Reencontro out/2003

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Folha Informativa da Associação de Reencontro dos Emigrantes Outubro/2003

A propósito das Grandes Opções do Plano

Malabarismo e mistificação Ao ler as Grandes Opções do Plano (GOP) – documento agora divulgado e que antecede a apresentação do Orçamento de Estado – somos levados a pensar que quem elaborou e propõe este documento não pertence ao actual Governo de Portugal. Com efeito, e ficando­nos unicamente pela parte que directamente diz respeito às Comunidades Portuguesas, são profundas as contradições entre aquilo que ali se afirma e a pratica seguida pelo Governo.

boas palavras, mais não é que um regresso ao passado, nalguns casos até anterior ao 25 de Abril que aconteceu há 30 anos. Eles sabem que se trata mesmo de forçar a privatização de funções que devem caber ao Estado, passando­as para as mão de entidades privadas, sem que daí vá resultar qualquer melhoria dos serviços prestados pelo Estado Português, seja nos locais onde vivem, seja nos locais adjacentes para onde agora pretendem transferir essas funções.

Desde logo e quanto ao "Balanço de execução das medidas previstas para 2002­2003" são referenciados um conjunto de itens que tem por titulo a "Manutenção de uma estreita ligação às Comunidades Portuguesas e aos Estados que as acolhem". Aqui o Governo fala da reestruturação da rede consular como algo novo, de positivo e bem aceite pelas comunidades.

De um momento para o outro, num passo de mau ilusionista, o Governo saca da cartola os consulados honorários, como solução para os males que sofrem os serviços consulares, quando sabe (ou deveria saber) que já houve há décadas um movimento contrário, ou seja: foram extintos consulados honorários para dar lugar a consulados de carreira, porque se entendia (e entende) que os consulados honorários não são a estrutura adequada para prestar serviços administrativos aos emigrantes portugueses.

Nada mais falso! É suficientemente conhecida da opinião pública a ampla rejeição das Comunidades Portuguesas dos encerramentos de Consulados na Alemanha, na França, em Hong Kong e noutros locais que os actuais responsáveis do Palácio das Necessidades pretendem efectuar, à revelia de qualquer diálogo tanto com as Comunidades locais, como com os eleitos do CCP, com o pessoal dos consulados, e mesmo em confronto com opiniões avalizadas do próprio partido maioritário do Governo, como é o caso da Deputada Manuela Aguiar, ou até completamente à revelia das próprias Embaixadas Portuguesas nos vários países e também das autoridades nacionais e locais desses países. E esta rejeição não significa que os portugueses que vivem no estrangeiro sejam uns ingratos, ou que sejam pouco ou deficientemente informados, mas porque têm consciência que a tão propagandeada reestruturação mais não é do que um plano para encerrar consulados por razões meramente economicistas, com evidentes prejuízos para as respectivas comunidades e a afirmação de Portugal no Mundo. Eles sabem que, aquilo que agora lhes pretendem vender embrulhado em

O Regulamento Consular aprovado em 1997, no seu artigo 35º, impede mesmo os consules honorários de praticar actos de registo civil e notariado, a emissão de documentos de identificação e de viagem, a concessão de vistos ou as tarefas de recenseamento eleitoral. Todavia, já o Governo anterior, veio por Decreto­Lei e posterior Portaria (num verdadeiro acto de contra­reforma), introduzir uma derrogação ao Regulamento Consular, atendendo a situações que já existiam e a outras de carácter excepcional, como seja o facto de se encontrarem a mais de 500 quilómetros consulados de carreira, de se situarem em ilhas, de estarem em países sem outra representação portuguesa ou de já praticarem mais de 1000 actos anuais. Em suma, esta chamada reestruturação consular não merece tal qualificação. Antes, mais parece ser uma autêntica desestruturação consular, dados os episódios caricatos de que se vem revestindo. A título de exemplo, refira­se só que foi agora criado um Consulado Honorário em Pau (na região dos Pirinéus franceses), dependente do Consulado em Bordéus, quando já há vinte anos havia sido

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criado um, dependente de Bayonne. Ou seja: temos agora dois consulados criados (no papel) na cidade de Pau, sem que nenhum deles haja alguma vez funcionado. Se já existia, porque é criado um novo? Ou, se já era necessário há vinte anos, porque não foi posto em funcionamento? E porque é que já não se mudou para lá o Consulado em Bayonne, deixando aí um escritório consular ou vice­consulado? E que dizer da pressa em encerrar o Consulado em Osnabruck, quando afinal ele vai continuar a funcionar (em situação irregular, dado que já foi extinto com efeitos a 30 de Setembro) até Julho do próximo ano, data em que termina o contrato de arrendamento das instalações? Mais palavras para quê? É a incompetência, o despudor e a arrogância no seu máximo esplendor! Em próximo artigo abordaremos este assunto com mais detalhe. Mas voltando às GOP, o Governo diz ainda que naquele mesmo período acelerou a informatização da rede consular e reforçou os quadros de pessoal. Se o assunto não fosse sério daria para rir. Os factos mostram e põem a nu que não existe qualquer aceleração visível da informatização. O Governo mente descaradamente quando afirma ter havido, ou estar previsto até ao fim deste ano, o reforço dos quadros de pessoal no conjunto da rede consular. Não há qualquer admissão de pessoal para os quadros desde há vários anos. Aquilo a que assistimos foi ao despedimento de mais de uma centena de trabalhadores com contratos de trabalho a prazo e à saída de muitos outros para a reforma sem que tenham sido substituídos. O resultado viu­se por altura do período de férias em que vários consulados ou secções consulares (Londres, Berna e Caracas) entraram em completa ruptura. Quanto a pessoal, o que se sabe é que mais de 20% dos efectivos dos quadros dos serviços externos do MNE estão por preencher, a que acresce a falta de chefias intermédias (Vice­Consules e Chanceleres) em grande parte dos maiores consulados por não se realizarem concursos desde há meia dúzia de anos. Os encerramentos a que agora se assiste, serão, no dizer do Governo, para reforçar postos mais carenciados. Mas nem isso é verdade, dado que em vários casos é para substituir pessoal que já saiu ou que está para sair para a reforma, para além de alguns dos actuais transferidos também eles estarem à beira da aposentação. No dizer de pessoas que conhecem este processo, trata­se de (mal e porcamente...) tapar buracos... que irão abrir logo a seguir e criar outros buracos! Sobre a língua e cultura portuguesas deparamos com o habitual foguetório de palavras anunciando as melhores intenções. Também aqui, a realidade vem demonstrando que a prática governativa vai em sentido contrário. O anterior ano lectivo (2002/3) começou com grande instabilidade e saldou­se por menos cursos,

alunos e professores. No ano lectivo que agora começou não se vislumbra qualquer correcção da orientação seguida e tudo continuou na mesma. Há até episódios, como a demissão da coordenadora do ensino em França que, à saída, denuncia razões nada abonatórias para a política do Governo. No que diz respeito ao Instituto Camões (agora sem autonomia financeira) o Governo prossegue a mesma orientação de cortes orçamentais, impondo a não renovação ou colocação de leitores de português em diversas universidades ou o atraso no pagamento de vencimentos de leitores durante meses, demonstrando também aqui que as declarações de boas intenções sobre a “defesa e afirmação da língua e cultura portuguesas” só por si nada valem. E não foi só nas Universidades, também nos Centros Culturais (nomeadamente nos PALOP) se verificaram cortes de verbas e despedimentos de trabalhadores. O discurso oficial é cada vez mais recheado de afirmações sobre a projecção de Portugal no Mundo. Só que essa projecção é cada vez mais feita pela via da crescente participação externa em missões militares, e não pela via da afirmação do riquíssimo património que são a cultura e a língua portuguesa. E nem mesmo a importância económica das Comunidades Portuguesas é suficientemente valorizada, até no âmbito da chamada diplomacia económica de que o Ministro Martins da Cruz tanto fala. Ele falar, fala... as acções práticas é que são nulas! Refira­se por último que as Grandes Opções do Plano (GOP), importante documento de orientações políticas acoplado ao Orçamento do Estado, onde fomos beber as informações a que atrás se alude, estão em apreciação no Conselho Económico e Social português. Trata­se de um órgão de consulta do Governo onde não existe qualquer representação directa dos portugueses residentes no estrangeiro. Nem o CCP, nem qualquer associação de Portugal (como a Associação de Reencontro do Emigrantes) ou outra sediada no estrangeiro se encontram representados nesse Conselho. Se o estivessem, certamente estes aspectos constantes das GOP seriam ainda mais severamente criticados. Assim, o CES com a actual composição, mesmo sendo muito variada (inclui desde as associações patronais e sindicais a autarquias, organizações ambientalistas, de mulheres, de consumidores, de profissionais liberais ou do mundo rural, entre outros sectores) passará por estas questões das Comunidades Portuguesas com “cão por vinha vindimada”... Por razões de espaço, ficamos hoje por aqui. Adelino Rodrigues ARE – Associação de Reencontro dos Emigrantes (Publicado no Jornal “Lusitano” de 11­10­2003)

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