Caçadores de mitos visuais

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA/Canoas/RS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS Andressa Souza da Silva

CAÇADORES DE MITOS VISUAIS

Canoas/RS. 2010


Andressa Souza da Silva

CAÇADORES DE MITOS VISUAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado (a) em Artes Visuais, pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil. Orientadora: Ma. Ana Lúcia Beck.

Canoas/RS. 2010


RESUMO O presente trabalho foi desenvolvido a partir da pesquisa e aplicação do projeto educativo de ensino “Caçadores de Mitos Visuais” envolvendo alunos da 6ª série do ensino fundamental de uma escola da rede pública do Rio Grande do Sul, no município de Cachoeirinha. O tema a ser desenvolvido no projeto foi “mitos visuais na contemporaneidade”, ou seja, uma reflexão baseada em autores como Joseph Campbell, Roland Barthes e Carl G. Jung sobre a realidade mítica contemporânea a partir da cultura visual jovem. Este foi escolhido através de um desdobramento da preocupação com a educação estética dos indivíduos. O fato é que hoje em dia há uma explosão de imagens das mais variadas por todos os lados. Porém, a maioria das pessoas permanece anestesiada perante elas, ignorando as significações que estas carregam consigo. As questões principais foram identificar onde, nesta ampla cultura visual, se encontram as mitologias contemporâneas, do que elas se constituem em termos ideológicos, qual a influência exercida sobre os alunos, e o que resulta disto tudo. Além de instigar uma reflexão sobre a importância das artes visuais neste contexto. O objetivo foi promover a transcendência dos alunos sobre o tema, ou seja, contribuir na formação de cidadãos esteticamente conscientes e integrados à cultura. A metodologia de ensino foi propor exercícios de confronto e de interação com algumas mitologias contemporâneas, procurando desenvolver a compreensão estética e a imaginação dos alunos. Além de diversos outros autores, as teorias de Fernando Hernández e Abigail Housen deram base para o planejamento do projeto. Resultaram da prática de ensino diversas situações e respostas inusitadas, muito diferentes das expectativas iniciais. Uma importante questão, que se fez visível no decorrer da prática e na reflexão ao fim desta, foi que tipo de mito estava realmente sendo “caçado” no projeto. Esta percepção levou a uma profunda reflexão sobre o que se deve almejar como educadora e o que é, sem ilusões, sucesso para um projeto de ensino em arte-educação. Palavras-chave: Contemporaneidade.

Mitologia.

Cultura

visual.

Educação

estética.


AGRADECIMENTOS Aos meus professores orientadores de estágio, Dr. Celso Vitelli, Ma. Jurema R. Trindade e Ma. Ana Lúcia Beck, que foram excelentes auxiliares mágicos ao fornecerem amuletos e sábias palavras para que eu pudesse seguir esta aventura e tirar dela o máximo proveito. À Rosani, pelo seu enorme apoio e hospitalidade em me receber como estagiária. À diretora e às coordenadoras da Escola E.E.M. Guimarães Rosa, que prontamente me receberam assim que cheguei. Ao Gustavo, por sua paciência, compreensão e amor, que por muitas vezes não permitiu que eu me afastasse da realidade, me ajudando a entendê-la por uma perspectiva diferente. À Heloísa, pelas idéias e experiências compartilhadas, além da amizade que tanto prezo. À Melissa, que me ajudou a manter a lucidez, e a restaurar minha força e entusiasmo. Aos meus alunos, que afinal de contas foram os principais colaboradores deste estágio, mesmo que talvez não se deem conta disto. Aos meus pais, pela paciência e suporte fundamentais. Aos familiares, professores, colegas, amigos e conhecidos, pelo apoio moral.


O real da vida se dá, nem no princípio e nem no final. Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Guimarães Rosa


SUMÁRIO INTRODUÇÃO

1

1. MITOS VISUAIS NA CONTEMPORANEIDADE

4

1.1. MITO E SEMIÓTICA

6

1.2. OS MITOS NA CULTURA VISUAL JOVEM CONTEMPORÂNEA

8

1.3. AS ARTES VISUAIS EM CONFRONTO COM OS MITOS

13

2. MITO, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO ESTÉTICA

17

2.1. COMPREENSÃO ESTÉTICA DA CULTURA VISUAL

18

2.2. INTERAÇÕES COM AS MITOLOGIAS NATURAIS

23

2.2.1. Processos Criativos

24

3. DIÁLOGO COM A ESCOLA

27

4. PRÁTICA DE ENSINO

32

AULA 1

34

AULA 2

37

AULA 3

40

AULA 4

43


AULA 5

46

AULA 6

51

AULA 7

54

AULA 8

57

AULA 9

62

AULA 10

67

AULA 11

69

AULA 12

72

AULA 13

75

CONCLUSÃO

77

REFERÊNCIAS

83

APÊNDICES

86

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS COM AS AUTORIDADES DA ESCOLA

86

APÊNCIDE B – QUESTIONÁRIOS COM OS ALUNOS

92

ANEXO CD contendo: Arquivo em PDF deste Trabalho de Curso Arquivo em PDF do projeto aplicado no Ensino Médio Apresentação em PPT do projeto aplicado no Ensino Fundamental Apresentação em PPT do projeto aplicado no Ensino Médio


INTRODUÇÃO

O

presente trabalho objetiva relatar e levar a refletir sobre a pesquisa e a

aplicação do Projeto Educativo de Ensino “Caçadores de Mitos

Visuais”, desenvolvido em uma turma de 6ª série do ensino fundamental, na Escola Estadual de Ensino Médio Guimarães Rosa, no município de Cachoeirinha, no ano de 2009. O

projeto

foi

elaborado

a

partir

do

tema

“mitos

visuais

na

contemporaneidade”, ou seja, uma reflexão sobre a realidade mítica contemporânea, e levando em consideração o público de alunos ao qual se destinou, teve como foco a cultura visual jovem. A questão principal foi identificar onde, na cultura visual, se encontram as mitologias contemporâneas, do que elas se constituem em termos ideológicos, qual a influência exercida sobre a sociedade e sobre os alunos, e o que resulta disto tudo. Além de instigar uma reflexão sobre a importância das artes visuais neste contexto. A escolha deste tema se deu por um desdobramento da preocupação com a educação estética dos indivíduos. O fato é que vivemos cercados de imagens. Porém, muitas pessoas permanecem anestesiadas perante elas, ignorando as significações que estas carregam consigo, apesar de as usarem para dar sentido ao mundo. Desta forma, o objetivo foi promover a transcendência dos alunos sobre o tema, ou seja, contribuir para a formação de cidadãos mais conscientes e, propondo exercícios de confronto e interação com os mitos, promover que os alunos desenvolvessem aptidões como as de recriar a realidade e a cultura através da


imaginação, assim como de tomar a responsabilidade na construção da própria identidade. No primeiro capítulo, intitulado “Mitos visuais na contemporaneidade” há uma exploração teórica acerca dos conceitos de mitos e mitologias. A partir das ideias de Jung foi possível compreender em que nível os mitos operam. Das obras de Roland Barthes foi possível identificar e desvendar sistematicamente representações míticas produzidas no mundo pós-moderno. E das obras de Joseph Campbell foi possível ter uma visão mais abrangente dos mitos e mitologias, inclusive dos diferentes tipos e das diferentes funções. Neste capítulo também há leituras de obras dos artistas John Heartfield, Andy Warhol e Walmor Corrêa, relacionando às referidas questões. No segundo capítulo, “Mito, cultura visual e educação estética”, faz-se uma abertura do tema para o ensino em Artes Visuais. Há reflexões baseadas principalmente em Fernando Hernández sobre cultura visual, em Abigail Housen e outros autores sobre leitura de imagem e compreensão estética, e em Fayga Ostrower e Jacob Bronowski sobre imaginação e criatividade. No capítulo terceiro, intitulado “Diálogos com a escola”, encontram-se informações sobre a escola onde foi realizado o projeto, assim como análises das observações silenciosas e dos questionários respondidos por alunos e pela professora titular. Trata-se de um diagnóstico realizado antes da aplicação do projeto. Neste diagnóstico foi possível observar, por exemplo, o funcionamento e a estrutura da escola, o coeficiente da práxis pedagógica da professora titular, assim como características particulares da turma de alunos, como comportamento, interesses e culturas. Por fim, no quarto capítulo, “Prática de ensino”, há o relato da aplicação do projeto propriamente dito, com uma descrição detalhada do planejado e do realizado em cada uma das 13 aulas, acrescidas de uma reflexão sobre o processo enquanto ele ainda estava em andamento. Durante a prática foi necessário fazer diversas mudanças de percurso. Conteúdos não previstos na pesquisa inicial, como surrealismo e intervenção urbana, foram incluídos no projeto, e algumas atividades acabaram sendo abandonadas e, dentre estas, algumas resgatadas novamente. Utilizando-se destas e de outras experimentações, a prática acabou por adquirir um caráter de ensaio e erro bastante caótico e frustrante.

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Ao fim da prática, quando foi possível rever minuciosamente todo o processo desde a pesquisa, questões inesperadas foram se fazendo visíveis em termos de que tipo de mito estava realmente sendo “caçado” no projeto: os que se encontram dentro do sistema de ensino, dentro da sala de aula, e dentro de nós mesmos. Esta nova percepção, que só foi possível adquirir pela prática, apesar de muito já ser conhecido através da teoria, implicou em uma profunda reflexão sobre o que se deve, e se pode, almejar como educadora, e o que é, sem ilusões, sucesso para um projeto de ensino em Artes Visuais.

3


1 MITOS VISUAIS NA CONTEMPORANEIDADE

T

emos a tendência de pensar o mito simplesmente como algo fantástico, irreal, uma mentira. Ainda podemos supor que os mitos possam ser

formas do homem arcaico explicar a realidade, ou como uma forma de ver e representar o mundo que ainda não foi “iluminada” pela razão. No entanto, este termo se refere a um conceito muito mais profundo e complexo do que supõe o senso comum. As representações de origem mítica são sistemas de signos que podemos observar em diversas culturas sob formas bastante diversificadas, desde a préhistória até a contemporaneidade. A psicanálise nos mostra que os mitos são projeções psíquicas, assim como os sonhos, e os símbolos dos quais se formam estas projeções se mantêm no nosso inconsciente sob formas latentes, ou seja, são tendências instintivas. 4


Chamamos de instinto os impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, esses instintos podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença apenas por meio de imagens simbólicas. São essas manifestações que chamo de arquétipos. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por “fecundações cruzadas” resultantes da migração. (JUNG, 2008, p.83)

Pierre Guiraud (1973, p.139) diz que "parece que a maior parte das nossas escolhas – na aparência as mais livres ou, em todo o caso, as mais racionais – estão condicionadas por representações inconscientes de origem mítica". No livro Mitologias, o francês Roland Barthes reúne diversos ensaios sobre os mitos atuais que regem nossas decisões cotidianas. Em um deles, que ilustra muito bem o fenômeno, o autor fala de um dos maiores representantes da França, o vinho: O vinho é sentido pela nação francesa como um bem que lhe pertence com exclusividade, tal como as suas 360 espécies de queijo e a sua cultura. É uma bebida-totem, que corresponde ao leite das vacas holandesas ou ao chá absorvido cerimoniosamente pela família real inglesa. [...] acreditar no vinho é um ato coletivo constrangedor; o francês que quisesse encarar o mito com algum distanciamento iria se expor a diversos problemas de integração, pequenos, mas precisos, sendo o primeiro justamente o fato de ter de se explicar. O principio de universalidade funciona aqui a 100%, na medida em que a sociedade decreta doente, enfermo ou viciado todo aquele que não acredita no vinho: ela não o compreende (nos dois sentidos, intelectual e especial do termo). Pelo contrário, um diploma de boa integração é oferecido a quem “pratica” o vinho: saber beber é uma técnica nacional que serve para qualificar o francês, para provar simultaneamente o seu excelente desempenho, o seu controle e a sua sociabilidade. O vinho fundamenta assim uma moral coletiva, no interior da qual tudo é redimido; os excessos, as infelicidades e os crimes são, sem dúvida, conseqüências possíveis do vinho, mas nunca a maldade, a perfídia e a fealdade; o mal que ele provoca é de ordem fatal, escapando, portanto, a penalização, pois é um mal de teatro, e não um mal de temperamento. (2007, p.75 a 77)

Neste caso fica visível uma das funções dos mitos, que serve para a manutenção de certas ordens sociais estabelecidas. Diferentes representações mitológicas que também cumprem a função são também a maioria das religiões, em que se têm, por exemplo, todo o conjunto de regras morais do catolicismo e também o sistema de castas da Índia, ambos fundamentados nas suas respectivas concepções religiosas, precisamente documentadas, que se acredita estarem acima das possibilidades humanas, supostamente cabendo a nós apenas cumprir as leis.

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1.1. MITO E SEMIÓTICA Cabe esclarecer de que forma a influência dos mitos chega até nós, e para isto partiremos da semiótica, que é a ciência que tem por objeto todos os sistemas de signos, ou “é uma disciplina que permite descrever a significação pelos mecanismos de construção dos textos, ou seja, pelo uso que um sujeito faz dos sistemas de linguagem” (OLIVEIRA, 2005, p.11). Assim, o mito está dentro deste sistema que implica outra das grandes necessidades do ser humano, que é a de se comunicar. O próprio mito é um sistema de comunicação, pois é a transmissão de uma mensagem, ou como define Barthes (2007, p.199), “o mito é uma fala”. Para se comunicar, o ser humano desenvolveu o que chamamos de linguagens. Toda linguagem é um sistema de signos, este sistema é composto por um significante, que é um objeto, um significado, que é um conceito, e o próprio signo, que é a relação entre o significante e o significado. Logo, um signo é a representação de alguma outra coisa. Compreende-se que sem o signo a comunicação seria praticamente inviável, pois pressuporia a manipulação, a todo instante, dos próprios objetos sobre os quais incidiria o discurso. Em seu caráter de substituto do objeto visado, o signo propõe-se assim como uma medida de economia comunicativa. (NETTO, 1990, p. 20)

Para Barthes (2007), o mito é estruturado da mesma forma, tendo um significante, um significado e um signo. Porém o significante do mito é o signo de alguma outra coisa; o mito é uma apropriação. Para uma melhor compreensão, usarei a mesma representação metafórica do autor:

Língua

1. significante 2. significado 3. signo

MITO

I. SIGNIFICANTE

II. SIGNIFICADO

III. SIGNO

6


Como sentido, a imagem tem valor próprio, é sensorial, está plena. Como forma do mito, ela se esvazia, toda a riqueza histórica se esvai, porém não morre, ficando disponível para que o conceito, que é uma nova situação, se implante nela. O conceito é histórico e extremamente intencional, porém ele não esconde nada do sentido da imagem, o que ele faz é deformar. Sobre a significação, que é o próprio mito, Barthes diz que é a ambigüidade sentido e forma do significante que vai estabelecer os caracteres dela: Sabemos, doravante, que o mito é uma fala definida pela sua intenção [...], muito mais do que pela sua literalidade [...]; e que, no entanto, a intenção está de algum modo petrificada, purificada, eternizada, tornada ausente pela literalidade. [...] Esta ambigüidade constitutiva da fala mítica vai ter duas conseqüências para a significação: esta vai se apresentar simultaneamente como uma notificação e como uma constatação. O mito possui um caráter imperativo, interpelador: tendo surgido de um conceito histórico, vindo diretamente da contingência [...], é a mim que ele se dirige. (2007, p. 215 e 216)

Já podemos perceber que, inevitavelmente, abordar os mitos é abordar questões ideológicas. Por ideologia entendemos um corpo sistemático de representações e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir, porém é constituída de abstrações e lacunas, e assim inverte valores. Para Barthes, querendo ou não, a ideologia dominante na sociedade contemporânea é a burguesa. Porém essa denominação não fica clara: a burguesia vem se diluindo na nação, fazendo com que essa ideologia pareça anônima. Sendo "anônima", e se propagando intensamente, essas representações da realidade acabam por se tornar naturais. A deserção do nome burguês não é, portanto, um fenômeno ilusório, acidental, acessório, natural ou insignificante: é a própria ideologia burguesa, o movimento pelo qual a burguesia transforma a realidade do mundo em imagem do mundo, a História em Natureza. (2007, p. 233)

Assim, o autor aperfeiçoa o termo que conceitua o mito semiologicamente, dizendo que este é uma fala despolitizada, ou seja, uma fala que priva a consciência das relações humanas na sua estrutura real e no seu poder de construção do mundo.

7


1.2 OS MITOS NA CULTURA VISUAL JOVEM CONTEMPORÂNEA Para exemplificar tudo o que vem sendo dito, analisemos uma imagem (Fig. 1) que é encontrada com facilidade em diversos sites na internet servindo de ilustração para textos que tratam da gravidez

na

adolescência,

como

por

exemplo, no site de um deputado federal em que

a

imagem

acompanha

a

notícia

“Gravidez na adolescência e homicídios ainda são desafios 18 anos após Estatuto da Criança” (GRAVIDEZ..., 2008). Vemos nesta imagem uma mulher, que supomos ser adolescente, grávida, de perfil, com a mão nos lábios e olhar voltado para baixo, numa expressão apreensiva.

FIG. 1 - Fonte: <http:// joaopaulo.org.br>

Este é o sentido da imagem. No entanto, o que ela significa é que engravidar na adolescência é um erro, um problema de tamanha proporção que a garota estaria assim desperdiçando a oportunidade de construir um "bom" futuro para si, dentre outras coisas. De acordo com o esquema apresentado anteriormente, o sentido da imagem (garota grávida com expressão apreensiva) é o signo no nível da linguagem, e o significante, ou forma, no nível do mito. O significado é o conceito (gravidez precoce e/ou indesejada). No caso desta imagem, toda a história da garota some, ela perde sua memória: não sabemos seu nome nem o motivo real pelo qual ela está com a expressão de angústia; ela não desaparece, porém, nas palavras de Barthes, torna-se apenas um gesto. Ou ainda, aliena-se.

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De certo modo, a “gravidez na adolescência” é encarada como um anacronismo, pois expectativas, demandas sociais e econômicas induzem a concepção de que essas duas experiências devam ser vividas separadamente. A juventude é atualmente concebida como um período de imaturidade, de instabilidade, em que a/o jovem deve viver novas experiências e investir na sua formação pessoal e profissional. Diferentemente, a gravidez requer uma situação mais amadurecida, estável e estruturada, seja em termos econômicos, profissionais ou pessoais. (ALTMANN, 2007, p.299 e 300)

Para a autora, estas questões não fazem apenas parte do imaginário, estando arraigadas nas práticas sociais, inclusive no que diz respeito ao tão aclamado mercado de trabalho, em que estão incutidas condições no que diz respeito à formação, e que a gravidez é tida como obstáculo. A queda na oferta de empregos, aliada à demanda de mão-de-obra cada vez mais qualificada, impõe um retardamento da entrada no mercado de trabalho. Daí a necessidade de diminuir as taxas de fecundidade nessa faixa etária de modo a diminuir a pressão demográfica e seus problemas decorrentes. A incapacidade de absorver toda a mão de obra disponível, somada à exigência de trabalhadores cada vez mais qualificados, faz emergir uma maior seletividade. Nesse sentido, uma jovem grávida é vista como alguém que teria dificuldade em atender toda a formação exigida, assim como estaria despreparada para oferecer, a seus descendentes, estrutura, cuidados com saúde, formação educacional adequada, entre outros. (2007, p. 300)

A partir disto podemos perceber que o que acontece ao nos depararmos com a imagem da adolescente grávida no contexto em que ela normalmente está inserida, como no site do deputado citado anteriormente, é estabelecermos uma visão abstrata e lacunar da realidade, com uma intenção nada arbitrária, mas que nos chega como algo natural, e é o que pretende a maioria dos mitos sociológicos, como no caso do vinho para os franceses ou das castas para os indianos. A publicidade e o jornalismo, dentre outras linguagens, são as principais responsáveis pela propagação destas ideologias contemporâneas. Com uma grande variedade disponível de estratégias, funcionam como agentes persuasivos que nos vendem estas representações, transformando-as facilmente em mitos. Para Sal Randazzo (1996) uma marca possui dois aspectos, um físico, que é seu produto, a embalagem, etc, e um perceptual, que está na psique do consumidor, e que correspondem àquelas necessidades inconscientes. Como entidade física, o produto possui atributos e benefícios tais como ingredientes, preço, uso, tradição, 9


tamanho, eficácia, etc. Como entidade perceptual, entram em cena componentes como a imagem do usuário ao qual o produto está direcionado, os benefícios emocionais, os valores que definem a marca, a imagem da marca, ou seja, tudo que esta representa na mente do consumidor.

FIG. 2 - Fonte: http://njovem.com.br / FIG. 3 - Fonte: http://njovem.com.br

Para exemplificar este fenômeno, tomamos, por exemplo, o desodorante Rexona Teens F4E (friends forever) da empresa Unilever (Fig. 2 e 3), que apresenta uma imagem da adolescência feminina um pouco diferente da apresentada anteriormente na imagem da adolescente grávida (Fig. 1). A embalagem segue o formato padrão dos outros desodorantes da linha, o diferencial se dá pelas cores, que são principalmente o vermelho, o amarelo e o branco. De acordo com Brazolin (2007), o amarelo chama muita atenção, e neste contexto ele provavelmente simbolize a valorização da amizade. O branco sustenta a idéia de valor empregada pelo amarelo, representando a pureza e a sinceridade da amizade entre garotas. E o vermelho, sendo a cor predominante, transmite muita energia, sendo estimulante e motivador, o que faz sentido somando o que lermos em algumas das inscrições da embalagem, como que rabiscos em um caderno, que dizem go friends (vão/ vamos amigas), have fun (divirta-se), etc. Misturando o vermelho e o amarelo temos a cor laranja, que representa a fase da vida que abrange dos 10 aos 20 anos, justamente o público deste produto, sendo a cor que representa a imaginação, a excitação e a aventura. Para divulgação do produto, 10


O Estúdio NJovem, Rexona Teens e MTV lançaram, no final de julho, um filme (média-metragem) sobre a amizade de três adolescentes, com base no conceito do produto F4E Friends Forever, da Rexona. As garotas puderam acompanhar o desenvolvimento da produção por meio de páginas na Capricho e LoveTeen, vídeos de making of veiculados em um canal no YouTube e no programa Acesso MTV. Também foi desenvolvido um site, com blogs e álbuns de fotos das garotas que participaram do filme. (REXONA..., 2009)

Neste filme, as personagens Drix, Di e Mari, três garotas com personalidades e interesses muito diferentes, se tornam grandes amigas ao fazerem juntas uma viajem de ônibus até a cidade de São Paulo. Ou seja, as três fizeram uma aventura e criaram laços de amizade por compartilharem dos mesmos momentos emocionantes. A partir de todas estas informações temos, aproximadamente:

Componentes do produto Atributos do produto

Perfume especial, embalagem chamativa e moderna;

Benefícios do produto

Antitranspirante, proteção prolongada;

Componentes Perceptuais Imagem do usuário

Garotas adolescentes, aventureiras e sociáveis;

divertidas,

dinâmicas,

Benefícios emocionais

Laços de amizade entre as garotas, segurança;

Alma da marca

Jovialidade feminina - Amizade;

Imagem da marca

Desodorante para garotas que gostam de se divertir ao lado de suas amigas;

Personalidade da marca

Amiga, divertida, aventureira;

Posicionamento da marca

No mercado: um desodorante especial para adolescentes; na mente do consumidor: um desodorante especial, que acompanham as emoções desta fase da vida.

Assim, a mitologia do produto se formará nas imagens que a publicidade cria (mitologia da marca), porém, também nas experiências do consumidor (mitologia latente). Apesar da mitologia criada nesta campanha publicitária direcionada a adolescentes, o produto possui atributos físicos úteis, tem uma função prática, mesmo que questionáveis em termos culturais: evitar os odores da transpiração por um período de tempo prolongado. Porém existe hoje em dia uma diferente categoria de produtos muito acessíveis e consumidos largamente pela população mundial, mas 11


que não apresentam nenhum atributo físico útil, que são os refrigerantes e os cigarros: É interessante observar que os efeitos produzidos pelos refrigerantes ou pelos cigarros apregoados pela publicidade, pertencem todos ao reino do imaginário. No que respeita aos refrigerantes, se bem não se possa provar que produzem maus efeitos sobre a saúde, as autoridades médicas são unânimes em afirmar que, quando alguém está com sede, o melhor que tem para beber é água pura, sem nenhum aromatizante, adoçante, corante ou qualquer outro aditivo. No que se refere aos cigarros, o prejuízo que causam à saúde humana é tão conhecido que não precisa sequer ser mencionado. Assim sendo, a publicidade feita em torno de refrigerantes e cigarros evita cuidadosamente as promessas de benefícios para a saúde, que se poderiam tachar de fraudulentos, e concentra-se, em vez disso, em efeitos psicológicos. (PATAI, 1974, p.211)

Ao tomarmos uma Coca-Cola, cujo slogan atual é "Abra a felicidade" (Fig. 4), não estaríamos agregando nada de valor ao nosso corpo ou a nossa saúde, ou satisfazendo uma necessidade fisiológica, ao invés disso estaríamos participando de uma experiência mitológica transcendental de "ser feliz". Randazzo (1996, p. 39) fala que “graças à publicidade, o consumidor aprende a associar o produto com seus alardeados benefícios emocionais/ psicológicos. Os teóricos da aprendizagem dão a esse tipo de identificação de dois conceitos o nome de aprendizagem associativa”.

FIG. 4 – Fonte: http://cocacola.com.br

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1.3 AS ARTES VISUAIS EM CONFRONTO COM OS MITOS Os artistas que tomam conhecimento destes processos mitológicos contemporâneos se posicionam de diversas formas, confrontando-os a fim de provocar uma desnaturalização dos conceitos históricos que constituem o mito. John Heartfield (1891 – 1968), um artista alemão que trocou seu próprio nome por protesto (originalmente batizado como Helmut Herzfeld), para contestar as mensagens nazistas veiculadas através da publicidade fez uso desta mesma linguagem.

FIG. 5 – Cartaz nazista. (entre 1933 e 1945). Fonte: http://calvin.edu

FIG. 6 - John Heartfield. Hurrah, die Butter ist alle! (19--). Fonte: http://towson.edu

Em um cartaz nazista (Fig. 5), do Programa de Apoio de Inverno que visava estimular doações, vemos a imagem de uma mão aberta com uma moeda na palma e outra caindo, no fundo está a suástica, e há uma inscrição em alemão que podemos traduzir por “não doe... sacrifique-se”. Percebe-se nesta imagem uma discreta relação 13


com a religião católica, pois a moeda na palma da mão pode ser vista como o cravo na mão de Jesus. Este cartaz é explicitamente imperativo e aborda os já disseminados sentimentos de dever e honra para com a nação. A obra Hurrah, die Butter ist alle (Fig. 6) é uma fotomontagem de Heartfield em que vemos uma família sentada à mesa comendo artefatos de metal, no papel de parede da sala há suásticas, e como parte da decoração há um quadro com uma foto de Hitler. Abaixo lemos o título traduzido por “Hurrah, a manteiga acabou!” e logo abaixo uma citação de Hermann Göring, um destacado membro do partido nazista, durante a escassez de alimentos na Alemanha, que traduzindo temos “o minério sempre tornou uma nação forte, manteiga e banha apenas tornou as pessoas gordas.” Heartfield pegou parte do discurso nazista e o apresentou dramaticamente, satirizando a situação, a fim de mostrar às pessoas o absurdo que estava sendo dito e em que elas estavam aceitando como verdade.

FIG. 7 - Andy Warhol: Marilyn Monroe, Dyptych (1962); Fonte: http://globalgallery.com

Nos anos 60, no movimento Pop Art, artistas como Andy Warhol se apropriaram de recursos do consumismo e das culturas de massas a fim de “denunciá-los”. Na obra Marilyn Monroe, Dyptych (Fig. 7) de Warhol, um retrato da atriz de Hollywood Marilyn Monroe é reproduzido cinqüenta vezes um ao lado do outro, sendo que metade destas reproduções é bastante colorida e a outra metade é apenas em preto e branco, estando gasta e borrada. A imagem da atriz foi bastante divulgada em sua época e continua sendo um ícone pop até hoje. Este mesmo retrato,

14


uma fotografia publicitária feita por Gene Korman para o filme Niágara, produzido em 1953, também foi usado por Warhol em diversas outras obras. Warhol analisa a trajetória descendente ou desintegradora, o iter do consumo psicológico da imagem-notícia. Warhol também coloca um problema de valor: apresentando imagens “consumidas”, ele apresenta uma imagem residual, mais consumível, a qual, portanto, sedimenta-se inerte, com infinitas outras, no inconsciente coletivo. (ARGAN, 1992, p.647)

Além da Marilyn Monroe, Warhol também representou em suas obras Elvis Presley, Jackie Onassis, Che Guevara e também produtos industrializados como as sopas Campbell´s, ou seja, tudo o que podemos considerar mitologias da época, que não são tão diferentes das mitologias contemporâneas.

FIG. 8 - Walmor Corrêa, Spider Man. Fonte: www.walmorcorrea.com.br

Mais

recentemente,

alguns

artistas

ainda

exploram

estas

relações

mitológicas, como o catarinense radicado em Porto Alegre Walmor Corrêa. O processo criativo de Walmor vai por um viés científico, e dentre outras coisas, envolve naturalizar seres mitológicos e personagens fictícios bastante populares, como o Homem Aranha (Fig. 8), um super-herói de histórias em quadrinhos. Para isto o 15


artista cria painéis em que representa um estudo anatômico destes seres, tal como existe em livros desta área. Ao referenciar o desenho de natureza taxonômica, o artista está, naturalmente, tomando para si o discurso de verdade que essa técnica de representação tem incorporado. E aqui temos outro elemento marcante em sua poética: a dicotomia entre ciência e fantasia, que é também o que move parte das suas indagações pessoais. (RAMOS, 2007)

Para Paula Ramos, ao representar estes personagens desta maneira o artista está dando condições para que o público acredite que estes são reais. Assim, Walmor brinca com o imaginário popular, levantando uma série de questões sobre mitologias, crenças e a verdade no contexto social através da história até a contemporaneidade. Segundo Joseph Campbell (2002), além deste confronto com as mitologias sociais, os artistas também interagem com as mitologias naturais, que é o reconhecimento da sua própria natureza. Ou seja, o artista precisa encontrar as motivações e inspirações de sua criatividade no seu interior, a partir da sua subjetividade, em que num exercício de autoconhecimento vislumbrará a matéria prima necessária para sua arte. [...] ato criativo pessoal está relacionado à esfera mítica, ao reino das musas, porque o mito é a terra natal da inspiração das artes. As musas são as filhas da deusa da memória, que não é a memória lá de cima, da cabeça; é a memória aqui de baixo, do coração. É a memória das leis orgânicas da existência humana que transmite suas inspirações” (CAMPBELL, 2002, p.199).

A partir desta concepção, Campbell reflete sobre possíveis definições da arte: “A arte é a representação da interface entre sua natureza interna e externa” (2002, p.203). E é justamente isso que percebemos nas obras dos três artistas, Heartfield, Warhol e Corrêa: eles conhecem as mitologias sociais de sua contemporaneidade, mas também estão em contato com suas mitologias naturais.

16


2 MITO, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO ESTÉTICA

U

ma vez que as mitologias estão intimamente ligadas à psique e ao instinto da sociedade que as sustenta, e mais profundamente à toda a

humanidade, é preciso buscar recursos adequados para interpretá-las. As mitologias surgem das, e são governadas pelas, mesmas leis psicológicas que controlam os nossos mais profundos sentimentos, o caminho mais correto para interpretá-las não é o raciocínio intelectual, e sim o exercício da imaginação psicologicamente cognata. (BACHOFEN apud. CAMPBELL, 2002, p.96)

Carlos A. B. Byington (2003) vai de encontro com este pensamento, porém acrescenta que uma atitude totalmente emocional pode ser igualmente arriscada. Assim, o mito como temática deve ser abordado na educação tanto objetivamente quanto subjetivamente. Ou seja, a prática em arte-educação aqui deve ter por

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finalidade levar o aluno a confrontar as mitologias sociais com leituras de imagens e reflexões, e a interagir com as mitologias naturais com exercícios imaginativos e criativos. Pois o mito se vale não apenas como um tema, um conteúdo conceitual e abstrato, mas como parte de uma proposta educacional que visa reverter o quadro de alienação social contemporâneo imposto pelas ideologias da classe dominante, resgatando assim a verdadeira natureza do homem que é encontrada dentro de si, e não em um conjunto de regras socialmente estabelecidas e não questionadas pela maioria das pessoas.

2.1 COMPREENSÃO ESTÉTICA DA CULTURA VISUAL Alberto Manguel, refletindo sobre nossa relação perceptiva com a linguagem visual diz: As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. (2001, p.21)

Diariamente nossos olhos são bombardeados com diversas imagens vindas de diversas fontes e mídias. Estas imagens todas fazem parte da nossa cultura visual, sejam elas um videoclip, um anúncio publicitário, um grafite em um muro, um prédio, fotografias em revistas ou uma pintura em um museu. Para Fernando Hernández (2000), a cultura é definida como um conjunto de valores, crenças e significações que os indivíduos se utilizam para dar sentido ao mundo, aí se encontra uma questão delicada: que sentido nós estamos dando ao mundo se não conhecemos verdadeiramente as significações contidas na nossa cultura visual? Assim, incluir essas imagens no ensino, juntamente com as imagens artísticas, trata-se de uma [...] necessidade de oferecer alternativas aos alunos para que aprendam a orientar-se e a encontrar referências e pontos de ancoragem que lhes

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permitam avaliar, selecionar e interpretar a avalanche de informações que recebem todos os dias. Sobretudo se levamos em conta que só a informação que aparece na edição dominical de um dos jornais editado na Espanha ou no Brasil é mais do que toda a que poderia ter acesso uma pessoa do século XVII ao longo de sua vida (HERNÁNDEZ, 2000, p.50).

O mesmo autor, porém, ressalta um aspecto destas imagens a serem trabalhadas com os alunos para uma melhor compreensão, e que justifica as escolhas para o presente projeto: dada a quantidade e a variedade existente das produções visuais, é preciso considerar os aspectos qualitativos destas, como a ligação entre elas e um determinado público; Por exemplo, de uma perspectiva educativa, os objetos da cultura visual que maior presença têm entre os meninos, as meninas e os adolescentes são os que recobrem as paredes dos quartos, as imagens das pastas da escola, as revistas que lêem, os programas de televisão a que assistem, as apresentações de grupos musicais, os jogos de computador, suas imagens na Internet, a roupa, seus ícones populares, etc. (2000, p.136).

Só o fato de incluir estas imagens no contexto educacional já contribui para amenizar o processo de alienação em que vivemos, pois apesar de estarmos cercados delas, nossa atitude é de ficar anestesiados, acreditando que elas são naturais. Ou seja, elas nos atingem e nos influenciam, mas “fazemos de conta” que não as vemos no momento que não construímos uma relação consciente e significativa com elas. No entanto é justamente esta experiência de construção simbólica, que se tem ao realizar uma leitura que considere nossa vivência, que é necessária no processo educacional. Complementando as palavras de Manguel, Hernández (2000., p.128) diz que “os objetos não têm vida, mas sim adquirem sentido pela experiência de quem os olha e os possui. Mas, ao mesmo tempo, os objetos são uma fonte de conhecimento”. Desta forma, o que nos cabe é prestar atenção e conhecer estes símbolos, sinais, mensagens e alegorias que formam o nosso mundo. Bjarne Sode Funch (2000) descreve cinco tipos diferentes de apreciação estética: a contemplação, a empatia, a compreensão, o fascínio, e por fim, a experiência estética como fenômeno transcendente. O que mais nos interessa neste momento em relação à cultura visual, já que foi elaborada uma abordagem semiótica, é a compreensão estética, em que a apreciação dá-se cognitivamente. E aqui o autor esclarece:

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O que é apreciação artística cognitiva? Diz apenas respeito a pormenores visuais e ao significado? É apenas uma questão de nos tornarmos visualmente mais conscientes e de adquirir conhecimento sobre as intenções do artista, a iconografia, as referencias históricas, etc.? Não. Não se trata apenas de nos tornarmos mais conscientes de detalhes formais e de mais conhecimento. É um processo cognitivo seguido de um sentimento de prazer (2000, p.114).

Na teoria de Abigail Housen, descrita por Rosa Iavelberg (2003, p.89), há cinco níveis de desenvolvimento da compreensão estética, sendo que em todos eles podemos despertar este sentimento de prazer: Nível 1: narrativo: o observador procura entender do que se trata a imagem, se pergunta “o que é isto?”, e usa respostas concretas “é isto”, “me lembra aquilo”, “parece aquele outro”, etc. Ele se torna um contador de histórias que busca a interpretação nas suas observações concretas. Nível 2: construtivo: o observador procura criar uma estrutura para entender a imagem, baseado em suas próprias percepções e em conhecimentos convencionalizados. A questão básica é “como isto é feito”. Nível 3: classificatório: o observador procura entender a imagem procurando conectá-la com quem a criou; “quem é o artista e por que ele deixou certas marcas”. Nível 4: Interpretativo: o observador procura criar uma relação subjetiva com a imagem. Este aceita “a idéia de que o valor e a identidade da obra estão sujeitos a reinterpretação e vêem uma possível interpretação passível de mudanças” (2003, p.91). Nível 5: recriativo: O observador interage diversas questões ao ler a imagem: “o quê”, “como”, “quem”, “por que” e “quando”, além da relação subjetiva que este estabeleceu. Estes níveis também estão ligados com os níveis de desenvolvimento cognitivo, como observa Maria H. W. Rossi (2003). Porém, como os alunos deste projeto se encontram na faixa etária acima dos 12 anos de idade, supostamente já

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alcançaram o estágio das operações formais previsto por Piaget, assim, não vamos nos aprofundar neste aspecto, até porque, segundo Housen, [...] o desenvolvimento estético continua durante toda a vida. Isso não quer dizer, porém, que todos os adultos alcançam os estágios mais elevados. Existem adultos em todos os estágios.Apesar (sic) de existir uma forte correlação entre idade e estágio, o que mais favorece o desenvolvimento estético [...] é a familiaridade com a arte. (apud ROSSI, 2003, p.23)

Um aspecto importante a se acrescentar é que a percepção de um indivíduo vai depender também do contexto em que este estiver inserido. Ao lerem um anúncio publicitário de uma dada marca de roupas, por exemplo, um adolescente pobre e outro rico poderá ter percepções diferenciadas entre si, logo, suas interpretações do anúncio também serão diferenciadas. No entanto, o que deve prevalecer como objeto de confronto é a simbologia comum, arquetípica, como Hernández propõe: Partindo da educação para a compreensão da cultura visual não se trata de estudar os processos individuais relacionados com a compreensão desses significados, mas sim a dinâmica social da linguagem que esclarece e estabiliza a multiplicidade de significações pelas quais o mundo se apreende e se representa. (2000, p.54)

Rossi (2003, p.22), citando as idéias de Michael Parsons, diz que o autor acredita que as teorias de Vygotsky são mais adequadas para entender a compreensão estética, pois nesta abordagem contextualista “os sistemas de interpretação e os próprios significados são invenções da cultura”, e é desta questão que Hernandez trata ao dizer que o conhecimento, para cada indivíduo, se apresenta como um processo que se dá nos âmbitos sociais, culturais e históricos: Por isso, de modo diferente do que propõem muitos psicólogos construtivistas, não é que a mente se adapte ao mundo, mas sim que este (como cultura) contribua para dotar de sentido a própria noção de mente e a forma como a representamos. [...] A partir dessas hipóteses, conhecer não é algo que tenha a ver só com a trajetória para o pensamento abstrato. Conhecer também pode ser o processo de examinar a realidade de uma maneira questionadora e de construir visões e versões não só diante da realidade presente, mas também diante de outros problemas e circunstâncias. (2000, p.57)

Desta forma, ao apreciar esteticamente, por exemplo, a imagem da adolescente grávida analisada no capítulo anterior (Fig. 1), levando em consideração

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todos estes aspectos, indo muito além do que está socialmente estabelecido, o aluno estará apto a confrontar criativamente a nova realidade com que se depara tal qual fazem os artistas, o que não impede que alguém sem pretensões artísticas também o faça. Ítalo Calvino, em um trecho bastante conveniente, descreve Perseu, personagem da mitologia grega, relacionando às características de um artista. Para decepar a cabeça de Medusa sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta sobre o que há de mais leve, as nuvens e o vento; e dirige o olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho. Sou tentado de repente a encontrar neste mito uma alegoria da relação do poeta com seu mundo, uma lição do processo de continuar escrevendo. Mas sei bem que toda explicação empobrece o mito e o sufoca: não devemos ser apressados com os mitos; é melhor deixar que eles se depositem na memória, examinar pacientemente cada detalhe, meditar sobre seu significado sem nunca sair da linguagem imagística. A lição que se pode tirar de um mito reside na literalidade da narrativa, não nos acréscimos que lhe impomos do exterior. (apud MEIRA In. PILLAR, 2003, p.122)

E a respeito do que esta imagem (Perseu) representa para nós aqui, Meira (In. PILLAR, 2003, p. 122) diz que “a força de Perseu está na sua fragilidade, na sua sensibilidade que recusa uma visão direta mas não a realidade em si do mundo”, esta seria uma atitude ética do herói. Como atitude política “em vez de jogar fora a cabeça morta da Medusa, Perseu a guarda para mostrá-la a seus inimigos”. Ela continua dizendo que “olhar através do escudo mostra o recurso do artista que, com sua astúcia, estabelece uma relação enviesada com a vida”, tratando então de uma estratégia que sendo estética é também ética e política. E posteriormente ela comenta que a lição que Calvino se refere é extraída do poder sugestivo da imagem mitológica, e que esta lição “reforça a idéia (sic) de que a arte cria, irredutivelmente, seus próprios métodos de apreensão, compreensão e reflexão, como extraordinária situação pedagógica e relacional que ela é” (In. PILLAR, 2003. p.123).

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2.2 INTERAÇÕES COM AS MITOLOGIAS NATURAIS Torna-se necessário refletir sobre o aspecto imaginativo na educação com um pouco mais de atenção, uma vez que este foi marginalizado pelo discurso racionalista, em que desde o iluminismo cultiva a concepção de que o homem só pode chegar à verdade através do pensamento lógico; aquele que dá vazão aos seus sentimentos é considerado um romântico, um sonhador - ninguém pode viver de amor, estando assim condenado a morrer de fome! Se considerarmos que nossos cérebros experimentam a realidade em três níveis: o instintivo, o emocional e o racional, e que pela ordem da evolução a razão está subordinada a emoção, que por sua vez está subordinada ao instinto, já podemos entender porque o aspecto subjetivo não pode ser negligenciado na educação. Para haver conhecimento o ser humano precisa dispor primeiramente de um canal que ligue seu corpo (e sua mente) ao mundo externo. Nós temos cinco canais, aos quais costumamos chamar de sentidos: o tato, o olfato, o paladar, a audição e a visão. Se não dispomos de nenhum destes canais nem sequer conseguimos sobreviver por muito tempo: sem ter como nos comunicar com o mundo exterior ou vivenciá-lo, podemos cair no abismo do vazio existencial. Relembramos aqui o caso da escritora Helen Keller, retratado no filme O milagre de Anne Sullivan, de 1962. Helen ficou cega e surda aos dezoito meses de idade por causa de uma doença, e até os sete anos permaneceu em um mundo sem sentido, em que fora guiada apenas pelos seus instintos, sendo inclusive tratada (adestrada) pela família como um animal. Foi pela insistência árdua de sua professora, Anne Sullivan, tentando que Helen relacionasse as coisas com signos, que Anne fazia soletrando palavras em libras nas mãos da menina, que esta conseguiu tomar consciência do mundo, entendendo que as coisas tinham significados. Mas os sentidos são apenas os receptores das informações, o que vai estruturar estas informações e torná-las significativas é precisamente a imaginação. Jacob Bronowski (1983, p.24), de forma bastante esclarecedora, diz que “imaginação significa simplesmente o hábito humano de construir imagens no espírito”. Para o autor é esta característica que nos diferencia dos outros animais,

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pois eles não são capazes de prever nada, de se projetar em uma situação que não está ao alcance dos sentidos e pensar em coisas que não estão presentes. Com isso podemos quebrar alguns destes mitos sobre a imaginação, aos quais ela pode ser vista como um fator de erro, algo que não faz parte da realidade, e ilustrando isso há aquela velha expressão “você deve estar imaginando coisas”. No entanto, é sendo imaginativos que podemos chegar à racionalidade. Colocando em perspectiva, Byington (2003, p.303) diz que “se a Psique fosse um pássaro, suas asas seriam a imaginação”, e por Psique concebemos alma, espírito, a totalidade da mente humana. Sendo assim, a imaginação é a principal ferramenta que nos permite criar, tanto no nível individual quanto coletivo, desde teorias científicas a obras de arte, além de esta ser a base de mitologias, valores culturais, identidade, sonhos, etc.

2.2.1 Processos Criativos Neste contexto a criatividade desempenha um papel libertador. Pois como pudemos ver, ao tomarmos consciência e adquirirmos compreensão estética da nossa cultura visual, equilibrando a objetividade e a subjetividade, ficamos aptos a recriar o mundo, a reinventar a realidade e nossa atitude perante a vida, e também a tomar a devida responsabilidade na construção de nossas próprias identidades. Entendendo melhor do que se trata a criatividade, esta tem por base a imaginação. Tudo o que conhecemos fica registrado na nossa memória por meio de símbolos, e com eles podemos fazer duas coisas: pensamento imaginativo rotineiro ou pensamento imaginativo criativo. A criatividade se assenta sobre formas de pensamento distintas do pensamento rotineiro. Enquanto este se guia através de símbolos e conexões já estabelecidas, o pensamento criador procura estabelecer novas relações simbólicas. Procura conectar símbolos e experiências que, anteriormente, não apresentavam quaisquer relações entre si (DUARTE JR., 1988, p. 96 e 97).

No entanto, é interessante observarmos que para que um símbolo qualquer se estabeleça é necessária criatividade, posteriormente ele se torna parte de um 24


pensamento rotineiro seja por quais motivos for. Assim, rompendo com outro mito ainda presente entre as pessoas1, todo ser humano é um ser criativo, pois a criatividade é, no mínimo, um requisito para o desenvolvimento cognitivo. É preciso então ver a criatividade como um potencial intrínseco ao ser humano, mas também que precisa de trabalho para ser elaborado. A criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver. Retirando à arte o caráter de trabalho, ela é reduzida a algo de supérfluo, enfeite talvez porém prescindível à existência humana (OSTROWER, 1977, p.31).

E para que a criação se torne este fazer necessário é preciso observar ao menos dois aspectos importantes: o interesse e a identificação do indivíduo que gera as motivações e vontades necessárias, e o que a autora chama de imaginação específica ou materialidade, ou seja, a criatividade está vinculada a especificidade de uma matéria, de um campo de trabalho. Para a autora (1977, p.32), “a imaginação criativa levantaria hipóteses sobre certas configurações viáveis a determinada materialidade. Assim, o imaginar seria um pensar específico sobre um fazer concreto”. E também, a concretização é o que torna o pensar imaginativo, pois caso o contrário “não passaria de um divagar descompromissado, sem rumo e sem finalidade” (1977, p.32). Assim, todo o processo de estudo em artes no ensino básico, desde a leitura de imagem ao exercício prático e técnico, deve ser para que o aluno se familiarize com a materialidade de ordem visual, para um fim criativo individual que não pode ser estipulado por uma entidade, pois demanda do indivíduo o interesse e identificação necessários como ponto de partida, que é subjetivo, pois “assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial” (1977, p.56). O importante para um arte-educador, então, seria procurar despertar no aluno a vontade de criar. Bronowski (1983, p.36) diz que “é impossível conceber um universo em que as actividades (sic) criativas importantes não causem prazer”. E é justamente este aspecto lúdico que deve ser elaborado para que o aluno, jogando, encontre suas próprias motivações criativas. 1

No questionário aplicado na turma do ensino fundamental, 22,7% se consideram criativos, 18,2% não se consideram criativos, e 59,1% se consideram apenas mais ou menos criativos. Na turma do ensino médio, estes números variam respectivamente para 20%, 43,3% e 20% (nesta turma 16,6% não responderam à questão).

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A partir de todo este processo educativo, que implica auto-conhecimento e o estabelecimento de uma relação simbólica com a realidade através da crítica e da ludicidade, é que chegamos a percepção de que, como diz Campbell (2002, p.46), “afinal de contas, as coisas não são tão reais ou permanentes, terríveis, importantes ou lógicas quanto parecem”. Estando assim a realidade a nossa disposição para brincarmos com ela, e não simplesmente seguirmos todas as regras estabelecidas sem ao menos as contestar.

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3 DIÁLOGO COM A ESCOLA

A

Escola Estadual de Ensino Médio Guimarães Rosa foi fundada em 19 de novembro de 1963, e está localizada em zona urbana, no bairro

Parque Brasília, município de Cachoeirinha. É apresentada em sua estrutura administrativa: SOP, SSE, CPM, Conselho Escolar, Grêmio Estudantil, Direção e Vice-Direção. Na estrutura pedagógica há 50 professores que trabalham em prol da formação de seus 1.100 alunos, distribuídos nos turnos da manhã, tarde e noite. A escola também atende alunos com necessidades especiais. Conta com 15 salas de aula, além das salas da administração, biblioteca, lanchonete, refeitório, banheiros, quadra esportiva, laboratórios de ciências e de

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informática. Este último, até o mês de junho de 2009, não estava em funcionamento devido a problemas na instalação elétrica. A organização curricular ocorre por planos de aula elaborados pelos professores, de acordo com as orientações pedagógicas e pelo PPP da escola. A avaliação, de forma contínua e participativa, se dá na escala numérica de 0 a 100. O primeiro trimestre tem peso 20; o segundo, 30 e o terceiro, 50. A média para aprovação é de peso 60. Quanto ao método de trabalho, as informações que recebi da direção e coordenação pedagógica, são de que as saídas a campo não são incentivadas devido ao mau comportamento dos alunos, à falta de disponibilidade de professores acompanhantes e aos altos custos. Trabalhos em grupos fora da sala de aula também devem ser evitados tanto a pedido da administração da escola quanto dos pais dos alunos. Observando a turma pude ver que em geral os alunos são agitados, conversam alto e circulam bastante pela sala. Apenas alguns se dispõem a realizar as atividades propostas pela professora, e quando esta solicita materiais apenas um ou dois trazem. Fui alarmada de que esta é uma das piores turmas da escola, com vários alunos repetentes e problemas de comportamento. O que não ficou claro nas observações foram os motivos reais da indisciplina da turma. Na verdade, o que pude perceber, é que eles são bastante receptivos, comunicativos e bem humorados, e a personalidade do grupo é mais expansiva do que permite a sala de aula. Generalizando, eles gostam de funk, pagode, hip hop e R&B, já vão a festas e conversam muito sobre namoros e paqueras, alguns meninos conversam muito sobre videogames, algumas meninas usam bastante maquiagem em sala de aula e muitos se preocupam com moda e objetos de marca. Ou seja, é uma amostra da típica massa popular brasileira. Sobre questões específicas da área, a partir dos questionários aplicados na turma, foi possível perceber que a grande maioria deles não tem muito contato com Arte além do que a professora titular leva para a sala de aula. Este já era um dado esperado, visto que parece ser a regra em todo o país. Ainda, outros dados importantes que ficaram visíveis foram: 59,1% dos alunos se consideram apenas “mais ou menos” criativos. Questionados sobre o que eles consideram criatividade, vários apresentaram respostas bastante confusas como “é criar e descobrir uma grande profissão no futuro”, no entanto, boa parte, mesmo 28


que de forma simplista e não muito apropriada, responderam com alguma coerência, por exemplo, “É concentração, é imaginação, paciência e muita calma” e “é tudo é pensar entender fazer criar etc...”. Com isto, pode-se supor que a turma não tenha grandes dificuldades ao lidar com alguns dos pressupostos do projeto relacionados a esta questão. O que eu pude perceber tanto das observações quanto das diversas conversas que eu tive com a professora, é que há uma discrepância entre suas convicções e sua prática em sala de aula. A sua metodologia de trabalho é predominantemente tradicional, deixando a desejar mais envolvimento e investigação. Em todas as aulas ela trouxe um tema distante dos alunos e o expôs oralmente, às vezes apresentando reproduções pequenas em livros e revistas, para então passar uma atividade sem muito sentido, como fazer um vitral livre com papel cartaz e celofane. Para Rosa Iavelberg, As tarefas podem ser entediantes ou carregadas de sentido para os aprendizes. A organização das tarefas, das propostas e dos conteúdos pelos professores ocupa um papel importante. É necessário que o aluno participe das atividades com consciência de suas finalidades, cabendo ao professor explicitar o para quê e o porquê das tarefas. (2003, p. 11)

Um aspecto ao qual a professora ressaltou diversas vezes (em conversas, e também no questionário) é o desinteresse dos alunos pelas atividades. Porém o que eu pude perceber é que ela não desafia nem o intelecto nem a sensibilidade perceptiva dos alunos, sendo assim é inevitável que estes respondam à negligência sendo também negligentes, ou seja, não trazendo os materiais solicitados e se ocupando de outras atividades durante as aulas, como conversar, ler revistas, escutar música pelo celular e pintar as unhas. A autonomia e a participação dos alunos são reais quando eles têm consciência da necessidade das propostas que executam ou do interesse por elas. Trabalhar em tarefas escolares por solicitação do outro, sem perceber o sentido ou sem gosto por fazê-lo, é desenvolver uma postura de submissão, o que, cedo ou tarde, levará o aluno a não querer continuar aprendendo, seja por rebeldia, seja falta de motivação própria. (IAVELBERG, 2003, p. 11 e 12)

De uma forma geral, ela demonstrou ser um pouco insegura nas suas atitudes. Por exemplo, ela via os alunos em comportamentos impróprios e tentava chamar a atenção deles, porém logo desistia ou simplesmente ignorava. Algumas 29


vezes explodia com um sermão breve, mas isso mudava em nada a atitude dos alunos, até porque, pela minha experiência como aluna, esse método nunca produziu efeitos positivos e eficazes. Isso tudo me levou a crer que a professora não se prepara devidamente para as aulas adquirindo conhecimentos mais aprofundados e planejando-as com maior comprometimento, e eu acredito que um dos motivos para isso é dela ter que dar conta, além das diversas turmas, também das disciplinas de Religião e Sociologia para estar de acordo com a sua carga horária. Moacir Gadotti (2001) diz que a vida espiritual do educador assim como a do educando fica muitas vezes à margem dos sistemas educativos, pois, segundo ele, demandam e mantêm uma dissociação entre o homem e a sua função. Um aspecto que me parece claro, é que ela se constrói como uma professora comprometida, que busca se aperfeiçoar constantemente, pós-graduada, tem contato com autores como Ana Mae Barbosa e Maria Heloísa C. de T. Ferraz e Maria F. de Rezende e Fusari, e gosta de Arte Contemporânea. Concorda que partir da vivência dos alunos é um bom método para elaborar aulas, e diz que no inicio do ano letivo procura fazer uma pesquisa com os alunos para averiguar o que eles querem trabalhar nas aulas, porém este discurso vai perdendo a credibilidade ao passo que ela não me parece de fato inclinada a dar uma abertura significativa aos alunos. Ela se define como “idealista”, vendo isso como algo positivo, mas que se vê impedida pelo “sistema sufocante” de desenvolver as suas idéias. A respeito do termo usado, As opções ideológicas geralmente possuem grande força de ação, porque são tomadas com exclusão de outras possíveis opções. [...] As inspirações ideológicas [...] deveriam ser reduzidas ao mínimo, para que as pessoas possam optar livre e conscientemente, assumindo plenamente a responsabilidade por suas opções e também para que possam reformular suas decisões no momento em que compreendessem que se faz necessária uma mudança. (SCHMITZ apud. CHINAZZO, 2009)

Quando pergunto como ela lida com os conceitos de criatividade e expressividade nas aulas, primeiramente ela demonstra noções confusas, alegando que há alunos criativos e pouco expressivos, e vice-versa, e finaliza dizendo que “Cabe ao professor criar situações para que os alunos se desenvolvam nesses dois aspectos”, o que, falando em terceira pessoa, parecendo um recorte de um livro, sugere que ela esteja inconscientemente se afastando do papel de professora! 30


Na primeira pergunta ela diz que o que a motiva a continuar educando é “O olhar de curiosidade e vontade de aprender e conhecer que muitos alunos ainda têm”. Mais adiante ela afirma que os desafios que enfrenta na profissão são “Alunos desmotivados, falta de interesse. Os alunos não trazem material para as aulas e desta forma fica difícil fazer um bom trabalho”. Ou seja, fica também bastante claro o caráter de vítima que a professora assume, ao colocar a culpa de um trabalho ruim nos alunos, na infra-estrutura da escola e no sistema. Apesar de este caráter ser basicamente negativo, ele exprime um potencial de mudança, ora, ela vê que não consegue fazer um trabalho plenamente bom. O que lhe falta é uma postura de reflexão mais profunda, e assumir a sua parcela de culpa no fraco desempenho da educação, pois é exercendo o olhar crítico sobre a prática de hoje que se pode mudar a prática de amanhã.

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4 PRÁTICA DE ENSINO

Nível: Ensino Fundamental Série: 6ª Turma: 63 Escola/ Cidade: E.E.E.M. Guimarães Rosa/ Cachoeirinha-RS Professora titular: Rosani Vargas Turno/ Período: Manhã/ 1º Duração: 13 encontros de 50 minutos, com variações2. Tema desenvolvido: Reflexão sobre a realidade mítica contemporânea a partir da cultura visual jovem, e sobre a importância das Artes Visuais neste contexto.

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Devido à suspensão das aulas por causa da gripe H1N1 o primeiro período dos turnos foi acrescido, assim, boa parte dos encontros teve a duração de aproximadamente 65 minutos.

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Justificativa da escolha do tema: Hoje em dia há uma explosão de imagens por todos os lados. No entanto a maioria das pessoas fica anestesiada perante elas, ignorando suas significações. Desta forma abrem mão do poder de decisão na construção da cultura.

Objetivo geral do projeto de ensino: Promover a transcendência dos alunos perante a realidade mítica contemporânea. Ou seja, contribuir na formação de cidadãos esteticamente conscientes e integrados à cultura.

Objetivos específicos do projeto de ensino: Alterar a percepção da realidade; Desenvolver a compreensão estética; Desenvolver a criatividade; Promover o confronto com as mitologias sociais contemporâneas; Promover a interação com as mitologias naturais (subjetivas).

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AULA 1 PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais. Objetivos: Refletir sobre a proposta do P.E.E. “Caçadores de mitos visuais”, identificar imagens relacionadas ao tema apresentado, expressar seu pensamento crítico e percepção estética. Conteúdos: P.E.E. “Caçadores de mitos visuais”, mito. Desenvolvimento: Falar a respeito do projeto para os alunos, justificando o tema e apresentando os conteúdos de forma simples e breve. Dedicar um tempo às dúvidas do grupo para então dar início ao exercício diagnóstico, distribuindo as folhas do exercício e revistas, tesouras e colas para os alunos e explicar que se trata de uma avaliação que será realizada em três passos: primeiramente o aluno deverá escrever sua interpretação sobre o objeto que eu apresentar, um enfeite de árvore de Natal em forma de Papai Noel. Posteriormente o aluno deverá selecionar e recortar imagens que ele relacione com o mesmo objeto, e colá-las na folha do exercício. E por fim, o aluno deverá escrever sua justificativa sobre a escolha das imagens coladas. Após o exercício realizado, recolher as avaliações e as revistas e pedir aos alunos que organizem a sala. Avaliação: Os objetivos serão considerados atingidos se os alunos demonstrarem algum tipo de retorno (atenção, discussão, etc.) quanto à proposta do projeto e realizarem o exercício adequadamente.

REALIZADO A professora entrou comigo na sala, apresentou-me e explicou aos alunos que eu seria a professora deles durante algumas semanas, e sentou-se em uma classe no fundo, realizando a chamada enquanto eu iniciava a aula. Segui tudo o que havia planejado e pude perceber que os alunos, apesar de atentos, compreenderam minha proposta apenas em parte, não havendo reações de 34


grande entusiasmo. Acredito que isso ocorreu por ser uma proposta um pouco diferente do que eles usualmente vivenciam na escola. Quanto ao exercício diagnóstico, que me servirá de base para avaliar o nível de compreensão estética e pensamento crítico de cada aluno, a fim de obter um parâmetro para a avaliação final no projeto, a maioria o realizou sem maiores problemas, alguns com mais entusiasmo do que outros, mas todos adequadamente. Nas respostas dos alunos pude observar que, tendo variações, dois itens se repetiram sempre: família e presentes. Não houve nenhuma menção a Jesus Cristo. Curioso também observar que nas respostas não foi escrito “Papai Noel me lembra...”, e sim, “Natal me lembra...”, ou seja, o personagem se passa pelo Natal, e não por parte dele.

FIG. 9 – Trabalho da aluna Gabriela.

FIG. 10 – Trabalho da aluna Brenda.

A aluna Gabriela (Fig. 9) escreve, sob uma imagem de uma família sorridente, “família me lembra natal, a família reunida e feliz”, e ao lado de um boneco do Batman escreve “brinquedo = presentes no natal”. Já a aluna Brenda (Fig. 10) cola imagens de vestuários e cosméticos e escreve “Natal me lembra... comemoração, festa e presentes”. Interpretando, eu poderia supor que a aluna Gabriela relacionou o Natal com um tipo de mensagem veiculada, que pode ser visto

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em diversas propagandas que enfatizam a reunião familiar, a troca de presentes, a magia deste momento na infância. Quanto à aluna Brenda, aparentemente, ela está narrando a sua realidade nesta época do ano. Certamente são tudo suposições, no entanto ambas apresentam uma visão, sutilmente diferenciada, de um ritual, uma tradição, sem apresentar fundamentos para este ritual. Apesar de o próprio nascimento de Jesus ser parte de uma mitologia, o Natal tornou-se independente. We have suffered what the psychologist Jung terms “an unprecedented impoverishment of symbols”. […] The recession of mythical or metaphorical reference may be observed at almost any level. Ahura Mazda is known today as an electric light bulb; the spirit Mercury is the name of an automobile; and Pegasus, splendid in the antique sky, though recognized almost everywhere today, is recognized nevertheless in the diminished guise of “the Flying Red Horse” – trademark for a gasoline.3 (HOPPER In. CAMPBELL, 1970, p.113 e 114)

Assim, a figura do Papai Noel e o próprio Natal perderam suas referências metafóricas, e se tornaram algo concreto, um personagem e um evento quase que inteiramente comerciais, que nada têm de mágico, apesar da mídia divulgar bastante este aspecto. Tendo feito estas observações, o que pude avaliar como diagnóstico da turma em geral é que o pensamento crítico deles ainda precisa ser muito desenvolvido, assim como a percepção estética: todos os alunos apresentaram um caráter de certezas em suas respostas e relações, não houve questionamentos.

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“Sofremos o que o psicólogo Jung denomina ‘um empobrecimento de símbolos sem precedentes’. [...] A recessão de referência mítica ou metafórica pode ser observado em quase qualquer nível. Ahura Mazda é conhecida hoje como uma lâmpada elétrica, o espírito Mercúrio é o nome de um automóvel, e Pegasus, esplêndida no céu antigo, apesar de reconhecido em quase toda parte hoje, é reconhecido, no entanto, sob a forma reduzida de "Red Flying Horse" - marca de gasolina.” (Tradução nossa)

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AULA 2

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais. Objetivos: Refletir sobre o conceito de mito, assim como suas funções; identificar mitos em imagens da cultura visual. Conteúdos: Mitos; imagens míticas. Desenvolvimento: Explicar para a turma que começaremos a entender o que é e para que servem os mitos. Pedir a participação de toda a turma para desenhar no quadro o Papai Noel tal como eles conhecem, sendo que cada aluno, voluntariamente, deve desenhar algum detalhe da figura até que todos concordem que esta esteja completa. Conduzir, então, com os alunos uma reflexão sobre a história do Papai Noel4, o que ele representa e qual a sua função, juntamente com uma reflexão sobre o porquê de ele possuir aquela aparência, mostrando aos alunos imagens reproduzidas de outros personagens que deram origem ao mito do Papai Noel: Odin (Fig. 11), deus da mitologia nórdica que, acreditava-se, viajava pelo mundo distribuindo nozes e frutas para as crianças; Kris Kringle (Fig. 12), criado por Martinho Lutero para ser o ajudante do Menino Jesus; Frau Holda (Fig. 13), que, segundo a lenda, visitava as vilas germânicas e ao sacudir sua capa, penas de ganso se soltavam e se transformavam em moedas de ouro; e, por fim, São Nicolau (Fig. 14), que fora bispo de Myra na Turquia, sendo considerado milagroso (O PRESÉPIO, 2006). Posteriormente, mostrar uma imagem publicitária da década de 30 da CocaCola (Fig. 15), instigando a turma a fazer uma reflexão das diferenças entre a figura deste Papai Noel com os personagens apresentados anteriormente, e também uma relação deste com o logo da Coca-Cola, encontrados na mesma imagem. Posteriormente contar que este Papai Noel, gordo, idoso e com roupas vermelhas, foi originalmente criado pelo cartunista Thomas Nast em 1886, e a Coca-Cola se utiliza desta imagem para suas campanhas publicitárias, já no século XX, sendo que as cores

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Mudança de percurso: a imagem da adolescente grávida (Fig. 1) foi substituída pelo Papai Noel para esta turma.

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das vestes do personagem são convenientemente as mesmas da embalagem do refrigerante.

FIG. 11 – Georg von Rosen Odin, O Viajante, 1886. Fonte: http://commons.wikimedia.org

FIG. 12 – Kris Kringle. Fonte: http://christmastreasures.com

FIG. 14 – São Nicolau. Fonte: http://gcnturismo.wordpr ess.com

FIG. 13 – Frau Holda. Fonte: http://christmastreasures.com

FIG. 15 – Anúncio da Coca-Cola. Fonte: http://adclassix.com

Partir de toda esta reflexão como um exemplo e, valendo-me das palavras de Roland Barthes (2007, p.199), explicar o conteúdo: “O que, hoje em dia, é um mito? Darei desde já uma primeira resposta, muito simples, que concorda plenamente com

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a etimologia: o mito é uma fala”. Dar continuidade à reflexão, instigando os alunos a identificarem outras funções do mito do Papai Noel, agora em toda sua dimensão. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos, em grande grupo, responderem adequadamente às leituras de imagens e outras questões reflexivas sobre o que é mito e quais são as suas funções a partir do exemplo estudado.

REALIZADO A turma participou espontaneamente da atividade de desenho do Papai Noel, apenas alguns ficaram um pouco tímidos. Bastante detalhistas, os alunos apagavam os traços e refaziam diversas vezes, inclusive os traços dos outros colegas, e também pediam ajuda quando não sabiam ao certo como desenhar os braços, por exemplo. Foram bastante cuidadosos e pareciam se divertir com a atividade, tanto que ela demorou mais do que o previsto, no entanto não prejudicou o plano. A aula teve bastante êxito: a turma participou da reflexão, vários alunos deram sua opinião e apesar da inquietação da turma, que eu observei ser freqüente, a maioria demonstrou interesse. Grande parte dos alunos observou atentamente todas as imagens apresentadas e discutiram entre si suas reflexões sobre o conteúdo, mesmo que com humor. Eles participaram identificando funções, e sem muitas dicas o fizeram adequadamente, e antes de eu contar a história do Papai Noel da Coca-Cola eles já conseguiram relacionar o logo com a imagem do personagem, dizendo que eram as mesmas cores. Acredito que, levando em consideração todo o processo da aula, os alunos conseguiram relacionar o exemplo do papai Noel com o conceito de mito melhor do que eu esperava, já que de acordo com a avaliação diagnóstica feita na aula anterior juntamente com as observações que fiz da turma antes de aplicar o projeto, supus que eles teriam dificuldade de se disporem a refletir.

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AULA 3

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais. Objetivos: Relacionar imagens de celebridades com o conceito de mito, apreciar obras de Andy Warhol e refletir sobre sua atitude artística relacionando conceito de mito, apontar celebridades contemporâneas que representam mitos. Conteúdos: Mitos, Pop Art: Andy Warhol. Desenvolvimento: Conduzir com os alunos leituras de imagens das obras de Andy Warhol, baseados nos quatro estágios propostos por Feldman (referencia), instigando os alunos a relacionarem aquelas pessoas representadas nas obras, Elvis Presley (Fig. 16) e Marilyn Monroe (Fig. 17), com o conceito de mito.

FIG. 16 – Andy Warhol, Elvis (triple Elvis) (1963). Fonte: http://easyart.com

FIG. 17 - Andy Warhol, Marilyn Monroe, Diptych (1962). Fonte: http://filmjournal.net

Segundo Giulio C. Argan (1992), as obras de Andy Warhol apresentam imagens amplamente divulgadas pela mídia, que se tornam mitos ao passarem despercebidas para o nosso inconsciente. Warhol analisa a trajetória descendente ou desintegradora, o iter do consumo psicológico da imagem-notícia. Warhol também coloca um

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problema de valor: apresentando imagens “consumidas”, ele apresenta uma imagem residual, mais consumível, a qual, portanto, sedimenta-se inerte, com infinitas outras, no inconsciente coletivo. (ARGAN, 1992, p.647)

Assim, questionar os alunos sobre o que eles vêem nas obras, o que aquelas imagens lembram e se eles reconhecem as pessoas representadas, como parte da leitura descritiva. Como análise formal, questionar quais os aspectos e características das imagens, quais cores foram usadas, como elas se relacionam e que tipo de imagens são aquelas (desenho, fotografia, pintura, fotocópia...). Na leitura interpretativa perguntar que mensagem eles retiram das obras, por que eles acham que as imagens têm aqueles aspectos, se significam alguma coisa, e o que o artista quis transmitir. E, finalmente, como julgamento perguntar se eles acham que estas obras são importantes, por que são consideradas obras de arte e qual o papel dessas obras na sociedade. Após este momento cada aluno deverá sugerir o nome de alguma personalidade contemporânea para uma breve discussão sobre o que cada uma dessas pessoas tem a ver com mito. Tomarei nota dos nomes sugeridos e pedirei para que todos tragam para a próxima aula materiais de desenho e colagem, onde haverá uma atividade que dará continuidade a presente aula. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos, em grande grupo, responderem adequadamente às questões nas leituras de imagens e participarem do seminário apontando personalidades relacionadas a mitos.

REALIZADO Apresentei as imagens para a turma em lâminas com o retroprojetor e pedi para que eles observassem com um pouco de atenção por cerca de um minuto, porém eles se concentraram muito pouco, e não houve silêncio durante todo o tempo. Antes que eles se dispersassem mais, comecei a fazer as perguntas previstas no plano, e durante toda a leitura percebi uma grande dificuldade deles refletirem, e às vezes até de entenderem as questões, por mais que eu buscasse formas mais simples de explicá-las. Apenas alguns alunos se propuseram a fazer uma análise um pouco mais aprofundada.

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Os estágios mais fáceis para eles foram o descritivo e o formal, a maioria identificou as pessoas representadas apesar de serem personalidades do passado, e falaram características e aspectos como “a mesma coisa se repete um monte de vezes” e “parece manchado... parece que o cara cansou de fazer a mesma mulher e deixou de qualquer jeito”. Nas leituras interpretativas e de julgamento, os alunos tiveram imensa dificuldade, e se demonstraram até inseguros de opinarem, eu tive de dar diversas dicas, mas a partir daí foi complicado até de falar, pois eles se distraíram da aula e começaram a conversar mais e mais alto. Comecei então a dar exemplos de personalidades contemporâneas. Ao falar de Michael Jackson os alunos voltaram a participar, apesar de ainda haver muita conversa paralela. Iniciou-se assim uma discussão interessante, onde eles levantaram diversas notícias que circulavam pela mídia a respeito da morte do cantor, sendo que alguns acreditavam que ele havia morrido, enquanto outros, que ele havia fugido por diversos motivos. Aproveitei a polêmica e instiguei os alunos a refletirem a função de todas essas notícias e quais estavam sendo as conseqüências delas, e lembro-me de uma aluna respondendo “é tudo propaganda, sora, nunca vi tanto clipe dele passando na tv e tanta música tocando no rádio... acho que ele nunca fez tanto sucesso!”. Usei esta resposta como gancho para a atividade planejada, e pedi que eles citassem outras celebridades que eram personagens de situações semelhantes, mas apenas alguns alunos apontaram nomes, que foram: Chris Brown, Rihanna, Britney Spears e Ronaldo (fenômeno). Anotei estes nomes e solicitei os materiais para a semana seguinte.

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AULA 4

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Posicionar-se quanto aos seus pensamentos sobre os mitos relacionados às personalidades, reconstruir a imagem de uma personalidade contemporânea

de

acordo

com

o

posicionamento

tomado,

experimentar

materialidades gráfico-plásticas de forma criativa. Conteúdos: Mitos, Pop Art. Desenvolvimento: Dando continuidade a aula anterior, na qual os alunos refletiram sobre a relação de mito com algumas personalidades e sobre a atitude de Andy Warhol ao representar esta questão, os alunos deverão pegar os materiais solicitados na aula anterior (tesoura, cola, material de desenho e pintura e revistas velhas). Com os materiais em mãos, os alunos deverão se organizar em duplas e cada dupla deverá pegar uma folha, disponibilizada por mim, com o retrato impresso de uma personalidade contemporânea (Chris Brown, Britney Spears, Amy Winehouse, Silvio Santos, Madonna, 50 Cents, Ronaldinho Fenômeno, Pelé, Zé Louco, Michael Jackson e Xuxa), e, lembrando de tudo o que foi discutido anteriormente, cada dupla deverá fazer intervenções na imagem que escolheu, usando colagens, desenho e pintura, afim de ressignificá-las de acordo com suas opiniões. Ao fim do período, pedir aos alunos que organizem a sala e solicitar material de desenho para a semana seguinte. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos adotarem um posicionamento crítico sobre o conteúdo estudado e expressarem suas opiniões e idéias criativamente através da linguagem gráfico-plástica estabelecida.

REALIZADO A turma estava bastante inquieta, e demorou um pouco para que todos se organizassem para a atividade. Nem todos os alunos trouxeram os materiais

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solicitados. Ao distribuir as folhas com os retratos, vários alunos se exaltaram escolhendo quais personalidades queriam, houve inclusive uma grande disputa entre as meninas pela imagem do cantor norte-americano Chris Brown, uma delas não se conformou por não receber a imagem e se negou a fazer a atividade, a menina que pegou a imagem ficou metade da aula sem saber o que fazer de intervenções, e depois acabou recortando-a e colando-a no seu caderno junto com outras imagens do mesmo cantor. Atendi as duplas separadamente, sendo que vários estavam com dificuldades de organizarem as imagens recortadas, e outros tiveram dificuldade de entender a proposta. Uma parte dos alunos trabalhou muito bem, e a outra parte ficou dispersa, conversando muito alto, folheando as revistas sem nem começarem a atividade.

FIG. 18 – Colagem dos alunos Igor S. e Luigi. Fonte: SILVA, 2010

FIG. 19 – Colagem dos alunos Patrick e Igor T. Fonte: SILVA, 2010

Três duplas de meninos fizeram intervenções com conotação sexual. Por exemplo, temos o trabalho dos alunos Igor S. e Luighi, que relacionaram ao retrato do apresentador Silvio Santos um corpo feminino de lingerie (Fig. 18), e dos alunos Patrick e Igor T. que realizaram uma relação bastante semelhante agora com o retrato 44


do jogador Ronaldo (Fig. 19). Apesar de todos eles não terem refletido muito sobre esta intervenção, ficou claro uma atitude de rebeldia e irreverência, até por que os alunos estavam se divertindo ao fazerem isso, no entanto suponho que eles não têm consciência da importância e do significado deste tipo de atitude. Quando eu olhei o que eles estavam fazendo e aprovei, percebi reações de espanto destes alunos, pois certamente eles não esperavam por aquilo, já que nas aulas que eu observei anteriormente, a professora titular ralhava os alunos que expressavam este tipo de atitude com uma expressão no rosto de frustração, pois segundo ela “os alunos não levam nada a sério”. Esta rebeldia é um passo importante que se espera do aluno no processo de mudança, pois é uma resposta indicativa dos efeitos dos questionamentos, não apenas provocados em aula, mas que o aluno faz a si próprio naturalmente nesta fase da vida que é a pré-adolescência e a adolescência. Nas crianças, o criar – que está em todo seu viver e agir – é uma tomada de contato com o mundo, em que a criança muda principalmente a si mesma. Ainda que ela afete o ambiente, ela não o faz intencionalmente; pois tudo o que a criança faz, o faz em função da necessidade de seu próprio crescimento, da busca de ela se realizar. O adulto criativo altera o mundo que o cerca, o mundo físico e psíquico; em suas atividades produtivas ele acrescenta sempre algo em termos de informação, e sobretudo em termos de formação. (OSTROWER, 1977, p.130)

No entanto me parece que na adolescência as pessoas se encontram no meio termo destas duas situações, assim, como dito anteriormente, os alunos produzem significados relevantes, porém não tomaram ainda a consciência das suas realizações. E é neste momento que se faz necessário um trabalho de desenvolvimento desta potencialidade para que a atitude de rebeldia não recalque, nem se torne algo destrutivo. Durante a aula, após observar esta atitude de alguns alunos, intuitivamente pedi que eles falassem a respeito dos seus trabalhos, a fim de provocar uma reflexão maior sobre suas realizações, porém eles tiveram bastante dificuldade, assim, ponderando posteriormente, julguei necessário exercitar mais esta questão com outras atividades

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AULA 5

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Relacionar personagens fictícios, conceito de mito e cultura de consumo; interagir com o processo de criação de imagens míticas; experimentar materialidades gráfico-plásticas de forma criativa; refletir sobre seu próprio processo criativo e sobre a significação de suas criações; apreciar obras de Walmor Corrêa e refletir sobre sua atitude criativa. Conteúdos: Mito, arte contemporânea: Walmor Corrêa. Desenvolvimento: Pedir aos alunos que peguem os materiais de desenho solicitados na aula anterior, e entregar uma folha de papel sulfite juntamente com um papelzinho dobrado contendo uma palavra que expressa um sentimento ou conceito desejável (felicidade, beleza, paz, fama, juventude, força, etc). Pedir aos alunos, um a um, que leiam as palavras em voz alta e relacionem estas a uma cor. Depois explicar a atividade, em que cada aluno deverá criar um personagem (mascote), que represente aquela palavra (conceito ou sentimento), usando a cor citada. Pedir também aos alunos que dêem nomes aos personagens criados. Após todos terminarem, pedir aos alunos que expliquem o desenho criado brevemente. Apresentar então, em lâminas no retroprojetor, duas obras de Walmor Corrêa, “Spider Man” (Fig. 20) e “Ondina” (Fig. 21), e conduzir uma leitura simultânea delas, que será novamente baseada nos estágios de Feldman, porém mais abreviada devido ao tempo. A partir da leitura, explicar que o processo do artista envolve naturalizar seres mitológicos. Walmor optou por mostrar essas figuras estanques, sem vida, soltas no espaço e escalpeladas. Ao mapeá-las, ao expor as suas mais complexas estruturas fisiológicas assimiladas e compreendidas, ele estaria sustentando a condição de verdade para esses híbridos; estaria dando subsídios científicos para que o espectador possa acreditar na existência dos mesmos. (RAMOS, 2007)

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Mostrar também imagens de mascotes publicitárias como Ronald McDonald (Fig. 22) e os M&M´s (Fig. 23), e perguntar aos alunos se eles relacionam estas mascotes aos personagens criados por eles e às obras de Walmor Corrêa. A ciência moderna pôs em evidência este carácter semiológico das nossas atitudes e das nossas crenças. O cão de Pavlov não reagiu às coisas mas aos signos das coisas, e o behaviourismo mostra que os nossos comportamentos são reacções condicionadas aos signos. Para a psicanálise, aliás, estes signos têm a sua fonte em situações arcaicas, inconscientes e irracionais. [...] Assim parece que a maior parte das nossas escolhas – na aparência as mais livres ou, em todo o caso, as mais racionais – estão condicionadas por representações inconscientes de origem mítica. (GUIRAUD, 1973, p. 138 e 139)

Posteriormente o autor cita que as mulheres ao comprarem cremes rejuvenescedores e outros cosméticos estão na verdade comprando imagens da juventude, por exemplo. Assim, ele complementa, “O comércio vende símbolos” (p.141).

FIG. 20 - Walmor Corrêa, Spider Man. Fonte: www.walmorcorrea.com.br

FIG. 21 - Walmor Corrêa, Ondina. Fonte: www.walmorcorrea.com.br

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FIG. 22 – Ronald McDonald. Fonte: http://scrapetv.com

FIG. 23 – M&M´s. Fonte: http://jimbocyberdoc.files.w ordpress.com

Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos, criarem personagens relacionados aos mitos e à cultura de consumo contemporâneos, expressarem

graficamente

suas

idéias

de

forma

criativa,

responderem

adequadamente às questões nas leituras de imagens e perceberem e expressarem verbalmente os significados de suas criações (atitudes).

REALIZADO Os alunos estavam bastante inquietos e vários estavam atrasados, porém não aguardei que se organizassem, e comecei logo a distribuir as folhas e os papeizinhos com as palavras para os que estavam presentes. Alguns minutos depois a conversa diminuiu um pouco e eu pude explicar a atividade para eles. A maioria começou a desenhar, porém, mesmo eu procurando continuamente incentivá-los, não foi todos que concluíram a atividade, o que parece ser de costume destes alunos. Como vários deles estavam me pedindo ajuda, pois tinham dificuldades de expressar suas ideias graficamente e também reclamavam que gostariam de aprender a desenhar bem, sugeri que eles procurassem em revistas imagens que correspondessem ao que eles queriam desenhar, e que partissem dessas imagens como referências para as suas criações. Tive esta ideia pois lembro que este tipo de exercício (“copiar” de fotografias ou outros desenhos) me ajudou muito, quanto eu tinha a mesma idade destes alunos, a entender certas estruturas, tanto dos objetos

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quanto dos elementos gráficos representados. Brent Wilson e Marjorie Wilson estudaram profundamente esta questão: Por meio de investigações feitas por um período de vários anos (Wilson e Wilson, 1976), observamos que as crianças mais bem-dotadas e produtivas em arte desenham primariamente a partir de imagens derivadas das medias populares e de ilustrações [...]. Crianças que foram observadas trabalhando a partir dessas fontes estavam bastante avançadas em sua habilidade de construir idéias visuais e na representação de coisas como esboço, perspectiva, ação em seus desenhos. (In. BARBOSA, 2008, p.61)

Percebi que com este recurso os alunos se sentiram mais seguros, e vários apresentaram desenhos bastante interessantes, como exemplo a aluna Tamiris, que tomou como referencia uma ilustração em uma propaganda da operadora TIM (Fig. 24) para representar a palavra “juventude” em seu personagem (Fig. 25).

FIG. 24 – Ilustração publicitária - TIM.

FIG. 25 – Desenho da aluna Tamiris. Fonte: SILVA, 2010

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FIG. 26 – Desenho do aluno Maxsuel. Fonte: SILVA, 2010.

FIG. 27 – Desenho da aluna Alice. Fonte: SILVA, 2010.

Alguns alunos não precisaram de outras imagens para desenhar seus personagens, como exemplo o aluno Maxsuel, que gosta bastante de desenhar e se considera um bom desenhista, pegou a palavra “diversão” e fez um desenho bastante criativo, inspirado em animes japoneses, intitulado “Start Boy” (Fig. 26). Outra aluna pegou a palavra “fama” e desenhou uma estrela que apesar de bastante estereotipada teve uma composição interessante (Fig. 27). Mas apesar deles se saírem bem com os desenhos, ainda tiveram muita dificuldade em refletir sobre suas criações. Uma aluna inclusive admitiu “ai sora, eu tenho preguiça de pensar... É muito difícil!”. Na leitura das imagens e reflexões posteriores pouquíssimos alunos se propuseram a participar, havendo muita conversa paralela, o que dificultou a discussão e exposição de ideias. Logo em seguida, faltando alguns poucos minutos para o término do período, estes alunos que estavam participando também se distraíram com outros assuntos, então dei por encerrada a aula, solicitando apenas os materiais para a semana seguinte.

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AULA 6

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Refletir e questionar os conceitos e imagens de Deus que permeiam o imaginário e crenças coletivas, relacionando às funções místicas e sociais dos mitos; posicionar-se quanto ao próprio conceito e imagem que se tem de Deus; expressar seu posicionamento plasticamente; refletir sobre seu próprio processo criativo e sobre a significação de suas criações. Conteúdos: Mito, arte contemporânea, origami, Deus. Desenvolvimento: Pedir aos alunos que peguem o material solicitado na aula anterior (folha sulfite A4, material de pintura e desenho, tesoura e cola), e então que fechem os olhos e pensando na sua religião, ou em uma religião qualquer, lembrem a imagem de Deus, ou do ser que é cultuado, e também a história e as características deste ser. Depois disso, pedir que abram os olhos e pensem em silêncio por dois minutos se eles concordam e/ou acreditam em todas estas coisas que são transmitidas tradicionalmente, instigando-os a pensar, por exemplo, por que Jesus Cristo é representado loiro, com a pele clara e olhos claros na maioria das vezes, sendo que ele não é de origem européia e sim médio-oriental. Após esta reflexão, pedir aos alunos que fechem novamente os olhos e imaginem agora a sua visão pessoal de Deus. Dando início a atividade prática, explicar que iremos confeccionar um oratório que vai abrigar esta visão pessoal que eles imaginaram. Pedir então que peguem a folha para que eu possa ensiná-los, passo a passo, a construir uma caixinha de origami (colocar imagem do passo a passo?). Quando todos estiverem com as caixinhas prontas, pedir que desenhem, pintem ou colem o que imaginaram da forma mais expressiva que puderem, lembrando-os de relacionarem, por exemplo, cores a sentimentos, ideias ou coisas para escolherem as mais adequadas pra situação. Prevendo o tempo, pedir que os alunos finalizem o oratório em casa, enfeitando a caixinha por fora, e que a tragam na semana seguinte.

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Antes, porém, de finalizar a aula, instigá-los a refletir sobre a transformação de uma simples ideia em um objeto cheio de significados, e de como uma folha plana se transformou numa caixa e essa caixa serviu de base pra desenho e pintura, e na diferença que transformar esta folha em caixa fez para o trabalho final. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos expressarem seus posicionamentos a partir das reflexões, demonstrando, através da criatividade e do comprometimento com a atividade, uma produção de sentido/compreensão simbólica tanto do conteúdo quanto do processo de criação.

REALIZADO Foi dificílimo iniciar a aula. Os alunos estavam mais agitados que de costume, e se mostraram resistentes a qualquer tentativa de acalmá-los e aquietá-los, porém não consegui descobrir as motivações para esta agitação toda. Só consegui propor a atividade depois de cerca de 15 minutos do início da aula, e julguei melhor eles começarem logo a atividade prática, deixando as reflexões para outro momento. Porém a confecção das caixinhas de origami ocupou todo o resto do período, pois além da bagunça que dificultava que todos os alunos conseguissem acompanhar o passo a passo devidamente, muitos tiveram problemas de assimilar e executar as dobraduras, inclusive por dificuldades motoras, assim eu praticamente tive de orientá-los um por um. Apesar da indisciplina, eles ficaram interessados na atividade, tanto que enquanto eu dava assistência a um, outros vinham impacientes me pedindo ajuda. Ao final do período tive de explicar mais de três vezes o que eles deveriam fazer em casa e trazer na próxima semana, ainda sim percebi que muitos não entenderam, porém a maioria não o fez por pura desatenção. Este episódio me deixou um tanto confusa, pois uma das causas da indisciplina escolar são as atividades desinteressantes propostas pelo professor (IAVELBERG, 2003), no entanto, como dito anteriormente, os alunos estavam curiosos sobre aquele processo de transformar uma folha plana em uma caixa sem o uso de tesoura ou cola. Isto me fez refletir sobre que fatores influenciam nas atitudes deste grupo de alunos, que até este momento vi tão raras vezes em silêncio ou concentrados nas aulas e atividades propostas. Ao questionar a professora titular, ela 52


também demonstrou incertezas sobre este comportamento, e apenas me disse que esta é uma turma difícil e que eles agem assim com todos os professores. Assim, fiquei sem a solução para este significativo problema de ordem pedagógica, o que exige uma melhor reflexão e pesquisa.

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AULA 7

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais. Objetivos: Refletir e questionar os significados e funções de alguns provérbios populares, relacionando com o conceito de mito; interagir com o processo de criação de mitos a partir dos provérbios populares; refletir sobre linguagens e processos criativos na arte contemporânea; apreciar obras de intervenções artísticas. Conteúdos: Mito, arte contemporânea: intervenção, provérbios populares. Desenvolvimento: Pedir para que os alunos mostrem o oratório confeccionado por eles, iniciado na aula anterior e finalizado em casa, e também falem rapidamente a respeito do seu trabalho. Escrever no quadro o provérbio “Deus ajuda quem cedo madruga” e perguntar aos alunos se eles concordam com o ditado ou não e por quê. Conduzir uma breve reflexão sobre a relação deste provérbio com o conceito de mito. Pedir então para a turma que se organizem em duplas, e explicar a atividade, onde cada dupla deverá criar um provérbio popular a partir de conclusões que tiveram ao longo de suas vidas, dando um exemplo pessoal para eles. Explicar que o provérbio é apenas uma frase curta e bastante direta, que normalmente utiliza metáforas, dando também exemplos, no caso de que eles não lembrem, como “Mais vale um passarinho na mão do que dois voando”. Explicar para a turma que será confeccionado, na próxima semana, um carimbo recortando letras e formas em um pedaço de e.v.a., e também que os cartazes impressos a partir dos carimbos serão expostos em alguns espaços da escola, apresentando assim a linguagem das intervenções artísticas, mostrando imagens de alguns grupos de artistas que realizaram estas intervenções, como Pelos Muros (Fig. 28) e Poro (Fig. 29). Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos responderem adequadamente às leituras de imagens e reflexões, e desenvolverem um novo provérbio de acordo com as questões estudadas.

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FIG. 28 - Pelos Muros. Fonte: http://pelosmuros.blogspot.com

FIG. 29 – Poro, ,imagem... cor, 2003. Fonte: http://poro.redezero.org/inicial .html

REALIZADO Nenhum aluno levou os oratórios para a aula, dando as mais diversas desculpa como “minha irmã sentou em cima” e “eu não me lembrei”. A maioria teve dificuldades de criar as frases, e muitos acabaram se dispersando novamente. Ainda, a aula foi interrompida duas vezes pelas candidatas a direção da escola em 2010. Somando, as duas usaram cerca de 20 minutos do período. Interessou-me o que o aluno Francisco disse após os discursos: “quanto mito, né sora?”, o que demonstrou que o conteúdo está sendo assimilado, e que, ao menos este aluno, está desenvolvendo seu pensamento crítico. Quando mostrei as imagens (impressas) das intervenções, alguns alunos questionaram se não seria o mesmo que fazer uma pichação, e por que, então, pichar não era permitido, e aquelas coisas ali eram consideradas arte... Julguei este questionamento muito importante inclusive no que se refere às reflexões que eu procuro provocar nos alunos sobre suas próprias criações e em relação de ter uma atitude rebelde e de entender o porquê desta rebeldia e a sua conseqüência e importância para a sociedade. Houve assim uma discussão polêmica inclusive, porém pareceu-me que apenas dois alunos compreenderam o ponto de vista que eu apresentava. Um fenômeno curioso é que praticamente todos os alunos participaram, mas a maioria o fazia por um ou dois minutos e depois se voltavam a conversar sobre 55


outras coisas totalmente alheias à aula. É como se desistissem ou renunciassem ao seu posicionamento. Como o período estava terminando eu disse aos alunos que daríamos continuidade tanto à atividade quanto à discussão na semana seguinte, e solicitei o material necessário para que eles trouxessem. Pedi também que eles procurassem trazer os oratórios, mas acredito que pouquíssimos me ouviram, pois o barulho estava imenso e eles estavam muito dispersos.

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AULA 8 PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais. Objetivos: Representar e expressar graficamente através da gravura os provérbios populares criados, experimentando a materialidade da linguagem de forma criativa; compreender e apreciar as intervenções artísticas como uma linguagem importante da arte contemporânea relacionando com o conceito de mito; refletir (conscientizar-se) sobre seu próprio processo criativo e sobre a significação de suas criações. Conteúdos: Mito, arte contemporânea: intervenção, design gráfico. Desenvolvimento: Retomando a aula anterior, onde os alunos iniciaram a criação de provérbios inspirados em experiências pessoais, pedir a eles que peguem os materiais solicitados anteriormente (tesoura, e.v.a., pincéis de diferentes tamanhos e ou rolinho e tinta guache) assim como as anotações feitas na aula anterior, e orientá-los a confeccionarem os carimbos, onde primeiramente eles deverão desenhar as letras no e.v.a., observando alguns princípios de design, a fim de tornar o cartaz mais interessante, expressivo e claro, e posteriormente recortar as letras. Segundo Robin Williams (1995), há quatro princípios básicos do design gráfico que são: contraste, repetição, alinhamento e proximidade. Assim, o principio de proximidade diz que “itens relacionados entre si devem ser agrupados e aproximados uns dos outros, para que sejam vistos como um conjunto coeso e não como um emaranhado de partes sem ligação” (p.15). O princípio de alinhamento diz que “nada deve ser colocado arbitrariamente em uma página. Cada item deve ter uma conexão visual com algo na página” (p.27). Segundo o princípio de repetição, “algum aspecto do design deve repetir-se no material inteiro” (p.43). E por fim, “segundo o princípio do contraste, se dois itens não forem exatamente os mesmos, diferencie-os completamente” (p.53). Após os carimbos confeccionados, os alunos deverão realizar ao menos uma cópia impressa. Eles deverão passar tinta guache no e.v.a., com pincel ou rolinho, e deverão pressionar o carimbo com cuidado, para que não manche, contra a folha sulfite, para então retirá-lo com o mesmo cuidado, e pendurar a folha com um

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prendedor em um varal, improvisado no fundo da sala, para secar, repetindo o processo em aula, se houver tempo, ou em casa por mais quatro vezes. Enquanto eles trabalham, retomar a discussão sobre as intervenções artísticas, e, para que assimilem melhor a questão, apresentar outras obras como uma das placas adulteradas pelo artista Guga Ferraz (Fig. 30) em vários pontos do Rio de Janeiro, que fazem uma alusão aos ônibus que foram incendiados por traficantes. Também a obra Poste Readymade Circuito: Fonte Pública, do grupo Go To (Fig. 31), em que apresenta um mictório instalado em um poste, em referência à obra “A Fonte” de Marcel Duchamp, brincando com a realidade urbana de alguns homens que urinam na via pública. E por último a Obra Limpa I, de Rodrigo Paglieri (Fig. 32), que se trata de [...] uma intervenção urbana criada a partir da limpeza dos azulejos do viaduto do eixo rodoviário do Plano Piloto em Brasília. Retirando o monóxido de carbono e a poeira dos azulejos das paredes, são desenhadas janelas que abrem espaços simbólicos, no espaço concreto da cidade. A limpeza cria o vazio que dá lugar à ausência e a memória, uma grafia que nasce do apagar. É uma proposta poética que busca dialogar com o espaço urbano da capital, pensando este lugar a partir da sua identidade social e cultural, em busca de uma aproximação do lugar antropológico da cidade. (RODRIGO..., 2006)

Instigar os alunos a relacionarem esta linguagem juntamente com o processo desenvolvido por eles com o conceito de mito, e perguntando o que eles acham que aqueles provérbios criados por eles significam como parte de uma intervenção que será realizada pela turma no espaço escolar, provocando-os novamente a refletirem sobre suas atitudes, agora inseridos em um contexto específico. Antes do término do período, pedir aos alunos que organizem e limpem a sala. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos representarem de forma criativa e expressiva os seus provérbios, apontarem relações entre estes provérbios e a intervenção com o conceito de mito, e perceberem e expressarem verbalmente os significados de suas criações (atitudes).

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FIG. 30 - Guga Ferraz, Ônibus. Fonte: http://www.polemica.uerj.br

FIG. 31 - Go To, Poste Readymade Circuito: Fonte Pública. Niterói/RJ, 2002. Fonte: http://www.polemica.uerj.br

FIG. 32 - Rodrigo Paglieri, Obra Limpa I. Fonte: http://www.polemica.uerj.br

REALIZADO A turma estava novamente muito agitada, então pedi que eles se organizassem nas suas duplas e pegassem o material solicitado e fui explicando a atividade aos poucos para os que iam se organizando. Eles entenderam facilmente como confeccionar os carimbos, porém não tiveram a mesma facilidade com os princípios do design, pediram que eu explicasse diversas vezes. Boa parte da turma iniciou a atividade, porém depois de certo tempo vários alunos desistiram, ou por 59


encontrar dificuldade motora para recortar as letras, ou por que, no julgamento deles, encontraram algo mais interessante pra fazer. Os alunos que não participaram foram os mesmos que não o fizeram também na aula anterior. Vários dos que estavam trabalhando se distraíam muito fácil e executavam a atividade vagarosamente. Apenas duas duplas concluíram toda a atividade realizando inclusive duas impressões cada uma.

FIGS. 33 e 34 – Gravuras das alunas Amanda e Paola C. Fonte: SILVA, 2010.

As alunas Amanda e Paola C. estava com dificuldade na criação da frase desde a aula passada, e acabaram usando um provérbio alterado, já conhecido, de cunho humorístico “A união faz açúcar” (Fig. 33 e 34). Apesar disso, elas trabalharam plasticamente de forma criativa, recortando a margem do carimbo, criando texturas com um lápis e misturando as cores azul e amarelo na segunda impressão. Os alunos Ederson e Lucas escreveram uma frase a partir de um comentário que Ederson havia feito no final da sexta aula, “A fé é tosca” (Fig. 35). Eles realizaram tudo rapidamente e fizeram as impressões usando apenas a cor vermelha... Na verdade eles só fizeram duas impressões, pois a primeira ficou invertida. Foi uma surpresa quando eu vi esta dupla trabalhando, pois eles não haviam participado de nenhuma aula até então.

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FIG. 35 – Gravura dos alunos Ederson e Lucas. Fonte: SILVA, 2010.

Mostrei as imagens das obras de intervenção para a turma, que foi passada de mão em mão, mas eles não estavam mais interessados em discutir o assunto. Eu falei brevemente das obras e expus algumas idéias, porém ninguém na turma esboçou reação. Pedir que eles refletissem sobre a criação deles foi igualmente inútil. Alguns até prestaram atenção ao que eu dizia, no entanto não responderam de forma alguma, como se aquele pedido não fosse endereçado a eles. Neste dia perguntei a eles se tinha algum tipo de atividade que eles quisessem fazer nas minhas aulas, e quando um aluno sugeriu que víssemos um filme unanimemente a turma concordou e sugeriram inclusive que fosse um filme de terror em função do 31 de outubro (Dia das Bruxas) que estava próximo.

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AULA 9

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Apreciar obras do período surrealista; refletir sobre a importância dos sonhos e do imaginário a nível individual e social, relacionando com o conceito de mito; expressar o imaginário presente nos sonhos de forma criativa; refletir sobre seu próprio processo criativo e sobre a significação de suas criações. Conteúdos: Mito, sonhos, surrealismo, design gráfico. Desenvolvimento: Apresentar para a turma, em lâminas no retroprojetor, quatro obras do período surrealista5: “A persistência da memória” (Fig. 34) e “Girafa em Chamas” (Fig. 35) de Salvador Dali; “The Kiss” (Fig. 36) e “At The First Clear Word” (Fig. 37) de Max Ernst. Propor uma leitura livre, simultânea e breve, pedindo aos alunos que descrevam o que estão vendo nas obras, uma por uma, depois questionar como são estas imagens em termos de forma, o que elas têm em comum, o que elas lembram e o que eles acham que elas significam. Instigar os alunos a relacionarem as obras com sonho e imaginação. Apresentar algumas das idéias do manifesto surrealista, em que se objetivava a libertação total do homem através do acesso ao inconsciente. Assim, os surrealistas se interessaram pelos mitos, pois [...] na medida em que é simbólico, em que significa a confissão de impotência da razão em fazer compreender pela lógica mistérios cosmogónicos, procede por raciocínio analógico, coincidindo assim com o pensamento primitivo e com a busca surrealista de uma decifração universal, quer pela sua forma, quer pelo seu conteúdo. (DUROZOI; LECHERBONNIER,1972, p.186)

Segundo os mesmos autores os surrealistas acreditavam que deveriam se livrar dos mitos antigos, a maioria de cunho religioso, e criarem um novo mito coletivo “capaz de exprimir e de animar os desejos de transformação radical dos

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Mudança de percurso.

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homens” (1972, p.187). Finalizar explicando que todas estas idéias dos surrealistas se transpuseram nas artes visuais em forma de imagens oníricas.

FIG 34 – Salvador Dali, A Persistência da Memória (1931). Fonte: http:// moma.org

FIG. 36 – Max Ernst, The Kiss. Fonte: http://artinthepicture.com

FIG. 35 – Salvador Dali, Girafa em Chamas (1937). Fonte: http://www.salvador-dali.org

FIG. 37 – Max Ernst, At the first clear word. Fonte: http://artinthepicture.com

Após este momento, propor a atividade para a turma, onde eles deverão criar um encarte, ou de filme ou de livro, baseado em algum sonho noturno deles, de preferência o mais sem nexo, como se, hipoteticamente, os sonhos deles pudessem

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ser apreciados por outras pessoas em forma de filme ou livro. Os elementos que devem compor obrigatoriamente o encarte são: título, autor, manchete, ilustração e sinopse. Apresentar como exemplo o encarte do filme “A Vila” (Fig. 38). Lembrá-los dos quatro princípios do design gráfico, já trabalhados na aula anterior. Eles deverão usar uma folha sulfite dobrada ao meio, e as imagens poderão ser criadas a partir de colagens e/ou desenhos, e deverão procurar usar cores que eles relacionem com os sentimentos e impressões que tiveram ao terem o referido sonho.

FIG. 38 – Encarte de DVD do filme “A Vila”. Fonte: http:// englishmovieslist.blogspot.com

Provocar nos alunos uma reflexão sobre suas criações, e instigá-los a relacionarem estas às idéias do manifesto surrealista descritas anteriormente. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos responderem adequadamente as leituras de imagens, permitirem-se compartilhar seus imaginários (sonhos) com a turma e expressá-los de forma criativa, posicionarem-se em relação às suas criações.

REALIZADO Havia bastante ruído na sala, porém ao pedir um pouco de silêncio para falar a respeito das obras, o barulho diminuiu consideravelmente. Ao apresentar as 64


imagens vários alunos reconheceram a obra “A persistência da memória” de Dali, e não foi muito difícil eles relacionarem as imagens à fantasia e sonho. Eu apresentei as ideias do manifesto surrealista, e um aluno, Patrick, comentou “nossa... viajaram na batatinha”. Eu disse a este aluno que era justamente essa a intenção, e ele demonstrou uma reação de incredulidade. Então eu perguntei pra ele se tudo no mundo era lógico e fazia sentido pra razão, ele pensou um pouco e respondeu “acho que não”. Outros alunos concordaram com a resposta mesmo que sem tanta firmeza, e então parti para a atividade prática enquanto eles ainda estavam interessados na aula. Expliquei a atividade para o grande grupo, mas precisei explicar novamente para grupos menores, pois muitos não haviam entendido muito bem a proposta. Os ruídos foram aumentando novamente e cada vez mais, e apenas metade da turma trabalhou. Vários alunos, a maioria meninas, estavam se divertindo ao conversarem entre si sobre seus sonhos, procurando o mais “sem noção” como disseram. No entanto outros vários alunos alegavam que não sonhavam ou que não se lembravam de nenhum sonho, e não sabiam o que fazer. Alguns alunos também não ficaram confortáveis em expor seus sonhos. Sugeri então que inventassem, sem pensar muito, uma história tão maluca quanto seria um sonho. Nenhum aluno completou todos os itens solicitados, a maioria fez só o título e um esboço da ilustração, no entanto eles me perguntaram se poderiam terminar em casa, e dois me perguntaram se poderiam fazer no computador. Eu respondi que poderiam, pois, já que eles estavam entretidos com a atividade e foram eles que pediram e não eu que solicitei, eles poderiam de fato trazer os trabalhos prontos na aula seguinte. Apenas a aluna Amanda terminou a capa em aula. O trabalho intitulado “O Leão” (Fig. 39), apresenta um leão e no canto esquerdo uma placa escrita “Av. Flores da Cunha”. Este é o nome na principal avenida do município de Cachoeirinha. Ela não fez a sinopse, porém me relatou que sonhou que um leão estava solto na avenida, e que todos tinham medo de sair de casa por causa dele. Não é uma história tão onírica assim, mas meu interesse não é fazer uma análise psicanalítica dos alunos, apenas queria que eles libertassem e expressassem seu imaginário.

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FIG. 39 – Desenho da aluna Amanda. Fonte: SILVA, 2010.

No fim do período, novamente os alunos ignoraram totalmente minha presença quando pedi que falassem a respeito do trabalho deles e que refletissem sobre o que aquilo ali representava. Sobre os cartazes realizados na aula anterior, a administração não permitiu que fossem expostos no mural da escola.

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AULA 10

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Apreciar o filme apresentado em seus aspectos estéticos; identificar no filme relações de sua história e narrativa com o conceito de mito; refletir, questionar e posicionar-se quanto às idéias apresentadas no filme em relação a realidade tanto pessoal quanto social. Conteúdos: Mito Desenvolvimento: Acompanhar a turma até a sala de vídeo da escola onde será exibido o filme “A Vila” (2004) do diretor M. Night Shyamalan. Explicar para a turma os pontos que eles devem prestar bastante atenção no filme (cenário, figurino, trilha sonora, características dos personagens, história, narrativa, diálogos, etc.) para discutirmos na próxima aula. Como filme de suspense, A Vila trata de um enigma, partindo de uma premissa inicialmente absurda para os tempos atuais. Os habitantes de um vilarejo (a vila do título) encravado numa floresta vivem isolados do mundo exterior, pois ninguém pode cruzar a fronteira do bosque que cerca o lugar. Há anos foi firmado uma espécie de pacto com os estranhos seres que vivem na mata, e nenhum humano pode se aventurar bosque adentro ou coisas terríveis podem acontecer. Quando alguns animais começam a aparecer esfolados e marcas vermelhas amanhecem nas portas das casas de todos, fica evidente que a paz com os habitantes da floresta foi de alguma forma perturbada. O jovem Lucius (Joaquin Phoenix) é o único com coragem para atravessar o bosque em busca de remédios para seu povo, mas ele é contido pelos habitantes mais velhos. (KOLLISION, 2004)

O filme ilustra muito bem como um mito se instala no imaginário das pessoas assim como os efeitos que podem ser causados no modo de vida destas. Desta forma, o filme serve para retomar todo o conteúdo do projeto como também instigar a outras reflexões sobre o tema. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos apreciarem integralmente o filme apresentado, para posterior reflexão referente o conteúdo mito.

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REALIZADO Foram-me

disponibilizados

dois períodos para que os alunos assistissem ao filme na íntegra em um mesmo dia. Desenvolvi esta aula em função do pedido da turma, na oitava aula, de que gostariam de ver um filme de terror. Eu estava esperançosa de que eles apreciariam e aproveitariam bem o momento,

e,

sendo

um filme de

suspense, ele se concentrariam.

FIG. 40 – Imagem do filme “A Vila”. Fonte: http://transformarse.wordpress.com

No entanto ocorreu justamente o oposto, eles demoraram a se organizar para ia até a sala de vídeo, que era um local bastante pequeno e desconfortável, conversavam muito e ao colocar o filme, dublado, como eles pediram, ninguém ficou em silêncio, e uns reclamavam que queriam ver o filme e geravam assim ainda mais confusão. Não houve um minuto de silêncio durante todo o filme, pouquíssimos alunos conseguiram se concentrar apesar disso, e havia muitas brincadeiras e comentários sobre o que acontecia no filme: novamente a atitude rebelde, de resistência, porém ainda não construtiva (não criativa). Alguns alunos também saiam da sala o tempo todo e vários nem sequer voltaram, sendo que eu fui orientada pela direção a não deixar os alunos sozinhos. Esta atitude deles me deixou novamente muito confusa e desorientada sobre o que eu deveria fazer como educadora tanto naquele momento como nas aulas seguintes.

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AULA 11

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Identificar relações entre o filme “A Vila” e o conceito de mito; expressar seu posicionamento verbalmente; expressar seu imaginário através da performance. Conteúdos: Mito, performance. Desenvolvimento: Pedir para a turma que se organizem em círculo e dar início a um breve debate sobre o filme assistido na aula anterior, “A Vila”. Roteiro de questões:

Qual a idéia central do filme?

Quais as passagens mais significativas?

Quem deu início à história “daqueles de quem não falamos”? E qual

seria a função dessa história? Podemos dizer que se trata de um mito? Quais os aspectos negativos e positivos desta história?

Por que o vermelho é a cor ruim e o amarelo a cor segura?

Será que a trilha sonora, o figurino e os cenários contribuem na

narrativa do filme?

Na cena em que a personagem Ivy entra no bosque e ela tenta convencer

o outro rapaz a não deixá-la sozinha mostrando para ele as “pedras mágicas”, o que acontece? Essa situação (cena) representa alguma coisa, quer dizer algo específico, ou foi só para “encher lingüiça”?

Qual a mensagem que tirou do filme? Considerou verdadeira ou falsa,

boa ou ruim? Após o debate, propor uma atividade de performance baseada no filme. Para Renato Cohen (1989, p. 28), “a performance é antes de tudo uma expressão cênica: um quadro sendo exibido para a platéia não caracteriza uma

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performance; alguém pintando esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la”. O mesmo autor relaciona a performance à live art: “A live art é a arte ao vivo e também a arte viva. É uma forma de se ver arte em que se procura uma aproximação direta com a vida, em que se estimula o espontâneo, o natural, em detrimento do elaborado, do ensaiado” (1989, p.38). A atividade então consiste em os alunos, em grupos, representaram uma cena do seu cotidiano (cultura), que seja relacionada ao que foi discutido sobre o filme, aproximando assim o conteúdo estudado com a vida, com as suas realidades. Para isso, eles devem se reunir e rapidamente decidir o que será representado, e apresentar suas performances improvisadamente. Após as apresentações, pedir aos alunos que organizem a sala. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos responderem adequadamente

as

questões

do

debate,

apresentarem

e

defenderem

um

posicionamento adequadamente, relacionarem as questões refletidas às próprias vidas, e participarem da performance expressando seu imaginário.

REALIZADO Os alunos demoraram muito a entrar na sala e também a se organizarem. Quando finalmente iniciamos o debate, eles tiveram muita dificuldade de responderem as questões lançadas. Havia também muita conversa paralela. Como eu percebi que ficaria ali falando sem ser ouvida, procurei chamar a atenção deles e iniciar uma conversa a respeito da situação da turma, do porquê da atitude deles, do porque de toda bagunça e descaso mesmo quando era uma atividade solicitada por eles, como foi o caso do filme. Assumi que estava muito confusa com a situação e queria entender através deles o sentido de tudo aquilo. Falei para eles inclusive de toda a dedicação que estava colocando naquele projeto e nas aulas, e que eu não estava vendo nenhum resultado, questionando-os se era eu quem estava fazendo tudo errado ou se havia alguma outra coisa que estava provocando aquela atitude deles. Neste momento eles ficaram em silêncio, e o que eu pude perceber é que eles não sabiam o que dizer. Um aluno, depois de algum tempo, disse “suas aulas são legais... o problema é que ninguém respeita”. Então eu perguntei por que não respeitavam, se era por 70


desrespeito mesmo, ou se tinha um motivo justo, ou ainda se eles não percebiam o que estavam fazendo. Novamente não veio nenhuma resposta da turma. Eu perguntei novamente se alguém tinha alguma idéia ou hipótese para o que estava acontecendo e disse “agora eu quero que vocês falem, mas falem comigo, e me digam o que está acontecendo”. Eles ficaram um bom tempo em “quase” silêncio, eis que uma aluna disse “é que aqui ninguém ta a fim de estudar, sora”, e eu perguntei “então, o que vocês estão fazendo aqui?”. Novamente eles nada responderam de volta. Disse aos alunos que na semana seguinte iniciaríamos a última atividade do projeto, e pedi que eles escolhessem entre duas opções, a primeira seria um ato performático, que estava prevista para esta aula, e expliquei o que era uma performance assim com havia previsto no plano. A segunda opção seria uma retomada do exercício dos oratórios, mas um pouco diferente do que foi planejada no início. Pedi que todos participassem pelo menos desta atividade, e para incentivá-los mais disse que daria um prêmio para todos que participassem e finalizassem os trabalhos. Enquanto isto as conversas já haviam voltado, mas depois de algum tempo eles decidiram que preferiam os oratórios. Os argumentos para tal decisão, conforme o aluno Maxsuel falou é que “nem todos vão querer fazer esse negócio aí, mesmo com o prêmio, aí vai ficar sem graça...”. Solicitei então o material que seria necessário para os oratórios (tesoura, cola, material de pintura e desenho), e pedi que organizassem a sala antes do término do período.

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AULA 12

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Relacionar mito com a cultura de consumo contemporânea; Conteúdos: Mito; arte e cultura contemporânea; origami. Desenvolvimento: Apresentar para a turma, em lâminas no retroprojetor, imagens da personagem “Afrodite de Peixes” da série “Cavaleiros do Zodíaco” de Masami Kurumada (Fig. 41) e também da obra de Sandro Botticelli “O Nascimento da Vênus” (Fig. 42), fazendo uma leitura simultânea das características de cada imagem e da representação delas. Ambas são representações da deusa da mitologia grega Afrodite (Vênus), vista como a deusa do amor, do sexo e da beleza. Questionar os alunos a encontrarem relações destas palavras (amor, sexo e beleza) com os elementos das duas imagens, tanto cores, como objetos representados.

FIG. 41 – Afrodite de Peixes, da série Cavaleiros do Zodíaco. Fonte: vitaminab.blogspot.com

FIG. 42 – Sandro Botticelli, O Nascimento da Vênus. Fonte: http://sol.sapo.pt/blogs/nenufar

Escrever no quadro outros deuses da mitologia grega e suas funções correspondentes: Afrodite, amor, beleza, sexo; Apolo, beleza masculina; Ares, guerra, violência, força bruta; Atena, sabedoria; Zeus, autoridade, liderança; Sereias, sedução; Hera, poder feminino/ matriarcal; Narciso, vaidade; Ninfas, juventude 72


feminina, encanto; Héstia, paz, equilíbrio; Atena, cultura, conhecimento; Cupido, paixão; Graças, alegria de viver; Dionísio, boêmia; Midas, sucesso; Pã, alegria festiva, diversão; Hermes, liberdade, velocidade; Dédalo, criatividade; Hefestos, indústria, produção; Ícaro, ideal, sonho, pretensão; Hércules, força, poder, grandiosidade, heroísmo; Odisseu, aventura, superação, esperteza; Penélope, esperança, fidelidade (MATTIUZZI, 2000). Pedir aos alunos que cada um escolha um dos deuses apresentados, sendo que não se repitam, para então procurar em revistas uma imagem de um produto que represente aquela mesma função do deus, exemplificar no caso de Afrodite, que o aluno encontre alguma imagem de produto de beleza, por exemplo, ou que faça referência ao amor ou sexo, mas que de preferência encontre um único produto que esteja relacionado às três palavras. Lembrá-los da atividade das mascotes realizada na quinta aula, onde a partir de uma palavra eles criaram um personagem que a representava. A imagem escolhida não pode ser muito grande, pois vai ser colada no fundo da caixa de origami. Quando todos tiverem encontrado as imagens, iniciar a construção de novas caixinhas de origami, orientando-os passo a passo. Ao término do período, pedir aos alunos que organizem a sala, e que me entreguem as suas caixinhas e imagens para que eu guarde, evitando assim que eles esqueçam na próxima aula. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos responderem adequadamente as questões na leitura de imagens, iniciarem a construção dos oratórios adequadamente, e demonstrarem entendimento sobre o que estão realizando.

REALIZADO Apesar das conversas, ao apresentar as imagens, logo a maioria demonstrou interesse pela personagem dos Cavaleiros do Zodíaco, e ao fazer a leitura simultânea, não demorou muito e alguns alunos perceberam a relação de cores entre as duas figuras, porém não sabiam exatamente como expressar. A aluna Alexia falou “parece que foram usadas as mesmas cores, mas tá diferente, sei lá, não sei explicar!”. Perguntei então onde que as mesmas cores se repetiam nas duas imagens, e a mesma 73


aluna, depois de alguns segundos, levantou-se e apontou diretamente nas imagens projetadas no quadro, o cabelo azul da personagem e o céu, as águas e o manto da figura masculina no canto superior esquerdo, todos azuis, da pintura de Botticelli. Outra aluna, Amanda, interveio e apontou verbalmente “o dourado ali (armadura na Fig. 41) também tem nos cabelos dos outros (Fig. 42)... E a cor de pele, são bem clarinhas nas duas...”. Perguntei qual a diferença dos azuis nas duas imagens. Alexia respondeu que o azul dos cabelos era mais bonito, mais chamativo, mais vivo, e que na pintura estavam meio apagados. A aluna Paola F. então disse “a pintura também é bonita, mas não chama tanto a atenção”. Perguntei o que o azul podia representar nas duas imagens, e eles responderam que achavam que era a mesma coisa. Perguntei o que era essa coisa então que os dois representavam, e um aluno disse “água, por que ela é de peixes!”. Falei que Afrodite, segundo a lenda, foi gerada a partir das espumas do mar, tendo estas espumas se formado quando Cronos cortou e atirou ao mar os órgãos sexuais de seu pai Urano. Os alunos então perceberam a relação das imagens com o mito de Afrodite. Propus a atividade, e percebi em boa parte dos alunos uma reação de entendimento, e a julgar pelo entusiasmo, sutil, mas incomum com que fizeram a atividade, percebi claramente um dos motivos pelos quais os alunos estavam tão desinteressados e alheios as aulas: a falta de entendimento. Ao fazermos as caixas de origami, não houve tanta confusão quanto na primeira vez, na sexta aula, e a maioria finalizou antes do término do período. Certamente não foram todos os alunos que participaram, mas esta aula foi, acredito, a mais produtiva até agora em todo o projeto.

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AULA 13

PLANEJADO Tema: Caçadores de mitos visuais Objetivos: Relacionar mito com a cultura de consumo contemporânea; construir oratórios como objetos significativos; refletir e posicionar-se sobre todo o projeto “Caçadores de mitos visuais”. Conteúdos: Mito; arte contemporânea; cultura contemporânea (consumo); projeto educativo de ensino. Desenvolvimento: Devolver os trabalhos de cada aluno para retomar a construção dos oratórios. Os alunos deverão finalizar as caixinhas de origami, colar a imagem do produto no fundo da caixa, decorá-la, e escrever o nome do deus referido em algum lugar visível na caixa. Montar então um painel com todos os oratórios. Realizar um seminário onde os alunos serão questionados a respeito do que eles acharam de todo o projeto, do que eles aprenderam, se o que foi trabalho ali foi útil de alguma forma, etc. Colocar para eles também o meu ponto de vista. Avaliação: Os objetivos terão sido atingidos se os alunos construírem os oratórios adequadamente, demonstrarem construção de sentido em relação à atividade específica e em relação a todo o projeto.

REALIZADO Boa parte dos alunos se apresentou interessada em dar continuidade a atividade, e assim o fizeram concluindo os oratórios relativamente rápido. Surgiram ideias muito interessantes, e vários alunos fizeram relações criativas e inteligentes, como a aluna Amanda, que relacionou a bebida de soja Ades com a deusa Héstia (paz e equilíbrio) (Fig. 43). O aluno Maxsuel, por sua vez, relacionou a televisão à Atena (cultura e conhecimento) (Fig. 44). Todos eles sugerem

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uma crítica à sociedade de consumo contemporânea, o que era o objetivo desta atividade: trazer a luz os mitos contemporâneos. O painel não foi montado, pois os alunos queriam levar para casa seus oratórios.

FIG. 43 – Trabalho da aluna Amanda. Fonte: SILVA, 2010.

FIG. 44 – Trabalho do aluno Maxsuel. Fonte: SILVA, 2010.

Ao fazer as reflexões, finalmente a maioria dos que realizaram a atividade conseguiu expressar seu posicionamento e o entendimento que teve deste processo adequadamente. O aluno Francisco disse “agora deu pra entender direito o que os mitos têm a ver com a gente”, e perguntando para o resto da turma se eles concordavam com o colega, nem todos responderam, mas os que o fizeram disseram concordar, no entanto ainda sem muita firmeza. Após ouvi-los, coloquei meu ponto de vista de como foi todo o projeto, eles escutaram, porém não comentaram nada, acredito que por estarem muito ansiosos com a pequena confraternização que organizaram. O resto do tempo então foi dedicado a esta confraternização.

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CONCLUSÃO

E

ntrei em uma densa selva desconhecida e amedrontadora, onde não havia sequer trilhas. Para atravessar esta selva eu precisei sozinha abrir

caminho, pois ninguém o podia fazer por mim. Irônico como esta percepção metafórica se enquadra perfeitamente no tema do projeto. Caçando mitos com os alunos, acabei caçando também mitos de ensino e tornei-me um personagem mitológico vivendo minha própria aventura homérica. Eu esperava muitas coisas deste processo, dentre elas que todos os objetivos fossem atingidos e que os alunos aprendessem tudo o que eu pretendia ensinar. Assim o projeto “Caçadores de Mitos Visuais” seria um grande sucesso. Nada disso aconteceu. Então surgiram questões a serem refletidas. O que é sucesso, afinal? Qual o propósito deste empreendimento se eu não posso obter o que desejo? No caminho precisei transpor as barreiras do sistema de ensino, passar pelas provas dos desinteressados e dos limites, além de lidar com o apavorante encontro com o “ogro Incômodos”. A BARREIRA DO SISTEMA DE ENSINO Muita da dificuldade que eu encontrei ao aplicar o projeto foi relativa à desvalorização da arte e da arte-educação no Brasil. Logo na minha primeira semana de estágio, quando eu esperava a professora titular na sala de professores para as observações silenciosas, outra professora puxou assunto e me perguntou se eu era estagiária e que curso eu fazia. Respondi que fazia artes visuais e ela, sem nem sequer

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disfarçar uma expressão de pena, me desejou boa sorte e se dirigiu para falar com outra pessoa. Houve um episódio no qual isso tudo se tornou realmente um problema: o cartaz realizado na oitava aula pelos alunos Ederson e Lucas. Estes alunos nunca participavam das aulas, e mesmo o trabalho deles não ter se caracterizado como um provérbio, que foi o proposto. Só o fato de eles terem se expressado plasticamente através da atividade foi muito significativo. Eu poderia dizer que eles começaram, mesmo que de forma ainda “tosca”, a valorizar a expressão artística. No entanto a escola não experimentou a mesma mudança perceptiva, pois não permitiu que aquele cartaz, e o das outras alunas, fossem expostos na escola. Todas estas situações não são novas, e eu sabia que iria encontrá-las pelo caminho, até porque esta é uma questão muito discutida no curso. Mas vivenciá-la na prática é diferente do que na imaginação. Sendo assim, eu não transpus a barreira, tomei um atalho afim de poupar energia, mas sei que minha postura deverá ser diferente no futuro. A PROVA DOS DESINTERESSADOS Quando eu percebi que o que gerava a resistência dos alunos era a falta de interesse destes, eu me pus incessantemente em busca de soluções. Por isso, ao repensar o projeto inúmeras vezes, este tomou a forma de um processo de ensaio e erro. E eu errei muito por perceber o erro e não conseguir distingui-lo das ilusões. Afinal, a falta de interesse ainda era só um sintoma. Eu só fui compreender que a causa era a desapropriação dos alunos com os conteúdos e as atividades quando a aplicação do projeto estava na reta final. Há uma grande diferença entre conteúdos desenvolvidos e dimensão simbólica, e este é outro grande mito da educação sobre o qual eu também já havia lido a respeito. O que importa para os alunos não é o conteúdo em si, mas o que este representa na vida deles. Ou seja, é preciso que os alunos vivenciem e integrem o conteúdo, e não “decorem uma abstração”. Por exemplo, o exercício de desenho na segunda aula foi uma escolha feliz, pois os alunos puderam perceber de uma forma mais natural o quanto aquela imagem, o Papai Noel, estava enraizada no imaginário de todos. Não é à toa que foi uma das aulas em que eles mais participaram. Assim, a dificuldade que eu percebi nos alunos em refletir não vinha tanto da personalidade da turma quanto da falta de 78


clareza e compreensão simbólica que eles tinham dos conteúdos e da proposta do projeto. Outra escolha feliz foi na terceira aula, e dessa vez improvisada, em que citei o caso então recente da morte de Michael Jackson. Seja pela discussão na mídia ou pelo que pessoas próximas a eles falavam a respeito, os alunos estavam mais apropriados do assunto, o que possibilitou que eles expressassem suas opiniões e acompanhassem a reflexão que eu propunha. Isso também deixou claro que se eles não se expressavam não era por vergonha ou resistência, mas pela desapropriação. Por não conhecerem direito os conteúdos e não conseguirem integrá-los às suas vidas. Certamente esta apropriação dos alunos com o tema/ conteúdos deve ser incessantemente trabalhada. Este dado se torna de extrema relevância para futuros projetos de ensino, e com ele percebo que fui impaciente demais, pois cobrava dos alunos algo que eles não poderiam me dar naquele momento. Priorizando mais o desenvolvimento da crítica racional do que o desenvolvimento da compreensão em todos os aspectos, eu perdi de vista o meu papel como educadora, pois eu mesma não estava apropriada deste papel. A metodologia utilizada nas aulas foi basicamente forçar os alunos, seja por uma participação, uma expressão ou uma reflexão. Mas este método desesperado não poderia mesmo ser eficiente, pois eu não estava tentando mover pedras, estava tentando educar. Tomando o objetivo de algumas aulas de os alunos refletirem sobre seus próprios processos de criação como um exemplo, vê-se que eu tentei força-los para que eles fizessem isso apenas ficando sentados, pensando em silêncio ou debatendo e lendo imagens que eu escolhia e levava para a sala de aula. Não fui capaz de imaginar que talvez a melhor forma de atingir o objetivo em questão seria com atividades mais práticas, simples, simbólicas e voltadas de fato ao cotidiano deles – de uma forma muito mais natural. Por

exemplo,

eu

descobri

que

o

surrealismo

era

um

conteúdo

importantíssimo para se trabalhar as mitologias naturais da turma só depois das aulas já terem iniciado. Na nona aula propus uma atividade um tanto descabida ao pedir que os alunos simplesmente tentassem compor uma capa para um sonho deles. Descabida porque o assunto proporciona condições e pede atividades muito mais lúdicas do que ficarem sentados dentro da sala realizando uma atividade semelhante às propostas normais e que visivelmente não estimulava muito o imaginário deles.

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Fico pensando agora que poderíamos a turma e eu ter explorado muito mais o surrealismo, inclusive as influências deste na cultura visual contemporânea, seja na mídia ou em toda espécie de arte produzida hoje em dia. E tudo sem recorrer aos penosos e vãos monólogos. A PROVA DOS LIMITES Um episódio bastante inquietante ocorreu na quarta aula, em que a aluna desistiu da atividade proposta e colou no seu caderno o retrato de Chris Brown. Na aula eu fiquei com receio de confrontar a aluna e fiz que não vi o que ela fez. Mas, agora vejo que isto até foi adequado, pois uma coisa é pedir aos alunos que confrontem alguns mitos sociais como do natal e do Papai Noel, e outra é pedir que confrontem seus deuses, aquilo que possui um sentido muito mais forte na vida da pessoa. Eu poderia ter causado uma guerra com essa aluna, ou pior, poderia ter causado um abalo muito grande. Esta foi uma das situações que serviram para que eu percebesse que um educador não pode tudo, que tem um alcance bastante limitado. Existem questões muito delicadas quando se lida com outros seres humanos que ainda por cima estão em formação, e, neste momento, o educador só dispõe de recursos sutis para educar, como o exemplo, sua postura como profissional e como ser humano. Tudo que vai além disso torna-se perigoso. O OGRO INCÔMODOS Em seguida à minha entrada na densa selva, uma criaturinha ardilosa passou a me seguir, e me causava os mais diversos aborrecimentos com sua presença, pregando suas peças e me cutucando o tempo inteiro. Eu não conseguia vê-lo diretamente, via apenas sua esguia e sutil sombra. Por que esta criatura resolveu me atormentar? Porque ela precisava sair da escuridão. E quanto mais eu tentava conhecê-la, mais fétida ela ficava e mais ela me cutucava. Temos a tendência de nos colocar no papel de vítimas, e jogar a culpa nos alunos, no governo, na sociedade e até em Deus, ou seja, em qualquer um que não nós mesmos. O ponto nevrálgico da curiosa dificuldade reside no fato de que as nossas concepções conscientes a respeito do que a vida deve ser raramente

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correspondem àquilo que a vida de fato é. Em geral nos recusamos a admitir que exista, dentro de nós ou dos nossos amigos, de forma plena, a impulsionadora, autoprotetora, malcheirosa, carnívora e voluptuosa febre que constitui a própria natureza da célula orgânica. Em vez disso, costumamos perfumar, lavar e reinterpretar, imaginando, enquanto isso, que as moscas e todos os cabelos que estão na sopa são erros de alguma desagradável outra pessoa. (CAMPBELL, 2007, p.121 e 122)

Os incômodos que senti dizem respeito às implicações do papel de educadora. Uma destas é a autoridade, da qual eu tinha uma noção bastante distorcida. Como aluna nunca gostei de professores que impusessem suas verdades e vontades, mas uma tia minha, que é professora há muito tempo, sempre insistiu que um professor precisa ter domínio da turma. Tendo isso internalizado de uma forma negativa, lutava pelo oposto, pela total liberdade do aluno dentro da sala de aula. Mas agora percebo que isso também foi negativo, pois negar a autoridade assim como ser autoritária não gera bons frutos. Descobri que existe um meio termo, a autoridade baseada na competência. A autoridade que assim se exerce, ao invés de baseada na legalidade da posição do professor, decorre da sua legitimidade. Está ligada aos papéis inerentes ao exercício da docência e se expressa em situações nas quais a competência do professor o credencia como aquele que melhor poderá executar determinadas funções. Essa autoridade é delegada pelos alunos ao professor que demonstra competência, quando esta atende a necessidades mútuas do professor e dos alunos. O pressuposto dessa autoridade é a participação responsável, pois esta tende a afastar o perigo das soluções dogmáticas e fechadas. Por isto, denominamos a autoridade que assim é estabelecida como exercício conjunto do poder. (FURLANI, 1997, p. 30 e 31).

Percebendo isto, muitas destas outras implicações que me incomodavam começam a se ajustar, como o desconforto em interagir com os alunos, a insegurança perante a turma (desapropriação do papel de educadora) e o receio da responsabilidade de lidar com seres humanos. No entanto estou consciente de que é preciso muito mais prática para que eu me aproprie e supere efetivamente esta crise que tive ao confrontar todas as minhas experiências como aluna e conhecimentos teóricos, internalizações e idealizações sobre o papel de educadora. Eu sempre imaginei mudar o mundo sendo professora e como eu seria espetacular dando aulas, mas a partir desta experiência turbulenta pude perceber que este não é um caminho, é uma armadilha. É ao reconhecermos nossa natureza

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humana, feita de um lado maravilhoso e de outro terrível, e superando nossas limitações do ego, que podemos transcender e desenvolver nossas capacidades criadoras e termos a oportunidade de contribuir verdadeiramente com a humanidade. E esta é a bênção última, o verdadeiro sucesso alcançado no fim desta micro jornada. Todas estas provações causaram meu definhamento até a morte simbólica como educadora. Fui a mais profunda escuridão do mundo inferior. Quis desistir de tudo, e quase o fiz, tamanha a frustração que senti. Hoje, recuperada e disposta a entrar novamente em sala de aula, percebo a sábia ironia do destino e fico feliz com a trilha que deixei atrás de mim, mesmo sabendo que mais ninguém poderá passar por ela, nem meus próprios alunos.

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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS COM AS AUTORIDADES DA ESCOLA

Questionário com a professora titular – Frente.

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Questionário com a professora titular – Verso.

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Questionário com a diretora da escola – Frente.

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Questionário com a diretora da escola – Verso.

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Questionário com a supervisora da escola – Frente.

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Questionário com a supervisora da escola – Verso.

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APÊNCIDE B – QUESTIONÁRIOS COM OS ALUNOS

Questionário com a aluna Amanda Machado – Frente.

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Questionário com a aluna Amanda Machado – Verso.

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Questionário com o aluno Ederson – Frente.

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Questionário com o aluno Ederson – Verso.

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Questionário com o aluno Igor T. – Frente.

96


Questionário com o aluno Igor T. – Verso.

97


Questionário com o aluno Maxsuel. – Frente.

98


Questionário com o aluno Maxsuel. – Verso.

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Questionário com a aluna Paola Costa – Frente.

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Questionário com a aluna Paola Costa – Verso.

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