuação era tão ampla que conseguiu reunir artistas como Honório Esteves e José Peret em sua exposição. Com a presença de autoridades governamentais e grande número de pessoas realizou-se ontem a abertura da IV Exposição Geral de Belas Artes no foyer do teatro Municipal. A maior parte dos trabalhos são quadros a óleo expondo o Sr. Aníbal Mattos, organizador do certame [...]. Estão expostos 249 trabalhos e em uma visita não se pode avaliar com consciência do valor dos expositores e sim, apenas dar uma impressão sobre a generalidade deles. Expõe aquarela: Aníbal Mattos, Honório Esteves, José Silva, J.J. das Neves, Maria Esther d´Almeida Mattos, Noêmia de Vasconcelos Smith Horta. Na parte de escultura aparecem Antônio Mattos e José Peret (DIÁRIO DE MINAS, 1928, p. 3).
Os artistas clássicos, em sua maioria, graduados na antiga Academia Imperial de Belas Artes, outros já graduados na reformada Escola Nacional de Belas Artes, tinham uma formação clássica, muita apreciada por esses setores mais conservadores da incipiente sociedade belo-horizontina. Eram patrocinados pelo Estado, sendo este o grande mecenas dos artistas, comprando suas obras e oferecendo-lhes espaços para seus Salões. Os jornais Diários de Minas e Minas Gerais se configuraram como veículos de comunicação destinados a sustentar os interesses das elites políticas da capital mineira. Esses jornais, ao contrário das demais publicações de Belo Horizonte, tiveram um tempo de atividades mais extenso, exatamente por serem destinados ao interesse político. A imprensa no período que abrange a fundação da capital até a década de 1920, tinha uma característica rústica e desordenada da qual enfrentava-se os limites técnicos e estruturais para edições mais aprimoradas (CASTRO, 1997). Em meados da década de 1920, a imprensa em Belo Horizonte consegue se sustentar em bases mais sólidas e torna-se mais profissional. A imprensa belo-horizontina acompanhou a transformação urbana e industrial da cidade no período citado. Se o período de 1897 até 1926, aproximadamente, marca uma instabilidade na imprensa de Belo Horizonte, devido a vários aspectos, após esse período é possível 155 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
verificar que as atividades intelectuais e editoriais, vão-se consolidando e adquirindo uma maturidade e estabilidade. Após esse período, verifica-se um surto de publicações dos quais jornais como Estado de Minas e Folha de Minas conseguem se firmar no meio jornalístico da capital, assim como começam a surgir e a ganhar prestígio várias revistas ilustradas. A quantidade de publicações lançadas no início da década de 1920 em Belo Horizonte é expressiva, contando com a edição de variados jornais e revistas. Esse crescimento significou a ampliação e dinamismo das atividades intelectuais, artísticas e literárias da capital. Com o desenvolvimento urbano e industrial de Belo Horizonte, na década de 1920, e o crescimento de sua população, verifica-se uma explosão de publicações, durante os anos de 1920 a 1925. “O número de publicações foi também significativo e dá ideia do razoável nível de organização dos grupos sociais na capital” [...] (PLAMBEL, 1979, p.173). De acordo com Joaquim N. Linhares, no catálogo Itinerário da Imprensa em Belo Horizonte: 1895-1954, nesse período de cinco anos do início da década de 1920, até sua metade, a cidade já contava com 52 publicações, entre as quais jornais e revistas. O crescimento populacional de Belo Horizonte, entre 1920 e 1930, era de 7,7% ao ano. A cidade, a partir desse período já contava com uma vida cultural mais dinâmica, devido ao desenvolvimento das estruturas. A consolidação das Faculdades que existiam na capital ampliava os panoramas intelectuais, abrindo espaço para a disseminação cultural. Belo Horizonte, ainda que com uma modernização gradual, começava não só a transformar sua roupagem de capital moderna, mas sua essência também se renovava. Na cidade já era possível encontrar vários estabelecimentos como cafés, bares, cinemas, clubes, restaurantes, lojas de roupas e artigos. Aos poucos as atividades de lazer e cultura ao promover novas formas de sociabilidade e entretenimento, conferia dinamismo à capital. No que se refere ao aspecto intelectual, as publicações iam se difundindo e consequentemente livrarias e bibliotecas também prosperavam, fazendo com que Belo Horizonte começasse a renovar sua atmosfera cultural e artística. As atividades literárias continuavam seu intenso ritmo de publicações. A partir de 1925, até
156 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
o fim da década, surgiram mais 46 periódicos na cidade, entre eles duas revistas que devem ser destacadas: A Revista119, de meados de 1925 e Leite Criôlo, em 1929. Enquanto se engendrava o processo de industrialização e crescimento econômico, paralelamente polarizavam as concepções de cunho ideológico, com expressiva participação da sociedade na vida política de Belo Horizonte. De acordo com Andrade (2004), a vida metropolitana pode conformar um novo tipo de percepção do mundo e da obra de arte, muito mais ágil e sujeita às contínuas mudanças. Este cenário pululante propiciou o surgimento de uma nova geração de artistas e intelectuais assim como lacunas para a reivindicação de mais oportunidades e inovação artístico-cultural. Em 1929, uma missão artística pedagógica europeia chega à capital, tendo como integrantes a escultora belga Jeanne Milde120 e a pedagoga Helena Antipoff.121 A contribuição artística da primeira dinamizou o cenário cultural da cidade até mesmo para a consolidação do grupo de artistas plásticos mineiros que começou a ganhar força na década de 1930. As constatações de Jeanne Milde, sobre a cena artística de Belo Horizonte, representam a necessidade de se formar uma vanguarda em prol da arte: “os artistas aqui não se procuram, não promovem reuniões e exposições que possam despertar nos filhos dessa terra maior amor pelas coisas da arte. O artista vive isolado. Trabalha na surdina.” (MILDE apud LIMA, 1986, p.11). A organização de uma consciência coletiva marca o início de vanguarda dos artistas mineiros, que integraram uma produção inovadora a uma ação política. De acordo com Williams (1989), a vanguarda corresponde a um grupo essencialmente formado por burgueses, ou por uma burguesia dissidente e influenciada pelo período de massiva industrialização, pela difusão da técnica e consolidação do pensamento racionalista, procurando assimilar tais aspectos e difundi-los em sua arte. Tais indivíduos, entretanto, procuram acompanhar o desenvolvimento tecnológico de sua época, comprometendo-se com uma proposta de rompimento com as antigas correntes artísticas. 119
A Revista foi, para Belo Horizonte, o referencial de modernismo literário na cidade, contando com intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Alberto Campos, Gabriel de Rezende Passos, Gustavo Capanema Filho, João Alphonsus de Guimaraens, Mario Casassanta, Milton Campos e Pedro Nava. Foi um grupo de rapazes, empolgado pelo espírito de renovação que assolava o país, encontravam-se no Café Estrela. Mais tarde juntaram-se a eles Ascanio Lopes, Dario de Almeida, Ciro dos Anjos, Guilhermino César e Emílio Moura. 120 Bruxelas, 1900 - Belo Horizonte, 1997. Escultora e professora de educação artística, diplomou-se pela Real Academia de Belas Artes de Bruxelas, em 1926. A convite do presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada chegou a Belo Horizonte em 1929. 121 Nasceu na Rússia em 1892, realizou a formação universitária em Paris e Genebra. Veio para o Brasil em 1929, a convite do governo do Estado de Minas Gerais, para participar da implantação da reforma de ensino conhecida como Reforma Francisco Campos-Mário Casassanta.
157 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Para a presente análise aceito a descrição convencional de vanguarda como um complexo de movimentos que se estenderam desde meados de 1910 até os fins da década de 1930. Na prática real estes pontos limites não existem. O que é a única marca distinta e mesmo neste caso de maneira incompleta, é menos uma questão de verdadeira escritura de formações que impugnaram não somente as instituições artísticas senão a mesma instituição da Arte e de Literatura, tipicamente em um programa amplo que incluía mesmo o derrocamento da sociedade existente e sua reconstrução. (WILLIAMS, 1989, p.91).
Portanto, o que se observa é que Belo Horizonte atravessava por franco processo de industrialização, de modernização das estruturas políticas e econômicas e de crescimento populacional. No início dos anos 1930, do século XX, a capital já tinha uma expressiva população de 140.000 habitantes (PLAMBEL, 1979). Essa fase de transformações influenciou vários setores da sociedade. Alguns viam esse período como uma fase de progresso e fim do provincianismo que imperava na cidade. Esse novo período de inovações, para alguns intelectuais, também deveria ser expandido para as artes. Tal sentimento se expressa na coluna Marginalia que era uma sessão de A Revista, periódico organizado por Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava em que se consta que o pintor Genesco Murta não se relaciona com as correntes mais modernas. Apesar do reconhecimento de Genesco Murta e de suas qualidades, assim como sua contribuição artística, sua técnica, assim como seu vanguardismo foi questionado. E a melhor coisa do sr. Genesco, esta exploração pictural do Castello, se bem que ele raramente nos satisfaça com o seu desenho pouco firme e o seu colorido quase sempre artificial. Alguém nos lembrou que o sr. Genesco é impressionista. Duvidamos. Evidente que elle não assimilou nem os princípios da técnica nem a essência desta escola. Não vemos em seus trabalhos aquele estudo da luz levado ao infinito nas telas de Manet, Renoir, Sisley e Berthe Morizot nem a sublime indiferença pelo assunto do quadro (para nós, o lado que «ficou», do impressionismo), que enfim ajustou a pintura à sensibilidade moderna, tornando possível a estilização tanto dos jardins, lagos, montanhas, nus, como de canecas, pratas, cadeiras, jornais. [...] Por outro lado, o sr. Genesco pinta «exclusivamente» paisagens escolhidas, seletas, «pintáveis», com o respectivo repuxo si é jardim, onda revirada' si é praia, casinha de sapé si é sertão. Isto não quer dizer que o sr. Genesco Murta não seja um bom pintor. É muito bom mesmo, para o nosso meio acanhadíssimo (sic). Contudo, não tem um toque decidido de modernismo nem afeiçoa as possibilidades de sua arte a realidade de nossa natureza (A REVISTA, 1926, grifo nosso).
Na seguinte crítica artística do jornal Diário de Minas, em 17 de novembro de 1926, apesar de favorável ao pintor Aníbal Mattos, já se admitia que suas obras não tinham a mesma característica e essência daquelas de artistas da “vanguarda” do Rio de Janeiro e São Paulo: 158 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Aníbal Mattos é uma criatura excepcional, e sua maior originalidade está em que ele trabalha, acredita e constrói. Embaraços a toda conta povoam-lhe o caminho. Aníbal não se impressiona e segue para frente, calmo, perseverante, teimoso. Está longe da arte saudável e característica de um Di Cavalcanti ou de uma Tarsila do Amaral, por exemplo, e nem nós aconselhamos que siga por esse caminho, que não diz com suas predileções e gostos individuais (DIÁRIO DE MINAS, 1926, p.02).
Para alguns jornalistas e críticos de arte do período, já se lamentava em Belo Horizonte a falta de uma arte revolucionária, como as que emergiram em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, durante a década de 1920. Essa ausência pode ser percebida numa reportagem de jornal, referente a uma exposição de Aníbal Mattos e Renato de Lima:122 A exposição deste ano apresenta um conjunto equilibrado, com trabalhos apreciáveis e dignos de figurar nos salões da Capital, geralmente tão pobres em matéria de pintura e escultura. Não temos nenhum vanguardista do pincel. Os Picasso e Di Cavalcanti, cá não figuram com os seus excessos efêmeros (PEREIRA, 1934, p.03).
Portanto, disseminava-se um ímpeto modernizador assumido por alguns setores da sociedade de Belo Horizonte, que contagiou não só literatos, mas artistas de todas as áreas. Jornais e revistas da capital circulavam com certa regularidade entre a população, sendo uma forma de integração social. Desta forma, verifica-se, que existia uma intelectualidade de caráter mais progressista que se mobilizou por um projeto modernista. Como pode ser visto na capa de revista Tank, publicada em 1919. A capa do periódico continha a ilustração de um tanque de guerra, acima das torres da Igreja de Boa Viagem e no horizonte eram perceptíveis indústrias diante das montanhas que caracterizavam a paisagem da capital. Ainda tinha, como detalhe, o tanque atropelando palavras como: inércia, má vontade, apatia, ao mesmo tempo em que este carregava para a cidade palavras como indústria, comércio, política, vida social, letras, artes, ciência e humorismo. No início dos anos 1930, o esforço modernizador assumido pelos artistas, engenheiros e arquitetos de Belo Horizonte resultou na fundação de edificações importantes e arrojadas como o parque Industrial de Contagem, em 1930, o edifício Ibaté em 1935, o Cine Brasil em 1932, além do planejamento do bairro da Pampulha, também iniciado em 1936 (LIMA, 1986). A capital mineira e suas construções recémfundadas abrigavam arquitetos, paisagistas que também estimulavam o senso de criação desse grupo de artistas em gestação. 122
Exposição de Bellas Artes de Aníbal Mattos e Renato de Lima. Teatro Municipal, Belo Horizonte, 1934.
159 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Para Cristina Ávila (1991), não existia ainda um ambiente propício, para a formação nas artes plásticas, de uma vanguarda modernista como foi a vanguarda literária. Para a autora, enquanto a literatura já era um gênero modernista, as artes plásticas estavam estagnadas frente “à atmosfera acadêmica, com seus artistas sequer ultrapassando a revolução impressionista.” (AVILA, 1986, p.164). Sobre a afirmação de Ávila e demais autores que seguem seu argumento como Braga (2009), Figoli e Noronha (2009) é pertinente abrir espaço para uma constatação: De fato, as artes plásticas eram monopolizadas por artistas clássicos financiados pelo Estado. Conclusão As concepções de cunho ideológico e cultural não se dão na sociedade necessariamente com o processo de industrialização. Neste aspecto, verifica-se que os artistas e membros da sociedade belo-horizontina do início do século XX, estiveram muito mais influenciados por uma tradição provinciana, não como um “universo paralelo”, mas sim devido a uma realidade social atrelada as origens e os hábitos interioranos e tradicionais. Em contrapartida, a expansão da imprensa e transformações urbanas que ocorreram com maior intensidade no início da década de 1920, produziram aspectos relevantes na conformação de uma nova geração reivindicadora de inovações. Como afirma Canclini (2008), a disparidade entre modernismo e modernização foi muito intensa na América Latina. O autor aponta que a alfabetização, as transformações industriais e alterações nas estruturas sociais na América Latina estavam aquém da realidade europeia, portanto não significou a ausência de uma quantidade de vanguardas modernistas exuberantes. Por outro lado, verifica-se que a construção de Belo Horizonte, se baseou em referenciais positivistas que tinham como proposta homenagear o governo republicano e contrapor referenciais tidos como ultrapassados. Esta inovação técnica, racional e ordenada de Belo Horizonte muitas vezes se encontrava desajustada aos costumes da população. Desta forma, ao seguir as definições de Marshall Berman, verifica-se que o modernismo como fruto da relação dialética com a modernidade, em suas estruturas concretas, não se difundiu espontaneamente nas ideias e posturas de seus habitantes. Ou seja, o projeto da cidade é desenhado como um marco simbólico do progresso, embora grande parte da população apresentasse comportamentos e valores provincianos. Ao se retomar a reflexão dos desajustes entre modernismo e modernização, verifica-se a redução desse descompasso, quando novo fluxo de transformações urbanas influencia 160 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
de forma considerável uma nova geração (muitos já nascidos durante o século XX), de artistas e intelectuais que se harmonizam com as correntes modernistas. Por fim, é possível inferir que por ser uma cidade que possuía em suas primeiras décadas uma população de migrantes de cidades do interior do estado, a ambivalência era a característica mais marcante dos habitantes de Belo Horizonte. Nesse ínterim as artes plásticas representavam as expectativas e anseios das elites políticas do Estado, na busca nostálgica por um passado provinciano, idealizado. Neste artigo não se buscou subestimar muito menos negligenciar o valor da contribuição e a importância dos artistas clássicos como Aníbal Mattos e Genesco Murta no cenário artístico e cultural de Belo Horizonte. Entretanto buscou-se relacionar que sua apreciação assim como suas produções corresponderam a demandas das classes políticas tradicionais da capital, muito arraigadas em sua herança provincial. A hegemonia destes artistas era relacionada a um campo de atuação restrito com poucos espaços de atuação e reconhecimento para correntes mais condizentes com as tendências modernistas; e somente a partir das transformações urbanas, ampliação das atividades intelectuais e o consequente crescimento de uma imprensa mais progressista, que se reivindicavam uma inovação do circuito artístico. Identifica-se que desde a fundação da capital mineira (e várias outras cidades), o governo estadual e a prefeitura sustentados por suas elites políticas, atuaram como mecenas da arte. A emergência de um grupo de artistas modernos nas décadas de 1920 e 1930 e da irreverente mostra do Salão Bar Brasil, proporcionou um reconhecimento da arte moderna na sociedade belo-horizontina. Entretanto, esta corrente viria a ser reconhecida e consolidada ao submeter-se e incorporar-se ao ciclo ditado pelo mecenato do poder público, fato que ocorreu em meados da década de 1940; o caso exemplar foi o patrocínio do então Prefeito Juscelino Kubitschek aos artistas fluminenses e paulistas de cunho modernista por meio da realização do I Salão de Arte Moderna ocorrido em 1944.
REFERÊNCIAS ANDRADE, Luciana Teixeira de. A Belo Horizonte dos modernistas: representações ambivalentes da cidade moderna. Belo Horizonte: Editora PUC Minas - C/Arte, 2004. ANDRADE, Luciana Teixeira de. O Espírito do modernismo. Cadernos de Ciências Sociais. (Porto), v. 4, nº. 6, p. 33-41.1995. ÁVILA, Cristina. Modernismo em Minas - literatura e artes plásticas: um paradoxo, uma questão em aberto. Análise e Conjuntura; v. 1, n. 1: p.165-199, jan./abril. 1986.
161 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
ÁVILA, Cristina. Processo de Modernização do Espaço Cultural Mineiro. Coleção Artes & Postais. p. 05-20. ÁVILA, Cristina e BERNIJ, Eliana Mourão. Anibal Mattos e seu tempo. Belo Horizonte: PBH-Secretaria Municipal de Cultura, 1991. BERMAN, Marshall. Marx. Modernismo e Modernização. In: Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 99-137. BOURDIEU, Pierre. Três Estados do Campo. In: As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BRAGA, Vanuza Moreira. Sylvio de Vasconcellos e o Pensamento Moderno em Minas Gerais (19391964). Anais ...VIII Encontro Regional Sudeste de História Oral, 2009; Belo Horizonte. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia e na educação. Estudos avançados. v.17, n.49, set./dez. 2003. p. 209-231. CANCLINI, Néstor García. Contradições Latino Americanas. In: Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997. CASTRO, Maria Céres Castro Spínola; A Aventura da Imprensa. In: CASTRO, Maria Céres Castro Spínola; VAZ, Paulo Bernardo Ferreira (Org.). Folhas do Tempo: Imprensa e Cotidiano em Belo Horizonte 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG –AMI-PBH, 1997. FIGOLI, Leonardo Hipólito Genaro; NORONHA, Ronaldo de. et al. O Antigo e o Moderno: O Campo artístico em Belo Horizonte no início do século XX. Anais... 32º Encontro da ANPOCS: GT Pensamento Social: 2006; Caxambú. FRANCASTEL, Pierre. Dimensões da expressão figurativa. In: A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1965. p. 21-87. JULIÃO, Letícia. Itinerários da cidade moderna (1891-1920). In: DUTRA, Eliane de Freitas; (Org.). BH: Horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. pp. 49-119. LIMA, Luis Augusto et al. O modernismo em Minas: o salão de 1936. Belo Horizonte: Museu de Arte de Belo Horizonte, 1986. p. 7-18. MELLO, Ciro Flávio Bandeira. A noiva do trabalho: uma capital para a República. In: DUTRA, Eliana de Freitas (Org.). BH: Horizontes Históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. pp. 17-48. MONTE-MÓR, Roberto L. M. PAULA, João Antônio. Formação histórica: três momentos da história de Belo Horizonte. CEDEPLAR, FACE/UFMG. jul, 2004. PLAMBEL. O processo de desenvolvimento de Belo Horizonte: 1897-1970. Belo Horizonte: Plambel, 1979. p. 03-125. RONCAYOLO, Marcel. Mutações do Espaço Urbano. A Nova Estrutura da Paris Haussmanniana. Projeto História; vol. 1: p. 91-96, maio. 1991. SILVA, Newton; D’Aguiar, Antônio. Belo Horizonte: a cidade revelada. Belo Horizonte: Fundação Emílio Odebrecht, 1989. p. 133-145. SILVEIRA, Anny Jacqueline Torres. O sonho de uma petite Paris: os Cafés no cotidiano da Capital. In: DUTRA, Eliana de Freitas (Org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. p. 152-203. SOUZA, Marco Antônio. A República dos desvalidos e a Nova Capital de Minas. In: PAIVA, Eduardo França. Belo Horizonte: histórias de uma cidade centenária. Belo Horizonte: Faculdade Newton Paiva, 1997. p. 59-63.
162 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
VIEIRA, Ivone Luzia. Emergência do modernismo. In: RIBEIRO, Marília Andrés e SILVA, Fernando Pedro da (org.). Um século de história das artes plásticas em Belo Horizonte. Belo Horizonte: C/ArteFundação João Pinheiro, 1997. pp. 114-165. VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. A Capital controversa. Revista Arquivo Público Mineiro. vol, 43, nº 2, fasc. 2. pp. 28-43. jul./dez. 2007. VIVAS, Rodrigo. Aníbal Mattos e as Exposições Gerais de Belas Artes em Belo Horizonte. 19&20. v. VI, n. 3, jul./set. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/rv_am.htm>. Acesso em: 15 maio 2015. WILLIAMS, Raymond. La politica de la vanguarda. In: La Política Del Modernismo: contra los nuevos Conformistas. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 1997. p.71-89. FONTES ESCRITAS A REVISTA. COLEÇÃO BRASILIANA Instituto de Estudos Brasileiros IEB, Universidade de São Paulo, USP. ano I , n . 3. jan. de 1926. A EXPOSIÇÃO dos artistas Modernos: Uma nota distribuída aos jornais pelos seus organizadores. Folha de Minas. 15/09/1936, nº. 588. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais. A SOCIEDADE Mineira de Belas Artes, Diário de Minas. 1918, p. 01. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais: COM ÊXITO invulgar inaugurou-se ontem no Bar Brasil, a Exposição de Arte Moderna, organizada por Delpino Júnior. Estado de Minas. 11/09/1936, nº. 2920 p. 07. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais: DISCURSO proferido no encerramento da Exposição de Arte Moderna do Bar Brasil. Pelo Prefeito Otacílio Negrão de Lima. Estado de Minas. 03/10/1936. nº 2940. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais: DINIZ, Dimitrief. A exposição de arte moderna. Folha de Minas. 20/09/1936, nº 593. p. 05. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais: ENCERRADA a Exposição de Arte Moderna. Folha de Minas. 25/09/1936, nº 598. p. 04. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais ENCERRA-SE hoje a Exposição de Arte do Bar Brasil. Estado de Minas. 24/09/1936. nº Hemeroteca do Estado de Minas Gerais.
294.
EXPOSIÇÃO de Artes Modernas. Estado de Minas. 10/09/1936, nº. 2927. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais: EXPOSIÇÃO de Aníbal Mattos. Vita. 1913. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais: EXPOSIÇÃO GERAL de Belas Artes. Correio Mineiro. 20/06/1933, p. 6. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais. EXPOSIÇÃO Renato de Lima: Será Inaugurada hoje essa mostra de pintura. Minas Gerais. 01/04/1934. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais: JARDIM, David. Arte Moderna. Catálogo da Exposição de Arte Moderna, Bar Brasil. set, 1936. Coleção Alberto Delpino de Mendonça: OFICINAS do Diário. Diário de Minas. 06/02/1936, 3ª edição. Coleção Yedda Pieruccetti. PEREIRA, G.A. O Salão Mineiro de Pintura: Notas Impressionistas. Folha de Minas. 1934, p.3. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais:
163 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
SALÃO de Genesco Murta. Diário de Minas. 1925, p.3. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais: SALLES, Fritz Teixeira. A exposição de Arte. Folha de Minas. 06/09/1936, nº 580. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais: SILVA, Jair. O subterrâneo dos Artistas. Folha de Minas. 18/09/1936. nº 592. p. 03. Arquivos Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais SILVEIRA, Victor. As Artes em Minas. Minas Gerais. 1925, p.539. Imprensa Oficial. Especiais da Superintendência de Museus de Minas Gerais.
Arquivos
UMA EXPOSIÇÃO de arte moderna que se inaugura. Folha de Minas. 11/09/1936, nº. 584, p. 04. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais. UMA EXPRESSIVA Mostra de Arte Mineira. Folha de Minas. 09/09/1936. nº 582. p.04. Hemeroteca do Estado de Minas Gerais IV EXPOSIÇÃO Geral de Belas Artes. Diário de Minas. 1928, p. 3. Superintendência de Museus de Minas Gerais.
Arquivos Especiais da
164 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
ENTREVISTA
Entrevistadores: Demilson Malta Vigiano Gabriella Diniz Mansur Yuri Mello Mesquita Vilma Camelo Sebe Formada em Biblioteconomia – UFMG Trabalha no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte desde de 1994 Chefe de Divisão de Arquivos Permanentes
Foto: Acervo APCBH
Apresentação Na efeméride do aniversário dos 25 anos do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, a REAPCBH entrevista a bibliotecária e chefe da Divisão de Arquivos Permanentes da instituição Vilma Camelo Sebe, a servidora em atividade com mais tempo de casa. O objetivo é transmitir para o leitor os desafios e as transformações de um arquivo público na perspectiva de uma funcionária que viveu internamente todo esse processo. REAPCBH pergunta: Belo Horizonte se tornou a capital do Estado em 1897. O Arquivo foi criado em 1991. Em que contexto foi criado o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte? Qual foi o envolvimento da Prefeitura? Vilma Camelo Sebe responde: O Arquivo surgiu numa época em que não se tinha acesso à documentação produzida pela Prefeitura. Se alguém quisesse, por exemplo, saber sobre os gastos ocorridos na construção do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, não havia como fazê-lo. Os documentos eram inacessíveis.
165 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Então, em 1989, criou-se a Secretaria Municipal de Cultura. Essa Secretaria ficou encarregada de criar um órgão responsável pela gestão de documentos da Prefeitura. Para isso, realizou-se um seminário com a presença de profissionais de várias instituições, tais como: o Arquivo Nacional, o IEPHA, o Arquivo Público Mineiro, a UFMG e outras instituições para discutir as bases em que o Arquivo seria criado. Desde o começo, a Prefeitura de Belo Horizonte se envolveu e se empenhou decisivamente para o surgimento do Arquivo. Seja encaminhando projetos de lei para a Câmara, investindo recursos ou ainda envolvendo funcionários nesse processo. REAPCBH p.: Como foi a formação profissional dentro do Arquivo? Com a criação
do
curso
de
Arquivologia
o
que
muda?
É
importante
a
interdisciplinaridade? Vilma Sebe. r.: A formação profissional aconteceu de muitas maneiras e em diferentes ocasiões. Em alguns momentos, vários profissionais foram convidados a ministrar cursos e oficinas no Arquivo. Em outros, os funcionários é que participaram de seminários, congressos, fóruns e conferências realizados dentro e fora do Estado. Alguns funcionários também fizeram cursos de especialização, e outros ainda participaram de cursos específicos, dados pelo Arquivo Nacional na área de conservação, organização, arranjo e descrição de documentos. Muitas vezes o investimento era feito pela Prefeitura, outras vezes pelo próprio funcionário. Com a criação do curso de Arquivologia, passamos a ter, em nosso meio, profissionais formados e mais capacitados a tratar o acervo de documentos. O curso de Arquivologia nos possibilitou também a contratação de estagiários que têm dado uma valiosa contribuição ao Arquivo. A presença deles nos aproxima mais da Universidade e, com isso, podemos compartilhar com eles a teoria e a prática. Essa troca de conhecimentos é muito enriquecedora durante a execução das atividades. A interdisciplinaridade é essencial dentro de um arquivo, pois nele lidamos com documentos de diversas áreas do conhecimento. Por isso mesmo, precisamos de profissionais de vários segmentos: advogados, pedagogos, arquitetos, historiadores, bibliotecários. 166 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
REAPCBH p.: O APCBH ao longo dos 25 anos enfrentou alguma dificuldade? Ocorreram mudanças? Vilma Sebe r.: O APCBH, ao longo desses 25 anos, enfrentou e tem enfrentado muitas dificuldades. Ainda não temos uma sede própria e adequada. Este fato acaba gerando problemas como a falta de espaços apropriados para as áreas de recebimento de documentos e higienização. Também temos altas temperaturas nos ambientes de trabalho que, claro, interferem negativamente na produtividade dos funcionários. O prédio tem problemas relacionados a acessibilidade dos usuários ao Arquivo. Temos dificuldade em adquirir materiais de consumo. Muitas vezes possuímos a verba, mas dependemos do processo licitatório que não encontra empresas interessadas em participar dele, devido às pequenas quantidades de materiais a serem adquiridos. Isso afeta o andamento do nosso trabalho. O número de técnicos ainda é insuficiente para a execução das inúmeras atividades dentro do Arquivo. Não contamos ainda com um plano de classificação de documentos. Isso dificulta a organização dos documentos tanto para os órgãos da Prefeitura quanto para o Arquivo. Também temos muitos problemas com o nosso banco de dados. Isso dificulta a disponibilização da informação. Nos últimos três anos, no entanto, o prédio em que estamos, passou por várias melhorias como as áreas de guarda que ganharam estantes deslizantes, ampliando esses espaços. Temos com uma área de digitalização de documentos que, em muito, contribui para a divulgação, o acesso e a preservação do acervo, bem como uma área de conservação de documentos mais bem estruturada; Contamos ainda com uma sala de consultas com ar condicionado e mobiliários que proporcionam mais conforto tanto para os consulentes quanto para os funcionários. E estão previstos, até o final desta gestão, muitos outros melhoramentos como ampliação das áreas de trabalho e guarda.
167 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
REAPCBH p.: Ocorreu alguma mudança na Prefeitura de Belo Horizonte em relação ao Arquivo? A PBH está aprendendo a entender o papel da instituição? Vilma Sebe r.: Muitas mudanças ocorreram e vêm ocorrendo nessa relação da Prefeitura com o Arquivo. Se pensarmos na quantidade de documentos e em seus mais variados formatos e suportes, que foram recolhidos ao Arquivo e que vêm sendo recolhidos atualmente, é porque essa relação se estreitou bastante, e a Prefeitura tem valorizado o papel do Arquivo que vem sendo cada vez mais reconhecido. Se pensarmos no volume de investimentos que já foram feitos e que estão previstos até o final desta gestão, é porque a Prefeitura tem percebido o valor e a importância do Arquivo para a preservação, a organização e o acesso a seus documentos. A Prefeitura tem, após a criação do Arquivo, segurança na hora de dar a destinação aos seus documentos, pois ela conta com uma tabela de temporalidade. Através dela, é preservado o que realmente deve ser preservado. Quando, por exemplo, um órgão era extinto ou as áreas de trabalho se encontravam cheias de documentos, eles eram encaminhados para depósitos. Hoje os documentos são encaminhados para o Arquivo onde são organizados, tratados e disponibilizados para consulta. Os cursos de sensibilização ministrados pelo Arquivo aos diversos órgãos da Prefeitura têm dado bons frutos. Penso que tanto a Prefeitura, que é o produtor dos documentos, quanto os cidadãos comuns, as universidades, os pesquisadores, estudantes das mais diversas áreas, têm compreendido o papel e o valor do Arquivo, pois é crescente o número de trabalhos, monografias, teses, dissertações, que foram e vêm sendo feitos, utilizando as informações constantes na documentação recolhida ao Arquivo.
168 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
SEÇÃO O ARQUIVO NA SALA DE AULA – PROPOSTA 1 Julia Ferreira Veado123
Nível de ensino: Fundamental/Séries Finais Ensino Médio Educação de Jovens Adultos (EJA) Tema: Permanências femininas Disciplina: Português Interdisciplinaridade: História Transversalidade: Campanhas publicitárias Período: 2 aulas
Documento 1 Título: Anúncio Dia das Mães/ Mês das Noivas Rochedo -Alumínios do Brasil Gênero: Textual (revista); iconográfico (fotografia, desenho) Instituição de guarda: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – Fundação Municipal de Cultura Notação do documento 1: http://issuu.com/apcbh/docs/c.16-x-037 (página 9)
Descrição sumária do(s) documento(s): Campanha publicitária da Rochedo – Alumínios do Brasil, por ocasião do Dia das Mães de 1959. Traz um casal diante de diversas panelas, em que a mulher está admirando seu presente novo, o qual somente ela poderá usar, como deixa claro o termo “ela” sublinhado na peça publicitária. 123
Graduada em Letras – FALE/UFMG. Mestranda em Linguística do Texto e do Discurso – FALE/UFMG
169 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Documento 2 Título: Anúncio Dia das Mães Lojas Pernambucanas Gênero: Arquivo pessoal: Catálogo promocional das Lojas Pernambucanas, distribuído na própria loja, no período de abril/ maio de 2013. Notação do documento 2: http://i1175.photobucket.com/albums/r636/juliajfv/pernambucanas_zps5kfvpcyq.png
Descrição sumária do(s) documento(s): Capa de um catálogo das Lojas Pernambucanas em que a opção de presente (para o dia das mães) em destaque é uma geladeira. Objetivos da atividade: A partir da análise de campanhas publicitárias do Dia das Mães, perceber a associação que se faz entre utensílios domésticos e a figura das mulheres, em especial, das mães, e de que forma isso configuraria modelos estereotipados atribuídos ao gênero feminino. Procedimentos/estratégia de ensino: Primeira aula: Para essa aula, seria interessante discutir a relação existente entre discurso e sociedade. Ao apresentar os objetos de análise, procurar conceitualizar a noção de gênero do discurso. Sendo a linguagem um fenômeno sócio histórico, pode-se 170 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
pensar nas produções discursivas (e textuais) sendo permeadas por elementos que sugerem trocas entre diferentes sujeitos e discursos. Nesse sentido, o conceito de gênero mostra-se uma ferramenta importante para melhor compreensão dos discursos (e textos) que nos cercam e de como nos relacionamos com eles. Os gêneros nos ajudam a perceber certas características marcantes de um discurso, especialmente quanto ao tema, ao estilo e à estrutura composicional. Partindo disso, propõe-se a reflexão sobre o gênero (discursivo) anúncio publicitário, tendo em vista que, em função de este ter como objetivo a venda de um produto, ele está ainda mais suscetível às interferências da conjuntura sócio histórica e cultural. Um anúncio ou uma propaganda (comercial), em geral, dialoga com os costumes de uma época, procedimento essencial para o bom desempenho de seu objetivo principal: vender. Para enriquecer tal discussão, propõe-se mostrar os objetos, situando-os como peças publicitárias. Ainda sem informar as épocas em que foram produzidas, sugere-se pedir aos alunos que listem as características mais marcantes de ambos, as quais deverão ser discutidas na aula seguinte. Segunda aula: Sugere-se propor uma análise dos objetos separados para a atividade, comparando-os. Listar as semelhanças e as diferenças trazidas pelos alunos. Observar em que pontos as campanhas publicitárias se aproximam e se distanciam, verificando, para isso, elementos como o formato em que foram publicados (ambas são peças impressas), o local em que são veiculadas (revista; catálogo de loja); além de analisar tanto os dizeres verbais, quanto os iconográficos. Diante desse quadro, relacionar tais informações ao período a que cada peça foi produzida, destacando a diferença de cerca de 50 anos entre ambas. Nesse momento, conceitualizar os espaços e os papéis ocupados pelas mulheres na sociedade brasileira. Em relação à primeira peça (de 1959), pontuar o fato de que, nesse período, o gênero social feminino guarda uma maior dependência do masculino, tendo em vista que o acesso à formação profissional e ao mercado de trabalho era bastante limitado. Nesse período, a imagem da mulher “Amélia”124 ocupava uma posição de destaque dentre os modelos femininos da época, ou seja, o ideal de mulher nesse contexto era composto pela tríade: mãe, esposa e dona de casa.
124
Em referência à música “Ai que saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Letra disponível em: https://letras.mus.br/mario-lago/377002/)
171 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513
Em relação à segunda figura, apesar de ter sido produzida e veiculada em outro momento (2013), sugere-se pontuar o fato de ela compor a capa de um panfleto publicitário de uma rede de lojas consagrada. Além disso, ao considerar as mudanças alcançadas pelas representantes do gênero feminino, sugere-se mostrar que alguns valores direcionados a estas insistem em ser conservados. Por exemplo, a associação entre o lar e a mulher, o que pode ser destacado através da presença enfática de uma “geladeira” como opção de presente para o dia das mães. Pensando a noção representação como uma maneira de mostrar ou retratar um fato, uma realidade, propõe-se refletir sobre esse conceito e os estereótipos (enquanto representação cristalizada) e discutir as formas como a figura feminina foi retratada nos dois textos, propondo analisar as mudanças e as permanências que se pode notar nas representações que permeiam ambas as peças. Referências AMOSSY, Ruth; HERSCHBERG PIERROT, Anne. Estereotipos y clichés. Trad. Lelia Gándara. 1.ed. Buenos Aires: Eudeba, 2010. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. Trad. Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2006. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Trad. Angela S. M. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2007. DIAS, Eliana; MESQUITA, Elisete Maria de Carvalho; FINOTTI, Luísa Helena Borges; OTONI, Maria Aparecida Resende; LIMA, Maria Cecília de; ROCHA, Maura Alves de Freitas. Gêneros textuais e (ou) gêneros discursivos: uma questão de nomenclatura? Interacções. Lisboa, n° 19, p. 142-155, 2011. Disponível em: http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/viewFile/475/429 LOCHARD, Guy; BOYER, Henri. La communication médiatique. Paris: Editions du Seuil, 1998. MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, F. A.; SEVCENKO, N. (Orgs.). História da vida privada no Brasil – v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 367-421. PERROT, Michelle. Minha história de mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
172 REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 3, n. 3, setembro de 2016 - ISSN: 2357-8513