Gênero e arte constituindo identidades

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA Canoas / RS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS Samuel Mendonça dos Santos

Gênero e arte constituindo identidades

Canoas, 12 de junho de 2011


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Samuel Mendonça dos Santos

Gênero e arte constituindo identidades

Trabalho de Curso apresentado como prérequisito parcial para a obtenção de título acadêmico de Licenciado em Artes Visuais, pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil, sob orientação dos professores Dr. Celso Vitelli, Me. José Antônio Schenini Giuliano e Me. Renato Garcia.

Canoas, 12 de junho de 2011


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Resumo O presente Trabalho de Curso (TC) apresenta a sistematização de minha experiência de estágio curricular realizado em Sapucaia do Sul-RS, na Escola Vila Prado, junto à turma 301 do Ensino Médio. Iniciado em 2010, este material reúne relatos de diferentes momentos deste processo vivenciado por mim e pelos/as alunos/as da turma citada. Desse modo, ele foi organizado em três capítulos, sendo eles: 1. Reconhecimento do Espaço de Ensino, que contém os relatos e análises sobre as observações silenciosas bem como os questionários aplicados aos/às alunos/as e à professora titular da turma em questão; 2. Gênero e Arte, Constituindo Identidades, contendo a pesquisa e a fundamentação da temática escolhida para o projeto de ensino; e 3. Práticas de Ensino, que corresponde aos planos de aula e às respectivas análises de cada encontro. Motivado e legitimado pelas observações e pelos questionários dos/as alunos/as, bem como pelas experiências como educador social e oficineiro em organizações não governamentais, escolhi um tema transversal para trabalhar neste TC – o gênero, conceito relacional, concebido como construção cultural dos papéis atribuídos aos homens e às mulheres. O projeto de ensino buscou propiciar a compreensão dos conceitos de gênero e identidade, bem como refletir, dialogar e representar as formas como estes temas se manifestam nas relações sociais e nas individualidades. Entrelaçando-se com as temáticas, as práticas de ensino buscaram poetizar as reflexões e diálogos a respeito das temáticas, bem como estabelecer processos criativos mais reflexivos e dotados de significados. Nesse sentido, as produções serviram de suporte às reflexões acerca da temática, aproximando a realidade individual de cada aluno/a do processo criativo. Dois autores foram fundamentais no desenvolvimento e na análise do projeto: a artista mexicana Frida Kahlo, por desenvolver uma arte autorreferenciada, marcada por valores explicitamente sociopolítico-culturais; e o teórico Paulo Freire, pelas noções de uma prática educativa voltada para a transformação sociocultural e pela promoção da cidadania bem como da autonomia dos sujeitos.

Palavras-chave: Gênero e Identidade. Temas Transversais. Ensino da Arte.


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SUMÁRIO 1

Introdução ...................................................................................................... 7

CAPÍTULO 1 ................................................................................................................ 12 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5

Reconhecimento do Espaço de Ensino........................................................ 13 Dados Gerais da Escola Observada ............................................................ 13 Observações Silenciosas ............................................................................. 13 Análise das Observações Silenciosas.......................................................... 20 Análise do Questionário respondido pela professora ................................... 23 Análise dos questionários respondidos pelos/as alunos/as ......................... 25

CAPÍTULO 2 ................................................................................................................ 28 3 3.1 3.2

Gênero e arte constituindo identidades ........................................................ 29 Sobre Moral e Sexualidade .......................................................................... 36 Outras tramas entre gênero e arte ............................................................... 39

CAPÍTULO 3 ................................................................................................................ 41 4

Projeto e práticas de ensino em Artes Visuais ............................................. 42 4.1 Dados gerais da escola e da turma onde foram realizadas as práticas de ensino ................................................................................................................... 42 4.2 Dados gerais do projeto de ensino ............................................................... 42 4.2.1 Justificativa .............................................................................................. 43 4.2.2 Objetivo Geral .......................................................................................... 43 4.2.3 Conteúdos................................................................................................ 44 4.2.4 Metodologias............................................................................................ 44 4.3 Entrando na sala de aula ............................................................................. 44 4.3.1 Primeiro Encontro .................................................................................... 44 4.3.2 Segundo Encontro ................................................................................... 48 4.3.3 Terceiro Encontro .................................................................................... 54 4.3.4 Quarto Encontro....................................................................................... 59 4.3.5 Quinto Encontro ....................................................................................... 63 4.3.6 Sexto Encontro ........................................................................................ 68 4.3.7 Sétimo Encontro ...................................................................................... 71 4.3.8 Oitavo Encontro ....................................................................................... 75 4.3.9 Nono Encontro ......................................................................................... 78 4.3.10 Décimo Encontro ................................................................................... 83 4.3.11 Décimo Primeiro Encontro ..................................................................... 88

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Conclusão .................................................................................................... 92

Referências ............................................................................................................... 98 Apêndices................................................................................................................ 101 Apêndice 1: Avaliação realizada pela professora titular .......................................... 102 Apêndice 2: Questionários respondidos pelos/as alunos/as ................................... 103


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Apêndice 3: Questionário respondido pela professora titular .................................. 115 Apêndice 4: Questionário respondido pela direção da escola ................................. 116


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Introdução O presente Trabalho de Curso (TC) debruçou-se sobre as temáticas

gênero e identidade, especialmente em seus desdobramentos que convergem em processos criativos, educativos e artísticos, de forma lúdica e prática. Este trabalho sistematiza e documenta escritos das experiências de estágio curricular. Experiências vividas por mim e pela turma 301 ao longo de minha trajetória acadêmica no curso de Licenciatura em Artes Visuais, na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Para tanto, o TC está organizando em três capítulos que correspondem respectivamente a 1. Reconhecimento do Espaço de Ensino; 2. Gênero e Arte, Constituindo Identidades; 3. Práticas de Ensino. Antecedendo a elaboração da pesquisa e do projeto de ensino deste TC, capítulo 2, foram realizadas seis observações na turma por mim escolhida, com a qual foram realizadas as práticas de ensino. Tais observações, instrumentalizadas por um questionário aplicado com os/as alunos/as, resultaram em uma análise que serviu de subsídio para a escolha da temática bem como da metodologia empregada nas práticas de ensino deste TC. As observações contribuíram para verificar que atividades estavam sendo realizadas pelos/as alunos/as, propostas pela professora titular da turma. Também serviram para compreender de que maneira os/as alunos/as relacionavam-se entre si e com a disciplina, entre outros aspectos relevantes. As percepções apontaram para um diagnóstico empírico em que se evidenciou um descontentamento com as atividades propostas pela professora, especialmente no que se refere à linguagem predominante nas aulas – o desenho. Outro aspecto relevante observado nas aulas e reafirmado nos questionários foi a importância de trabalhar em Artes com temas transversais, visto o relacionamento dos/as alunos/as, muitas vezes homofóbico e machista, e o interesse dos/as educandos/as, induzido pelo questionário, de introduzir tais temáticas às aulas de Artes. Esta realidade discriminatória não se restringe evidentemente ao ambiente escolar. Loponte (2005) assinala que há uma rede de discursos que sustentam e consolidam o hegemônico pensamento moral e machista na sociedade. Muito se avançou nestas questões desde o surgimento do movimento feminista na


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última metade do século passado1. No entanto, tais mudanças socioculturais são lentas e polêmicas e, mesmo sendo tão paradigmáticas, contraditoriamente pouco são trabalhadas nas escolas Quando me lancei às observações na escola Vila Prado, em Sapucaia do Sul-RS, já tinha como horizonte de trabalho os temas transversais. Esse desejo vem de uma experiência que já soma oito anos de trabalho em organizações não governamentais (ONGs) de São Leopoldo, cidade onde resido, e de Porto Alegre, onde trabalho atualmente, ambientes nos quais a transversalidade é prática diária e conteúdo fundante. Tenho me debruçado nesses oito anos, em minha trajetória profissional, na condução de processos de educação não formal2, exercendo papéis de educador e oficineiro, em comunidades periféricas, na perspectiva de promover junto a crianças, adolescentes e jovens a consciência crítica e cidadã, bem como a garantia de direitos sociais básicos. Inevitavelmente esta vivência emergiu neste TC, e, com as observações e os questionários, ganhou “coro” e “caldo” para legitimar a pesquisa e o projeto de ensino. Em minhas andanças como educador social, tive contato com algumas escolas de Porto Alegre e São Leopoldo, onde, junto a colegas de trabalho, desenvolvi projetos transdisciplinares pelas ONGs em que trabalhei. Este contato evidenciou-me a forma paradigmática como os/as professores/as lidam com temáticas transversais. Geralmente, quando um tema transversal é abordado no ensino da arte, ele está subordinado a uma linguagem ou a um movimento artístico que, muitas vezes, apenas de longe alude ao tema. Neste Trabalho, na contramão dessas práticas, buscou-se uma centralidade nos temas gênero e identidade, de modo que as produções serviram de metáforas e de suporte para a compreensão dos conceitos explicitados. Tal ênfase foi dada não apenas devido à complexidade dos conceitos, mas também pela compreensão de que os temas transversais constituem conteúdos próprios do ensino da arte. 1

É fato que o movimento feminista tem raízes na Convenção pelos Direitos das Mulheres do ano de 1848, em Nova Iorque. No entanto, as discussões sobre a construção cultural dos papéis de homens e de mulheres (gênero) foram inauguradas somente na década de 1960 com a publicação do livro O Segundo Sexo, de Simone de Behavoir.

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Para Gohn (2005, p. 7) a educação não formal “aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil, ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, organizações não-governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social.”


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A pesquisa inicial teve como foco o tema gênero. Entretanto, ao identificar a artista Frida Kahlo como o “fio condutor” das práticas de ensino, foi inevitável ampliar o recorte e pensar em “identidades”, juntamente ao tema central gênero, trabalhando ambas as temáticas, suas convergências conceituais e algumas formas de representá-las esteticamente. Frida teve destaque neste Trabalho no que se refere à sua extensa “galeria” de autorretratos. Entende-se neste TC que o autorretrato é uma das formas mais autênticas da manifestação da identidade de um indivíduo, compreendendo sua amplitude na representação de características socioculturais, expressas esteticamente. Só é possível entender a obra de Frida Kahlo compreendendo sua trágica vida e o momento político pelo qual o México passara durante sua vida. A obra da artista absorveu valores de um nacionalismo comunista e, mais do que qualquer coisa, retratou sua vida. Nesse sentido, este TC deu conta de apresentar e relacionar tais aspectos da obra da artista aos trabalhos produzidos em aula durante as práticas de ensino. O TC teve um recorte amplo no que se refere ao tema gênero. De certa forma, podemos afirmar que é comum ver abordagens de gênero com ênfase na produção feminina, ou mesmo em questões mais específicas como as violências de gênero (física, psicológica e patrimonial), ou ainda, as relações de poder entre masculino e feminino (machismo e submissão do feminino ao masculino). Os recortes citados de certa forma buscam justiçar as mulheres pelos séculos de opressão do masculino sobre o feminino, o que é justo e extremamente necessário para superar os resquícios de machismo e moralismo ainda existentes em nossa cultura. Entretanto, busquei apresentar o gênero em seu conceito relacional, de forma mais abrangente, a fim de focar em discussões sobre sexualidade e identidade. Moralismo, machismo e violência de gênero tangenciam algumas discussões acerca da identidade cultural, presentes no projeto. Penso que cada um destes recortes valeria um novo projeto. No entanto, devido ao tempo, era necessário contextualizar os/as educandos/as para conhecerem a temática e se reconhecerem dentro dela, para aí então entrar em questões mais específicas. A pesquisa deu pistas importantes para a elaboração do projeto de ensino, tais como a ligação metafórica entre colagem e identidade/gênero – tendo em vista que uma colagem é composta por diversas partes interdependentes que, ao mesmo tempo em que compõem uma mesma obra e remetem a um mesmo


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“produto”, produzem múltiplos sentidos. Da mesma forma compreende-se que a identidade de um indivíduo é composta por diversas características socioculturais, físicas e biológicas que produzem múltiplos sentidos, muitas vezes contraditórios. Essa compreensão foi fundamental na escolha das atividades que vislumbraram, mais do que técnicas, desenvolver processos de aprendizagem e uma produção estética singular. Cada atividade desenvolvida nas práticas de ensino teve relação intrínseca com as temáticas centrais deste TC. Tais práticas foram pensadas entendendo a arte como um meio e não como uma finalidade. As produções buscaram essencialmente comunicar o entendimento do/a aluno/a sobre os temas a partir da sua realidade e individualidade. As produções visaram relacionar os temas às vivências, experiências e visão de mundo dos/as alunos/as, o que de certa forma deu uma maior “governabilidade” sobre o resultado final, tornando-o mais palpável aos/às alunos/as. As produções foram pouco mecânicas e tecnicistas3 e mais reflexivas, valorizando os processos criativos, os diálogos e reflexões sobre as temáticas. Essa relação direta das temáticas com a vida dos/as alunos/as resultou, também, numa fácil compreensão dos conceitos, manifestada na produção de cada aluno/a. Ao mesmo tempo, ao se depararem em situações de exposição da identidade, os/as alunos/as mostraram-se frágeis na assunção de valores dialogados em aula, expondo lacunas do próprio projeto. Dessa forma, as Práticas de Ensino foram organizadas de modo que as atividades dialogassem com os temas, os ilustrassem e servissem de suporte metafórico para as percepções dos/as educandos/as. Num primeiro momento, as atividades práticas estavam focadas em subsidiar os/as alunos/as no entendimento das temáticas. Nesse intuito, foram desenvolvidas atividades que ilustravam o tema gênero e produções estéticas que “tensionavam” a concepção dos/as alunos/as, seus pré-conceitos com os conceitos dialogados em aula.

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No ensino da arte entende-se por “tecnicista” as metodologias focadas no processo prático em detrimento da contextualização sociopolítico-cultural e da fruição, que ostentam um fazer que prioriza as “técnicas” das linguagens artísticas.


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O capítulo intitulado “Práticas de Ensino” refere-se às aulas planejadas e realizadas. As aulas estão registradas, cada uma delas, de duas formas: uma “pré sala de aula” e a outra “pós sala de aula”, sendo a primeira o planejamento propriamente dito da aula (plano de aula), e a segunda uma análise crítica e descritiva das atividades realizadas pelos/as alunos/as e das minhas posturas e percepções na aula em questão. Os planos de aula deram conta (ao menos tinham esta pretensão) do que idealizei para as práticas de ensino com a turma 301. Desse modo, as práticas foram divididas em doze aulas, que foram realizados entre os dias 24 de março e 13 de junho de 2011 com a turma citada. Foram realizados, na verdade, onze encontros, sendo que em um deles, o quinto encontro, em vez de 1 hora-aula, foram realizadas 2 horas-aula, devido ao tempo do filme assistido pela turma – “Frida”. A exibição do filme não estava inicialmente prevista. Em lugar do filme, seriam realizadas duas aulas, sendo que em uma delas haveria uma atividade de leitura de imagem e, na outra, seria realizada uma produção balizada pelas percepções da leitura de imagem. Essa alteração não se tratou de uma mera substituição de uma atividade por outra, até porque elas não se equivalem. Tratouse, isso sim, de um olhar crítico sobre as práticas deste mesmo projeto de ensino, realizadas com uma turma do Ensino Fundamental. Além disso, tendo eu levado a obra “Coluna Partida” de Frida Kahlo e comentado aspectos de sua vida, os/as alunos/as da turma 301 demonstraram grande interesse sobre a artista e sua história, o que me motivou significativamente a levar mais elementos sobre a vida da artista. Enfim, as percepções acerca dos três capítulos que compõem este TC conduzem à análise final que faz significativas reflexões referendadas em Paulo Freire, apontando principalmente aspetos referentes à postura dos/as alunos/as frente ao projeto ensino – a forma como se relacionaram com a disciplina durante o estágio e suas percepções sobre a temática; ao meu aprendizado como docente – as dificuldades encontradas nas práticas de ensino, as leituras sobre estas práticas, bem como a aferição dos resultados alcançados na execução do projeto.


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CAPÍTULO 1

RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO


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Reconhecimento do Espaço de Ensino

2.1

Dados Gerais da Escola Observada Escola Estadual de Ensino Médio Vila Prado

A Escola Estadual de Ensino Médio Vila Prado está situada no Bairro Piratini, próxima ao centro de Sapucaia do Sul-RS. A escola tem 33 anos de funcionamento, mas foi oficialmente inaugurada somente em 1979, um ano após o início de seu serviço à comunidade. Inicialmente a escola atendia a uma demanda de 1.600 alunos/as, todos/as no Ensino Fundamental. Na última década a escola “subiu” para o nível Médio e hoje, com outras escolas ao redor e uma provável mudança no contexto comunitário, há uma redução de aproximadamente 60% da demanda. A escola tem como filosofia “preparar o aluno para enfrentar os desafios do mundo atual, torná-lo independente, capaz de solucionar as situações do dia a dia desenvolvendo a consciência de seu papel como cidadão, contando para isso, com o apoio, participação e o comprometimento dos pais.”

2.2

Observações Silenciosas Primeira Observação Silenciosa

Data: 26/08/2010 1 Período Alunos/as presentes: 32

A turma 202 tem um período semanal de Arte, com duração de 50 minutos. O período inicia-se às 10h20min e se encerra às 11h10min, no primeiro período depois do intervalo. Os/as alunos/as entraram na sala de forma ordenada. Tão logo a professora abriu a sala já entraram todos/as. A sala foi aberta já passava das


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10h35min. Às 10h30min nenhum professor havia saído, ainda, da sala dos professores. A professora de Arte foi a primeira. A sala estava organizada de maneira tradicional (fileiras, dois a dois) com organização e limpeza regulares. A professora entrou e sem nada dizer começou a chamada que demorou a ser concluída. Havia muita conversa – meninos tocando um cavaquinho, alunos/as olhando celulares e fazendo brincadeiras infantis, principalmente alguns meninos. Em seguida, com mais de 30 minutos da aula, a professora solicitou o material pedido por ela na aula anterior (caneta esferográfica preta e folha A3). Apenas dois ou três trouxeram a folha A3, mas não usaram no trabalho. Na sequência a professora ditou regras para serem copiadas na parte de traz do trabalho, descrevendo formalmente o trabalho a ser desenvolvido. Os/as alunos/as estavam agitados/as e alguns/mas sequer copiaram a descrição. Assim que terminou de ditar as regras do trabalho, a professora começou a chamar os/as alunos/as para dar nota aos trabalhos da aula anterior. Os/as educandos/as possuem uma pasta onde guardam, ou acumulam os trabalhos. O trabalho anterior tinha sido feito, também, com caneta esferográfica, a maioria dos trabalhos estava bem elaborada, mas observei algumas produções estereotipadas, com figuras alinhadas na base da folha. Estes sequer atendiam aos parâmetros pré-estabelecidos pela professora. A professora mal olhava os trabalhos e já “estipulava a sentença”. Alguns/mas alunos/as questionaram suas notas, comparando seus trabalhos com os dos/as colegas. A conversa seguia sem trégua. Terminara a aula e a maioria dos/as alunos/as não conseguiu concluir o trabalho, devido ao curto tempo de duração.

Segunda Observação Silenciosa

Data: 19/08/2010 1 Período Alunos/as presentes: 33 Como na primeira observação, a professora demorou em dirigir-se à sala. Repito que a demora é de todos/as os/as professores/as. Os/as alunos/as estavam em frente à sala, aguardando a professora.


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Dessa vez houve pouca conversa, ao entrarmos na sala. Alguns/mas alunos/as trabalhavam para terminar o trabalho da aula anterior, outros/as, escutavam música no celular. Na sequência, a professora começou a ditar as regras do trabalho: “usar diferentes materiais; usar todo o espaço da folha; capricho; ler o poema e escolher um verso; criar algo inspirado neste verso”. Os/as alunos/as acharam a explicação muito vaga, queriam algo mais concreto, fechado. Durante a explicação, por alguns instantes, houve silêncio absoluto, mas qualquer brincadeirinha desencadeava uma algazarra. Isso prolongou a explicação, pois a professora aguardava retornar o silêncio para prosseguir. Os/as alunos/as começaram o trabalho já passava das 10h50min. Novamente 20 minutos de aula perdidos. A professora começou a chamar para dar “visto” no trabalho da aula anterior. Dos/as trinta e três alunos/as presentes, oito não fizeram o trabalho e seis apresentaram, este, de qualquer jeito. No curto tempo de produção, cerca de 20 minutos, a maior parte dos/as alunos/as estava concentrada, mas os/as três ou quatro que conversavam faziam bastante barulho, mesmo estes estavam produzindo. Há uma busca por uma estética diferenciada, por uma organização espacial das formas desenhadas, perceptível na maioria dos trabalhos. Pelo menos metade dos/as alunos/as levou algum material diferente: lantejoula, revista, folha colorida, etc. Enfim, há um desejo de fazer algo diferente. Ao final da aula muitos/as educandos/as lamentam. O período seguinte é de Matemática. Outros/as saem da sala e forma-se uma fila para ganhar o “visto” da professora.

Terceira Observação Silenciosa

Data: 27/09/2010 1 Período Alunos/as presentes: 26


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A aula começou e alguns/mas alunos/as ficaram do lado de fora da sala. A professora fazia a chamada e, passados 10 minutos do início, alguns/mas educandos/as entraram sem nada dizer. A esta altura já havia muita conversa e a professora, em seguida, começou a ditar as regras do trabalho. Os/as alunos/as não reduziram a conversa. A professora esperou para continuar, mas não mudou muito a situação, então, resolveu seguir do mesmo jeito. Os/as alunos/as sem prestar a devida atenção tiveram muitas dúvidas, todas esclarecidas pela professora. A proposta era interessante – “desenhar figuras humanas estilizadas, desproporcionais, etc.”. Os/as educandos/as não gostaram muito da ideia, mas acredito que esta atividade, aliada a outras, propiciaria uma boa e necessária proposta de desesteriotipização. Terminando de ditar, a professora passou a chamar os/as alunos/as para avaliar as produções da aula anterior. A conversa seguia-se sem trégua. Alguns/mas alunos/as comentavam o programa “Pânico na TV4”, programa de humor para adolescentes que ridiculariza pessoas, mostra variadas cenas de violência e de valores extremamente machistas. Logo apliquei o questionário, devido ao curto tempo do período. Pus-me em pé e expliquei-o à turma que aparentemente compreendeu-me. Mal começaram a responder o questionário e foram interrompidos pela merenda. Alguns/mas alunos/as responderam rapidamente para voltar a conversar, outros/as demoraram um pouco mais, mas trocaram ideias entre si, pensaram e desenvolveram um pouco mais textualmente as questões. Já no fim da aula, passei para observar as produções e recolher os últimos questionários. As produções estavam razoáveis, mas a maioria produziu figuras soltas, isoladas que não formavam um todo harmônico e o velho e recorrente boneco de palito apareceu em várias produções. Encerrando a aula, a professora passou classe a classe para dar o “visto” nas produções.

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Programa televisivo brasileiro produzido e exibido pela Rede TV, entre os anos de 2003 e 2011. Atualmente o programa é exibido pela Rede Bandeirantes com o nome de “Pânico na Band”.


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Quarta Observação Silenciosa

Data: 30/09/2010 1 Período Alunos/as presentes: 32

Os/as alunos/as custaram a entrar na sala e estavam agitados/as. Ao entrarmos, notei que alguns/mas mudaram de lugar, não estão na mesma classe da semana anterior. Os/as educandos/as modificados/as de lugar são justamente os que mais conversam. Mas a mudança não surtiu muito efeito. A professora ajeitava-se e a conversa seguia-se sem trégua, com muitas brincadeiras infantis relacionadas às masculinidades dos meninos. As meninas parecem mais maduras, pouco interagem com esse tipo de brincadeira, mas conversam muito também. Antes de pedir ou esperar o silêncio, a professora iniciou a chamada em meio a toda conversa. Alguns/mas alunos/as não escutaram seus nomes, não responderam e ganharam “falta”. Na sequência, a professora ditou as “regras” do trabalho. A conversa se seguia. Os/as alunos/as reclamaram de o trabalho ser igual aos anteriores (figurativo, com margem preta, contornos largos e a caneta). A professora nada disse. A impressão que tenho é que cada dia rende menos a aula, pois é tudo feito às pressas, nada se discute e não há temas orientando as práticas, somente um fazer dessignificado. A margem de criação que se dá aos/às alunos/as é mínima, e da mesma forma eles/as respondem, fazendo o mínimo. As produções não apresentaram nada de diferente das aulas anteriores. Continuam aparecendo estereótipos e nada se fala e se faz a respeito. Chegando ao final, o “ritual” do “visto” mobilizou os/as alunos/as à mesa da professora.


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Quinta Observação Silenciosa

Data: 07/10/2010 1 Período Alunos/as presentes: 31

Dessa vez entramos cedo, mas os/as alunos/as, acostumados com o horário de “praxe”, custaram a entrar. Entraram aos poucos. Passados cinco minutos ainda não estavam todos/as na sala. Talvez, por entrarem aos poucos, houve pouco conversa na entrada. O silêncio facilitou a chamada, parecia outra turma, completamente diferente da semana anterior. A professora ditou as “regras” do trabalho solicitando que fosse abstrato. Alguns/mas alunos/as perguntaram o que era abstrato e um aluno em minha frente disse: “abstrato é quando não tem forma”. A professora escutou, mas nada disse, e pediu que o fizessem com formas geométricas. Concluída a explicação iniciou-se a conversa. Os/as alunos/as, em geral, comentam muito suas produções, mostram aos colegas, comparam, fazem “gozações” com as formas, com o acabamento de seus trabalhos e os de seus colegas. Alguns/mas não copiaram a explicação e não começaram a produção, terminavam o trabalho da aula anterior. Logo a aula encerrou-se com a professora, apressadamente, dando “visto” nas produções dos/as alunos/as.


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Sexta Observação Silenciosa

Data: 14/10/2010 1 Período Alunos/as presentes: 31

A aula começou com bastante conversa. Os/as alunos/as estavam bastante agitados, outros entravam, ainda, enquanto a professora fazia a chamada. Passados alguns minutos a professora tentava dar início à aula enquanto alguns/mas educandos/as mandavam outros/as calarem a boca. Concedida a trégua à professora, esta chamou os grupos que apresentariam suas pesquisas. Nenhum grupo realizou a pesquisa ou trouxe algo para apresentar. A professora mostrou-se pouco incomodada com a displicência dos/as alunos/as e sem perder tempo ditou as regras para um trabalho que “tirou da manga”. Na sequência, a professora chamou um/a a um/a para dar nota à produção da aula anterior. Logo foi interrompida por três ou quatro que solicitavam sair da sala para devolver os livros de Literatura. Em pouco tempo havia somente três ou quatro na sala, pois a maioria tinha saído para devolver livros, dar uma voltinha pela escola e/ou as duas coisas. Chegando ao final da aula poucos/as haviam produzido algo e, desistindo de avaliar a produção anterior devido à ausência da maioria dos/as alunos/as, a professora passou para dar “visto” aos trabalhos. Questionando um educando que nada havia produzido, até então, o porquê de não ter produzido, o menino respondeu: “já estou passado [...] é só cinco pontos”. A aula chegou ao final e alguns/mas alunos/as não voltaram da biblioteca, muitos/as nada produziram, quatro mexiam em celulares e quase todos/as conversavam sem parar.


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2.3

Análise das Observações Silenciosas Entre os dias 26 de agosto e 30 de setembro realizei seis observações na

turma 202, 2º ano do Ensino Médio da Escola Vila Prado. Foi um período importante de revisão de conceitos e reflexão sobre as práticas de ensino em Arte, o trabalho com adolescentes e jovens e diversas outras questões do universo escolar. A situação do ensino, a postura descompromissada de alunos/as e professores, não é novidade para ninguém. O fato é que estando, eu, em uma situação de “neutralidade” frente às situações vividas em minhas observações, não nego que em diversos momentos senti-me constrangido com o desrespeito dos/as alunos/as frente à disciplina e à professora. Há um descrédito e um demérito generalizados para com a disciplina. A começar pelo pouco tempo a ela destinado. São cerca de 40 minutos, quando se entra cedo, mas em média, até que entre todos/as os/as alunos/as, faça a chamada e explique a atividade, resta menos de 20 minutos para a atividade prática. Além disso, os/as alunos/as produzem visivelmente despreocupados com o acabamento de seus trabalhos e não demonstram, em sua maioria, interesse nos conteúdos apresentados. É um legítimo “fazer por fazer”.

O respeito pelo próprio trabalho e pelo dos outros, a organização do espaço, o espírito curioso de investigar possibilidades, a paciência para tentar várias vezes antes de alcançar resultado, o enfrentamento e incorporação das situações adversas que ocorrem no trabalho criador (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ARTE, 1998, p. 101).

São atitudes e qualidades indispensáveis para um desenvolvimento coerente da disciplina. Atitudes e qualidades que se esperam dos/as alunos/as. A professora, por sua vez, busca fazer trabalhos “diferenciados”, com materiais de fácil aquisição (caneta esferográfica, lápis, revistas, canetinha, etc.) e com uma continuidade, mas acaba executando aulas sem planejar, sequer possui um Plano de Ensino ou um Projeto, simplesmente vai “empurrando com a barriga”,


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pois para ela parece ser o que resta – se tudo o que se faz é desinteressante para os/as alunos/as, lhe resta seguir em frente e fazer “vista grossa” a quase tudo. O que parece, em alguns momentos, é que a professora trabalha para avaliar, pois a metade do tempo em sala é utilizada em seu método de avaliação. Método este que é pontual não considera o processo.

Na verdade, uma avaliação é uma bússola de excelente qualidade para o professor se orientar. Ela é um diagnóstico dos alunos, do professor e do assunto tratado, fornecendo um mapa claríssimo das necessidades e interesses da turma. É um ponto de chegada e de partida; é início meio, começo, fim e reinício (MARTINS, 1998, p. 144).

As propostas de produção da professora, durante o período observado, foram muito parecidas em todas as aulas, motivo de reclamação e comentários negativos dos/as alunos/as. Reclamam não só pela linguagem predominante (desenho) e pelo tipo de representação (figurativa humana), mas também pelos materiais utilizados que também pouco variam. Segundo orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1998, p. 98),

o professor precisa orientar tarefas em que os alunos percebam as qualidades das formas artísticas. Seu papel é o de propiciar a flexibilidade da percepção com perguntas que favoreçam diferentes ângulos de aproximação das formas artísticas: aguçando a percepção, incentivando a curiosidade, desafiando o conhecimento prévio, aceitando a aprendizagem informal que os alunos trazem para a escola e, ao mesmo tempo, oferecendo outras perspectivas de conhecimento.

Neste sentido, penso que as aulas da professora mais podam a expressão dos/as alunos/as do que favorecem um aprendizado sensível em Arte. A extrema delimitação das produções por meio de regras (penso que é importante, também, desenvolver atividades dirigidas em Arte, porém isso não deve ser uma


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prática recorrente) deixa uma margem muito estreita de criação própria aos/às educandos/as. A forma quase “burocrática” de condução das aulas de Arte na turma 202 tem sintomas evidentes na relação dos/as alunos/as com as propostas da professora e com a disciplina. É fato que a postura descompromissada dos/as educandos/as com a disciplina tem inúmeros fatores externos (externos à turma – a escola nunca foi um espaço de grande interesse dos/as adolescentes devido à forma autoritária como as relações nela se dão, ao mesmo tempo a dinâmica da vida destes/as adolescentes fora da sala de aula faz com que quase qualquer proposta de ensino-aprendizagem seja monótona) que não estão sob a responsabilidade da professora. No entanto, ela se torna responsável pela postura dos/as alunos/as ao não questioná-los/as sobre tais posturas e não buscar intervenções mais dinâmicas e atrativas. Apesar do desânimo da turma, percebo um grande potencial para o trabalho em Arte, pois há alunos/as que comentam suas produções, tentam explicálas à professora quando são avaliados/as e mesmo com pouco tempo produzem de forma satisfatória. Outro dado importante é a forma como os/as alunos/as se relacionam entre si – além da excessiva conversa, há uma situação generalizada de desrespeito. Foram inúmeras as manifestações de brincadeiras homofóbicas que reforçam discursos machistas e discriminatórios. Acredito que, proporcionando trabalhos nos quais os/as alunos/as possam se reconhecer, descobrir novas linguagens, perceber sua produção estética como algo pertinente para o seu processo de ensino-aprendizagem e para que sua autoestima, frente à disciplina, possa ser recuperada.


23

2.4

Análise do Questionário respondido pela professora As observações silenciosas juntamente com os questionários dos/as

alunos/as e da professora, proporcionam uma leitura dialógica entre as minhas percepções, as aspirações e necessidades da turma e a prática de ensino da professora. É difícil não criticar, não avaliar, principalmente a professora, mas estas constatações que tenho apresentado são o termômetro da sala de aula que observei, pois as práticas cotidianas, as situações que se repetiram na maioria das aulas, protagonizadas por estes/as alunos/as e a professora são o “combustível” destes escritos. E não podia ser diferente. A professora, regente das turmas de Ensino Médio e Fundamental as quais observei e apliquei os questionários, está em processo de formação em Artes Visuais, atua há menos de um ano (assumiu as turmas em maio deste ano, 2010) como professora de Arte e, como a maioria dos/as professores/as da escola, não é concursada. Há um desejo grande de proporcionar um ensino prazeroso e consistente aos/às alunos/as (ao menos nas conversas informais), por parte da professora, porém estas aspirações se esvaem à medida que a mesma vai executando suas aulas sem planejar e sem devidamente avaliar os/as alunos/as e sua própria prática. De fato, é difícil manter-se organizado, com o grande número de turmas (21) e, o pouco tempo em cada uma delas, não permite acompanhar, da melhor forma possível, o processo de cada aluno/a, as necessidades e anseios das turmas, etc.. Segundo a professora sua prática é baseada na metodologia triangular, porém nos nove encontros (seis no Ensino Médio e três no Fundamental) em que observei, não houve leitura de imagem e qualquer discussão ou introdução à história da arte, apenas trabalhos práticos com regras pré-estabelecidas pela professora. A metodologia triangular ou abordagem triangular “enfatiza a necessidade de organizar o ensino das Artes Visuais no inter-relacionamento entre três eixos: o fazer artístico do aluno, a leitura da obra de arte e a contextualização histórica“ (BARBOSA,1991, p. 34). Além

disso,

não

uma

profundidade

nos

conteúdos/técnicas

trabalhados e este descompasso entre teoria e prática é preocupante. Conforme orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 49) os conteúdos


24

devem estar articulados em três eixos de forma que o ensino de Arte proporcione ao estudante “produzir, apreciar e contextualizar”.

Orienta-se o ensino da área de modo que acolha a diversidade do repertório cultural que o aluno traz para a escola, trabalhe com os produtos da comunidade em que a escola está inserida e também que se introduzam conteúdos das diversas culturas e épocas a partir de critérios de seleção adequados à participação do estudante na sociedade como cidadão informado (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ARTE, 1998, p. 49).

A avaliação verificada em aula é pontual, considera cada trabalho isoladamente e é feito de maneira grosseira. A professora mal olha a produção do/a aluno/a e, em frente a ele/a, estipula sua “sentença” e logo já chama o/a próximo/a aluno/a. A professora, no questionário, diz avaliar o desempenho em aula, porém pouco caminha pela sala para observar as produções e/ou esclarecer dúvidas.

Ao avaliar, o professor precisa considerar a história do processo pessoal de cada aluno e sua relação com as atividades desenvolvidas na escola, observando os trabalhos e seus registros (sonoros, textuais, audiovisuais, informatizados). O professor deve guiar-se pelos resultados obtidos e planejar modos criativos de avaliação dos quais o aluno pode participar e compreender: uma roda de leitura de textos dos alunos ou a observação de pastas de trabalhos, audição musical, vídeos, dramatizações, jornais, revistas, impressos realizados a partir de trabalhos executados no computador podem favorecer a compreensão sobre os conteúdos envolvidos na aprendizagem (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ARTE, 1998, p. 54).


25

Algo que é positivo e, talvez, característico de alguém em processo de formação acadêmica, é o fato de a professora participar regularmente de congressos, palestras e seminários. Isso não garante, é claro, a qualidade do ensino, mas permite ao educador fazer o feedback de sua atuação docente e assim refletir sobre sua prática.

2.5

Análise dos questionários respondidos pelos/as

alunos/as

Os/as alunos/as, em sua grande maioria, responderam aos questionários de forma muito madura, o que me surpreendeu bastante, considerando a forma como lidam com a disciplina e comportam-se nas aulas. De fato, esperava bem menos destes questionários e acabei os subestimando. Por mais que as respostas não condizam com a realidade que observei, o fato de elaborarem juízo sobre o processo de ensino-aprendizagem e os conteúdos apresentados em aula já demonstra uma possibilidade de transformação das atitudes e posicionamentos em aula, bem como uma pré-disposição a outras possibilidades de intervenção em Arte. Poucos/as alunos/as manifestaram, nos questionários, ter o hábito de desenhar ou praticar outras atividades que envolvam linguagens visuais. Não esperava que fosse diferente, pois com tanta oferta de entretenimento aos adolescentes (shoppings, videogame, televisão, computador/internet, celular, rádio), me parece um hábito um tanto ultrapassado, infelizmente. Nesta questão, esperava conhecer um pouco sobre possíveis práticas de desenho como mangá, grafite, arte digital e outras linguagens, pensando um pouco em possibilidades de intervenção com a turma. Apesar disso vários/as alunos/as manifestaram interesse em “aprender a desenhar”. Como se já não soubessem. Sei que o “desenho”, ao qual se referem, é o mimético e este parâmetro por eles estabelecido, é motivo de desagrado da produção individual da maioria dos/as alunos/as, ao passo que suas produções não correspondem a reproduções “fotográficas”, como desejavam.


26

Outra questão a qual me chamou a atenção é forma como os/as alunos/as lidam com a exposição de trabalhos. Vários/as alunos/as referiram-se à exposição como uma forma de “premiação dos trabalhos bonitos”. Sendo assim, vários/as manifestaram, ao mesmo tempo, não desenhar bem, como o motivo de não gostar e/ou aceitar expor seus trabalhos. Os/as alunos/as que aceitam expor suas produções afirmaram sentirem-se motivados por verem seus trabalhos expostos.

Estas

posições

antagônicas

me

remetem,

novamente,

a

um

descontentamento de alguns/mas alunos/as com o resultado final de suas produções, pois as julgando “feias” os/as educandos/as não gostariam de expô-las com receio, talvez, de serem ridicularizados/as pelos/as colegas. Os/as alunos/as foram extremamente receptivos quando questionados sobre o trabalho com temáticas transversais (meio ambiente, gênero, violência, etc.). Muitos, além do breve “sim”, complementaram dizendo sobre a importância de estudar temas do cotidiano.

arte é conteúdo e forma. Ambos são inseparáveis, um não vive sem o outro, são processos simultâneos. Se o conteúdo está associado à temática, à forma está associada à marca do autor, a sua poética, o seu modo de fazer (MARTINS, 1998, p. 57).

Nesse sentido, as práticas em Arte devem fugir de práticas mecânicas de reprodução em quaisquer linguagens, desafiando os/as alunos/as a conhecerem conteúdos próprios da disciplina. Não só conteúdos da história da Arte e o fazer técnico de cada linguagem, mas também conteúdos que se aproximam do cotidiano dos/as alunos/as e de suas experiências socioculturais.

As pessoas vivem no cotidiano as transformações que ocorrem nas relações entre tempo e espaço na contemporaneidade. Por exemplo, é possível ter contato com a produção visual de diferentes culturas e diferentes épocas, por meio da Internet. O papel da escola é organizar essas ações de modo que as consolide como experiências de aprendizagem. Em Artes Visuais, a escola não pode separar as experiências do cotidiano do


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aprender individual e coletivo (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ARTE, 1998, p. 64).

Evidentemente é um desafio muito grande organizar e sistematizar as aulas dentro de tantas possibilidades, mas cabe ao professor proporcionar aos/às alunos/as o contato com estas temáticas, bem como a experimentação com diferentes materiais. A experiência artística deve estar aliada às diversas linguagens visuais, para que o/a aluno/a possa fruir, conhecer e poetizar (MARTINS, 1998).


28

CAPÍTULO 2

GÊNERO E ARTE CONSTITUINDO IDENTIDADES


29

3 Gênero e arte, constituindo identidades A arte contemporânea tem ousado diferentes interfaces com outras linguagens artísticas e cada vez mais se aproximado da vida das pessoas comuns. Esta aproximação tem permitido a introdução de diversas temáticas que não são da própria arte e, na última metade do século passado, a arte definitivamente deixou de olhar para si, para olhar as coisas do mundo (COCCHIARALLE, 2006). São incontáveis os artistas que problematizam temas sociais em suas obras. As temáticas são diversas: meio ambiente, violência, política, saúde, trabalho, consumo, cidadania, etc. Contudo, há um déficit com as temáticas relacionadas às questões de gênero, tanto na produção artística, quanto na acadêmica, no que diz respeito ao entrelaçamento entre gênero, arte e educação. Tais temas não foram, ainda, explorados suficientemente nas pesquisas em educação brasileiras (LOPONTE, 2005).

Pensar sobre a relação feminino/masculino no espaço da arte contemporânea significa transitar por signos múltiplos e limites imprecisos, em que o pensamento não pode se reduzir a posições limite, pois, a arte contemporânea cada vez mais se faz no imbricamento de linguagens e procura decifrar os valores de significado da sua organização icônica (PROCOPIACK, 2009, p. 47).

Articular gênero, arte e educação é falar sobre relações de poder, sobre identidades, sobre relações históricas de opressão, repressão e submissão e, também, sobre diversidade sexual. Em artigo publicado pela revista Educação e Realidade Luciana Gruppelli Loponte afirma que (2005, p. 246): “Ter o olhar atravessado pelas questões de gênero ou por „intervenções feministas‟, como nomeia Griselda Pollock (2003), é de alguma maneira perder a inocência ou a crença na neutralidade política das imagens artísticas.” A autora complementa:

há uma rede de discursos que constitui e define o que é arte, discursos que não são puramente “estéticos”, e nem


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ancorados em uma pretensa neutralidade inabalável. Esta trama de discursos continua sendo tecida na escola, incitando e legitimando práticas, configurando modos de dizer “verdadeiros” sobre arte e seu ensino (LOPONTE, 2005, p. 250).

“Deve-se muito ao feminismo a concepção de que o corpo é uma construção social, profundamente moldado, tanto materialmente quanto em termos de representações, por ideologias culturais e normas disciplinares (PROCOPIACK, 2009, p. 9).” Esta revolução epistemológica provocada pelas novas relações da sociedade ocidental com o corpo coloca na gaveta muitas das “verdades absolutas” da história da arte, que serviram principalmente para invisibilizar e restringir a produção de mulheres artistas. O advento do Movimento Feminista na década de 1960 inaugurou uma série de discussões sobre gênero às quais os discursos ancorados na biologia e na psicanálise já não davam conta de responder. Para Meyer,

o conceito de gênero aponta para a noção de que o indivíduo, ao longo do seu desenvolvimento físico e psíquico, através das mais diversas instituições e ações sociais, se constitui como homem e mulher, em etapas que não são sequenciais, contínuas ou iguais e que também nunca serão concluídas. A autora ancora-se nas análises que consideram a cultura como sendo um campo de conflito, capaz de produzir múltiplos sentidos e que nem sempre esses são convergentes nas noções de masculinidade e de feminilidade. Portanto, as noções essencialistas, universais e trans-históricas de homem e mulher (singular) são simplistas e devem ser contestadas (2003, apud CAETANO, 2005, p. 36).

Estas percepções têm permeado os discursos contemporâneos sobre a arte e seus objetos e, com isso, contribuído para a concepção de uma nova história da arte, onde não cabe mais a figura do artista como “o homem”, “o gênio incontestável”. Tal visão está atrelada a um olhar machista, onde as mulheres estão à margem e cabem somente dentro das pinturas e esculturas ontológicas.


31

John Berger (1999) reflete sobre as representações do feminino na arte ocidental e a influência destas para com a consolidação da figura passiva e submissa da mulher a um olhar masculino, não só do artista, mas também do espectador. A arte historicamente firmou-se como um espaço masculino, que não somente ignorou a produção feminina, mas que também instrumentalizou o hegemônico pensamento machista sobre a sexualidade e a moralidade feminina. Durante um longo período as artistas mulheres tiveram sua produção minimizada. Era-lhes

vedado o acesso à prática de desenho do natural com modelo nu, que foi a base do ensino acadêmico e da representação na Europa do século XVI ao XIX. As mulheres „artísticas‟ por natureza deveriam ser controladas de alguma forma, sendo proibidas de estudar arte fora do contexto estético doméstico (decoração de interiores, arranjos florais, tocar piano etc.) (LOPONTE, 2005, p. 287).

Contudo, a constante superação de paradigmas sociais e de padrões estéticos no último século, a busca constante de novas visualidades da Arte Moderna e o fortalecimento de um mercado internacional de Arte promoveram a inserção de inúmeras artistas. Uma dessas é Frida Kahlo. Frida é uma artista mexicana que viveu de 1907 a 1954. Ela teve sua vida marcada por tragédias e dramas pessoais e, na pintura, expôs suas feridas, angústias e sua visão de mundo. A artista revolucionou a representação feminina, imprimiu sua múltipla identidade, suas diversas faces em mais de 150 autorretratos. Mais do que pintar seus alteregos ou “psicologizar” a arte, Frida inaugurou um novo jeito de representar o feminino e o corpo.

Os autorretratos de Frida Kahlo ajudaram-na a moldar uma ideia do seu próprio eu; ao recriar-se, tanto na arte como na vida, encontrava agora uma identidade (KETTENMANN, 2010, p. 20).


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Imagem 1.

Frida Kahlo, 1944 (Fonte: PROCOPIACK, 2009, p. 51)

Seguindo uma arte fortemente marcada pela identidade e pelas críticas aos condicionamentos sociopolíticos, diversas artistas contemporâneas usam, assim como Frida, sua própria imagem para questionar tais condicionamentos. Entre estas destaco a artista brasileira Rosana Paulino que nas imagens abaixo utiliza interferências com o bordado. “O bordado que enfeita e decora, aqui cega e cala” (PROCOPIAK, 2009, p 47).


33

Imagem 2.

Rosana Paulino, 1997 (Fonte: PROCOPIACK, 2009, p. 47)

Observando as produções das duas artistas, podemos constatar um conceito de identidade amplo, múltiplo e dialético, onde a arte instrumentaliza temas e questionamentos que não pertencem à própria arte. Assim, a arte não é um fim, mas um meio que não se esgota em si mesmo. Algo que chama a atenção é a forma como poeticamente o autorretrato e a colagem estão ligados à manifestação da identidade. O autorretrato por tradicionalmente ter a pretensão de identificar visualmente a quem o produz e a colagem por ser composta de várias partes interdependentes, únicas e indissociáveis, todas compondo uma única peça.

O procedimento da colagem chegou ao pós-modernismo, sendo adotado pelos artistas pop britânicos e norteamericanos. Esses se inspiraram na experiência dadaísta para produzir arte no pós-guerra, quando se consolidaram as sociedades de consumo. Desse modo,


34

as montagens e as colagens se evidenciam como uma forma de consciência icônica, que pode se manifestar artisticamente, em que as imagens são associadas, ajustadas, repetidas, substituídas simbolicamente como metáforas, etc. (HERMES, 2006, p. 116).

A arte contemporânea está inundada de colagens que ajudam a construir suas metáforas e constituir um imaginário sobre as obras. Os ready mades, as instalações, o cinema e diversas técnicas mistas utilizam a apropriação de outros materiais, peças e objetos para compor um novo objeto, uma nova obra. Essas apropriações funcionam como colagens, alguns, porém, tridimensionais. Diversos artistas desde Picasso, Hanna Höch, Matisse, Andy Warhol a artista contemporâneos/as como Beatriz Milhazes e David Hockney e tantos/as outros/as utilizaram e utilizam a colagem como técnica de intervenção e acabamento em suas obras. A artista dadaísta Hanna Höch produziu inúmeras colagens. A figura mais recorrente em suas produções é a imagem feminina, ou melhor, a composição de imagens que remetem a figuras femininas. Ao apropriar-se de imagens midiáticas, Hanna compõe de certa forma, idealizações do feminino, que remetem às múltiplas possibilidades de construções culturais acerca do corpo.


35

Imagem 3.

Hanna Höch, 1930 Disponível em < http://venetianred.files.wordpress.com >. Acesso em 8 de abr. 2011.

David Hockney é um artista inglês que possui uma imensa e diversa produção. Professor, pesquisador e artista plástico, Hockney produziu obras sobre cenas cotidianas, muitos retratos e recentemente paisagens da natureza. O artista tem diversas pinturas, gravuras, desenhos e aquarelas. Todavia, sua série mais conhecida é a de fotocolagens, na qual remontou, através de recortes de fotografia, paisagens urbanas, rostos, retratos e objetos. O espaço, principal objeto das fotocolagens de Hockney, é um importante aspecto para o estudo do gênero. A forma como o artista remonta os espaços remete metaforicamente às diversas perspectivas individuais dos espaços. A identidade cultural está intrinsecamente ligada ao espaço, bem como ao tempo. A ideia de que identidade e gênero são construídos culturalmente perpassa pela transformação dos seres e espaços através das relações sociais e pela ação do tempo.


36

Imagem 4.

David Hockney, 1985 Disponível em < http://www.hockneypictures.com >. Acesso em 17 de fev. 2010.

3.1

Sobre Moral e Sexualidade Se, por um lado, a sociedade avançou em algumas questões de gênero,

outras parecem ter definitivamente estacionado. Uma dessas questões é a erotização da figura feminina. Não é de hoje que se produzem imagens de mulheres nuas em poses sensuais e permissivas. Não quero aqui difundir um falso “puritanismo”, mas sim refletir sobre os significados dessas imagens, principalmente para o período em que foram produzidas. Um bom exemplo disso é a obra “As Três Graças” de Peter Paul Rubens (1577–1640). Hoje é bem fácil achar alguém que vá descrever esta obra como “uma representação do ideal de beleza daquela época”. Porém, se refletirmos sobre o impacto desta produção em seu tempo, facilmente concluiremos que há um peso muito grande de erotismo em seu conteúdo formal e simbólico que reforça a concepção da mulher como objeto sexual. Há muito mais em seu conteúdo simbólico do que o ideal de beleza de um tempo.


37

Imagem 5.

Peter Paul Rubens, 1639 Disponível em < http://4.bp.blogspot.com >. Acesso em 2 de jun. 2012.

A banalização do nu feminino é algo extremamente novo, pois se olharmos para trás veremos que somente no século XX começou a se revisar com profundidade os paradigmas da sociedade machista ocidental. Por exemplo, no que diz respeito à moralidade da imagem feminina – o biquíni, o maiô, a minissaia e tantas outras peças da vestimenta feminina que hoje são comuns (nem tanto, eu sei) causaram extremo horror quando apareceram na última metade do século passado. Ainda que haja certo conservadorismo em relação à imagem feminina, hoje ninguém mais se espanta com comerciais de mulheres seminuas e programas de televisão (TV) como a extinta Banheira do Gugu5 ou o Big Brother Brasil6 (BBB). Mas é bom 5

Quadro do programa televisivo “Domingo Legal” veiculado pelo SBT, programa esse transmitido desde 1993. O quadro foi censurado no ano de 2000 por ser considerado inadequado para o horário devido à apresentação de pessoas quase nuas.

6

Reality Show veiculado pela Rede Globo desde 2002. O programa consiste no confinamento de um número variável de participantes em uma casa filmada 24h por dia, em que os participantes concorrem a prêmios diversos durante o programa e a uma premiação final em dinheiro. As imagens


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lembrar que nem sempre foi assim. Não é difícil de imaginar a reação de uma pessoa da Idade Média, ou até mesmo do início do século XX, que se depara com uma TV transmitindo imagens de mulheres seminuas. A questão não é meramente moral, mas contextual. Mulheres nuas ou seminuas em uma passeata pelos direitos das mulheres, por exemplo, não contribuem com esta banalização do nu feminino, pois o contexto no qual esta exposição ocorre é completamente distinto. É importante que se entenda esta diferença entre uma passeata e o BBB, onde mulheres seminuas flertam com homens seminus. Outro bom exemplo dos efeitos do machismo histórico é a visão essencialista dos gêneros – “homens são fortes e objetivos”; “mulheres são fracas e emotivas”, visão que busca dar ao ser humano uma identidade idealizada, fixa e estável. É importante refletir sobre estas máximas tendo em vista que nossa concepção do que é masculino ou feminino é construída culturalmente, ou seja, varia conforme o espaço, o tempo e o contexto. O sociólogo Stuart Hall (2003 apud CANTON, 2009, p. 16) refletindo sobre a identidade cultural afirma que

o Sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

Hall reflete sobre a fragmentação da identidade do ser humano moderno, sobre a velocidade da vida contemporânea e a contribuição da globalização para tornar o conceito de identidade muito mais fluido e difícil de ser definido. Mesmo com tantas mudanças socioculturais e um senso comum que corrobora com a ideia de uma nova assunção de valores sobre a sexualidade, é temerário afirmar que, através da exposição compulsória de imagens de mulheres nuas ou seminuas nas grandes mídias, ou mesmo em obras de arte, contribua para uma dessexualização podem ser vistas em tempo real por um canal fechado de TV (Premiere Shows) ou em rede aberta (pela Rede Globo) em uma edição diária, ou ainda, em flashs ao vivo no canal fechado Multishow e também na Rede Globo.


39

do nu. Pelo contrário, esta superexposição das mulheres7 apenas reforça a dicotomização dos papéis sociais e as máximas essencialistas, acentuando os discursos sobre a moralidade sexual.

3.2

Outras tramas entre gênero e arte Historicamente a produção artística constituiu-se no masculino. A arte era

feita e consumida por homens. Sendo assim, as produções contemporâneas, artísticas e acadêmicas, que dão conta da temática “gênero”, majoritariamente buscam, de certa forma, justiçar as mulheres, ou seja: em tais produções, quando se fala de gênero, busca-se discutir, apreciar e reconhecer a produção pictórica feminina e analisar as representações do feminino na arte. A busca por esse reconhecimento é completamente válida e sem essa reivindicação de seu espaço as mulheres artistas, talvez, ainda estariam à margem do mercado da arte e da história da arte. Porém, esta insistência ao se falar prioritariamente do gênero feminino causa duas confusões: a primeira é de que gênero e sexo constituem a mesma coisa; a segunda é de que falar de gênero é falar somente sobre mulheres. As discussões sobre gênero buscam não só reconhecer o espaço e a interferência feminina na sociedade, mas também compreender como se constituem os discursos que nomeiam as masculinidades e as feminilidades. Tais discursos se constituem culturalmente e não se limitam ao sexo de uma pessoa. Quer dizer, a sexualidade é mais um, entre tantos fatores, que nomeiam o seu gênero. O gênero de uma pessoa, portanto, não é o seu sexo, mas como ela se relaciona e se apresenta socialmente.

O termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres (SCOTT, 1995, p. 75).

7

Hoje, estamos assistindo à objetificação do corpo masculino, também. Os programas citados reforçam igualmente esta objetificação de ambos os gêneros.


40

Dessa forma, ao se falar prioritariamente sobre mulheres, busca-se questionar e refletir sobre o machismo histórico e os discursos que sustentaram e sustentam o imperativo masculino nas relações sociais e nas formas de representação. É impossível conceber gênero sem se falar sobre a rede de discursos que sustentam o hegemônico pensamento machista. No entanto, é necessário estabelecer os devidos marcos do termo para que não haja prejuízo em sua significação como categoria social. A sociedade ocidental tem produzido diferentes sentidos para o ser homem e o ser mulher. Dessa forma, não existem mais apenas um masculino e um feminino, mas sim diferentes feminilidades e masculinidades. Refletir este cenário múltiplo e impreciso é papel fundante da arte e proporcionar este atravessamento deve ser um compromisso central da educação.


41

CAPÍTULO 3

PROJETO E PRÁTICAS DE ENSINO EM ARTES VISUAIS


42

4

Projeto e prática de ensino em artes visuais 4.1

Dados gerais da escola e da turma onde foram realizadas

as práticas de ensino A Escola Estadual de Ensino Médio Vila Prado está situada no bairro Piratini, próxima ao centro de Sapucaia do Sul-RS. Atende a aproximadamente 700 alunos/as diuturnamente. As práticas de ensino serão realizadas com a turma 301, terceiro ano do ensino médio, composta por 27 educandos/as.

4.2

Dados gerais do projeto de ensino

Título do Projeto: Gênero e arte constituindo identidades.

Escola: Escola Estadual de Ensino Médio Vila Prado.

Endereço da Escola: Rua João Rodrigues, 1016, bairro Piratini, Sapucaia do SulRS, CEP: 93.216-000.

Turma: 3º ano do ensino médio, turma 301.

Professora Titular: Juliana Werckmeister Saballa.

Tema de Pesquisa: A pesquisa inicial tomou como ponto de partida o tema gênero, procurando estabelecer suas devidas conexões com a arte. Desse modo, as acepções de gênero embasadas pelas autoras Luciana Gruppelli Loponte e Joan Scott, encontraram convergências com o trabalho das artistas Frida Kahlo e Hanna Höch, entendendo o autorretrato como uma manifestação singular da identidade e a colagem como uma metáfora desta. A pesquisa, entre outros aspectos, enfatizou as diferenças entre gênero e sexo, as relações de poder entre masculino e feminino e as formas como a arte contribuiu para consolidação de valores morais machistas.


43

Tema do Projeto de Ensino: O projeto buscou propiciar a compreensão dos conceitos de gênero e identidade, traçando suas convergências conceituais, dialogando sobre as relações de poder entre masculino e feminino. O tema identidade, pela força que tem na obra de Frida Kahlo, ganhou grande espaço nas práticas de ensino. Dessa forma, as acepções de identidade cultural, a ligação metafórica entre colagem e identidade, bem como a importância do autorretrato na representação da individualidade, embasadas pela pesquisa, estiveram presentes nessas práticas.

4.2.1

Justificativa

As novas tramas sociais constituem identidades que não são únicas e fixas. Pelo contrário, são múltiplas e estão em constante transformação. Da mesma forma, estabelecemos nossas noções de feminino e masculino, amparados por nossas vivências, experiências e pré-conceitos. No entanto, tais noções trazem uma carga histórica e cultural de opressão do masculino sobre o feminino que, infelizmente, ainda impera e rege as relações de poder, gerando situações de conflito, desigualdade e discriminação. E a escola não está isolada deste campo de conflitos, pelo contrário, historicamente os espaços de ensino contribuíram para a reprodução e a consolidação de valores machistas e morais. Tendo em vista uma educação voltada para a transformação social e a promoção da autonomia, bem como a participação efetiva dos/as alunos/as nas aulas de Arte por meio de temas que aproximem suas realidades das práticas de sala de aula, este projeto tomará como ponto de partida o entrelaçamento das temáticas gênero e identidade, problematizando a adolescência, as masculinidades e as feminilidades, em vista da superação das situações de discriminação por quaisquer aspectos identitários.

4.2.2

Objetivo Geral

Propiciar a compreensão dos conceitos de gênero e identidade, bem como refletir, dialogar e representar as formas como estes temas manifestam-se nas relações sociais e nas individualidades.


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4.2.3

Conteúdos

 Gênero;  Identidade;  Autorretrato;  Vida e obra de Frida Kahlo;  Colagem.

4.2.4

Metodologias

Aulas expositivas dialogadas;

Debates;

Produção estética individualizada.

4.3

Entrando na sala de aula 4.3.1

Primeiro Encontro

Aula 1 Data: 24/03/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdo: Gênero.

Objetivos: 

Compreender o conceito de gênero como construção cultural, como representação da sexualidade individual;

Demarcar as diferenças entre sexo e gênero.

Metodologias: Aula expositiva dialogada, debate em grupo e leitura de imagens.


45

Dinâmica da aula:  Primeiramente, será organizado o espaço de maneira que todos possam visualizar os objetos e imagens que serão expostos;  Após, serão expostos objetos de estereótipos masculino ou feminino, outros dúbios (para gerar dúvida nos/as alunos/as) e imagens de revistas contendo figuras

humanas

que

representam

diferentes

“masculinidades”

e

“feminilidades”;  Na sequência, o professor deverá iniciar a leitura de imagens dando ênfase aos desdobramentos referentes às questões de gênero, estimulando a participação dos/as alunos/as e, questionando e relacionando os objetos, quanto aos seus estereótipos;  Após 45min de aula, será solicitado aos/às alunos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Recortes de revistas;

objetos diversos de estereótipos masculino ou feminino e outros dúbios;

Avaliação:

A avaliação deverá 

Verificar se os/as educandos/as atingiram os objetivos propostos, ou seja, se houve aprendizagem em relação à proposta de trabalho, bem como a teoria apresentada sobre o assunto;

O empenho do/a aluno/a na realização do trabalho, concentrando-se no que está fazendo e observando os resultados que está obtendo.

Realização das tarefas propostas;

Manipulação do material para realização do trabalho proposto.


46

Realizado A aula foi iniciada com a apresentação da proposta de trabalho, seguida do estabelecimento dos combinados a respeito da avaliação, dos horários e da entrega de trabalhos. A turma ouviu atenta e não interviu em nenhum momento. A atividade seguinte teve como objetivo clarear o conceito de gênero abordado neste projeto e, principalmente, demarcar as diferenças entre sexo e gênero. Trata-se de, a partir de objetos de estereótipo masculino e/ou feminino, refletir sobre os falsos consensos que regem as relações de gênero. Entenda-se por “objeto de estereótipo masculino e/ou feminino” objetos e utensílios aos quais se atribui gênero – masculino e/ou feminino. Todo objeto possui um formato, cor, e conforme o objeto uma determinada função. Todos esses aspectos estão diretamente imbricados com o gênero, ao passo que atribuímos e relacionamos, culturalmente, determinadas características ao masculino e ao feminino. Ao identificar tais características em objetos acabamos relacionando-os a algum gênero. Por exemplo: é comum dizermos que as mulheres são delicadas, logo, atribuímos esta característica ao gênero “feminino”. Esta característica é inerente a qualquer mulher, trata-se da forma como culturalmente nos relacionamos com o “feminino”, pois nem toda mulher é delicada, entretanto, se um relógio tem um design delicado atribuímos a ele o gênero feminino. Na prática, apresentei objetos que trouxe, um a um, e perguntei aos/às alunos/as se o objeto é masculino ou feminino. Imediatamente surgiram diversas manifestações. Durante esta atividade apresentei cerca de doze objetos/utensílios, alguns ambíguos (como um elástico de cabelo, preto, simples e sem detalhes) outros bem direcionados como um desodorante feminino rosa.


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Alguns objetos utilizados na atividade (Fonte: SANTOS, 2011)

Ao apresentar objetos/utensílios como o elástico de cabelo foi difícil entrar em um consenso (esta atividade gera completo alvoroço entre os/as alunos/as, todos querem opinar ao mesmo tempo – é divertido), pois um grupo de alunos/as, aos berros, mencionou que seria feminino, outro grupo composto principalmente por meninas dizia ser “unissex” – aqui nota-se uma nítida confusão entre os conceitos de gênero e sexo e, ao mesmo tempo, um desprendimento maior das meninas em relação as masculinidades contemporâneas. É importante enfatizar a diferença de gênero e sexo. A palavra gênero

indica uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O termo “gênero” enfatiza igualmente o aspecto relacional das definições normativas da feminilidade (SCOTT, 1995, p. 72).

A autora atenta ao fato de o uso do termo “gênero” implicar em uma desconstrução das imagens cristalizadas que temos do que é ser homem ou mulher. Ter um olhar atento às relações de gênero significa negar que há uma mulher ou um homem universal, ou apenas um jeito de ser homem ou mulher, significa aceitar que estas concepções estão em constante construção e transformação.


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As manifestações iniciais dos/as alunos/as nessa atividade sempre trazem uma carga cultural extremamente preconceituosa. Os preconceitos não se restringem a compreensão de papéis sociais de homens e mulheres, como pode se imaginar tendo em vista uma abordagem feminista do tema, eles estão carregados de expressões e compreensões homofóbicas (“homem que usa rosa é gay”, por exemplo – dito isso de forma irônica, como se ser gay fosse um defeito ou desvio de conduta moral e social). No decorrer da atividade os/as educandos/as foram assimilando os conceitos, implicando em opiniões mais cautelosas e embasadas. Passados, na verdade, quatro ou cinco objetos cujas definições sugeridas (feminino ou masculino) foram questionadas, os/as alunos/as começaram a aplicar novos critérios para estabelecer o gênero dos objetos. Finalizando a aula, agradeci a participação de todos/as e solicitei que trouxessem objetos de uso pessoal na aula seguinte, para uma produção estética de desesteriotipização dos objetos.

4.3.2

Segundo Encontro

Aula 2 Data: 28/03/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdo: Gênero.

Objetivos: 

Compreender o conceito de gênero como construção cultural, como representação da sexualidade individual;

Produzir obras a partir de objetos pessoais dos educandos.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalho prático individual.


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Dinâmica da aula:  Primeiramente, será iniciado o trabalho prático individual, começando pela escolha de um objeto de uso pessoal, de cada aluno/a, seguida pela produção propriamente dita – o trabalho consiste em: a partir dos objetos pessoais que representem sua “masculinidade” ou “feminilidade”, cada aluno/a projetará a sombra de seu objeto, sobre a folha, contornando-a (a sombra) e podendo resolver a figura, por ela formada, com recorte de folha preta, ou, colorindo-a com caneta, lápis e/ou outros materiais que os educandos possuam;  Após 45min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Revistas;

folhas sulfite, branca, A4, de 75 g/m²;

folhas sulfite, preta, A4, de 75 g/m²;

cola branca ou bastão.

Avaliação:

A avaliação deverá 

Verificar se os/as alunos/as atingiram os objetivos propostos, ou seja, se houve aprendizagem em relação à proposta de trabalho, bem como a teoria apresentada sobre o assunto;

O empenho do/a educando/a na realização do trabalho, concentrando-se no que está fazendo e observando os resultados que está obtendo.

Realização das tarefas propostas;

Manipulação do material para realização do trabalho proposto.


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Realizado Todas as aulas deste Projeto de Ensino foram planejadas para aulas de dois períodos, entretanto o Ensino Médio, na escola Vila Prado, possui apenas um período semanal de Arte, o que dividiu cada aula em dois encontros. Na prática, isso não muda muita coisa, entretanto terei de retomar, nos relatórios de numeração par (2, 4, 6 e assim por diante), alguns aspectos referentes a objetivos, expectativas e eventualmente alguma coisa de metodologia e conteúdo já apresentados nos relatórios anteriores, de numeração ímpar. Esta aula é uma continuação, onde retomei alguns aspectos teóricos da aula anterior cujo objetivo principal foi de demarcar as diferenças entre sexo e gênero, bem como conceituar gênero como uma construção cultural. Nesta aula, tais objetivos estarão presentes no conceito da produção artística. Cada aluno/a escolheu um objeto/utensílio próprio para representá-lo plasticamente, inicialmente desenhando-o em uma folha branca. O objeto, por sua vez, deveria possuir algo que o denominasse feminino ou masculino. A proposta plástica teve de eliminar qualquer traço que pudesse estereotipizar o objeto como masculino ou feminino, seja por cor, formato ou função. Solicitei que procurassem utilizar no mínimo três cores nesta produção, no intuito de obter diferentes soluções plásticas, entendendo que os objetos poderiam repetir-se, ou ainda, os/as alunos/as pudessem fazer a “picaretagem” de pintar um objeto, como o abaixo representado, todo de uma única cor.


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Produção do aluno Cesar (Fonte: SANTOS, 2011)

Eu havia solicitado esses objetos na aula anterior, porém poucos trouxeram. Isso não impediu ninguém de fazer o trabalho, pois permiti que escolhessem coisas às quais estivessem carregando consigo, entretanto isso gerou certa uniformização dos trabalhos, pois boa parte dos/as alunos/as escolheu o mesmo objeto: o celular. Alguns de forma equivocada, pois o objeto não possuía nada que o estereotipasse. Poucos usaram objetos mais pessoais, os/as alunos/as que não escolheram celulares usaram materiais escolares como tesouras e colas, objetos que possuíam, em sua maioria, estereótipo de cor. De certa forma, isso não foi negativo, pois demonstrou a compreensão da atividade e o reconhecimento e aplicação dos conceitos pré-concebidos na aula anterior, mesmo que de forma limitada. Na produção acima, o aluno Cesar representou um chaveiro o qual originalmente possui estereótipo de cor, é azul, geralmente atribuído ao masculino. Apesar de desenvolver a atividade conforme o combinado nota-se que Cesar, assim como a maioria dos meninos da turma, mesmo diversificando as cores, não usam rosa em suas produções, pois convencionou-se culturalmente que rosa é feminino, e este pré-conceito está tão enraizado que a atividade desenvolvida na aula anterior não foi suficiente para mudar esta prática simbólica.


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Produção da aluna Helen (Fonte: SANTOS, 2011)

Apesar de os objetos se repetirem, os/as alunos/as demonstraram originalidade em suas produções, pois não houveram trabalhos idênticos. Na produção da aluna Helen nota-se, ao contrário das produções da maior parte dos meninos da turma, o uso de tons de rosa e lilás, além disso, destaco a geometrização e o uso intenso das cores, soluções predominantes no restante dos trabalhos. Segundo Miriam Celeste Martins:

o professor deverá possibilitar a cada um de seus aprendizes o fazer artístico como marca e poética pessoal, pois trabalhos iguais não apresentam formas expressivas, mas tão somente “fôrmas” repetitivas sem significado para quem fez. (MARTINS, 1998, p. 59)

Martins atenta não só para as situações de aprendizagem em que resta ao/à aluno/a poucas possibilidades de intervenção em sua produção, mas também aos “velhos” trabalhinhos de colorir, àquelas práticas de reprodução de obras de artistas consagrados e, ainda, à práticas de releitura descontextualizadas da história da Arte e sem uma sensibilização para a descoberta de poéticas singulares na prática dos/as alunos/as.


53

A ideia de os/as alunos/as escolherem os objetos visava, ainda, a identificação com o processo produtivo e o resultado plástico, bem como a compreensão e identificação com a temática. Esta produção teve como objetivo, também, aproximar os/as educandos/as de um processo mais contemporâneo, onde o resultado não é o mais importante e sim o conceito e o processo. Os/as alunos/as, em sua maioria, mostraram-se interessados pela temática e pela proposta estética. Poucos demonstraram “desleixo” com a atividade ou incompreensão dos conceitos ou da proposta.

Produção do aluno Dionas (Fonte: SANTOS, 2011)

A imagem acima é a produção do aluno Dionas. Esse menino, no ano anterior, durante as observações que realizei na turma 202, a qual ele fazia parte, o mesmo sentava junto a outro menino e os dois conversavam demasiadamente e faziam seguidas brincadeiras infantis. Este ano os dois foram “separados”. Cada um ficou em uma turma. O Dionas ficou completamente deslocado nesta turma, pois parece outra pessoa: não se relaciona bem com os colegas, pois não conversa com absolutamente ninguém, senta sozinho e sequer demonstra qualquer interesse pela aula. A forma como pintou sua produção, para mim, ilustra bem a maneira como se comporta em aula, visto que havia solicitado que utilizassem no mínimo três cores e que eliminassem qualquer característica que pudesse indicar gênero. É sabido que a cor azul tradicionalmente corresponde ao masculino. Além disso, a aula anterior


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abordou justamente estes aspectos, exemplificando com diversos objetos, ainda assim o aluno pintou sua produção somente desta cor. Além disso, o objeto representado também era desta cor. Com o sinal sonoro da escola anunciando o final do encontro, pedi aos/às alunos/as que me entregassem suas produções, para que eu pudesse fotografá-las e avaliá-las com calma, em casa. Solicitei também os materiais necessários para a próxima produção.

4.3.3

Terceiro Encontro

Aula 3 Data: 04/04/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero, identidade, colagem e autorretrato.

Objetivos: 

Observar diferentes representações e autorretratos de diferentes períodos históricos;

Compor autorretratos a partir de imagens de revistas.

Metodologias: Aula expositiva dialogada, trabalhos individuais e leitura de imagens.

Dinâmica da aula:  Primeiramente, serão expostas, no quadro negro, imagens de autorretratos;  Na sequência, iniciará a leitura das imagens expostas;  Após, será motivado o trabalho prático a partir da questão: quais coisas que gosto e faço que me identificam? – o trabalho consiste em: a partir de imagens de revistas compor uma colagem, onde, além de sobrepor e justapor imagens, os/as educandos/as poderão inserir palavras e frases que


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justifiquem suas escolhas de figuras ou que sintetizem sua composição e, ainda, interferir na composição com outros materiais (caneta, marcador, lápis, etc);  Após 45min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Revistas atuais;

Ampliações de autorretratos;

Folhas sulfite, branca, A4, de 115 g/m² ou maior;

Cola branca ou bastão;

Tesoura;

Lápis de cor, marcador e caneta esferográfica.

Imagens

Imagem 1 (p. 31);


56

Imagem 6.

Gil Vicente, 2005 Disponível em < http://blog.samuraiag.com >. Acesso em 29 nov. 2010.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Compreender o entrelaçamento das temáticas gênero e identidades é fundamental para o entendimento do conceito de gênero abordado neste projeto. Nesse sentido, a atividade desta aula teve como objetivo introduzir um aspecto


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imprescindível para essa compreensão: nosso padrão de consumo e as imagens que elegemos estão profundamente imbricadas com nossa forma de ser e de nos relacionarmos. Sendo assim, dialogam com ambas temáticas. No trabalho proposto, solicitei aos educandos que, em revistas, escolhessem imagens e palavras com as quais se identificassem e que, a partir desses recortes, compusessem plasticamente uma colagem cujo resultado fosse, de certa forma, um autorretrato. Além das imagens, os/as alunos/as poderiam também interferir no suporte com lápis de cor, marcador e caneta. Disponibilizei quarenta revistas para os/as, quase, trinta alunos/as. A grande maioria das revistas extremamente atuais, de temas diversos e com muitas imagens. Imediatamente os/as educandos/as se agruparam em frente à minha mesa escolhendo imagens e revistas. Fiquei surpreso, com tamanha pró-atividade, visto que a mesma atividade, em outra turma, de outra série, havia sido completamente diferente. Para evitar que fizessem de qualquer jeito, pedi aos/às alunos/as que nesta aula somente recortassem as imagens. Dessa forma poderiam selecionar as imagens com mais calma e haveria tempo para escolherem uma maior quantidade de imagens. Há na turma uma aluna extremamente integradora – Alexandra. Fala de mais, mas ao mesmo tempo é participativa e a forma como se relaciona com os colegas os motiva a participar das atividades. Recortando suas imagens dizia: “uhm, camaleão, me identifico com camaleão!” E assim foi com todas as imagens que selecionou. Os/as alunos/as acharam a atividade extremamente simples, comentando que poderia ser sempre assim, em alguns momentos me perguntei se não deveria permitir que começassem a colar. Mas resisti, para que conseguissem recortar bastante imagens a fins de enriquecer as produções na próxima aula. Em certa altura da aula disponibilizei algumas imagens para circular pelas classes. Trata-se da reprodução de autorretratos de Picasso, Frida Kahlo e Gil Vicente, produções em estilos completamente distintos, mas que revelam traços da identidade dos artistas. Procurei relacionar as imagens à atividade que estavam realizando. Falei principalmente de Frida Kahlo, seu acidente e sua inserção política, pois a imagem de Frida apresenta um dos peculiares coletes utilizados pela artista


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durante sua vida, em decorrência do acidente. Sobre Picasso, comentei a respeito do cubismo e o quanto é evidente o estilo mesmo em seu autorretrato, é a identidade pessoal entrelaçando-se com a identidade de sua Obra. Na obra de Gil Vicente (imagem 6, p. 54) destaquei a singularidade de sua obra em que o artista está representado cometendo um assassinato e o quanto isso é político-ideológico.

Imagem 7.

Pablo Picasso, 1972 Disponível em < http://3.bp.blogspot.com/ >. Acesso em 2 de jun. 2012.

Na infinidade de representações figurativas, o autorretrato ocupa uma posição privilegiada, que em determinados períodos históricos significou uma afirmação da singularidade de um indivíduo diante de sua comunidade. (PROCOPIAK, 2009, p.14)

Da mesma forma, a composição em produção, pretende ser um autorretrato, em que, para além da imagem do autor, se reconheça suas


59 características, seus gostos e aspirações de “ser” e “ter”. Inclusive, não se pretendia com está produção representar a face do autor, como tradicionalmente se compreende um autorretrato. Circulando pela sala consegui ter uma prévia muito otimista das produções, pois reparei que os/as educandos/as estavam selecionando muitas imagens e palavras. Chegando ao final da aula, solicitei aos/as alunos/as que guardassem suas imagens dentro de um caderno ou pasta para não amassar e não se esquecer de trazer na próxima aula, e sugeri a todos/as que, em casa, buscassem mais imagens em suas revistas.

4.3.4

Quarto Encontro

Aula 4 Data: 11/04/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero, identidade, colagem e autorretrato.

Objetivos: 

Concluir o trabalho da aula anterior.

Metodologias: Aula expositiva dialogada, trabalhos individuais e leitura de imagens.

Dinâmica da aula:  Primeiramente, serão expostas no quadro negro imagens de autorretratos;  Após, será motivado o trabalho prático a partir da questão: quais coisas que gosto e faço que me identificam? – o trabalho consiste em: a partir de imagens de revistas compor uma colagem, onde, além de sobrepor e justapor imagens, os/as alunos/as poderão inserir palavras e frases que justifiquem


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suas escolhas de figuras ou que sintetizem sua composição e, ainda, interferir na composição com outros materiais (caneta, marcador, lápis, etc);  Após 45min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Revistas atuais;

Ampliações de autorretratos;

Folhas sulfite, branca, A4, de 115 g/m² ou maior;

Cola branca ou bastão;

Tesoura;

Lápis de cor, marcador e caneta esferográfica.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Nesta aula dei continuidade ao trabalho iniciado na aula anterior. No trabalho proposto, solicitei aos educandos que, em revistas, escolhessem imagens e palavras com as quais se identificassem e que, a partir desses recortes, compusessem plasticamente uma colagem cujo resultado fosse, de certa forma, um autorretrato. Além das imagens, os/as alunos/as poderiam também interferir no suporte com lápis de cor, marcador e caneta. Iniciando a aula, solicitei aos educandos que pegassem folha A4 branca para, sobre esta, organizar as imagens recortadas na aula anterior e também em


61 casa. Orientei que recortassem com cuidado e “perfeição” o entorno das imagens para dar um acabamento razoável na produção. Além disso, solicitei que não distribuíssem as imagens e palavras aleatoriamente na folha, mas que buscassem alguma forma de organização. Como exemplo, levei duas produções da artista Hanna Hoch (imagens 3 e 8, p. 33 e 59). Evidentemente a proposta é diferente, mas as produções de Hoch, ilustram um tipo de relação que se pode estabelecer entre as imagens recortadas. Imagem 8.

Hanna Höch, 1975 Disponível em < http://venetianred.files.wordpress.com >. Acesso em 8 de abr. 2011.

Optei não só nesta aula, mas também em outras, em levar imagens que não apresentassem uma solução que se impusesse de forma que todos fizessem trabalhos iguais ou parecidos, mas imagens que dialogassem com a produção de forma complementar, que apresentassem uma possibilidade aos/às educandos/as. Por isso, também, em nenhum momento fixei imagens no quadro negro, mas fiz com que circulassem entre os/as alunos/as. Outro cuidado importante de mencionar está na escolha das imagens: tive o cuidado de não levar somente reproduções


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miméticas, mesmo o trabalho de Gil Vicente, apresentado na aula anterior, que se apresenta de forma extremamente “realista” foi contextualizado como exemplo em contraponto aos autorretratos de Picasso e Frida Kahlo.

Produção da aluna Fernanda (Fonte: SANTOS, 2011)

Observando as produções dos educandos, notei que alguns buscaram estabelecer relações entre as imagens, como na reprodução acima da aluna Fernanda, onde o chocolate esta dentro da boca e também o “glós” está próximo da boca. A aluna não se esmerou muito nos acabamentos dos recortes, mas conseguiu utilizar todo o espaço do suporte e organizar de forma interessante as imagens. Nas colagens o casamento dos recortes, bem como o acabamento deste é, também, uma opção pessoal. No exemplo que antecede à produção de Fernanda, Hoch, rasga alguns dos recortes ao invés de recortá-los com “perfeição”. Outras produções que destaco são as das alunas Melissa e Natália. Apesar de a organização não estabelecer grandes relações entre as imagens e palavras, percebe-se na produção de Melissa uma grande quantidade de objetos, produtos e bens de consumo que dizem muito sobre o “universo adolescente” – vaidade, consumo, poder econômico, etc. Melissa chegou a usar duas folhas A4 coladas uma na outra para que coubesse todas as imagens recortadas. Na produção de Natália, além de conseguir utilizar muitas imagens, a aluna também deu um acabamento interessante, com pedaços de lápis de cor. Assim como


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Melissa, também escolheu muitos objetos, produtos e bens de consumo, entretanto, representou o gosto pela música, dança, chocolate, por cozinhar e por animais. Além disso, escreveu seu nome de forma não linear, o que me chamou a atenção.

Produção da aluna Natália (Fonte: SANTOS, 2011)

Finalizando a aula, recolhi os trabalhos para avaliá-los e fotografá-los em casa. Saí muito satisfeito com as produções e com o empenho dos/as alunos/as nesta produção. A diversidade das produções mereceria muitos parágrafos de análise, pois cada um expressa traços singulares da identidade de cada educando/a.

4.3.5

Quinto Encontro

Aulas 5 e 6 Data: 18/04/2011 Duração: 140 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio


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Conteúdos: Gênero, identidade e autorretrato. Objetivos: 

Observar diferentes representações de diferentes períodos históricos;

Identificar, a partir da leitura de diferentes imagens, elementos visuais que distingam períodos históricos, culturas, jeitos ser e “tabus” vencidos ou não;

Compreender, a partir da leitura de imagens, os diferentes modos de ser homem e mulher coexistentes na contemporaneidade;

Produzir, a partir da leitura de cada aluno/a, imagens que representem as “masculinidades” e as “feminilidades” contemporâneas.

Metodologias: Aula expositiva dialogada, trabalhos em grupos, produção individualizada e leitura de imagens.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, serão divididos os grupos de cinco ou seis alunos/as;

Cada grupo receberá duas imagens distintas, uma de artistas dos séculos XV ao século XIX (imagem A) e outras de artistas contemporâneos e artistas do último século (imagem B);

Após, serão distribuídas as imagens e motivada a leitura das mesmas, solicitando a anotação dos dados levantados, a partir das questões: Como estão vestidas as pessoas representadas? De que época elas são? Elas estão vestidas de acordo com seu tempo? Por quê? Quais hábitos e costumes desta época vocês destacam? Homens e mulheres exercem os mesmos papéis sociais nestes períodos? Por quê?

Na sequência, será motivada a socialização das anotações de cada grupo;

Após, cada aluno/a deverá produzir uma obra que represente uma ou mais formas de ser homem ou mulher na contemporaneidade. As produções poderão ser feitas com lápis de cor e de desenho, marcador, caneta esferográfica e/ou colagem;


65 

Após 1h30min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Revistas atuais;

Ampliações de diversas obras;

Folhas sulfite, branca, A4, de 115 g/m² ou maior;

Cola branca ou bastão;

Tesoura;

Lápis de cor, marcador e caneta esferográfica.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Esta aula tinha inicialmente como objetivos principais compreender, a partir da leitura de imagens, os diferentes modos de ser homem e mulher coexistentes na contemporaneidade, bem como produzir, a partir da leitura de cada aluno/a, imagens que representem as “masculinidades” e as “feminilidades” contemporâneas. Além disso, por meio dessa aula buscava-se compreender que os conceitos de masculino e feminino estão em constante transformação. Mantive os objetivos mas acabei mudando os meios. Pensando em unir o útil ao agradável, resolvi exibir o Filme “Frida”, produzido em 2002, pela Diretora Julie Taymor. O filme é muito longo e possui


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muitas cenas de sexo, por isso tive de editá-lo. Além disso, pedi à professora de Biologia que cedesse seu período para assistirmos ao filme inteiro de uma só vez. A mudança ocorreu por dois motivos: o primeiro foi a percepção que tive sobre a atividade de leitura de imagem realizada em uma turma da 8ª série, que no meu entendimento foi demasiada demorada, muito individualizada (sendo que eram leituras em grupos de cinco a seis alunos/as), além de que poucos grupos compreenderam a proposta. O segundo motivo foi o interesse demonstrado pelos/as alunos/as na Obra da artista Frida Kahlo, tendo eu levado à aula uma reprodução da obra de Frida “Coluna Partida” (imagem 1, p. 31). É evidente que uma atividade não substitui em equivalência a outra. Entretanto, observo no filme “Frida” diversos aspectos que seriam debatidos a partir da leitura de imagem como, por exemplo: tabus sobre a sexualidade – o filme aborda explicitamente a bissexualidade da artista mexicana; outro aspecto importante é a presença de elementos visuais (roupas, penteados, arquitetura, etc.) que distinguem períodos históricos e culturas– sendo “Frida” um filme que remonta, principalmente, as terceira e quarta década do século passado, dadas as diferenças culturais entre Brasil e México, o filme expõe de forma convincente as mudanças culturais ocorridas no período corrente. Além disso, pode-se, através do filme, perceber diferentes masculinidades e feminilidades – por exemplo, as personagens que representavam a família de Frida, principalmente sua Mãe compreende uma forma muito distinta à de Frida ser feminina, sendo essa dona de casa, heterossexual e religiosa cristã/católica e a artista, por sua vez, bissexual e comunista, entre outras coisas que a fazem uma das figuras mais peculiares da história recente da Arte. Cada personalidade representando feminilidades coexistentes e distintas. Os/as educandos/as, evidentemente, gostaram da ideia, pois mataram aula de Biologia e não tiveram que produzir nada. Cheguei a pensar em pedir algo escrito sobre o filme, mas achei uma atitude muito tradicional, então resolvi ao final fazer uma breve conversa. A

escola

possui

uma

sala

de

vídeo

que

tive

de

requisitar

antecipadamente. A sala é ruim – a televisão é pequena e está posicionada muito alta e as cadeiras desconfortáveis, pois são de jardim de infância. Antes de levar os/as alunos/as para esta sala organizei-a de forma que todos conseguissem enxergar a televisão e deixei o filme “pausado” no início.


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Levando os/as educandos/as até a sala de vídeo, pedi que prestassem atenção no filme, que não conversassem e não dormissem. Apesar do pedido, três meninas conversaram durante toda exibição do filme. Chamei a atenção delas diversas vezes. Paravam, mas logo retomavam o papo. Com exceção das “tagarelas”, a exibição foi tranquila. Ao final, antes mesmo que eu iniciasse o debate, os/as alunos/as me despejaram um caminhão de perguntas: “o filme é baseado em fatos reais? Ela morreu de quê? Por que amputaram o pé dela?” E por aí vai. Poucos/as alunos/as não participaram do debate. Para não deixar a atividade no “esponteinismo” introduzi no debate a pergunta chave para entender Frida Kahlo: Qual a principal temática da artista em sua pintura? Prontamente, todos me responderam o óbvio: “a vida dela”. O filme remonta passagens da vida de Frida que se tornaram tema de obras suas, deixando explícita tal compreensão. Chamei a atenção dos/as alunos/as para as diferentes feminilidades representadas por Frida, sua irmã e sua mãe, e até mesmo pela ex-mulher de Diego Rivera, questionando-os/as se notavam a diferença na forma como se relacionavam socialmente. Tive de citar alguns exemplos de como isso acontecia no filme, como a sexualidade da artista. Apenas a aluna Nicole se manifestou sobre esses aspectos. Acredito que de um modo geral os/as alunos/as compreenderam a dimensão cultural da identidade implícita nestes aspectos comentados, a pequena participação teve relação com o início do intervalo e a preocupação dos/as alunos/as em encerrar a atividade. O filme tem fragilidades na forma como representou a militância política da artista, por isso tive que pontuar algumas questões referentes à valorização da identidade nacional, presente nas obras da artista, e a influência do Muralismo Mexicano. Se tivesse levado algumas reproduções de obras da artista com estas características, e obras de muralistas mexicanos, penso que esta explicação teria sido menos abstrata, mas acabei não me organizando para isso. Apesar disso, penso que não houve prejuízo nesse aspecto, tendo eu ao menos falado. Avançamos a atividade ao intervalo e tive que encerra-lá para que os/as alunos/as conseguissem lanchar e ir ao banheiro.


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4.3.6

Sexto Encontro

Aula 7 Data: 25/04/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero e identidade.

Objetivos: 

Refletir sobre as diferentes características socioculturais que compõem nossa identidade;

Produzir esteticamente a temática refletida.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, serão expostos no quadro negro diversas palavras que representam rótulos que nos são dadas em todo e qualquer momento da vida, evidenciando diversos componentes da identidade coletiva e/ou individual, como por exemplo: alto, baixo, negro, branco, pardo, amarelo, adolescente, jovem, idoso, adulto, pobre, rico, classe média, gaúcho, brasileiro, católico, evangélico, ateu, heterossexual, homossexual, bissexual, etc.;

Cada aluno/a deverá criar um “produto” e o rótulo deste deverá ser algo próprio do/a educando/a, uma palavra que represente algum aspecto socioeconômico, étnico, religioso ou alguma característica psicossocial do/a educando/a;

Cada produto deverá ser representado em forma de anúncio e para este criado um slogan que fará parte da composição juntamente com a imagem do produto;


69 

Após 45min de aula, será solicitado aos alunos que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Folhas sulfite, branca e colorida, A4, de 1,15 g/m² ou maior;

Tesoura;

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

 Realização das tarefas propostas;  Participação nas atividades. Realizado Esta aula teve como objetivos refletir sobre os diferentes aspectos culturais que compõem nossa identidade, bem como produzir esteticamente a temática refletida. Primeiramente, expus no quadro negro palavras que representavam elementos culturais constituintes da identidade pessoal e/ou coletiva, como: ser negro, branco, indígena ou oriental, heterossexual, bissexual ou homossexual, pobre, rico ou classe média, jovem, adulto ou idoso, entre outras coisas. Tais elementos, muitas vezes funcionam como rótulos em nossas vidas, seja para nos enquadrar em um determinado segmento social, ou para nos estereotipar de alguma forma. A produção plástica visou, justamente, refletir e representar estes rótulos e estereótipos. Motivados pelas palavras no quadro, cada aluno/a, sobre uma folha A4 branca, deveria escolher um elemento de sua identidade e representá-lo de forma que este “rótulo” compusesse o anúncio de um produto fictício, em que o nome do


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produto fosse algo próprio do/a educando/a. Os/as alunos/as poderiam utilizar, ainda, lápis de cor, marcador, caneta e recortes de revista. Além das palavras no quadro, levei uma reprodução de um autorretrato da artista mexicana Frida Kahlo. No encontro anterior havíamos assistido ao filme Frida, que conta a história da artista. Este é um trabalho um pouco complexo, não somente pelo esforço criativo que exige, mas principalmente porque exige certo desprendimento dos/as alunos/as em expor aspectos de sua realidade individual que podem os/as incomodar, seja por serem discriminados ou simplesmente porque se envergonham em se expor a seus/uas colegas. A adolescência é um período de autoafirmação, por isso, também, torna-se complexo este trabalho. Na prática, o que pode acontecer é que os “rótulos” apresentados pelos/as educandos/as não sejam necessariamente os que mais lhes incomodam, ou mesmo, que eles/as resistam em fazer a atividade para não se exporem. Pensei em trazer alguns anúncios publicitários, cartazes e folders para exemplificar a atividade, mas tive receio de, ao invés de inspirar os/as alunos/as, estimular cópias. Iniciado o trabalho, alguns/mas alunos/as tiveram dificuldade em identificar seus “rótulos”. Ou melhor, a dificuldade foi de expô-los. Naturalmente, a adolescência é uma fase de afirmação e reconhecimento da identidade e lidar com estes temas significa pisar em chão não muito firme. Também, tal comportamento reflete a forma como boa parte dos adolescentes se relaciona com a disciplina: “para alguns adolescentes, a relação com a arte passou a ser vivida como um divertimento, uma recreação (VITELLI, 2005, p. 119).” Sendo assim, sempre que é necessário pensar, falar, escrever, descrever ou fazer qualquer outra atividade que não seja “aparentemente artística”, ou melhor, prática, imediatamente esta é refutada. Quando planejei esta aula sabia desse risco, mas acredito que mesmo os/as alunos/as que não representaram seus rótulos em suas produções conseguiram refletir sobre os rótulos que os incomodam. Pedi aos/às alunos/as que não tivessem pressa, pois teriam ainda mais uma

aula

para

finalizar

suas

produções.

Orientei

que

rascunhassem,

experimentassem algumas possibilidades antes de sair fazendo qualquer coisa. Circulei durante todo o período pela sala, conversando com os/as alunos/as sobre qual seria o “rótulo” produzido e orientando-os/as em suas


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produções. Apesar de haver alguns/mas alunos/as hesitantes, todos iniciaram suas produções. Finalizando a aula, recolhi todos os trabalhos para ninguém deixar em casa na próxima aula e, também, para que eu possa acompanhar a produção dos/as educandos/as, olhando com mais calma em casa.

4.3.7

Sétimo Encontro

Aula 8 Data: 02/05/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero e identidade.

Objetivos: 

Refletir sobre as diferentes características socioculturais que compõem nossa identidade;

Produzir esteticamente a temática refletida.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, serão expostos no quadro negro diversas palavras que representam rótulos que nos são dadas em todo e qualquer momento da vida, evidenciando diversos componentes da identidade coletiva e/ou individual, como por exemplo: alto, baixo, negro, branco, pardo, amarelo, adolescente, jovem, idoso, adulto, pobre, rico, classe média, gaúcho, brasileiro, católico, evangélico, ateu, heterossexual, homossexual, bissexual, etc.;

Cada aluno/a deverá criar um “produto” e o rótulo deste deverá ser algo próprio do/a educando/a, uma palavra que represente algum aspecto


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socioeconômico, étnico, religioso ou alguma característica psicossocial do/a educando/a; 

Cada produto deverá ser representado em forma de anúncio e para este criado um slogan que fará parte da composição juntamente com a imagem do produto;

Após 45min de aula, será solicitado aos/às alunos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Folhas sulfite, branca e colorida, A4, de 1,15 g/m² ou maior;

Tesoura;

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

 Realização das tarefas propostas;  Participação nas atividades. Realizado Nesta aula dei continuidade ao trabalho começado na aula anterior. Comecei a aula devolvendo aos/às alunos/as suas produções e lembrando alguns aspectos norteadores deste trabalho como, por exemplo, a ideia de que nossas características e aspectos identitários estão para nós em alguns momentos, metaforicamente, como rótulos. Novamente fixei as palavras no quadro negro, buscando retomar nesta aula as reflexões feitas pelos/as alunos/as na aula anterior. Nesta aula eles me pareceram mais receptivos à proposta.


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Apesar disto, notei que alguns desistiram das suas produções. Os/as alunos/as querem trabalhos mais rápidos e fáceis, qualquer coisa que demande concentração e envolvimento é imediatamente refutada, pois

eles não conseguem mais tolerar aquilo que dura muito tempo, que tenha que ser planejado, rascunhado; que exija um pensamento mais elaborado diante do tema com o qual estejam trabalhando (VITELLI, 2005, p. 121).

Argumentei aos/às desistentes a importância dessa produção no conjunto deste projeto, no intuito de motivá-los/las. Perguntei sobre o que gostam de fazer, usar, vestir, e etc., buscando pistas e possibilidades de produtos e/ou objetos que pudessem representar, mesmo que o tal “rótulo” ficasse em segundo plano. Recebi de troco a dura e real consequência da avaliação por notas: “Quanto vale esse trabalho aí „sor‟?” perguntou-me Jonas. “É o cálculo sobre o ato inventivo? É a economia sobre o tempo da reflexão dedicada à arte?” (VITELLI, 2005, p. 121). Vitelli sintetiza poeticamente o efeito da avaliação objetiva. Ao dar-se conta de que não é necessária uma nota dez para serem aprovados/as, alguns/mas alunos/as passam a buscar não a nota máxima, mas a média, pois é o bastante para serem aprovados/as. Desse modo, basta fazer alguns cálculos sobre o “valor” de cada trabalho para saber se seu aproveitamento está “satisfatório”, do ponto de vista objetivo. Dessa forma, na pedagogia da razão interesseira, me resta entrar na dança e supervalorizar os trabalhos, elevando suas pontuações, para que pelo menos, se não por interesse próprio, os/as alunos/as façam os trabalhos por medo de não atingir a média. Apesar da desastrosa pergunta de Jonas, a aula foi extremamente prazerosa. A maioria dos/as alunos/as conseguiu produzir obras com originalidade. Destaco as produções das alunas Bruna e Gabriela.


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Trabalho da aluna Bruna (Fonte: SANTOS, 2011)

Bruna representou precisamente a ideia que se tem dela ao conhecê-la: menina calada, com olhar desviante, cabisbaixa. A aluna representou um DVD cujo título é o “rótulo” que deve ser quase que um estigma da menina – “Triste”. O subtítulo do disco representado diz: “não julgue um livro pela capa”. Bruna conseguiu, ao representar tal aspecto de sua identidade, esta postura mais retraída, falar sobre isso com os/as colegas, mesmo sem dizer uma só palavra. Ao mesmo tempo, permitiu-se refletir e expor algo que a incomodava.


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Trabalho da aluna Gabriela (Fonte: SANTOS, 2011)

O inverso do que se pensa sobre Bruna, Gabriela é só alegria. Esta aluna foi a única que conseguiu utilizar todo espaço da folha e produzir algo próximo do que seria um anúncio publicitário. Finalizando a aula, agradeci a participação de todos/as e recolhi os seus trabalhos, mesmo os inacabados.

4.3.8

Oitavo Encontro

Aula 9 Data: 09/05/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero, identidade e autorretrato.


76

Objetivo: 

Concluir a produção da aula anterior;

Criar, tendo em vista as discussões anteriores sobre gênero e identidades, caleidocíclos que representem a identidade múltipla, contraditória e mutável de cada um/a.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, será dada uma breve explicação sobre os caleidocíclos;

Na sequência, será explicado passo a passo como compor as medidas;

Medido

e

recortado

o

caleidociclo,

cada

aluno/a

deverá

produzir

esteticamente sua identidade, seu autorretrato no caleidociclo. Cada educando/a deve escolher quatro aspectos de sua identidade, aspectos socioculturais, algo que possua que represente o que o/a aluno/a é, ou mesmo algo que goste de fazer ou ser. Cada “aspecto” será reproduzido em uma das quatro faces do caleidociclo, desse modo, cada “aspecto” será representado três vezes, pois cada face é composta de três losangos. Cada vez que o caleidociclo girar apresentará uma face da identidade do/a aluno/a; 

Após 45min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Folha canson, branca, A2, de 180 g/m² ou cartolina branca

Tesoura;

Cola branca ou bastão;

Lápis de cor, marcador e caneta esferográfica;

Régua de 30 cm ou maior.


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Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Esta aula teve como objetivo produzir esteticamente as identidades múltiplas e contraditórias de cada um/a dos/as alunos/as, bem como refletir sobre estes aspectos que permeiam a formação individual dos/as educandos/as em sua vida social. Tratou-se da produção de caleidociclos em que os/as educandos/as iniciaram a representação de suas identidades. Comecei a aula explicando os objetivos da atividade e como faríamos os caleidociclos. Levei um caleidociclo fechado e um aberto. Os/as alunos/as não conheciam caleidociclos. Os objetos foram produzidos em folhas A3. Usei uma proporção sem números com vírgula, para facilitar a planificação do caleidociclo (prevendo que haveria dificuldades com o uso da régua). As dimensões utilizadas foram: de 36 cm por 15 cm; e as divisões foram de 6cm e 3cm. Com esta proporção se perde um pouco de papel, mas como já mencionei não se utiliza “números com vírgula”. Representei no quadro negro a folha e as dimensões do objeto planificado, posicionado na folha. Primeiramente, coloquei somente as dimensões externas (36x15cm) do retângulo maior que formará o objeto tridimensional. Ao término expliquei brevemente como se utiliza a régua. Os/as alunos/as argumentaram que já sabiam utilizar a régua, porém insisti em explicar visto a experiência dessa atividade com outra turma da mesma escola. Circulei pela sala para esclarecer dúvidas e ajudar os/as alunos/as. Percebendo que a maioria já havia concluído com êxito a primeira parte do trabalho, fui ao quadro negro desenhar novas medidas. Representei dessa vez os retângulos


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menores. Os/as alunos/as deveriam dividir o retângulo maior em seis partes (colunas) verticais e cinco (linhas) horizontais. Novamente circulei pela sala para ajudar os/as educandos/as. Poucos tiveram dificuldades. Passados mais trinta minutos, passei para a etapa final da planificação dos caleidociclos. Representei no quadro as diagonais do objeto formando triângulos e losangos. Nesta etapa, alguns/mas desatentos/as acabaram traçando mais linhas do que o necessário. Os/as alunos/as rapidinhos queriam iniciar a produção estética nesta aula. Então, solicitei aos que já haviam acabado que me entregassem, para não correr o risco de esquecerem em casa e não trazerem na próxima aula. Penso que concluímos esta aula com muito êxito, visto que a mesma tarefa em outra turma levou o dobro do tempo. Esta é a única atividade deste projeto que demanda algo mais técnico (medidas precisas e uso de régua) e objetivo. Pensei que os/as alunos/as reclamariam um pouco da atividade, visto a liberdade que tiveram nos trabalhos anteriores, o que não aconteceu. Senti com isso uma cumplicidade muito grande dos/as alunos/as na execução do projeto.

4.3.9

Nono Encontro

Aula 10 Data: 30/05/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero, identidade e autorretrato.

Objetivo: 

Concluir a produção da aula anterior;


79 

Criar, tendo em vista as discussões anteriores sobre gênero e identidades, caleidocíclos que representem a identidade múltipla, contraditória e mutável de cada um/a.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, será dada uma breve explicação sobre os caleidocíclos;

Na sequência, será explicado passo a passo como compor as medidas;

Medido

e

recortado

o

caleidociclo,

cada

aluno/a

deverá

produzir

esteticamente sua identidade, seu autorretrato no caleidociclo. Cada educando/a deve escolher quatro aspectos de sua identidade, aspectos socioculturais, algo que possua que represente o que o/a aluno/a é, ou mesmo algo que goste de fazer ou ser. Cada “aspecto” será reproduzido em uma das quatro faces do caleidociclo, desse modo, cada “aspecto” será representado três vezes, pois cada face é composta de três losangos. Cada vez que o caleidociclo girar apresentará uma face da identidade do/a aluno/a; 

Após 45min de aula, será solicitado aos/às educandos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Folha canson, branca, A2, de 180 g/m² ou cartolina branca

Tesoura;

Cola branca ou bastão;

Lápis de cor, marcador e caneta esferográfica;

Régua de 30 cm ou maior.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a:


80 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Ficamos duas semanas sem aula. Primeiro foi a entrega de boletins, depois, a professora de Biologia, aquela que havia me cedido um período para a exibição do filme “Frida”, pediu a gentileza de volta, precisava fazer uma atividade de campo, levaria os/as alunos/as à Unisinos. No último encontro iniciamos a produção dos caleidociclos. Apenas planificamos os objetos. Para esta aula restou a produção plástica dos caleidociclos. Tendo como ponto de partida as discussões e produções às quais perpassaram as temáticas gênero e identidades, os/as educandos/as deveriam representar no caleidociclo quatro, ou duas, coisas que os identificam e/ou caracterizam. Os caleidociclos possuem quatro faces compostas por três losangos, cada uma. Cada face do caleidociclo deveria representar uma face do/a aluno/a. Inicialmente não restringi de nenhuma forma. Os educandos poderiam representar figurativamente ou não. Um aluno perguntou: “pode ser qualquer coisa „sor‟?” Respondi que não, pois esta pergunta me remeteu a imagens de sol nascendo entre montanhas, com pássaros em “m”, sol se pondo no mar, flores, corações e estrelas. Expliquei novamente o que esperava desta produção dizendo que o caleidociclo poderia lembrar o quarto deles – os objetos, livros, revistas, CD‟s, cartazes, pôsteres. O caleidociclo, metaforicamente, é a síntese disso. Passadas as coordenadas para o trabalho em andamento, comecei a circular pela sala para acompanhar as produções, auxiliar os/as educandos/as e corrigir alguns equívocos, se necessário fosse. A maioria dos/as alunos/as produziu figuras abstratas. Não sei se por opção estética ou por falta de compreensão da proposta, ou ainda, se influenciados/as pelos caleidociclos que levei de exemplo. Acabei permitindo, pois


81

ao produzir visualidades próprias os/as alunos/as também estão falando e refletindo sobre

si.

Mesmo

que

não

tenham

representado

aspectos

identitários

figurativamente, tenho certeza que os/as alunos/s refletiram sobre o tema, pois se pensarmos que escolheram não representar tais aspectos significa que pensaram sobre. Novamente, emergem questões relacionadas à autoafirmação dos/as adolescentes. A atividade de colagem, dos terceiro e quarto encontro, solicitavam algo semelhante a esta. No entanto, nesta atividade os/as educandos/as deveriam escolher apenas quatro aspectos de sua identidade para representar através do desenho e não da colagem. Expliquei a relação entre as duas atividades para a turma, tentando ajudá-los a reconhecer aspectos que pudessem representar. Destaco a produção das alunas Malu e Natália em que usaram soluções distintas, mas ambas não figurativas onde a cor tem uma importância muito grande.

Produção da aluna Malu (Fonte: SANTOS, 2011)


82

Produção da aluna Natália (Fonte: SANTOS, 2011)

Dois alunos fizeram a “picaretagem” de somente pintar as faces do caleidociclo sem produzir nenhuma figura. Quando percebi já não havia mais tempo de consertarem alguma coisa, pois já tinham pintado todo o objeto. Sugeri que, com marcador, ou caneta esferográfica, desenhassem figuras, mesmo que abstratas, mas meus argumentos não surtiram efeito.

Produção do aluno Asaphe (Fonte: SANTOS, 2011)


83

Havia solicitado à professora titular, Juliana, para me ajudar na orientação da finalização dos caleidociclos. Como esta etapa do trabalho é fundamental para que o objeto seja concluído com êxito, preferi ter mais alguém orientando como dobrar e fechar os caleidociclos. Primeiramente expliquei a todos, indicando onde e como dobrar. Pedi que inicialmente só dobrassem, pois passaríamos classe a classe para ver se estava corretamente dobrado para aí, então, colar e fechar o objeto. Na sequência, chamei os/as alunos/as, em ordem alfabética para tirar fotos dos objetos, visto que não tinha como levá-los para casa, registrar as produções e avaliar com calma. Alguns/as alunos/as não conseguiram finalizar suas produções. Tirei foto destes caleidociclos, também, e solicitei que trouxessem prontos na próxima aula. Estourando o tempo, avançando o intervalo, finalizei a aula agradecendo a ajuda da professora e solicitei aos/às alunos/as que trouxessem radiografias na próxima aula para confeccionarmos um estêncil. Com o atropelo das coisas e a pressa para concluir a atividade, acabei não conversando com os/as educandos/as ao final da aula, como gostaria de ter feito. Penso que seria importante ter retomado coletivamente alguns aspectos referentes aos conceitos de gênero e identidade, visto as produções não figurativas e os estereótipos que apareceram. No entanto há uma limitação de tempo que deve ser levada em conta, preciso concluir as práticas de ensino nas próximas duas semanas e ainda há dois encontros por realizar.

4.3.10

Décimo Encontro

Aula 11 Data: 06/06/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero e identidade.


84

Objetivos: 

Criar, tendo em vista as discussões anteriores sobre gênero e identidades, imagens que simbolizem masculinidades e feminilidades;

Reproduzir os símbolos através de estêncil e spray.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, os/as alunos/as deverão desenhar em uma folha uma imagem que simbolize o ser homem ou mulher na contemporaneidade;

Após, cada um/a deverá transmitir a imagem do papel para uma radiografia e recortar deixando áreas “vazadas”;

Na sequência, a turma deverá ir para rua grafitar seus estênceis em folhas A1;

Após 45min de aula, será solicitado aos/às alunos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Radiografias;

Folhas sulfite, branca, A4, de 115 g/m²;

Sprays preto e vermelho;

Tesoura;

Estilete.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;


85 

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Este é o penúltimo encontro de um total de onze, apesar de não ter planejado algo mais sistemático, acho pertinente avaliar o projeto pontuando alguns aspectos tendo em vista uma metodologia de projetos de ensino, revendo conteúdos e métodos a fim de apontar caminhos para uma reflexão mais profunda ao final deste Trabalho de Curso. Para além do projeto de estágio, que na próxima semana se encerra uma etapa, busquei nesta aula (tendo em vista que no próximo encontro não terei tempo para fazer esta parte, considerei esta a última aula) finalizar um projeto de ensino. Para isso, antes de se iniciar a produção deste encontro, pedi licença para fazermos, eu os/as alunos/as, uma conversa sobre o que foi bom e o que foi ruim, o que foi fácil e o que foi difícil e o que, hipoteticamente, faríamos na sequência para suprir as lacunas expostas pelo projeto (conteúdos que os/as alunos/as deveriam conhecer antes da aplicação do projeto) e as outras lacunas que este possa ter deixado (falhas na condução de conteúdos e metodologias, ou no planejamento das atividades, que este projeto possa ter deixado). Falei sobre o que eu havia planejado para este projeto, os principais objetivos dele e o que de concreto conseguimos atingir (pelo menos o que enxergo até este momento, mesmo que superficialmente). Não avaliei cada aula e cada trabalho, para não induzir e não influenciar as contribuições dos/as alunos/as. Explicitei a satisfatória compreensão dos conceitos, mesmo que se evidenciem algumas fragilidades, e a diversidade e qualidade das produções realizadas, as diferentes soluções e alternativas às propostas levadas por mim. Ao finalizar minha fala, pedi que falassem sobre qual trabalho mais gostaram de fazer e por que. Consegui com esta turma estabelecer uma relação de respeito mútuo e de muita parceria. Penso que dois fatores foram importantes nisto: o elevado número de encontros, o que fortaleceu minha relação com os/as educandos/as; e a maturidade (me refiro à maturidade em assumir o papel de estudantes e não a maturidade como fator de superação de “sintomas” da adolescência, questionada


86

em outros relatos) e disponibilidade dos/as alunos/as em participar das aulas. Comentei esses aspectos com os/as alunos/as, sendo antecedido por carinhosas falas que pediam para que eu continuasse dando aula até o final do ano, e agradeci o carinho e a cumplicidade no cumprimento de meu estágio curricular (sei que os/as alunos/as não estão me fazendo um favor, mas isso não me exime de respeito e consideração). Os/as educandos/as enfatizaram em suas falas a possibilidade de desenvolver atividades menos direcionadas (a professora titular fazia atividades extremamente regradas) como um aspecto positivo do projeto, pois resultou em produções com diferentes soluções. Houve manifestações, também, considerando positiva a realização de atividades diferenciadas, como a técnica com os objetos no primeiro encontro, os caleidocíclos e o estêncil, o fato de recorrer menos ao desenho e também os diálogos sobre as “matérias”, como chamaram as temáticas, foram citados, também, como fatores positivos. Os/as alunos/as não conseguiram elencar (ou não se sentiram à vontade na minha presença) as fragilidades do projeto. Mesmo que superficial, esta avaliação contribui para confirmar algumas opções que fiz neste projeto referentes à metodologia. Especificamente, refiro-me a forma dialógica como conduzi os encontros, privilegiando momentos de diálogo, conseguindo, dessa forma, avaliar melhor a aprendizagem cognitiva e melhor compreender as especificidades e subjetividades de cada aluno/a, bem como respeitar a estética dos/as educandos/as. Entendo, também, que trabalhando com linguagens distintas neste projeto, consegui alcançar as expectativas observadas antes mesmo das práticas de ensino, de desenvolver práticas menos tecnicistas e recorrer menos ao desenho. Dando início à última produção, pedi aos educandos que pegassem seu material e criassem, inicialmente no papel, uma logomarca, algo que os representasse ou simbolizasse. Poderia referir-se a algo que gostam de fazer, de ter, algo que querem ser ou, ainda, algo que os caracteriza. O trabalho dessa aula consiste em produzir uma logomarca e, posteriormente, através de um estêncil, reproduzi-la em uma obra coletiva, em que, com spray os/as alunos/as reproduzirão suas marcas. Na sequência, expliquei aos/às educandos/as como deveria ser produzida a marca, tendo em vista a posterior produção do estêncil.


87

Como referência, apresentei alguns outdoors do artista inglês Banksy, que apesar de serem um pouco fora da proposta, ilustram bem o que se pode fazer com um estêncil. Não falei sobre o artista, seu processo e sua trajetória. Apenas mostrei as obras, disse o nome e a nacionalidade do artista.

BANKSY, 2009 Disponível em < www.banksy.co.uk >. Acesso em 2 de abr. 2011

BANKSY, 2009 Disponível em < www.banksy.co.uk >. Acesso em 2 de abr. 2011

Para a minha surpresa, a maioria dos/as alunos/as levou radiografias. Os que não levaram usaram pedaços emprestados pelos colegas. Conseguimos finalizar a aula com todos os estênceis prontos. A ideia é de, na próxima aula, ficarmos o período inteiro grafitando fora da sala.


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4.3.11

Décimo Primeiro Encontro

Aula 12 Data: 13/06/2011 Duração: 50 minutos Série: 3ª série do Ensino Médio

Conteúdos: Gênero, identidade e grafite.

Objetivos: 

Criar, tendo em vista as discussões anteriores sobre gênero e identidades, imagens que simbolizem masculinidades e feminilidades;

Reproduzir os símbolos através de estêncil e spray.

Metodologias: Aula expositiva dialogada e trabalhos individualizados.

Dinâmica da aula: 

Primeiramente, os/as alunos/as deverão desenhar em uma folha uma imagem que simbolize o ser homem ou mulher na contemporaneidade;

Após, cada um/a deverá transmitir a imagem do papel para uma radiografia e recortar deixando áreas “vazadas”;

Na sequência, a turma deverá ir para rua grafitar seus estênceis em folhas A1;

Após 45min de aula, será solicitado aos/às alunos/as que finalizem seus trabalhos, os deixem expostos sobre a mesa e comecem a fazer a limpeza dos materiais, bem como os guardem.

Recursos: 

Radiografias;

Folhas sulfite, branca, A4 e A1, de 115 g/m²;


89 

Sprays preto e vermelho;

Tesoura;

Estilete.

Avaliação:

A avaliação levará em conta os seguintes aspectos, de cada aluno/a: 

Entrosamento e colaboração com a turma;

Capacidade de resolução dos problemas apresentados;

Realização das tarefas propostas;

Participação nas atividades.

Realizado Este é o último encontro de um total de onze. Comecei a aula me despedindo e agradecendo a todos/as pelo respeito e participação. Saímos para grafitar. As folhas estavam sendo fixadas, próximo à sala de aula, pela professora Juliana, que novamente contribui com minha aula. Disponibilizei, além das folhas A1, dois sprays, um preto e outro vermelho e, também, duas mascaras, algumas sacolas e dois pares de luvas. Levei as sacolas, pois executando esta mesma aula com outra turma observei que a luva era ruim de colocar e que os/as alunos/as acabavam se sujando ao vesti-la, por isso muitos acabaram não usando-a. Inspirados por esta produção, um grupo de alunos/as escolheu o grafite como tema para a feira interdisciplinar da escola. Pediram na semana passada para que eu os orientasse no trabalho, mas a feira será daqui três semanas e esse é meu último dia na escola. Tive que recusar o convite, mas indiquei o site do Banksy e também o da revista Zupi8 para que pesquisassem imagens atuais e de qualidade (definição/resolução elevada).

8

Periódico trimestral brasileiro de arte contemporânea, produzido desde 2006.


90

Primeiramente, demonstrei como utilizar o spray e como segurar corretamente o estêncil. Fiz uma breve demonstração nos jornais fixados no entorno das folhas A1. Os/as alunos/as estavam tímidos, então, sugeri que o grupo que estava pesquisando grafite fizesse a frente. Estava muito frio e tinha muito vento. Isso dispersou um pouco a turma. Em seguida o trabalho já engrenou e os/as educandos/as foram grafitar por conta própria. Apenas duas meninas não quiseram participar da atividade, com medo de se sujar. Como

de

costume,

surgiram

muitos

trabalhos

estereotipados,

principalmente corações e estrelas. A aluna Malu produziu uma flor que, apesar de ser um estereótipo, ficou com resultado interessante. Na aula anterior havia percebido alguns dos trabalhos estereotipados buscando

convencer

os/as

alunos/as

que

as

imagens

produzidas

não

correspondiam ao objetivo da atividade, que não singularizavam suas identidades ou noções de gênero. Chegando ao final, sobrou um pouco de espaço nas folhas. Solicitei a quem quisesse que gravasse novamente sua marca, para que aproveitássemos todo o espaço do suporte. Enquanto havia espaço, ainda havia alunos/as em volta. Antes mesmo de finalizar a aula os/as educandos/as foram escapando para o refeitório e para o bar. Estávamos a poucos minutos do início do intervalo, por isso sem nada mais a dizer e a fazer fui arrumando as coisas para ir embora.


91

Malu grafitando com seu estêncil (Fonte: SANTOS, 2011)

Detalhe da produção coletiva da turma 301 (Fonte: SANTOS, 2011)


92

5 Conclusão Esse período de quase dois anos de estágio curricular, entre planejamentos, pesquisas e práticas de campo, antes de qualquer “dicotomismo” (positivo x negativo), entendo como necessário. Foi um período de aprendizado, de erros e acertos fundamentais para minha formação como professor, para o desenvolvimento de competências necessárias ao exercício da profissão, bem como um exercício pedagógico. Escolhi como tema central deste TC uma temática transversal: gênero. Essa escolha, antes de tudo, foi ética,9 pois compreendo o ensino da Arte como um espaço de transformação social e cultural. Para Martins (1998, p. 13), “a arte é importante na escola, principalmente porque é importante fora dela”. Nesse sentido, penso que uma arte que nada comunica, critica ou que nada reflete, ou ainda, uma arte voltada para si, como a arte pela arte, pouco contribui para mudanças sociais significativas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 37) consideram a Arte um campo privilegiado para trabalhar tais temáticas e, discorrendo sobre a importância dos temas transversais na disciplina, falam da contribuição da arte

para ampliar o entendimento e a atuação dos alunos ante os problemas vitais que estão presentes na sociedade de nossos dias. Tais problemas referem-se às ações de todas as pessoas para garantir a efetivação de uma cidadania ativa e participante na complexa construção de uma sociedade democrática que envolve, entre outras, as práticas artísticas.

Nesse sentido, este TC buscou uma proximidade com a arte contemporânea, especificamente no que se refere aos diálogos com a vida cotidiana, com as problemáticas sociopolítico-culturais e pela ênfase no processo de criação e não no resultado final. As artistas Frida Kahlo e Hanna Höch foram fundamentais no desenvolvimento do projeto. Elas estão situadas em um espaço de tempo da história 9

Para Freire (2000, p. 43), “uma das questões centrais da educação humana é trabalhar o sonho ético da superação da realidade injusta, poder falar de um mundo melhor, sermos coerentes, respeitarmos plenamente outro, jamais perder a esperança de um mundo digno e justo a todos.”


93 da arte “dito” como moderno. Entretanto, Frida e Hanna transcendem as problematizações da arte moderna. Frida Kahlo, com uma arte autorreferenciada, de valores extremamente políticos e nacionalistas, e Hanna, mesmo rotulada como dadaísta, ao passo em que se apropria de imagens midiáticas, produz visualidades que remetem ao tempo e espaço, assim como à corporeidade idealizada no período em que foi produzida. Esses três aspectos (tempo, espaço e corporeidade) são fundamentais para compreender os conceitos de identidade e gênero. Há outro aspecto importante de ressaltar no que diz respeito a esta forma de pensar o ensino da Arte: julgo importantíssimo trabalhar os movimentos artísticos, as diferentes linguagens e seus fundamentos, pois entendo que eles são conteúdos específicos da disciplina. O fato de centrar minha atuação em uma temática transversal não significa que deixei de exercitar a fruição, de olhar para a história da arte, nem que fui menos exigente com o fazer artístico dos/as alunos/as. Pelo contrário, busquei no todo do projeto de ensino ter uma abordagem triangular, visando não negligenciar quaisquer conhecimentos à turma. Nesse sentido, a escolha do tema foi também uma estratégia de contextualização e aproximação da disciplina com a vida dos/as alunos/as. Dessa forma o projeto de ensino teve em vista à implementação destas percepções acerca do ensino da Arte utilizando-se de atividades e propostas menos mecânicas e tecnicistas, e mais reflexivas, críticas, buscando sempre uma metodologia dialógica. Para Freire (1986, p. 24), “os métodos da educação dialógica nos trazem à intimidade da sociedade, à razão de ser de cada objeto de estudo”. É um tanto quanto pretensioso pensar que o meu projeto de estágio teve esta profundidade, eu sei. Mas faço referência a Freire neste momento indicando utopicamente minha intenção de desenvolver um projeto com diálogo crítico e contextualização política e histórica, utilizando-me de uma relação mais horizontal junto aos/às educandos/as. Cada atividade ou proposta prática desenvolvida foi pensada como uma estratégia de reflexão do tema. Refiro-me dessa forma, pois quando escolhi uma atividade de colagem, por exemplo, foi pensando que um/a aluno/a no ato de escolher determinada imagem ou palavra à qual se identifica, na qual percebe que tem algo em comum, que quer ser ou ter, ou que simplesmente corrobora com sua forma de pensar, está refletindo sobre esses aspectos da sua identidade e delimitando quais coisas pertencem ou não ao seu universo. Sendo assim, não só o


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resultado final dessa produção remeteu ao tema, mas o seu fazer foi fundamental para ilustrar a temática. Do mesmo modo, as demais atividades – filme, caleidociclo e o estêncil – tiveram esta pretensão de, ao fazê-las, refletir sobre o tema. A sequência das atividades também foi pensada intuindo a melhor compreensão dos conceitos explicitados. Partindo da colagem (ver p. 52), atividade à qual visou perceber a dimensão cultural e social da identidade (o que há de mais genérico), para o estêncil (ver p. 82), visando captar o que há de mais singular em cada um/a. O desenvolvimento das práticas de ensino revelou-me a complexidade do tema e o quão subjetivos são os resultados do projeto. Por mais que as atividades tivessem uma relação implícita entre si, e o entendimento do tema esteja expresso pelos/as alunos/as em alguns de seus trabalhos, esse entendimento específico de determinada atividade não remete a uma ampla compreensão sobre a temática. Esperava-se que durante o processo, ou ao menos ao final, os/as educandos/as se enxergassem como sujeitos da própria identidade conseguindo, por exemplo, sintetizar sua identidade singularmente em uma imagem, na confecção do estêncil. No entanto, esta atividade demonstrou que a compreensão objetiva dos conceitos não implica mudanças imediatas de posturas (a exemplo – o fato de reconhecer o conceito de gênero e as relações de poder entre masculino e feminino não me faz, de imediato, menos machista, pois exige reconhecer-me como sujeito dessas relações, para aí então, revendo minhas posturas, assumir novas atitudes, uma nova identidade de gênero). Ao não assumir uma identidade própria, singular, deixandose representar por imagens generalistas como estrela, coração e flor, os/as alunos/as negaram reconhecer em si particularidades, representando-se por uma imagem que, ao mesmo tempo em que pode representar a todos/as, não representa ninguém. Nesse sentido

a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outridade” do “não eu” ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu (FREIRE, 1996, p. 46).


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Freire fala da assunção do sujeito como ser social e histórico, porque é ao perceber a dimensão cultural da identidade individual que me coloco como ser transformador, pensante, criador e comunicante. E nesse ato, protagonizado pelos/as educandos/as, de incompreensão ou negação do aprendizado, poderia eu inocentemente pensar no extremo fracasso deste projeto. No entanto, reconheço que esta postura é própria da adolescência. É impossível educar adolescentes sem levar em conta as transformações (é importante enfatizar a adolescência não só como um período transitório, de superação da infância e projeção do futuro, mas como construção de um presente autônomo) às quais estão submetidos.

A adolescência é também um tempo, um período que anuncia transformações e rupturas. Ser adolescente é também viver profundas transformações em todas as suas dimensões (“tudo ao mesmo tempo agora”). Mudanças no seu corpo, suas relações, sua sexualidade, sua força, seus desejos, sua capacidade própria para compreender, explicar o mundo e as coisas, suas emoções e sentimentos (DEBORTOLI, 2002, p. 37).

A cada novo acontecimento em que os educandos mostravam-se frágeis na autoafirmação de suas identidades, renovava e fortalecia ainda mais a certeza e o credo na escolha do tema e da metodologia deste TC. As transformações culturais não se dão por rupturas, mas por composições, por novas leituras da realidade. Nesse sentido, refletir sobre temáticas que os ajudem a perceber as mudanças que ocorrem nesse período de suas vidas, amparados por metodologias que avaliem sua prática artística em um eixo cognitivo que releve tais transformações, os educandos convergem suas incertezas sobre seu próprio ser em um aprendizado que não é linear e nem objetivo, e o manifestam da mesma forma – subjetivamente. Em certa altura das práticas de ensino, perguntei-me se não seria prudente pedir algo escrito aos/às alunos/as, ou mesmo, escrever algo para que copiassem. Deparei-me com o “progressismo” caindo por terra. Estamos todos/as tão acostumados/as a sermos avaliados/as e a resumir o aprendizado dos/as alunos/as em uma nota/conceito que, mesmo quando temos uma postura mais progressista, queremos em certo momento receber de volta o conhecimento que


96 partilhamos, por meio de um instrumento “preciso”. Freire (1983) fala da “educação bancária” relacionando as práticas em que o/a educador/a “deposita” o saber na cabeça de seus/uas educandos/as e em dado momento exige “sacar o depósito” na mesma proporção em que o fez. Desse modo, a “única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los” (FREIRE, 1983, p. 66). Evidentemente, relutei aos meus instintos tradicionais. A importância de recursos atuais, diversificados, e de propostas que sejam novidades para os/as alunos/as é algo relevante a ser levantado. As observações silenciosas já revelavam a mesmice das aulas e a predominância do desenho nas atividades da disciplina. O fato de não trabalhar com uma linguagem específica permitiu ao projeto utilizar-se de diversos recursos, pois não se buscava uma homogeneidade estética com as produções, mas sim uma heterogeneidade de forma e discurso. Do mesmo modo, a utilização de atividades como a técnica10 com os objetos, na primeira aula, e a exibição do filme, no quinto encontro, visavam elucidar o tema, bem como instrumentalizar e dinamizar as aulas. Encontrei nessas atividades, principalmente, apoio para o desenvolvimento de uma prática mais dialógica, pois, mais do que nas atividades práticas, encontrei nelas formas concretas de questionar e contrapor os/as alunos/as sobre seus conceitos e préconceitos. Ao mesmo tempo em que respondia a certas questões em aula, novas questões acabavam surgindo, e os entremeios dos encontros foram fundamentais para pensar e repensar minhas respostas e posturas em aula. Da mesma forma, as aulas foram espaços de ensino/aprendizagem mútua, em que os/as educandos/as tiveram voz ativa e influência nestas decisões.

Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam não se reduzem a condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1996, p. 25).

É preciso estar disposto a perceber que os/as alunos/as também possuem experiências e saberes e que a aula é uma via de mão dupla. Ao mesmo 10

Na educação popular, entende-se por técnica toda atividade sistematizada, com objetivos prédefinidos e metodologia própria. Desse modo, a acepção dessa passagem observa esses aspectos.


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tempo em que ensino, devo estar receptivo ao aprendizado que me oportuniza o fazer artístico, o diálogo, os equívocos e os questionamentos dos/as alunos/as. A aula não é do/a professor/a e nem é para os/as educandos/as, mas é com eles/as. Da mesma forma, a organização do trabalho pré-sala de aula e a sistematização de anotações e percepções pós-sala de aula foram fundamentais para o desenvolvimento e o amadurecimento das práticas. O entendimento de que o plano de aula não é um protocolo, rígido e indiscutível, mas um instrumento de estudo e um cronograma das atividades programadas, foi também fundamental para o replanejamento das atividades. Freire (1996, p. 43) fala que “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”. É evidente que essa reflexão se dá igualmente durante os encontros, e não somente ao final deles, pois cada momento da aula é feito de aprendizados. E quando os objetivos não estão sendo atingidos no decorrer da aula, o educador/a notando a fragilidade, ou mesmo percebendo que havia aspectos relevantes que não foram previstos e que acabaram emergindo na aula, o/a professor/a pode e deve mudar os rumos da aula para melhor fluir o aprendizado. O exercício diário da autocrítica talvez seja o ponto principal da prática docente. Mas, é claro, não basta somente identificar as fragilidades sem corrigir as posturas. Dessa forma, corrigir equívocos significa também estar em permanente aprendizado, e também se portar como quem não sabe tudo é fundamental para aceitar os próprios erros. Reconhecer os diferentes saberes que os/as educandos/as trazem consigo, suas experiências e vivências, também se faz indispensável para reconhecer a outridade da prática docente, bem como a permanente discência a qual estamos submetidos em todas as dimensões de nossas vidas.


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Audiovisual FRIDA. Direção: Julie Taymor. Intérpretes. Salma Hayek; Alfred Molina; Antonio Bandeiras. [S.l.]: Miramax Films, 2002. 1 DVD (123min), son., color.


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ApĂŞndices


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Apêndice 1: Avaliação realizada pela professora titular


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ApĂŞndice 2: QuestionĂĄrios respondidos pelos/as alunos/as


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ApĂŞndice 3: QuestionĂĄrio respondido pela professora titular


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Apêndice 4: Questionário respondido pela direção da escola


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