Adolescências All Star: memórias buscando identidades

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA/Canoas/RS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

Tatiana Heck Machado

ADOLESCÊNCIAS ALL STAR: MEMÓRIAS BUSCANDO IDENTIDADES

Canoas/RS 2010


Tatiana Heck Machado

ADOLESCÊNCIAS ALL STAR: MEMÓRIAS BUSCANDO IDENTIDADES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado (a) em Artes Visuais, pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil.

Orientadora: Mestre Ana Lúcia Beck


RESUMO Título: Adolescências All Star: memórias buscando identidades. Aluna: Tatiana Heck Machado Escola: Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel Turma: 6ª série – 26 alunos Palavras-chave: Adolescentes- Infância- Memórias- Identidade. O adolescente se afasta da identidade infantil e vai construindo pouco a pouco uma nova definição de si mesmo. Trata-se, na verdade da passagem do mundo infantil para o mundo adulto. O amor, a amizade, o trabalho, a escola, a família e o projeto de vida constituem-se em grandes questões cujo ponto central é a identidade: Quem sou eu? Como sou eu? Qual o meu valor? Quem me valoriza? O que quero? O que quero ser? Para tanto ele precisa aprender sobre si e sobre o mundo, através da experimentação, do fazer, do vivenciar a Arte. Enfim, a questão da identidade foi o tema desenvolvido em meu estágio. Quanto à justificativa, afirmo que já durante as observações realizadas na 6ª série, tentei traçar um perfil dos adolescentes daquela turma e me fiz à seguinte pergunta: Quem são estes adolescentes? Quais as suas características? São estes

adolescentes

diferentes

dos

demais?

Fui

então,

percebendo

as

semelhanças entre aqueles que se encontram nesse período de transformações e emoções intensas a que denominamos adolescência. Para todos eles, adolescentes, esta é uma passagem caracterizada por uma crise de identidade na qual se debatem entre questionamentos relativos ao corpo, aos valores existentes, às escolhas que devem fazer ao que exigimos deles, ao seu lugar na sociedade. Como objetivo geral do projeto pretende-se que os alunos sejam capazes de reconhecer através das suas marcas pessoais e de grupo, a afirmação da identidade, da subjetividade, extravasando pensamentos, sentimentos e emoções. Palavras-chave: Adolescentes- Infância- Memórias- Identidade.


DEDICATÓRIA

Este trabalho de curso é dedicado a duas pessoas. A minha querida mãe Dona Cida, que sempre me incentivou e me motivou ao longo dos semestres. Obrigada mãe, pelo apoio e dedicação. Ao meu amor Fábio, que não mediu esforços para estar ao meu lado. Apoiando e auxiliando-me, oportunizando assim a concretização de um sonho. Valeu amor, pela força, carinho e paciência.


SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................6 1. CAPÍTULO 1 ...........................................................................................................9 2. CAPÍTULO 2 .........................................................................................................20 3. CAPÍTULO 3 .........................................................................................................26 4. CAPÍTULO 4 .........................................................................................................30 1ª AULA: 28/08/09 .................................................................................................33 2ª AULA: 04/09/09 .................................................................................................36 3ª AULA: 18/09/09 .................................................................................................40 4ª AULA: 25/09/09 .................................................................................................44 5ª AULA: 02/10/09 .................................................................................................48 6ª AULA: 16/10/09 .................................................................................................54 7ª AULA: 30/10/09 .................................................................................................59 CONCLUSÃO............................................................................................................65 REFERÊNCIAS DE PESQUISA................................................................................70 APÊNDICE ................................................................................................................72 ANEXO......................................................................................................................91


INTRODUÇÃO Esta monografia apresenta o projeto Adolescências All Star: memórias buscando identidades, o qual foi aplicado com a turma da 6ª série do ensino fundamental, na Escola Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel, no município de Pareci Novo. O material está dividido em capítulos. O primeiro capítulo descreve o tema de pesquisa em Artes Visuais, com desdobramento em identidade na adolescência. Utilizei como referência os autores Contardo Calligaris, Antônio Carlos Amador Pereira, Luciene Tognetta, Ayrton Dutra Corrêa e Ana Mae Barbosa para abordar os seguintes conceitos que foram levantados e desenvolvidos em sala de aula durante a aplicação do projeto: Quem sou eu? Como sou eu? Qual o meu valor? Quem me valoriza? O que quero? O que quero ser? No segundo capítulo, veremos o desdobramento do tema identidade no ambiente do ensino escolar. Ao entrar na fase da adolescência, o jovem tem a necessidade de definir valores: pessoais, morais, políticos, religiosos... E ao buscar essas referências, o adolescente concebe um universo que, em geral, não coincide com a realidade que o rodeia. Portanto é preciso oportunizar através de experiências significativas em Artes, o reconhecimento das potencialidades, em busca de uma afirmação da auto-estima, necessária para que se tornem jovens conscientes, participativos e sensíveis à realidade e ao mundo que os cerca. O terceiro capítulo apresenta as informações relativas à escola onde foi realizado o projeto, bem como as análises das observações silenciosas. Já o quarto capítulo fala sobre o projeto de ensino em si. O tema, a justificativa, o objetivo geral e os objetivos específicos. Também contempla o planejado e o realizado de cada aula desenvolvida e a conclusão do projeto. Na conclusão do projeto abordo três questões muito importantes, observadas após a prática do estágio. Trata-se da escolha do tema identidade na adolescência. Em seguida escrevo sobre a relevância que acabou sendo dada por


mim as questões técnicas, sobre as questões de dimensão simbólica. E por último descrevo a apropriação do conhecimento por parte dos alunos, como isso me beneficiou e enriqueceu as aulas.

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Iberê Camargo. Desdobramento II, 1972. Fonte: http// www.iberêcamargo.com.br

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1. CAPÍTULO 1 A criatividade é um potencial próprio do ser humano que ocorre desde a infância. Vygotsky (1982, p. 9) salienta que “através da criatividade o indivíduo se projeta para o futuro, um ser que contribui ao criar e que modifica seu presente”. Nesse caso, Boden (1994) refere-se a crianças que também transformam seu próprio espaço conceitual de modo fundamental, chegando a ser capazes de possuírem pensamentos que não queriam ter pensado antes. Assim, seus poderes criativos aumentam gradativamente à medida que desenvolvem a capacidade de modificar seu modo de ser, tornando-se flexíveis e fazendo reflexões sobre seus atos. Esses atos podem relacionar-se com o potencial de sensibilidade que se caracteriza através da criatividade, incluem todas as vivências do ser sensível e abrem um amplo leque que se manifesta do sensorial ao intelectual, que geralmente necessita de uma mediação para envolver o indivíduo e despertar sua sensibilidade. Nesse sentido, Vygotsky (1982) refere-se à atividade criadora como toda a realização humana, seja criando algo novo, seja tratando de reflexos de algum objeto do mundo exterior ou envolvendo determinadas construções do cérebro ou dos sentimentos que os sujeitos vivenciam. Há um envolvimento, nesse aspecto da nossa memória, em que a essência está em reproduzir ou repetir normas de conduta já criadas ou elaboradas em códigos ou impressões antigas. Mas toda a atividade humana não se limita à reprodução, ela pode criar novas imagens, novas ações a partir de uma atividade que combina e cria. Essas combinações envolvem-se também com impressões, vivenciadas desde a infância, que contribuem para entender e avaliar a ação criadora do indivíduo no desenvolvimento de novas imagens, a partir de sua imaginação, a qual, segundo Vygotsky (1982), é a base da atividade criadora que se manifesta em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Assim, tudo que nos rodeia foi criado pela mão do homem, sendo esse produto fruto de sua imaginação e criação. Essas vivências levam à compreensão de ordenações dinâmicas, explícitas ou implícitas, envolvendo visões de coerência e beleza estética da criação artística. 9


Referente à criação, Ostrower (1990, p. 218) afirma ser um “potencial que aprofunda nosso raciocínio consciente, ligando-o ao intuitivo ou mesmo ao inconsciente e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos criativamente”. Desse modo, Sans (1994, p. 101) ressalva que “a criatividade é um processo resultante da interrelação do indivíduo com o mundo”. Assim, dessa interrelação, a obra estética surge como resíduo significativo da vivência de quem a criou. Nesse caso, passa a ser produto materializado da expressão, sendo uma obra estética quando a mensagem dada pelo autor se integra com o uso adequado dos materiais no espaço proposto. Outro aspecto importante é a descoberta criativa. Gardner (1996) especifica que é a capacidade do ser humano de representar o uso sofisticado dos símbolos, imagens e operações associadas a uma inteligência específica, operando numa determinada disciplina ou domínio. A origem do processo criativo parte da criação do ser humano, que se manifesta com todo vigor desde a infância. Na visão de Vygotsky (1982, p. 15), “em cada escala do seu crescimento adquire sua própria expressão e a cada período corresponde a sua própria forma de criação”. Essa forma de expressão é percebida no criar, que é essencialmente um processo, um caminho de crescimento, relacionando-se com algo que o indivíduo traz dentro de si em relação ao seu potencial individual ou coletivo, ou seja, sua necessidade interior, que constitui o princípio básico de todo trabalhador criador, bem como a necessidade exterior de envolver-se com o processo criativo que é fazer um objeto, discernir nele um significado simbólico e usar esse objeto para transmitir outros pensamentos e sentimentos a respeito do mundo. Nesse sentido, Vygotsky (1982, p. 11) salienta que “na vida que nos rodeia cada dia, existem todas as premissas necessárias para criar e tudo que excede da rotina com uma mínima partícula de novidade tem sua origem no processo de criação do ser humano”. Quanto ao processo criativo, a formulação mais amplamente aceita é a de Graham Wallas, que falou sobre quatro estágios, citado por Gardner (1997). Esses estágios foram sugeridos especialmente para as ciências, mas os estudiosos os consideraram adequados também às artes: - Preparação: A pessoa identifica as ideias para o trabalho e brinca com elas. 10


Dessa forma, o criador tem seu primeiro insight e apresenta uma fase, que pode ser chamada de apreensão. - Incubação: A mente pode estar conscientemente envolvida com outras coisas, enquanto o inconsciente está resolutamente brincando com as ideias e selecionando-as. Assim, o criador propõe possíveis soluções e pondera suas forças e fraquezas. O pintor pode ficar sentado dias seguidos numa colina, observando tudo, amontoando suas impressões para quando tiver de transferi-las na tela. Picasso disse, certa vez, que “O artista é um receptáculo de emoções que vem de tudo que há no lugar; do céu, da terra, de um pedaço de papel, de uma forma fugaz, de uma teia de aranha (...) o pintor pinta para descarregar sentimentos e visões” (KNELLER, 2007, p. 174). - Iluminação: O criador se torna consciente de como todos os elementos se ajustam ou “obtém o quadro”, uma forma escultórica ou outra forma de Arte quando percebe a solução de seu problema. Assim, pode-se denominar também de “inspiração” essa fase na qual se observa o sentimento de plenitude que se experimenta um prazer, resultante desse esforço, na sensação de alívio e de recuperação do equilíbrio. Essas sensações podem surgir de várias maneiras, podendo ser até um grito de alegria, um gesto ou uma doença, esse prazer que, muitas vezes, é vivenciado somente por nós, criadores, e que o espectador não poderá sentir jamais. - Verificação: Os detalhes finais e a exatidão são verificados. O intelecto tem de terminar a obra que a inauguração iniciou. Essa obra inaugurada representa um símbolo, bem como os elementos que a sustentam, determinando um significado que, por sua vez, pode exercer uma influência sobre o espectador. Tanto a criança quanto o adulto possuem uma vida de sentimentos diversificados e são capazes de integrar sentimentos com percepções e atos quando envolvidos com os objetos simbólicos. O homem é um ser sensível, dotado de capacidade criadora. Por meio da cognição humana, é capaz de utilizar vários tipos de símbolos e sistemas simbólicos. Assim, Gardner (1994, p. 19) salienta “que o uso de símbolos foi a chave na evolução da natureza humana, dando surgimento ao mito, à linguagem, à ciência; ele foi também central nas mais elevadas conquistas criativas dos seres humanos, todas as quais exploram a faculdade simbólica humana”. 11


Expõe também quanto ao sentido de buscar e encontrar significados em qualquer meio, transformando as experiências constantemente para descobrir novos significados que envolvem a mente humana. Podemos, então, encontrar importantes formas, sentimentos, afinidades e contrastes da trama da vida em outras obras de Arte que transmitem literal ou metafisicamente. É nesse momento que podemos dizer que as versões do mundo podem ser identificadas em nossas próprias experiências, mediante seus aspectos significativos, abarcando percepções, atitudes e intuições. Isso mostra que o criador aproveita muito das experiências da sua infância para a realização de suas criações futuras. “Se o mundo do futuro se abre para a imaginação, o mundo do passado é aquele no qual, recorrendo às nossas lembranças, podemos buscar refúgio dentro de nos mesmos, debruçar-nos sobre nós mesmos, e nele reconstruir nossa identidade.” (BOBBIO, Norberto. 2006 p. 84) Podemos perceber nestas duas obras, dos artistas Iberê Camargo e Alfredo Volpi um retorno à infância.

Iberê Camargo, “Carretel azul”, 1981. Fonte: Pasta Arte br

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Alfredo Volpi, “Pássaro de papelão”, 1955. Fonte: Pasta Arte br

“Você põe a primeira cor. Ai põe à segunda. Olha de novo se está certo você logo vê e continua. Se está errado, você apaga e começa de novo” (VOLPI, Alfredo) Assim como Volpi, também Iberê começou pintando imagens que lembram objetos conhecidos. Ao longo do tempo, ele também se tornou um pintor de imagens que nem sempre conseguimos reconhecer. Na série “carretéis”, podemos perceber o percurso de Iberê, da figuração à abstração. “Carretéis” nasce de uma imagem de infância, que ficou gravada na memória do artista: ele brincava com os carretéis que sobravam das costuras da mãe. Nas primeiras pinturas obre esse tema, os carretéis parecem parados na tela. Nas pinturas finais, eles se tornam formas abstratas, que voam nos espaços das pinturas. Volpi é um entre muitos pintores brasileiros que pintam paisagens, retratos, santos, barcos, casas, brinquedos, mastros, bandeirinhas... Se caminharmos na linha do tempo da produção desse artista, veremos que ele começa seu percurso com pinturas conhecidas como figurativas e pouco a pouco passa a produzir pinturas conhecidas como abstratas. Tanto a obra de Iberê quanto a de Volpi, nos remetem a infâncias. Volpi pinta um brinquedo. Iberê recolhe carretéis de suas lembranças de menino. Assim, os indivíduos que realizam descobertas criativas costumam ser exploradores e inovadores desde a infância, envolvendo-se com todos os tipos de 13


formas, movimentos e cores que o cercam no mundo cotidiano. Como processos intuitivos, os processos de criação interligam-se intimamente com o nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula principalmente através da sensibilidade. Inata ou até mesmo inerente à constituição do homem, a sensibilidade não é peculiar somente a artistas ou alguns poucos privilegiados. Em si, ela é patrimônio de todos os seres humanos. Ainda que em diferentes graus ou talvez em áreas sensíveis diferentes, todo ser humano que nasce, nasce com um potencial de sensibilidade. O homem elabora seu potencial criador através do trabalho. É uma experiência vital. Nela o homem encontra sua humanidade ao realizar tarefas essenciais à vida humana e essencialmente humanas. A criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possíveis soluções criativas. Nem na Arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver. Retirando à Arte o caráter de trabalho, ela é reduzida a algo supérfluo, enfeite talvez porém imprescindível à existência humana. Em nossa época, é bastante difundido este pensamento: Arte sim, Arte como obra de circunstância e de gosto, mas não Arte como engajamento de trabalho. Entretanto, a atividade artística é considerada uma atividade, sobretudo criativa, ou seja, a noção de criatividade é desligada da ideia do trabalho, justamente por ser livre solta e isenta de compromissos de trabalho. Em dados momentos de nossa vida, a criatividade parece fluir quase que por si e dotar nossa imaginação com um poder de captar de imediato relacionamentos novos e possíveis significados. Representam circunstâncias especiais, sem dúvida importantes, em que nos sentimos mais produtivos e mais criativos. Vista em sua dinâmica, porém, a criatividade não deixa de abranger o processo total de nossa vida, e tanto os momentos que considerarmos necessários ou “desnecessários” alimentam a nossa sensibilidade com múltiplas cargas emotivas e intelectuais. O impulso elementar e a força vital para criar provêm de áreas ocultas do ser. É possível que delas o indivíduo nunca se de conta, permanecendo inconscientes, refratárias até as tentativas de se querer defini-las em termos de conteúdos psíquicos, nas motivações que levaram o indivíduo a agir. 14


Além dos impulsos do inconsciente, entra nos processos criativos tudo o que o homem sabe os conhecimentos, as conjunturas, as propostas, as dúvidas, tudo o que ele pensa e imagina. Utilizando seu saber, o homem fica apto a examinar o trabalho e fazer novas opções. O consciente racional nunca se desliga das atividades criadoras constitui um fator fundamental de elaboração. Assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial. Não abrange apenas pensamentos nem apenas emoções. Nossa experiência e nossa capacidade de configurar formas e de discernir símbolos e significados se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior, do sensório e da afetividade, onde a emoção permeia os pensamentos ao mesmo tempo em que o intelecto estrutura as emoções. No trabalho, o homem intui, age, transforma, configura. O caminho em toda tarefa será novo e necessariamente diferente. Ao criar, ao receber sugestões da matéria que esta sendo ordenada e se altera sob suas mãos, nesse processo o indivíduo se vê diante de encruzilhadas. A todo instante ele terá que se perguntar: sim ou não, falta algo, sigo, paro. Isso ele deduz, e pesam-lhe a validez, eventualmente a partir de noções intelectuais, conhecimentos que já incorporou, contextos familiares à sua mente. Mas, sobretudo, ele decidirá baseando-se numa empatia com a matéria em vias de articulação, procurando conhecer a especificidade do material, procurará também, nas configurações possíveis, alguma que ele sinta como mais significativa em determinado estado de coordenação, de acordo com seu próprio senso de ordenação interior e o próprio equilíbrio. Será uma busca que não se esgota na palavra, por mais lúcida que seja, pois é uma busca que integra formas de ser. Essa mesma busca, o indivíduo não sabe quanto poderá durar nem exatamente aonde ela o levará. Conquanto exista uma predeterminação interior que o impulsiona e também o orienta, algo que, ao iniciar o trabalho, o indivíduo mais ou menos pressupõe e imagina, há ainda, e sempre, uma enorme distância entre aquilo que se imagina e os fatos concretos que o trabalho apresenta. A todo o momento e na medida em que modifica a matéria, esses fatos também se modificam, até fisicamente. Todo processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais, fatores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, ao nível de intenções, 15


nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não existe. Vale dizer, então, que a criação exige do indivíduo criador que atue. Atue primeiro e produza. Depois, o trabalho poderá ser avaliado com critérios e interpretações. A atividade criativa consiste em transpor certas possibilidades latentes para o real. As várias ações, frutos recentes de opções anteriores, já vão ao encontro de novas opções, propostas surgidas no trabalho, tanto assim que continuamente se recria no próprio trabalho uma mobilização interior, de considerável intensidade emocional. Nessa mobilização está inserido um senso de responsabilidade. As opções se propõem quase que em termos de princípios, de certo ou errado e, no caso das Artes, o quanto custa decidir uma pincelada, a exata tonalidade de uma cor, o peso de uma palavra, uma nota certa, todo artista bem o sabe dentro de si. O adolescente criativo altera o mundo que o cerca, o mundo físico e psíquico, em suas atividades produtivas ele acrescenta sempre algo em termos de informação e, sobretudo, em termos de formação. Nessa sua atuação consciente e intencional, ele pode até transformar os referenciais da cultura em que se baseiam as ordenações que faz e aos quais se reportam os significados de sua ação. A criatividade se realiza em conjunto com a realização da personalidade de um ser: da maturação como processo essencial para a criação. Com sua maturidade o ser humano criará espontaneamente, exercerá a criatividade como função global e expressiva de vida e, como medida de sua gratificação. Entretanto, acima de quaisquer outras considerações, o que importa é o processo criador visto como um processo de crescimento contínuo no homem, e não unicamente como fenômeno que caracteriza os vultos extraordinários da humanidade. O poder criador do homem é sua faculdade ordenadora e configuradora, a capacidade de abordar em cada momento vivido a unicidade da experiência e de interligá-la a outros momentos, transcendendo o momento particular e ampliando o ato da experiência para um ato de compreensão. Nos significados que o homem encontra, criando e sempre formando estrutura-se sua consciência diante do viver. Ao adolescente criativo torna-se possível dar forma aos fenômenos, porque ele parte de uma coerência interior que absorve os múltiplos aspectos da realidade externa e interna, os contém e os compreende corretamente, e os ordena em novas realidades significativas para o indivíduo. Como ser coerente, ele estará mais aberto 16


ao novo porque mais seguro dentro de si sua flexibilidade de questionamento, ou melhor, a ausência de rigidez defensiva ante o mundo, permite-lhe configurar espontaneamente tudo o que toca. É verdade, porém, que para poder exercer o seu potencial criador, agir criativamente, em sua vida, seria preciso aos homens integrar-se enquanto pessoas, desenvolver-se e alcançar algum nível de maturidade e individuação. Seria preciso aos homens encontrar condições de vida e de trabalho que proporcionassem os meios de realização de suas potencialidades, onde o seu fazer representasse uma fonte de conscientização interior a partir da qual eles se renovariam espiritualmente. Da mesma forma como hoje em dia se condiciona o ato de criar ao conceito de excepcional idade, de genialidade, assim também a criação está sendo condicionada ao conceito da inovação e ao invento da novidade. A inovação é até identificada com a própria criação. Mas, se é da natureza do ato criador inovar, a recíproca não é verdadeira, a inovação nem sempre é criação. Criar significa mais do que inventar, mais do que produzir algum fenômeno diferente. Criar significa dar forma a um conhecimento diferente que é ao mesmo tempo integrado em um contexto global. Nunca se trata de um fenômeno separado ou separável, é sempre questão de estruturas. Através da forma criada se intensifica um aspecto da realidade nova e com isso se reformula a realidade toda. Por essa razão, o processo de criar significa um processo vivencial que abrange uma ampliação da consciência, tanto enriquece o indivíduo que cria, como também o adolescente que recebe a criação e a recria para si. A criação nunca é apenas uma questão individual, mas não deixa de ser questão do indivíduo. O contexto cultural representa o campo dentro do qual se dá o trabalho humano, abrangendo os recursos materiais, os conhecimentos, as propostas possíveis e ainda as valorações. São há um tempo os dados do trabalho e os referenciais dos dados. Com eles se defronta a criatividade de um homem. Existirá nele, desde o início, uma orientação específica do ser, uma predisposição, uma maneira sua constitucional talvez, de interagir com o mundo. Não se pode perder de vista que cada pessoa constitui um ser individual, ser indivisível em sua personalidade e na combinação única de suas potencialidades. Pensar na maioria dos homens somente como “massa”, como algo passivo a ser moldado por pressões e condicionamentos massificantes, não condiz com o ideal humanista, de respeito 17


por potencialidades especificamente humanas. Criar é poder relacionar com precisão. Ou melhor,é criar, relacionar com adequação. Na verdade, as coisas se processam dentro de uma lógica interna, lógica da ação, maior do que talvez faça supor a noção de “liberdade” no criar. Assim, a criação é um perene desdobramento e uma perene reestruturação. É uma intensificação da vida. A criatividade é a essencialidade do humano no homem. Ao exercer o seu potencial criador, trabalhando, criando em todos os âmbitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e lhe da um sentido. Criar é tão difícil ou tão fácil como viver. E é do mesmo modo necessário.

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Iberê Camargo, Solidão, 1994. Fonte: http// www.iberêcamargo.org.br

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2. CAPÍTULO 2 O projeto “memórias buscando identidades”, pretende levar os alunos a terem suas próprias vivências artísticas, no desafio do autoconhecimento que elas proporcionam. Pretende explorar novas reflexões e novas experiências com materiais e suportes diversos, que nos levam a vivências que possam promover descobertas pessoais e do grupo. [...] criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse ‘novo’, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar [...] (OSTROWER, 2008, p.9).

A Arte é um território do conhecimento e da liberdade. E nesse território da liberdade você pode, simbolicamente, fazer tudo, de muitos modos, de todos os modos, inventar coisas, transbordar, virar do avesso. Esse diálogo com a liberdade é fundamental para uma personalidade aberta, para o aluno que depois vai estudar outras disciplinas que tem de fato patamares mais rigorosos. Não dá para inventar tudo em Matemática, em Química. Já a Arte possibilita esse trânsito entre a subjetividade, sentimentos, afetos, buscas, procuras e a materialidade. Pensar na relação identidade / criatividade / sociedade / educação é pensar na escola e nas práticas pedagógicas que concebem o processo criativo com um formato individual e descontextualizado, desconsiderando as construções de um sujeito sócio-historico. Em sala de aula, observa-se muitas vezes a ausência de um clima que propicie o desenvolvimento criativo e as pessoalidades do grupo. Criar significa poder compreender o compreendido em novo nível de consciência. Significa poder condensar o novo entendimento em termos de linguagem [...]. Assim, a criação depende tanto das convicções internas da pessoa, de suas motivações, quanto de sua capacidade de usar a linguagem no nível mais expressivo que puder alcançar, este fazer é acompanhado de um sentimento de responsabilidade, pois se trata de um processo de conscientização [...] (OSTROWER, 1990, p. 28).

A Arte cria mundos por meio da sua linguagem, para mostrar tudo que 20


somos, sonhamos, amamos, odiamos, queremos transformar. A imaginação se desenvolve a partir do contato do sujeito com a natureza e com a cultura. O conhecimento de si também é essencial. A Arte pode e deve ser provocadora de ações que contribuam para desenvolver a imaginação, facilitando e enriquecendo a relação do aluno consigo mesmo, com o outro e com a realidade. Uma mente imaginativa trabalha também a partir de um repertório que articula ideias. Alunos com maior repertório cultural e vivência sensível podem ser mais criativos. “Se o mundo do futuro se abre para a imaginação. O mundo do passado é aquele no qual, recorrendo às nossas lembranças, podemos buscar refúgio dentro de nós mesmos, debruçar-nos sobre nós mesmos, e nele reconstruir nossa identidade”. (BUORO, 2002, p. 56) O olhar que lê a Arte abrange a sensibilidade e a inteligência do sujeito, em todas as dimensões da vida. Ler essa linguagem universal depende, em parte, de um investimento na formulação do olhar. Das imagens, nosso olhar pode retornar ao mundo e a sua complexidade com uma atitude muito mais humanizada. Olhar o trabalho em sua universalidade, a partir da linguagem da Arte, pode levar a novas compreensões sobre a vida. Entendo que o desenvolvimento do processo criativo na formação do aluno e busca pela identidade é importante pelo que contribui tanto para sua humanização, quanto para a compreensão de um ser, estar cultural, sendo o ensino da Arte um dos campos privilegiados para desencadear estas funções. Possibilita um modo único de despertar a consciência e novos modos de sensibilidade. O fazer artístico, aliado à educação dos sentidos e ao saber ver e apreciar pode resultar na construção de uma consciência estética capaz de captar mudanças e impulsioná-las. “Através da apreciação e da decodificação de trabalhos artísticos, desenvolvemos fluência, flexibilidade, elaboração e originalidade - processos básicos da criatividade [...]” (BARBOSA, 1998, p. 18). O ciclo criador não se esgota no fazer. Remete também à apreciação e leitura de imagens, aponta para uma outra visão da criatividade, abrindo caminho para um olhar diferenciado sobre o processo criativo, até então centrado na produção. Se, por um lado, o estímulo à individualidade e subjetividade deve ser 21


valorizado, por outro, é preciso levar em conta que os processos criativos se tecem com a multiplicidade de experiências e conhecimentos que habitam o sujeito, construídos a partir da convivência nos vários espaços sociais como a escola. “[...] Se a criatividade é um dom individual, o ensino da Arte não é necessário [...]” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 54). A permanência dos equívocos, tanto do talento individual quanto da precariedade das práticas artísticas, concorre para distorcer a função da Arte na educação. Estas concepções levam ao entendimento de que a Arte tem uma importância

marginal

para

a

formação

artística

das

pessoas,

gerando

consequências negativas no que se refere ao grau de valoração social que se da à Arte e aos artistas. Na esteira desta concepção, se estende o conceito que a escola vai formatando (ingênua ou intencionalmente) sobre o que seja o ato de criar: se é um talento nato, no qual a educação pouco pode interferir ou, se é um processo singular, tramado com e no tecido social e que se instaura e se expande à medida que se constrói. A Arte na educação como expressão pessoal, através de processos criativos é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. É possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao aluno analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. O conceito de criatividade também se ampliou. Pretende-se não só desenvolver a criatividade por intermédio do fazer Arte mas também pelas leituras e interpretações das obras de Arte. A elaboração e a flexibilidade são extremamente valorizadas. Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores, desenvolvidos pelo fazer e ver Arte, fundamentais para a sobrevivência no mundo cotidiano. Desse modo, despertar a sensibilidade dos alunos por meio de processos criativos é aguçar a curiosidade e colocá-los frente a desafios para que percebam que isso implicará em autoconhecimento e realização. Assim, eles adquirirão confiança em seus valores individuais. 22


Na verdade, a educação do sensível, configura um vasto território, território do qual, sem dúvida, deve fazer parte a Arte educação, como uma de suas componentes. Portanto, nos largos domínios da educação do sensível, acha-se compreendida a educação estética, tomando-se aqui o termo “estética” com o sentido restrito que ele acabou adquirindo em nossos dias, ao dizer respeito mais especificamente a Arte e a sua apreensão por um espectador, num dado contexto histórico e cultural. Portanto, a relação sensível, estética, com a nossa realidade, deve constituir o solo a partir do qual podem crescer e melhor se desenvolver as plantas da percepção artística (ou estética da vida). O pleno sentimento da vida implica em que tentemos capturá-la e, assim, compreendê-la, de todas as maneiras possíveis, lógicas e estéticas, intelectuais e estéticas, científicas e artísticas. Não há porque privilegiar-se uma única e exclusiva maneira de contato com a realidade, feito intentado pela lógica da modernidade ao longo desses últimos séculos. E tal consideração se dirige especialmente a essa tendência do “ensino de Arte” que vem se firmando entre nós, a qual tem se prendido muito mais ao discurso teórico e interpretativo do fenômeno estético do que valorizado a capacidade sensível dos educandos, capacidade que nunca poderá se reduzir a um encadeamento de conceitos e de reflexões teóricas. É preciso despertar e treinar a sensibilidade, a atuação dos sentidos, na vida que se vive. Obras de Arte, consagradas a não, apenas ganham significação na medida em que podem ser vinculadas a vida e as experiências efetivamente vividas pelas pessoas. E tais experiências precisam ser estimuladas e desenvolvidas, num modo, sobretudo sensível, antes de intelectual. A educação do sensível significa muito mais eu o simples treino dos sentidos humanos para um maior deleite face às qualidades do mundo. Consiste, também e principalmente, no estabelecimento de bases mais amplas e robustas para a criação de saberes abrangentes e organicamente integrados que se estendam desde a vida cotidiana até os sofisticados laboratórios de pesquisas. Educar primordialmente a sensibilidade constitui algo próximo a uma revolução nas atuais condições do ensino, mas é preciso tentar e forçar sua passagem através das brechas existentes, que são estreitas, mas podem permitir alargamentos. É preciso, para tanto, que nos reorientemos, que aceitemos e reconheçamos como saberes e conhecimentos muito mais do que aquilo fornecido 23


pela ciência. E ainda, que estejamos dispostos a alterar a nossa escala de valores, que ora coloca em primeiro plano tanto a instrumentalidade dos meios quanto os egoístas ganhos materiais que ele nos possibilita, em detrimento de uma série de qualidades vitais a nós e à natureza. Não podemos caminhar nessa direção até termos feito mudanças radicais de orientação, de maneira que possamos valorizar a alma antes da mente, a imagem antes do sentimento, a cada um antes do todo, e o imaginar antes do conceber, a coisa antes do significado, o reparar antes do conhecer, a retórica antes da verdade, o animal antes do humano, o anima antes do ego, o quê e quem antes de por quê? Teríamos de abandonar jogos tais como sujeito-objeto, esquerda-direita, interiorexterior, masculino-feminino, imanência-transcendência, mente-corpo, todo o jogo das oposições. (*HERNÁNDEZ, 2000, p. 82)

A educação da sensibilidade necessariamente pressupõe uma educação sensível, isto é, um esforço educacional que carregue em si mesmo, em termos de métodos e parâmetros, aquela sensibilidade necessária para que a dimensão sensível dos educandos seja despertada e desenvolvida. A educação precisa ser suficientemente sensível para perceber os apelos que partem daqueles a ela submetidos, mais precisamente de seus corpos, com suas expressões de alegria e desejo, de dor e tristeza, de prazer e desconforto.

24


Iberê Camargo. A idiota, 1991. Fonte: http// www.iberêcamargo.org.br

25


3. CAPÍTULO 3 3.1 Identificação

Dados da Escola: Escola Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel. Endereço: Despique – Pareci Novo Nº de Alunos: 174 Ensino Fundamental: Jardim a 8ª série Ano: 2009 Diretora: Rosa Schuster Vice-diretora: Maria Valdéte Mendel Klein Períodos de arte semanais: 2 (dois)

3.2 Histórico

Conforme o regimento escolar a Escola Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel tem a seguinte filosofia: “Sendo a escola um espaço coletivo, é preciso que esta seja um espaço democrático, onde cada um faz a sua parte para o bem estar de todos”. A preocupação maior da escola é com a formação do caráter do aluno, preparando-o para a vida, tendo como eixo principal a construção de uma sociedade fraterna, consciente e lúcida onde a educação esteja ao alcance de todos e a serviço do desenvolvimento. Com todas as atividades recreativas e culturais existentes, a comunidade, principalmente os pais, professores e pessoas ligadas a grupos assistenciais, preocupam-se com o uso de drogas em particular com as chamadas drogas lícitas. Quanto aos princípios educacionais, a escola José Pedro Mendel é centrada: Da gestão democrática e das práticas educativas interativas, pautadas por relações dialógicas e de respeito. Das metodologias interdisciplinares e contextualizadas, que dão significado e sentido ao aprendizado. 26


Da escola como espaço de inclusão, de socialização e de construção coletiva do conhecimento. Do respeito à criação e à ciência construída pela humanidade. Da valorização da experiência extracurricular. Do trabalho em equipe e da liderança positiva no grupo. Do respeito e da convivência social saudável. Da educação como processo permanente de formação de sujeitos autônomos, com posição crítica frente às desigualdades e injustiças sociais.

3.3 Caracterização

A Escola Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel está situada na localidade de Despique, zona rural da cidade de Pareci Novo. Conta com um quadro de 20 funcionários, 15 professores do Jardim até 8ª série, a diretora Rosa Schuster, a vice-diretora Maria Valdéte Mendel Klein, uma secretária, três funcionárias para serviços gerais e uma orientadora. Sendo que a diretora e a vice também atuam como professoras. O corpo discente é composto por 174 alunos.

3.4 Avaliação

Em sua prática pedagógica a escola entende que o aluno será observado em seu rendimento escolar mediante os seguintes critérios: - Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os quantitativos. - Possibilidade de avanço nas séries, mediante verificação de aprendizado. - O resultado da avaliação será expresso através da soma das notas obtidas até um máximo de cem pontos, sendo a seguinte distribuição por trimestre: 1º trimestre = 30 pontos 2º trimestre = 30 pontos 3º trimestre = 40 pontos As notas de cada trimestre serão expressas em forma de número inteiro. Para ser considerado aprovado o aluno deverá atingir, no mínimo 60 pontos, ao final do ano letivo. 27


A frequência mínima exigida para aprovação será de 75% do total das horas letivas.

3.5 Análises das observações silenciosas

Analisando as observações silenciosas realizadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel, é possível primeiramente perceber que os alunos daquela turma, possuem características pessoais em comum. Características próprias da fase da adolescência em que se encontram, tais como: curiosidades, dúvidas, sonhos, frustrações e incertezas. O que pôde ser observado principalmente quando no final de cada atividade, os alunos sentiam grande necessidade de comparar os seus trabalhos com os dos demais colegas de classe. Notei também que os alunos não querem mais realizar atividades repetitivas que já vinham fazendo nas séries anteriores, como cestinho de Páscoa, por exemplo, tanto que alguns alunos recusaram-se a fazê-lo. Acredito que é preciso estimular e oportunizar a estes adolescentes vivenciar e experimentar Arte, como forma de despertar a consciência e novos modos de sensibilidade. Neste sentido, creio que através do fazer, da experimentação, do vivenciar um processo criativo, possamos dar oportunidade aos alunos para desenvolver através da prática, um sentido, um simbolismo significante em cada aula. Assim, os adolescentes passarão a encontrar no ensino de Artes possibilidades de

extravasarem

sentimentos,

reconhecendo

potencialidades,

construindo

conhecimentos pessoais e conhecimentos sobre o mundo, tornando-se sujeitos críticos, autônomos, criativos e perceptivos.

28


Luis Braga. Miriti Bonecos danรงando, 2001. Fonte: http://www.artenaescola.org.br

29


4. CAPÍTULO 4 Título: Adolescências All Star: memórias buscando identidades. Aluna: Tatiana Heck Machado Escola: Municipal de Ensino Fundamental José Pedro Mendel Turma: 6ª série – 26 alunos Palavras-chave: Adolescentes- Infância- Memórias- Identidade. 4.1 TEMA O adolescente se afasta da identidade infantil e vai construindo pouco a pouco uma nova definição de si mesmo. Trata-se, na verdade da passagem do mundo infantil para o mundo adulto. O amor, a amizade, o trabalho, a escola, a família e o projeto de vida constituem-se em grandes questões cujo ponto central é a identidade: Quem sou eu? Como sou eu? Qual o meu valor? Quem me valoriza? O que quero? O que quero ser? Para tanto ele precisa aprender sobre si e sobre o mundo, através da experimentação, do fazer, do vivenciar a Arte. Enfim, a questão da identidade foi o tema desenvolvido em meu estágio. 4.2 JUSTIFICATIVA Durante as minhas observações realizadas na 6ª série, tentei traçar um perfil dos adolescentes daquela turma e me fiz à seguinte pergunta: Quem são estes adolescentes? Quais as suas características? São estes adolescentes diferentes dos demais?Fui então, percebendo as semelhanças entre aqueles que se encontram nesse período de transformações e emoções intensas a que denominamos adolescência. Para aqueles adolescentes, esta é uma passagem caracterizada por uma crise de identidade na qual se debatem entre questionamentos relativos ao corpo, aos valores existentes, às escolhas que devem fazer, ao que exigimos deles, ao seu lugar na sociedade.

30


4.3 OBJETIVO GERAL •

Reconhecer através das suas marcas pessoais e de grupo, a afirmação

da

identidade,

da

subjetividade,

extravasando

pensamentos, sentimentos e emoções. 4.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS •

Identificar as necessidades e limites, valores pessoais, dificuldades e potencialidades dos alunos. Refletir sobre a autoestima e os fatores que a afetam.

Facilitar a percepção de si mesmo.

Refletir sobre adolescência, seus ganhos e suas perdas, descobrir diferenças e semelhanças entre as experiências individuais.

Reconhecer

as

qualidades

da

própria

cultura,

valorando-as

criticamente, enriquecendo a vivência de cidadania. •

Explorar novas reflexões e novas experiências com materiais e suportes diversos, que possam levar os alunos a terem suas vivências artísticas, no desafio de promover descobertas pessoais e do grupo.

Adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeito necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista.

Estimular

a

reflexão

e

a

revisão

de

valores,

atitudes

e

comportamentos, levando-os a novas formas de ser. •

Identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro.

Ampliar a percepção de si e do outro no processo grupal.

Desenvolver a imaginação, facilitando e enriquecendo a relação do aluno consigo mesmo, com o outro e com a realidade. 31


Ampliar e aprofundar o olhar sobre a vida, a partir de um tema dramático, de sentimentos agradáveis ou desagradáveis.

Incentivar os alunos a ampliarem seus modos de ver o mundo por meio do olhar do artista.

Viabilizar o respeito à expressão individual do aluno, levando o grupo a um processo criador.

Ampliar o repertório de imagens e de pesquisa pessoal.

Expressar suas percepções e conhecimentos através do desenho.

Possibilitar a reflexão, a pesquisa para a produção e a ampliação cultural.

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1ª AULA: 28/08/09 PLANEJADO OBJETIVO: Aprofundar a percepção de si mesmo. CONTEÚDO: Autorretrato com percepção de motivações que interferem nos pensamentos, sentimentos e ações. DESENVOLVIMENTO: Os alunos deverão desenhar uma figura humana de frente, da cabeça aos pés, em uma folha tamanho A3. Ao terminar, olhar para a figura, entrar em contato com ela, dar-lhe uma identidade, uma vida e um nome. Irão ganhar uma folha com as perguntas e deverão respondê-las, cada um no seu desenho. •

Saindo da cabeça do personagem, fazer um balão com três idéias que ninguém ira mudar.

Saindo da boca, fazer um balão com uma frase que foi dita e da qual se arrependeu e outra que precisa ser dita e ainda não foi.

Do coração, sair uma seta, indicando três paixões (não precisa ser necessariamente alguém, podendo tratar-se de uma idéia, uma atividade, etc.).

Na mão direita do personagem, escrever um sentimento que este tem para oferecer.

Não mão esquerda, escrever algo que ele tem necessidade de receber.

No pé esquerdo, escrever uma meta que deseja alcançar.

No pé direito, escrever os passos que precisa dar em relação a essa meta. Entregar a atividade.

REALIZADO

33


Hoje foi minha primeira aula na Escola José Pedro Mendel, a qual iniciou às 07h30min da manhã. A professora entrou comigo na sala e apresentou-me para os alunos, disse: - Lembram da Tatiana? Seguiu realizando a chamada, vinte e cinco alunos estavam presentes e um ausente. Expliquei como seria a atividade. Os alunos utilizaram folhas tamanho A3, lápis e borracha para desenhar e lápis de cor e giz de cera para colorir. Um dos pontos mais interessantes que observei foi que ao fazer o desenho solicitado e lhe dar vida, cada adolescente ia refletindo sobre si mesmo. Alguns alunos são bastante ativos, deixando a turma agitada.

Figura: 1. Fonte: Heck, 2009.

Ao analisar os desenhos feitos pelos alunos pude perceber que muitos desenhos não possuem proporção, por exemplo, pelo fato de desenharem 34


cabeças grandes em relação aos corpos (fig.1). Em outro desenho (fig. 2), não há proporção entre os braços e pernas. Segundo (Edwards, 2003) as partes que são importantes (ou seja, que propiciam informações essenciais), ou as partes que decidimos serem maiores, ou as partes que achamos que deveriam ser maiores, nós as vemos como sendo maiores do que de fato são.

Figura: 2. Fonte: Heck, 2009.

“O desenho como meio de expressão canaliza as energias de forças invisíveis. A mão e a mente devem estar em sintonia com as forças que estão sendo expressas.” (BEWYS, Joseph. 2003 p.69).

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2ª AULA: 04/09/09 PLANEJADO OBJETIVO: Avaliar e fortalecer os laços afetivos dentro do grupo. CONTEÚDO: Reflexão sobre os sentimentos de cada aluno e a sua relação com as aulas e os demais colegas. DESENVOLVIMENTO: Cada aluno receberá quatro folhas de papel ofício tamanho A4. Solicitarei que numa das folhas façam o contorno de uma mão e noutra, o de um pé. Desenhar nas demais folhas um coração e uma cabeça, respectivamente. Escrever no pé desenhado o que você proporcionou para o andamento da turma. Escrever dentro da mão desenhada o que você possui para oferecer à turma. No coração, colocar o sentimento em relação à turma. Na cabeça, as idéias que surgiram na convivência com a turma. Deverão formar quatro grupos. Cada um destes recolhe uma parte do corpo (pés/mãos/coração/cabeça), discute as idéias expostas, levantando os pontos comuns. Farão um painel por grupo, utilizando todos os desenhos da parte do corpo que lhe coube, evidenciando os pontos levantados anteriormente. Cada grupo apresenta seu painel.

REALIZADO A professora Rosa fez a chamada, todos os alunos estavam presentes. Distribui as folhas para os alunos, em seguida expliquei como seria a atividade. No momento do desenho a aula foi tranquila, apenas na formação dos grupos houve certa desorganização e tumulto. 36


A professora Rosa, ao me observar, achou muito pertinente o assunto por mim trabalhado, dizendo que veio a calhar em um momento muito oportuno, considerando o comportamento geral da turma. Os demais professores pediram que eu deixasse exposto na sala, os painéis construídos pelos alunos, porque após a aula de Artes haveria uma palestra sobre o comportamento dos alunos. É interessante observar como o grupo evidencia a questão da bagunça, sendo este o quesito mais lembrado por eles, o que culmina com as palavras de Serrão e Baleeiro (1999, p. 75), ao escreverem que a “consciência de si mesmo, das qualidades pessoais, constituem no ponto inicial para o adolescente afirmar sua identidade.” Quando questionados sobre o que proporcionaram para o andamento da mesma, a maioria dos alunos escreveu sobre a amizade. Também no desenho da cabeça, onde eles deveriam colocar as idéias que surgiram na convivência com a turma, a grande maioria citou a bagunça. Analisando os desenhos feitos pelos alunos, percebo que eles ainda se utilizam de estereótipos, como vemos no desenho do rosto (fig. 5). Conseguir desenhar a semelhança de um rosto, mostrar o aspecto exterior, de tal forma que a pessoa por trás da máscara seja revelada ao observador, sempre pareceu um objetivo valioso para muitos artistas. Como qualquer desenho de um assunto detalhadamente estudado, o retrato não revela apenas a aparência e a personalidade do modelo: revela também a alma do artista. (EDWARDS, 2003, p.182).

Um dos problemas com o que vemos vem da capacidade que o cérebro tem para modificar informações visuais com a finalidade de encaixar as que chegam a conceitos ou crenças preexistentes. As partes que são importantes, ou as partes que achamos que deveriam ser maiores, nós as vemos como sendo maiores do que de fato são. As partes que não são importantes, ou que achamos que deveriam ser menores, nós as vemos como sendo menores do que de fato são.

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Figura: 3- Fonte: Heck, 2009.

Figura: 4. Fonte: Heck, 2009.

38


Figura: 5. Fonte: Heck, 2009.

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3ª AULA: 18/09/09 PLANEJADO OBJETIVO: Facilitar o autoconhecimento. CONTEÚDO: Desenho de figura humana. DESENVOLVIMENTO: Cada aluno receberá uma folha de papel ofício tamanho A4, onde deverá desenhar uma figura humana, criando um personagem com nome, idade e características físicas. Estes dados serão anotados atrás da folha com o desenho. REALIZADO Na semana passada (11/09/09) os alunos não tiveram aula devido a um passeio realizado pela escola. Como de costume, hoje, dia 18/09/09, a professora Rosa entrou comigo na sala de aula às 7h 30 min. da manhã e realizou a chamada. Todos os alunos estavam presentes. Distribuí as folhas e pedi que iniciassem os desenhos. Apesar de a turma estar bastante agitada, os alunos logo atenderam minha solicitação.

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Figura: 6. Fonte: Heck, 2009.

41


Figura: 7. Fonte: Heck, 2009.

Durante a realização da atividade, os alunos faziam perguntas do tipo: - Eu posso criar o personagem que eu quiser? - Posso me inspirar em alguém que conheço? Durante a aula de hoje, os alunos realizaram os desenhos, pintaram-nos, criaram nomes, deram as características, mas faltou tempo para escreverem sua história. A segunda etapa da atividade será concluída na próxima aula. Quanto aos desenhos, penso que os problemas ainda estão nas proporções das medidas. Como podemos observar nas imagens acima aparecem braços 42


extremamente longos, pernas curtas em relação ao tronco (fig. 6), e braços extremamente finos e compridos (fig. 7). A autora Betty Edwards escreveu sobre a importância da proporção no desenho:

Todo desenho envolve proporção, seja o desenho de uma natureza morta, de uma paisagem, de uma figura humana ou de um retrato. A proporção é importante mesmo se o estilo da obra for realista, abstrato ou completamente não-identificável (ou seja, sem formas reconhecíveis para o mundo exterior). O desenho realista, especificamente, depende muito de proporções corretas. A razão para sofrermos estes enganos na percepção de proporções provavelmente se origina em nosso conhecimento do efeito que a distância exerce sobre o tamanho aparente das formas. (EDWARDS, Betty. 2003 p. 184).

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4ª AULA: 25/09/09 PLANEJADO OBJETIVO: Facilitar o autoconhecimento. CONTEÚDO: Desenho de figura humana. DESENVOLVIMENTO: Dando continuidade à atividade da aula passada, cada aluno deverá escrever a história de seu personagem. Depois, reunidos em grupo, deverão apresentar seu personagem aos colegas, dizer o nome, idade, características e contar sua história. A partir daí criar uma nova história comum no grupo, da qual façam parte todos os personagens. A forma de apresentação poderá ser variada, com dramatizações, mímicas ou desenhos. Deverão responder às perguntas dadas pela professora: •

Que personagem mais chamou à sua atenção? Por quê?

Que personagem tem alguma coisa a ver com você? Quais os pontos que você tem em comum com ele?

Em que personagens você reconhece pessoas da turma? Identifiqueas.

Tarefa de casa: Cada aluno deverá manchar uma cartolina, com tintas espessas de cores variadas. Deverão usar pincéis largos, buchas ou esponjas. Trazer na próxima aula. Também uma tesoura e cola.

REALIZADO Hoje, dia 25/09/09, é minha oitava aula nesta turma. Como de costume eu e a

professora Rosa entramos juntas na sala. Ela realizou a chamada, todos os

alunos estavam presentes. Eu disse aos alunos que continuaríamos a atividade da aula passada, onde eles deveriam escrever uma história para o personagem que criaram. Pedi que se 44


reunissem em grupos de no máximo cinco colegas. Cada um deveria apresentar seu personagem ao grupo, dizer o nome, idade, características e falar um pouco da sua história. Depois que todos apresentaram, deveriam criar uma história em comum no grupo, da qual participassem todos os personagens. Os alunos ficaram muito entusiasmados com o desafio e logo começaram a discutir a melhor maneira para apresentar. Cada grupo criou a sua história, ensaiaram e iniciamos as apresentações. Todos optaram por dramatizar. Sobre os desenhos, na figura 8 a cabeça está muito pequena e as pernas estão muito curtas, na figura 9 todo o corpo está desproporcional em relação à cabeça, além de braços e pernas muito finos, percebo analisando a produção dos alunos, que ainda persiste a dificuldade de proporção nos desenhos. “Fayga Ostrower ao escrever sobre a forma expressiva, nos explica que a mesma é um conjunto orgânico, interligado coerentemente em suas várias partes componentes. Nessas interligações há uma íntima razão de ser, uma relação constante, uma proporção. Mais do que apenas fator estético, a proporção deve ser entendida como fator estrutural na disposição das partes, fator da maior importância para a ordenação interior da forma e seu sentido expressivo.” (1983, p.280). Logo após as apresentações os alunos responderam as questões dadas pela professora. Questionados sobre o personagem que mais havia lhes chamado a atenção, a maioria respondeu que foi a vovó (fig. 9), devido a sua idade (99 anos) e toda uma rotina invejável que vive. Os alunos fizeram comparações entre as pessoas idosas de hoje e de antigamente, lembraram histórias que seus pais lhes contaram. Na segunda questão, onde deveriam relacionar algum personagem que tivesse algo a ver consigo mesmo, os meninos citaram o futebol e as meninas a maneira de se vestir. Quando questionados se haviam personagens em que reconheciam pessoas da turma, lembraram de alguns colegas brigões e que não gostam de estudar. O que confere com o texto das autoras Margarida Serrão e Maria Clarice 45


Baleeiro (1999, p.89). Segundo elas “ao criar histórias e personagens, os adolescentes estão falando de si mesmos e é muito interessante fazê-los falar dos sonhos e das fantasias, dando-se conta de todo um repertório que é só seu e que alimenta seus desejos.”

Figura: 8. Fonte: Heck, 2009.

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Figura: 9. Fonte: Heck, 2009.

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5ª AULA: 02/10/09 PLANEJADO OBJETIVO: Relacionar imagens com a infância. CONTEÚDO: Memória visual, recorte. DESENVOLVIMENTO: Pedirei aos alunos que lembrem a imagem de um brinquedo com o qual brincavam. Cada um deverá procurar resgatar as brincadeiras que fazia com ele (movimentadas/paradas, rápidas/lentas, no chão/ no ar/ na água, individuais / em grupos). As folhas pintadas com tinta serão recortadas com tesoura nos formatos desses brinquedos lembrados. Depois deverão realizar a montagem dos recortes em papel kraft, formando um grande painel. Realizarei uma leitura dos trabalhos com a turma, deixando o autor do trabalho lido para falar por último, percebendo com o grupo como as memórias se tornaram imagens. Os trabalhos serão expostos. Material para a próxima aula: Revistas, jornais, tesoura e cola. REALIZADO 02 de outubro de 2009, minha décima primeira aula na 6ª série do ensino fundamental. Às 7 h30 min a aula iniciou. Eu e a professora Rosa entramos na sala, logo em seguida ela realizou a chamada e sentou-se. Verifiquei com os alunos se todos haviam trazido o material solicitado na aula anterior, três não trouxeram. Como eu já imaginava que isto poderia acontecer, levei três cartolinas já pintadas comigo. 48


Em seguida, pedi aos alunos que lembrassem a imagem de um brinquedo com o qual brincavam, algum que tivesse sido mais significativo, que estivesse até hoje em suas memórias. O caminho mais fácil para o entendimento entre o educador e o adolescente é a história de vida. É preciso saber um pouco da história da infância do adolescente para conhecer suas potencialidades e dificuldades. Esse conhecimento facilita o diálogo entre adolescente, educador e grupo. (SERRÃO, Baleeiro, 1999, p.25).

A turma ficou pensativa, alguns faziam comentários, eu disse que aquele momento era apenas para recordarem, mas ainda não era para comentarem. Quando a turma já havia resgatado na memória o brinquedo, solicitei que se lembrassem das brincadeiras que faziam com ele, um aluno perguntou: - Como assim profe, se eu brincava sozinho ou com algum amigo? Esclareci para a turma que deveriam lembrar se as brincadeiras eram movimentadas/paradas, rápidas/lentas, no chão/no ar/na água, individuais/em grupos. Após resgatarem estas lembranças, expliquei que deveriam recortar as folhas pintadas com tinta, nos formatos dos brinquedos lembrados e realizar um montagem em papel kraft de toda a turma. Quando a turma havia concluído esta etapa da atividade, disse que agora havia chegado à vez deles falarem sobre os brinquedos. Um a um foi apontado por mim e perguntei para os alunos o que eles lembravam sobre cada brinquedo. Os colegas davam opiniões do tipo: é uma boneca, um carrinho de corrida, uma bola, um carrinho de lomba. Quando todos haviam opinado, o autor do trabalho lido pelos colegas deveria falar sobre o seu brinquedo, de quem havia ganho, se lembrava a idade que tinha ao ganhá-lo, por que era significativo para ele. Os alunos ficaram muito empolgados e envolvidos com esta atividade, surgiram comentários muito interessantes como, por exemplo, alguns alunos que guardaram os brinquedos como relíquias pessoais até hoje. Conforme Norberto Bobbio (2002, p.21) “Se o mundo do futuro se abre para a imaginação, o mundo do passado é aquele no qual, recorrendo às nossas lembranças, podemos buscar 49


refúgio dentro de nós mesmos, debruçar-nos sobre nós mesmos, e nele reconstruir nossa identidade.” Todos os alunos falaram do seu brinquedo e, ao contrário do que eu havia imaginado, eles perceberam que partindo de memórias, haviam construído imagens, conforme um aluno falou: -Nunca imaginei que pudesse reproduzir meu trem tão fielmente.

Figura: 10. Fonte: Heck, 2009.

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Figura: 11. Fonte: Heck, 2009.

Figura: 12. Fonte: Heck, 2009.

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Para finalizar a atividade, levei as imagens “Pássaro de Papelão” de Alfredo Volpi e “Carretel Azul” do artista Iberê Camargo. Mostrei-as aos alunos e estimuleios a falarem livremente sobre elas. Os alunos fizeram comentários como “parece um passarinho”, “acho que ele pintou uma ferradura” (referindo-se à obra de Volpi). Quanto à pintura de Iberê, os alunos identificaram manchas de tinta, como as que eles haviam feito nas cartolinas. Então expliquei aos alunos que a imagem “Pássaro de Papelão” faz parte de uma série de pinturas que Alfredo Volpi realizou sobre o tema “Brinquedos populares.” Perguntei à turma se alguém conhecia algum outro trabalho de Volpi ou se já tinha ouvido falar. Responderam-me que não, então, para falar um pouco sobre o artista, disse-lhes que Volpi é um entre muitos pintores brasileiros que pintam

paisagens,

retratos,

santos,

barcos,

casas,

brinquedos,

mastros,

bandeirinhas. Se caminhássemos na linha do tempo da produção desse artista, veremos que ele começa seu percurso com pinturas figurativas e pouco a pouco passa a produzir pinturas conhecidas como abstratas. Fiz um rápido comentário sobre pinturas figurativas, explicando que nos remetem à semelhança de objetos existentes no mundo: pessoas, animais, paisagens, formas irregulares.

Sobre

pinturas abstratas expliquei aos alunos que não nos remetem à semelhança de objetos existentes no mundo. Falando um pouco sobre a imagem “Carretel azul”, Iberê Camargo parece ter usado camadas grossas de tinta. Pedi aos alunos que tentassem perceber as marcas das pinceladas do artista. E expliquei que assim como Volpi, também Iberê começou pintando imagens que lembram objetos conhecidos. Na série “Carreteis”, podemos perceber o percurso de Iberê, da figuração à abstração. “Carreteis” nasce de uma imagem de infância, que ficou gravada na memória do artista: ele brincava com os carretéis que sobravam das costuras da mãe.

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Figura: 13. Alfredo Volpi, “Pássaro de papelão”, 1955. Fonte: Pasta Arte br.

Figura: 14. Iberê Camargo, “Carretel azul”, 1981. Fonte: Pasta Arte br.

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6ª AULA: 16/10/09 PLANEJADO OBJETIVO: Realizar uma montagem de figuras e desenhos, observando plano de fundo e primeiro plano. CONTEÚDO: Leitura de imagem, recorte e colagem, desenho. DESENVOLVIMENTO: Na semana passada, dia (09/10/09) os alunos não tiveram aula, devido a um passeio realizado pela escola em homenagem ao dia da criança. Levarei a imagem “Duas Raças”, do artista Alfredo Andersen. Pedirei para os alunos olharem atentamente os detalhes: o que vemos no primeiro e segundo planos, o que podemos perceber no fundo, será que podemos ver uma cena interior? Os alunos deverão recortar de jornais e revistas, fotos de paisagens ou ambientes externos (ruas, praças, campos, jardins...). Em grupos de três ou quatro, deverão colar esses recortes sobre folhas de ofício, montando-os sobre um formato retangular, horizontal, vertical, triangular, circular... Isso formará uma nova base (plano de fundo). Sobre essa nova base eles desenharão pessoas em tamanho maior que os primeiros, de modo que formem um primeiro plano sobre o plano de fundo. Os

trabalhos

serão

expostos,

iremos

observar

os

movimentos,

sobreposições, poses, cenas gestos e planos que o conjunto cria.

REALIZADO A aula iniciou às 7h30min. Como de costume a professora Rosa realizou a chamada e dois alunos estavam ausentes. Mostrei aos alunos a imagem “Duas Raças”, do artista Alfredo Andersen (conforme fig.15). Expliquei aos alunos que na pintura, fotografia ou desenho, o primeiro plano 54


é a imagem que está mais à frente, a que dá a ilusão de estar mais próxima do observador. Teríamos assim, primeiro plano, segundo plano, fundo... Pedi para que olhassem atentamente os detalhes e perguntei: - O que vemos no primeiro e segundo planos? O que podemos perceber no fundo será que podemos ver uma cena interior? Os alunos disseram que estavam vendo duas mulheres de cabelos diferentes sobre um fundo com figuras repetidas. Segundo o autor Casimiro Xavier de Mendonça (1998, p.23), “ao pintar de modo singular, o artista mostra a diversidade dos valores, dos indivíduos, das culturas, dos sentimentos, das situações... Desse modo, ele expressa, na Arte, uma infinidade de experiências humanas.

Fig.: 15. Alfredo Andersen, “Duas Raças”, 1932. Fonte: Pasta Arte br.

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Então expliquei aos alunos que no primeiro plano estávamos vendo uma mulher mais próxima de nós. No segundo plano vemos outra mulher um pouco mais distante de nós. No fundo, percebemos um padrão que repete figuras. Pedi aos alunos que observassem novamente que figuras estavam representadas no fundo e que fundo era esse. A turma concluiu que seriam “chineses ou japoneses, pessoas orientais dentro de um ambiente.” Disse-lhes que estavam certos e que na verdade, “Duas Raças” propõe um jogo poético ao nos lançar a dúvida: o título da obra se refere às duas figuras dos dois primeiros planos ou à relação dessas figuras com as imagens do terceiro plano da pintura? Para saber quem somos, é necessário saber das nossas origens e do que nos liga à humanidade. Nossa identidade humana também nos ajuda a entender as diferenças que existem entre etnias, culturas, costumes, religiões e modos diversos de ver o mundo. Num país de muitas culturas como o Brasil, a consciência de quem somos e de onde viemos fundamenta as projeções de futuros. A escola é um lugar privilegiado para fomentar essa discussão e provocar essa consciência. As obras de arte discutem as nossas origens, as diversidades étnicas, culturais, sociais [...] (HERKENHOFF, 1993, p. 32).

Os alunos organizaram-se em grupos, expliquei que deveriam recortar das revistas fotos de paisagens e ambientes externos (ruas, praças, campos, jardins...), sobre as folhas de ofício, deveriam colar as fotos em formatos diferentes, formando um plano de fundo. Sobre essa nova base, eles deveriam colar ou desenhar retratos de pessoas, em tamanho maior que os primeiros, de modo que formassem um primeiro plano sobre o plano de fundo. Os alunos estavam muito empolgados com a montagem das figuras, formando um plano de fundo. Ao realizarem os desenhos das pessoas disseram que, pelo simples fato da figura ser em uma cor mais clara que o fundo, já dava a idéia de primeiro plano. Durante a montagem do trabalho, os alunos tiveram a preocupação de escolherem figuras onde formassem uma paisagem coerente, não a simples escolha e colagem sem a visão do todo.

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Figura: 16. Fonte: Heck, 2009.

Figura: 17. Fonte: Heck, 2009.

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Figura: 18. Fonte: Heck, 2009.

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7ª AULA: 30/10/09 PLANEJADO OBJETIVO: Desenvolver através da obra escolhida, um olhar em direção a uma consciência da importância do trabalho em nossa sociedade e da necessidade de discuti-lo. CONTEÚDO: Conhecendo trabalhadores e seus trabalhos. DESENVOLVIMENTO: Levarei a imagem de Sebastião Salgado “Pés”. Explicarei que a fotografia de Sebastião Salgado, (sem título), pertence ao livro “Terra”. Irei ler para a turma: No livro, o artista escreveu a seguinte dedicatória: “Este livro é dedicado às milhares de famílias de brasileiros sem terra que sobrevivem em acampamentos, improvisados às margens das rodovias, lutando, na esperança de um dia conquistar um pedaço de terra para produzir e viver com dignidade.” Iremos comentar a obra: •

O que vocês vêem na fotografia?

Uma pessoa com três pés?

Três pés que pertencem a duas pessoas diferentes?

Três pés que pertencem a três pessoas diferentes?

Pés muito próximos do nosso olhar?

Será que conseguimos ver os nossos próprios pés com tantos detalhes?

Os pés em close da fotografia de Sebastião Salgado “olham” diretamente para nós.

Eles nos mostram feridos, desgastados, sofridos...

Pés que falam...

Que nos fazem pensar.

Atividade:

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Os alunos deverão pensar nos trabalhos e trabalhadores que conhecem. Nos riscos, nos deveres e nos prazeres das diferentes profissões, cada aluno deverá escolher um trabalho ou um trabalhador. Deverão fazer um desenho bem grande em folha tamanho A3 usando todo o espaço da folha e depois colorir. O tema será esse trabalhador que ele admira ou seu trabalho. REALIZADO A aula iniciou às 7h30min. Como de costume a professora Rosa realizou a chamada e um aluno estava ausente. Iniciei a aula mostrando a imagem de Sebastião Salgado, da série “A luta pela terra.” As pessoas ainda não se dão conta da potência da imagem. Buscamos durante muito tempo uma linguagem universal. Falou-se do esperanto, do inglês, do latim. Finalmente descobrimos a linguagem universal, que é a imagem. A imagem que faço aqui no Brasil vai ser difundida em dez, doze países, sem uma linha de tradução. Qualquer um que ler minha imagem no Japão vai compreender, quem ler minha imagem na Índia vai compreender; realmente é uma escrita, uma linguagem universal. (SALGADO, 2002, p.34).

Figura: 19. Sebastião Salgado, Sem título, 1983. Fonte: Pasta Arte br

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Perguntei à turma o que eles estavam vendo. Surgiram os seguintes comentários: - Acho que são pés de pessoas muito velhas. - Eu acho que elas caminharam demais. - Estou vendo pés de pessoas sofridas, que já trabalharam muito.

“Leitura da obra de arte é: questionamento, busca, descoberta, despertar da capacidade crítica.” (KREMER, 2003, p. 187). Expliquei que a imagem tratava-se de uma fotografia de Sebastião Salgado (sem título), pertencente ao livro “Terra”. Após comentarmos sobre aquilo que estávamos vendo e sentindo, os alunos deveriam pensar nos trabalhos e trabalhadores que conheciam, nos riscos, nos deveres e nos prazeres das diferentes profissões, cada um deveria escolher um trabalho ou um trabalhador. Deveriam fazer um desenho com lápis e borracha em folha tamanho A3, utilizando todo o espaço da folha. O tema seria este trabalhador que ele admira ou seu trabalho. Os alunos faziam alguns comentários entre si, tais como: - Eu vou desenhar meu pai, porque eu quero fazer à mesma coisa que ele. - Vou desenhar minha mãe trabalhando, porque admiro o que ela faz. - Eu quero seguir a profissão do meu tio e ser dentista.

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Figura: 20. Fonte: Heck, 2009.

Figura: 21. Fonte: Heck, 2009.

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Figura: 22. Fonte: Heck, 2009.

Os alunos costumam ficar bastante frustrados logo no início de um desenho, talvez por ser uma etapa sempre difícil. Acho que também é porque os iniciantes costumam acreditar que os desenhos simplesmente fluem das pessoas para o papel. Não é assim. É preciso fazer diversos cálculos relacionais de início, com muita intensidade, e só depois de meio caminho andado, a bem da verdade, já perto de ele ser concluído, é que o desenho começa mesmo a fluir. (EDWARDS, 2003, p.125).

Analisando os desenhos realizados pelos alunos, percebo que a figura humana ainda é estereotipada, o que podemos observar melhor no desenho dos rostos. Comparando-os aos primeiros desenhos percebo uma melhora significativa, mas ainda há um problema com a proporção, como podemos perceber os braços muito longos e as pernas curtas. Porém já possuem uma boa noção de perspectiva nos desenhos. Quanto à proporção Betty Edwards escreveu que:

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Ao fazer uma visualização das proporções de algo que deseja desenhar, você descobre quais são as proporções “lá” no mundo de verdade, e depois, guardando-as na cabeça como uma razão (a sua unidade básica ou “um”- em relação a outra coisa qualquer), torna a fazer uma medição para transferir a proporção para o seu desenho. É claro, no desenho os tamanhos quase sempre estão numa escala diferente (maiores ou menores) do que o que você vê “lá” no mundo de verdade, mas as proporções são as mesmas. (EDWARDS, 2003, p.168).

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CONCLUSÃO Descreverei três questões essencialmente observadas após a aplicação do projeto. Primeiro quanto à escolha do tema identidade na adolescência. Em seguida falo sobre a relevância que acabou sendo dada por mim as questões técnicas, sobre as questões de dimensão simbólica. A terceira questão diz respeito à apropriação do conhecimento por parte dos alunos e como isso me beneficiou e enriqueceu as aulas. Adolescentes gostam de inovar. E quando o assunto é sonho, então... Pensam no futuro e se imaginam fazendo milhões de coisas diferentes, da engenharia aeronáutica ao estrelato do rock. Aliás, essas descrições se encaixam na maioria dos alunos com os quais, primeiramente, realizei as observações silenciosas. A partir disto, apliquei o projeto cujo tema foi justamente a questão da identidade na adolescência. Levando

em

conta

a

idade

dos

alunos,

mas

principalmente

o

comportamento característico da fase da adolescência em que se encontram: meninas com uma preocupação muito grande em relação ao corpo, padrões de beleza (ser magra), roupas da moda (vaidade). Meninos preocupados em provar quem é o mais forte, mais conquistador. Afirmo que, para os adolescentes, a visão do mundo é concebida a partir de desejos, interesses e necessidades individuais. Possuem dúvidas a respeito do futuro, incerteza quanto à profissão. Muitos não sabem se seguem o trabalho no campo como os pais ou se continuam os estudos para seguir outra carreira. Seus desejos e sonhos tomam conta do imaginário. Conquistas e decepções já ocorreram e ainda acontecerão. Em função disso tudo planejei as aulas para esta turma. Fica evidente na descrição das aulas abaixo, que se trata do segundo ponto observado. Ou seja, a relevância das questões técnicas sobre as questões de dimensão simbólica. Durante a atividade prática já na primeira aula, imaginei que os alunos se fixariam na plasticidade dos desenhos realizados. Entretanto isto não aconteceu,


pois à medida que desenhavam iam refletindo sobre si mesmos, transferindo seus próprios desejos, sentimentos¸ angústias e anseios. O que demonstra, portanto que as questões técnicas possuíam um valor secundário. Os alunos fizeram perguntas ao longo da atividade também na terceira aula, como: “Eu posso criar o personagem que eu quiser?” “Posso me inspirar em alguém que eu conheço?” O que até então havia passado despercebido por mim, porque eu havia me fixado demais nos aspectos técnicos dos desenhos, como no tamanho dos braços e das pernas, sem me dar conta que aquele desenho era uma representação do que os alunos consideravam significativo. Ao longo da quarta aula os alunos me mostraram através de relatos de experiências, que possuíam uma bagagem grande de conhecimentos que carregavam na memória. Faziam comparações partindo dos próprios desenhos, entre as pessoas idosas de hoje e de anos atrás, com relação ao trabalho, qualidade de vida, atividades de laser, envolvimento com a família, etc. Lembraram histórias que seus pais lhes contavam, geralmente estas estavam relacionadas à infância deles próprios, uma espécie de comparativo entre a sua infância e a dos filhos. Os alunos traçaram um paralelo sobre rotina de vida que consideram saudáveis e fizeram a estimativa e média de vida de uma pessoa hoje e antigamente. Já na quinta aula, quando solicitei aos alunos que lembrassem as brincadeiras que faziam com seus brinquedos na infância, surgiram os seguintes comentários:

- Como assim profe, se eu brincava sozinho ou com algum amigo? - Me lembrou logo da única boneca com que eu realmente brincava. - Eu só tinha brinquedos velhos, que já eram das minhas irmãs. - Eu não, meu avô me dava todos os carrinhos que eu queria. Comentários que me dão a certeza de que os alunos estavam muito mais envolvidos com o simbolismo do que propriamente com as questões técnicas. Simbolismo implícito nas atividades, mas abstraído pelos alunos e que remete à identidade, tema desenvolvido no projeto. Aqui podemos perceber claramente o surgimento de algo inesperado, que fugiu do meu planejamento. 66


Ao planejar as aulas, minha grande preocupação sempre foi com a dimensão simbólica (aquilo que os alunos iriam abstrair de significativo para eles próprios) oriunda da atividade prática realizada. No decorrer das aulas, no entanto, estas questões foram deixadas de lado e passei a preocupar-me mais com as questões técnicas do desenho, como por exemplo, a proporção, volume, forma, simetria. Fugindo do meu propósito inicial (dimensão simbólica) e dos objetivos do projeto. Esta constatação se deu pela quinta aula. Os alunos resgataram memórias, porque tiveram que pensar nos brinquedos que tinham e nas brincadeiras que faziam com eles. Comparavam situações já ocorridas, por exemplo, se as brincadeiras eram movimentadas ou paradas, rápidas ou lentas, no chão, no ar ou na água, individuais ou em grupos. Reconheceram seus diversos modos de ser e agir tanto na infância, quanto agora na adolescência. Os alunos ficaram muito empolgados e envolvidos com a atividade desenvolvida nesta aula, pois primeiramente deveriam lembrar-se de seu(s) brinquedo(s) preferido(s), depois representá-los através de recorte. Surgiram comentários muito interessantes como, por exemplo, alguns alunos que guardaram os brinquedos como relíquias pessoais até hoje, outros que a mãe possui como objeto de decoração na estante da sala. Todos os alunos falaram do seu brinquedo e perceberam que partindo de memórias, haviam construído imagens, conforme alguns alunos falaram: - Nunca imaginei que pudesse reproduzir meu trem tão fielmente. - Parece que estou vendo a minha boneca. - Este é o carrinho que falei pra vocês aquele que ganhei do meu avô, até a cor ficou parecida. Inicialmente eu estava com certo receio em pedir para que os alunos falassem sobre a sua infância, temendo que sentissem timidez ou vergonha. Isto foi o que eu havia imaginado antecipadamente, mas o que aconteceu foi justamente o contrário, todos falaram com muita alegria e descontração sobre os brinquedos e brincadeiras da infância. 67


Tais questões então passaram a fazer parte do meu planejamento, ou seja, eu comecei a ir para a aula ciente de que diversas questões pertinentes às atividades seriam levantadas e discutidas pelo grupo. O que evidentemente tornou as aulas muito mais interessantes e desafiadoras. Interessantes porque toda a turma interagia de maneira construtiva. E desafiadoras porque as aulas não se limitavam ao que estava descrito nos planejamentos, mas sim a diferentes maneiras, a vários pontos de vista sobre uma mesma questão. Na última aula os alunos observavam os trabalhos dos colegas e faziam comparações dos desenhos com as profissões. Faziam comentários entre si como: “Eu vou desenhar meu pai, porque eu quero fazer a mesma coisa que ele.” “Vou desenhar minha mãe trabalhando, porque admiro o que ela faz.” “Eu quero seguir a profissão do meu tio e ser dentista.” Percebi que cada aluno preocupouse em fazer a ligação entre um elemento significativo para si e o seu desenho, quando a maioria fez questão de retratar o trabalho de alguma pessoa da família, normalmente o pai. Outros se preocuparam em representar aquilo que desejam fazer no futuro quanto à profissão. O que indica a capacidade de vivenciar as possibilidades por meio da imaginação e do desenho. Não mais apenas como sonho distante, como na época de criança, mas levando em conta as reais condições de vida. Com relação ao terceiro ponto observado, a questão da apropriação do conhecimento por parte dos alunos e como isso me beneficiou e enriqueceu as aulas. Hoje vejo que subestimei o interesse e a capacidade dos alunos, pelo fato de inicialmente não ter me dado conta de que teriam suas próprias conclusões e a necessidade de expô-las em grupo. Entretanto partindo das práticas realizadas com a turma, comecei a tomar consciência de que os alunos intervinham e faziam questão de opinar e realizar conclusões sobre os assuntos trabalhados. Ou seja, foram os próprios alunos que conduziram as aulas para um sentido de apropriação do conhecimento. Numa dimensão simbólica e não tão técnica, o que até então eu não havia imaginado e nem descrito no planejamento, mas que no fundo era exatamente onde eu queria chegar.

68


Começaram a se ver capazes de analisar as coisas de maneira ampla. É justamente o que traz grandes implicações para a formação da identidade. É verdade que a forma como cada um se vê e enxerga o mundo é um processo que dura desde o momento em que nascemos até a morte. Na adolescência, entretanto, ele ainda é mais agudo e latente, pois a entrada no mundo adulto está ligada à necessidade de definir valores pessoais, morais, políticos e religiosos. Ao buscar novas referências, o adolescente concebe um universo que, em geral, não bate com a realidade que o rodeia. Por isso a importância de um trabalho em Arte, que possibilite a descoberta de que é possível somar diferenças, que garanta a existência do individual dentro do coletivo, que viabilize a percepção das contradições pessoais e grupais e a construção de novos caminhos numa dimensão simbólica direcionada ao sujeito principalmente o adolescente. Hoje eu vejo como todos estes acontecimentos e imprevistos me foram importantes, pois tive um amadurecimento e crescimento como experiência profissional. Vejo que um planejamento deve ser sempre flexível e levar em conta os interesses e conhecimentos dos alunos. Acredito que olhar o trabalho em sua universalidade, a partir da linguagem da Arte, pode levar os alunos a novas compreensões sobre a vida. Por tudo isso percebo a importância de escrever um projeto, poder desenvolvê-lo com uma turma durante a oportunidade do estágio. Para pensar e enxergar a totalidade das questões, tendo em vista o surgimento de algo novo, outras leituras, que poderão não estar descritas no planejamento. De certa forma, a adolescência é o momento em que quase tudo parece possível. Na vida adulta, quando a maioria das coisas já é realidade e não projeto, o ímpeto de transformação parece se acomodar. Mas, toda vez que nossa imaginação é convocada, readquirimos, mesmo que por um breve momento, uma capacidade que nunca deveríamos ter perdido: a possibilidade de mudar

nossa

vida

e

nosso

mundo.

69


REFERÊNCIAS DE PESQUISA CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. PEREIRA, Antônio Carlos Amador. O adolescente em desenvolvimento. 3ª Ed. São Paulo: Harbra, 2009. TOGNETTA, Luciene. A formação da personalidade ética. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Mercado de letras, 2007. DUARTE, Maria Lúcia Batezat. O Desenho do Pré-adolescente: características e tipificação. São Paulo. 1995.122 p. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes, São Paulo, 1995. BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008. CORRÊA, Ayrton Dutra. O ensino das artes visuais: uma abordagem simbólicocultural. Santa Maria: UFSM, 2006. OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Vozes, 1991. LOWENFELD, Viktor Et BRITTAIN, W.L. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977. http://www.itaucultural.org.br acessado em 03/2009 http://www.museuhistoriconacional.com.br acessado em 03/2009 http://www.ne.org.br acessado em 03/2009 http://www.iberecamargo.org.br acessado em 04/2009 http://www.artenaescola.org.br/planeje.php acessado em 03/2009


http://www.pinturabrasileira.com/artistas acessado em 03/2009 http://www.escritoriodearte.com/Alfredo-Volpi acessado em 04/2009 http://www.pitoresco.com.br/Andersen acessado em 04/2009 http://www.brasilcultura.com.br/museu-alfredo-andersen acessado em 04/2009

71


APÊNDICE


QUESTIONÁRIO COM A DIRETORA

73


74


75


76


QUESTIONÁRIO COM A PROFESSORA

77


78


79


80


QUESTIONÁRIO COM A ORIENTADORA

81


82


83


84


QUESTIONÁRIOS COM OS ALUNOS

85


86


87


88


89


90


ANEXO


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