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Internacionalização
Escolhemos o festival de Isola por nos oferecer um placo onde a exposição “The Art Possibiity” se poderia destacar, ao contrário, por exemplo, do festival de Brera, mais mainstream, que historicamente conta com a presença das grandes empresas multinacionais.
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A galeria que selecionámos para acolher a exposição da Portugal Ceramics situa-se no distrito de Isola. Localizado a norte do centro histórico, o distrito conserva o charme e a calma de outros tempos quando era um pacato bairro residencial de classe média, e que agora se transformou numa das mais vibrantes zonas de Milão.
A autenticidade do bairro mistura-se com edifícios de arquitetura contemporânea, como o famoso Bosco Verticale, com as suas duas torres que abrigam, nas suas varandas e terraços, 480 árvores de porte médio e grande e outras 300 de pequeno porte, para além de milhares de plantas e arbustos. As ruas de Isola estão inundadas de arte urbana, lojas de design , inúmeros restaures, trattorias , bares, mas acima de tudo pessoas. Chegámos a Milão numa sexta-feira e fomos recebidos por um sol tímido e umas quantas nuvens escuras cuja indecisão nos facilitou a logística. Depois de um longo fim-de-semana, numa azáfama que transfigurou o espaço da galeria à imagem da Portugal Ceramics, as peças estava finalmente libertas das suas embalagens e prontas para serem apreciadas pelos visitantes. Catálogos alinhados, tote bags pendurados, flyers nos expositores, check! Procedimentos de acolhimento e acompanhamento dos visitantes ensaiados, check! Sistema de projeção e som testado, check! No domingo quando fechámos, a noite já se tinha instalado no bairro. Momento para respirar fundo. Andar seis passos para trás até ao limite do passeio e usufruir de uns quantos segundos de contemplação. Por detrás do vidro da montra, decorada com o logótipo da Portugal Ceramics, era possível vislumbrar uma nesga da exposição com os contornos das peças, sobre os plintos, mergulhadas na luz ambarina da iluminação de presença.
No dia seguinte, segunda-feira, o dia que precedeu o arranque do festival, restava-nos fazer pequenas verificações e aguardar. Contudo, as muitas cabeças que foram assomando à porta, logo pelas 9 horas, despertaram em nós a vontade de abrir as portas antecipadamente. Contudo, segundo as regras do festival só o poderíamos fazer no dia seguinte, terça-feira. Sentimos que tínhamos que fazer jus à assinatura da nossa marca, the art of possibility , e transformar uma vontade numa concretização. E assim foi, contactámos a organização e, após alguma insistência, conseguimos ter um dia de preview . As portas abriram em modo não oficial, e durante todo o dia fomos recebendo visitantes que ao passarem na rua ficavam curiosos. Este primeiro dia foi, também, crucial para afinar a experiência de visita à exposição e foi um excelente tónico em termos de motivação para aquilo que se avizinhava.
Chegámos rápido ao dia da inauguração do festival com um bonito céu azul que fazia pendant com a paleta cromática da nossa sinalética. Só podia ser bom augúrio. A rotina matinal já estava afinada: assegurar a limpeza do espaço, corrigir posicionamento das peças e limpá-las, acender as luzes, projetar o vídeo e colocar a bandeira de sinalização à porta. À hora certa, abrir as portas. Uma semana mais tarde os vizinhos, das outras exposições, brincavam dizendo: “Não sabíamos que os portugueses conseguiam “ser tão Suíços”.
A animação nas ruas anunciava o frenesi do dia. O arranque do festival determinou a mudança do perfil dos visitantes. Recebemos, maioritariamente, pessoas que vinham intencionalmente à exposição. Vinham com curiosidade informada, digamos assim. Uns tinham visto os anúncios em social media, outros tinham visto os anúncios nos meios de comunicação próprios do festival, nomeadamente a plataforma digital, outros tinham visto na brochura oficial do festival que nos conferiu um lugar de destaque com fotografia de página inteira ao lado do editorial.
Segundo dia oficial. A rotina já comandava as operações, discurso afinado, perguntas previsíveis com a resposta estudada. A única dificuldade sentida do dia anterior não só se manteve como se adensou: conseguir fechar a porta durante o intervalo de almoço e no final do dia à hora definida. Havia sempre mais alguém a querer entrar. Fizemos, sempre, jus ao espírito acolhedor do nosso país e nunca deixámos ninguém de fora. Curiosamente, no único dia em que tudo parecia estar a confluir para conseguirmos fechar a porta às treze horas… não aconteceu! Já com a porta fechada, a rodar os calcanhares para travessar a rua eis que o caminho é barrado por uma limousine. Do macro automóvel saíram duas mulheres árabes que se apressaram para a porta, depois de terem dispensado a limousine. Quando empurraram a porta perceberam que estava fechada. Ainda tiveram tempo para ver a traseira da limusine a eclipsar-se ao virar da esquina. Eu que seguia a cena abordei-as e entrámos. Vieram de propósito à exposição, disseram-me elas, duas irmãs sauditas à procura de Empresas Portuguesas para colaborar no seu negócio de retalho. Saíram hora e meia depois encantadas com os objetos e com planos para visitar Portugal.
Entretanto a avalancha de visitantes recomeçava. Muitas perguntas, muitas fotografias, mais perguntas e a opinião unânime em relação à exposição: a cerâmica portuguesa é um tesouro por descobrir! O dia precipitava-se para o fim e recebemos uma visita inesperada do fundador do festival que, depois de ter ouvido feedback positivo sobre a exposição da Portugal Ceramics, fez questão de ver in loco e de nos congratular.
Milão a ser Milão e as condições atmosféricas a flanquearem do bom para o terrível. Felizmente àquela hora já não teve impacto no fluxo de visitantes. No outro dia de manhã, Milão acordou de cara lavada e uma manhã fresca convidou os visitantes a fazer quilómetros pelas ruas de Isola.
Terceiro dia. Manteve-se o ritmo, visitantes dos 4 cantos do mundo a entrar a uma cadência que não deixava margem para pausas. Curiosamente, desde o primeiro dia que muitos visitantes se mostravam disponíveis para comprar os objetos em exibição. Explicávamos que não era possível porquanto as peças não estavam disponíveis para venda e que a exposição iria seguir para a Berlin Design Week. A contra-resposta foi desde o quase impercetível inclinar da cabeça para vincar um apontamento de desilusão, ao inconformismo caricato… Na manhã do terceiro dia, duas visitantes insistiram em pagar em dinheiro vivo – cinco mil dólares – por uma peça que, na verdade custa menos de 10 vezes menos (sim, ficou confuso, mas serve apenas para amortecer o choque da diferença do que a visitante estava disposta a pagar e o preço efetivo da peça). Informámos, como sempre, que a peça não estava disponível para venda. A senhora insistiu garantindo que tinha mais dinheiro no hotel e que queria “mesmo” levar a peça. Outra peça, horas depois era cobiçada por dois mil e quinhentos euros. O preço real? Menos de duzentos.