Dom António I

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D. António I – Rei de Portugal

PREÂMBULO INTERREGNO – D. ANTÓNIO, PRIOR DO CRATO Pela morte do cardeal rei D. Henrique tomaram a regência do reino os cinco governadores por ele nomeados. A duquesa de Bragança entregou seus direitos ao arbítrio deles, instando-os a que proferissem sem demora a sentença definitiva. Filipe II escreveu-lhes também, abonando seus direitos, e prometendo estar pelas capitulações propostas pelo rei defunto, segundo as quais continuaria sempre Portugal a ser governado por suas leis e costumes, com inteira separação da Espanha. Como dos cinco governadores eram três do partido de Filipe II, fizeram logo publicar as capitulações. O clero e nobreza aceitaram; porém os procuradores dos povos rejeitaram-nas, não porque elas fossem más, mas por entenderem que não seriam observadas. Em vista do que, os governadores, impacientes de entregar a Filipe o reino que lhe haviam vendido, dissolveram os estados, separaram das fortalezas os fidalgos que lhes eram suspeitos, e empregaram todos os outros meios, que os poderiam ajudar a levar a cabo a sua obra de infidelidade e traição. Pouco tardou que entrasse em Portugal o célebre duque d’Alba à testa de vinte mil espanhóis de tropas escolhidas. O povo acusava altamente os governadores de quererem entregar o reino a Filipe II, e o descontentamento era geral. D. António, prior do Crato, aproveitando-se destas disposições dos ânimos, fez-se aclamar rei em Santarém. O povo declarou-se facilmente a seu favor; mas como os fidalgos, os que não estavam vendidos a Castela eram pelos direitos da duquesa de Bragança, nenhum houve que o apoiasse, à excepção do conde de Vimioso, que se ligou a ele, e seguiu constantemente sua fortuna. D. António mar-

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chou imediatamente para Lisboa, onde foi recebido pelo povo miúdo, porque a peste tinha obrigado os grandes e ricos a fugirem da cidade. Mandou logo o conde de Vimioso a Setúbal, que se declarou também a seu favor, e os cinco regentes que então ali estavam, fugiram a toda a pressa, e pronunciaram a sentença por Filipe II, declarando-o rei de Portugal pela força das leis, quando estava a ponto de o ser pela força das armas. D. António, vendo-se senhor da capital, empregou todos os meios possíveis para haver gente e dinheiro: apoderou-se das joias da coroa, da prata das igrejas, e dos dinheiros do resgate dos cativos e obras pias, e deu a liberdade a todos os escravos que quiseram tomar armas por ele. Disto nasceram mil desordens, porque os pretos armados roubavam tudo que achavam, e cometiam muitos atentados. Mas ainda assim com esta gente mal armada, e sem disciplina, tentou D. António defender a passagem do Tejo ao duque d’Alba. Este general espanhol, já senhor de tudo quanto fica ao sul do Tejo, pois que os mesmos de Setúbal, que pouco antes se haviam declarado pelo prior do Crato, lhe entregaram aquela vila, passou sem dificuldade o seu exército para aquém do rio, ajudado pela frota de Espanha, que se achava fundeada em Cascais. Esta praça, e a de S. Julião da Barra se lhe renderam, e o duque marchou sem demora em direcção a Alcântara, onde D. António o esperava com a sua gente. Mas não tinha ele capitães que soubessem mandar, nem soldados que soubessem obedecer. O seu exército, muito inferior em todos os aspectos, foi inteiramente desbaratado a 25 de Agosto de 1580. Os espanhóis perseguiram os fugitivos até aos muros de Lisboa, que se lhe entregou por capitulação, escapando assim de ser entregue ao saque; porém os seus arrabaldes sofreram muitos roubos e violência da parte dos vencedores.

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Saiu D. António mal ferido da peleja, em que combatera com muito valor; e sem deter-se em Lisboa, retirou-se para Santarém, e daí para Coimbra, onde conseguiu reunir ainda uns quatro ou cinco mil homens, que foram pouco depois derrotados por D. Sancho d’Ávila, general espanhol que o duque d’Alba mandara sobre ele. Obrigado de novo a fugir, retirou-se para o Porto; mas tendo D. Sancho atravessado o Douro, e entrado nesta cidade, o prior do Crato dirigiu-se a Viana, onde embarcou num navio para França. Mas porque os ventos contrários lhe embaraçavam a saída, os espanhóis foram-lhe acometer o navio, de modo que o obrigaram a salvar-se numa lancha para a outra parte do rio, tendo a felicidade de escapar disfarçado por entre os soldados espanhóis que o procuravam. Escondido, ainda ficou em Portugal nove meses, sem que fosse possível descobri-lo, não obstante oferecerem os espanhóis oitenta mil cruzados a quem o entregasse, e terem feito atormentar, e sofrer até à morte alguns criados seus para os obrigar a atraiçoar seu amo. Por fim, depois de muitas tentativas inúteis em Lisboa e outros portos, conseguiu embarcar em Setúbal com doze amigos fiéis, e foi aportar a Calais. Depois da retirada de D. António todo o reino se sujeitou às forças de Filipe II. Entretanto, o prior do Crato apresentou-se em França com o título de rei de Portugal, e achou ali tal favor, que obteve de Henrique III os meios necessários para armar uma frota de sessenta velas, e avultado número de gente de desembarque, com que tentou uma expedição à ilha Terceira. Mas foi vencido pelos espanhóis, os quais tratando de piratas os muitos prisioneiros que fizeram, a todos deram morte com tratos cruéis. Todavia ainda por algum tempo conservou D. António alguns lugares daquela ilha na sua obediência, e ali mandou cunhar moeda, e exerceu outros actos de soberania; mas por fim foi obrigado a retirar-se, e com muito trabalho conse-

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guiu voltar para França. De lá passou à Inglaterra, onde a rainha Isabel o recebeu e tratou como rei de Portugal; e muitas pessoas armaram navios para andarem a corso contra os espanhóis, com cartas de marca por ele passadas. Depois da destruição da armada invencível, que Filipe II pôs no mar para a conquista da Inglaterra, a rainha Isabel concedeu a D. António uma boa armada e um exército auxiliar, ao comando dos cavalheiros Norris e Drake, para o restituírem ao trono de Portugal. A fim de obter os fundos necessários para o bom êxito desta empresa, D. António enviou o seu filho primogénito D. Manuel ao rei de Fez e Marrocos, em penhor de duzentos mil cruzados, que este lhe prometera emprestar. Porém Filipe II conseguiu desviar o mouro do cumprimento da sua promessa, restituindo-lhe em troca a praça de Arzila. A armada partiu de Inglaterra em 1589, e, apesar da grande perda que sofreu num mal sucedido ataque contra a Corunha, que o governo inglês mal aconselhado havia mandado se tentasse de caminho, veio aportar a Peniche, que logo se lhe rendeu. Dali partiu D. António por terra com o general Norris sobre Lisboa, enquanto Drake com a esquadra demandava a barra do Tejo. D. António chegou sem grande dificuldade a Santa Catarina de Ribamar, tendo-se-lhe já unido alguns portugueses; e sem dúvida Lisboa se lhe entregaria, porque era muito grande o descontentamento de todos contra os espanhóis, se o exército chegasse a acometer a cidade; mas ou fosse porque o general Norris receasse alguma traição, ou, como parece mais provável, pelas desinteligências que se levantaram entre ele e o almirante Drake, o certo é que a expedição se frustrou, e que as tropas voltaram para Inglaterra sem terem feito coisa notável. Aí se demorou D. António algum tempo, até que entendendo que já não havia para ele a mesma boa vontade que

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dantes se lhe mostrara, partiu para França a solicitar de Henrique IV os meios necessários para tentar de novo a fortuna. Mas eram muito grandes os apertos em que se via este soberano no seu próprio reino, para que pudesse atender a causas estranhas. D. António passou alguns anos em França já desenganado das suas esperanças, com falta de meios, e vivendo de uma pequena pensão que lhe dava Henrique IV, até que veio a falecer ao 26 de Agosto de 1595, na idade de sessenta e quatro anos. Foi sepultado no convento grande dos Franciscanos de Paris, e o seu coração depositado na igreja da Ave Maria, com um epitáfio em que se lhe dá o título de rei de Portugal. Foi este príncipe ornado de muita instrução e virtudes, porém a falta de prudência, e uma ambição inquieta cortaram-lhe de desgostos e trabalhos toda a sua vida. Deixou dois filhos, D. Manuel, que casou na Holanda com uma princesa da casa de Nassau, de que ficou descendência; e D. Cristóvão, que morreu solteiro em França.

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CAPÍTULO I D. CATARINA DE BRAGANÇA, CANDIDATA À COROA DE PORTUGAL Rainer Daehnhardt

Após o falecimento do Cardeal-rei D. Henrique, que deixou o Mundo Português em testamento aos Filipes, surgiu D. Catarina como um dos principais candidatos à coroa de Portugal. O povo e os franciscanos queriam D. António, o Prior do Crato. Os dominicanos, tal como toda a Inquisição e os Jesuítas, queriam Filipe de Espanha. O mesmo acontecia com grande parte da fidalguia portuguesa, então endividada a Castela (foram precisas grandes somas para resgatar os prisioneiros de Alcácer-Quibir e, com autorização de D. Henrique, os nobres empenharam os seus morgadios aos espanhóis). Sem o apoio do povo, do clero ou da fidalguia, D. Catarina de Bragança não teve hipótese prática de realizar o seu desejo de vir a ser rainha. O seu casamento com o primo direito, D. João, em vez de a ajudar, prejudicou-a, pois ele era uma personagem muito impopular. D. Catarina escreveu acerca dos seus direitos à coroa portuguesa, à qual, como neta de D. Manuel I, tinha tanto direito como qualquer dos outros pretendentes, mas estes manuscritos nunca foram publicados, por “inconveniência política”. Filipe II de Espanha disse, e com razão, que herdou, comprou e conquistou Portugal; mas estava bem consciente de que não podia dizer o mesmo em relação ao coração dos portugueses. Houve quem o chamasse “o Demónio do Meio-Dia”!

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A Duquesa de Bragança, sempre extremamente diplomática, não mostrou simpatias em relação à tomada de Portugal por Filipe II, mas também não o podia hostilizar. O monarca castelhano teve de se avistar com a Duquesa, visto ela não se ter feito ao caminho de Elvas, ao contrário da grande maioria da aristocracia portuguesa. Filipe II sabia que os já muito escassos partidários de D. António I, foragido, perseguido como uma fera, não ousariam contrariá-lo; só os Duques de Bragança podiam tornar-se um perigo para a união peninsular e global, quando, após ter submetido tudo ao seu poder, aniquiladas as últimas regalias, bem reforçados os grilhões do cativeiro, eliminando o nome de Portugal dos Mapa-Mundi, a ira e o desespero levassem o povo à revolta.

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CAPÍTULO Ii D. ANTÓNIO I Rainer Daehnhardt

Gratidão e justiça histórica nem sempre acompanham a evolução dos povos. Portugal não é nenhuma excepção a esta regra amarga e D. António I, o Prior do Crato, é exemplo disso mesmo. Poucas são as figuras históricas de vulto acerca das quais se teceu tanta intriga e mentira, como sobre este príncipe da Casa de Avis. Nem a restauração de Portugal, nem quatro séculos de história, conseguiram limpar o seu nome das manchas que lhe foram atiradas na sua época e que forças ainda existentes e fortemente envolvidas nesta campanha, preferiram esquecer. Houve quem dissesse que a Casa de Avis teve dois Infantes Santos. Um, que morreu esquecido no cárcere em Marrocos, porque as razões do Estado pesavam mais do que a sua vida; outro, que também morreu esquecido no estrangeiro, porque a posse do Estado não permitia a sua vida. O primeiro teve ao menos o fraco benefício de o seu martírio ser reconhecido como tal; o segundo foi sacrificado sem glória, sendo perseguido e caluniado até para além da sua morte. D. Manuel I, o Rei de Portugal que maior extensão ao Mundo Português deu, teve vários filhos, que, directa ou indirectamente, influenciaram o futuro desta nação. O mais conhecido é obviamente o seu sucessor, D. João III, que teve a infelicidade de todos os seus filhos morrerem ainda durante o seu reinado. Teve de deixar o Reino ao neto, D. Sebastião, frágil criança de três anos. Este, por sua vez, cresceu em estranhas circunstâncias. O seu pai morreu por motivos nunca devidamente esclarecidos, 18 dias antes do nascimento de D. Sebastião. Sua mãe, a

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Princesa Joana, filha de Carlos V, desapareceu misteriosamente da corte lisboeta mês e meio após ter dado à luz. Dizia-se que se procurou a princesa por todo o País e somente meses mais tarde se descobriu que Sua Alteza tinha ido para Madrid com a sua aia, sem dar explicações a ninguém. Pouco tempo depois fundou, em Madrid, o Convento das Descalças Reais da Ordem de Santa Clara, onde se manteve até ao fim da sua vida. Quem se encarregou da educação do pequeno rei-órfão, foi a sua avó Catarina, viúva de D. João III e seu tio, o Cardeal D. Henrique. Ambos concordaram em dar a esta tão importante criança uma educação rigorosa, entregue a dois padres jesuítas. O Cardeal D. Henrique era irmão de D. João III, portanto outro dos filhos de D. Manuel I. D. João III, “o Piedoso”, o que demonstra, até certo ponto, a sua submissão à hierarquia de Roma. Foi ele quem permitiu e até pediu, a instalação dos tribunais do Santo Ofício da Inquisição em Portugal. Um dos primeiros inquisidores-mores desta instituição foi, precisamente, o Cardeal D. Henrique, que ocupou este lugar desde muito novo. Era um fanático e destruidor de tudo e de todos que lhe pareciam pôr em perigo a pureza da fé, do seu ponto de vista, único e verdadeiro. Travava-se uma luta multissecular na Península entre diversas expressões de fé. As religiões primitivas dos povos descendentes das culturas dolménicas ibéricas, tinham sido absorvidas pelos cultos locais do Império Romano. Por sua vez, estes sofreram modificações significativas com a vinda do cristianismo. Este apareceu na Península na forma do cristianismo ariano, abraçado pelos Lusitanos, Suevos, Visigodos, Vândalos e Alanos. Todos tiveram como inimigo comum os Romanos e Bizantinos e levaram séculos para os expulsar. Os Romanos e, mais tarde, também os Bizantinos, encontravam-se sob uma hierarquia eclesiástica, instalada no

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