Catálogo Mostra de Animação Russa - 2016

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apresenta



apresenta

Ars et Vita Rio de Janeiro 2016


MOSTRA Curadoria Luiz Gustavo Carvalho e Maria Vragova Direção Executiva Maria Vragova Direção Financeira Marcos Antônio Miranda Identidade Visual e Design Gráfico Phamela Dadamo Assessoria de imprensa Bárbara Chataignier Tradução Maria Vragova Revisão Maria Vragova Dublagem Mabel Cezar, Ronaldo Júlio e André Brilhante Inserção de Legendas e VT Alessandro Cerri e Marcus Rodrigues Confecção de objeto e fotografia Ricardo Coelho CATÁLOGO Coordenação Editorial Luiz Gustavo Carvalho e Maria Vragova Textos Luiz Gustavo Carvalho, Serguei Kapkov, Roman Katchanov, Fiodor Khitruk, Andrey Khrzhanovsky, Larissa Maliukova, Yuri Norstein e Maria Vragova Revisão Maria Vragova Design Gráfico Phamela Dadamo

AGRADECIMENTOS Aurora B. Bernardini, Alessandro Cerri, Laura Vragova Carvalho, Ricardo Coelho, Valentina Dadamo Coelho, Fábio Flaks, Svetlana Filippova, Serguei Kapkov, Larissa Maliukova, Daniela Mountain, Yuri Norstein, Fabíola Notari, Marcia Pereira, Irineu Perpétuo, Alexander Petrov, Andrei Plakhov, Escola Municipal Penedo, Estúdio “Soyuzmultfilm”

MOSTRA DE ANIMAÇÃO RUSSA 17 a 29 de maio de 2016 - Cinemas 1 e 2 CAIXA Cultural Rio de Janeiro Av. Almirante Barroso, 25 . Centro Tel. (55) 21 3980-3815 #vivamaiscultura www.caixacultural.gov.br facebook/CaixaCulturalRioDeJaneiro Baixe o aplicativo CAIXA Cultural Prefira o transporte público

produção

apoio

patrocínio

Alvará da CAIXA Cultural RJ nº 041667, de 31/03/2009, sem vencimento.

ISBN 978-85-66122-04-6


A CAIXA é uma das maiores patrocinadoras da cultural no Brasil, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e espaços de terceiros, com ênfase especial para exposições de artes visuais, peças de teatro, mostras de cinema, espetáculos de dança, shows musicais, apoio ao artesanato brasileiro e festivais de teatro e dança em todo o território nacional. Os projetos são escolhidos através de seleção pública, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A Mostra de Animação Russa, com curadoria de Luiz Gustavo Carvalho e Maria Vragova, é a primeira oportunidade do público brasileiro conhecer parte da vasta e rica produção cinematográfica de animação da ex-União Soviética e da Rússia, através de 37 desenhos de 20 diretores, realizados entre os anos de 1950 e 2014. A Mostra exibe animações infantis e adultas, na maioria curtas-metragens, com histórias baseadas no folclore russo, em contos e poemas de autores importantes, como Kornei Tchukovski e Vladimir Maiakovsky, além de diversos outros temas, dentre eles o amor, a guerra e a convivência entre seres humanos e animais de estimação. Diretores e realizadores renomados, como Svetlana Filippova, Yuri Norstein, Ivan Ivanov-Vano e Alexander Petrov, enchem a tela de desenhos feitos com técnicas e traços singulares, levando o espectador ao encantamento, seja através do humor, do drama ou da alegoria. Ao mesmo tempo, as trilhas sonoras dos filmes trazem músicas compostas por Shostakovich, Prokofiev ou Gubaidulina, alguns dos principais compositores do país. Assim, a programação da Mostra de Animação Russa oferece ao público infantil e adulto uma oportunidade singular de ver reunidos no cinema, através de animações, importantes nomes da literatura e da música. Através da Mostra de Animação Russa, a CAIXA reafirma sua política cultural, sua vocação social e a disposição de democratizar o acesso aos seus espaços e à programação artística, cumprindo, desta forma, o papel institucional de estimular a disseminação de ideias, mantendo viva a vocação de abrigar e promover a pluralidade de pensamento. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


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Em 2016, oitenta anos após a criação do maior estúdio de animação da antiga União Soviética, o público brasileiro tem a oportunidade de assistir a primeira Mostra de Animação Russa, através da exibição de 37 filmes, realizados entre os anos 1950 e a atualidade por alguns dos mais importantes nomes da animação soviética e russa. Se imaginarmos um espaço entre a razão e o sentimento, a animação russa, ao longo de toda a sua existência sempre procurará ocupar um ponto mais perto da emoção que do entendimento. No espírito pioneiro de Mikhail Tsekhanovsky, nos desenhos virtuosos de Lev Atamanov, na revolução visual de Fiodor Khitruk, na filosofia de Yuri Norstein, nas parábolas subversivas de Andrey Khrzhanovsky ou na frágil poesia de Svetlana Filippova, a animação se afirmou na história como uma linguagem com fortes traços autorais. Acima de tudo, ela se destaca pela liberdade de que desfrutam escritores, diretores e animadores para escolher os elementos que desejam, em meio ao que lhes é oferecido pelo mundo real. Desta forma, em um país marcado por uma política externa beligerante e opressiva, esses artistas conseguem criar os desenhos animados mais humanos do universo e através de uma linguagem esopiana, burlam todas as fronteiras e estéticas impostas por qualquer regime político. Esperamos que, na companhia de Tcheburashka, do gato Matroskin e do pequeno ouriço, a animação russa propicie um novo olhar sobre uma cultura rica e praticamente desconhecida no Brasil. Desejamos a todos uma excelente Mostra!

Maria Vragova e Luiz Gustavo Carvalho

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programação sinopses a animação na rússia

Serguei Kapkov e Larissa Maliukova

mikhail tsekhanovsky: um pioneiro da animação Maria Vragova

conversa sobre a profissão Fiodor Khitruk

uma enciclopédia animada para a compreensão de uma sociedade

Luiz Gustavo Carvalho

biografias a seriedade de uma risada bondosa Roman Katchanov

fidelidade ao caminho escolhido Andrey Khrzhanovsky

extratos de “a neve na grama” Yuri Norstein

ponto de partida Yuri Norstein



PROGRAMAÇAO

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terça-feira

infantil 15h

CINE 1

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quinta-feira

infantil 15h

CINE 1

Tcheburashka I Roman Katchanov. 1969, 20 min A luva I Roman Katchanov. 1967, 10 min O ursinho Puff I Fiodor Khitruk. 1969, 10 min

A flor vermelha I Lev Atamanov. 1952, 42 min Espera, você vai ver! - 3º e 4º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

adulto 17h

adulto 19h

CINE 1

A batalha de Kerzhenets I Yuri Norstein e Ivan Ivanov-Vano. 1971, 10 min A história de um crime I Fiodor Khitruk. 1962, 20 min O conto dos contos I Yuri Norstein. 1979, 29 min

adulto 19h

CINE 1

Meu amor I Alexander Petrov. 2006, 26min A vaca I Alexander Petrov. 1989, 10 min O sonho de um homem ridículo I Alexander Petrov. 1992, 20 min A Sereia I Alexander Petrov. 1996, 10 min O velho e o mar I Alexander Petrov. 1999, 20 min

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quarta-feira

infantil 11h

CINE 1

Espera, você vai ver! - 1º e 2º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada) A luva I Roman Katchanov. 1967, 10 min Cuidado, macaquinhos! I Leonid Schwartzman (URSS, 1984) 10 min

infantil 14h

CINE 1

Espera, você vai ver! - 1º e 2º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada) O quebra-nozes I Boris Stepantsev. 1973, 27 min

adulto 18h

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 min O homem na moldura I Fiodor Khitruk. 1966, 10 min O leão e o touro I Fiodor Khitruk. 1984, 10 min A gaita de vidro I Andrei Khrzhanovsky. 1968, 20 min

CINE 1

Lavatory - Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min Três histórias de amor I Svetlana Filippova. 2007, 12 min Onde morrem os cães I Svetlana Filippova. 2011, 12 min A história de Sara I Svetlana Filippova. 2006, 6 min Brutus I Svetlana Filippova. 2014, 13 min

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sexta-feira

infantil 11h

CINE 1

O quebra-nozes I Boris Stepantsev. 1973, 27 min Espera, você vai ver! - 3º e 4º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

infantil 16h

CINE 1

Espera, você vai ver! - 5º, 6º, 7º e 8º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

adulto 19h

CINE 1

O sonho de um homem ridículo I Alexander Petrov. 1992, 20 min A gaita de vidro I Andrei Khrzhanovsky. 1968, 20 min O conto dos contos I Yuri Norstein. 1979, 29 min

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sábado

infantil 14:30h

CINE 1

A luva I Roman Katchanov. 1967, 10 min O ursinho Puff I Fiodor Khitruk. 1969, 10 min O ursinho Puff faz uma visita I Fiodor Khitruk. 1969, 10 min O ursinho Puff e um dia atarefado I Fiodor Khitruk. 1972, 19 min


infantil 16h

palestra 17h

CINE 1

Tcheburashka I Roman Katchanov. 1969, 20 min O crocodilo Guena I Roman Katchanov. 1971, 20 min O ursinho Taptizhka I Fiodor Khitruk. 1964, 9 min

infantil 18h

Umka I Vladimir Popov e Vladimir Pekar. 1969, 10min A garça e a cegonha I Yuri Norstein. 1974, 10 min A raposa e a lebre I Yuri Norstein. 1973, 12 min Terem teremok I Leonid Amalrik. 1971, 10 min O ouriço no nevoeiro I Yuri Norstein. 1975, 10 min

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Espera, você vai ver! - 5º, 6º, 7º e 8º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

CINE 1

Animação Russa I com Serguey Kapkov, Svetlana Filipppova, Maria Vragova e Luiz Gustavo Carvalho

adulto 19h

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn O homem na moldura I Fiodor Khitruk. 1966, 10 min Onde morrem os cães I Svetlana Filippova. 2011, 12 min A Sereia I Alexander Petrov. 1996, 10 min O leão e o touro I Fiodor Khitruk. 1984, 10 min

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terça-feira

infantil 11h

quarta-feira

infantil 11h

CINE 1

mesa redonda 17h

CINE 1

A história de um crime I Fiodor Khitruk. 1962, 20 min A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn A gaita de vidro I Andrei Khrzhanovsky. 1968, 20 min A vaca I Alexander Petrov. 1989, 10 min O ouriço no nevoeiro I Yuri Norstein. 1975, 10 min

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domingo

infantil 15h

História da animação na União Soviética e na Rússia contemporânea I com Serguey Kapkov

adulto 19h

CINE 1

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn Espera, você vai ver! - 9º e 10º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada) Lavatory - Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min

CINE 1

CINE 1

O conto do pescador e do peixinho I Mikhail Tsekhanovskiy. 1950, 30 min Espera, você vai ver! - 11º episódio I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min

infantil 15h

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn Meu amor I Alexander Petrov. 2006, 26min Lavatory - Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min

adulto 19h

CINE 1

A batalha de Kerzhenets I Yuri Norstein e Ivan Ivanov-Vano. 1971, 10 min A história de um crime I Fiodor Khitruk. 1962, 20 min O velho e o mar I Alexander Petrov. 1999, 20 min Brutus I Svetlana Filippova. 2014, 13 min

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quinta-feira

infantil 11h

CINE 1

O ursinho Taptizhka I Fiodor Khitruk. 1964, 9 min Umka procura um amigo I Vladimir Popov e Vladimir Pekar. 1970, 10 min Os três de Prostokvashino I Vladimir Popov. 1978, 19 min

adulto 15h

CINE 1

Terem teremok I Leonid Amalrik. 1971, 10 min Os três de Prostokvashino I Vladimir Popov. 1978, 19 min O ursinho Puff e um dia atarefado I Fiodor Khitruk. 1972, 19 min

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sexta-feira

infantil 11h 12

CINE 1

O quebra-nozes I Boris Stepantsev. 1973, 27 min Espera, você vai ver! - 3º e 4º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

infantil 14h

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn Meu amor I Alexander Petrov. 2006, 26min Lavatory-Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min

bate-papo 17h

CINE 2

A obra de Svetlana Filippova I com a autora

adulto 19h

CINE 2

Lavatory-Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min Três histórias de amor I Svetlana Filippova. 2007, 12 min Onde morrem os cães I Svetlana Filippova. 2011, 12 min A história de Sara I Svetlana Filippova. 2006, 6 min Brutus I Svetlana Filippova. 2014, 13 min

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sábado

infantil 14:30h

CINE 1

Espera, você vai ver! - 9º, 10º, 11º e 12º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

infantil 16h

CINE 1

A ilha I Fiodor Khitruk. 1973, 10 minn Terem teremok I Leonid Amalrik. 1971, 10 min Tarakã, o bigodudo I Vladimir Polkovnikov. 1963, 16 min O leão e o touro I Fiodor Khitruk. 1984, 10 min

lançamento 17h

CINE 1

Lançamento do livro “Tarakã, o bigodudo”, de K. Tchukovsky I distribuição de ingressos a partir das 15:30h

adulto 18:30h

CINE 1

A Sereia I Alexander Petrov. 1996, 10 min Meu amor I Alexander Petrov. 2006, 26min Três histórias de amor I Svetlana Filippova. 2007, 12 min Lavatory-Lovestory I Konstantin Bronzit. 2007, 10 min

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domingo

infantil 14:30h

CINE 1

Espera, você vai ver! - 13º, 14º, 15º e 16º episódios I Vicheslav Kotenotchkin. 1969-1986, 10 min (cada)

infantil 16h

CINE 1

Mukha-Tsokotukha I Boris Dezhkin. 1960, 10 min O conto do pescador e do peixinho I Mikhail Tsekhanovskiy. 1950, 30 min

adulto 18:30h

CINE 1

O velho e o mar I Alexander Petrov. 1999, 20 min A Sereia I Alexander Petrov. 1996, 10 min O ouriço no nevoeiro I Yuri Norstein. 1975, 10 min O conto dos contos I Yuri Norstein. 1979, 29 min


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SINOPSES

LEONID AMALRIK Terem teremok I Terem teremok URSS, 1971, 10min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português

lguns animais decidem viver juntos em um “teremok”, uma A“Terem casinha típica russa. Baseado em um conto do folclore russo, teremok” é o último filme do diretor Leonid Amalrik.

LEV ATAMANOV A flor vermelha I Alenkiy tsvetochek URSS, 1952, 42 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

em um conto do folclore russo, análogo ao clássico “A Bqualaseado Bela e a Fera”, o filme narra a história de um bondoso pai, o traz uma flor vermelha de presente para a sua filha caçula, despertando a paixão e a angústia de um estranho ser que habita as sombras de um reino distante. O filme foi dirigido por Lev Atamanov, uma das principais influências do animador japonês Hayao Miyazaki.

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KONSTANTIN BRONZIT Lavatory-Lovestory Rússia, 2007, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Prêmio de Melhor Filme, no Festival Anima Mundi, 2007 Nomeado ao Oscar, na categoria “Melhor curta-metragem”, 2007

como cenário um banheiro público, Konstantin Bronzit, Tumaendo um dos principais nomes da animação contemporânea, relata historia de amor repleta de pureza e romantismo.

BORIS DEZHKIN e VLADIMIR SUTEEV Mukha-Tsokotukha URSS, 1960, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

conta a história de uma mosca que é atacada por uma Odo filme aranha no dia do seu aniversário. O filme foi realizado a partir conto homônimo de Korney Tchukovsky, um dos principais escritores infantis da antiga União Soviética.


SVETLANA FILIPPOVA A história de Sara I Skazka Sari Rússia, 2006, 6 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

que uma árvore cresça, é necessário planta-la; para Pparaaraqueachar a primavera comece, é antes necessário limpar a neve; “o novo”, é necessário despedir-se “do velho”. Assim pensa, aos 6 anos, a menina Sara.

Três histórias de amor I Tri istorii liubvi Alemanha, 2007, 12 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

sando diversas imagens históricas, o filme narra três Upoetas historias de amor de Vladimir Maiakovsky, um dos principais russos do século XX.

Onde morrem os cães I Gde umiraut sobaki França, 2011, 12 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

m homem cresce e deixa a sua casa. Durante toda a sua vida, Ucoisas, ele quer regressar em busca do seu passado. Mas acontecem as quais ele não pode mudar: a sua mãe envelhece, a casa fica meio destruída e o seu cachorro morre. Acontecimentos inevitáveis, aos quais estamos todos destinados.

Brutus I Brut Rússia, 2014, 13 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

autora e animadora Svetlana Filippova aborda um dos ABrutus episódios mais trágicos da humanidade. A história do cão na Alemanha nazista.

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ROMAN KATCHANOV A luva I Varezhka URSS, 1967, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Primeiro Prêmio no Festival Internacional de animação de Annecy.

A história de uma menina que sonhava em ter um cachorro.

O crocodilo Guena I Krokodil Guena URSS, 1969, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

ealizado a partir do livro infantil “O Crocodilo Guena e os Rhistória seus amigos”, o filme apresenta-nos o personagem ícone da da animação soviética: “Tcheburashka”.

Tcheburashka URSS, 1971, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

episódio da trilogia, o crocodilo “Guena” comemora Nvezooporseusegundo aniversário, o qual, infelizmente, acontece somente uma ano. Tcheburashka e o crocodilo Guena ainda fazem todo o

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possível para serem aceitos como “pioneiros”. O filme conta com a participação do famoso animador russo Yuri Norstein.

FIODOR KHITRUK A história de um crime I Istorya odnogo prestuplenya URSS, 1962, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Prêmio “Golden Gate” no VII Festival Internacional de San Franscico, 1962 Leão de Prata no Festival de Veneza, 1962 Diploma no IX Festival Internacional de Cinema e Animação de Oberhausen, 1963

noturnos, causados por uma vizinhança mal educada, BManinarulhos levam o simpático e pacífico contador Vassily Vassilievitch a cometer um crime.

O ursinho Taptizhka I Taptizhka URSS, 1964, 9 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

onsiderado pelo diretor como o seu melhor filme, “Taptizhka” Ca hibernar relata a história de amizade entre um ursinho que se recusava e um coelhinho.


O homem na moldura I Tchelovek v ramke URSS, 1966, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

ma sátira social sobre os burocratas e a burocracia. À medida Uburocrática que um “homem de papel” sobe os degraus da carreira do seu país, ele vai deixando a vida e transforma-se em uma mera máscara.

O ursinho Puff I Vinni Pukh URSS, 1969, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

episódio das aventuras do “Ursinho Puff”, realizado a Pdorimeiro partir do livro homônimo do escritor Alan Miln. A versão russa desenho animado foi considerada a melhor pelo escritor inglês.

O ursinho Puff faz uma visita I Vinni Pukh idet v gosti URSS, 1969, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

segundo episodio da série, o ursinho Puff decide visitar o seu Noamigo coelho, passando por uma situação embaraçosa.

O ursinho Puff e um dia atarefado I Vinni Pukh i den zabot URSS, 1972, 19 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

ltimo filme da trilogia. O episódio relata o aniversário do Úagradar burrinho Ió e as peripécias do ursinho Puff e seus amigos para o aniversariante.

A Ilha I Ostrov URSS, 1973, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Palma de Ouro no Festival Internacional de Cannes, 1974.

“A ilha” conta a história de um Robinson Crusoe contemporâneo. Uma reflexão poética sobre a solidão humana na sociedade moderna.

O leão e o touro I Lev i byk URSS, 1984, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

este seu último trabalho, Fiodor Khitruk retrata, a partir Nrepleta de uma parábola visual, uma história de amizade e traição, de simbolismo psicológico.

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ANDREI KHRZHANOVSKY A gaita de vidro I Stekliannaya garmonika URSS, 1968, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

alegórico que retrata o destino da arte em um governo Fondeilme burocrático e corrupto. Um músico chega a uma cidade, reinam a burocracia e a corrupção. Poderão as suas melodias, tirar as pessoas da indiferença? Realizado em 1968, “A gaita de vidro” foi o primeiro desenho animado censurado na União Soviética. A música para o filme foi composta por Alfred Schnitke, um dos principais compositores do século XX.

VICHESLAV KOTENOTCHKIN Espera, você vai ver! I Nu pogodi! URSS, 1969-1986, 16 episódios Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

das séries mais emblemáticas da animação soviética, UNa macomposta de 16 episódios realizados entre 1969 e 1986. série, um lobo tenta, continuamente, pegar um coelhinho

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que sempre consegue escapar. Muitos enxergam nesta trama um paralelo com o desenho animado “Tom e Jerry”, apesar de Kotenotchkin ter conhecido a série americana somente no final dos anos oitenta.

YURI NORSTEIN e IVAN IVANOV-VANO A batalha de Kerzhenets I Setcha pri Kerzhentse URSS, 1971, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

ilme baseado na lenda e no poema sinfônico do compositor Fa qual russo Rimsky-Korsakov sobre a cidade invisível de Kitezh, ficou submersa para evitar a sua ocupação pelas tribos tártaras.

YURI NORSTEIN A raposa e a lebre I Lissa e zaiats URSS, 1973, 12 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português. Melhor Filme Infantil e Prêmio Especial, no II Festival Internacional de Cinema de Zagreb, 1974

é baseado em um conto popular russo e narra a história Osuasfilme de uma lebre, cuja moradia é invadida pela raposa, e todas as tentativas de recuperar a sua casa de volta.


A garça e a cegonha I Tsaplia i zhuravl URSS, 1974, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português. Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Annecy, 1975 Primeiro Prêmio no III Festival Internacional de Cinema de New York, 1975

esta obra-prima, o diretor Yuri Norstein narra uma grande Nespectador história de amor entre a garça e a cegonha, fazendo o esperar pelo beijo final, o qual nunca chegará.

O ouriço no nevoeiro I Ezhik v tumane URSS, 1975, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português. Prêmio do Festival Internacional de Cinema de Londres, 1977 Boomerang de Prata no Festival Internacional de cinema em Sidney, 1978 Prêmio de Melhor Curta-metragem no Festival Internacional de Cinema de Girona, 1977

fica perdido em uma floresta, durante um nevoeiro, Umaismaoouriço ir ao encontro do seu amigo urso. Neste filme, que recebeu de 35 prêmios internacionais, Yuri Norstein reflete sobre os enigmas da vida e os mistérios da existência.

Conto dos contos I Skazka skazok URSS, 1979, 29 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. “Grand-Prix” do Festival Internacional de Cinema de Lille, 1980 Prêmio Internacional de Crítica FIPRESSI, 1980 Prêmio da Federação Internacional dos Cineclubes em Oberhausen, 1980 “Grand-Prix” no V Festival Internacional de Cinema de Zagreb, 1980 Primeiro Prêmio no Festival Internacional de Cinema de Ottawa, 1980

ste filme, considerado pela Academia de Arte Cinematográfica Equestões como “o melhor filme de todas as épocas e povos”, aborda as primordiais da humanidade.

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ALEXANDER PETROV A Vaca I Korova URSS, 1989, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Indicação ao Oscar na categoria “Melhor curta-metragem”, em 1990 Primeiro Prêmio no Festival Internacional de Animação de Hiroshima, 1990 Prêmio na categoria “Melhor Estreia” do Festival Internacional de Animação de Ottawa, 1991

dos primeiros filmes do diretor, “A vaca” narra as memórias Uquemdeintegrava uma criança sobre o seu relacionamento com uma vaca, o cotidiano de uma família rural. O filme é baseado no livro homônimo do escritor russo Andrei Platonov.

O sonho de um homem ridículo I Son smeshnogo tcheloveka Rússia, 1992, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Primeiro Prêmio e Prêmio Especial da ACIFA no Festival Internacional de Animação de Ottawa, 1992 Primeiro Prêmio no Festival Internacional de Animação de Annecy, 1993 Primeiro Prêmio no VII Festival Internacional de Animação de Stuttgart, 1994

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aseado no livro homônimo do escritor russo Fiodor Bcometer Dostoievsky. Um personagem desiludido com o mundo decide suicídio. Após ignorar uma menina que em prantos

implora por ajuda, ele volta para casa, pega um revólver para se matar, porém acaba adormecendo. Em seguida, em um estranho sonho, encontra a verdade projetada em uma sociedade ideal, livre da luxúria e do egoísmo humano.

A Sereia I Rusalka Rússia, 1996, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Indicação ao Oscar na categoria “Melhor curta-metragem”, em 1998 Prêmio Hiroshima no Festival Internacional de Animação de Hiroshima, 1998 Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional de Animação de Annecy, 1997

conto envolvente sobre um monge, o seu noviço e uma Umsereia. Uma história de amor, tentação e traição.

O velho e o mar I Starik e more Rússia, Canadá, Japão 1999, 20 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Oscar de “Melhor curta-metragem”, em 2000

aseado no livro homônimo do escritor americano Ernest Bdecide Hemingway, o filme conta a história de um velho pescador que enfrentar o alto mar em busca de um peixe gigante.


Meu amor I Moya lubov Rússia, 2006, 27 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Prêmio especial do júri no XI Festival Internacional de Animação de Hiroshima, 2006 Prêmio FIPRESCI de Melhor Animação no Festival Internacional de Cinema Documentário e Animação de Leipzig, 2006 Prêmio de “Melhor Animação” no Festival Internacional Anima Mundi, 2007 Indicação ao Oscar, em 2008

eu amor” é baseado no romance “A história de amor”, “M do escritor russo Ivan Shmelev. No final do século XIX, o jovem Anton passa a viver em um mundo de sonhos, após se

entregar à dúvida entre o seu primeiro amor e o desejo por uma “femme fatale”. O diretor e animador russo Aleksander Petrov utiliza uma técnica especial para a realização do filme, pintando quadros de vidro a óleo com os dedos, para então fotografá-los.

VLADIMIR POLKOVNIKOV Tarakã, o Bigodudo URSS, 1963, 16 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

baseado no conto homônimo do escritor russo Korney Otodasfilme, Tchukovsky, conta a história de uma barata capaz de deixar as feras do reino animal em pânico. Somente o pequeno e corajoso pardal pode enfrentar o temível agressor.

VLADIMIR POPOV e VLADIMIR PEKAR Umka URSS, 1969, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

conta a história de um ursinho polar, chamado Umka, e Ofilme do seu primeiro encontro com o ser humano.

Umka procura um amigo I Umka ishet druga URSS, 1970, 10 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

vésperas do réveillon, Umka procura o seu amigo no círculo ÀsÁrtico, envolvendo-se em grandes aventuras.

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VLADIMIR POPOV Os 3 de Prostokvashino I Troie iz Prostokvashino URSS, 1978, 19 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português.

no livro “Tio Fiodor, o cachorro e o gato”, do renomado B“Osaseado escritor infantil Eduard Uspensky, o primeiro filme da trilogia 3 de Prostokvashino” relata a vida do menino Fiodor, que decidi ir viver sem os pais, na companhia de um gato e um cão, no pequeno vilarejo chamado Prostokvashino.

LEONID SCHWARTZMAN e MAYA MIROSHKINA Macaquinhos. Cuidado, macaquinhos! I Obezianki. Ostorozhno obezianki! URSS, 1984, 9 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português.

“Macaquinhos. Cuidado, macaquinhos!” é o segundo Ofilhos,filme filme da série de sete episódios sobre uma macaca e os seus que sempre procuram bagunça. Com um cenário escrito

pelo famoso escritor infantil Gregory Oster, o filme tem ainda a trilha sonora assinada por Andrei Makarevitch, líder da banda “Mashina Vremeni”, uma das mais famosas bandas de rock dos anos 80, na União Soviética.

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BORIS STEPANTSEV O Quebra Nozes I Schelkuntchik URSS, 1973, 27 min Classificação livre. Versão original em russo. Legendas em português. Primeiro Prêmio no Festival de Cinema Infantil de Girona, 1974

baseado no livro de E.T.A. Hoffmann e no balé homônimo Filme do compositor russo P. I. Tchaikovsky.

MIKHAIL TSEKHANOVSKY O conto do pescador e do peixinho I Skazka o ribake i ribke URSS, 1950, 30 min Classificação livre. Versão original em russo. Dublagem em português. “Melhor filme” do VI Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, 1951

a partir do livro homônimo do poeta russo Aleksander Rde ealizado Pushkin, “O conto do pescador e do peixinho” conta a história um pescador e de um peixinho dourado, capaz de realizar qualquer desejo do seu dono.


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A animação na Rússia

Serguei Kapkov e Larissa Maliukova

A história da animação russa começou com... besouros. Vladislav Starevitch, cineasta, fotógrafo e excêntrico entomologista amador, decidiu realizar um filme sobre a luta desses insetos por uma fêmea. Ele colocou-os sob uma lâmpada elétrica e ligou a câmera de vídeo. Porém, o calor chamuscante da luz fez com que os insetos não se mexessem. Starevitch decidiu então fazer um truque: arrancou as patas de alguns besouros secos retirados da sua coleção e amarrou-os, com a ajuda de um fino fio e plasticina. Em seguida, encenou a luta dos insetos, gravando quadro por quadro na película. Desta forma, surgiu o primeiro desenho animado na Rússia e a primeira animação de objetos (animação de bonecos) no mundo.

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No entanto, isso não foi compreendido imediatamente. A estreia aconteceu no dia 08 de abril de 1912 e a imprensa moscovita descreveu o “milagre” desta forma: “Starevitch descobriu segredos invisíveis sobre o adestramento de insetos! Nos seus filmes, os besouros atuam como verdadeiros atores!” Domadores de circo pediam e insistiam para que o cineasta vendesse os segredos sobre a técnica usada para o adestramento dos insetos. Starevitch, no entanto, ergueu as mãos de maneira teatral e gritou: “De jeito nenhum!” Ele era um mistificador e um brincalhão nato. Além disso, Starevitch foi o primeiro diretor a utilizar nos seus filmes a combinação entre atores reais e personagens animados em um único quadro. No filme “A embriaguez e as suas consequências” (1913), o herói principal bebe “para capeta” e Starevitch filma um episódio, no qual um diabo de plasticina sai da garrafa, sob o olhar perplexo do ator russo Ivan Moszhukhin. Após a revolução de 1917, Vladislav Starevitch emigrou para a França, provocando um hiato na história da animação no país. Em meados dos anos 20, jovens artistas entusiastas começaram a fazer os primeiros desenhos animados na União Soviética. Eram, no entanto, desenhos pouco interessantes, com um viés político, criados a partir da técnica de sobreposição de marionetes de papel. Em seguida, surgiram os primeiros desenhos animados. Em meados dos anos 30, os desenhos animados de Walt Disney chegaram à União Soviética. O impacto junto ao público e aos cineastas foi tão grande, que se tornou clara a necessidade de aprender a partir da experiência americana. Por ordem pessoal do camarada Stalin, uma delegação foi enviada aos Estados Unidos. Disney voluntariamente compartilhou as suas tecnologias e, em 1936, foi criado em Moscou o principal estúdio de animação do país. No futuro, todos os sucessos da animação soviética seriam associados ao nome “Soyuzmultfilm”. É importante ressaltar que essa nova tecnologia não foi bem recebida por todos os diretores. Muitos imitaram a estética de Disney, mas muitos resistiram a ela, procuraram uma estética própria, fascinados pelo cinema de animação autoral. De maneira geral, a animação soviética foi confinada à “gaveta infantil”, sendo permitido filmar somente contos de fadas ou histórias com ensinamentos morais. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, os artistas filmavam voluntariamente desenhos animados, que


festejavam a paz, a vida e a infância. O “Soyuzmultfilm” reunia talentos excepcionais, que poderiam invejar qualquer outro estúdio no mundo. Nestas circunstâncias, mestres conseguiram criar filmes, os quais, até hoje, conservam um frescor e uma habilidade técnica surpreendente, além de aspectos psicológicos, educativos e mentais sutis: “A canção alegre” (1946), “O cavalo Gorbunok” (1947), “O conto do pescador e do peixinho” (1950), “A flor vermelha” (1952), “O gatinho teimoso” (1953), “O antílope dourado” (1954), “A rainha da neve” (1957). Nestes filmes, tão diferentes em estilo, humor, tempo e ritmo, foram exploradas a natureza da imagem desenhada à mão e o caráter do personagem (cabe ressaltar as contribuições de importância singular para o mundo da animação realizadas pelo animador e diretor Leonid Schwartzman). Em meados dos anos 60, até mesmo o Papa recomendou aos seus fiéis os desenhos animados soviéticos, considerando-os “os mais gentis e humanos do mundo”. Os filmes desta época irradiam alegria. A animação desses anos tinha ainda uma capacidade colossal de contar histórias, transmitindo aos jovens espectadores o profundo significado dos contos de fadas, hipnotizando-os, mas ao mesmo tempo, educando-os. Em 1953, a União Soviética vivencia o “terceiro renascimento” da animação de objetos (animação de bonecos). Após a partida de Vladislav Starevitch, esse gênero só havia sido lembrado em 1935, quando o diretor Alexander Ptushko realizou o longa-metragem “O novo Gulliver”. Neste filme, apareciam na mesma cena atores e personagens animados liliputianos. Vencedor do prêmio principal no Festival de Cinema de Veneza, diversos jornais de todo o mundo escreveram sobre o filme e até mesmo Charles Spencer Chaplin reagiu ao “novo Gulliver” com cumprimentos lisonjeiros. Diretores de arte, artistas, operadores de câmera e marionetistas estiveram envolvidos no universo da animação de objetos (animação de bonecos). Entre os melhores exemplos deste gênero de animação, destacam-se os filmes de Roman Katchanov “A luva” (1967), “Crocodilo Guena” (1969) e “Tcheburashka” (1971). Na década de 1960, um sentimento que ansiava por novas aberturas invadiu os diversos movimentos culturais existentes. Jovens artistas, recém-formados pelo Instituto de Cinema, ainda sem nenhum limite imposto pela ideologia e com sede pela liberdade, chegam aos estúdios de animação do país. Desta forma, em 1962, a União Soviética vivencia relevantes mudanças na história da animação. Este movimento iniciou com o filme “A História Frames de “A história de um crime”

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de um Crime”, de Fiodor Khitruk. A revolucionária tragicomédia sobre a imoralidade da impolidez transformou-se em um símbolo de mudanças. O artista ofereceu expressivos “alinhamentos” no estilo do filme, permitindo ao espectador pensar o que fora insinuado, porém não descrito detalhadamente no espaço. Khitruk é, merecidamente, reverenciado como professor por quase todos os diretores da animação contemporânea na Rússia. Trabalhando no universo da animação desde 1937 e tendo estudado e incorporando as tradições da animação clássica na sua obra, ele se tornou o descobridor e explorador de áreas até então desconhecidas do cinema de animação. Em cada novo trabalho, ele abre novas “portas”: “Toptizhka” (1964), “As férias de Bonifácio” (1965), “O homem na moldura” (1966), “Filme, filme, filme” (1968) e “O ursinho Puff” (1969) constituem marcos no desenvolvimento da animação no país. A animação não só havia atingido a sua maturidade, como também adquirido um olhar perspicaz sobre a sociedade. Compreendeu também a possibilidade e necessidade de dialogar com o público sobre as preocupações íntimas e cotidianas de cada indivíduo e a responsabilidade de cada indivíduo na sociedade. Nos melhores filmes, os aspectos sociais, os pensamentos sobre o presente e o futuro, assim como sobre a moralidade ganham formas filosóficas. Nos filmes de Andrei Khrzhanovsky, os acontecimentos transformam-se até mesmo em parábolas filosóficas poéticas, tais como “Era uma vez Kozyavin” (1966) e “A gaita de vidro” (1968).

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Quando o animador Yuri Norstein tornou-se diretor, a animação soviética ganhou um autor que constrói os seus filmes com um universo próprio: “A raposa e a lebre” (1973), “A garça e a cegonha” (1974), “O ouriço no nevoeiro” (1975) e “O conto dos contos” (1979). Cada imagem mostra ao mesmo tempo o mundo concreto, “habitável”, e o espaço completamente imaterial do espírito. Independente dos protagonistas escolhidos por Norstein para as suas histórias, no centro da sua obra encontra-se sempre o espírito perdido, em busca de laços com o mundo, com as suas raízes e com os amigos. O cinema de animação autoral desta época pode ser, merecidamente, comparado com a literatura, com a poesia e com a pintura. Em 1988, foram criados na União Soviéticos estúdios não estatais mais dinâmicos e com linhas artísticas próprias. Eles atraíam os jovens artistas. Graças à lei “da cooperação”, Alexander Tatarsky e Igor Kovalev criaram o estúdio “Pilot”, primeiro estúdio independente. A coluna vertebral deste estúdio era composta por graduandos da escola fundada pelo próprio Alexander Tatarsky, durante os anos em que ele trabalhava para a televisão. No estúdio “Pilot”, os diretores souberam combinar com sucesso o trabalho em filmes autorais e as encomendas do mercado. O estúdio quebrou o estereótipo relativo à duração dos filmes: somente as questões artísticas determinavam a duração de cada título. Assim, estudantes provenientes da “Escola Estúdio Pilot” imediatamente começaram a ganhar reconhecimento do mercado internacional e receberam os principais prêmios nos concursos internacionais. Durante os anos 1990, cerca de dez novos estúdios foram criados pelo país. O famoso diretor de cinema e artista Alexander Petrov criou o estúdio de animação “Panorama”, em Yaroslavl. No entanto, a crise econômica que assolou o país foi extremamente prejudicial para o cenário cinematográfico do país. Alexander Petrov concluiu no Canadá o seu filme “O velho e o mar”, pelo qual ganhou o Oscar americano. Este fato fez com que tanto a


sociedade quanto os estadistas olhassem novamente com atenção para o cinema de animação. O “Oscar”, em alguns sentidos, ajudou a animação russa a sair do gueto do esquecimento e a sobreviver a um genocídio econômico... Era uma época de paradoxos. Em parte, a indústria da animação caminhava rumo ao abismo financeiro. Os grandes estúdios do país, emblemas da indústria cinematográfica de animação, fechavam as portas. No entanto, paralelamente, como cogumelos, proliferavam novos estúdios independentes. Nascidos durante a crise, eles eram imunes a qualquer tipo de dificuldade. Eram também tempos de novas esperanças. Uma escola de animação foi criada em São Petersburgo, inicialmente devido ao ativismo dos diretores Irina Evteeva, Konstantin Bronzit e Rinat Gazizov... Mas o grupo de São Petersburgo iniciou, praticamente do zero, alguns projetos de grande porte: séries para a televisão e filmes de longa-metragem. Hoje, o estúdio “Melnitsa” (Moinho) ocupa um dos principais lugares no cenário comercial do cinema de animação. Atualmente, a animação russa está em ascensão. São produzidos 300 filmes por ano, entre filmes autorais, séries e longas-metragens. Obviamente, as dificuldades financeiras novamente influenciam o desenvolvimento do universo de animação. Até hoje, a Rússia não conseguiu produzir nenhum blockbuster no universo de animação, o qual mereça ser assistido em todo o mundo. Para a produção de tal produto, simplesmente, não há meios econômicos suficientes. Mas chegaremos lá.

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Mikhail Tsekhanovsky: um pioneiro da animação

Maria Vragova

Um dos pioneiros da animação na União Soviética, Mikhail Mikhailovitch Tsekhanovsky nasceu em 1889, na cidade de Khmelnyntsky. Começou a desenhar ainda no Liceu de Pintura de Moscou, antes de continuar os seus estudos na Academia de Belas Artes de Paris, entre 1908 e 1909. De volta à Rússia em 1911, formou-se na Academia Imperial de Artes de São Petersburgo e na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Entre 1918 e 1923, integrou o Exército Vermelho, onde realizou diversos trabalhos em arte aplicada e escultura. Trabalhou ainda como artista instrutor na Escola Técnica Estatal de Arte e Indústria, em Petrogrado (atual São Petersburgo). A partir de 1926, Mikhail Tsekhanovsky trabalhou na editora “Raduga” (Arco-íris) e na editora infantil Lengiz, ilustrando diversos livros infanto-juvenis em colaboração com Vladimir Lebedev. O jovem artista foi rapidamente seduzido pelo movimento construtivista, e logo incorporou o método gráfico proposto por El Lissitzky no seu universo criativo. Esta influência construtivista fica evidente nos assim chamados “cinelivros”, criados por Tsekhanovsky na década de 20: “Bola”, “Bim-Bom” e “Trem”. Nestes volumes, nos quais o artista já utilizava algumas técnicas cinematográficas, criava-se, ao folhear o livro, uma espécie de animação das imagens.

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Em 1928, iniciou os seus trabalhos como diretor de animação no estúdio “Sovkino”¹ em Leningrado. Com um universo complexo e um vasto horizonte, Mikhail Tsekhanovsky encontrou na animação uma linguagem ideal para transferir na integralidade o seu estilo e a sua visão artística. Já o seu primeiro filme, “Correio” (1929), foi em muitos sentidos um grande marco na história da animação soviética. Neste primeiro curta-metragem, baseado nas suas ilustrações para o livro de Samuil Marshak, o diretor trouxe para o cinema a estética construtivista, que havia aperfeiçoado nas suas ilustrações. Em 1929, ao lado de Evgueny Sholpo e Arseny Avramov, Tsekhanovsky foi um dos pioneiros do “som desenhado”, uma síntese de obras musicais através de uma imagem gráfica gravada na película, a partir de trilhas sonoras. Em 1930, a versão sonora de “Correio” com música de Vladimir Deshevov e apresentação de Daniil Kharms, ficou conhecida como o primeiro desenho animado sonoro da União Soviética. O filme foi ainda o primeiro desenho animado a atingir um grande público na União Soviética e a sua versão em cores (desenhada à mão) constitui a primeira animação colorida do país. O filme revolucionou o universo da animação na União Soviética, utilizando ângulos diagonais inesperados, os quais nos remetem às fotografias de Boris Ignatovitch e trazendo uma organização rítmica da imagem. Essa organização rítmica da imagem e a sincronização entre o som e imagem continuaram a ser desenvolvidas pelo diretor em “Pacific 231” (1931). Com música de Arthur Honegger, o filme é construído a partir de uma complexa composição sonoro-visual. Com o estabelecimento do realismo socialista, Tsekhanovsky foi forçado a abandonar este estilo extremamente inovador para praticar a técnica genérica que viria a ser conhecida na União Soviética sob o nome de “Éclair” (no Ocidente esta técnica é chamada de rotoscopia). Se as diferenças visuais são claramente visíveis, marcando uma profunda


transformação na linguagem artística de Tsekhanovsky, muitos artistas simplesmente não aceitaram estas mudanças e deixaram a indústria da animação para outros campos das artes, tais como a pintura ou a ilustração literária. O filme “O conto do padre e do seu trabalhador Balda”, baseado na obra do poeta russo Alexander Pushkin deveria ser o primeiro longa-metragem do diretor, com música de Dmitri Shostakovich. Os trabalhos começaram em 1933 e, após ter escrito parte da partitura, Shostakovich relatou entusiasmado: “Há diversas situações hiperbólicas e personagens grotescos... Escrever a música é prazeroso e fácil.” No entanto, em 1936, Shostakovich foi forçado a interromper os trabalhos, após a publicação do artigo “Confusão ao invés de música”, o qual criticava o “formalismo” nas obras do compositor. Além disso, os movimentos mecanicamente interligados dos personagens em preto e branco foram considerados “incompatíveis” com o estilo pushkiniano pelos críticos. Finalmente, a animação do filme ficou praticamente pronta e foi enviada aos arquivos do estúdio “Lenfilm”. Durante a Segunda Guerra Mundial, o material foi destruído durante um bombardeio. Apenas o fragmento “Bazaar”, com poemas de Alexander Vvedensky, e a partitura fragmentada e inacabada de Shostakovitch² sobreviveram ao incêndio. Em seus diários, Tsekhanovsky aponta o destino do filme como “um desastre.” Após sobreviver a meses sombrios durante o Cerco de Leningrado, Tsekhanovsky mudou-se para Moscou no final da Segunda Guerra Mundial e começou a trabalhar no “Soyuzmultfilm”. Nos filmes realizados após a Guerra, o diretor retrata o maravilhoso mundo dos contos de fadas russo. Com uma técnica precisa e consciente dos sentimentos de heroísmo, tragédia e poesia presentes nestas obras, Tsekhanovsky conseguiu criar imagens dotadas de uma poesia fabulosa, refutando a opinião daqueles que alegavam ser a animação apenas um meio para ninharias cômicas. ¹ O estúdio cinematográfico “Sovkino” passou a ser chamado de “Lenfilm” a partir de 1934. ² A partitura foi restaurada e terminada por Vadim Bibergan, aluno do compositor, em 2005.

Frames de “O conto do pescador e do peixinho”

Filmografia na mostra O conto do pescador e do peixinho” (Skazka o ribake i ribke) URSS, 1950, 30 min

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fiodor khitruk

diretor I cenarista I animador I pedagogo Nasceu em Tver, em 1917. Após concluir os seus estudos no Instituto de Ilustradores, Fiodor Khitruk integrou o corpo de profissionais do estúdio “Soyuzmultfilm” entre 1937 e 1941 e entre 1948 e 1983. Animou cerca de 200 filmes, antes de iniciar a carreira de direção. Colaborou com S. Alimov, E. Nazarov. Foi professor na Escola Superior para Roteiristas e Diretores, na Escola de Animadores do Estúdio Soyuzmultfilm e no Instituto de Cinema de Moscou, além de ter sido diretor artístico do mesmo estúdio. Vencedor de diversos prêmios internacionais, entre os quais destacam-se o prêmio do Festival Internacional de Cinema de Cannes, o Prêmio Estatal da URSS e o Prêmio Starevitch de animação. Em 1985, foi condecorado como “Artista do Povo”, na União Soviética.

Filmografia na mostra A luva (Varezhka) URSS, 1967, 10 min

A história de um crime (Istorya odnogo prestuplenya) URSS, 1962, 20 min

O ursinho Taptizhka (Taptizhka) URSS, 1964, 9min

O homem na moldura (Tchelovek v ramke) URSS, 1966, 10 min

O ursinho Puff (Vinni Pukh) URSS, 1969, 10 min

O ursinho Puff faz uma visita (Vinni Pukh idet v gosti) URSS, 1969, 10 min

O ursinho Puff e um dia atarefado (Vinni Pukh i den zabot) URSS, 1972, 19 min

A Ilha (Ostrov)

URSS, 1973, 10 min

O leão e o touro (Lev i byk) URSS, 1984, 10 min

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Conversa sobre a profissão

Fiodor Khitruk

Fiquei impressionado pela animação pela primeira vez em 1934. Eu tinha 17 anos, quando vi os desenhos de Walt Disney, no Primeiro Festival Internacional de Cinema de Moscou. Eram os filmes “Maestro Mickey”, “Os três porquinhos” e “Os pinguins engraçados”. Obviamente, eu já tinha visto desenhos animados nacionais e estrangeiros, mas naquela época, eu achava que era somente um truque habilidoso. Mas esses filmes me transtornaram. Eu via algo incrível, inimaginável! Eu já estava bastante habituado com o fato que um desenho podia mexerse no écran. Mas o que mais me impressionou, foi que estes filmes fizeram-me esquecer disso, levaram-me para um mundo de novas imagens, surreais e ao mesmo tempo incrivelmente reconhecíveis, muito divertidas. Porque só podemos rir de algo que conhecemos, sobre o qual temos uma posição. Eu não vou mentir, dizendo que aquela sessão foi determinante para mim na escolha da minha profissão. Naquele momento, eu não pensava na animação como a minha futura profissão. Eu já estudava em um liceu artístico e sonhava com as artes gráficas. Mas o sentimento que experimentei durante a sessão, permaneceu na minha memória e, após três anos, foi determinante na escolha da profissão.

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Em 1937, após ser aprovado no concurso artístico, eu fui aceito como estagiário-animador no estúdio “Soyuzmultfilm”. O trabalho de um animador é muito específico. Ele requer uma qualidade bastante rara: a habilidade de poder imaginar um personagem em qualquer ângulo. Essa é somente a primeira premissa para essa profissão. Eu estudava, praticando e observando o trabalho dos nossos melhores animadores: Boris Dezhkin, Faina Epifanova, Boris Titov e muitos outros. Mas vivemos ainda anos difíceis, cheios de desespero e decepções, antes que eu pudesse chamar-me de artistaanimador. Quanto mais eu trabalhava, mais eu entendia como a profissão de animador é difícil e heterogênea. O animador não só precisa saber desenhar bem e rápido. Ele ainda precisa ter um ouvido musical, pois trabalhamos com música e somos acompanhados constantemente pela música. Ele necessita de um bom ritmo. Finalmente, ele precisa de uma propriedade única: tem que guardar na imaginação aquele movimento decisivo, porque ele poderá vê-lo durante o processo, no écran, quando as composições estiverem completas e filmadas. O animador, trabalhando em uma cena, tem que sentir sempre a sua duração, a sua ordem e o seu ritmo. Vê-la através da sua visão interna. Ele deve ainda ser ator... Precisa ainda de muitas outras qualidades. Dizem que a animação é uma arte sintética, mas também podemos dizer que a profissão de animador é uma das profissões mais sintéticas, pois reúne várias linguagens artísticas. Nós aprendemos muito com os filmes de Disney, porque a escola de animação clássica, como é hoje em dia conhecida, é muito bem representada nos seus longas-metragens: “A Branca de neve e sete anões”, “Bambi” (em minha opinião, o ápice da arte de animação),


“Pinóquio” e alguns outros. Nós estudávamos estes filmes detalhadamente, quadro por quadro, cada cena, cada episódio. No início de 1940, eu fui convidado pelo diretor Lev Atamanov para trabalhar com ele, em Yerevan. Trabalhei com ele novamente mais tarde, em Moscou. Na verdade, eu não fui convidado diretamente. Animadores mais experientes, tais como Boris Titov e Grigory Kozlov foram convidados, e eles me levaram. Em Yerevan, nós realizamos o primeiro longa-metragem de animação armênio: “O tapete mágico”. Trabalhávamos com entusiasmo por mais de um ano e, em maio de 1941, voltamos felizes a Moscou. E a guerra começou... Eu me lembro dos primeiros dias alarmantes. Lembro-me como todo o estúdio era tenso, assim como todo mundo. Já tínhamos outros pensamentos e temas: neste estado de mobilização interna, nós sentíamos a necessidade de criar cartazes curtos, ativos e satíricos. Dezhkin e eu também começamos a criar um cinecartaz publicitário. Trabalhávamos como loucos, sem nenhum roteiro ou esboço... Durante os ataques aéreos, colocávamos capacetes que nós próprios confeccionamos. Subíamos no telhado do estúdio e atirávamos bombas incendiárias... Após o término do alarme aéreo, voltávamos a trabalhar, pernoitando muitas vezes no estúdio... Mas nós não terminamos a nossa história. Eu fui mobilizado como cadete do colégio de infantaria, comandante de pelotão e mais tarde como intérprete militar no 17º exército aéreo. Junto com as unidades do 3º fronte da Ucrânia, eu lutei até o final da guerra, indo até Viena. A guerra acabou. Eu regressei a Moscou e já pretendia voltar ao meu querido estúdio, mas, de repente, fui enviado a Berlim, como intérprete militar, permanecendo dois anos na Alemanha. Somente no dia 10 de novembro de 1947, precisamente dez anos após a minha admissão no estúdio, eu voltei ao “Souyzmultfilm”, e a minha profissão de animador, que eu mal havia começado a dominar e da qual já tinha me esquecido. Eu tive que novamente começar tudo do zero. Eu estava com sorte, pois entrei no grupo de Boris Dezhkin. Como ele se lembrava de mim, logo me deu uma cena de produção do seu novo filme. Mas eu tive problemas com esta cena, e não consegui fazê-la. O prazo era curto e pressionava-me como a espada de Dâmocles. Quanto mais nervoso eu ficava, mais o meu trabalho piorava. Já começava a pensar em procurar outro trabalho (eu já tinha exercido a profissão de intérprete), mas não conseguia me separar da animação. Ela já fazia parte de mim. Sou muito grato a Dezhkin, pois ele entendia perfeitamente o meu estado, as minhas torturas e dúvidas e guiava-me com muito tato. No filme “A patinha cinza”, de L. Amalrik e V. Polkovnikov, eu fiquei encarregado de uma cena: o personagem inteiro da raposa em uma determinada parte, pois durante o filme, vários animadores trabalham em um personagem. Isto também é uma peculiaridade da nossa profissão. A imagem é única, e deve existir uma única solução e maneira de atuar ao longo do filme, mas é realizada por vários animadores, cada qual com o seu próprio estilo e propriedades... É difícil imaginar o papel de Hamlet sendo apresentando por cinco atores

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em um espetáculo, apesar de ter ouvido falar sobre uma encenação assim na Polônia. Mas isto era uma exceção, e para nós é uma regra. O mais difícil para mim, e creio que para qualquer animador, é entrar no papel de um personagem. Naquela época, eu já dominava os movimentos. Já imaginava como a raposa andaria, como se comportaria em certas circunstâncias. Mas entrar no papel, sentir o caráter e o estado do personagem numa situação concreta era a tarefa mais difícil e, provavelmente, a mais interessante para mim. Eu acho que é a essência do trabalho de animador: ele metamorfoseia-se duas vezes. Primeiro, penetra o personagem que ele cria, e depois, através deste personagem, ele encarna-se no seu caráter, a partir do roteiro criado.

Aqui, um esclarecimento faz-se necessário. Não é o animador que inventa o personagem. A imagem é criada pelo dramaturgo e pelo roteirista. Ela é elaborada por um diretor de arte, que encontra uma imagem gráfica concreta, chamada de personagem típica. A tarefa do animador é personificar esta imagem através do movimento emocional.

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Para mim, foi muito instrutivo participar nos filmes de Mstislav Pachenko, um ótimo diretor e uma pessoa bastante otimista. Creio que o filme “Quando iluminam as árvores de natal” foi a nossa primeira colaboração. Eu deveria animar o personagem do boneco de neve. A cena era relativamente longa, cerca de 20 segundos, e o papel consistia em um monólogo. Era uma tarefa complicada e ao mesmo tempo interessante: o boneco de neve não tinha parceiros. Ele não tinha contato com os outros personagens e, principalmente, não fazia nada. Só ficava em pé e falava. No desenho animado, o trabalho começa com a gravação das frases dos protagonistas. O ator Volodin gravou as frases do boneco de neve e fez isso de uma maneira tão viva e imaginativa, que para mim tornava-se fácil imaginar os gestos e o comportamento do personagem. Mas, obviamemte, a minha tarefa não se limitava ao trabalho de fazer o boneco de neve mexer os lábios e braços de maneira sincronizada com o fonograma. Era necessário encontrar os traços típicos do comportamento do personagem e aproveitar a cena. Fazendo isso, eu, pela primeira vez, entendi que a profissão de animador incorpora parte do trabalho de um diretor: não sou eu o ator. Eu faço isso através de um personagem desenhado e, por isso tenho que interpretar a encenação e controlar a ação dentro da cena. Pachenko tinha uma qualidade excepcional: não pregava sermões e não impunha nada a ninguém. Neste sentido, ele era um professor ideal. Sabia precisamente o que queria de um animador, mas sempre dava a oportunidade para ele revelar-se, para realizar a sua ideia. E, se esta estivesse em harmonia com a ideia geral, respondendo à ideia principal, ele aceitava a proposta com muita vontade, dando ao animador plenos poderes de autor. Esta qualidade é bem rara entre os diretores e por isso, muito apreciada. Uma das minhas tarefas mais complicadas foi durante o filme de Lev Atamanov “A rainha da neve”. Eu tive muita sorte. Normalmente, o animador não anima um personagem. Ele anima uma cena, trabalhando com todos os seus detalhes. Em “A Rainha da Neve”, eu fiquei encarregado de animar um personagem ao longo de todo o filme. Era o papel de Ole Lukøje, um gnomo de um conto de fadas, o qual o diretor introduziu no conto de Andersen


no papel de narrador. O pintor L. Schwartzman criou um excelente personagem típico. Junto com o diretor e pintor, nós discutíamos em detalhes a biografia deste personagem. A apropriação do personagem começou, como sempre, pela gravação do áudio. A voz era de Vladimir Gribkov, famoso ator do teatro MKHAT. Ele elaborou Frame de “A rainha da neve” a parte vocal de maneira tão fina e precisa que o trabalho passou a trazer-me um verdadeiro prazer. Durante o processo apareciam novas tarefas, até então desconhecidas para mim, como a procura de finas nuances no psiquismo do protagonista. Em a “Rainha da Neve”, eu interpretava mais um papel: o da Rainha da Neve. O contraste entre um gnomo vivo e expansivo e a imagem da fria feiticeira me ajudava bastante no trabalho. A Rainha da Neve era majestosa e imóvel. As suas emoções podiam ser expressas por gestos mínimos: um movimento das sobrancelhas, um movimento dos olhos, os quais irradiavam uma luz glacial... Eu não tenho como falar de todos os papéis que criei, pois são mais de 200. Eu participei da criação de 120 filmes e posso dizer que era uma belíssima escola. Todos nós aprendíamos com os diretores, com os nossos colegas animadores, aprendíamos fazendo as cenas, e na maioria das vezes, aprendíamos através dos nossos próprios erros... E esta experiência única como animador ajudou-me muito quando eu decidi ser diretor. Isto aconteceu no final de 1961. Frequentemente, perguntam-me por que eu decidi ser diretor tão tarde. Realmente, 44 anos não é uma idade apropriada para o início da carreira de diretor. Aqui, eu devo precisar: ninguém chamava-me para ser diretor, mas tampouco colocavam-me obstáculos. Eu simplesmente gostava muito, e continuo gostando da minha profissão de animador e agora, sendo um diretor experiente, tento não perder a minha habilidade neste ramo. Se esta profissão não fosse tão esgotante, demandando esforço, (não somente um esforço moral, mas também um esforço físico, pois finalizando uma cena, você se sente completamente devastado) eu gostaria de combiná-la com a profissão de diretor. Chegou um momento, quando eu senti que queria e poderia ser diretor. Eu tinha algo a dizer, algumas ideias, as quais eu não conseguia expressar como animador. O tema do meu primeiro filme, “A historia de um crime”, e as particularidades do meu estilo de direção eram o resultado da experiência profissional adquirida antes deste filme. De alguma maneira, este filme traz alguns traços autobiográficos. Era uma vez, quando, sem

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querer, eu encontrava-me em uma situação muito parecida com a do protagonista do filme. A ideia que eu sugeri ao departamento de roteiros foi logo aceita e aprovada, mas eu não tinha um roteiro em si. Tinha somente alguns esboços, um projeto de rascunho. Propuseram o roteiro a Mikhail Volpin, dramaturgo experiente, que aceitou com prazer. Para mim, não era fácil começar. Quase todo o grupo de produção era iniciante. Serguey Alimov, que acabava de se formar no Instituto de Cinema, era um iniciante, assim como o operador e os jovens animadores. Podemos dizer que todo o nosso grupo pequeno, mas unido, estava prestes a começar a sua primeira viagem independente. Estávamos todos em condições de igualdade. Eu tinha uma pequena experiência de trabalho como diretor, acumulada durante o meu trabalho como animador, mas logo entendi que a profissão de diretor era completamente diferente e que as responsabilidades eram mais amplas e mais específicas. Aqui, fazia-se necessário ainda ser um organizador, gerente de um grupo. E isto não era fácil.

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A dificuldade residia também no fato que no nosso filme não tínhamos a condicionalidade tradicional de um conto de fadas, que era uma base habitual da nossa animação e que também consistia a sua principal força de expressividade. Todavia, tentávamos usar as vantagens de linguagem deste gênero. Eu acho que, de algum modo, obtivemos um resultado. Passaram-se mais de vinte anos desde aquela época, e agora eu posso afirmar com certeza: infelizmente, nós nunca mais tivemos discussões tão ardentes e, ao mesmo tempo, uma unidade e unanimidade no processo de criação do filme, pois cada um queria contribuir com algo seu, com a sua experiência pessoal. Após o grande sucesso do filme, muitos me aconselharam a continuar o trabalho, inventando novas aventuras com o protagonista do filme, em outras palavras, fazendo uma série. Mas, nós não estávamos atraídos pela ideia. Existiam, na animação, tantas coisas


para serem descobertas, tantas coisas interessantes, que decidimos com firmeza a continuar a experiência. Queríamos fazer algo completamente diferente, usando outra temática, outro modo de expressão, e, obviamente, outro gênero. Ainda na juventude, um dos meus pintores preferidos era Evgueny Tcharushin. Pensando em um novo tema, eu, involuntariamente, lembrava-me dos seus desenhos. Eu queria muito usar este estilo surpreendente em uma animação baseada em um conto de fadas. Tcharushin era um incrível contador nas suas ilustrações. Ao mesmo tempo, eu entendia que era muito difícil reproduzir no écran o encanto incomparável da sua técnica: a técnica de celulóide é ligada a um desenho de contornos muito rígidos e, normalmente, o contorno de linhas não é presente nas ilustrações do pintor. Tcharushin preferia trabalhar com manchas coloridas vivas e ricas. Mas como reproduzir um desenho destes em milhares de esboços? A tentação era grande e nós decidimos experimentar. Eu tinha um roteiro, que não era tão bem escrito: a simples história sobre o ursinho Toptizhka. Este roteiro servia muito bem para uma experiência técnica. Em minha opinião, a linha de contorno rígida destrói a poesia do conto, tornando as imagens demasiado concretas. Como resultado, o principal desaparece: o caráter enigmático e misterioso, que é atribuído ao conto russo. Por isso, decidimos usar a técnica de travessas plenas e bonecos de papel, a qual possibilitava a manutenção de uma rica fatura da imagem. Assim, nasceu o filme “O ursinho Toptizhka”. Provavelmente, é o único filme, no qual posso dizer que conseguimos realizar tudo o que pretendíamos. O nosso filme abria novos caminhos no uso das artes ilustrativas na animação. Depois, eu recebi, por acaso, um roteiro baseado no conto do escritor tcheco Miloš Macourek: “Bonifácio e a sua família”. Lendo as primeiras frases, eu já estava encantado pela atmosfera de conto, pela imagem de um leão calmo, tímido e bondoso (Bonifácio), que deveria pretender ser uma fera feroz no circo onde trabalhava. Este tipo de serviço não lhe agradava e ele tinha saudade da África, onde morava a sua avó. Atrás desta historia simples, há um pensamento profundo sobre o destino do artista, a alegria da arte, e a relação entre o artista e o público. Se entre os meus primeiros três filmes havia intervalos grandes e durante cinco anos eu fiz somente três filmes, o meu próximo filme, “O homem na moldura”, foi iniciado antes de terminarmos os trabalhos de “Bonifácio”. A ideia deste filme já vinha sendo amadurecida durante algum tempo. Como também no “Ursinho Toptizhka”, ela surgiu a partir de uma técnica, de uma imagem visual. Assim acontece: primeiro você acha uma imagem visual, a qual, em seguida, vira um roteiro... Eu creio que encontrei uma imagem bem sucedida: enquanto se desenrolava o destino do protagonista, uma pessoa medrosa e limitada, que preservava a sua reputação com rigor e tinha receio de fazer algo fora da “normalidade”, a sua moldura aumentava, tornando-se cada vez mais sólida. O homem não crescia. Simplesmente, a moldura aumentava até o ponto de cobrir completamente a sua persona, a sua personalidade... “A história de um crime”

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Este foi o trabalho mais difícil e mais sério de todos os que eu havia realizado. Eu sentia a necessidade de fazer um filme, no qual a ideia seria expressa pelos meios mínimos, somente através de uma imagem-símbolo muito forte. É difícil trabalhar com os símbolos. A precisão na escolha dos meios é imprescindível. Todo o sistema de imagens do filme era destinado à revelação de uma séria ideia social. Trata-se de um filme sobre o dever moral, sobre a consciência, sobre a responsabilidade do homem perante a sociedade e sobre a sua capacidade de assumir esta responsabilidade. Este filme narra como, a partir da covardia e da ambição, nasce, aos poucos, a infâmia, a qual conduz o homem à morte moral.

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Enquanto isso, na minha alma, amadurecia o meu sonho sobre “O Ursinho Puff”. Eu conhecia este livro praticamente de cor. Ele havia sido relatado magnificamente pelo poeta Boris Zakholder. Sim, relatado, e não meramente traduzido. Eu flertava com este livro durante vários anos e estava com medo de estragar tudo, pois a sua fatura era muito fina e o material muito frágil. Levar ao cinema uma obra clássica da literatura (e Ursinho Puff é, sem dúvida, uma obra clássica no nível de “Alice no pais das maravilhas”) é sempre perigoso. Há sempre o risco de não alcançar o nível do original da obra. Mas o conto me atraia tanto, que eu estava pronto a arriscar e, se ainda não havia feito, era porque não me sentia totalmente preparado. Quando eu encontrei o artista Vladimir Zuikov, percebi que o conto era muito próximo a ele e que ele seria capaz de propor uma ideia gráfica interessante. Para nós, o Ursinho Puff não era apenas um ursinho que gostava de mel. Víamos nele um filósofo, um sonhador. Todas as situações cômicas eram construídas a partir do conflito entre o mundo imaginado por Ursinho Puff e a realidade que o cerca e com a qual ele entra em contato de maneira absurda e inesperada. Durante o trabalho de criação, foram criadas três opções do protagonista, mas somente a última era interessante, mais próxima da nossa ideia. A ajuda chegou inesperadamente, de Evgeniy Leonov, o narrador das histórias do Ursinho Puff. Ele não narrou simplesmente o texto do roteiro, mas imediatamente e, de maneira precisa, entendeu o caráter do protagonista. Ele se posicionou em frente ao microfone, parou por um momento, assumiu uma pose, com o olhar pensativo, e


nós encontramos o caráter que tanto procurávamos. Assim mesmo deveria ser o nosso protagonista. Leonov encontrou a imagem deste sonhador excêntrico. Eu chamei os animadores: olhem, desenhem! Assim deve ser o nosso protagonista. Os meus últimos trabalhos, “A ilha”, “Eu te dou a estrela”, e “Ícaro e os sábios” foram bem aceitos tanto pelo público russo, como pelo público estrangeiro. Creio que “A Ilha” é o meu filme mais leve. O único obstáculo encontrado na realização do filme foi o ritmo, melhor dizer, a pulsação do filme. Enquanto eu não havia assistido ao filme inteiro, cada cena em si me contentava. No entanto, quando eu colei o filme nos testes de rascunho e o coloquei na mesa de montagem, ficou óbvio que eu havia errado bastante no ritmo. O filme era lento demais. Por acaso, eu puxei o pedal da bobina e o filme rodou mais rápido. Logo, ficou claro que este era o tempo ideal para o filme. O tempo era muito importante neste filme, como um sinal do tempo no mundo ocidental contemporâneo, o qual está sempre apressado, correndo e precipitado. Está sempre querendo alcançar algo, que ainda não pode ser alcançado. No meio desta confusão, no cruzamento das principais artérias da civilização, deveria estar este pobre Robinson. E não se sentia isso no filme. Eu tive que refazer as folhas de exposição de todas as cenas. Quando o filme foi filmado novamente, ele ficou muito mais próximo ao conceito inicial. Eu gostaria de falar ainda sobre mais um detalhe deste filme. O filme estava prestes a ser concluído, e nós estávamos sem uma ideia para o ponto final. Eu não estava satisfeito com as opções para o final. Eram todas muito concretas, estreitas, simplificando o pensamento. Nós estávamos sentados, extenuados, pensando em um final, cansados de tanto esforço em vão. De repente, alguém começou a assobiar, bem baixinho. Ele não tinha um bom ouvido e não assobiava tão bem. Assobiava baixinho, imerso em seus pensamentos... E estes sons deram-me a pista para a ideia do final. Assobiando baixinho, um ser igual ao protagonista passa nadando. Ele o convida a agarrar um pequeno tronco de árvore, o qual ele mal consegue segurar. E eles partem os dois para uma vida em um mar sem fim... A geração de artistas que está chegando hoje ou que chegará amanhã no mundo de animação terá mais dificuldades do que a nossa, porque as tarefas serão mais complicadas e, consequente, as expectativas serão mais elevadas. Atualmente, já não é suficiente saber desenhar bem ou ser um bom ator. E amanhã, a qualidade principal e decisiva será a capacidade de compreender os complicados e contraditórios processos de vida. E quanto mais complicado for o pensamento, maior deverão ser a habilidade, a arte e a maestria para poder expressá-lo de maneira clara e precisa. Isto significa que cada um deve ter uma base profissional sólida e saber fazer bem o seu trabalho. Todos nós continuamos os nossos caminhos na animação e este processo é infinito. A animação é uma arte, na qual muitos aspectos ainda não são conhecidos e não foram ainda decifrados.

“O homem na moldura”

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Uma enciclopédia animada para a compreensão de uma sociedade

Luiz Gustavo Carvalho

A animação dos anos 1960 reflete a relativa liberdade que floresceu na União Soviética durante um período conhecido como “O Degelo”. Nikita Khruschev, Primeiro-Secretário do Partido Comunista e líder da União Soviética entre 1953 e 1964, denunciou os crimes cometidos por seu antecessor e colocou um fim ao culto da personalidade de Josef Stalin. Esse episódio, hoje conhecido como “Discurso Secreto”, foi de importância fundamental para a produção artística da segunda metade do século XX na antiga União Soviética, pois permitiu que o papel da arte na sociedade fosse reformulado. Assim, no universo da animação, surgiu o desejo de realizar filmes, nos quais o público se identificasse como parte da realidade, através da construção de identidades visuais e narrativas históricas contemporâneas. Enquanto a era stalinista praticamente extinguiu a influência do construtivismo e da vanguarda russa na animação, Khruschev via a imagem visual como um meio importante para a revitalização da sociedade soviética.

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A estética revolucionária de Fiodor Khitruk, com o seu filme “A História de um Crime” (1962), abre o caminho para uma geração talentosa de jovens diretores e animadores desenvolverem os seus próprios estilos e interesses. Os desenhos animados desta época traziam não somente um novo estilo de animação, que lembrava as linhas prosaicas do estúdio americano U.P.A.¹, mas abordavam pela primeira vez, desde os anos de vanguarda da animação soviética, uma história então contemporânea. Assim, a animação dos anos 1960 nos apresenta um crocodilo, que trabalha como crocodilo em um jardim zoológico (Crocodilo Guena) e Tcheburashka, que apesar de ainda não ter ser sido identificado pela ciência, já sonha em ser pioneiro. (Crocodilo Guena, 1969, e Tcheburashka, 1971, de Roman Katchanov). Em “Terem-teremok” (1971), alguns animais decidem viver juntos em uma pequena casinha de madeira, pois “viver junto é mais divertido”, distribuindo ativamente as tarefas cotidianas segundo a aptidão de cada morador. Desta forma, Leonid Amalrik transporta o universo do conto folclórico russo para a realidade dos apartamentos comunais da União Soviética. Já o “tio Fiodor”, na companhia do gato Matroskin e do cão Sharik, vivem em um oásis ecológico chamado Prostokvashino, onde discutem planos para aumentar as economias rurais, comprando a vaca Murka para a produção de leite, o qual também poderá ser vendido. Tcheburashka, Guena e os personagens do desenho “Os 3 de Prostokvashino”, de Vladimir Popov, tornaram-se tão populares no país, que Tcheburashka foi escolhido como mascote da equipe olímpica da União Soviética e a canção de aniversário do crocodilo Guena e as frases do gato Matrosskin são, até hoje, citadas na Rússia. Frame de “Terem-teremok”


Nesta época, surgem também algumas ecranizações dos contos de um dos mais importantes escritores infantis da União Soviética: Kornei Tchukóvsky. Já a versão colorida, realizada por Ivan Ivanov-Vano, em 1954, de “Moydodyr” (1954), um personagem sob a forma de uma pia antropomórfica, marca uma nova compreensão do aspecto gráfico do desenho animado. Ivan IvanovVano (Moydodýr) e, posteriormente, Leonid Amalrik (Limpopo) e Boris Dezhkin Frame de “Terem-teremok” (Mukha Tsokotukha) tentam manter as características gráficas dos personagens de Tchukóvski, procurando uma fidelidade aos personagens descritos nos seus contos. Essa estética é também claramente visível no filme “Tarakã, o bigodudo”² (Tarakanishe), realizado em 1963 por Vladimir Polkovnikov. Neste conto, Tchukóvsky pinta um quadro alegórico, no qual um reino animal idílico é aterrorizado por “um monstro gigante, / ... / Tarakã é seu nome! Baratona, baratão!” que “rosna, gritalhão / vai mexendo o bigodão” e ameaça: “Fiquem calmos, não se apressem, / Vou engoli-los num instante! / Vou engolilos sem perdão!”. O terrível e bestial gigante de Tchukóvsky tem a estatura de uma barata, um apelido dado na Rússia aos homens que possuem um bigode espesso. Escrito em 1923, quando Stalin era apenas um dos “bigodudos” que almejavam o poder Frame de “Tarakã, o bigodudo” na União Soviética, a sátira faz alusão a qualquer ditadura, imposta por uma minoria contra o desejo da maior parte da população. Mas, obviamente, muitas pessoas viram o ditador retratado no poema de Tchukóvsky, e o apelido dado a Josef Stalin no início dos anos 1930, “Tarakã” (barata), foi derivado do protagonista deste conto. A animação realizada nos anos 1960, a partir do conto dos anos 1920, mostra como somente na era khruscheviana permitiu a abordagem de certos temas, mesmo que através de uma linguagem esopiana, na sociedade soviética. Com “Nu pogodi!” (na programação da Mostra de Animação Russa os episódios foram traduzidos como “Espera, você vai ver!”), nasce na União Soviética a primeira série de animação. O roteiro original, no qual um lobo desastrado persegue uma lebre em diversas situações, foi criado pelos escritores Feliz Kandel, Arkady Khait e Alexander Kurlyandsky. Apesar da maioria dos diretores do estúdio “Soyuzmultfilm” ter rejeitado o roteiro, Vicheslav Kotenotchkin foi convencido pela ideia. Mesmo se inicialmente não havia planos para transformá-lo em uma série de filmes, o sucesso do primeiro episódio provocou uma popularidade imediata do lobo e da lebre por toda a União Soviética. Centenas de cartas

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Frames de episódios da série “Nu podogi!” (Espera, você vai ver!)

começaram a chegar ao “Soyuzmultfilm”, pedindo por novas aventuras do lobo e da lebre. Os primeiros dezesseis episódios, conhecidos como os “dezesseis episódios de ouro”, foram realizados ao longo de 17 anos, refletindo também as mudanças que aconteciam na sociedade soviética desta época. Se o primeiro episódio foi criado ainda em 1969, o décimo sexto foi realizado durante a “Perestroika”, em 1986. Kotenotchkin, que nunca teve nenhuma pretensão em criar uma animação autoral, tentava criar cenários simples e concretos. Mesmo assim, muitos intelectuais reconheciam a intelligentsia na personagem da lebre, enquanto o lobo representava a classe operária.

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“Nu pogodi!” pode ser, acima de tudo, visto como uma pequena enciclopédia da vida soviética: a população do país se reconhecia nos hábitos alimentares dos personagens e até mesmo nos papirosis fumados pelo lobo nos diversos episódios. Os episódios mostram os apartamentos khruschevianos, nos quais vivia a maior parte da população, os balneários, que atraiam as pessoas durante o verão, e a moda da época. Enquanto a lebre aparece quase sempre vestida com uma blusa verde e shorts azuis, o lobo, ao longo da série, desfila todo um guarda-roupa com as principais novidades da moda do país. Kotenotchkin soube ainda integrar de forma inteligente nos seus desenhos os maiores sucessos musicais da época e importantes acontecimentos históricos, tais como a corrida espacial e os Jogos Olímpicos de Moscou. A cultura clássica dos contos russos, que havia influenciado tantos diretores e animadores nos anos 1950 e no início dos anos 1960, é também visível nos episódios da série, mas ela é inserida com virtuosismo em situações cotidianas da sociedade soviética. Diversos nomes da cultura contemporânea do país foram citados nas aventuras do lobo e da lebre, tais como Alla Pugacheva, Vladimir Vissotsky e até mesmo o brasileiro Chico Buarque, cuja canção “A banda” integra a trilha sonora de um dos episódios. Um detalhe, através do qual constatamos como a animação soviética fazia parte da vida cotidiana das pessoas e a seriedade com a qual eram tratados todos os componentes envolvidos na produção de um desenho animado, é o fato de grande parte das vozes dos protagonistas dos filmes pertencerem aos principais nomes do teatro e do cinema russo. Desta forma, Innokenty Smoktunovsky é o narrador do conto “A garça e a cegonha”, de Yuri Norstein, e a voz de Oleg Tabakov ficará para sempre associada ao gato Matroskin, personagem do desenho animado “Os 3 de Prostokvashino”, de Vladimir Popov. Em “Nu pogodi”, Kotenotchkin queria que o personagem do lobo fosse dublado por Vladimir Vissotsky. Como o cantor e poeta não era bem visto pelo governo e a sua obra encontravase então proibida no momento pelas autoridades, a ideia foi censurada e o diretor teve que optar pelo grande ator de teatro e cinema Anatoly Papanov. A lebre é dublada por


Klara Rumyanova, conhecida por dublar heróis pequenos e positivos. Mesmo assim, na primeira cena do filme, o lobo escala uma corda, na sua primeira tentativa de pegar a lebre, assobiando “Uma canção sobre um amigo”, de Vladimir Vissotsky, em uma bela homenagem do diretor a um dos maiores cantores e poetas da sua geração. Obviamente, é impossível não comparar os personagens de “Nu Pogodi!” com os protagonistas de Tom e Jerry. No entanto, através de um olhar mais atento, podemos perceber um perene aspecto humanista nos desenhos de Kotenotchkin, aspecto inexistente nas eternas brigas entre o gato Tom e o rato Jerry. Kotenotchkin afirmou que os desenhos americanos de Walt Disney foram, sem dúvida, uma grande influência para a sua formação. Especialmente, Bambi, o qual foi apresentado na União Soviética logo após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, o diretor alegou que só teve a oportunidade de assistir as aventuras de Tom e Jerry em 1987, quando já havia realizado todos os episódios de “Nu pogodi!”.

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¹ - United Productions of America ² - Tarakã, o Bigodudo (Tarakanishe), lançado durante a Mostra de Animação Russa pela editora Kalinka. Traduzido por Aurora Fornoni Bernardini e Maria Vragova. ³ - Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Maria Vragova.


biografias leonid a. amalrik diretor I animador Nasceu em 1905, em Moscou. Trabalhou como decorador e diretor de arte no estúdio “ Merzhrabpom-Rus”, sob a direção de A. Rodtchenko, S. Eisenstein e V. Pudovkin. Em 1928, começou a trabalhar com animação. Como animador, contribuiu com I. Ivanov-Vano, V. Suteev, D. Babichenko, entre outros. Lutou no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial. Vencedor do prêmio Starevitch de animação. Leonid Amalrik faleceu em Moscou, em 1997.

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boris p. dezhkin diretor I animador I caricaturista I roteirista Nasceu em Kursk, em 1914. Após terminar os estudos de animação, trabalhou como animador experimental, com V. Smirnov, e na “Mosfilm”. A partir de 1936, integrou a equipe do estúdio “Soyuzmultfilm”, trabalhando como animador, roteirista e diretor. Contribuiu com importantes diretores, tais como E. Migunov, V. Vasilenko e S. Rusakov, entre outros.

ivan p. ivanov-vano diretor I roteirista I pedagogo Nascido em 1900, em Moscou, Ivan Ivanov-Vano é um dos ícones da animação soviética. Foi o diretor do estúdio “Merzhabpomfilm” no início dos anos 1930. A partir de 1936, trabalhou no estúdio “Soyuzmultfilm”. Colaborou com L. Amalrik, M. Botov, B. Butakov e Y. Norstein, entre outros. Foi professor do Instituto de Cinema (VGIK) e da Escola de Animação do estúdio “Soyuzmultfilm”. Foi condecorado como “Artista do Povo”, em 1985.


s

vicheslav m. kotenotchkin diretor I animador Nasceu em Moscou, em 1927. Estudou na Escola de Artistas-Animadores do “Soyuzmultfilm”. Participou da produção de mais de 60 desenhos animados , em colaboração com L. Amalrik, L. Atamatov, I. Ivanov-Vano, M. Pashenko e B. Dezhkin, entre outros. Foi o diretor da primeira série de animação da União Soviética: “Nu, pogodi!”. Foi condecorado como “Artista do Povo”, em 1987 e recebeu diversos prêmios internacionais. Faleceu em Moscou, em novembro de 2000.

vladimir i. polkovnikov diretor Nascido na região de Moscou, em 1906, trabalhou como animador no estúdio cinematográfico “Soyuzkino” e “Soyuztekhfilm”. A partir de 1936, começou a trabalhar no estúdio “Soyuzmultfilm”, como assistente de L. Amalrik. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou no Estúdio Cinematográfico Técnico de Guerra. Regressou ao “Soyuzmultfilm” em 1946, colaborou com importantes animadores, tais como A. Trusov, R. Katchanov e M. Rudatchenko, entre outros.

vladimir i. popov diretor I animador Nasceu em 1930, em Moscou. Iniciou os seus estudos no “Soyuzmultfilm” em 1952, onde, trabalhou como animador e diretor. Colaborou com V. Pekar, L. Khachatrian e A. Sher.

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“A animação começa onde termina a possibilidade de outras formas artísticas”, disse uma vez o diretor búlgaro Todor Dinov. E eu concordo plenamente com ele. Como dizer que a animação não é cinema, se os personagens falam através da voz dos melhores atores do cinema e do teatro? Se a música para os desenhos animados é composta por renomados compositores? E como trabalha um animador? Ele se desespera, bate os pés, cantarola algo para si próprio, fala por todos os seus heróis, gesticula... Em uma palavra, um teatro em um só ator. A animação é uma arte de origem humana. Fina, filigrana. Algumas pessoas, após terem observado o nosso trabalho, até mesmo o compararam com a iconografia. A minha profissão passou a ser chamada artista animador, ao invés de artista multiplicador. Um artista que dá a vida a alguém, que anima. Mas eu prefiro o título anterior, porque eu nunca tive a sensação de animar nenhum dos heróis que desenhei. Desde o início, eles eram animados na minha imaginação...

Vicheslav Kotenotchkin

“Espera, Kotenotchkin, você vai ver!” (1999)


roman katchanov diretor I roteirista I animador

Roman Katchanov nasceu em Smolensk, em 1921. Em 1941, iniciou os seus estudos no Instituto de Engenharia de Moscou. Foi convocado pelo Exército Vermelho, durante a Segunda Guerra Mundial, quando lutou como paraquedista. Após a guerra, iniciou os estudos de animação, na Escola de Animação do estúdio “Soyuzmultfilm”, graduandose em 1947. Trabalhou como animador e assistente de direção. Foi professor na Escola de Animação do estúdio “Soyuzmultfilm” e na Escola Superior de Cenaristas e Diretores de Moscou. Colaborou com os animadores N. Serebryabov, L. Schwartzman e N. Orlova, entre outros. Em 1981, foi reconhecido como “Artista do Povo”, na União Soviética.

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Filmografia na mostra A luva (Varezhka) URSS, 1967, 10 min

Crocodilo Guena (Krokodil Guena) URSS, 1969, 20 min

Tcheburashka

URSS, 1971, 20 min


A seriedade de uma risada bondosa

Roman Katchanov

Tudo começou durante a guerra. Nós estávamos assistindo um filme americano, o qual falava sobre as vantagens do piloto automático em comparação ao piloto humano. O filme utilizava-se de técnicas de animação. De repente, na cabeça do piloto que estava no comando aparecem ovos mexidos em uma frigideira. O avião começa a balançar, mas os ovos mexidos desaparecem e a aeronave endireita-se. Depois, na imaginação do piloto aparece uma imagem de uma menina trocando de roupa. O avião começa a dar voltas..., e bate em uma montanha. Mas no final, tudo termina bem. O piloto está deitado em um leito hospitalar, todo enfaixado, e a mesma menina está dando-lhe comida na colher, falando-lhe alguma coisa e colocando a comida em algum lugar entre as faixas. Ela diz alguma coisa e ele tosse. Estes desenhos animados ingênuos me fascinaram. Eu pensei como seria ótimo, se eu pudesse animar os meus próprios desenhos e caricaturas. A guerra terminou e eu entrei no estúdio “Soyuzmultfilm”. Era junho de 1946. Os meus professores eram os principais animadores do país.

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Após terminar o curso, eu comecei a trabalhar na produção. Alexander Ivanov foi o primeiro diretor com quem eu trabalhei. Ele era uma pessoa emocional, que sabia como entusiasmar os seus colegas. Depois, eu trabalhei com as joviais irmãs Brumberg, com o valente Bredis, cuja técnica era ótima, com o calmo e sensato Sazonov e com o cordial Babitchenko. E, finalmente, com o misterioso Tsekhanovsky. Eu o chamo de misterioso, pois ele sempre guardava uma certa distância. Se todos os diretores ainda buscavam uma estética própria ou, em outras palavras, estavam em fase de formação e na maioria das vezes apenas tinham diferentes personagens, Tsekhanovsky já havia criado o filme “Correio”, considerado até hoje como um clássico da animação. Naquela altura, Tsekhanovsky era um grande adepto da técnica conhecida como rotoscopia. Nesta técnica, as filmagens eram feitas com atores verdadeiros, os quais com algumas modificações eram copiados para o papel, entrando desta forma no filme. Muitos amaldiçoam esta época, alegando que este método causou danos à arte da animação. Talvez isto seja verdade, mas este método também era útil. A movimentação e sonorização das filmagens contavam com a participação de grandes atores, tais como M. Astangov, M. Ianshin, G. Vitsin, A. Gribov e N. Bogoliubov. Os animadores, transcrevendo as cenas interpretadas pelos autores para o papel, ficavam mais próximos aos mistérios de arte cênica, gestos, articulações e movimentos. Isto não pode ser nunca subestimado. Em 1949, Lev Atamanov começou a trabalhar no estúdio e me convidou como seu assistente. Eu aceitei o convite e nós fizemos três filmes juntos: “A cegonha amarela”, “A flor vermelha” e “O antílope dourado”. Em minha opinião, os dois últimos são os melhores filmes de Atamanov. E obviamente, não digo isso porque estive envolvido. Todo o mérito é do ótimo trabalho de direção e do bom roteiro, escrito para o filme “A Flor vermelha” por G. Grebner e por N. Abramov para “O antílope dourado”. Além disso, estes filmes foram


sonorizados por N. Bogoliubov, V. Gribkov, M. Astangov e R. Simonov. O trabalho com Atamanov não era um trabalho contínuo de um grupo de diretores. Nos intervalos entre os filmes, eu trabalhava como animador, ganhando experiência e segurança. Assim, quando os diretores V. Polkovnikov e A. Snezhko-Blotskaya me propuseram trabalhar como diretor de arte no “Menino enfeitiçado”, eu aceitei. De novo, eu tinha sorte, pois conheci V. Polkovnikov. Ele já era um diretor bastante conhecido. Junto com L. Amalrik, tinha feito o filme “A patinha cinza” e outros filmes importantes. O encontro com V. Polkovnikov teve um grande significado para mim. Trabalhando com ele, eu apreendi a trabalhar com pintores, atores e compositores. Posteriormente, na então recém-criada União de Filmes de Animação de Bonecos, eu conheci A. Karanovitch, que me convidou para ser o assistente de direção e animador do filme “Pedro e o lobo”. Eu aceitei a proposta. Até hoje, eu me lembro do prazer que senti quando eu vi o boneco que eu havia animado. O filme “Pedro e o lobo” impressionou-me menos do que aquela primeira cena que eu próprio fiz. Mas eu já estava atraído pelos bonecos. Junto com escritor I. Fink, eu escrevi um roteiro baseado no antigo conto russo “O velho e a garça” e o propus a Karanovitch. O movimento e a plasticidade já eram bem melhores do que em “Pedro e o lobo”, mas ainda estavam longe da perfeição. Eu quero falar só de uma cena deste filme. Em um lago, há um barco parado próximo às margens. Um velho senta-se no barco. Fui eu que filmei esta cena e fiz da seguinte maneira: entrando na embarcação, o velho empurra o barco com o pé. Quando vimos a cena filmada no écran, ficamos muito impressionados, pois vimos um personagem vivo, com o seu próprio caráter. Não era um simples boneco. Aquele traço simples, e os movimentos do pé ficaram muito expressivos. Era uma “bicicleta” animada que eu próprio havia inventado. O desenho é algo bem complexo e, muitas vezes o uso da imagem torna-se muito difícil. No desenho, tudo acontece de forma rápida. Por isso, uma rápida adaptação do espectador à imagem ilustrada é essencial. O tempo necessário para o espectador acreditar no que está acontecendo no écran e aceitar as regras do jogo. Em primeiro lugar, penso nas crianças. Elas são muito receptivas e entendem muito bem a ideia transformada em ações dos protagonistas. Muitas vezes elas adivinham antes dos adultos, ou seria melhor dizer, preveem por que tudo acontece. Elas são muito sensíveis às ideias falsas e composições estudadas. Em primeiro lugar, elas precisam ver a verdade no cinema. Em um conto, em uma fantasia, nos cenários mais surreais, nas ações mais extravagantes dos protagonistas as crianças sentem muito nitidamente a verdade.

Os seus cérebros, ainda sem muita experiência de vida, rejeitam a mentira e elas não são capazes de se entusiasmarem por cenários falsos. Tudo isto diz respeito à verdade no conteúdo do filme, ao cenário. Mas ainda existe, se assim podemos nos expressar, a verdade dos movimentos.

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O ator real, como qualquer pessoa real faz muitos movimentos “excessivos”, sem pensar nisso. Você se senta em uma cadeira e arruma a sua roupa, em um mero instinto. Você se levanta da cadeira e sem pensar, involuntariamente, sacode as migalhas que ficaram na roupa. Mas quando um animador dá vida a um desenho ou objeto, ele esquece isso. Ele esquece, porque neste momento ele movimenta somente o personagem. O personagem parece um robô, mexendo sem movimentos excessivos ou detalhes vivos, e o espectador, inconscientemente, percebe que nesta cena não há vida. Se um ator real faz estes movimentos involuntariamente, o espectador da mesma maneira, involuntariamente, percebe estes movimentos. Uma vez, os alunos de animação tinham que observar a seguinte cena: uma menina brinca de amarelinha. Num desenho ela saltava melhor, em outro pior. Mas ela simplesmente saltava. E de repente, em uma das cenas, nós vimos uma menina real. Aconteceu o seguinte: levada pelo animador até o final da linha, ela virou-se para saltar de volta, e neste momento jogou a trança para o outro lado, para que ela não a atrapalhasse a saltar. Eu chamo estes detalhes e traços vivos de “incomodidades planejadas”. Eles devem existir em cada cena. Se um filme está repleto destes detalhes, o tempo de adaptação será mínimo. É muito importante que o diretor e animador, a partir de um estudo preciso de encenação, pensem nas “incomodidades planejadas”.

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Quando Karanovitch e eu filmávamos “A nuvem apaixonada”, eu não podia aplicar a minha “descoberta”, pois o filme foi feito a partir de objetos semi-dimensionais, com os movimentos limitados. Trabalhando neste filme, eu tive a oportunidade de conhecer Nazim Khikmet, grande poeta turco e uma pessoa muito simpática. Eu guardarei as conversas com ele para sempre na minha memória. Enquanto filmava “A nuvem apaixonada”, eu estava escrevendo o roteiro para o filme “Masha e o urso”, baseado na peça de G. Landau. Eu precisava de um diretor de arte e pedi um conselho a Vadim Kurchevsky. Quando ele soube que eu precisava de um pintor talentoso, jovem e alegre, disse-me que conhecia uma pessoa assim. E me apresentou a Nikolay Serebryakov. Realmente, Serebryakov era um jovem simpático. E o mais importante, ele era talentoso. Ele realizou os esboços dos cenários e dos bonecos. Quando os bonecos ficaram prontos, começamos as filmagens. No filme “Masha e o urso”, eu vivenciei uma experiência importante. As bonecas eram pensadas e confeccionadas sem bocas e toda a importância durante a sincronização foi focada na gesticulação, que resultou bem expressiva no filme. Aqui, a minha experiência de trabalho com o método da rotoscopia me foi útil. Os diálogos também foram bem gravados. O papel do urso foi dublado por Anatoly Papanov, que era muito jovem na época. Após a primeira exibição, eu perguntei aos meus colegas o que eles acharam da articulação e todos acharam bem sincronizado. O mais interessante é que ninguém reparou que os bonecos não tinham bocas. Graças a isso, eu compreendi que o mais importante na frase é o gesto. A maestria na confecção dos objetos animados crescia a cada filme. Junto a eles, eu procurava um tema próprio. “O sapinho procura um papai”, “Como contruíram uma casa para o gatinho” - todos esses filmes e, especialmente, “A netinha perdida”, foram uma preparação para o filme “A luva”.


Para mim, é difícil entender os cineastas que vão ao departamento de roteiros, perguntando se havia algum novo roteiro. Eu acho que o encontro com um tema é como o encontro com a mulher amada e acontece casualmente. Assim foi o meu encontro com o roteiro do filme “A luva”. Quem o viu primeiro foi Karanovitch. Chegou, dizendo que eu ia gostar do roteiro e que poderia fazer alguma coisa boa com ele. Realmente, eu gostei do roteiro e comecei a trabalhar com a autora, Zhanna Vitenzon. O primeiro roteiro era bem diferente da versão final. No primeira versão, haviam diálogos, mas eu achava que seria também possível contar a história sem usar palavras. Eu também compreendi que a música não deveria ser obrigatoriamente sincronizada no filme. Segundo minha experiência, a sincronização feita durante a pós-produção é mais produtiva do que quando feita durante as filmagens. Quando o diretor trabalhava em um filme que seria sincronizado após as filmagens, o trabalho de montagem era muito importante. Para que um compositor escrevesse a música sincronizada para um filme, eu precisava fazer cálculos, quebrando a cabeça, e determinar os momentos de destaque, com uma precisão de até dois quadros. O compositor, limitado neste desafio, tinha que enfiar a sua musica neste espaço, previamente calculado. A partitura voltava para mim como um bumerangue, e eu virava refém desta música. Perdia a liberdade de montagem e de medir a duração do filme. Em algumas cenas, tornava-se impossível mudar o tempo de movimentação. Tudo isto prejudicava a qualidade. Além disso, para o compositor é mais interessante escrever a música tendo a possibilidade de ver o filme. Houve uma época, quando se dava muita importância à sincronização. Um roteiro simples, uma história ingênua e a falta de personagens com caráteres diferentes e de psicologia nos filmes eram compensados pela musicalidade e abundância de temas musicais. Muitas vezes, um longa-metragem é acompanhado por um tema musical, composto de forma talentosa pelo compositor. Se este é o caso em um longa-metragem, o mesmo não se aplica em um curta-metragem. Há ainda dois assuntos importantes a serem abordados quando um diretor começa a pensar em um filme ou começa as filmagens. Trata-se da questão do conto de fadas e da questão da diversão. O que me atrai em um conto de fadas, não é o lado fantástico, mas o comum, aquilo que reconhecemos. E o humor. Ele é obrigatório, independente do conteúdo de cada filme. E em um roteiro inspirado em uma história triste, o humor torna-se ainda mais necessário. Há inúmeras possibilidades de fazer o espectador rir. Eu gostaria de dar alguns exemplos dos meus filmes e explicar essas possibilidades. Eu me guio, quase sempre, pelo contraste ou pela associação: o constaste de ações da personagem com o seu caráter ou da desconformidade dos acontecimentos com as normas fixas. No filme “A luva”, o coronel demitido faz continência ao buldogue e mostra, de maneira

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óbvia, que é submisso ao cão... É muito importante que os personagens façam tudo de maneira perfeita. Qualquer exagero do próprio movimento, qualquer comicidade elimina a descoberta. Quanto mais sério for o movimento, quanto mais o contraste for sublinhado, mais cômica torna-se a situação. Lembrem-se do mesmo coronel, em “A luva”. Solenemente ele dá o binóculo ao buldogue, o qual está em uma pose muito séria e isto nos faz rir.

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Vou agora dar o exemplo de algo divertido, criado através de associações. No mesmo filme, a dona do puddle pega o seu pupilo que ficou na linha de partida nos braços e corre, tentando alcançar os outros cães. Com o puddle nos braços, ela ultrapassa todos os obstáculos, e logo reconhecemos nesta menina as mães, as quais protegem demais os seus filhos e estão prontas a fazer tudo por eles. Eu procuro o lado divertido das coisas Frame de “A luva” sérias. E por isso, quando em 1967 eu li o conto “Crocodilo Guena e os seus amigos”, de Eduard Uspensky, os personagens Tcheburashka e Crocodilo Guena não me impressionaram muito. Eu gostei da cidade, na qual seres humanos e animais vivem juntos. Nela, por exemplo, o meu vizinho poderia ser um crocodilo que trabalhava no jardim zoológico. Nós fizemos três filmes sobre Tcheburashka e Guena: “Crocodilo Guena”, “Tcheburashka” e “Shapokliak”. Não estamos com pressa em fazer a continuação.¹ Quando se filma uma série, o próximo filme tem que ser sempre melhor do que o precedente. E isto é realmente obrigatório, quando eles não são interligados somente pelo enredo. Recentemente, recebemos a visita dos dois principais animadores dos estúdios de Walt Disney: Ollie Johnston e Frank Thomas. Eles trabalharam mais de 40 anos nos estúdios e são autores dos melhores episódios nos filmes mais conhecidos de Disney. Conversando com eles, eu contei sobre o primeiro desenho animado que eu vi e sobre a história do piloto. “Fui eu que pensei o personagem”, exclamou, de repente, Ollie Johnston. Depois, ele me enviou uma carta muito simpática, dizendo que havia contado este caso para os seus colegas e que estava muito contente por me haver “trazido” para o mundo da animação. Quando eu imagino, mesmo que por um momento, o número de espectadores² que assistem os nossos desenhos, fico com medo. Mas, quando eu vejo com quanto amor os nossos filmes são recebidos, sinto uma gratidão pelo calor e atenção que recebemos, fico


orgulhoso da animação soviética e sinto uma grande responsabilidade. Tenho a sensação que ainda não fiz o meu filme principal, que ainda não achei o meu caminho. Talvez isto seja ruim, pois, como sabemos, o mais importante é a descoberta e não a procura. Muitas vezes é no final da sua vida artística que um autor cria a sua obra “principal”. Não devemos ficar tristes, pensando que é pouco. Somos muitos, e se cada um de nós fizer a sua obra, mesmo que seja somente uma, elas serão suficientes.

Frames de “Tcheburashka”

¹ - O texto do autor foi escrito no início dos anos 1980 e o livro de S. V. Asenin, A sabedoria da imaginação, foi publicado em 1983. Em 1983, R. Katchanov realizou ainda o último filme sobre Tcheburashka: “Tcheburashka vai à escola” ² - Em 1983, a população da URSS eram 271 milhões de habitantes

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andrey khrzhanovsky diretor I roteirista

Nasceu em 1939, em Moscou. Realizou os seus estudos de direção no Instituto de Cinema de Moscou (VGIK). A partir de 1962, trabalhou no estúdio “Soyuzmultfilm”, onde trabalhou com N. Orlova, N. Popov e G. Arkadiev, entre outros. O seu filme, “A gaita de vidro” foi o primeiro filme de animação a ser censurado na União Soviética. Premiado em diversos festivais internacionais, Andrey Khrzhanovsky foi condecorado como “Artista do Povo”, na Rússia, em 2011.

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Filmografia na mostra A gaita de vidro (Stekliannaya garmonika) URSS, 1968, 20 min


Fidelidade ao caminho escolhido

Andrey Khrzhanovsky

Um dia, eu gostaria de fazer um filme que tenha tudo o que o poeta prometeu: “... terá tudo: o passado, e o presente, as minhas aspirações e fundamentos, e o que vi na vida...” Neste filme, eu gostaria de falar sobre as pessoas, acontecimentos e obras de arte que me influenciaram e afinal fizeram-me escolher a minha profissão. Eu não gostaria de fazer isso porque me considero uma pessoa interessante ou a minha vida instrutiva, mas porque acredito, como Fellini, que “tentando contar sobre si próprio com a maior franqueza, é possível ajudar as outras pessoas a alcançar uma compreensão mútua...”. Isto seria a maneira mais natural de expressão. Mas, por enquanto, direi algumas palavras sobre mim e sobre o meu trabalho. Algumas recordações.

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As recordações mais vivas da minha infância estão interligadas com as artes visuais. Uma das primeiras é ligada diretamente aos trabalhos do meu pai, pintor por formação e aluno de K. Malevitch e P. Filonov. Talvez não com as obras em si, mas com o processo de trabalho, o fascinante cheiro de tinta, espremida na paleta ou guardada no estreito tubo dentro do álbum de estudos. Na infância, eu também tentei pintar. Participei de várias exposições, sendo até premiado. Mas eu não me tornei pintor. Eu compreendi agora, que não tinha a bravura e a obsessão necessárias, componentes importantes ao talento. Eu gostava mais de simplesmente observar do que de pintar. Outra fonte de inspiração para mim era o armário de livros. Até hoje, ele está no meu quarto, o velho, “muito respeitado” armário com os livros, que seria o “protagonista” de um dos meus filmes. No armário, além dos livros, nós guardávamos álbuns com reproduções. Em um grande livro azul, que continha quase toda a obra de Van Gogh, eu fiquei impressionado pelo desenho de um velho escondendo o seu rosto entre os joelhos. Eu tinha a impressão que ele chorava. O corpo do velho, a cabeça, as grandes mãos faziam-no parecer com o meu avô. Desde então, sempre que eu olhava para o meu elegante e otimista avô polonês (um traço típico dos livreiros profissionais), eu me lembrava daquele velho. Era difícil de imaginar o meu avô em uma pose triste, com as mãos escondidas entre os joelhos. Mas eles faziam parte do mesmo conto e uniram-se contra a minha vontade. Era um milagre de outra existência, e esta se tornava realidade. Outra lembrança vinda do “armário” era o livro “As anotações d`Arshiak”, de Grossman. Eu conhecia a cena do duelo entre Pushkin e Dantes de cor e a contava de maneira tão


convincente, como se fosse uma testemunha. Pushkin se tornou o herói preferido dos meus desenhos infantis. Eu adorava desenhar a boca vermelha de um africano e uma farta cabeleira, cheia de caracóis que desciam até suíças. Em um dos desenhos do duelo, eu, seguido por minha intuição e querendo livrar Pushkin da morte, desenhei os adversários atirando para lados opostos. Ao encontrá-lo, trinta anos depois, eu o utilizei no meu filme “O belo dia” (um filme realizado a partir de desenhos infantis e baseados nos temas de Pushkin). Por que eu me lembrei destas historias? Para fazer uma confissão: eu compreendia a realidade como um arranjo artístico. Isto é bom ou ruim? Eu acho que é bom e ruim. Para mim, este conceito era frutífero, porque me ajudou a enxergar a cultura como um processo atrelado ao desenvolvimento. Sem esta sensação, de fazer parte deste processo, eu não me imagino no cinema. Assim, sem a continuidade não pode existir um espírito inovador. Esta sensação alimenta o meu interesse à cultura clássica, às construções polifônicas, à criação (para uso individual) de vários micro-sistemas. Concluindo as minhas lembranças da infância e com a predisposição de trabalhar no cinema, eu falarei dos dois interesses que surgiram nesta época. Um deles é ligado à música. Tanto os meus estudos, quanto os meus estudos na área de desenho, não me conduziram a continuar uma formação profissional no ramo (a música agradece). Mas assim como a pintura me ajudou nas questões de compreensão do espaço, a música aumentou o meu interesse em relação à duração temporária como uma das principais substâncias da vida e da arte. Nesta época, o meu pai trabalhava no teatro de variedades, onde participava de comédias de um ato e fazia espetáculos baseados na arte da imitação. Daí surgiu o meu amor pelos espetáculos, que incluía o amor pela cena e pelos bastidores, pela variedade de gêneros típicoa desta época (final dos anos 1940/ início dos anos 1950). Em outras palavras, por tudo que me fazia pensar sobre a natureza carnavalesca da arte. Eu acredito que a animação é a linguagem mais próxima da minha natureza artística, que eu definiria como lírico-satírico. Creio que esta definição foi, em primeiro lugar, influenciada pela literatura russa. Gogol me impressionou muito. Espero poder leva-lo, um dia, ao écran. O mesmo, posso dizer sobre a poesia de Maiakóvski. L. Tolstoi, uma vez, falou que o seu principal problema era ter a imaginação mais viva do que os outros. Este “problema”, também presente na minha família e nos grandes pintores me cativava. Neste cativeiro, eu sentia uma liberdade maior. E, por fim, o destino me presenteou com a amizade de dois grandes satíricos: E. Garin e N. Erdmann. O contato com eles e com as suas artes determinou de uma vez por todas a direção do meu caminho, assim como o meu posicionamento. Mesmo assim, foi o acaso que levou-me à animação.

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Terminando o curso de direção do Instituto de Cinema de Moscou (VGIK), eu recebi a proposta de realizar o meu trabalho de conclusão de curso no estúdio “Souyzmultfilm”. Devo ressaltar que naquela altura cada aluno deveria realizar uma filmagem. E como o número dos diretores formados pelo Instituto chegava a trinta por ano, conseguir manter esta condição era bastante complicado. Nós, que estávamos formando da faculdade de direção, nos encontrávamos diante de um dilema: esperar anos pela sua vez em um dos estúdios de cinema ou fazer o trabalho final sem perder tempo em um estúdio alternativo. “Era uma vez Koziavin”, o meu primeiro filme, foi o meu trabalho de conclusão de curso. Certa originalidade deste filme, apontada pelos críticos, foi o resultado da minha inexperiência na questão da assim chamada especificidade da animação. De algum modo, eu entendia esta especificidade, pois durante alguns meses, eu assisti os cursos práticos de mestres experientes, tais como V. e Z. Brumberg e F. Khitruk. Mas as nossas tarefas eram mais largas do que esta especificidade e, de alguma maneira, a ignoramos conscientemente. Neste trabalho, eu e o diretor de arte Nikolai Popov, que também estava fazendo o seu primeiro filme e por isso compartilhava comigo a liberdade virginal em relação à tirania dos clichês, recebemos uma ajuda relevante do experiente animador Anatoly Petrov. Ele também queria ultrapassar as barreiras das formas tradicionais. Durante os trabalhos para o meu próximo filme, eu encontrei novos colegas talentosos: os pintores Yulo Sooster e Yuri Sobolev e o compositor Alfred Shnitke. Nos famosos versos de Boris Pasternak, ele assim descreve o artista:

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“Mas quem é ele? Em qual arena ganhou a sua experiência? Com quem lutou? Com ele próprio, com ele próprio.” Neste sentido, eu considero “A gaita de vidro” como mais um passo na luta (em primeiro lugar, comigo) pela “nova visão” (expressão de Y. Tianianov). A livre construção da composição e o uso de vários estilos tem um objetivo: uma expressão de forma livre e completa e o equilíbrio entre a estrutura emocional e lógica. Aqui, entramos no território conhecido como “cinema de autor”. Sem entrar em pormenores nesta questão muito importante para mim, eu devo ressaltar que a animação (aqui, falo, sobretudo, dos filmes feitos com a técnica de grupo) apresenta-se como o meio de expressão mais apropriado. Pelas seguintes razões: quase não há intermediários entre o “diretor” e o “espectador” e há a possibilidade de transmitir com maior precisão a “escrita” do artista (por isso, eu prefiro a animação desenhada à animação de bonecos). O trabalho de animação pode ser comparado, pelo seu caráter pessoal e intimista, ao trabalho de um pintor que trabalha com miniaturas ou de um poeta. A animação, em uma linguagem ampla e lacônica, é o caminho mais curto para atingir tanto as emoções quanto o consciente do espectador. Eu creio que, se alguém tentasse modelar o processo de pensamento no cinema, a linguagem da animação seria a mais apropriada.


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Ivan Ivanov-Vano, um dos nossos mais antigos diretores, me convidou para ser o co-diretor do filme “A batalha de Kerzhenets”. Nós utilizamos a música de Rimski-Korsakov e a nossa ideia era unir o som e a plasticidade visual. Era um trabalho colossal e não se tratava de uma ideia formal. Não queríamos simplesmente fazer conexões coloridas com a música. O objetivo era alcançar um efeito emocional para as imagens. Através de uma mistura de cores, tentamos dar um desenvolvimento dramático às imagens. “A batalha de Kerzhenets” é uma tentativa de unir a cor ao ritmo e à música.


yuri norstein

diretor I roteirista I animador I pedagogo

Um dos principais nomes da animação contemporânea, Yuri Norstein nasceu em 1941e frequentou a Escola de Animação do estúdio “Soyuzmultfilm”, onde trabalhou entre 1961 e 1989. Com diversos filmes realizados em uma parceria com a sua esposa, Francesa Yarbussova, Yuri Norstein também colaborou Roman Fatchanov e Ivan Ivanov-Vano, entre outros. Em 1993, junto com Fiodor Khitruk, Andrey Khrzhanovsky e Eduard Nazarov, criou a esolca-estúdio Shar. Vencedor do Prêmio Estatal da URSS, Yuri Norstein foi condecorado “Artista do Povo”, na Rússia, em 1996.

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Filmografia na mostra A batalha de Kerzhenets (Setcha pri Kerzhentse) URSS, 1971, 10 min Direção I Yuri Norstein e Ivan Ivanov-Vano

A raposa e a lebre (Lissa e zaiats) URSS, 1973, 12 min

A garça e a cegonha (Tsaplia i zhuravl) URSS, 1974, 10 min

O ouriço no nevoeiro (Ezhik v tumane) URSS, 1975, 10 min

Conto dos contos (Skazka skazok) URSS, 1979, 29 min


Yuri Norstein e Franceska Iarbussova

Eu não creio que o meu trabalho com Francesca Iarbussova possa ser um exemplo para outros artistas. Um dia, eu estava vendo algumas gravuras japonesas. Em uma delas, eu vi uma mulher sentada com um galo, o qual tinha a cabeça ao lado do rosto dela e o seu enorme bico quase lhe tocava os olhos. Eu estava perplexo. O que é isso? Franchesca me contou que quando ela tinha quatro anos, ela gostava de entrar nos galinheiros. Ela ficava de cócoras e permanecia quietinha até que as galinhas achassem que ela era uma delas. Elas começavam a rodeá-la, examinando-a. Ela me contou que o galo, com o seu bico enorme, começava a limpar os seus cílios.

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Franceska me fez sentir uma comoção, mostrando como de uma crisálida nasce uma borboleta. Ela trouxe um grande molho de urtiga coberto de lagartas para casa. Elas se espalharam pelo quarto. Dentro de alguns dias, por todo lado apareceram as crisálidas. Em um belo dia, Francheska diz: “Agora, desta crisálida virá uma borboleta”. Eu fiquei olhando, olhando, olhando e, de repente, as batentes da crisálida se abriram e fecharam. Meu coração começou a bater forte de tanta emoção. É uma visão cósmica. Você é testemunha do surgimento de uma nova vida. As pétalas da crisálida se abriram e ficaram sem mexer. Tudo estava em silêncio. Através da abertura das conchas, apareceram as asas molhadas. Elas eram enrugadas, como o corpinho de um bebê, acabado de sair do ventre materno. Finalmente, a recém-nascida saiu da crisálida. O que aconteceu depois foi um espetáculo. Observar como um novo ser, lentamente, se enchia de tempo. Tudo, na vida humana, acontece no espaço de dois ou três anos, aqui acontecia em horas. A borboleta encheu os vasos com resina. A resina ficou sólida, as asas se enrijeceram, como sob o vento. Elas eram incrivelmemte limpas, ainda com pólen. As asas ainda não mostravam os buracos causados pela força do vento. As asas, duras, tremiam um pouco e depois começaram a mexer. Assim o avião verifica o motor e o volante antes de chegar à pista de decolagem. “A borboleta se prepara para o vôo. Ela está secando as asas.”, comentou Franceska. Ela previa cada movimento da borboleta, porque na infância as cultivara por todo lado. Eu acho que ela própria, um dia, foi uma borboleta, um cardo, uma flor... Como a protagonista de Marquez, ao redor da qual sempre adejavam as borboletas. Franceska sente muito bem o mundo que cresce, floresce e respira. Ela realmente o conhece como os artistas renascentistas. Ela é um mistério para mim. Quanto mais eu a conheço, menos a conheço. Em uma longa vida conjugal isto é ótimo, sem dúvida. Mas como nós somos ligados um ao outro pelo trabalho, as relações tornam-se mais complexas. Pode parecer que a nossa união seja uma união feliz. Estamos juntos também quando não trabalhamos. Torna-se mais fácil discutir o que estamos fazendo e alcançar algum resultado nas nossas disputas “ardentes”. Mas acabamos atrapalhando bastante um ao outro. A dependência familiar entra diretamente em conflito com o processo artístico.


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Frame de “O conto dos contos”

Às vezes ela não alcança o meu ritmo, as minhas exigências, e eu fico com a impressão que ela está com preguiça ou não consegue chegar ao estado necessário da criação. E afinal, quando ela alcança a temperatura criativa necessária, a tensão cai e temos que começar tudo do zero. Mas eu nunca conseguiria fazer um esboço com a sua força, como ela é capaz de fazer nos seus melhores momentos de devaneio artístico. As suas revelações me impressionam. Muitas vezes, em meia hora ela passa do estado de uma pessoa incapaz de pensar, ao estado da mais alta tensão de um pintor profissional. Para mim, trata-se de uma inspiração mágica...


Extratos de “A neve na grama”

Yuri Norstein

O roteiro do filme “A Garça e a Cegonha” é bastante simples, e em minha opinião, lembra o universo poético de Tchekhov e Gogol. Não estou usando a palavra poesia por acaso. Trata-se de uma história simples: dois personagens que não podem fazer as pazes e ficar felizes, porque ambos têm medo de ser humilhados e por isso, tentam mostrar a sua independência e superioridade. Uma história humana e não um mero conto animal. E aqui começaram todos os problemas. Eu pressentia, porém não adivinha que seria tão difícil. Eu li este conto na infância e depois eu o li para os meus filhos.

Porém, eu só senti o desejo de filmá-lo quando eu comecei a ficar perseguido pelo barulho de grama, pelo barulho dos juncos dos rios. Podese achar estranho, pois trabalhando com artes visuais, foi o som que me causou um impacto, levando à criação do filme.

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Depois, ainda antes de começar a escrever o roteiro, eu imaginei uma cena: a garça e a cegonha imitam um a outro. Uma fala: “Toma!”, e a outra responde: “Toma você!”. Eu ainda não sabia onde colocaria esta cena no filme. Mas eu fiz a desenhei. Posteriormente, eu escrevi algo parecido com o roteiro, apesar de não poder chama-lo de roteiro. Resumia-se a algumas simples ações, nada mais do que isso. O tempo todo, eu estava preocupado em não mostrar uma mera história de dois animais. Ao contrário, o foco da história deveria ser a natureza humana. Finalmente, o roteiro foi escrito por Roman Katchanov. E a partir daí, realizei os filmes com os meus esboços. Nos créditos do filme aparecem os nomes

Frame de “A Garça e a Cegonha”


dos dois como roteiristas. Roman Katchanov é um ótimo diretor. Os seus filmes “A Luva”, “Crocodilo Guena” e “Tcheburashka” são obras primas da animação mundial. Eu posso chamá-lo de professor. É um homem de uma bondade eterna, de muito tato. Sabe usar perfeitamente os detalhes do jogo. Eu não exagero em dizer que Roman Katchanov criou a sua própria escola de movimentação na animação de objetos (animação de bonecos). Eu acho que sem ele, eu não viraria diretor.

Voltando ao roteiro, podemos dizer que enquanto uma frase é consecutiva, o cinema é, simultaneamente, consecutivo e paralelo. É o seu fenômeno. Por isso, o sentido de construção no cinema e na literatura é distinto. No cinema, nós percebemos a ação em várias camadas: som, cor, luz... Que riqueza de percepção! Neste sentido, o cinema apresenta grandes vantagens em comparação à literatura. E mesmo assim, a literatura é a forma de expressão autoral e de anotação imaginativa e metafórica mais potente e sólida. Aí reside a sua grande força. Pelo conjunto de sinais e sons, repetimos a realidade na consciência.

Na consciência, a realidade inventada é sempre mais forte do que na vida. Nela, somos livres da dependência física. A palavra é o intermediário entre a realidade e nós. A palavra é a moeda de troca da realidade. E o mais importante: a realidade é representada pela palavra, quer dizer, pelo sinal através do qual ela se revela. No cinema, a realidade é apresentada pela realidade. Aqui, faz se necessário um esforço do autor para ultrapassá-la. A força da linguagem cinematográfica e, ao mesmo tempo, a autenticidade têm um grande significado no caminho rumo à perfeição espiritual da obra cinematográfica e, consequentemente, de nós próprios. A palavra é a linguagem que nós usamos. E não nos comunicamos na língua cinematográfica. É o primeiro sistema de sinais entre os animais. Talvez, sob a pressão da televisão, algo acontecerá nos nossos conscientes. Por enquanto, nós estamos somente perdendo o hábito de falar. Já não somos mais capazes de expressar o nosso pensamento de forma correta, imaginativa e rica. Estamos ficando preguiçosos. O cinema nos faz passivos. Lendo uma obra literária temos que passar um caminho esgotante de imersão no texto. O cinema, por princípio, nega este caminho. Os filmes, nos quais o trabalho de imersão na imagem, na ação e na linguagem cinematográfica se faz necessário, não passam o critério de “cinema”. Assim, muitas vezes, a percepção do espectador não corresponde aos critérios do autor. Podemos lembrar-nos das salas vazias nos filmes “A noite de Cabiria” e “A ilha nua”. Casos de convergência entre a verdade artística e o sucesso junto aos espectadores acontecem raramente. Eles acontecem quando a sociedade é abalada pelo acontecimento histórico retratado pelo artista.

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Quantos truques usa o cinema para atrair espectador! Efeitos criados pelo computador, criação de uma realidade irreal... É possível usar tudo: as fantasias virtuais (porque a realidade parece-nos simples), super-heróis, efeitos especiais, que encantam o publico... Passo a passo, o nosso consciente se habitua às situações que causam efeito. Somente as grandes ações podem ser chamadas verdadeiras, e não mais aquelas coisas prosaicas que realmente podem diminuir o medo da vida. Dependentes dos efeitos, eliminamos do nosso consciente o interesse pelo simples. Criando a indústria cinematográfica, ficamos vulneráveis a todos os efeitos colaterais. Mas o que fazer, se o baile de máscaras já começou?

Já desaprendemos a nos surpreender com o dia a dia, por isso, exigimos da arte pratos mais apimentados.

“O conto dos contos”

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alexander petrov diretor I diretor de arte

Nasceu na região de Yaroslavl, em 1957. Estudou no Instituto de Cinema de Moscou (VGIK), na classe de Ivan Ivanov-Vano e na Escola Superior de Roteiristas e Diretores, com os professores Fiodor Khitruk, Yuri Norstein e Eduard Nazarov. Criou o estúdio independente “Panorama”, em 1992, na cidade de Yaroslavl. Entre 1996 e 1999 viveu e trabalhou no Canadá. Em 2007, criou o Ateliê Alexander Petrov. As suas animações receberam os principais prêmios internacionais, entre os quais se destacam o Prêmio Honorário do Festival Internacional de San Marino e o Oscar Americano.

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Filmografia na mostra A Vaca (Korova) URSS, 1989, 10 min

O sonho de um homem ridículo (Son smeshnogo tcheloveka) Rússia, 1992, 20 min

A Sereia (Rusalka) Rússia, 1996, 10 min

O velho e o mar (Starik e more) Rússia, Canadá, Japão 1999, 20 min

Meu amor (Moya lubov) Rússia, 2006, 27 min


entrevista

Com A. Petrov por Elena Dolgopyat

O seu primeiro trabalho individual, “A vaca”, é baseado no conto de Platonov. Por que Platonov? A.P. Antes ainda de realizar o filme “A vaca”, eu fiz um filme baseado em Platonov, em colaboração com Vladimir Petkevitch. De maneira geral, ele foi o responsável pelo meu entusiasmo com Platonov. Nós fizemos o filme “A noite”, do qual eu gosto muito. Cerramos os dentes e quebramos a cabeça, mas hoje, eu posso garantir que não me senti, neste filme, como um apêndice. Eu não quero falar mal do trabalho de direção de arte, mas neste filme, de repente, eu me via em cada detalhe. Eu me reconhecia neste lugar e, provavelmente, havia nascido para isso. Com “A vaca” foi tudo diferente. Primeiro, eu fiz um roteiro baseado em um fragmento de uma obra de Vassily Belov. Um fragmento sobre uma vaca, a qual deverá ser abatida no dia seguinte. Uma situação dramática, pois a proprietária faleceu, e ninguém poderia sustentá-la. A vaca não sabe, porém pressente o seu fim próximo e recorda a sua vida. Essas recordações tocaram-me. Eu tentei realizar um roteiro sobre isso, ainda quando era estudante, na Escola Superior de Roteiristas e Diretores. Tínhamos a seguinte tarefa: criar um roteiro e então, filmar um fragmento de um ou dois minutos. Assim, nasceu “A vaca”.

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Frame de “A vaca”

Eu a torturei por muito tempo, pois não sabia o que fazer. Em paralelo à história da vaca, de Belov, eu criei a história do menino. Às vezes, ele é pequeno e vai até ela para beber leite, às vezes, já é grande e vai até ela com um pedaço de pão. Criei diversas situações. Nós


discutíamos longamente, mas nada nos satisfazia. Eu voltei para casa (morávamos em Sverdlovskl¹), e lá filmei um fragmento que nos faltava. Comecei a filmar e, de repente, deu certo. Eu levei este material para o estúdio e nele havia algo especial. Ainda não tínhamos nenhum material concreto, mas havia uma poesia própria. E, enquanto eu filmava, Volodya Petkevitch veio até mim, e perguntou-me o que eu fazia. Ele disse que Platonov havia escrito algo parecido. Ele conhece bem os contos infantis de Platonov e me trouxe o livro. E imagine! Era o que eu procurava. Mais simples e menos intelectual do que tudo o que eu havia criado, ele ia diretamente ao ponto. Eu desfiz-me de todas as minhas dúvidas e comecei a filmar. Não filmei todo o conto de Platonov. Eu excluí um grande episódio: a parte cotidiana do conto, o qual me pareceu menos importante. Concentrei-me no aspecto místico da obra.

Todos os seus filmes são adaptações literárias, exceto “A sereia”...

Frame de “Sereia”

A. P. “A sereia” também é uma adaptação. E é quase impossível adivinhar de onde ela foi adaptada. Tudo começou com “A pobre Liza”. Também é um trabalho dos meus anos de estudos. Como você vê, os anos de estudos nos trouxeram algumas ideias, que apareciam para, logo em seguida, desaparecer, morrer ou serem guardadas em algum “armário”. “A pobre Liza” foi apenas uma ideia passageira. Nasceu a partir de um exercício, feito por cada estudante. Era necessário escolher entre três ou cinco temas: “Mumu”, os contos de Tchekhov (se não me engano, “A dama e o cachorrinho”) e ainda algum outro tema. Cada estudante podia escolher o seu tema preferido e deveria criar não um, mas três roteiros, com três interpretações do conto: uma comédia, uma tragédia e um melodrama. O exercício era interessante, proporcionando, a muitos, inúmeras descobertas. Sinceramente, era difícil realizar as três versões. Eu consegui, com muito custo, concluir somente uma versão e meia: a tragédia e a comédia. Elogiaram-me por este trabalho. Eu não fiz nenhuma alteração e guardei-o em uma pasta. Não me lembro como

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eu o encontrei novamente, seis anos após a conclusão dos meus estudos. Eu examinei, reli o cenário e pensei: “Pode virar um bom desenho. Era preciso enviar um projeto ao Goskino”. Eu o fiz, e ele foi aceito. Eu tinha dúvidas, mas eles decidiram positivamente: podia-se fazer um filme a partir do roteiro proposto. Ele não era mal, mas disso a um filme... Ontem, eu vivi a seguinte situação: Em frente da minha janela, havia uma macieira. Eu queria desenha-la e, ainda no inverno, havia realizado alguns estudos. Eu não desenhava nada, sem ter realizado esboços prévios. No entanto, quando eu estava pronto para desenhar esta macieira, um vento forte passou e a derrubou. E, de repente, diante dos meus olhos, toda essa beleza encontrava-se no chão.

Você tem uma escrita realista. Por que a animação e não o cinema?

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A. P. Já me fizeram essa pergunta e eu respondi alguma meia verdade, para esquivar-me. Na verdade, eu simplesmente não sei. Provavelmente, eu não realizo filmes para falar sobre eles, mas para que eles possam levar-nos ao mundo dos sonhos. Até essa esfera, na qual é impossível filmar com uma câmera ordinária, na qual tudo acontece na imaginação, de onde também tudo emerge. Isso é o que já podemos chamar de objeto de animação, ou seja, algo que não existe na vida real. É como se todos os meus desenhos da vida real são uma mera moldura para mostrar a minha fantasia ou para penetrar o universo dos sonhos. Para mim, os sonhos têm significados. Os sonhos, a fantasia e todo este mundo paralelo, que existem ao lado da nossa vida cotidiana e que parecem muito com a nossa vida real. Eu até mesmo tento não opor estilisticamente o sonho e a realidade, desenhando somente a realidade. Eu me esforço para que as transições nos meus filmes não possam ser percebidas, a fim de levar o espectador, inconscientemente, até essa esfera superior.

Alguns dos seus heróis foram feitos a partir de protótipos. O protótipo do menino, no filme “A sereia” foi o seu filho; o velho, em “O velho e o mar”, o seu sogro. Você precisa conhecer bem a pessoa que inspirará os seus personagens ou basta apenas um olhar? A. P. Sem dúvida, é melhor conhecê-la. Eu não sei como isso acontece. Algumas vezes, acontece completamente


Frame de “O velho e o mar”

de maneira intuitiva. Não é possível simplesmente decidir que o personagem será de tal jeito e que o protótipo dele será tal pessoa. Isso nunca aconteceu. É sempre o resultado de uma procura, onde no final espera-nos uma descoberta ou uma frustração. Depois, de repente, vem uma ideia: e se eu tentar assim... Ou algum personagem desenhado começa a lembrar-me alguém conhecido. Mas nunca aconteceu simplesmente por minha vontade própria. Posso até dizer que eu nunca percebi este momento conscientemente. Eu me lembro de começar a convencer o meu operador de câmera, Serguei, a ser o meu “homem ridículo”, quando já havíamos realizado o filme. O personagem já existia e se movimentava. Nós filmamos algumas cenas e eu sentia que havia algo errado. Eu tinha diversas fotografias. Após examiná-las, escolhi a fotografia de um jovem, proveniente de uma familha camponesa. Tinha algumas fotografias... Mas, ou eu não podia enxergá-las, ou não tinha fotografias suficientes... Não sei como, mas eu abordei Serguei. Foi uma grande sorte, que eu pude finalmente enxergá-lo, apesar de ele ter estado todo o tempo ao meu lado. Não teria sido necessário tanto sofrimento. Subitamente, eu compreendi que ele poderia me ajudar. Eu pedi-lhe para servir como modelo para a animação, pedi-lhe para filmar algumas cenas. Convidamos ainda uma menina e eles atuaram juntos em algumas cenas, as quais poderiam ser usadas para o filme. Por que eu fiz isso, eu próprio não sei. Eu simplesmente o vi com aquela boina. Ele fazia parte daquela época. O seu rosto e o seu caráter eram exatamente o que eu buscava. Podemos dizer que foi uma feliz coincidência. E, graças a Deus, ele finalmente aceitou, pois no início ele tinha dúvidas e chegou até mesmo a recusar categoricamente. Mas há também situações, nas quais eu encontro um personagem nos meus desenhos, e tenho a impressão que ele vive. Foi assim com o velho, no filme “A sereia”. Eu procurei um velho, porém não o encontrei na vida real. Também tinha diversas fotografias de diferentes velhos: um monge, um pintor e algum outro. Todos barbudos

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e diferentes. Eu tentei colocar todas essas pessoas na mesma medida. Em todo caso, ao assistir o filme, é possível perceber que o velho é diferente nas diversas cenas. Em algumas, ele é como Lev Tolstói; em outras, como Dostoievsky; em outras como Serafim Sarovsky. Em outras ainda, recorda o padre Serguei. Não encontrei uma única ilustração para o personagem.

Você teve a ideia de filmar “O velho e o mar” há muito tempo, quando o Canadá ainda não estava nos seus planos. Se não fosse uma produção canadense que tivesse financiado o filme, mas alguma produção russa, qual teria sido o destino do filme?

Frame de “O velho e o mar”

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A. P. Com certeza eu não o teria realizado em Cuba, ou levado o cenário para o Mar Branco ou para o Mar de Barentsevo. Eu contaria uma história sobre um velho da região de Pomor. Creio que tais histórias existiram. Eu, simplesmente, teria vestido toda a história com camisas de cânhamo russo e toda a história teria cores prateadas nórdicas, como na “Sereia”. Dramaturgicamente, eu tentaria manter o mesmo nível. Talvez o filme fosse menos espetacular, pois tive que filmar algumas cenas utilizando muitos efeitos. Algumas cenas pediam este lado espetacular. O próprio ecrã exigia isso, ou mais corretamente, a imagem da sala de cinema, que necessita chocar o espectador. Estes cinemas mostram filmes, nos quais helicópteros mergulham no mar ou mil antílopes correm pela África. Cenas deste gênero. E eu precisei filmá-las. Talvez elas não existissem se os americanos tivessem uma tradição, ao invés de simplesmente uma tendência.

Isso influenciará a sua tecnologia? A. P. Sou sempre colocado como um lutador contra as novas tecnologias. Na realidade, não é bem assim. Eu inclusive realizei alguns testes em alguns estúdios, que utilizam o computador nas suas animações. Eles estavam interessados em mim. Queriam desenvolver um programa, pois acreditavam que o trabalho manual é cansativo e lamentavam eu não utilizar todas as qualidades propostas por uma máquina. Talvez eles tenham algum interesse próprio, pois realizando um programa com a minha participação, o mesmo poderia ser vendido para outros artistas. Nós realizamos alguns testes. Eles foram interessantes, porém não me convenceram que o processo pode ser acelerado ou simplificado com o


uso da computação. Sobretudo, não me convenceram que o resultado será melhor. Obviamente, o trabalho é gigantesco. Passo muito tempo para criar uma ilustração sintética, que pareça uma pintura. Talvez, eu gastaria menos tempo e energia se esta parte fosse realizada por outro artista, com o auxílio da computação. Mas eu lamentaria deixar esta parte do trabalho. Estou acostumado e sem ela, tudo me pareceria monótono.

Você pensa, atualmente, em algum novo projeto? A. P. Ainda é cedo para dizer se ele resultará em algo, ou não. Trata-se de um filme sobre o primeiro amor. Mas não é baseado em Turgenev. É uma adaptação de um livro de Shmelev.

Por que sempre adaptações? A. P. Talvez por pobreza. Muito pouco brota da minha imaginação. Por isso, eu utilizo o que já existe. “A Sereia” é uma exceção, apesar de ter nascido a partir da “Pobre Liza”, a qual, no entanto, sofreu alterações, limitando-se a um pequeno episódio. Mas toda a história... Eu a chamo até mesmo de um vinagrete literário, pois nela há Pushkin, há a história sobre Lorelei e a história sobre o suicida, que não pode descansar, voltando sempre à terra, para vingar-se. Esse é o seu consolo. Eu quis desenvolver um pouco a história.

Fale-nos um pouco sobre os seus professores ou sobre as pessoas que lhe influenciaram. A. P. Desde a infância, diversas pessoas me infleunciaram. Mesmo que não tenham me influenciado sob o ponto de vista artístico, mas como ser humano. Na escola artística, em Yaroslavl, tínhamos um excelente pedagogo, uma pessoa singular: Piotr Ivanovitch Pavlov. Ele havia estudado no Liceu de Artes de Yaroslavl após a guerra, na qual ela

79 Frame de “O meu amor”


perdeu toda a família. Por isso, talvez, o trabalho com as crianças, com jovens artistas lhe era muito importante. As minhas conversas com ele fazem parte das minhas primeiras lembranças. Uma pessoa muito importante para mim foi, sem dúvida, Boris Nemensky, mestre em pintura no Instituto de Cinema (VGIK). Naquela época, ele trabalhava junto com Vitaly Aleksandrovitch Tokarev, mestre em desenho. Ele sempre expressava a sua posição como cidadão e não posso afirmar que ele tinha muitos apoiadores. Ao contrário, ele provocava sempre discussões, mas discussões podem ser produtivas.

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Sou extremamente agradecido ao mestre Ivan IvanovVano, pessoa extremamente conhecida no cinema e uma das colunas da nossa animação soviética. Um homem que, através da sua vida e obra, levou a animação a um determinado nível, mudando a atitude das pessoas em relação a esta linguagem artística. Ele era bastante excêntrico e muito generoso no diálogo com os jovens artistas. Nós éramos jovens, e não podíamos apreciar a oportunidade apresentada pela vida. Se eu pudesse voltar no tempo, gostaria de poder escutá-lo ainda mais e poder fazer-lhe ainda muitas perguntas. Foi uma grande fonte de conhecimento e experiência para mim. E obviamente, os nossos pedagogos em direção: Fiodor Savelovitch Khitruk e Yuri Norstein. Ambos, provavelmente, exerceram uma influência decisiva na minha formação como diretor. Eu sempre me lembro deles com gratidão. E, sinceramente, sinto falta deste contato. Com prazer, continuaria como estudante, escutando-os transmitir os seus pensamentos. Mas, infelizmente, a vida não oferece segundas oportunidades. Mesmo assim, nós nos encontramos, conversamos amigavelmente por alguns minutos quando nos encontramos nos festivais e em outras ocasiões. Para mim, é sempre como um presente. Sim, podemos falar de muitas pessoas que encontramos ao longo da vida. Às vezes, vemos certa pessoa uma única vez na vida, mas é o suficiente para, em algum momento, entendermos algo sobre a vida, sobre o nosso lugar nela e sobre a arte. O mais importante, provavelmente, é o contato com colegas e o diálogo com os estudantes. É importante estar e aprender com eles, sentir como eles crescem ao seu lado. Talvez seja possível evitar as instituições e a educação, e permanecer solitário. De alguma maneira, isto pode até ser melhor do que uma educação organizada. Mas eu,


honestamente, não acredito nisso. Uma pessoa assim deve tem um talento nato. E até mesmo o talento nato é, de certa forma, limitado.

Você se baseia em algumas imagens artísticas durante o trabalho? A. P. Eu tento não citar ou usar como fonte um artista só ou realizar o meu futuro filme em estilo de um artista ou de uma escola. Em algum momento, parei de pensar na forma, no estilo, nas lembranças ou alusãos que um filme possa despertar. Se ele fala do movimento da “Idade de Prata” ou do Renascimento. Antes, isso era importante para mim. Quando eu fazia filmes para outros diretores, eu tentava encontrar uma forma para transmitir com precisão as ideias dos diretores, ou quando o filme era baseado em uma obra literária, também dos autores. Eu procurava formas estilísticas. Depois, essa preocupação passou. Quando eu comecei a fazer os meus filmes, esqueci-me disso. Eu pintava como podia. Obviamente, eu tentava ser fiel a mim próprio e cuidava para que a minha forma não entrasse em conflito com a fonte literária. Mas eu não procurava uma forma especial para expressar-me. Eu não utilizava as obras de Goya para ilustrar Dostoiévski, embora isto, provavelmente, fizesse sentido. Algumas pessoas vêem Goya, Bosch e muita mais nos meus filmes. Uma vez, eu tinha algumas ilustrações do artista francês Claude Lorrain penduradas no meu ateliê, como fonte de inspiração. Eu as coloquei ao meu lado, não porque amava a obra dele, mas porque eu li que Dostoiévski adorava este artista e achava ser o único artista a transmitir a sensação de harmonia perdida pela humanidade. Uma harmonia da qual ela tenta se aproximar ou distanciar. Eu achava que se Dostoiévski acreditava que a obra de Claude Lorrain correspondia a este ideal, eu deveria colocar os seus quadros ao meu redor. No entanto, no filme não há nenhuma referência ao estilo de Claude Lorrain. Eu acho que não é necessário utilizar o estilo de um artista para transmitir pensamentos e ideias. Tento inventar imagens, sinais, símbolos, composições. É muito mais interessante. Contudo, “O Sonho de um homem ridiculo”

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é um manual visual. Nele, encontram-se todos os meus artistas favoritos: Rembrandt, Goya, Bruegel. Estão todos presentes, mas sem utilizar citações diretas.

O que mais lhe ajuda no seu trabalho? A. P. Eu não leio sem parar. Já vive assim, mas este período passou. Eu leio lentamente. Não aprendi a ler rápido. Tampouco tenho problemas com essa nova geração que não lê. Eu leio tudo o que pode ser útil para os projetos atuais e futuros. Na verdade, eu gosto de ler durante o processo de criação de um filme. Leio tudo o que encontro no meu caminho: jornais, revistas... Tudo é valido. Percebi que eles colaboram com o filme. Neste processo, você se encontra em um estado tão inquieto, que tudo o que passa por você é filtrado através desta inquietude. Às vezes, isso é útil. A criação de um filme é um processo muito demorado. Durante um ou dois anos você vive com o mesmo pensamento. Você dorme e acorda com ele. Toma chá e trabalha com ele. Vive todo o tempo sob o seu olhar fixo. Neste momento, a leitura torna-se um processo consciente e útil.

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Você tem desenhos e esboços do “Grande Inquisidor” ... A. P. Eu ainda tenho esta ideia. Para dizer a verdade, eu tenho medo de realizá-la. Naquela altura, quando eu era jovem, eu achava que podia realizar qualquer ideia e que conseguiria fazer tudo. Hoje em dia, eu não arriscaria. Eu entendi que Dostoiévski não é nada fácil. Eu sabia que ele é um escritor bastante complicado para a animação e para o cinema. “O Sonho de um Homem Ridículo” é um conto bastante dinâmico, com uma intriga e ações que podem ser representadas. Há várias cenas que ganham visualmente. “A Lenda do Grande Inquisidor” começa de uma forma intrigante e interessante: Espanha, século XVI. Os hereges, a Inquisição, incêndios e outros fatos. A prisão, onde se encontram o Grande Inquisidor e Jesus Cristo, que voltou à terra novamente. Depois, há um diálogo bastante complicado. Não é um diálogo, mas um monólogo. Jesus não fala uma palavra, somente o Grande Inquisidor fala. Na literatura, isto foi feito de maneira brilhante. Há uma intriga, o poder e a dor nos argumentos do velho. Mas é muito difícil fazer disto uma ação. É difícil traduzi-lo para a linguagem cinematográfica. Eu consultei Yuri


Norstein. Ele também falou sobre a falta da dinâmica da ação. Isto também parece preocupá-lo. Um filme não pode simplesmente contar fatos históricos. Ele precisa de vida, de ação. Precisa de um caleidoscópio de imagens e quadros. E se não há uma faísca no momento da leitura, é melhor deixar esta ideia.

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“A sereia”

¹ - Sverdlovsk, hoje Ekaterinburg.


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svetlana filippova

autora I roteirista I diretora I animadora I ilustradora

Nasceu em 1968, em Alma-Ata (Cazaquistão). Formou-se na Escola Superior de Cineastas e Cenaristas (VKSR) de Moscou, na classe de Fiodor Khitruk, Yuri Norstein, Eduard Nazarov e Andrei Khrzhanovsky. Vencedora de inúmeros prêmios, vive e trabalha em Moscou como ilustradora de livros, autora, diretora e animadora. Membro da União de Artistas da Rússia.

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Filmografia na mostra A história de Sara (Skazka Sari) Rússia, 2006, 6 min

Três histórias de amor (Tri istorii liubvi) Alemanha, 2007, 12 min

Onde morrem os cães (Gde umiraut sobaki) França, 2011, 12 min

Brutus (Brut)

Rússia, 2014, 13 min


Ponto de partida

Yuri Norstein

Revista “Nostalgia” n 1, 2007

Sveta Filippova mostrou-me um roteiro: “Um zelador morava com os seus pertences em um cômodo apertado. No final do inverno, nevava intensamente. A neve caía durante toda a noite. Era uma vingança da neve por todo o esforço do zelador para manter limpas as ruas. O zelador estava deitado com o seu chapéu, embaixo do coberto e tinha um olhar perplexo. A neve batia freneticamente na janela. O zelador ainda permaneceu deitado até que, de repente, jogou longe o cobertor, permanecendo deitado. Ele estava vestido e segurava nas mãos uma pá de madeira, que repousava sobre o seu peito”. Neste momento, eu comecei a rir. É um detalhe curioso e engraçado: um zelador que dorme com uma pá nas mãos. O que nos resta na vida e o que nos une? O que torna a realidade mais leve, transformando-a em metáfora? Somente a memória. Ela nos obriga a trabalhar a partir das nossas experiências anteriores. O zelador dormia toda a noite vestido, pois estava sempre pronto para enfrentar a neve.

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Quantas vezes Sveta “despejou” inúmeras possibilidades no desenho? Quantas vezes, no seu roteiro, o zelador não saiu da sua cova confortável rumo ao espaço aberto? Cada vez de maneira diferente. Quanta neve (desenhada) o zelador não limpou, somente para voltar ao seu leito para, em seguida, levantar-se novamente e reiniciar o trabalho, somente para que ela pudesse amadurecer o personagem e retirar novos detalhes da neve? Eu sempre repeti a mesma frase: ao achar um novo detalhe, é necessário limpar novamente todo o cenário, para compreender como este novo detalhe influencia o tempo da imagem. Sveta concluiu a Escola Superior de Cineastas e Cenaristas, foi premiada internacionalmente com o seu trabalho de conclusão de curso, deu à luz a gêmeos. E o seu zelador continuava a retirar a neve, em uma briga eterna. E nunca conseguia deixar a cidade livre da neve. De volta à Rússia, Sveta realizou ilustrações maravilhosas para alguns livros de Ludmila Ulitskaya, enquanto o zelador continuava a dormir segurando a pá de madeira. E a neve caía, caía, enquanto as crianças cresciam, cresciam. E tudo terminou quando a sua filha pegou o material do cenário e escreveu um novo conto. O filme passou a chamar-se “A história de Sara”. Eu assisti o seu filme “A história de Sara”. Não se trata, obviamente, de uma campanha com o título “Precisamos de trabalhadores para limpar o território”, mas eu ouvi o sussurro do meu neto de seis anos: “Mamãe, eu também quero pegar uma pá para retirar a neve”.

e


entrevista

Com S. Filippova

por Elena Gubaidulina para a Revista Psychologies

Como surgem as ideias para os seus filmes? S.F. Vou contar uma história. Eu estudei na Escola Superior de Cineastas e Cenaristas, na faculdade de direção de animação. Yuri Borisovitch Norstein nos deu a seguinte tarefa: inventar o despertar de uma pessoa, e através de detalhes, mostrar o caráter deste personagem. E deixounos na sala de aula por duas horas. Eu me lembro de olhar pela janela e ver a neve que caía lá fora. E pensei: como é bonito para nós, espectadores, ver a neve caindo, mas como é difícil para quem tem que limpa-la. Eu desenhei algumas cenas, nas quais um zelador dormia vestido, com uma pá embaixo do travesseiro. E como na guerra, estava sempre pronto para a batalha com a neve. Esse foi o primeiro desenho que eu mostrei a Norstein. O desenho me parecia pobre, e eu sentia vergonha de levá-lo a sua mesa. Estava certa que ele me expulsaria do curso por falta de aptidão profissional. E, de repente, Yuri Borissovitch deu uma gargalhada. Algo neste zelador com a pá parecia-lhe engraçado. A partir deste episódio nasceu o meu filme “A história de Sara”. Esboços de “A história de Sara”

Neste filme surpreendente, o mundo é visto através do olhar de uma criança. Observar os seus filhos ajuda-lhe no trabalho? S. F. “A história de Sara” não existiria se eu não tivesse filhos. Os meus filhos nasceram logo após a conclusão dos meus estudos como diretora e animadora e as filmagens tiveram que ser adiadas por vários anos. Eu os eduquei e os observava. Nas horas vagas, desenhava cenas para futuros filmes. O resultado, porém, não me satisfazia. Os finais me pareciam previsíveis e planos. Os meus filhos pediamme para ver o material desenhado e eu lhes pedia para contar uma história a partir dos desenhos. Sara, que tinha cinco anos, me contou uma história, inventando um final

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completamente inesperado. E eu compreendi que deveria fazer o filme a partir da sua história e colocar o seu nome no título do filme. Tanto o meu filho quanto a minha filha ajudam-me no meu trabalho. Eu lhes peço para desenhar algo, e estes desenhos sempre mostram outro olhar na composição geral e nos protagonistas dos filmes. Estes desenhos muitas vezes servem como ponto de partida para os meus filmes.

E como surgiu “Três histórias de amor”?

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Frames de “Três histórias de amor”

S.F. De alguma forma, essas histórias dão sequência ao tema iniciado pelo filme “A história de Sara”. Por diferentes razões, a realidade sempre nos interessa. Era muito interessante poder mostrar a história de amor de Mayakovsky, vista de ângulos diferentes. Como a história teria sido contada por Lylia Brik? Como ele próprio a teria contado? E como ela teria sido vista por um observador? Enquanto eu estudava o material, assisti diversos arquivos audiovisuais da época e o roteiro foi mudando. Eu não queria mais falar sobre uma pessoa concreta, invadir os detalhes de uma vida alheia. Assim, criei a imagem geral de um poeta, o qual deixa a sua aldeia nas montanhas rumo à cidade grande. A imagem de Mayakovsky e a sua capacidade de entregar-se ao amor de tal maneira que nenhuma mulher conseguia permanecer ao seu lado por muito tempo, continuava sendo importante. Pequenos pedaços de crônicas, interrompidos de maneira brusca, pediam uma continuação. E eu desenhava essas continuações. Tudo isso resultou em um filme estranho, no qual cenas documentais são costuradas junto à animação. A animação determina as novas regras do jogo, mais contingentes, e a crônica ganha, desta forma, um aspecto diferente. Foi muito importante não contar apenas uma história de amor abstrata, mas situa-la em uma época concreta da História. O material gráfico e as pinturas de artistas do início do século XX ajudaram-me bastante. O filme foi construído sobre citações. Começa com a infância de Mayakovsky na Geórgia. Obviamente, há uma grande


influência de Pirosmani. Depois, a sua chegada à cidade. Já se trata de uma estética completamente diferente: Chagall, Tchekriguin, Mansurov, Labas, Gontcharova, Larionov. Vendo este trabalho no Festival Krok (Festival Internacional de Animação Krok), um produtor francês pediu-me uma ideia para um próximo filme.

E o que você lhe sugeriu?

Frame de “Onde morrem os cachorros”

S.F. Eu tinha um roteiro sobre a vida do meu cachorro. Nos anos 1990, eu tive que deixar a minha cidade natal e parti, sem saber o que me aguardava. Deixei o meu cachorro em casa e lá, ele envelheceu e morreu sem mim. Eu fiquei com um grande sentimento de culpa. Comecei a refletir sobre este tema e desenhei alguns esboços. O produtor francês gostou da história, apesar dela parecerlhe demasiadamente russa. Mas tudo deu certo, e alguns meses depois, eu fui para a França filmar este filme.

O seu filme “Brutus”, provavelmente o filme de animação mais marcante que eu vi nos últimos tempos, fala também sobre cachorros, sobre criaturas corretas, que não desejam tornarse traidores. Como foi filmado este filme? S. F. Eu comprei, por acaso, o livro “Vida de Cão”, de Ludwig Ashkenazy, e o li para os meus filhos. “Brutus” e alguns outros contos não saíram da minha cabeça. Eu lembrava também dos comentários das crianças sobre este livro. Em 1934, começaram as proibições para os judeus na Alemanha nazista. No início, proibiram os judeus de defender as suas teses nas universidades. Depois, os alemães não podiam comprar em lojas judias e os casamentos com judeus foram proibidos. Eles eram proibidos de frequentar bibliotecas, hotéis, teatros e óperas, pistas de patinação e piscinas. Os automóveis lhes foram proibidos. Aos poucos, tudo foi sendo proibido. E as pessoas, acostumadas, continuavam a viver, sem enxergar como tudo terminaria. Eu percebi que queria fazer um filme a partir do conto “Brutus”. Era um desafio pensar na maneira de levar esta literatura para o cinema. De algum

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Esboços de “Brutus”

modo, o filme “Brutus” foi mais simples e ao mesmo tempo mais difícil do que os outros. No momento de pleitear ajuda financeira para a realização de um filme, é necessário indicar a duração do mesmo. Mas como prever a duração do filme? Tudo é construído a partir de ilustrações, detalhes e pausas. Como contar isso? Eu liguei um cronômetro, fechei os olhos e mentalmente comecei a ver o filme, o qual eu ainda não havia filmado. E o mais engraçado é que eu o visualizei. Depois, anotei tudo o que tinha visto. Demoradamente, recordava os detalhes e as impressões gerais. Precisava ainda estudar as crônicas dos anos de guerra, pesquisar fotografias e filmes. Fazer centenas de esboços. Tudo ficava dependurado diante dos meus olhos no meu ateliê, para que eu não me esquecesse de nada e para que o filme fosse preenchido por pessoas. Ekaterina Baikova e Svetlana Zimina auxiliaram-me nos trabalhos. Elas assumiram parte deste pesado fardo emocional. Quando eu estava no pedaço mais sombrio da história, pedi para que a minha filha desenhasse a cena. Sentia a necessidade de um olhar fresco sob uma cena que nos foi mostrada inúmeras vezes no cinema. Como ficavam as pessoas nos comboios rumo aos campos de concentração? Como elas eram recebidas, à noite, por cães e pessoas em uniformes? E a partir dos seus desenhos, eu aperfeiçoei a animação destas cenas. Era muito importante preservar a leveza nas ilustrações, assim como a negligência e a secura intencional da apresentação. Era preciso procurar detalhes engraçados.

O que motiva a traição das pessoas próximas? E de onde buscamos forças para suporta-la de maneira estóica e humilde, como o faz o protagonista de “Brutus”?

Frames de “Brutus”

S.F. Muitas vezes, a traição acontece aos poucos. Primeiramente, algo acontece nos nossos pensamentos. Como Brutus, que todo o tempo recordava o velho cavalo. Ele ainda era um cão inteligente e vivia na família de um professor de latim. E acima de tudo, amava o seu dono. Mas o cheiro de sangue da velha égua estava sempre na sua cabeça. E, em um determinado momento, o seu dono encontra-se sem alternativas diante da situação. Um decreto fascista obriga os judeus a se separarem


dos seus animais de estimação. Assim, a protagonista entrega Brutus, também o traindo. Eu creio que neste momento, algo morre dentro dele, ou seja, a guerra nos transforma. O nosso espírito fica cansado de resistir aos absurdos da guerra. A indiferença torna-se a única saída para sobreviver à maldade. Em algumas situações, para verificarmos os nossos limites, precisamos estar em um ambiente hostil. No entanto, muitas vezes, o mal se penetra as nossas vidas rotineiramente e não é possível reconhecê-lo ou identificá-lo imediatamente. E ele corrói a alma. Adaptamos-nos, tentando sobreviver em um mundo desconhecido, com novas regras. Após ultrapassar essa fronteira, tudo se torna possível. Isso é ilustrado em “Brutus”, que apesar de ser representado por um cão no conto, fala da natureza humana.

Por que a animação pode ser útil em tornar o invisível visível? S.F. Às vezes, penso que a animação é uma linguagem demasiadamente rude. É possível mostrar alguns aspectos de maneira mais sutil no cinema, assim como fizeram Bergman, Fellini, Tarkovsky, Guerman e Muratova. Lá, é possível trabalhar diversas soluções através de grandes planos ou através da expressão facial dos atores. Tente fazer isso na animação! Revendo os filmes de Caroline Leaf, Georges Schwitzgebel, Frédéric Back, George Dunning ou dos nossos mestres, eu vejo que nós próprios nos impomos restrições. Tudo é uma questão de liberdade. É assustador fazer algo que ainda não foi feito por ninguém. Durante os trabalhos no meu último filme, eu me proibi explicações e análises sobre o que eu estava fazendo. Eu li a seguinte frase de um poeta: “Eu não me intrometo na minha criação”. É verdade. Eu sempre preciso lembrar-me disso. A poesia é a arte mais próxima da animação. Para descrevê-la, podemos utilizar as palavras de Seamus Heaney: “Enquanto algo não chegar voando aos ouvidos do poeta, enquanto a sua consciência não tropeçar em um solo plano, enquanto a surpresa ou a emoção não o possuírem, mesmo que minimamente, o trabalho não começa.” Uma forma que se transforma em pensamento. Esta é uma das mais importantes peculiaridades da animação.

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Podem existir restrições na animação, as quais limitam artistas e diretores na transmissão do seu universo?

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S.F. É necessário pensar em como desenhar em movimento tudo o que pensamos. E ter consciência que em cada segundo de um filme encontram-se entre 12 e 24 desenhos. Existem desenhos maravilhosos. No entanto, depois de começarmos a pensar como os personagens se movimentarão neste desenho, tudo nos parece em excesso. Cada história requer uma nova solução em relação à luz, composição, movimentação da câmera montagem, etc. Na animação, a movimentação do personagem é muito importante. Se analisarmos os filmes de Fiodor Khitruk, podemos constatar que em cada filme ele inventava um novo estilo de movimentação. Como tudo é permitido na animação, é difícil alcançarmos tamanha liberdade, tal como ela possibilita. Criar um mundo com novas regras e brincar com elas ou destruí-las? Eduard Nazarov nos mostrou, durante as suas aulas, o filme “Ali Babá” de Giulio Gianini e Emanuele Luzzati. Os personagens eram feitos a partir da superposição de papeis, os quais nem mesmo eram cortados com tesoura, mas rasgados com as mãos. O filme começa, e inicia-se um jogo de imaginação, no qual você adivinha como funcionarão as leis recém-nascidas neste mundo modificado. Tudo é errado, porém nestes papeis que se movimentam você reconhece a verdade da vida. Neste momento, você se sente feliz.

Esboço de “Brutus”


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Bibliografia Assenin, Serguey. Mudrost Vimisla. Mastera multiplilkatsi o sebe i o svoem iskusstve. Moskva: Iskusstvo, 1983 Norstein, Yuri. Sneg na trave. Moskva: VGIK, 2005 Khitruk, Fiodor. Professia animator. Moskva: Gaiatri, 2007 Kinovedctheskie zapiski. N52, 2001


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O que é uma animação e como se faz? Animação é uma sequência de desenhos ou fotos de objetos com pequenas mudanças de posição entre eles. Quando passamos esses desenhos ou fotos bem rápido nosso cérebro entende que o objeto está se mexendo. Legal, não é? E isso pode ser feito de várias maneiras: com desenhos, com fotos e inclusive com o computador.

o de t r ie o li v r

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VAMOS TENTAR?

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Pense na história que você quer contar e no personagem (ou personagens) que ela terá

Faça seu bloco de papeis ou compre um pronto. Para fazer o bloco é só cortar folhas A4 em pedaço menores e grampear

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Vai fazendo os desenhos com pequenas alterações na forma e posição para fazer o movimento que você pensou, um em cada folha

1 2

3

dica Agora que você está começando escolha formas mais simples!

dica Para fazer 1 segundo de animação você vai precisar de 12 a 24 desenhos!

dica Os profissionais trabalham sobre uma mesa de luz, assim é possível ver o desenho anterior e saber onde você deve alterar a forma. Mas você pode usar o vidro de uma janela da sua casa. Ela funcionará como uma mesa de luz!

LHA UE A F O E Q A T S E D E US O L A DO DA A E T N E OS AR T R A NSP E R OS DE SE NH Ã O! Z A F MAÇ PAR A SU A A NI



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