BOLETIM ARTE NA ESCOLA • EDIÇÃO #77 • AGOSTO / SETEMBRO 2015
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A magia de uma boa história
Regina Machado não tem dúvida de que o conto de tradição oral contribui para o exercício imaginativo, para a aquisição de repertório e outros recursos de expressão
Raquel Alves Doutora em arte e educação, autora de ficção, Regina Machado se deu conta de sua paixão pelo conto e pela arte de contar histórias quando já era um nome respeitável nos corredores da Universidade de São Paulo. Tocada pelo poder inebriante de uma boa narrativa, ela mergulhou fundo no assunto e lá se vão mais de 30 anos. O resultado do longo e incessante aprendizado é uma ação artística de dar voz e vida a contos, fábulas e lendas, além de um gigantesco acervo de contos imemoriais, garimpados em tradições de todo o mundo. Para ela, o conto de tradição oral pode ser um instrumento de aprendizagem, já que o próprio docente aprende a trabalhar-se como educador a partir das metáforas contidas nas histórias. Regina atribuiu sua familiaridade com a expressão e com as palavras à dedicação de uma vida ao ato de ler e ouvir histórias. Mas, para abraçar essa arte tão antiga quanto as narrativas que pratica, não existe receita. Cada um tem que descobrir o seu próprio jeito de encontrar e
compartilhar boas histórias: "não há como ensinar, isso vem depois de muita leitura e muita experiência. O que vale é a intenção, é preciso aprender a escutar, a perceber, até que a história esteja viva dentro do contador”, diz. Espaço de significações Que as narrativas pessoais e universais têm que estar dentro da escola, disso Regina não tem a menor dúvida: "ter acesso ao conto é uma forma privilegiada de aprendizagem, tão rica para o contato com um repertório de imagens internas quanto para a noção de movimento e ritmo narrativo”. Ela dá até o exemplo de uma de suas alunas que, ao contar a história de um alfaiate que selecionou objetos para vender no mercado, começou a tirar peças de dentro de um baú. "As crianças viram objetos exóticos, muito expressivos, que a contadora procurou com cuidado na sua própria casa. Ao apresentá-los como parte da narração, ela introduziu um exercício de leitura estética", explica. Convidar o aluno a fazer um "passeio" pela história, segundo ela, não é nada mais do que conduzi-lo por uma jornada ao seu espaço de significações. A trama pode conter perguntas, desafios ou simplesmente transportar o ouvinte a um lugar de quietude, possibilitando o contato consigo mesmo. E pode, ainda, estabelecer conexões imediatas com outras disciplinas, como Geografia, História, Matemática, etc. Tudo depende do fundamento que o professor-contador pensou para aquela atividade. "O professor pode escolher uma história que tenha um rico encadeamento de imagens, afinal não existe um processo de conhecimento que não se inicie pela habilidade imaginativa", sugere. Mesmo em tempos de internet, games e aplicativos, não há criança que resista à magia das boas histórias. “Elas carregam uma estrutura simbólica milenar em que os elementos estão todos construídos para permitir uma experiência de conhecimento”, destaca a educadora. “Uma história simbólica de tempos imemoriais não foi escrita por uma pessoa, ela é parte do conhecimento de uma cultura tradicional. ” Para trabalhar com os alunos Regina Machado não tem dúvida de que o conto de tradição oral contribui para o exercício imaginativo, para a aquisição de repertório e outros recursos de expressão. Porém, o educador precisa conhecer esse material profundamente, e isso depende de uma disponibilidade interna de aprender. Para mergulhar nesse universo das histórias, é importante, por exemplo, passar boas horas em uma livraria. "As Mil e uma noites ou os livros de Ricardo Azevedo, autor que vem reescrevendo e ilustrando contos populares, podem despertar possibilidades instigantes”, diz Regina, acrescentando que o professor deve se sentir estimulado a querer saber mais sobre cada história.
O educador pode praticar a narração de histórias em reuniões com outros professores, mantendo-se atento às reações da plateia, tanto para trabalhar com isso ali mesmo, na própria história, como para enriquecer seu repertório.