UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA Canoas/RS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
Danielle Schütz
ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
Canoas, 14 de novembro de 2013.
Danielle Schütz
ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
TRABALHO DE Curso apresentado como pré-requisito parcial para a obtenção de título acadêmico de Licenciado em Artes Visuais, pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil, sob orientação dos professores Dra. Rejane Ledur, Me. Ana Lúcia Beck e Me. Renato Garcia.
Canoas, 27 de novembro de 2013.
RESUMO Este trabalho foi desenvolvido em função dos elementos obtidos na pesquisa sobre características da arte contemporânea e posterior aplicação do planejamento de ensino intitulado: “Acessibilidade à arte contemporânea”. Esse plano de ensino foi aplicado em uma turma de 7ª série do ensino fundamental, na Escola Especial para surdos Frei Pacífico, no município de Porto Alegre. O tema abordado versou sobre as principais características existentes na arte contemporânea, bem como no estudo de dois artistas relevantes desse período: William Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e Michel Archer embasaram tanto a elaboração das praticas quanto a produção das reflexões realizadas. Inicialmente esse projeto havia contemplado outro tema para a pesquisa, mas em função da grande necessidade da turma em conhecer e se aprofundar nas questões que envolvem o atual período da arte, a pesquisa passou a tratar do tema “arte contemporânea”. Durante o período de observação da turma, ficou clara a carência de abordagem desse tema. A grande maioria dos alunos ou não sabia ao certo o que era arte contemporânea, ou alegava não gostar do assunto, sem ao menos saber do que se tratava. Posteriormente, durante a aplicação do meu plano de ensino, a pequena turma de oito alunos surdos se mostrou bastante receptiva a minha proposta. O objetivo desse trabalho era aproximar os alunos desse movimento artístico, oferecendo-lhes as ferramentas necessárias para entrar em contato, dialogar e experimentar obras de arte contemporâneas. A partir de uma experiência direta dentro de um espaço expositivo, os alunos foram inseridos dentro desse contexto, fato que favoreceu o inicio das atividades em sala de aula. A metodologia de ensino propôs reflexões acerca das informações obtidas no Museu, e também buscou desenvolver suas praticas com o auxilio das leituras de imagens realizadas em sala de aula. O resultado desse trabalho foi significativo quando observadas as produções plásticas dos alunos, que em grande parte dos momentos se mostraram muito receptivos às propostas de trabalhos práticos, em especial às produções tridimensionais. O rendimento das aulas foi mais significativo durante a produção dos trabalhos plásticos, quando em comparação com as questões reflexivas, pois minha ação dentro dessa turma acabou sofrendo limitações por conta barreira lingüística, tanto por conta da minha pouca prática com a língua de sinais e por conta da falta de um vocabulário especifico para artes em LIBRAS. Percebi, ao longo da aplicação desse planejamento, que meu papel como educadora de artes é conduzir os alunos a elaborarem suas próprias percepções, bem como mostrar-lhes que a arte não precisa apenas ser vista ou entendida, mas que ela pode acima de tudo ser sentida. Palavras-chave: Arte contemporânea, libras e artes, surdos.
SUMÁRIO
Introdução
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CAPÍTULO 1. Reconhecimento do espaço de ensino 1.1 Dados gerais da escola 1.2 Observações silenciosas 1.2.1 Primeira observação silenciosa 1.2.2 Segunda observação silenciosa 1.2.3 Terceira observação silenciosa 1.2.4 Quarta observação silenciosa 1.3 Análise das observações silenciosas 1.4. Análise do questionário respondido pela professora 1.5 Análise do questionário respondido pelos alunos
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CAPÍTULO 2. Acessibilidade à arte contemporânea 2.1 José Leonilson Bezerra Dias 2.2 Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson 2.2 William Kentridge
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CAPÍTULO 3. Projeto de ensino 3.1 Dados gerais da escola e da turma 3.2 Dados gerais do projeto de ensino 3.2.1 Tema 3.2.2 Justificativa 3.2.3 Objetivo geral 3.2.4 Objetivos específicos 3.3 Prática de ensino 3.3.1 Observação silenciosa 01 3.3.2 Observação silenciosa 02 3.3.3 Observação silenciosa 03 3.3.4 Primeiro encontro 3.3.5 Segundo encontro 3.3.6 Terceiro encontro 3.3.7 Quarto encontro 3.3.8 Quinto encontro 3.3.9 Sexto encontro 3.3.10 Sétimo encontro
47 47 47 47 48 48 48 50 50 52 54 57 67 75 84 92 101 110
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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APÊNDICES
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INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado com base nas experiências vividas durante a aplicação do plano de ensino em estágio II, realizado na Escola Especial para surdos Frei Pacífico, em uma turma de oito alunos surdos da 7ª série do ensino fundamental, com idades entre 12 e 15. A escolha pela aplicação do meu plano de ensino, em uma escola de educação especial para surdos, possui justificativa em um antigo vínculo afetivo com a escola. Este Trabalho de Curso (TC) está estruturado em capítulos, sendo que o primeiro deles trata do reconhecimento do espaço de ensino, o segundo trata dos temas: acessibilidade à arte contemporânea, utilizado para as práticas de ensino; e apropriações da arte na publicidade, primeiro tema de pesquisa realizado em estágio I. E o terceiro capitulo, que relata as experiências vividas durante a pratica de ensino. Inicialmente, durante o estágio I, realizei quatro observações silenciosas nessa mesma escola, porém em uma turma de oitava série. Como esse primeiro contato havia sido realizado no segundo semestre de 2012, foi necessária a realização de outras três observações na nova turma em que eu iria aplicar meu plano de ensino, em uma sétima série, no primeiro semestre de 2013. Como se trata de uma escola de educação para surdos, embora a escola acolha também alunos com múltiplas deficiências, meu plano de ensino deveria ser aplicado através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Num primeiro momento acreditei que a aplicação de uma aula de artes em LIBRAS poderia acontecer sem maiores dificuldades, porém, foi somente durante a prática de ensino que pude avaliar de fato a complexidade desse processo. Durante o estágio I, enquanto eu apenas observava as aulas de artes, acabei escolhendo o tema da minha pesquisa sem muita preocupação com sua relevância para os alunos. Havia muita pressa da minha parte em escolher um tema, de modo que eu não considerei aquilo que havia observado na turma, e tampouco dei importância aos resultados dos questionários aplicados. Inicialmente o tema da minha pesquisa versava sobre apropriações da arte dentro da publicidade, escolhi esse tema apenas com base no meu gosto pessoal, sem avaliar o que de fato essa escolha poderia acrescentar aos alunos.
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Já no estágio II, fui orientada a trocar minha pesquisa. Tratar de arte contemporânea, com alunos que relataram não ter contato com esse tema, poderia ser um meio de colocá-los em contato com esse período da arte, pouco explorado na escola. Resolvi então, juntamente com minha orientadora, alterar o tema da minha pesquisa, que passou a se chamar “Acessibilidade à arte contemporânea”. A acessibilidade tratada aqui não possui referência com infra-estruturas instaladas em museus ou espaços expositivos, mas refere-se ao acesso das pessoas à arte contemporânea, estudada com base em suas características e particularidades mais relevantes. Para trabalhar arte contemporânea, utilizei o sentimento como foco do meu trabalho, minha intenção era proporcionar aos alunos a interação com as obras de arte, de modo que a visualidade ocupasse uma posição secundária com relação à percepção que os alunos iriam por em prática. Para tanto, procurei iniciar minha prática com uma saída de campo, fato que não costumava ocorrer na escola. Colocar os alunos em contato direto com a arte contemporânea, antes mesmo de aplicar qualquer aula sobre o tema, seria uma forma de instigá-los a desenvolver um interesse maior pelo tema, de modo que em sala de aula pudéssemos iniciar nosso trabalho a partir das experiências vividas de forma direta dentro do Museu. Os resultados desse evento foram muito significativos para a aplicação do meu plano de ensino. Minha principal meta era quebrar a barreira que havia entre os alunos e a arte contemporânea, meu desejo era mostrar a eles os aspectos, características e artistas que produzem trabalhos relevantes nesse período. Um dos objetivos desse projeto era mostrar aos alunos que arte não necessariamente tem de ser bela, pois beleza é um fator subjetivo dentro desse contexto, minha intenção era que cada um deles pudesse desenvolver suas percepções sobre beleza, e sobre valores estéticos, e que pudessem também se permitir entrar em contato com algo que fosse capaz de despertar a curiosidade e o questionamento. Minha intenção era ajudá-los a despertar um pensamento crítico e investigativo, capaz de induzí-los a formular suas próprias respostas, frente a uma arte diferente daquela que estava sendo vista por eles até então. Esse novo enfoque apresentado foi muito bem recebido pelos alunos. Essa receptividade foi comprovada tanto pelas produções plásticas da turma, quanto pela afetividade que, durante todo o estágio, demonstraram para comigo. Esse tema, utilizado no ensino fundamental, também foi aplicado ao ensino médio, no Colégio Estadual Julio de Castilhos em Porto Alegre. Esse colégio divide as aulas de artes em áreas especificas, sendo ofertados aos alunos as oficinas de pintura, 6
gravura, cerâmica e desenho. Quando busquei uma oportunidade junto à escola para realizar meu estágio, foi me ofertada apenas a oficina de pintura, que possuía dezesseis alunos do primeiro ano do ensino médio. Meu planejamento então foi adaptado para produções referentes à pintura, pude então trabalhar com essa turma mais aspectos referentes à pintura contemporânea. Com essa turma também tive a oportunidade de realizar uma saída de campo. Diferentemente do ensino fundamental, essa saída foi realizada em uma pequena galeria de arte em Porto Alegre, na penúltima prática que realizei com a turma. A metodologia empregada no ensino médio foi bastante diferente daquela empregada no ensino fundamental, não apenas pela condição desses alunos, que eram ouvintes, mas também em função da diferença de idade. Os alunos tinham idades entre 15 e 18 anos. Meu objetivo com essa turma era o mesmo que eu havia traçado para o ensino fundamental, inicialmente enfrentei resistência dos alunos com relação à arte contemporânea, porém, após as primeiras práticas, os alunos se mostraram muito receptivos a minha proposta, de modo que nosso trabalho foi produtivo, os alunos demonstraram interesse pela arte contemporânea, e esse fato ficou evidente em suas produções. O tema utilizado foi o mesmo tanto para o ensino médio, quanto para o fundamental. Foram abordadas as principais características existentes na arte contemporânea através do estudo de dois artistas relevantes desse período: William Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e Michel Archer embasaram tanto a elaboração das praticas quanto a produção das reflexões realizadas. Minha comunicação com a turma de ensino médio foi bastante satisfatória, desenvolvemos discussões, concordamos e discordamos em vários aspectos, falamos sobre os vários períodos que antecederam a arte contemporânea e por fim, ampliamos nossas discussões com base na saída de campo. Essa tranqüila comunicação que experimentei com o ensino médio não ocorreu com o ensino fundamental. Quando optei pela aplicação do estágio em uma escola de alunos surdos, acreditei que meu conhecimento em LIBRAS seria suficiente para a aplicação das aulas. Foi somente em sala de aula que pude avaliar a significativa diferença entre a comunicação em língua de sinais dentro do contexto familiar, com a utilização dessa língua em uma sala de aula. É fato que professores ouvintes enfrentam maior dificuldade em ensinar conteúdos em LIBRAS, pois nem sempre esses 7
profissionais possuem vivencia dentro de uma cultura surda, de modo que sua pratica acaba se limitando ao ambiente escolar. Outro fator relevante nesse processo é a falta de um vocabulário especifico para artes em LIBRAS. Durante a aplicação das aulas tive de aplicar grande parte dos conteúdos através da construção de palavras, utilizando o alfabeto em LIBRAS. Porém nem sempre esse método supriu as lacunas que surgiram durante as aulas, pois havia também a necessidade de construção das idéias trabalhadas, de modo que não bastava apenas criar um sinal para determinado termo sem a construção de seu significado. Embora meu plano de ensino não tenha sido aplicado da forma planejada, as diversas situações que ocorreram durante as aulas, e que não haviam sido previstas, me levaram a articular as aulas em prol da aprendizagem dos alunos, pois o objetivo principal não era apenas a conclusão do estágio obrigatório, mas o que de fato a minha aula poderia acrescentar na vida de cada aluno. Poucos meses antes do inicio do estágio II, iniciei como bolsista de iniciação à docência no projeto PIBID. Essa vivencia direta em sala de aula me ajudou a elaborar melhor meus planejamentos de ensino, além de me ajudar a praticar minha postura em sala de aula, observando minhas falhas e repensando meus métodos, uma vez que essa foi a primeira oportunidade que tive de atuar em sala de aula. Posso considerar que essa experiência acrescentou significativamente a minha atuação com o ensino médio, porém no ensino fundamental, a barreira lingüística foi o fato mais significativo do processo, a ponto de modificar profundamente o andamento da prática. É fato que dificilmente um plano de ensino se desenvolverá da forma idealizada, porém, tanto a minha pouca prática com os sinais, quanto o escasso vocabulário para artes em Libras tenham sido os fatores determinantes sobre os resultados dessa prática.
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CAPÍTULO 1 RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO
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1. RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO 1.1. Dados gerais da escola observada
Escola Especial para surdos Frei Pacífico Endereço: Rua Tomaz Edson, n°75 – Bairro Santo Antônio – Porto Alegre – RS
Diretora: Maria Elizabeth Magalhães
Professora: Lucila dos Santos Vales
Graduação: Licenciatura em Artes Visuais ULBRA/Canoas
Alunos: Ensino Fundamental 8° série
Turma: 802
Turno: manhã, quartas-feiras nos dois últimos períodos. Horário das aulas: 10h20min – 12h.
Número de alunos: 7 alunos
Aulas observadas: 4 aulas de períodos duplos de 50min cada.
Período de observação: Entre setembro e outubro de 2012
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1.2. Observações Silenciosas
Observação 01 DATA: 12/09/2012 A aula de Artes Visuais teve início às 10h20min, nos dois períodos finais de quarta-feira. A professora me apresentou aos alunos, em LIBRAS, sendo que muitos deles já eram meus conhecidos por conta da minha relação com a escola, uma vez que sou madrinha de uma ex-aluna, o que me levou muitas vezes a participar dos eventos por lá realizados. Uma auxiliar ouvinte e intérprete de libras instalou na sala de aula um retroprojetor para iniciar a aula de Artes. A professora apresentou aos alunos uma série de imagens, denominadas de “arte surda”, tratavam-se de pinturas, esculturas e gravuras da artista plástica Fernanda Machado (surda), que nasceu no Rio de Janeiro na década de 80. Os alunos observavam e faziam comentários junto com a professora, que simultaneamente foi passando as imagens. Por diversas vezes durante a aula, a professora se dirigia a mim e explicava mais calmamente a respeito da matéria, uma vez que meu conhecimento em libras é recente, de modo que não sou capaz de acompanhar os sinais de forma rápida. Após a análise do trabalho dessa artista, a professora apresentou imagens de outro artista surdo, “Francisco Goulão”, nascido em Portugal na década de 1940. A professora mostrou uma grande quantidade de imagens desse artista, bem como suas exposições e eventos de arte. A professora se deteve na explicação de pinturas de paisagens feitas por esse artista, e abordou o tema da profundidade utilizada por ele, tentando esclarecer aos alunos sobre a facilidade de se produzir imagens como essa. A aula de hoje foi basicamente teórica, expositiva e dialogada, mas com o intuito de preparar os alunos para posteriores aulas práticas. Ao final da aula a professora mostrou um vídeo feito pelo diretor da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração Surda), divulgando o evento que acontece entre a comunidade surda, e que se chama setembro azul, por conta do dia do surdo, 26 de setembro, os alunos ficaram animados com essa comemoração e saíram da aula comentando a respeito. Fim da aula.
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Observação 02 DATA: 19.09.12 Em função da comemoração farroupilha a escola estava elaborando atividades especiais nessa semana. Encontrei-me com a professora e com os alunos no corredor principal para nos dirigirmos à oficina de Artes da escola, onde seria realizada uma atividade que relata as diversas etapas históricas do dia 20 de setembro. Esse trabalho foi elaborado na disciplina de Artes, pois conta com uma bela ilustração feita pelos alunos, a professora iniciou a aula contando um pouco da história da semana farroupilha, ela utilizou os vídeos através de Power point e imagens projetadas para complementar a aula. Após as explicações a professora distribuiu materiais para a realização da tarefa como papel A3, lápis de cor e pastel. Enquanto os alunos realizavam a tarefa, eu me comunicava com a professora em LIBRAS. Perguntei sobre as atividades da pequena turma de apenas seis alunos, ela me disse que eles não gostam de aulas teóricas, de modo que ela ensina história da arte sempre através da leitura de imagens. Aos pouco os trabalhos dos alunos foram tomando forma e a professora passou a auxiliá-los em seu desenvolvimento. Alguns alunos optaram pela realização do trabalho com tinta têmpera. Desenhos de cavalos, estradas e farrapos foram recorrentes, outros que relatavam batalhas, também estavam presentes nas produções. Chega o momento em que a professora pede para os alunos encerrarem a atividade, colocando os trabalhos sobre a bancada para secar, guardando os materiais e ajudando na limpeza da sala. Antes de o sinal tocar (nesta escola o sinal é feito através de uma lâmpada vermelha que se ascende sobre a porta da sala), despedi-me da professora e dos alunos e a aula chegou ao fim.
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Observação 03 DATA: 26/09/2012 Neste dia encontrei-me com a professora na sala dos professores, assim que disparou o sinal de alerta para retorno da aula nos dirigimos ao pátio da escola para pegar os alunos. Alguns deles são meus conhecidos, recebi abraços e cumprimentos em LIBRAS e então nos dirigimos à sala de aula. A atividade de hoje retomou as aulas teóricas de leitura de imagens de artistas surdos. A professora iniciou as explicações com o auxílio de Power point e de pôsteres feitos pela turma de 5ª série da escola. Em diversas situações, ao longo das explicações a professora me inseriu diálogos, pedi para que dialogassem comigo com calma, pois meu conhecimento em língua de sinais não é tão aprofundado a ponto de eu conseguir gesticular rapidamente. A professora continuou mostrando imagens das obras do artista Francisco Goulão e de Fernanda Machado, ambos surdos e produtores de um belo trabalho artístico. Após essas leituras, a professora então passou a explicar a respeito da sing writter, conhecida como escrita de sinais, trata-se de desenhos ou formas geométricas que representam os sinais feitos com as mãos, lembrando que para os surdos a língua mãe é a LIBRAS e depois o português, mas há casos em que a escrita se dá apenas em sinais. Essa aula foi basicamente expositiva e discursiva, preparando os alunos para as próximas aulas práticas.
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Observação 04 DATA: 03/10/2012 Encontrei com a professora no corredor da escola e seguimos para o ginásio onde encontraríamos as crianças, pois neste dia a aula seria na oficina de Artes que fica no corredor anexo deste pavilhão. Ao chegarmos à oficina os alunos foram tomando seus lugares em uma grande mesa que fica no centro da sala, enquanto isso a professora iniciou a apresentação em Power point. As primeiras imagens tratavam de artistas do renascimento, expressionismo e cubismo. Após analisar obras de artistas como Leonardo Da Vinci, Van Gogh e Picasso, a professora passou a fazer leituras de imagens de artistas surdos como Fernanda Machado, Marcos Antony e Maurício Damasceno, os alunos observavam atentos as imagens que tratavam de apropriações feitas por esses artistas em relação às obras dos artistas anteriormente apresentados. Uma série de pinturas realizada pela artista plástica Fernanda Machado mostra a Monalisa de Leonardo da Vinci se comunicando através da linguagem de sinais. A professora então explicou sobre a técnica da apropriação e pediu para que os alunos desenvolvam um desenho que una elementos artísticos já existentes com a cultura surda. As atividades práticas se iniciaram os alunos pegaram seus materiais como folhas A4, lápis de cor e pastel e começaram a esboçar suas idéias no papel, a professora ao mesmo tempo em que os orientava também discutia algumas particularidades da turma, conversamos também sobre o curso de Artes aqui da ULBRA, uma vez que ela também fez sua graduação aqui. Enquanto os alunos desenhavam eu observei alguns objetos tridimensionais expostos na oficina de Artes, feitos por eles antes do início do meu estágio na escola. Ao finalizarem a atividade, percebi a riqueza dos trabalhos que eles haviam desenvolvido, eles trabalharam muito bem a questão da apropriação e tiveram ótimas ideias, fato que me deixou mais à vontade para desenvolver meu plano de aula que v tratar especificamente deste assunto. A aula chega ao fim, os alunos entregaram seus trabalhos à professora e ajudaram na organização e limpeza da sala. A lâmpada vermelha se acendeu indicando o fim do último período.
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1.3. Análise das observações silenciosas
Muito antes de pensar em estudar artes eu já tinha um grande vínculo com a cultura surda, esse fato se deve por conta de que minha afilhada e prima Juliana nasceu surda. Antes da sua existência eu sequer tinha conhecimento a respeito de escolas especiais para surdos, não sabia da riqueza de sua cultura e muito menos que existiam artistas surdos com belíssimas produções. Cursei a disciplina de LIBRAS aqui na ULBRA no início desse ano, o que acabou complementando e enriquecendo meus conhecimentos uma vez que eu já tinha alguma habilidade com os sinais em função da Juliana. Cada vez que tenho contato com essa escola fico mais encantada ao ver a superação desses alunos, uma vez que lá não existem apenas alunos surdos, mas há também aqueles que são portadores de múltiplas deficiências. Eu já havia feito nessa escola a minha primeira observação silenciosa da cadeira de Tendências e Perspectivas para o Ensino da Arte, no semestre seguinte realizei outra observação para a disciplina de Projetos de Ensino em Arte. Essa nova experiência, aliada aos questionários que apliquei aos alunos e a professora, reafirmaram minha certeza de que é nessa escola que quero praticar meu estágio II. Sei bem da dificuldade e das limitações que me esperam, uma vez que meu conhecimento em LIBRAS não é avançado ao ponto de eu conseguir me comunicar com rapidez, habilidade que os surdos possuem de sobra, sua comunicação é extremamente rápida, de modo que quando vou me comunicar peço sempre desculpas caso não os entenda e também peço calma na hora de estabelecermos contato gestual. Em relação à linguagem de sainais, Marlene Canarim Danesi Ressalta:
Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64). A língua de sinais proporciona aos surdos a descoberta do mundo, as mãos vão ajudar os olhos a compreender a realidade (DANESI, 2007, P.64).
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O universo dos surdos é fascinante, fui muito bem recebida na escola, tanto pela diretora, que é ouvinte, quanto pelas professoras surdas e ouvintes, e por todos os alunos surdos. Considero muito positiva a minha experiência, de modo que a escola está de portas abertas para mim e para outras pessoas que lá queiram desenvolver seus estágios, como me disse a diretora, eles têm interesse e vêem de forma muito positiva esse intercâmbio entre escola surda e a comunidade em geral. Em relação às observações, evidencio a dedicação e o carinho da professora Lucila, formada em 2003 pela ULBRA, seus planos de aula são muito bem organizados e aplicados e os alunos respeitam tanto a professora quanto os colegas, não observei nenhuma atitude de indisciplina em sala de aula, embora conheça o comportamento de alguns dos alunos fora do ambiente escolar, dentro de sala de aula eles foram impecáveis em seu comportamento. Observei também que a professora fundamenta seu planejamento na abordagem triangular, proposta por Ana Mae Barbosa, que trata da sistematização do ensino em Arte com base na contextualização histórica, no fazer artístico e na leitura de imagem, tornando sua aula completa e produtiva. Dentro das atividades propostas, a professora sempre insere questões da cultura surda, seja através de produções artísticas realizadas por artistas surdos, seja através da abordagem de linguagens e escritas de e para surdos.
A cultura surda refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte, etc. Os surdos envolvidos com a cultura surda, auto-referenciam-se como participantes da cultura surda, mesmo não tendo eles características que sejam marcadores de raça ou de nação (SÁ, 2006, p85).
Acho importante manter sempre essa abordagem em evidência, mostrar aos alunos que essa deficiência em nada afeta seu poder criativo, muito pelo contrário, a professora lhes mostra como é possível desenvolver arte de qualidade vinculada à condição de todos eles. Observando as produções dos alunos em sala de aula, percebo a riqueza das criações de cada um deles, chegando até mesmo a superar a qualidade dos trabalhos feitos por alunos ouvintes do ensino médio. Finalizo essa análise enfatizando a importância de olharmos para essa realidade, totalmente despidos de preconceito ou qualquer tipo de ressalvas, a cultura surda tem muito a nos ensinar, e apesar do grande desafio imposto pela forma de comunicação, superada essa barreira, percebo que desenvolver e quem sabe até seguir com algum 16
projeto de trabalho nesse meio parece-me uma excelente forma de trocar e principalmente aprender com a arte surda.
As pessoas que têm dificuldade em entender a existência de uma cultura surda, geralmente são pessoas que pensam que nada há fora de sua própria referência cultural, então, entendem a cultura surda como uma anomalia, um desvio, uma irrelevância. Geralmente estas pessoas desconhecem os processos e os produtos desta cultura surda: desconhecem o que os surdos geram em relação ao teatro, ao brinquedo, à poesia visual, à literatura em língua de sinais, à tecnologia que utilizam para viverem o cotidiano, etc. (SKLIAR, 1998, p.xx).
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1.4.
Análise do questionário respondido pela professora
A professora Lucila, formada em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas em 2003, elabora seus planos de aula com base em referenciais teórico-práticos, utilizando principalmente as atividades de leitura de imagens de diversos artistas entre eles os artistas surdos. A cada novo trimestre, ela formula novos planos que englobam atividades essencialmente práticas, buscando uma variedade de técnicas como escultura, pintura, desenho e colagem. Os materiais destinados a esse trabalho são fornecidos pela escola, que os mantém organizadamente guardados em armários dentro da sala destinada às oficinas de Artes. A professora, que dedica grande parte de seu tempo ao trabalho, visita exposições e galerias de arte, mas em função da sua surdez, ela me relatou a dificuldade que enfrenta com relação à acessibilidade desses locais, o que acaba também limitando sua atuação em atividades fora do espaço escolar, como visitas guiadas com os alunos surdos. A professora, que prefere propor atividades individuais em sala de aula, trabalha muito com a “Arte Surda”, tive a oportunidade de observar essas aulas e fiquei feliz ao ver belas produções no campo das artes que foram realizadas por surdos, fato que inevitavelmente gera uma conscientização e reflexão acerca da cultura surda. A professora não realiza provas em sua disciplina, a avaliação é constante, observando o empenho e dedicação de cada aluno ao longo dos trimestres. Segundo seu relato, ela garante atingir seus objetivos com a turma e é bem flexível na hora de modificar ou agregar novos elementos em seu plano de aula.
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1.5. Análise do questionário respondido pelos alunos
Os alunos da oitava série foram unânimes ao dizer que se sentem a vontade e que gostam muito das aulas de artes, sendo que a maioria costuma visitar museus ou espaços de arte, não somente durante as atividades escolares, mas também com seus familiares que incentivam essa prática, muito embora ela aconteça de forma limitada em função da falta de acessibilidade, pois são poucos os lugares que disponibilizam mediadores habilitados em LIBRAS, isso porque a visita das escolas nesses espaços requer a presença desses profissionais que complementam e dão sentido àquilo que se está observando, essa necessidade não está atrelada apenas aos alunos surdos, mas a toda comunidade escolar. Para a maioria desses alunos, artista é uma pessoa que possui dons especiais, sendo que um aluno acredita que artista é uma pessoa comum que decida pintar algo, e outro aluno acredita que arte e artesanato sejam a mesma coisa. Essa idéia que a maioria dos alunos tem em relação à arte e seu vinculo com dom especial é muito presente no contexto escolar. Os alunos que em sua totalidade estudou história da arte, alegam que consideram a disciplina de Artes importante tanto para desenvolver o lado artístico, quanto para se distrair entre as aulas, fato que demonstra uma certa falta de validação da disciplina de Artes enquanto meio de aprendizagem e de desenvolvimento intelectual e cultural. O grupo é bem diversificado na hora de mostrar quais as técnicas artísticas que gostariam de aprender, como colagens, tridimensionais, grafite, etc. quando questiono a respeito da arte contemporânea, um aluno apenas responde que não gosta do assunto, os demais se dividem nas respostas que apontam para o interesse e envolvimento com o tema, e os demais respondem que se interessam, mas não entendem do assunto.
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CAPÍTULO 2 ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
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2. ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA 2.1. José Leonilson Bezerra Dias José Leonilson Bezerra Dias nasceu em Fortaleza CE em 1957 e morreu em São Paulo SP 1993. Foi pintor, desenhista, escultor, um artista completo. Movido pela necessidade de expressar sua subjetividade, Leonilson construiu um grande acervo, que inclui pinturas, desenhos, bordados e algumas esculturas e instalações.
Seguem alguns exemplos de sua produção
How to rebuild at least one eight part of the world, 1986 Madeira, metal e feltro José Leonilson e Albert Hien Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
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Ninguém tinha visto, 1988 Pintura sobre madeira Doação Eduardo Brandão e Jan Fjeld Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
Empty man, 1991 Bordado sobre linho Coleção Família Bezerra Dias Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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Sagrado Coração, 1991 Bronze fundido, 8,5 x 4,5 cm Col. Família Bezerra Dias, São Paulo Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/ A delicadeza dos materiais também obriga o espectador a conhecer inesperadas associações visuais. Mas em todos os detalhes (...). E uma visão de mundo e a atenção de um artista com os pequenos sentimentos, que finalmente, são os que fazem a grandeza do ser humano (Mendonça, 2005).
Sem título, 1988 Tinta acrílica e chapa de cobre pregada sobre lona. Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
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Suas obras apresentam características que o acompanham do começo ao fim, faz uso de estamparias, bordados, pedras, palavras, grandes extensões de tecido. Leonilson lança mão de comentários autobiográficos confessionais e também costuma utilizar seriações, repetições de imagens, justaposições de objetos que circulam no universo da cultura popular. Leonilson consegue transformar a arte em puro sentimento, consegue transmitir através de suas obras sua personalidade, um ser luminoso, sincero e apaixonante. Foi, por certo, devido aos efeitos inusitados das próprias associações e justaposições desses materiais sobre a superfície de lonas ou de folhas de papel que os trabalhos do artista adquiriram um apelo fortemente expressivo. Em suas obras, Leonilson usa constantemente a palavra, frases criando uma mistura de poesia e imagem, um elo entre as artes visuais e a literatura, os títulos de suas obras, são quase que outra obra a parte, uma nova reflexão. Utiliza-se livremente do desejo simbólico, da sedução e da poesia para criar um jogo narrativo com o público. Questões sexuais, o romantismo, o conjunto de símbolos costuram, com grande simplicidade, sua vida e sua produção artística. As obras de Leonilson nos fazem viajar, entrar em um mundo que por vezes ignoramos, e nos fazem experimentar sentimentos que desconhecemos com sua genialidade e delicadeza, faz com que fiquemos inesperadamente perplexos diante de suas obras, talvez não tão belas, aos olhos de quem julga apenas pela estética, mas surpreendentemente fantásticas e cheias de elementos que nos fazem pensar. A delicadeza dos materiais também conduz o espectador a conhecer inesperadas associações visuais. Mas em todos os detalhes (“...), é uma visão de mundo e a atenção de um artista com os pequenos sentimentos, que finalmente, são os que fazem a grandeza do ser humano”. (Mendonça, Textos críticos 2005)
Seus procedimentos subjetivos e referências com a contemporaneidade
Não há como separar os aspectos de subjetividade, princípios morais, como o artista pensa, trabalha as questões culturais e políticas do cotidiano. Esse diálogo está presente de uma forma muito clara, porém acontece simultaneamente em todo o desenvolvimento da sua Obra. Não é à toa que rapidamente foi considerado pela crítica um artista de transvanguarda, pelo seu ecletismo, recorrendo à liberdade de referências,
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linguagens e materiais, transitando em várias épocas estilísticas pelo simples gosto de fragmentar e unir questões particulares e contemporâneas. É possível observar o seu pensamento numa obra essencialmente autobiográfica, mas sempre atento às questões de ordem coletiva, numa crítica bem humorada aos problemas da sua geração e da cidade de São o Paulo onde residiu e ilustrou as crônicas do jornal Folha de São Paulo entre 1991 e 1993. “Paulistanos ensopados dão com os burros n’água (1991)” e “São Paulo não é nenhuma Brastemp (1992)” são dois desses exemplos em que se percebe que apesar de uma obra muito voltada introspectivamente, ela não é egocêntrica. Muito pelo contrário, o artista se valia da exposição de sua vida para se comunicar com as pessoas sobre suas críticas sociais. Essa é a maneira que ele encontrou para fazer o ele entre o que era do seu universo particular e sua arte contemporânea que para ele se tratava de uma coisa só. Outro exemplo de crítica social é um trabalho de 1990 fazendo referência ao machismo do casamento. Nela, um longo vestido de voile bordado na barra: “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo.” Aliás, os títulos revelam essa poética em trabalhos que naturalmente se modificam na sua trajetória artística. Só para citar alguns: O que seus olhos me dizem (1983), Da pouca paciência (1987), Palavras violentas (1987), São tantas as verdades (1988), Cada delícia tem um preço (1988), O deslocado (1989), Leo não consegue mudar o mundo (1989), Isolado frágil urgente confuso (1990), O mentiroso (1992), Síndrome de abandono (1992), J.L.B.D (1993). Maria Ester Maciel in Cassundé resume o conjunto da obra questionando: “Em que medida os objetos cotidianos podem contar a história de uma pessoa?” Acredita-se que coisas guardadas em armários, gavetas e organização de coleções contam não apenas a história de um indivíduo como descrevem os valores da sociedade daquele momento histórico. Exatamente o que inventário da poética do Leonilson se propõe guardando objetos, diários, anotações, bilhetes de trem, cartazes de suas exposições, agendas. Seu desejo era descrever quem era, no que acreditava, gostava e o quanto era significativo para ele não se desvencilhar dessas coisas como uma referência de sua identidade e do seu trabalho. No catálogo da exposição em Porto Alegre (2012) a mesma autora mencionada escolhe a seguinte frase de George Perec para sintetizar a poesia do artista: “O que não
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está ordenado de um modo definitivamente provisório, o está de modo provisoriamente definitivo”. Talvez por isso a sua concepção de arte muitas vezes parece contraditória porque ele tenta estabelecer um diálogo com a vida cotidiana que é dialética, incerta, dinâmica, preconceituosa e caótica. Obviamente tudo isso afeta a sua produção artística com imagens, objetos ou palavras.
Incêndio a bordo, 1987 Tinta acrílica sobre guardanapos de tecidos costurados e rosa artificial costurada Col. Museu de Arte Moderna de São Paulo Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
O que parece lona, na verdade são guardanapos costurados, têm um aspecto feio, de pano de chão sujo. A maneira como a frase está escrita é displicente. A separação silábica irregular tenta confundir, no entanto não desorganiza o sentido da palavra. Assim como as dobras da costura soltas para um lado, hora para outro, também aberta e fechada, mostram uma mobilidade, liberdade dada ao tecido pelo modo como foi costurado, dando a ideia que a obra ‘deseja’, isso é possível através do material que reage espontaneamente às contingências do tempo. É uma obra em que os detalhes se multiplicam a cada nova impressão. O incêndio parece organizado porque os furos são simétricos, com as bordas azuis, preenchidos com a tinta branca contrastando o pano manchado. Poderiam ser apenas pinturas sem cortes, já que os círculos são cortados com tanto cuidado que só com atenção é que se percebe que são vazados. Sobre a intenção de incêndio do artista é arriscado escrever sem seu próprio depoimento sobre o trabalho.
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Pode-se falar sobre o incêndio que o contato com a obra do artista proporciona. À primeira vista o trabalho “incêndio a bordo” sugere um sentido negativo de morte, abandono pela cor suja e a rosa de plástico. Depois a obra transforma o espectador, ela comunica esperança através da rosa que mesmo artificial e lambuzada de amarelo sinaliza o símbolo ‘flor’. No dicionário é o “desabrochar da vida, o viço da idade, o belo”. Aliás, Leonilson introduz a palavra no seu trabalho de uma forma séria e divertida. Incêndio, por exemplo, tem duplo significado no dicionário Aurélio, pode ser um fogo que lavra com intensidade, guerra, destruição, contudo também pode ser entusiasmo, ardor, paixão e vida. O uso das palavras já mencionado anteriormente aqui, segundo seus curadores é um dos focos principais que ao mesmo tempo em que processa um diálogo, “se torna matéria de sedução e aspecto central na construção de sua poesia visual”. É dessa forma que a palavra assume significado de imagem. Provavelmente seja a palavra o primeiro elemento a chamar atenção numa obra como essa porque se tenta relacioná-la com o restante dos materiais. E isso, segundo os críticos, se intensificou depois de 1989, dois anos após esse trabalho. “O seu desejo de conversar com o público na construção de suas realidades, muitas vezes de fatos fantasiosos ou realmente subjetivos da autobiografia de Leonilson”. Ainda sobre “incêndio a bordo”, se observado atentamente o tecido não é homogêneo, têm partes em que está mais desgastado, aparecendo a trama das linhas e também marcas possivelmente deixadas por grampos ou pregos de outras exposições. Outro sinal de cavidade, mas desta vez intencional revestido de ponto caseado, como usados para fechar roupas, casas de botão. Segundo o mediador, o artista contava com a ideia de o tecido branco amarelar, ou seja, o aspecto de sujo foi conquistado com a interferência do tempo, que certamente vai se deteriorar até o fim porque não há nada que proteja a obra e impeça a ação do tempo nela. Também não há o que impeça a manifestação do tempo em nós Há um depoimento do artista sobre essa intenção no site do Itaú Cultural: As pessoas botam chassi para proteger o trabalho. Eu, não. Se acontece alguma coisa com minhas telas, aconteceu acabou. Se tem um rasgo, dou uma costuradinha. Entendo a tela como objeto e não apenas como pintura para pôr na parede. A pintura interage: se está calor, ela 'engruvinha'; se está frio, ela estica, sai um pouco da parede, volta. Os tecidos pré-colombianos eram preciosíssimos e sobraram na forma de fragmentos.
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E quanto ao aspecto rude, Ricardo Rezende in Cassundé (2012, p. 18) explica que entre as obras iniciais e finais houve uma depuração de formas, materiais e sentidos. Segundo ele, o próprio Leonilson admite que foi preciso passar por uma pintura de aspecto “violento” ou “agressivo” com pinceladas e cores vigorosas para chegar aos objetos delicados, os “bordadinhos” na forma de saquinhos ou “paninhos” como ele mesmo se referia. Não se sabe ao certo se é o processo de mudança do artista que modifica a sua obra ou se é a dedicação pela arte que transforma o artista, diz Cassundé: “Leonilson acreditava que para ser um artista seria preciso dedicar-se exclusivamente à obra e não a si mesmo. Como um mártir.” O que se vê é arte e vida se misturando tornando a sua obra genuína como ele mesmo afirma numa entrevista: “eu só quero ser um homem de verdade: puro e livre”. Essa liberdade aparece pelo seu fascínio por viagens, um tema recorrente nos mapas, a mala, o avião, o barco, o carro, globos, bilhetes de trem. Além do hábito de colecionar objetos e símbolos: o pato, a roupa, a ponte, o círculo (bolinhas, botões), o vulcão, o peixe, a cadeira, o coração, o homem, o fogo, as pedras, o sangue, o copo, as árvores, a escada, o espelho e diários. Signos que ilustram o seu espírito inquieto de nordestino nômade que vai para a Europa em 1981 e em 1983 já é sinônimo de vanguardismo com uma vida intensa de exposições. Cassundé p. 14 Ele narra um diário de bordo de suas aventuras: “Amanhã é meu aniversário (35 anos). Não tô triste, não tô ansioso. (...) Sou uma pessoa muito frágil. Me refugio no meu trabalho que é uma observação sobre mim mesmo. (...) sou um peixe com o oceano inteiro para nadar. (...) Hoje é 22 de maio. Vazio. Sinto falta para quem me dedicar. (...) Eu tenho que ir embora. Tenho que mudar tudo na minha vida”.
Nessa gravação ele se revela frágil sem ser apelativo. Apenas considera um traço de personalidade, assim como aceita sua condição solitária. Parece revelar isso para admitir a imperfeição artística e simplicidade das suas obras, sabia que precisava ser autêntico para ser feliz.
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Mirro, c. 1972 Bordado e assemblage com caixa de madeira, tecido, feltro, latão e papelão 39x40x8 cm Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
Esse trabalho foi incluído por ser o seu primeiro bordado aos 15 anos de idade. É uma assemblage, que o site do Itaú cultural conceitua como a “estética da acumulação", todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte, o que rompe definitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana. Há um pedaço de jeans bege rasgado, levemente manchado com tinta vermelha e branca, costuras desfeitas, pontos rasgados mantidos no tecido, três pedaços de feltro amarelados, dois deles sobrepostos em cruz, presos com pontos mal feitos, duas pedrinhas ou sementes costuradas, possivelmente imitando olhos. Abaixo, o terceiro feltro bordado a palavra “MIRRO” de cabeça para baixo preso por alguns pontos aparentes e outros descosturados e mantidos no tecido como se tivessem mudado de posição. A caixa de madeira é fechada na frente com um vidro. A superfície da madeira é irregular e pintada de qualquer jeito na cor branca. No fundo há um pedaço de papelão menor que o tecido, mas deslocado para que apareça no trabalho, também pintado de branco, que não se entende porque está ali. Ainda no centro superior há um disco pequeno de latão enferrujado preso por um prego. Suas bordas estão tortas e falhas, sugerindo a idéia de que foi arrancado da sua origem.
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O significado da palavra “mirro” não foi encontrado. Mais uma característica de Leonilson, sua liberdade no uso das palavras, como afirma Beck (2005, p. 13), para o artista “a palavra e imagem, sentido e significado, língua e linguagem rompem limites na tentativa de eliminar fronteiras e barreiras na comunicação”. Depois de observar cada fragmento é o momento de integração. Num olhar mais atento pode ser ele mesmo, afinal tem uma sugestão de olhos, nariz, boca. E na sua biografia e nos seus trabalhos posteriores, Leonilson aparece como o pato da fábula infantil “o patinho feio”. Tudo começa a fazer sentido e o mais provável é que “mirro” seja uma alusão a mirror, ou seja, espelho em inglês. Segundo as informações da exposição, o artista resgata o ato de bordar muitos anos depois, quando desenvolveu alergia às tintas e seu traço no desenho perde a firmeza com os efeitos do vírus HIV no seu organismo. São momentos que exigem do artista uma adaptação que se ajusta ao seu trabalho de uma forma natural. Ele aperfeiçoa o bordado enquanto possibilidade artística e o utiliza para fazer uma arte delicada e amorosa. Por isso a importância desse primeiro bordado, pois tanto tempo depois quando ele o resgata temos um trabalho de um novo artista, mais simples e sucinto.
El Puerto, 1992 Bordado sobre tecido de algodão e espelho emoldurado 23x16 cm Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meusamores/
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Aqui se percebe que o seu diálogo com as questões contemporâneas se dão através de material ‘vagabundo’ (comum), sensível: latão, pinho, lona, feltro, voile, papelão, objetos de uso cotidiano como um espelho pequeno, que inclusive se repete em outros trabalhos. Temos um tecido de algodão listrado bordado. É como se fosse uma roupa para vestir o espelho, ou quem sabe disfarçar a nudez do rosto que ele não queria refletido. Dizem que depois que soube ser portador do vírus HIV o artista desenvolveu aversão por espelhos.
Então bordou as suas medidas, outra fixação que ele desenvolveu por
listas, números, classificações: Leo, 35 anos, 60 kg, 1,79cm. Há uma lenda que conta que quando uma pessoa morre todos os espelhos da casa devem ser cobertos com pano durante a semana seguinte após sua morte. É o que pode parecer nessa obra, mas não para Ricardo Resende in Cassundé (2012) que o conhecia bem.
Para ele, esse trabalho é um dos mais preciosos de
Leonilson, de uma simplicidade absoluta trazia a ideia de receptividade pelo título: El puerto. O porto que recebe e acolhe com segurança. O artista, segundo ele, que recebe as energias dos amigos ou os amigos que recebem suas energias. Uma característica dele, fazer da vida a sua arte e vice-versa. Usando o seu sofrimento, mas de uma forma leve, poética, aceitando sua realidade. Um detalhe, esse trabalho foi feito no ano anterior a sua morte. Leonilson é especial. Dá uma lição de vida quando afirmava: “minha vida não é um inferno e nunca deixaria que se tornasse”, e aparentemente não deixou mesmo. Dito por quem conviveu com ele, nas entrevistas dos vídeos que transmitidos na exposição. O compromisso de felicidade que é preciso ter com a vida, embora todas as aflições de sonhos perdidos. Uma felicidade real de busca pelo que realmente interessa para satisfazer a alma. Mesmo com amores platônicos, inconformidades, vazios, o artista conseguia ter o que doar às pessoas, era generoso com seu trabalho, expunha seus sentimentos, sua imperfeição, o seu avesso. Vê-se o mal feito, o inacabado, o arremate, o ponto que sustenta, a linha que finaliza o trabalho como parte da obra principal. Isso é bonito porque traduz as pessoas e o cotidiano, como ele se apresenta na maior parte do tempo. É o normal dos dias sem graça, dos materiais de uso comum, sem moldura nem mise-en-scène. De uma maneira crua, porém muito inteligente. Dessa forma Leonilson consegue atentar para o maior
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significado da arte contemporânea, que vai muito além da técnica e da estética porque mostra o sentido da vida. “Carregar o mundo nas costas é ouro de artista”, essa é a lição que ele deixa como superação dos problemas da vida. Esse é o ouro de artista, se doar como prova de amor.
A discussão de valores
Bom rapaz em embalagem ruim, 1991. Bordado sobre voile 45X40 Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meusamores/
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Leonilson não se considera um artista;
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Não desejava ser um bom rapaz em embalagem ruim;
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Ele não tinha o desejo de provocar dramas familiares ao não se enquadrar nos padrões da sociedade;
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Sua Obra deixava à mostra seus sentimentos e emoções, e transmitia a mesma melancolia que aflige o mundo contemporâneo;
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2.2. Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson Ouro de artista... ouro pra vida toda
Ao fazer uma breve reflexão acerca dos conteúdos que fizeram parte da disciplina de Introdução à Arte, realizada no primeiro semestre de 2012, consigo avaliar a conseqüência positiva que o ato de ler imagens acarreta no desenvolvimento acadêmico do estudante. Ler imagens, apoiada em pedagogias como as de Carlos Gerbase - que nos impelem a adotar uma postura desconfiada, que avalia com rigor o caráter ideológico e o conteúdo estético de quaisquer imagens que nos são apresentadas - aliadas ao interesse e disposição de interagir com as obras, mencionados por Jorge Coli, nos tornam observadores mais sensíveis, não somente no campo das artes, mas sobretudo em relação a vida. Ter a capacidade de desenvolver um olhar que ao mesmo tempo seja crítico e desconfiado, mas que ainda assim consiga dar lugar a um estado contemplativo a ponto de produzir sensações e estados emocionais diversos, completam o processo de análise, leitura e interatividade com a obra. Essas minhas poucas palavras apenas tentam elucidar, de forma clara e pouco superficial, o quanto as experiências trazidas por essa disciplina me enriqueceram de um modo geral. Acredito ser pertinente realizar essa breve reflexão antes de adentrar de forma mais discursiva e analítica no objeto desse trabalho, a Obra do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993). Esse trabalho, realizado em 2012, torna-se parte desse projeto de pesquisa, em que a obra do artista foi analisada com base na exposição: “Sob o peso dos meus amores”, realizada pela Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre. O objetivo desse trabalho era realizar uma leitura e análise pormenorizada de uma obra do artista Leonilson. Foi deixado livre o critério de escolha dessa obra por parte do aluno, podendo ou não ser a mesma obra utilizada na pesquisa inicial, mas devendo ser analisada em conjunto com outra obra do mesmo artista, para que possa ser desenvolvido um comparativo, ampliando assim a análise da Obra como um todo. A primeira obra analisada nesse trabalho é a mesma utilizada no texto de G1: “Cheio, Vazio”. A segunda obra escolhida foi: “O inflexível”. Estudar a Arte Contemporânea, de forma aprofundada, é fundamentalmente importante para a formação de futuros professores de artes visuais. Como mencionado 33
pela professora Ana Lúcia Beck (aula do dia 06 de junho), é muito importante que estudemos a fundo esse período da arte, pois é o que mais teremos contato ao longo da vida, também foi ressaltada a importância de possuirmos uma “bagagem”, e termos um significativo conhecimento acerca de nós mesmos, para que possamos cumprir nosso papel como educadores de arte. Por vezes o professor de artes visuais acaba se colocando na posição de mediador, e essa tarefa exige do educador o domínio de conteúdo e a experiência empírica com as obras. A experiência com a Obra do artista Leonilson foi de fundamental importância nesse processo, estudar um artista desse período da forma como foi proposto em sala de aula nos tornou capazes de investigar, sentir e interagir com os demais artistas contemporâneos. Foram estudados em sala de aula diversos textos de autores que tratavam de metodologias de ensino em arte, bem como os textos de autoria da professora Ana Lúcia Beck. Aliado a essa base teoria, realizei três visitas à exposição objeto de estudo desse trabalho: “Sob o peso dos meus amores”. Para a composição desse segundo estudo das obras do Leonilson, foi proposta em sala de aula a seguinte metodologia: Coleta de imagens; análise, confronto e crítica das obras e descrição detalhada das obras com referências de pesquisa. Anexo a esse trabalho está a tabela utilizada como meio de organização das idéias aqui expostas.
A Exposição Realizada na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, a exposição “Sob o peso dos meus amores”, do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993), tem curadoria de Bitu Cassundé e Ricardo Resende, e permaneceu exposta de 17 de março a29 de maio de 2012. Essa exposição é uma nova montagem da que foi realizada em São Paulo no ano passado pelo Itaú Cultural. A edição apresentada aqui contou com 361 obras do artista, destas, 126 são inéditas, incluindo ilustrações realizadas entre os anos de 1991 e 1993. O evento engloba desde o período de seus primeiros estudos em 1972, até o ano de sua morte. O fio que costura, desdobra não somente os tecidos, mas também o espaço de significação da obra. O fio que costura também, borda e escreve. (BECK, 2004)
O fio pelo qual se desdobra a nossa vida é composto por diversos altos e baixos, presentes ao longo da trajetória de todo o ser humano. “Experimentar” uma obra 34
contemporânea sob a influência de alguns sentimentos, tanto os de grande euforia e contentamento, quanto os de tristeza e desalento, é uma excelente oportunidade de encontro com o “si mesmo”, também definido por Carl Gustav Jung como “Self”. Ter a condição psíquica e emocional de experimentar esse autoconhecimento, auto avaliação e por que não uma auto cura, é um processo por vezes demorado, ou simplesmente algo que pode ser subitamente alcançado, o que vai depender das condições de cada um. É importante mencionar esses aspectos, mesmo que de forma pouco aprofundada, pois a experiência de estudo e conhecimento da Obra do Leonilson trouxeram para minha vida, tanto pessoal quanto acadêmica, essas questões, de uma forma muito relevante. A experiência que descrevo nesse trabalho faz parte de um processo muito maior e mais complexo pelo qual minha vida acadêmica tem passado, e como mencionado pela professora em sala de aula, a arte contemporânea agrega elementos de diversas áreas da vida, e permite ao observador fazer essa relação. Trata-se de um campo expandido. Descrição e Estudo das obras
Cheio, Vazio, 1993. Bordado sobre voil. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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Elemento Formais Trata-se de uma obra bidimensional, com superfície predominantemente plana na forma como é apresentada, as texturas que possui vem dos bordados com linha que formam as palavras. No tecido, há a presença das cores primárias, como o vermelho e o amarelo, bem como o branco e a estampa listrada de branco e verde. Os contornos, externos e internos, delimitam as formas geométricas do objeto, composto de retângulos que são observados com certa distorção por conta da leveza do tecido e da forma como está exposto, preso por ganchos nas extremidades superiores. Cada um desses retângulos possui as palavras bordadas: Cheio e Vazio, que dão nome à obra.
Análise Um sentimento e estado de espírito particular me permitiram parar e olhar uma obra contemporânea com um sentimento diferente do que aquele que eu havia experimentado até então. Cheio e vazio são sentimentos ou estados de espírito inerentes a todos nós, mesmo para aqueles que não se permitem admitir tal condição. No trabalho de G1 que tratou dessa mesma obra eu fiz o seguinte questionamento: Será que o Leonilson expôs nessa obra sentimentos que também fazem parte do meu mundo? Hoje, com mais experiência e maior carga de informações torna-se possível responder essa questão com segurança. Sim, ele sabia muito bem o que estava fazendo, sabia lidar com as próprias sensações, sabia olhar para dentro de si, algo muitas vezes difícil de fazer, lembro-me de uma aula em que a profrssora fez esse comentário, não me recordo das palavras certas, mas lembro quando ela exemplificou essa idéia com o fato de que muitas vezes sonhamos com coisas horríveis, mas que na verdade podemos estar muito bem traduzindo partes de nós que muitas vezes gostaríamos que nunca despertassem. Seguindo esse pensamento, fico avaliando por que o Leonilson usou um tecido tão leve como o voil, seria uma forma de evidenciar o vazio? Digo isso porque quando tenho meus momentos de vazio me sinto tão frágil como esse tecido que deixa passar a luz através de suas fibras, e assim, acaba mostrando seu outro lado. E quanto aos bordados que a compõem? Seria o preenchimento das fibras com linha, ocupando os espaços vazios para que se tornem cheios? Sei que uma das características marcantes de sua obra é a utilização de costuras e bordados que não seguem nenhum padrão estético, e tampouco podem ser considerados como bordados que utilizam uma técnica específica de execução, mas nessa obra em particular não pude deixar de questionar esse fato. Fica claro pra mim que seu trabalho evidencia uma 36
marca singular, em que deixa transparecer a alma do artista, e mais ainda, permite que o observador entre em contato com sua própria alma, algo nem sempre fácil com já foi mencionado.
Leonilson acaba por desdobrar palavras em bordados e bordados em palavras. Nesse ponto, a compreensão de sua obra como oração torna-se evidente. O desejo dito – oração – adquire forma no desejo realizado – doar. Oração que é, sobretudo, doação: discurso do amor. (BECK, 2004).
A oração bordada nesse trabalho apresenta apenas duas palavras, cheio e vazio, as demais palavras, necessárias para a formulação de uma oração, devem ser elaboradas pelo expectador em seu momento de contemplação diante da obra. É fato que quando nos deixamos tocar por uma obra como essa, acabamos entrando em contato com nossas emoções, e se tivermos humildade e maturidade suficientes, somos capazes ainda de deixar vir â tona o produto de toda essa experiência. Foi o que aconteceu comigo, eu orei diante dessa obra, essas duas palavras me levaram a uma reflexão muito importante, que vai além dos limites da aula de introdução à arte, e até mesmo do curso de artes visuais, fiz uma reflexão de vida que me levaram a um estado maior de autoconhecimento. Acredito que pratiquei uma “arte terapia”, o resultado foi surpreendente.
O outro revela a Leonilson não somente seus desejos íntimos, mas também sua própria vontade e dela advinda realização: seu próprio ser, (BECK, 2004).
O “outro”, acima mencionado, é o Leonilson, que revelou os meus desejos íntimos, minha própria vontade e meu ser. Eu, Danielle, me deixei envolver por suas obras num exercício inicialmente perturbador, mas que, passado esse desconforto inicial, o encontro com o “si mesmo” através da arte pôde ser experimentado, esse momento acima de tudo se deu através de um artista cuja principal marca é o amor e o amor doação, o que me levou, naquele momento, a “amar bastante”, amar quem eu sou e me perdoar, me absolver e me aceitar...
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O Inflexível, 1993. Acrílico sobre lona. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
Elementos Formais Essa pintura é feita sobre lona e não sobre a tradicional tela, utilizada por um grande número de artistas, a presença de cores vivas como o azul, o verde, o vermelho e o amarelo dão destaque ao branco, utilizado no centro da pintura. Essa obra traz um elemento muito característico da obra do Leonilson, as palavras, escritas nas extremidades superiores sobre um fundo branco, e trazendo informações que completam o sentido da obra.
Análise O pato jamais vira cisne? Se ele for inflexível é pouco provável que ele venha a ser convidado a fazer parte do espetáculo de Tchaikovsky, “O Lago dos Cisnes”. Essa obra me chamou a atenção de uma forma muito especial, pois pessoas que me conhecem freqüentemente já me rotularam como “um ser inflexível”, e eles estavam certos, até o dia em que essa realidade começou a mudar. Minha vida acadêmica começou com a faculdade de Direito na PUCRS em 2000/2, por conta dessa inflexibilidade que estava latente por volta dos meus 19 anos,essa não era a faculdade que eu queria, mas o problema é que eu não sabia que faculdade eu realmente queria, então me deixei levar por um caminho que, cinco anos depois, me fez ter a certeza de que meu rumo era outro. Passei um longo período vagando, querendo ser um belo cisne, mas com a cabeça de uma pata teimosa e bem pouco flexível, mas no fundo eu sabia que, cedo ou tarde, me tornaria um cisne de corpo e alma, e ao ingressar nas artes 38
visuais, não tinha a plena certeza de que esse era o caminho certo, cheguei a questionar se novamente eu estava em outro caminho errado, que hoje percebo não ser tão errado assim, pois aprendi com o Leonilson, que não é porque meus bordados não são retos que minha obra não terá valor. Essa dúvida cessou a partir do momento que me descobri dentro das Artes, é aqui que me sinto cisne. A obra “O Inflexível” me faz lembrar também do inicio de tudo, dos cursos de pintura sobre tela, dos experimentos com cores e das frustações, pois sempre que eu pintava um cisne via projetado na tela um grande e borrado pato. Mas sinto que essa obra me traz uma sensação de doçura, de aconchego, mas sem deixar em segundo plano a mensagem principal, que, assim como a primeira obra, me leva a fazer reflexões mais aprofundadas do meu próprio ser. Leonilson faz-se Leonilson no confronto com o outro. (BECK, 2004).
Quando pensamos no outro, quase sempre nos remetemos “aos outros”, exteriores ao nosso ser, mas e os outros que habitam dentro de nós? Esses também devem fazer parte dessa análise, uma vez que, segundo o meu argumento, o pato pode sim se tornar cisne, basta que dentro dele existam as condições básicas para que isso ocorra. Autoconhecimento e consciência do próprio poder, inerentes a todo ser humano, mas trabalhado e explorado por poucos, pois acredito que a maior parte das pessoas passe pela vida na condição de pato, mas não num sentido pejorativo, mas por conta da falta de exercício desses dois valores acima mencionados. Confronto-me com o outro, quando, ao olhar para dentro de mim, identifico as reais possibilidades de me tornar cisne, mas não consigo tomar posse de mim mesma, trabalhar o “eu”, enquanto objeto dessa mudança e ao mesmo tempo autora desse processo. Virar cisne não é do dia para noite, o caminho me remete aos bordados do nosso artista, me faz lembrar as bordas assimétricas das suas telas sem bastidor, durante esse percurso é comum o abatimento, a vontade de mandar esse cisne pra bem longe e tentar se sentir feliz na condição de pato é uma opção válida, e quem disse que o pato também não é feliz? Quem disse que o pato não sabe “amar bastante”? Convenhamos que o pato é até mais popular do que o cisne, pois desde muito cedo na escola ele nos ensina com seus dois patinhos na lagoa. Ao final dessa breve e singela análise, não sei dizer ao certo onde estou nadando, se é no belo lago dos cisnes, ou na “Lagoa dos Patos”, ou se estou pulando de um pra outro, o fato é que, esse movimento, e também a ânsia pela mudança,nos acrescenta muito, a ponto de descobrir um terceiro ser capaz de tirar o brilho tanto do cisne, quanto do pato, é só uma questão de se permitir. 39
Comparativo entre as obras [...] a busca constante por este lugar é o que faz com que o artista perceba que seu lugar não é a pintura tradicional, não é a alta-costura, não é a literatura [...]. (BECK, 2004).
Segundo Resende, os bordados de Leonilson podem ser chamados de desdobramentos ou outras dimensões do desenho. Há uma significativa mudança na obra do artista quando se faz um comparativo entre as obras apresentadas, e também em toda a Obra do Leonilson, num primeiro momento seu trabalho apresenta produções com tinta - material artístico - e num segundo momento identificamos a presença de elementos funcionais como tecidos e botões, deixando claro que seu trabalho trilhou um caminho, passou por períodos distintos e evoluiu com o passar dos anos, pois a arte materializada através de palavras bordadas evidencia a grande habilidade de expressão dos próprios sentimentos por parte do Leonilson. Eis meu coração Ele te pertence Ouro de artista é amar bastante Leonilson Menciono novamente algumas questões anteriormente expostas no decorrer do semestre, minha incapacidade de aceitar as manifestações artísticas contemporâneas como Arte, pois sob o meu antiquado ponto de vista, a tradução de arte encontrava-se apenas nos períodos que englobam o barroco, o rococó e a renascença. Nunca ninguém havia me colocado frente a frente com um artista contemporâneo, acredito que eu também não havia permitido que tal fato acontecesse, mas através dessa disciplina e da forma como esse processo se desenvolveu comigo, eu pude não apenas admirar e interagir com a Obra de um artista desse período, mas acima de tudo eu aprendi a trabalhar o ponto chave desse processo: Identificar qual a intenção do artista, expressão que até então era erroneamente traduzida por: O que o artista quis dizer. Agora, em que estamos a caminho do término dessa disciplina, sei dizer exatamente qual a intenção do Leonilson (artista analisado nesse trabalho). O Leonilson, falava diretamente a mim, e a todos aqueles que se permitiram deixar de lado suas crenças e velhos conceitos, o Leonilson falava aos que, assim como ele, eram capazes de amar, de sentir, de doar... E de bordar, mas não me refiro aqui a bordados esteticamente perfeitos, cheios de técnica, mas faço uma referência aos bordados que, ao longo da vida, todos nós estamos compondo, repletos de linhas curvas 40
e por vezes enredadas, cheios de cores vivas, ou apenas em preto e branco, falo da costura da nossa trajetória, sempre bela e única. Entender o Leonilson é entender a nós mesmos, é se permitir entrar em contato com áreas do inconsciente, é se descobrir; é sentir vontade de bordar a própria vida; é se deixar amar mais e se preocupar menos, menos com as costuras que não conseguimos manter em linha reta, menos com a assimetria de nossas telas. Entender o Leonilson é não nos entristecermos com a perda dos botões que deixamos pelo caminho. Entender o Leonilson é realmente descobrir que o ouro de artista é amar bastante!
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2.3. William Kentridge Contraste, impacto, confronto, desconforto, fartura, riqueza... Fortuna! São inúmeras as sensações que o contato direto com as obras de William Kentridge provocam no expectador. Experimentar a Fortuna é enriquecer-se de fato com a genialidade desse artista contemporâneo. Em meio a um ambiente que descreve com primazia a trajetória e os processos pelos quais o artista percorre na construção de seu trabalho, William produz gravuras, esculturas e performances, mas são as séries de desenhos que realiza, através da construção e desconstrução de seus elementos, que produzem animações repletas de movimento, de seqüência, de história. Utilizando materiais artísticos em seus desenhos, são realizados sobre papel os traços com carvão e grafite, dando formas e significados às produções. Por vezes o contraste entre o preto e o branco é quebrado por detalhes de cores primarias como o azul e o vermelho, que funcionam como marcadores do processo pelo qual o artista percorre, ou simplesmente compõem a obra dando-lhe contraste.
Desenho para o filme: Felix no exílio. 1994. Carvão e pastel sobre papel. 93 × 120 cm. Coleção do artista. Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
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Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996, Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm. Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
Embora o tema de suas obras trate de questões políticas e faça uma severa crítica social ao apartheid, movimento de segregação racial ocorrido na África do Sul, é impossível não sentir-se atraído por suas obras. (8) Seu desenho possui vida na medida em que é capaz de reproduzir, a partir da realidade, fatos que num primeiro momento assombram, mas ao passo em que se vai observando algumas cenas de violência, que contrastam com a beleza dos traços de seu desenho, é possível inferir que seu trabalho não está apenas se valendo da desgraça humana como forma de produzir arte, mas tratase também de uma relação com um propósito bem mais elevado. William Kentridge tem compaixão pelas pessoas que retrata em eu trabalho, expor suas vidas através da arte exigiu do artista um estudo bem apurado, que lhe tomou tempo, tempo esse que em grande parte foi dedicado aos personagens reais dessa narrativa, personagens que denotam a situação de pessoas tão sofridas, mas que puderam contar com a atenção de quem estava disposto a descrever sua história. Analisando outro procedimento de trabalhada que o artista utiliza: a escultura. Podemos observar a escultura do rinoceronte, que está parcialmente coberta. De um lado é possível observar o revestimento de sua estrutura feita com paginas de uma enciclopédia. De outro lado é possível identificar que essa estrutura é construída com
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papéis e cola que dão sustentação ao objeto. O artista não teve contato direto com o animal, mas utilizou as descrições da percepção de outra pessoa para construir a obra.
Rinoceronte. 2007. Construção com foamcore, cola, papel, carvão, páginas de enciclopédia. Dimensões: 37 × 65 × 30 cm. Coleção do artista. Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
Acredito que um dos traços mais marcantes da Obra de Kentridge é a presença constante e reconhecível das marcas de seu processo artístico. As marcas da 44
desconstrução que constroem suas obras poderiam ser definidas como um processo artístico exógeno. É possível estabelecer um contraponto com relação ao seu trabalho ao analisar a Obra do artista, também contemporâneo, José Leonilson Bezerra Dias, que trilha um processo bem particular durante a produção de seu trabalho, o processo de Leonilson é mais facilmente observado quando se estuda suas motivações, suas paixões, o artista percorre a si mesmo na construção de sua Obra. O processo de Leonilson poderia ser classificado como um processo artístico endógeno. Além dos valores políticos e sociais presentes em sua Obra, é possível propor uma reflexão com base na entrevista: O que é a Arte? Lição de desenho nº 47. Disponível em http://paraisonaotemnome.blogspot.com.br/. Quando pergunta a si mesmo sobre sua vida enquanto artista, suas motivações e inspirações para criar, Kentridge afirma que o tempo é curto demais para explicar. Enquanto espera por respostas, o próprio Kentridge, na posição de entrevistador, faz anotações sobre a forma como ele acredita que são produzidas as obras do artista. Esse trecho da entrevista de Kentridge com Kentridge não chega a conclusões explícitas sobre seu trabalho. Sob o meu ponto de vista, não há a necessidade de uma explicação criteriosa por parte do artista, sua Obra o faz de maneira primorosa, as narrativas de suas animações, juntamente expostas com os desenhos que servem de base, mostram a trajetória completa pela qual seu trabalho passa, dando ao seu criador o luxo de brincar e invalidar sua própria entrevista.
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CAPÍTULO 3 PROJETO DE ENSINO
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3. PROJETO DE ENSINO 3.1 Dados gerais da escola e da turma O projeto Acessibilidade à arte contemporânea foi aplicado em uma turma de 7ª série na Especial para Surdos Frei Pacífico, no Bairro Santo Antônio em Porto Alegre. O projeto foi desenvolvido durante os meses de março à junho de 2013, contando com as novas observações silenciosas, a saída de campo e aplicação das práticas de ensino. os encontros foram realizados no turno da manhã, em períodos duplos de 50min cada, com inicio às 7h40min e término às 9h20min. A turma era composta de oito alunos surdos, com idades entre 12 e 15 anos. A professora titular, também surda, possui Licenciatura em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas.
3.2. Dados gerais do projeto de ensino 3.2.1. Tema Inicialmente desenvolvi minha pesquisa em estágio I sobre o tema: Apropriações da arte na publicidade. Porém, discutindo alguns aspectos com a orientadora de estágio II e III, optamos pela total modificação da pesquisa, que passou a tratar do tema: Acessibilidade à arte contemporânea. Esse novo tema foi escolhido com base nas observações silenciosas e nos questionários aplicados em estagio I. Levando em conta a grande resistência apresentada por parte dos alunos, e também de alguns professores, em entender, trabalhar e interagir com obras de arte contemporâneas, essa pesquisa procurou destacar características muito significativas desse período artístico através da Obra de dois artistas: José Leonilson Bezerra Dias e William Kentridge. Processos artísticos; utilização de materiais inicialmente não artísticos; a criação do artista executada, produzida ou montada por outros profissionais e a discussão de valores implícitas nas obras, são as quatro características da arte contemporânea que ganham destaque nesse estudo.
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3.2.2 Justificativa
Com base nas observações silenciosas realizadas nas turmas de ensino médio e fundamental, torna-se evidente a significativa resistência em aceitar as manifestações artísticas contemporâneas, tanto por grande parte dos alunos, quanto de alguns educadores de artes visuais. Esse fato pode estar relacionado com a arraigada idéia de que essa manifestação artística precisa ser “entendida”, enquanto que na verdade ela poderia ser apenas sentida. Esse desconforto que muitos expectadores experimentam, quando em contato com essas obras, atua como um convite. Falar
em
acessibilidade
à
arte
contemporânea
é
desconstruir
um
conservadorismo que se coloca em posição de defesa diante dessa manifestação, é destruir a idéia de que apenas através da mediação pela palavra essa produção apresentará sentido. A arte contemporânea não precisa necessariamente ser explicada ou entendida, ela precisa acima de tudo ser experimentada, uma vez que a grande característica dessa manifestação encontra-se na posição do expectador, que atua diretamente na construção do sentido das obras.
3.2.3. Objetivo Geral Através do tema “Acessibilidade à arte contemporânea” busca-se desvincular a idéia de que as produções artísticas contemporâneas necessitam de um sentido explicito, quando na verdade a falta desse significado aparente atua como uma aproximação entre obra e expectador, que já não ocupa mais essa posição definida, uma vez que na arte contemporânea o expectador muitas vezes faz parte e torna-se um elemento fundamental à obra, atuando dentro desse processo de forma ativa na construção de sentidos. Essa aproximação visa quebrar a resistência em aceitar a arte contemporânea.
3.2.4. Objetivos Específicos Trabalhar com os alunos o modo particular como experimentam a arte contemporânea;
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Estimular uma auto-conscientização acerca dos sentimentos por eles experimentados quando confrontados com essa arte; Realizar reflexões sobre a arte a partir do sentir; Estimulá-los a elaborar suas próprias reflexões e provocar a leitura de determinadas obras com base nos sentidos. Desvincular a idéia de que essas produções artísticas contemporâneas necessitam de um sentido explicito. Motivar os alunos a produzirem trabalhos plásticos com características contemporâneas.
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3.3. Prática de Ensino 3.3.1 Observação silenciosa 1 Dia 03.04.2013 Horário: 7h40min às 9h20min Ao chegar à escola, fui encaminhada à sala de artes pela coordenadora do turno da manhã, cumprimentei a professora Lucila e os alunos com a língua de sinais (LIBRAS). A professora iniciou o período da manhã com uma breve oração de agradecimento e proteção. Como estou começando a observar uma nova turma, me apresentei aos alunos com meu nome e meu sinal (possuir um sinal é algo obrigatório dentro de uma cultura surda, funciona como um apelido, utilizo o mesmo sinal há mais de 6 anos). Os alunos se empolgaram com a minha presença, vários deles me chamaram para conversar, fizeram muitas perguntas ao mesmo tempo, fui respondendo a medida que conseguia, pois não possuo muita agilidade e rapidez com os sinais. A professora Lucila explicou à turma que sou estagiária e que estudo na mesma Instituição em que ela se formou. A professora passou a distribuir esculturas feitas em papel machê, esses trabalhos foram iniciados na aula anterior, esculturas de figuras humanas, todas do mesmo modelo e tamanho. Os alunos forraram a grande mesa da sala de artes com jornais, sentaram-se em seus lugares de costume e dispuseram suas esculturas sobre a mesa. A professora Lucila pegou em um dos armários uma grande caixa de madeira, dentro dela havia vários tipos de tinta acrílica e guache, e um dos alunos ajudou a professora a pegar alguns pincéis de tamanhos variados em outro armário. Enquanto os alunos conversavam a respeito das cores e escolhiam os pincéis conforme os tamanhos, a professora desenhou no quadro a escultura já realizada por eles, e deu as instruções de como a pintura deveria ser realizada. À figura humana deveriam ser pintadas roupas e acessórios, a professora solicitou também que a pintura do rosto e das mãos fosse feita com tintas no tom de pele, a cor das roupas e dos cabelos era de livre escolha dos alunos. Os alunos fizeram alguns questionamentos sobre o acréscimo de elementos que ela não havia solicitado, como gravatas, botões e fitas no cabelo das esculturas. Após esclarecer suas dúvidas, a professora sentou ao meu lado e conversamos um pouco a respeito das futuras aulas, das observações e das minhas experiências no curso de artes. 50
Conversei com ela a respeito da visita à Fundação Iberê Camargo, que será realizada na escola na próxima semana, ela me disse que irá nos acompanhar, pois os alunos são muito indisciplinados e precisam de constante vigilância. Não observei nenhum tipo de indisciplina, mesmo durante alguns momentos em que a professora se ausentou da sala. Os alunos seguiram com a atividade, percebi que eles tinham o cuidado de não colocar o mesmo pincel em diferentes cores de tinta, havia um coleguismo muito grande entre eles quando trocavam entre si os pincéis que utilizavam nas mesmas cores. Aos poucos os alunos foram concluindo as pinturas, a professora buscou no corredor da escola uma placa fina de madeira para que os alunos colocassem seus trabalhos para secagem. Alguns alunos ajudaram a professora a levar essa placa para o corredor da escola. Ao lado da porta da sala de artes existe um móvel grande de madeira em que os trabalhos ficam expostos. Faltando alguns minutos para o término da aula, a professora pediu aos alunos que a ajudassem na organização e limpeza. Enquanto alguns alunos lavavam os pincéis na pia, outros recolhiam os jornais sujos de tinta e outros armazenavam os potes de tinta dentro da grande caixa de madeira. Após a organização, a professora realizou a chamada. Novamente ela explicou ao grupo que as futuras aulas seriam comigo, eu disse aos alunos que seria um grande prazer e um enorme desafio. Os alunos se despediram de mim e da professora Lucila. Fim da aula.
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3.3.2 Observação silenciosa 2 Dia 03.04.2013 Horário: 7h40min às 9h20min Ao chegar à escola, encontrei-me com a professora Lucila no pátio coberto, os alunos da turma 712 já a aguardavam para serem conduzidos à sala de artes. A aula de hoje começou com a oração matinal que a professora sempre realiza com o auxilio do grupo, fui convidada por um dos alunos a participar da oração e então, através da língua de sinais, agradeci pela oportunidade de estar com eles e pedi a Deus que tivéssemos uma excelente aula. Após a conclusão da oração, a professora solicitou aos alunos que fossem até o corredor e recolhessem as esculturas que haviam sido pintadas na aula anterior, sob forte agitação, os alunos saíram da sala e trouxeram seus trabalhos que foram dispostos sobre a mesa. A professora pediu a atenção dos alunos mais inquietos, como sua solicitação não estava sendo atendida, ela recorreu ao sinal luminoso da sala, pois ao acender e apagar a lâmpada vermelha, que fica acima da porta, ela costuma obter mais atenção do grupo. Ela falou sobre a visita que estava programada na Fundação Iberê Camargo, perguntou quais alunos iriam e se já haviam devolvido a autorização assinada pelos pais. Dos oito alunos da turma, apenas um não iria comparecer. Retomando a atividade da aula anterior, a professora colocou a caixa de tintas e de pincéis sobre a mesa e pediu aos alunos que concluíssem suas pinturas, alguns seguiram trabalhando, mas como a maioria deles já havia terminado a atividade na aula anterior, dois alunos pediram a professora mais massa para o preparo de papel machê, um deles moldou um pequeno vaso e o outro moldou um bloco retangular. Na medida em que os demais alunos foram terminando as pinturas e colocandoas para secagem, a professora entregava-lhes jornais para serem picados para a produção de mais papel machê, ela me disse que esse deveria ser o tema de casa, porém, como eles não costumam realizar o tema, ela preferiu pedir a atividade no final do período, os alunos colocaram os jornais picados dentro de uma sacola e aos poucos foram organizando e limpando os materiais da aula. Faltando alguns minutos para o fim da aula, como de costume, a coordenadora de turno interrompeu a aula para perguntar quantos alunos iriam almoçar na escola, pois 52
muitos deles têm atividades no turno da tarde. Ela fez suas anotações e se retirou da sala. A agitação se estabeleceu novamente na sala, a professora mais uma vez pediu atenção para a realização da chamada, que foi rapidamente concluída. Os alunos, que já estavam com suas mochilas em mãos, se despediram de mim e da professora e saíram. Conversei mais um pouco com a Lucila e também me retirei da sala. A aula chegou ao fim.
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3.3.3 Observação silenciosa Escola 3 Visita à Fundação Iberê Camargo Dia 13.04.2013 Horário: 13h30min às 16h30min A visita à Fundação Iberê Camargo foi marcada para o dia 13 de abril (sábado) às 14h, o ônibus da Fundação chegou à Escola por volta das 13h10min, e grande parte dos alunos já aguardava a sua chegada. Juntamente com os alunos estavam: a diretora da escola, a coordenadora do turno da manhã, a professora de artes das oitavas séries e a professora Lucila, titular da turma em que estou estagiando. A convite da Lucila, o Fernando, meu colega da ULBRA, também estava presente. Por volta das 13h40min o grupo estava completo, a diretora autorizou a saída e então conduzimos os alunos para o interior do ônibus, dois alunos iriam nos encontrar na Fundação, um menino que iria junto com a família e uma menina da 8ª série que é cadeirante e necessitava do auxilio da família no transporte. A justificativa para a presença de outras turmas junto à visita se dá por conta do pequeno número de alunos em cada turma, fui informada então pela equipe educativa do Museu que eu deveria reunir um número maior de alunos para aproveitar o espaço no ônibus, foi uma boa oportunidade de reunir as turmas de 6ª, 7ª e 8º series, no total havia 27 alunos. Saímos da escola em direção à Fundação, o grupo manteve a ordem em todo o trajeto. Ao chegar à Fundação, descemos do ônibus e ficamos a espera do mediador Bruno, que foi ao nosso encontro acompanhado do intérprete de libras contratado pela Fundação. Enquanto aguardávamos alguns instantes para que os dois alunos que foram com suas famílias se juntassem ao grupo, percebi que os alunos estavam encantados, tanto com o entorno, quanto com o prédio da Fundação, o diálogo estabelecido entre eles relatava a beleza e as novidades que estavam experimentando. O Bruno nos conduziu ao interior do Museu e deu inicio às explicações referentes à segurança e organização durante nossa permanência no interior do prédio, ele explicou que iniciaríamos a visita pelo quarto andar, e na medida em que fossemos visitando os espaços iríamos nos deslocando aos outros andares até retornarmos ao saguão, os alunos permaneceram atentos às recomendações, mas assim que foram autorizados a levantar, um pequeno tumulto se estabeleceu. Alguns alunos apontavam 54
para todas as direções e, para obter a atenção dos demais, puxavam-nos pelas roupas ou braços. Seguimos em direção ao elevador e pouco a pouco fomos subindo até o 4° andar. Uma vez que estávamos todos reunidos, o mediador deu inicio as explicações referentes à exposição do artista sul africano William Kentridge, sempre acompanhado do intérprete que traduzia com rapidez e grande habilidade as suas explicações, os alunos o observavam com muita atenção e disciplina. O mediador nos convidou para assistirmos à primeira série de vídeos do artista, ele explicou que esses vídeos foram produzidos a partir das ilustrações que estavam expostas, um dos alunos questionou a respeito da classificação etária na entrada de uma das salas de vídeo, que permitia a entrada a partir de 16 anos, e grande parte do grupo possuía idade inferior à 15 anos. O mediador explicou que muitos desses vídeos possuem cenas de violência ou com conotação sexual, mas que pela sua experiência ele era capaz de saber que naquele exato momento não havia nenhuma cena imprópria. Entramos na pequena sala e permanecemos por volta de 7min observando os vídeos, os alunos estavam encantados com a beleza e riqueza da exposição, para a grande maioria, foi a primeira oportunidade de visitar um Museu com o auxílio de um intérprete, em todos os momentos eles expressavam através de gestos e sorrisos a satisfação que estavam experimentando. Sempre sob a orientação do mediador, saímos da sala e partimos para a observação dos desenhos expostos, o Bruno fez comentários a respeito das obras como o contexto histórico em que estavam inseridas e sobre o método de desenhar e apagar determinados elementos do desenho, processo no qual o artista produziu as séries de vídeos. Durante toda a visita os alunos permaneceram disciplinados e muito interessados tanto em observar as obras, quanto prestar atenção às explicações traduzidas pelo intérprete. Freqüentemente os alunos questionavam a mim, e as demais professoras que estavam no grupo, sobre os desenhos, muitos deles não sabiam da possibilidade de se realizar desenhos com carvão, essa técnica utilizada pelo artista chamou a atenção da maioria dos alunos, que perguntavam incessantemente como esse processo era realizado. Seguimos para o próximo andar onde haviam as esculturas produzidas pelo artista, a professora Lucila pediu minha atenção a essas produções, uma vez que o plano de ensino da sua disciplina prevê a produção dessa técnica. O mediador deu seqüência 55
às explicações e seguimos em direção ao andar em que estavam expostas as pinturas de Iberê Camargo, aqui os alunos não manifestaram o mesmo interesse demonstrado pelas obras anteriormente vistas, não fizeram nenhum questionamento e tampouco conversaram a respeito. Ao chegarmos nesse ponto da visita fomos informados de que nosso tempo já estava prestes a se esgotar, o mediador então fez algumas considerações sobre essas obras e seguimos em direção ao saguão do Museu. O mediador encerrou a visita agradecendo nossa presença e entregando o material pedagógico da exposição para a diretora da escola. Todo o registro fotográfico da visita ficou por minha conta e do Fernando, pois tivemos a preocupação em levar nossas câmeras fotográficas. Após o encerramento da visita encaminhamos o grupo ao ônibus, um dos alunos que havia ido com a família retornou no nosso ônibus e a menina cadeirante foi embora com a família. O ônibus retornou a escola por volta das 16h30min.
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3.3.4 Primeiro Encontro Aula(s) 1 e 2 Data da aula: 17/04/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: Obras do artista William Kentridge observados na visita à Fundação Iberê Camargo. Conteúdos: Movimentos através da construção e desconstrução de desenhos. Lista de Atividades: Leitura de imagens realizadas durante a visita; Análise das imagens fornecidas no material didático da exposição; Construção e desconstrução de desenhos. Objetivos: Observar a reação e questionamentos de cada aluno com relação à exposição; Provocar experiências sensoriais com relação às obras; Incentivar os alunos a produzirem obras em seqüencia. Metodologia: Aula teórica, expositiva e dialógica; Debates a partir das obras observadas; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Material didático da exposição; Folhas A4; Grafite, carvão e pastel oleoso. Avaliação: Interesse e disciplina durante a aula Participação nas discussões Comprometimento com relação à atividade proposta
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PLANEJADO: Com base na visita realizada na Fundação Iberê Camargo no dia 13 de abril, será perguntado aos alunos sobre suas experiências durante a visita. Questões como: você já havia visitado um museu de arte? Que sensações ou sentimentos você experimentou durante a observação das obras? Qual obra ou vídeo apresentado mais chamou sua atenção e por quê? Espera-se que a partir desses questionamentos surjam novas perguntas por parte dos alunos. A partir da observação das experiências de cada aluno, será proposta uma atividade prática em que serão utilizados os mesmos materiais que o artista trabalhou em suas obras: papel, grafite, pastel e carvão. A atividade busca a produção de um desenho com referência a uma obra significativa para o aluno. A relevância dessas obras deverá ser evidenciada por cada aluno. Questões como: Por que essa obra chamou sua atenção em particular; que elementos ou características você observou nessa obra, ou por que motivo você a escolheu para realizar essa atividade, devem ser realizadas durante a execução da atividade, além desses fatores, pretende-se também que o aluno desenvolva um trabalho marcado pela transformação, característica evidente na Obra de William Kentridge. Dessa forma, após a produção de cada desenho, que será fotografado, o aluno realizará as modificações através da substituição ou remoção de detalhes, dando movimento ao desenho. O desenho de cada aluno terá uma seqüência de três alterações. Esse movimento, além de referenciar as obras do artista, visa preparar os alunos para o estudo e entendimento dos processos artísticos trabalhados em obras contemporâneas.
“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994. Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
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“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994. Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Cambio. William Kentridge. 1999. Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
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“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994. Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Avanço Inexorável. William Kentridge. 2007. Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
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Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996, Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm. Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
Essas e outras imagens serão utilizadas juntamente com o material pedagógico fornecido pela Fundação. A retomada dessa leitura de imagens é essencial para que os alunos observem novamente os elementos e características que constam nas obras do artista, além de oferecer embasamento teórico aos alunos que eventualmente não comparecerem à visita.
REALIZADO Após a oração matinal, realizada todos os dias pela professora e alunos, fui novamente apresentada ao grupo como a professora responsável pelas próximas atividades. Eu estava um pouco tensa com o primeiro dia de atividade prática, tanto por conta do fato de ter de orientar uma turma em língua de sinais, quanto pela presença constante da professora dentro da sala, pois no inicio tive certa preocupação com relação ao meu desempenho diante dela. Para dar inicio as atividades fiz uma retomada das obras que havíamos observado durante a visita à Fundação, a professora Lucila e eu instalamos o data show ao meu computador e mostrei aos alunos uma grande quantidade de fotos que havíamos tirado durante a exposição. Os alunos ficaram empolgados ao ver as imagens, mostravam seus amigos e colegas de outras turmas que também participaram da 61
atividade. Comentaram a respeito da beleza das obras, dos movimentos que os desenhos possuíam nos vídeos e principalmente da vista observada através das janelas frontais do edifício. Por um instante interrompi a apresentação de imagens e perguntei do que mais eles lembravam nessa visita. Perguntei se eles lembravam as explicações do intérprete, alguns responderam que sim, mas não relataram a respeito, perguntei então sobre as cores observadas nos desenhos, quais cores eles haviam observado? Dessa vez as respostas foram objetivas: preto, branco, cinza, azul. Perguntei se alguém lembrava do vermelho, e mais uma vez não obtive retorno. Aos poucos fui relaxando e me sentindo mais confiante, a presença da professora não me perturbava mais, pois ela estava sentada em um canto da sala sem interferir no meu plano de ensino, apenas observava os alunos e, quando necessário, pedia disciplina aos mais agitados. Segui com a apresentação das fotos e logo em seguida parti para a apresentação de imagens das obras do artista, disse aos alunos que nossa atividade hoje seria a produção de desenhos com movimento, da mesma forma que o artista trabalhou para produzir seus vídeos. Utilizei também o material didático fornecido pela Fundação, selecionei algumas imagens e as distribuí sobre a grande mesa da sala de artes. Essas imagens ficaram a disposição dos alunos para consulta durante a execução da tarefa. Como havia sido solicitado pela escola, o fornecimento de todo o material utilizado durante as aulas seria da minha responsabilidade. Levei para essa prática duas caixas de pastel oleoso, uma caixa com 12 lápis 6B, uma caixa de carvão e folhas A3 de 75g. Fiz a distribuição do material aos alunos que rapidamente começaram a desenhar com lápis, observei que eles se interessaram pelos pastéis, mas ignoraram o carvão, então comecei a orientá-los um a um, fiz demonstrações de como o carvão possibilita a criação de várias nuances, ou até mesmo a remoção parcial ou total de seus traços, a partir daí ouve um interesse maior por esse material, o lápis então foi deixado de lado pela maioria.
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Turma 712 durante a atividade Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Alunos Douglas e Cristiano desenhando Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
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Desenho da aluna Carolina Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Desenho do aluno Tiago. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
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Desenho do aluno Douglas de 10 anos. Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Desenho do aluno Felipe. Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Percebi que durante a execução da tarefa os alunos em nenhum momento solicitaram a ajuda da professora, todas as suas dúvidas eram dirigidas a mim, como a utilização dos materiais e das cores e a semelhança dos seus desenhos com as obras do 65
artista. Como alguns deles, por diversas vezes, solicitaram a minha ajuda ao mesmo tempo, eu pedia que eles tivessem calma para que eu pudesse atendê-los em ordem. Para cada um que me mostrava um desenho quase pronto, eu apontava algum detalhe que poderia ser mais explorado, como os diversos tons de cinza obtidos com o carvão. Durante a execução da atividade, que estava sendo realizada com disciplina, a diretora da escola apareceu na sala para saber como estava sendo o meu primeiro dia prático, ela observou os desenhos dos alunos e me disse que prometeu ao Bruno que levaria os trabalhos até a Fundação para mostrá-los. Conversamos um pouco sobre o empenho dos alunos na tarefa e nos despedimos. Na medida em que os alunos concluíam a atividade eu ia explicando individualmente a proposta que seria realizada, fotografei os desenhos prontos e para minha surpresa, quando solicitei que as modificações fossem realizadas os alunos se negaram. Disseram que os desenhos estavam bonitos e parecidos com os originais e simplesmente não concordaram em realizar qualquer mudança. Percebi que na hora de agregar elementos eles o fizeram com total disposição, mas quando chegou a hora de retirar elementos, ou realizar uma modificação mais significativa, a solicitação havia sido negada. Eu não havia previsto essa possibilidade, porém na hora lembrei-me de como é difícil desconstruir algo que nos pertence. Eu não soube como lidar com a situação e minha alternativa foi pedir que um novo desenho fosse produzido a partir do primeiro, porém com algumas modificações, como substituição de cores e formas. Os alunos que finalizavam a atividade passavam para a realização do segundo desenho, que acabou não sendo totalmente concluído pela maioria. Faltavam alguns minutos para o término da aula quando a professora deu inicio à chamada, comecei a recolher os materiais e desenhos realizados e inacabados, como de costume a turma ajudou na organização e limpeza. Um pequeno tumulto se instalou em frente a pia da sala, pois como havíamos trabalhado com carvão os alunos precisavam lavar muito bem as mãos. Enquanto aguardavam a troca de período, já com suas mochilas em mãos, comecei a desligar o data show, que deveria ser entregue à coordenadora de turno. O sinal luminoso se acendeu, o período havia acabado, os alunos se despediram de mim e da Professora Lucila, que me acompanhou até o saguão da escola.
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3.3.5 Segundo Encontro Aula(s) 3 e 4 Data da aula: 24/04/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: Esculturas na Obra de William Kentridge Conteúdos: A produção de esculturas a partir da visão e descrição de outro observador; Como o artista criou uma representação de algo que não conhecia. Lista de Atividades: Produção de esculturas a partir dos elementos descritos pelos colegas; Elencar as características relevantes na descrição realizada pelos colegas; Executar uma obra a partir da observação de outro colega. Objetivos: Incentivar os alunos a observar a visão que o outro tem de um determinado objeto ou animal; Trabalhar através da escultura a construção de um objeto com características e elementos relevantes para outro observador; Expressar a percepção de outra pessoa. Metodologia: Aula dialógica e prática; Leitura de imagens das esculturas realizadas pelo artista; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Imagens em Data Show; Papel, jornais, arames, galhos secos, cartolinas, réguas, tesouras e lápis. Avaliação: Empenho na descrição dos elementos a serem criados pelo colega; Interesse em produzir a escultura a partir de uma descrição; Conclusão da tarefa proposta
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PLANEJADO: A aula será iniciada pela observação das esculturas produzidas pelo artista William Kentridge. Algumas dessas esculturas reproduzem animais africanos que foram esculpidos não a partir da observação visual do artista, mas a partir de sua observação nas descrições de alguém que observou esses animais de perto. Essa atividade, além de trabalhar as obras tridimensionais de William Kentridge, tem por objetivo incentivar os alunos a criar obras a partir da percepção de outra pessoa. Para essa atividade a turma será dividida em duplas, cada membro da dupla fará uma descrição e uma produção tridimensional. Embora o plano de ensino da escola tenha sido realizado em função da arte brasileira, a obra de Kentridge, que anteriormente foi trabalhada através de produções bidimensionais, agora será trabalhada através de suas esculturas, técnica prevista no planejamento de aula da sétima série, e que deveria fazer parte do meu plano de ensino. O trabalho de descrição de objetos com essa turma não será feito através de palavras, mas através da língua de sinais. Espera-se que os alunos usem sua percepção para descrever detalhadamente os elementos que observaram na obra do artista, e sua observação dessa descrição para se expressar através da matéria. Para essa atividade serão mostradas algumas imagens coletadas durante a exposição.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo Fonte: Danielle Schütz, 2013.
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Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo Fonte: Danielle Schütz, 2013.
REALIZADO Nesse dia encontrei-me com a professora no pátio interno da escola, os alunos já a aguardavam em fila para serem conduzidos à sala de artes visuais. Ao entrarem na 69
sala, os alunos colocaram seus materiais sobre a bancada e ocuparam seus lugares de costume, passamos então para a realização da nossa oração matinal. Após a oração, assumi a turma e dei inicio às atividades que eu havia planejado, retomei com os alunos as atividades que havíamos realizado na aula anterior, perguntei se todos haviam gostado e se alguém tinha sentido alguma dificuldade em realizar os desenhos do artista William Kentridge, os alunos foram unânimes ao dizer que haviam gostado de trabalhar com carvão e pastéis e que não tiveram nenhuma dificuldade com relação aos desenhos. Enquanto conversávamos a respeito da aula passada, a diretora da escola entrou na sala para verificar como estava o andamento da aula, ela me disse que o funcionamento das atividades com os alunos surdos era um pouco diferenciado com relação aos alunos ouvintes, isso porque com os surdos as atividades devem ser mais bem explicadas, sendo de fundamental importância incentivá-los a refletir sobre o porquê de determinadas práticas. Concordei com sua observação e novamente enfatizei que essa era uma das minhas preocupações durante a aula. Assim que a diretora se ausentou, segui com a aula dizendo aos alunos que iríamos estudar a respeito do mesmo artista da aula anterior, porém nossa prática seria em função de suas esculturas, como eu havia planejado, os alunos deveriam reunir-se em duplas para que cada um pudesse descrever as esculturas que tinham observado na exposição. Sugeri que as duplas sentassem de frente a frente, porém eles preferiram se sentar lado a lado. Após a organização do grupo, pedi que um dos integrantes da primeira dupla iniciasse a descrição da escultura que havia observado na exposição, identificando cada um dos elementos observados, enquanto isso, seu colega deveria prestar a atenção a essas descrições, a fim de construir uma escultura a partir da visão de outra pessoa. Normalmente peço aos surdos que executem os sinais com calma, pois somente assim consigo entendê-los, porém como se tratava da descrição para outro colega surdo, o primeiro aluno foi extremamente rápido em suas descrições, tive então de pedir que ele iniciasse novamente suas descrições, pois eu também precisava observá-las. O primeiro aluno seguiu minha recomendação, assim como os demais alunos da turma, todos descreveram calmamente suas visões a respeito das esculturas observadas, chamando a atenção para os detalhes que mais lhe chamaram a atenção. Alguns alunos foram mais específicos ao relatar a presença das cores pretas e brancas, outros descreveram os materiais utilizados pelo artista, como jornais, papelão e galhos de árvores, alguns 70
tiveram uma maior preocupação em descrever os arranjos que compunham as estruturas, mostrando como de fato eles acreditavam que elas haviam sido feitas. Por fim, dois alunos discordaram sobre a descrição de um mesmo objeto, fato que evidenciou as diferentes percepções que eles possuíam sobre uma mesma obra. Desse modo, a atividade proposta não apenas buscou o entendimento dos alunos com base na percepção dos colegas, mas também funcionou como um meio de cada um deles identificar e estruturar aquilo que observou.
Enquanto identificamos algo, algo também se esclarece para nós e em nós; algo se estrutura. Ganhamos um conhecimento ativo e de auto-cognição, uma noção que, ao identificar as coisas, ultrapassa a mera identificação. Em qualquer situação em que nos encontremos, por exemplo, haverão de surgir inúmeros dados, dos quais alguns talvez já nos sejam familiares, outros novos, alguns talvez desconexos, e outros até mesmo insólitos. (OSTROWER, 2012, pg. 57).
Passadas as descrições iniciais, coloquei sobre a mesa o material para a confecção das esculturas, imediatamente alguns alunos foram pegando esses materiais e iniciando a montagem das esculturas, duas duplas em especial chamaram a minha atenção: a primeira dupla foi extremamente rápida, dois meninos que possuem uma grande habilidade em construir objetos com formas bem definidas, assemelhando-se em muito com as obras do artista em questão; a outra dupla composta por uma menina e um menino, apresentou uma grande dificuldade em realizar a tarefa, os dois não sabiam por onde começar, percebi então que eles observavam os colegas que estavam trabalhando, porém não conseguiam sequer iniciar a montagem. Resolvi sentar junto deles e ajudálos a iniciar o trabalho, o menino disse que jamais ficaria igual à escultura do artista, expliquei a ele que essa preocupação era desnecessária, pois a escultura original funcionava apenas como um modelo, um ponto de partida para a execução do seu trabalho, e que mesmo que sua escultura ficasse totalmente diferente, ainda assim teríamos uma obra com valor especial, pois havia sido executada a partir da visão do aluno. Fato mais importante do que a semelhança com a obra original.
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Os alunos Vinicius e Cristiano durante a atividade. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
O aluno Douglas montando sua escultura. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
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Trabalho realizado pelo aluno Cristiano. Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho realizado pela aluna Carolina. Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Ao avaliar os resultados produzidos nessa aula, percebi que houve uma interação muito grande entre todos os alunos, eles sabem se comunicar muito bem entre si, sabem expressar com clareza tudo que sentem, pensam e observam. Essas habilidades, comum a todos os alunos dessa turma, foram evidenciadas no momento da descrição dos 73
objetos por eles observados. Além daquilo que viram - análise formal - suas opiniões pessoais como: “achei feio”, “achei horrível”, ou “não entendi o que é isso”- aspectos subjetivos – foram recorrentes durante o detalhamento. Esse era meu objetivo principal ao elaborar essa atividade, trabalhar a percepção dos alunos. De que modo eles interagem com o meio e de que forma expressam essa relação. Fiquei satisfeita com o resultado desse primeiro momento da aula. Analisando as produções artísticas, poderia dividir a turma em três grupos específicos: aqueles que executam a atividade sem questionamentos, como o aluno Douglas; aqueles que se sobressaem aos colegas em rapidez e habilidade, como o aluno Cristiano, e por fim aqueles que se julgam incapazes de realizar determinada atividade, como a aluna Carolina. Este último grupo é o que mais desperta meu interesse, por conta tanto da elaboração das atividades futuras, quanto da atenção que deverá ser dispensada a esses alunos. Não pretendo de forma alguma diminuir o nível de dificuldade das atividades práticas, mas pretendo trabalhar com esses alunos o desenvolvimento de suas inúmeras habilidades, mostrando-os que a produção de uma arte contemporânea não está focada na beleza e simetria das formas, embora esses atributos possam existir, mas essa arte possui maior valor pelos conceitos que carrega.
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3.3.6 Terceiro Encontro Aula(s) 5 e 6 Data da aula: 08/05/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: O processo criativo na arte contemporânea. Conteúdos: Estudo da Obra do artista William Kentridge; Estudo comparativo com as obras do artista brasileiro José Leonilson Bezerra Dias; Os diferentes tipos de processos criativos; A importância das diversas etapas do processo criativo. Lista de Atividades: Leitura de imagens com ênfase nas diversas etapas de sua construção; Trabalhar a construção de uma obra contemporânea; Construir obras contemporâneas individuais. Objetivos: Trabalhar com os alunos as diversas etapas de um processo artístico; Produção de um trabalho em que o produto final apresente os vestígios de sua construção; Criação de obras a partir da pintura e do desenho. Metodologia: Aula teórica, expositiva, dialógica e prática; Debates a partir das leituras de imagens; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Data show Imagens impressas; Papel A3, grafite 6B, pincéis e tinta guache. Avaliação: Os alunos foram capazes de identificar os diferentes processos artísticos usados pelos artistas; 75
Os alunos demonstraram interesse pela construção de uma obra em etapas; O produto final dessa atividade apresentou as diversas etapas de sua produção. PLANEJADO: Nessa aula será iniciado o estudo da arte brasileira, conforme previsto no planejamento da escola. Este tema será trabalhado a partir da Obra do artista contemporâneo brasileiro José Leonilson Bezerra Dias. A aula terá inicio com a apresentação de algumas das imagens já trabalhadas pela turma, como as do artista Sul africano William Kentridge. A partir daí, serão propostas algumas questões como: quais aspectos ou elementos constantes nessas obras mais chamaram sua atenção? Você encontrou alguma dificuldade ao reproduzir os desenhos e esculturas desse artista? Você observou qual o processo que o artista utiliza para construir suas obras? Poderia descreva-los? Que outros processos você acredita que possam ser usados na arte contemporânea? A partir desses debates, será introduzida a Obra do artista Leonilson, de forma comparativa serão estudados os seus processos de produção artística, bem como a introdução de palavras que complementam o sentido de suas obras. As leituras de imagens serão feitas observando-se os aspectos formais das obras, bem como os seus elementos subjetivos, que devem ser baseados nas experiências vividas por cada aluno, bem como suas lembranças e seus significados adquiridos. Espera-se que as reflexões sobre o trabalho de Leonilson possam ajudar os alunos a produzir trabalhos artísticos a partir de vínculos afetivos, de emoções e sentimentos, que podem ser expressos de diversas formas, principalmente através do uso de palavras. Partindo para a atividade prática, será proposta a realização de um trabalho bidimensional, enfatizando a idéia de que processo artístico e obra são a mesma coisa. Busco com essas reflexões ajudar os alunos a valorizar o processo artístico que fica marcado na obra, e também o desenvolvimento da percepção de seus próprios percursos internos, demonstrando assim de que forma suas emoções são trabalhadas através da arte.
Dentre as obras que serão analisadas, destacam-se:
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Os pensamentos do coração. Leonilson, 1988. Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
“Puros e duros”. Leonilson, 1991. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994. Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Cambio. William Kentridge. 1999. Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
REALIZADO Nesse dia cheguei na escola um pouco mais cedo do que de costume. Fui então me encontrar com a professora Lucila na sala dos professores, como faltavam alguns minutos para o inicio do primeiro período, aproveitei para conversar um pouco com outras professoras que ainda estavam na sala. Passados alguns instantes, a professora Lucila e eu fomos até o pátio interno da escola, onde os alunos sempre aguardam a chegada de seus professores. Algumas crianças de outras turmas sempre me cumprimentam, chegando até a mencionar a visita que fizemos à Fundação, isso me 78
deixa muito feliz, pois mais uma vez percebo o quanto esse evento foi significativo para eles. Ao chegar à sala de aula, e após realizarmos a oração, os alunos organizaram-se em seus lugares, nesse momento a responsável pelo audiovisual entrou na sala para instalar o projetor, enquanto aguardávamos, a professora Lucila e eu começamos a forrar a mesa com jornais, pois nossa atividade seria realizada com tintas guache e nanquim. Dei inicio à leitura de imagens das obras do artista Leonilson. Em cada uma das imagens, eu mantive sempre a preocupação de focar minhas explicações no processo artístico, tema do meu plano de aula. Antes de iniciar a leitura de imagens do artista William Kentridge, pois minha intenção era traçar um paralelo entre os diferentes processos criativos desses artistas, interrompi a apresentação de imagens por alguns instantes para tentar propor algumas questões. Perguntei à turma se eles achavam importante que uma obra de arte apresentasse as marcas das etapas de sua criação. Acredito que não me expressei de maneira clara, pois não obtive resposta, apesar de insistir um pouco, tentei perguntar novamente a cada aluno, mas as respostas não foram muito diferentes. Alguns deram com os ombros, outros disseram que não sabiam, e apenas uma menina respondeu que não. Para confirmar sua resposta afirmei novamente se ela acredita que as marcas do processo não deveriam aparecer na obra. Apesar de manifestar um pouco de insegurança em sua opinião, ela novamente disse que não podia aparecer nada. Nesse momento fiquei frustrada, senti certo bloqueio, não estava sabendo me expressar, ou pior ainda, eu não estava sabendo estabelecer um diálogo com a turma. Respirei fundo e tentei pensar rápido, pensei na orientação anterior de estágio e foquei na idéia de que estou lidando com pessoas que não haviam estudado essas questões de forma aprofundada, eu precisava ensiná-los levando em consideração suas experiências de vida, bem como suas memórias e na bagagem cultural. Controlei um pouco a minha ansiedade e formulei uma nova questão: Quando vocês desenham com grafite e apagam algumas marcas com borracha, vocês se preocupam em apagar bem? A resposta foi unânime. Todos disseram que sim. Perguntei então porque as marcas anteriores não poderiam aparecer? Lembrando a todos eles que no nosso primeiro encontro estudamos os desenhos de William Kentridge, em que essas marcas apagadas eram identificáveis. Novamente o silencio se instaurou. Segui com as explicações, buscando cada vez mais obter respostas e novos questionamentos, a essa 79
altura eu já não estava mais focada na leitura de imagens, e sim em retomar as aulas anteriores, pois para mim a questão dos desenhos de William já havia sido trabalhada e esclarecida, porém com o diálogo que se apresentou nessa aula eu comecei a questionar os resultados anteriores. Lembrei então que na primeira atividade os alunos se negaram a apagar seus desenhos, essa resistência à transformação estava novamente em evidencia. Faço uma breve reflexão acerca do meu desempenho, acreditei que o processo artístico dessa aula estaria bem fundamentado, pois na primeira aula havíamos trabalhado bem esse tema. Não sei se o rendimento da primeira aula não foi tão satisfatório como eu havia acreditado, ou se ao longo da semana os alunos já não estão mais focados no assunto, a ponto de ser necessária a realização de uma retomada das aulas de forma mais aprofundada. Dei uma breve retomada na leitura de imagens, pois eu precisava iniciar a atividade prática. Distribui o material aos alunos, perguntei se eles conheciam ou já haviam usado tinta nanquim. Eles responderam que não. Então preparei a tinta com diferentes concentrações de água e fiz algumas demonstrações dos efeitos e tonalidades. Os alunos se interessaram bastante já foram selecionando seus pincéis para trabalhar. Na verdade essa turma aprecia muito mais as atividades práticas, observei que a teoria e as reflexões não são muito relevantes para eles, porém eu precisava abordar o tema antes de iniciar a prática. Antes de iniciar a prática, enfatizei novamente que deveríamos trabalhar o processo artístico, relacionar o movimento de Kentridge, com a sensibilidade da turma.
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Alunos da turma 712 Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Desenho do aluno Giovani Fonte: Danielle Schütz
Perguntei ao aluno Giovani por que ele colocou essas linhas ao redor do piano, (Piano da obra: Quem morre comigo, Leonilson), e onde estava a relação com o movimento da obra de Kentridge? O aluno respondeu que a música do piano serve para
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dançar. Ele fez a relação instrumento musical (Leonilson) com o som e a dança (movimento de William Kentridge). Embora muitos surdos não consigam escutar música com a mesma equalização que os ouvintes, eu já observei que eles apreciam muito os temas música e som. Certo dia minha afilhada, que é surda, me disse que a música lhe dava sono, perguntei como isso era possível, e ela me explicou que a vibração sonora é captada, eles são capazes de dançar apenas pela vibração do som, sem terem de ouvir os acordes ou a letra da música. A frustração que experimentei no inicio da aula foi dando lugar à satisfação. Ao observar os resultados da atividade prática fui percebendo que, embora os alunos não tivessem respondido as questões da forma como eu esperava, eles haviam captado a idéia de processo, eles relacionaram as obras dos artistas e fizeram observações muito interessantes.
Trabalho da aluna Carolina Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Eu já havia observado que a aluna Carolina gosta muito de corações, em seus trabalhos ela sempre procurou inserir um coração, mesmo que isso não tivesse relação com a atividade. Quando mostrei a imagem da obra: “Os pensamentos do coração” de Leonilson, percebi pelo seu interesse que essa seria sua obra favorita. Ela fez uma reprodução da obra do artista, mas sem deixar de lado a questão do movimento. Ela me questionou se poderia desenhar o fundo da obra com três lápis vermelhos na mão, eu 82
disse a ela eu sim, mas que seria importante ela dar movimento ao desenho. Ela então segurou os três lápis na mão e foi riscando o fundo da obra. Ali estava o movimento, ela manteve a cor do fundo que aparece na obra original, mas o fez com movimentos repetitivos. Gostei dos traços da borda do desenho, além da sensação de movimento eles dão também uma idéia de volume. Fazendo uma análise geral da aula, percebi que as questões teóricas, trabalhadas no primeiro período, foram bem representadas durante as atividades práticas, os alunos produziram trabalhos com base nas características dos artistas apresentados, a questão do movimento ficou evidenciada em todas as produções, os alunos tiveram uma clara preferência em elaborar desenhos a partir das obras de Leonilson, utilizando apenas alguns elementos das obras de Kentridge. Acredito que eles tenham sentido uma maior proximidade com as obras de Leonilson pois os alunos surdos, não apenas dessa turma, são muito sensíveis, eles demonstram muito carinho pelas pessoas, até mesmo pelas estranhas, e um desejo de expressar seus sentimentos, de se relacionar e de criar vínculos afetivos. Acredito que a grande carga emocional presente na Obra de Leonilson produziu bons resultados nessa turma, pois ao comparar essas atividades, com as realizadas exclusivamente a partir das obras de William Kentridge, percebi um maior comprometimento da turma com a execução dos trabalhos, além da preferência pelas obras de Leonilson. Fiquei muito satisfeita com os resultados.
Criar é tanto estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados e é transmiti-los. Ao criar, procurarmos atingir uma realidade mais profunda do conhecimento das coisas. Ganhamos concomitantemente um sentimento de estruturação interior maior; sentimos que nos estamos desenvolvendo em algo essencial para o nosso ser. Daí se torna tão importante, para o artista ou para qualquer pessoa sensível, saber do trabalho de outros, ter contato com seres criativos, não no sentido de uma rivalidade, mas no sentido de um crescimento interior que também em nós se realiza quando podemos acompanhar a realização de outro ser humano. (OSTROWER, pg. 143, 2012).
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3.3.7 Quarto Encontro Aula(s) 7 e 8 Data da aula: 15/05/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: A escultura na arte contemporânea; Conteúdos: A produção de obras tridimensionais a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson; Estudo da relação entre palavras e imagens na obra de Leonilson; Breve discussão introdutória sobre o elemento costura na obra do artista; Lista de Atividades: Leitura de imagens; Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson; Produção de esculturas em papel machê. Objetivos: Construir obras tridimensionais a partir de obras bidimensionais; Relacionar as obras do artista com suas produções; Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras. Proporcionar aos alunos um breve contato com as obras que envolvem costura, a fim de introduzir o próximo tema a ser trabalhado. Metodologia: Aula teórica, expositiva e dialógica; Debates a partir das obras observadas; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Imagens em Power point; Papel machê; Avaliação: Criatividade na elaboração de um objeto contemporâneo; Capacidade dos alunos em construir obras tridimensionais a partir de obras bidimensionais; 84
Qual o entendimento dos alunos sobre o uso de palavras na obra de Leonilson;
PLANEJADO: A aula terá inicio com a leitura de imagens do artista José Leonilson Bezerra Dias. Novamente serão discutidos os elementos formais, visando desenvolver a capacidade dos alunos de identificar e descrever os elementos que compõem uma obra de arte. Alguns aspectos subjetivos também serão discutidos. Os sentimentos, emoções e paixões que o artista evidencia em suas obras devem ser discutidos com bastante atenção, procuro mostrar aos alunos a importância de saber lidar com suas próprias emoções, podendo assim expressá-las através da arte. Aliados a esses sentimentos e às vivências de cada um, os alunos serão motivados a escolher uma obra do artista para ser trabalhada. Espera-se que os alunos se identifiquem com as imagens selecionadas por eles não apenas utilizando o critério visual, mas também pela relação sentimental que a obra lhe desperta, sendo que essa escolha deverá ser justificada pelo aluno. Questões como: o que essa obra significa para você? Você sentiu algo especial ao se deparar com essa obra? Caso tenha sentido, você poderia descrever essa sensação? Que elementos dessa obra você escolheria para produzir uma escultura? Acredita-se que essa atividade é um excelente meio de trabalhar as emoções dos alunos, através da arte desse artista, conhecido pelo valor romântico e sentimental de suas obras. Espera-se que os alunos consigam se identificar com os valores presentes nas obras de Leonilson, e produzir um objeto tridimensional a partir de elementos extraídos da obra de Leonilson;
Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
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“Puros e duros”. Leonilson, 1991. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
“O mentiroso. Leonilson. 1992. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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José Leonilson Bezerra Dias. O inflexível, 1983. Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992. Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br
REALIZADO Nesse dia cheguei cedo à escola e fui direto à sala dos professores, conversei um pouco com a professora de artes visuais da 6ª, ela me contou a respeito das atividades que realizou na sua turma com o material didático fornecido pela Fundação. A professora Lucila e eu nos retiramos da sala e fomos em direção ao pátio interno da escola. Os alunos já estavam reunidos esperando para serem encaminhados à sala de artes visuais. Um dos alunos me perguntou por que eu carregava tantos pacotes e até mesmo um balde, respondi a ele que estava levando os materiais para fazermos esculturas, ele ficou feliz pois disse que não gosta de desenhar. Eu já havia observado a preferência da turma pelos trabalhos tridimensionais, porém elaborei as três primeiras aulas baseada na proposta triangular de Ana Mae 87
Barbosa. Iniciei as aulas a partir da leitura de imagens, como forma de explicar os processos artísticos dentro da arte contemporânea, e parti para a produção de desenhos, que além de reproduzir o tema estudado em aula, também expressou as observações feitas na Fundação Iberê Camargo. Nem a arte-educação como investigação dos modos pelos quais se aprende arte, nem a arte-educação como facilitadora entre a arte e público podem prescindir da inter-relação entre história da arte, leitura da obra de arte e fazer artístico (BARBOSA, 1992, pg 32).
Levando em conta a preferência dos alunos, e principalmente a proposta pedagógica da escola, as atividades práticas baseadas na produção de esculturas tiveram inicio nessa aula. Através da produção de esculturas em papel machê, os alunos tiveram de produzir objetos que expressassem valores e sentimentos importantes para cada um deles, para essa atividade foram utilizadas imagens do artista Leonilson, expliquei à turma que os trabalhos desse artista possuem grande carga emocional, que ele os produziu durante um profundo contato interior. Um aluno então disse que o artista “fez de coração”, eu concordei com sua afirmação e enfatizei que essa era a proposta da aula: fazer de coração, e fazer com alma, expressar através da arte algo muito significativo para cada um deles. Expliquei à turma que os trabalhos do artista funcionavam como um ponto de partida para que eles tomassem uma postura sensível para consigo próprios durante a aula, e que suas produções não necessariamente deveriam ser parecidas com as de Leonilson. Os resultados superaram minhas expectativas, comparando essa prática com as anteriores, observei o comprometimento dos alunos com a atividade proposta. Quando realizam desenhos, os alunos ficavam inquietos, e sempre havia algum tipo de conversa paralela, durante a produção das esculturas, os alunos ficaram muito concentrados em moldar o papel machê, eles próprios regulavam a quantidade de cola e recorreram a objetos diversos, como régua e pincéis, para moldar e criar relevos. O assunto dos poucos diálogos que observei referia-se à própria atividade. Acredito que grande parte desse entusiasmo seja por conta da preferência geral pela escultura, porém considero que ao trabalhar a leitura de imagens de Leonilson de uma forma um pouco mais simplificada, enfatizando não apenas as características da Obra, mas principalmente o caráter sensível e romântico da personalidade do artista, consegui atingir um grau maior de entrosamento da turma com a atividade.
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Grande parte dos alunos produziu objetos muito significativos para cada um deles, objetos que demonstravam algum tipo de vínculo afetivo e que apesar de possuírem elementos presentes, ou com algum tipo de conexão com a obra de Leonilson, traduziam elementos muito particulares de cada um. Um aluno disse ter se inspirado na obra “Quem morre comigo” para realizar sua escultura. Trata-se da pintura de um piano que, segundo o aluno, equivale a um violão. Perguntei a ele o porquê dessa relação. Ele me respondeu que seu irmão possui um violão, e que quando se reúnem em família é comum a união em torno do instrumento. Era nesse ponto que eu queria chegar, o aluno foi capaz de expressar algo significativo em sua vida a partir da inspiração da obra de Leonilson. O violão esculpido não apenas se relaciona com o piano por que ambos produzem som, mas porque também significa a união familiar para o aluno.
Trabalho do aluno Douglas Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Não pude deixar de perceber que o aluno Pedro produziu um objeto que ele já havia citado durante a oração matinal. Como cada aluno faz seus pedidos e agradecimentos, o Pedro pediu pelo mundo todo, desejando paz, alimento e saúde. Esse pedido se manifestou claramente em sua escultura, percebi então que as explicações sobre realizar os trabalhos com o coração haviam sido consideradas.
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Escultura produzida pelo aluno Pedro Fonte: Danielle Schütz, 2013.
A cada prática aplicada com base nas obras de Leonilson percebo que consigo me aproximar mais dos alunos, considero que, ao mostrar aos alunos a sensibilidade que o artista demonstra em suas criações, estreitamos nossa relação afetiva. Os alunos passaram a demonstrar um interesse maior pelo artista, enxergaram no Leonilson essa sensibilidade, que eu tanto quis trabalhar com eles, ficou evidente nas produções realizadas pela turma, todos os trabalhos apresentavam características da personalidade e dos vínculos afetivos que cada aluno traz consigo. Os vínculos familiares foram abordados na grande maioria das produções, os alunos deixaram claro o quanto a relação familiar é importante para eles. Muitos alunos surdos vêm de famílias de pessoas ouvintes, fato que faz com que as famílias tenham de se adaptar à realidade dos filhos. Os alunos dessa situação demonstram claramente uma gratidão aos seus familiares. Tive a oportunidade de conversar com alguns pais e mães de alunos surdos que me relataram a respeito das mudanças pelas quais passaram em suas vidas, principalmente com relação à língua de sinais que tiveram de aprender. Outra situação que estreita esse vínculo familiar é a dos alunos surdos que nasceram de pais surdos. Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde, 5,1% da população brasileira possui deficiência auditiva severa, equivalendo em números a 344,2 mil pessoas, distribuídas em pequenas comunidades pelo país. Essa estatística 90
mostra que a quantidade de surdos no país é pequena, fato que acaba limitando as relações de surdos com ouvintes por conta da necessidade do uso da língua de sinais ou de intérpretes, nem sempre acessíveis a todos. Resta aos surdos então se manterem de certo modo “fechados” entre si, sem estreitarem suas relações com os ouvintes. Gostaria de usar a arte para tentar mudar essa realidade, ao menos dentro da turma em que estou estagiando.
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3.3.8 Quinto Encontro Aula(s) 9 e 10 Data da aula: 21/05/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: A escultura na arte contemporânea brasileira; Conteúdos: A produção de objetos a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson; O valor sentimental presente nas obras de Leonilson; Lista de Atividades: Leitura de imagens; Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson; Produção de esculturas com base de massa e cola. Objetivos: Construir obras tridimensionais utilizando pelo menos uma característica mostrada na Obra de Leonilson; Relacionar as obras do artista com suas produções; Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras. Metodologia: Aula teórica, expositiva e dialógica; Debates a partir das obras observadas; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Imagens em Power point; Arame, fita adesiva, rolo de gaze engessada. Avaliação: Criatividade na elaboração de escultura; Capacidade dos alunos em extrair elementos da Obra de Leonilson para a construção de objetos; Qual a relação que os alunos fizeram entre suas produções e as produções do artista.
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PLANEJADO: A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas produzidas pelo artista José Leonilson Bezerra Dias. Serão propostas questões como: Você pode fazer alguma comparação entre essas as esculturas e os outros trabalhos de Leonilson mostrados nos últimos encontros? Você identificou alguma diferença ou semelhança significativa? Poderia explicar que diferenças ou semelhanças você observou? No encontro anterior trabalhamos esculturas a partir de obras bidimensionais. Na aula de hoje serão produzidas esculturas a partir de obras tridimensionais, realizadas pelo mesmo artista, portanto com os mesmos valores subjetivos tais como: presença de grande carga emocional; processos artísticos que se desenvolvem com base nas paixões e sentimentos experimentados pelo artista. Essa leitura de imagens será utilizada para dar ênfase aos valores sentimentais presentes na obra do artista, esse tema está sendo abordado de forma repetitiva em alguns planejamentos de aula, isso porque essas características são consideradas extremamente relevantes, tanto no entendimento dos valores implícitos na Obra de Leonilson, quanto nas produções dos alunos. Incentivar os alunos a desenvolver um olhar cuidadoso, não apenas com relação aos elementos formais, mas também com os valores implícitos na obra, é um excelente meio de ajudá-los a realizar leituras de imagens diversas, relacionadas com todas as áreas de suas vidas, não apenas com relação à arte. Os objetivos dessa aula se assemelham muito com os das aulas anteriores, pois a insistência em fazer com que os alunos se mostrem através da arte é o meio pelo qual eles são motivados a trabalhar os próprios sentimentos. Os alunos serão motivados a identificar os elementos formais das imagens apresentadas, uma vez que esse exercício já foi realizado em outras aulas, torna-se mais fácil pedir à turma que realize essa leitura. Os elementos subjetivos que deverão aparecer nos trabalhos da turma não se referem somente às obras de Leonilson, mas espera-se que os alunos consigam representar suas próprias características e personalidade nos objetos produzidos. As imagens de um artista, considerado autobiográfico por alguns autores, pretendem também motivar os alunos a relacionar a materialidade das obras com o seu significado implícito. A observação dos diferentes materiais utilizados nas esculturas de Leonilson produz que sentimentos no expectador? A leitura de imagens realizada de forma
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comparativa será um meio de propor aos alunos uma análise que envolve: o valor estético com relação às emoções que estão sendo traduzidas. Os alunos não irão escolher uma imagem como ponto de partida para a confecção de seus trabalhos. Quero com isso evitar que apareçam cópias das obras do artista, os alunos deverão seguir apenas o modo pelo qual o artista se expressa. Através das emoções, paixões e sentimentos.
Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
“Sagrado coração, 1991. Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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Escadinha, 1991. Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992. Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br
REALIZADO A aula teve inicio como de costume, encontrei-me com a professora e os alunos no pátio interno da escola. Fomos para a sala de artes e realizamos nossa oração matinal. Antes de iniciarmos as atividades, a professora Lucila fez uma breve explicação sobre um acontecimento que iria acontecer na escola. Nesse dia os alunos iriam receber a vacina contra gripe, ela perguntou se algum deles já havia se vacinado, apenas um aluno respondeu que sim, outros questionaram a professora pedindo mais detalhes sobre o fato, ela disse apenas que a vacina causava dor no braço e, em algumas
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pessoas, reações como febre e mal estar. A breve discussão se encerrou e eu assumi a turma. Forramos a grande mesa da sala com jornais, pois hoje faríamos esculturas com massa de farinha e cola. Eu havia realizado a preparação dessa massa em casa, calculei aproximadamente dois quilos, sabendo que possivelmente a turma não usaria toda essa quantidade, porém eu não queria correr o risco de ficar sem matéria para a produção dos trabalhos, além disso existem alguns alunos nessa turma que são extremamente rápidos e caprichosos na produção de esculturas, de modo que quando terminam a atividade antes de seus colegas eu aplico uma nova tarefa, pois não poderia deixá-los parados. Antes de iniciar a prática, propus aos alunos uma reflexão sobre as atividades da aula anterior, perguntei o que eles lembravam sobre as atividades realizadas até o momento. Um menino descreveu os desenhos e esculturas de William Kentridge, demonstrando sua grande preferência pela escultura. Outros dois alunos concordaram com ele, dizendo que não gostavam de desenhar. Perguntei então o que eles pensavam sobre as leituras de imagens, perguntei se eles achavam importante fazermos essas leituras antes de iniciarmos as práticas. Um menino respondeu dizendo que preferia iniciar direto com as esculturas, e o restante da turma concordou com ele. Essa resposta me deixou um pouco preocupada. Isso porque, partindo do principio de que era de fundamental importância ler as imagens, pois só assim poderíamos extrair e utilizar os elementos da obra do artista, os alunos deveriam apresentar maior entendimento a respeito dos momentos iniciais da aula. Fazendo essa análise me pergunto onde eu poderia estar errando nesse aspecto, se eu por acaso estaria sendo pouco objetiva, ou muito rápida nas explicações a ponto deles não demonstrarem interesse nessas leituras. Ou se de fato os alunos se importavam apenas com o momento prático da aula de artes. Fato que poderia não ter relação com o meu desempenho. Como meu planejamento envolve a produção de trabalhos a partir das emoções e sentimentos experimentados por cada aluno, esse aspecto deveria ser bem trabalhado a ponto de não restarem dúvidas a respeito das aulas anteriores. Dessa forma torno a insistir na leitura de imagens que privilegia esse aspecto das obras. Os alunos dessa turma são muito educados, e embora não sinta que não consigo atrair totalmente a atenção deles, percebo que minhas explicações ainda assim são consideradas pelo grupo. Porém, na hora das reflexões, é preciso muita insistência da minha parte para conseguir obter respostas, percebo que os alunos estão mais curiosos a respeito do material que irei fornecer do que propriamente nas explicações. Eu havia 96
percebido esse comportamento nas primeiras práticas de ensino, porém nos demais encontros tudo pareceu correr normalmente, exceto por esta aula, em que notei uma grande dispersão do grupo durante as leituras de imagens. A professora Lucila já havia me dito que esta turma aprecia somente as práticas em sala de aula, mesmo com esse fato, mantive firme o meu propósito de aplicar a aula expositiva, não queria de forma alguma aplicar a pratica simplesmente para cumprir meu planejado. Insisti nas reflexões sobre as imagens apresentadas, fiz algumas perguntas ao grupo, tais como: Cite o elemento mais importante que você identificou nas imagens de arte contemporânea. Observe os trabalhos que você produziu e diga se existe algum desses elementos em suas produções. Os alunos manifestaram empolgação em poder comparar seus trabalhos com os do artista, identificaram semelhanças de cores e tamanho, mas ao perguntar sobre as diferenças principais eles apresentaram certa dificuldade. Percebi que este deveria ser um item mais trabalhado durante a aula expositiva. Partindo para a execução das atividades práticas, os alunos rapidamente se interessaram pelo material que disponibilizei, eles rapidamente começaram a dar forma à massa, conversavam ente eles sobre as quantidades e peso que cada um tinha nas mãos. Enfatizando o tema das esculturas, paixões, emoções e sentimentos que Leonilson emprega em suas obras, tentei propor a tarefa sem deixar nenhuma imagem à mostra, minha intenção com isso era evitar a produção de cópias, fato que ocorreu com certa freqüência nos últimos encontros. Inicialmente consegui evitar as cópias, e consegui ainda uma aproximação maior com os alunos, uma vez que sem imagens eles me solicitaram praticamente durante toda a aula. pediam opinião e sugestões sobre as esculturas, segui dizendo que o mais importante era produzir um trabalho que contivesse suas marcas e características, e que deixasse à mostra os sentimentos que estavam experimentando. Um dialogo discreto se estabeleceu entre dois alunos, não quis interromper, pois queria prestar atenção em suas idéias, eles combinaram entre si que fariam suas próprias figuras, achei interessante essa troca, pois em momento nenhum eu disse que o trabalho poderia ser realizado em duplas, porém essa iniciativa me deixou bastante satisfeita, os resultados foram muito interessantes, a figura humana da próxima imagem, apesar de não ser uma cópia, apresenta grande semelhança com os rostos desenhados por Leonilson. E a aluna Carolina, que sempre expressa seu lado romântico através do excesso de corações em suas produções, deixou essa característica mais uma vez a 97
mostra, considero que ela é uma das alunas que mais chegou perto da proposta da aula, ela produz os trabalhos solicitados, mas sempre coloca um toque muito particular, e quem a conhece, rapidamente identifica seu trabalho. Já o trabalho do aluno Giovani é um exemplo de produção que revela seu gosto por cavalos, não evidenciando nenhum traço da Obra de Leonilson.
Escultura feita pelo aluno Thales Fonte: Danielle Schütz, 2013.
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Trabalho produzido pela aluna Carolina Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho do aluno Giovani Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Avaliando as produções da turma, considero que avancei em relação às aulas anteriores, pois me aproximei mais dos alunos na medida em que eles se sentiram à vontade em colocar sentimentos em suas obras. Todo processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais, fatores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, repetimos, em nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não existe. Vale dizer então que a criação exige do individuo criador que atue.
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Atue primeiro e produza. Depois o trabalho poderá ser avaliado com critérios e interpretações. (OSTROWER, PG. 71, 2012)
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3.3.9 Sexto Encontro Aula(s) 11 e 12 Data da aula: 29/05/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: Esculturas contemporâneas Conteúdos: Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas; Materiais não artísticos utilizados nas esculturas contemporâneas; Comparativo entre as esculturas de Leonilson e de dois escultores brasileiros contemporâneos; Lista de Atividades: Leitura de imagens de esculturas contemporâneas brasileiras; Produção de esculturas que contemplem pelo menos uma característica contemporânea; Objetivos: Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas; Motivar os alunos a identificar características contemporâneas nas esculturas de diferentes artistas brasileiros; Incentivar os alunos a produzir esculturas que contenham algum elemento presente nas imagens observadas; Metodologia: Aula expositiva e dialogada; Leitura de imagens; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Imagens em Power point; Imagens de processos criativos de esculturas; Argila. Avaliação: Demonstração de interesse durante a leitura de imagens; Participação nas discussões propostas durante o debate; 101
Participação na elaboração de questionamentos referentes ao tema; Conclusão da atividade prática proposta em aula. PLANEJADO: A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas dos artistas Leonilson. Em comparação com suas obras serão analisadas as produções de outros dois escultores brasileiros que produziram obras contemporâneas: Francisco Stokinger e Vasco Prado. Serão propostos alguns questionamentos tais como: Que elementos existentes nas obras desses três artistas você identifica com mais facilidade? Quais as semelhanças e principais diferenças que você identifica entre as obras desses artistas? Com base nos estudos acerca do processo artístico, defina como você acredita que funciona o processo criativo desses dois novos artistas apresentados. Você observa alguma característica nessas obras que poderia ser oposta às características de uma obra contemporânea? O objetivo primeiro dessa aula é motivar os alunos a identificar semelhanças e diferenças entre esculturas de diferentes artistas. O planejamento que envolve a Obra de Leonilson necessitou entrar pelo caminho da escultura, em função do planejamento de ensino da escola. Essa pode ser uma boa oportunidade para trabalhar características presentes na Obra de Leonilson, e que também constam na Obra outros escultores brasileiros. Os alunos já realizaram diversos tipos de leituras de imagem, e podem ser levados a identificar muitos elementos de forma comparativa entre as obras. Espera-se que os alunos não percam de vista às produções com base nos valores sentimentais, utilizados por Leonilson, porém agreguem a esses valores outras características do processo artístico desses escultores. O material oferecido aos alunos para a produção de suas obras é argila, pretende-se com isso proporcionar uma variedade de materiais para as produções dos alunos, de modo que se torne possível trabalhar esculturas com uma maior diversidade de matéria prima. Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
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Espadinha. Escadinha. Sagrado Coração: 1991. Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/ O material utilizado para a produção dessas obras, bronze fundido, também aparece nas obras de Vasco Prado e Xico Stokinger. Esses dois artistas possuem obras em barro (material que será utilizado nesse plano de aula), e embora Leonilson não possua produções nesse material, as características de seu trabalho poderão ser incorporadas nas produções dos alunos.
Esculturas em mármore, aço e ferro de Xico Stokinger
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
Espera-se que os alunos identifiquem as similaridades entre essas obras, tais como origem dos materiais utilizados. Alguns questionamentos serão propostos: você identifica alguma relação entre os artistas, e se existem, quais são elas? As obras de Leonilson apresentam características de seu processo, marcado pelo sentimento e pelas paixões que fizeram parte de sua vida. Você acredita que as obras dos demais artistas também possuem essa qualidade? Que qualidades ou elementos estão presentes nas obras de Stokinger e de Vasco Prado? Esses elementos também constam nas obras de Leonilson? Você conseguiria apresentar essas qualidades em seu trabalho de aula?
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REALIZADO Encontrei-me com a professora de artes no saguão da escola por volta das 7h30min, conversamos um pouco a respeito das atividades planejadas para o dia e seguimos ao encontro da turma. Os alunos já nos aguardavam no pátio interno da escola. Em ordem, seguimos para a sala de artes visuais e, como de costume, realizamos nossa oração matinal. A professora Lucila me entregou sua turma para que eu desse inicio à aplicação do meu plano de ensino. Iniciei dizendo à turma que esse seria meu penúltimo encontro com eles. Um aluno me perguntou se eu iria trabalhar na escola, e eu lhe respondi que não, pois eu já trabalho eu outro local e não teria tempo de me dedicar à escola. Perguntei aos alunos se haviam gostado das aulas, ou se queriam fazer alguma reclamação a respeito do meu desempenho como professora. Três meninos, o Pedro, o Thiago e o Gustavo, sorriram e disseram que haviam gostado de tudo, menos de desenhar. Os outros alunos não demonstraram nenhuma insatisfação, apenas concordaram com os colegas. Já o aluno Giovani não quis responder a minha pergunta. Normalmente ele não me cumprimenta e tampouco fala comigo, apenas me encara seriamente. Não saberia dizer ao certo o porquê dessa aparente antipatia porém acredito que eu não tenha conseguido me aproximar dele da mesma forma que consegui me aproximar dos outros alunos. Observei que durante todas as atividades ele se dirige à Lucila, seja para esclarecer suas dúvidas, seja para mostrar seus trabalhos realizados. Como observo seu comportamento com os colegas e com os outros professores, percebo que essa resistência pode ter acontecido também tem função do meu fraco desempenho com a língua de sinais. Escolhi aplicar meu estágio nessa escola por conta de um vínculo afetivo, porém não avaliei que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas para um convívio familiar esporádico, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais fossem suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui percebendo que esse conhecimento deveria ser aprofundado. Era necessário possuir um vocabulário amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e muitas vezes não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse caso, era preciso utilizar o alfabeto em libras, fato que demandava mais tempo durante a aula, além de não ser totalmente suficiente, pois os alunos são capazes de identificar a palavra construída em LIBRAS, mas muitas vezes não possuem seu significado concreto. Foi preciso identificar até que ponto os alunos conheciam os significados das palavras 104
utilizadas em artes, e a partir daí tentar construir os significados conjuntamente. Embora esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, venho tentando compensar as resumidas explicações que faço em aula através de uma elaborada proposta de prática artística. Mostrei algumas imagens de esculturas do artista Leonilson e dos artistas Vasco Prado e Xico Stokinger. Como os alunos já estão trabalhando com a Obra de Leonilson desde as primeiras práticas de ensino, perguntei a eles se conheciam os outros dois artistas. Apenas um aluno respondeu que já tinha visto os cavalos de Vasco Prado. Insisti na pergunta, mas novamente os alunos não se manifestaram. Perguntei à professora sobre suas experiências com esses artistas. Ela disse que os conhecia, e fez uma breve e rápida explicação ao grupo dizendo que os artistas fizeram importantes trabalhos aqui no Rio Grande do Sul. Mostrei algumas imagens dos três artistas e perguntei se haviam semelhanças entre eles, além do fato de serem brasileiros. Um aluno respondeu perguntando se eles produziam os trabalhos da mesma forma? Respondi que alguns trabalhos possuíam semelhanças com relação à técnica e materiais. Perguntei aos alunos se havia semelhança com relação ao tema e ao processo utilizado pelos artistas. Novamente não obtive resposta, nesse momento a professora Lucila chamou a atenção da turma a meu favor e disse que eles deveriam pensar e responder, uma vez que anteriormente ela já havia trabalhado esculturas brasileiras com essa turma. Um aluno respondeu dizendo que as cores utilizadas pelos artistas eram parecidas, porém ele estava se referindo à cor do bronze, material que foi utilizado pelos três artistas. As discussões não se estenderam por muito tempo, achei melhor então dar inicio às atividades práticas. Forramos a grande mesa com jornais, pois hoje iríamos trabalhar com argila, material já conhecido dos alunos, pois a professora Lucila já havia trabalho esculturas com esse material. Como a escola não possui forno para queima do barro, expliquei aos alunos que as esculturas deveriam ser produzidas e colocadas em local seguro, uma vez que sem a queima ficariam mais suscetíveis a rachaduras. Distribui pequenos blocos de argila a cada um dos alunos, nesse momento a professora Lucila me aconselhou a esperar para distribuir a água, pois a modelagem e alisamento da argila deveria ser realizada ao final do trabalho. Por diversas vezes durante as práticas eu acabei ficando ansiosa e aplicando as etapas do trabalho de uma só vez, acredito que a professora tenha observado esse meu comportamento ao pedir que eu não desse todas as orientações de uma só vez. 105
Como eu havia previsto no planejamento de ensino, pedi aos alunos que produzissem esculturas a partir de elementos que eles haviam observado nas imagens, como formas, gêneros e temas. Insisti com os alunos que seus trabalhos não deviam ser cópias das produções dos artistas, mas que pudessem ser relacionados com suas obras apenas por pequenas semelhanças. Os alunos passaram a amassar a argila, que possuía alguns grãos e pequenas pedrinhas, alguns alunos retiraram essas impurezas e me entregaram, outros não se importaram com o fato da argila não ser pura e deram continuidade ao trabalho. Percebi que alguns alunos estavam com dificuldade para começar a atividade, enquanto dois alunos partiram para a produção, pois já sabiam que trabalho queriam executar. Outros dois alunos pegaram os blocos de argila e, sem que eu percebesse, construíram dados, apenas observei o que estava acontecendo quando escutei risos altos, pois os dois alunos estavam brincando de atirar os dados. Na verdade não deixei de achar engraçado a finalidade que deram aos blocos de argila, porém tive de interrompe-los e pedir que começassem seus trabalhos. Como eu estava um pouco tensa com a aplicação da aula, enquanto observava os alunos eu peguei uma pequena quantidade de argila e comecei a modelar, percebi que essa atitude, apesar de não planejada, ajudou os alunos na produção de suas próprias esculturas, pois nos momentos em que solicitaram minha ajuda, pude mostrar-lhes como modelar através do meu trabalho, não precisando interferir diretamente em suas produções. Os alunos modelaram com entusiasmo, porém reclamaram que o barro de quebrava com facilidade. Quando as esculturas dos alunos já estavam bem adiantadas, resolvi então distribuir pequenos potes com água para auxiliar na modelagem. Mostreilhes como poderiam moldar as regiões quebradiças e como o trabalho ficava mais bonito após ser alisado com água. Mesmo após insistir que os trabalhos deveriam ser produzidos apenas com elementos das obras estudadas, alguns alunos ainda assim produziram esculturas muito semelhantes às obras dos artistas.
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Pedro, produzindo seu trabalho. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Trabalho produzido pelo aluno Pedro, segundo ele, inspirado nos cavalos de Vasco Prado. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Um dos alunos dessa turma, considerado pela Lucila e pelos colegas como: o artista da sala, sempre produz seus trabalhos com rapidez e grande habilidade. Seus 107
trabalhos sempre apresentam características muito semelhantes com as imagens mostradas em aula. Ele produziu uma obra inspirado no “Inflexível” de Leonilson, mas deixou a mostra características estereotipadas.
Trabalho produzido pelo aluno Mozart. Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Ao utilizar imagens de dois escultores brasileiros, como forma de comparar as obras do artista Leonilson, minha intenção era incentivar os alunos a observar e identificar semelhanças e diferenças entre os artistas, bem como identificar traços da obra de cada um. Esses traços, ou marcas dos artistas, deveriam ser selecionados pelos alunos e incorporados às suas produções. Novamente faço uma avaliação a respeito do meu desempenho, e percebo que pela grande quantidade de alunos que optou por representar os cavalos de Vasco Prado, minhas explicações podem não ter esclarecido completamente o objetivo da aula para todos os alunos. Apenas um aluno realizou seu trabalho com base em uma característica da obra de Leonilson, o que confirma minha auto-avaliação. Novamente considero que esse fato ocorreu por conta da barreira existente na comunicação que tenho com a turma. Analisando não apenas essa aula, mas todas aquelas que apliquei até agora, percebo que o rendimento do meu plano de ensino teria sido muito diferente, caso eu dominasse completamente a língua de sinais. Apesar de algumas limitações, que até mesmo um hábil intérprete de línguas enfrentaria, como a questão dos significados concretos das palavras, se meu domínio sobre a LIBRAS fosse completo, eu teria tido 108
mais chance de conseguir explicar de forma mais consistente as questões artísticas contemporâneas. Fato que certamente teria sido evidenciado nas produções artísticas dos alunos, não na forma de cópia, mas representando de forma mais clara os objetivos propostos pelo plano de ensino. Esse contato mais aprofundado que pude experimentar com uma comunidade surda me fez valorizar ainda mais a cultura surda. Esses alunos, mesmo sem falar dialogar comigo, têm me ensinado a olhar a vida de outras maneiras. O silencio muitas vezes nos obriga a desenvolver outras percepções, e a valorizar outras formas de interagir com os seres humanos.
Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64).
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3.3.10 Sétimo Encontro Aula(s) 13 e 14 Data da aula: 05/06/2013 Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula: Encerramento de estágio; Processo escultórico na contemporaneidade. Conteúdos: Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas; Materiais utilitários utilizados para produção de esculturas contemporâneas; Diferenças entre modelagem e escultura; Lista de Atividades: Discussão e avaliação de todas as aulas aplicadas durante o estágio; Produção de esculturas em sabão; Objetivos: Avaliação, discussão e retomada das aulas anteriores com o grupo; Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas; Desenvolver um trabalho a partir do desgaste e remoção de partes de um bloco maciço; Incentivar os alunos a produzir esculturas a partir de um bloco de sabão; Metodologia: Aula expositiva e dialogada; Leitura de imagens; Prática artística. Materiais e recursos a serem utilizados: Imagens em Power point; Imagens de processos criativos de esculturas; Placas de sabão macio, palitos de churrasco, facas de plástico sem ponta. Avaliação: O aluno conseguiu manusear o sabão com base nas orientações; O resultado final se assemelha com o esboço feito no papel; O aluno se empenhou para conseguir um bom acabamento; 110
Conclusão da atividade prática proposta em aula.
PLANEJADO A aula terá inicio com a leitura de algumas das diversas imagens vistas durante as últimas seis aulas. Será perguntado aos alunos sobre suas experiências durante essas aulas. O que mais lhes chamou a atenção no estudo dos processos criativos? Como eles enxergam hoje a arte contemporânea, em comparação com a idéia que possuíam antes dessas aulas? De que modo as obras do artista Leonilson tocaram cada uma deles. O que eles podem dizer sobre o valor sentimental das obras, tema muito trabalhado durante as aulas.
Espera-se que os alunos apontem e descrevam as
experiências que mais lhes chamaram a atenção durante esse plano de ensino. Essa conversa inicial é importante para dar encerramento ao estágio, para avaliar as experiências que cada aluno viveu durante esse período, e principalmente para serem avaliadas as falhas e lacunas existentes durante o planejamento e avaliação das aulas. Após essa discussão, será aplicada a última prática de ensino, na qual os alunos irão esculpir em blocos de sabão de côco. A escolha desse material foi feita por conta de sua funcionalidade, enfatizando a característica da arte contemporânea de utilizar materiais não artísticos em suas produções. Antes de iniciar a atividade prática, será feita uma breve retomada dos desenhos e esculturas realizadas nas aulas anteriores. Isso porque as práticas dessas aulas, além dos desenhos, trabalharam com modelagem, realizadas em papel machê; massa de amido de milho com cola, e argila. A prática dessa aula não inclui a modelagem trabalhada anteriormente, mas trata-se da produção de esculturas a partir da remoção de partes de um bloco maciço. A partir da leitura de imagens dos próprios trabalhos realizados pelos alunos, e também da observação e análise dos trabalhos prontos, que estão à mostra no corredor em frente à sala de artes, será iniciada a prática em que eles deverão produzir esculturas com base nos elementos contemporâneos trabalhados até o momento. Espera-se que os alunos não realizem cópias de obras dos artistas, fato que foi recorrente ao longo das práticas. Novamente será enfatizado o valor emocional que deve estar presente nas produções artísticas, dessa forma, espera-se realizar um encerramento do estágio com uma nova prática que contemple os aspectos trabalhados durante todo o planejamento de ensino e aprendizagem.
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REALIZADO Estava a caminho da escola quando recebi uma mensagem da professora Lucila. Ela dizia que iria se atrasar e pediu que eu encontrasse os alunos e os levasse para a sala de artes. Cheguei à escola e fui direto à secretaria solicitar a chave da sala explicando a situação. No pátio interno da escola, os alunos já aguardavam a chegada da professora. Quando me viram, perguntaram pela Lucila, disse a eles que ela estava muito gripada e por conta disso iria se atrasar. Então pedi que eles me acompanhassem até a sala, pois começaríamos nossa pratica sem a presença dela. Ao abrir a sala, os alunos se posicionaram em seus lugares, eu já estava prestes a começar a aula quando um menino disse que deveríamos orar. Eu havia esquecido a oração matinal, então pedi que cada um deles fizesse sua pequena oração, do mesmo modo como a professora sempre os conduzia. Encerrada a oração, comecei a preparar o projetor para a apresentação das imagens. Nesse momento, a diretora da escola entrou na sala, ela queria conversar comigo a respeito do estagio que estava se encerrando, combinamos então que, ao final da aula, eu passaria em sua sala para tratarmos do assunto. Momentos antes de dar inicio à leitura de imagens, a professora Lucila chegou. Resolvemos então ir até o corredor com a turma para olhar os trabalhos produzidos nas aulas anteriores, e assim, iniciarmos uma análise sobre tudo que havia sido produzido até o momento. Pedi aos alunos que dissessem o que mais eles haviam achado importante aprender sobre arte contemporânea. Um menino respondeu que gostou de saber que o artista trabalha com o coração. Eu já havia percebido que essa era a característica de Leonilson que a turma mais apreciou, pois em outras oportunidades eles mencionaram esse fato. Outro menino disse que gostou muito de modelar a massa feita à base de cola, e outro menino, que durante as praticas sempre reclamou da dificuldade enfrentada em modelar os trabalhos, disse que achou difícil mas gostou de tudo mesmo assim. Essa análise era importante, além da leitura das imagens, pois nosso último encontro deveria contemplar todas as produções realizadas por eles, além dos diferentes tipos de processos artísticos, e também levar a reflexões sobre os valores sentimentais presentes nas produções artísticas, fato que foi muito explorado durante todo o planejamento de ensino. Voltamos para a sala de aula para começar o trabalho prático. Mostrei aos alunos algumas imagens das aulas anteriores e expliquei que nossa aula seria em função do processo escultórico na arte contemporânea. Interrompi brevemente as explicações e 112
distribuí a cada aluno uma barrinha de sabão de côco. Muitos acharam engraçado, alguns disseram que conheciam e que iriam usar para lavar as mãos. Perguntei se eles lembravam de uma aula anterior em que expliquei o uso de materiais, a princípio não artísticos em arte, e apenas um menino disse que lembrava. Retomei o assunto dizendo que a arte contemporânea nos permitia usar qualquer tipo de material, disse a eles que hoje iríamos esculpir um trabalho em sabão, mas que o mesmo sabão poderia ser utilizado em outro contexto e sem intervenções e, ainda assim, ganhar o valor de arte. Distribuí aos alunos os palitos e facas de plástico para que o trabalho pudesse ser iniciado. Peguei uma barra de sabão, juntamente com o palito, e demonstrei ao grupo como o trabalho poderia ser iniciado, mostrei-lhes como o sabão era macio e como deveriam ter calma e cuidado na hora de esculpi-lo. O grupo começou a produzir seus trabalhos de forma bastante entusiasmada, e durante toda a prática eu fui bastante solicitada para o esclarecimento de dúvidas como tamanho, quantidade de sabão que deveria ser retirada, profundidade dos traços. Uma dúvida que foi comum a vários alunos foi com relação à base das esculturas. Mostrei-lhes que a escultura deveria ficar em pé e que para isso sua base deveria estar lisa e reta. Superadas algumas dificuldades, toda a turma produziu trabalhos bem elaborados, embora as cópias dos trabalhos dos artistas estudados ainda aparecessem em suas produções. A aluna Carolina, que freqüentemente realizava cópias dos trabalhos de Leonilson, produziu um rosto que, segundo ela, estava torto. Ela queria abandonar a produção e iniciar uma nova, pois ela afirmou que não havia meio de “consertar” seu trabalho. Eu expliquei a ela que não havia nada de errado com sua escultura, disse que o modo como ela via um rosto e a forma como ela o representou eram características que marcavam seu trabalho, de modo que eu não iria avaliar se seu trabalho estava torto ou reto, certo ou errado. Mas que eu iria valorizar seu processo de criação, bem como sua evolução e atuação durante a produção de seus trabalhos desde as aulas iniciais Percebi uma evolução da produção dessa aluna, em comparação com seus trabalhos realizados nas aulas anteriores, que sempre apresentavam formas estereotipadas ou simplesmente cópias das obras de Leonilson. Todo o processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais, fatores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, repetimos, em nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não existe. Vale dizer, então, que a criação exige do individuo criador que atue. Atue primeiro e produza. Depois, o trabalho poderá ser avaliado com critérios e interpretações. (OSTROWER, PG 71, 2012).
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Trabalho da aluna Carolina. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Trabalho realizado pela aluna Thalia. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
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Trabalho do aluno Giovani. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
Turma 712 produzindo esculturas. Fonte: Danielle Sch端tz, 2013.
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Faltando alguns minutos para o término do segundo período, os alunos concluíram as esculturas, que foram colocadas juntamente com os demais trabalhos produzidos nas últimas seis aulas. Realizamos a limpeza da sala e nos reunimos novamente, pois eu havia planejado uma pequena conversa com o grupo, como forma de nos despedirmos. Primeiramente agradeci a professora Lucila por ter me dado a oportunidade de trabalhar com sua turma, em todos os momentos ela esteve ao meu lado, sempre me auxiliando para manter a ordem da turma e me ajudando com relação à comunicação com o grupo. Apesar da Lucila também ser surda, sempre tive mais facilidade em me comunicar com ela. Agradeci a cada um dos alunos que me aceitaram e, com boa vontade e disposição, realizaram as atividades que propus. Um menino me perguntou por que eu não iria mais. Disse a ele que meu estágio havia sido concluído. A professora Lucila novamente explicou que eu iria me formar em artes visuais na ULBRA, assim como ela. Para encerrar, perguntei aos alunos se eles haviam gostado de aprender sobre arte contemporânea, sobre o artista Leonilson, e sobre os demais artistas que foram trabalhados de forma comparativa com Leonilson. Toda a turma afirmou que havia gostado das aulas. Perguntei qual técnica artística eles haviam gostado mais. Três alunos disseram que gostaram de modelar a massa à base de cola, os demais afirmaram que a escultura em sabão havia sido a melhor aula. Perguntei se a partir desses nossos estudos eles iriam refletir a respeito das obras contemporâneas, dos processos artísticos e dos valores sentimentais que as obras muitas vezes carregam. Todos responderam afirmativamente. Como não havia mais tempo, os alunos me abraçaram e se despediram. Uma aluna disse que eu deveria visitá-los e outra aluna perguntou quando iríamos novamente ao museu. Respondi que certamente iríamos nos ver novamente e realizar outras atividades em artes visuais. Quando planejei aplicar minhas aulas na escola, acreditei que enfrentaria alguns desafios, e sabia que não poderia prever todas as situações que apareceriam em meu caminho. Ao final do estágio obrigatório, avalio meu desempenho durante todo esse processo, fico muito feliz de estar concluindo essa etapa, porém fazendo uma autoavaliação, percebo que meu desempenho não foi satisfatório da forma como eu gostaria. Não avaliei com precisão que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas para um convívio familiar, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais fossem suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui percebendo que esse conhecimento deveria ir além, era necessário possuir um vocabulário amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e 116
muitas vezes não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse caso, precisei utilizar o alfabeto em libras, fato que demanda mais tempo durante a aula. Embora esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, tentei compensar as resumidas explicações que fiz em aula através de uma boa proposta de prática artística. No inicio do estágio, optei por não ter a presença de intérprete durante as práticas, minha intenção era estreitar minha relação com a turma. Se por um lado percebo que esse contato ocorreu de forma mais próxima, por outro lado reconheço que meu desempenho não foi plenamente satisfatório. Embora eu saiba que o estágio obrigatório possui a função de nos avaliarmos enquanto futuros professores, gostaria de ter tido um rendimento melhor com a turma, me senti frustrada com relação ao meu desempenho com a língua de sinais, e percebi o quanto eu ainda preciso aprender, mas também percebi que fiz uma excelente escolha. Aprendi muito com essa turma, e gostaria de aprender muito mais. A frustração que senti por não ter uma excelente habilidade com a LIBRAS, divide lugar com meu desejo de continuar me dedicando ao ensino de artes para alunos surdos. Sinto certo pesar por acreditar que a turma possa ter sido pouco beneficiada com minhas práticas de ensino, porém, sem essa experiência eu jamais poderia ter avaliado o quanto o ensino e aprendizagem de alunos surdos são significativos. Analisando as aulas de um modo geral, conseguimos concluir todas as atividades propostas, utilizei temas como a visita que realizamos no Museu, bem como o trabalho de alguns artistas brasileiros. Embora o planejamento da escola estivesse prevendo como conteúdo as esculturas, tive de aplicar algumas praticas de desenho antes de iniciar a produção dessas esculturas. Eu precisava conhecer os alunos através dos desenhos, e precisava saber como eles trabalhariam a transição do bi para o tridimensional. Com relação aos alunos, todos foram extremamente simpáticos e bem dispostos durante as aulas, pude contar com a cooperação e boa vontade de todos eles, realizando todas as tarefas propostas de forma organizada e com disciplina.
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CONCLUSÃO
Ao realizar uma análise pormenorizada da minha experiência em estágio II, inicio esse capítulo desenvolvendo uma auto-avaliação do meu desempenho enquanto futura docente em artes visuais. Quando optei pela realização do estágio curricular em uma escola especial para surdos, não avaliei inteiramente a proporção do desafio que eu iria experimentar. Acreditei que os poucos cursos em língua de sinais que eu havia feito até então, bem como a relação que tenho com a minha afilhada, que é surda, seriam capazes de me dar o suporte necessário para enfrentar uma turma de ensino fundamental. Antes mesmo de iniciar as observações silenciosas em estágio I, eu já possuía uma relação com a escola, pois minha afilhada realizou todo seu ensino fundamental nessa Instituição, de modo que muitas vezes eu participei de atividades como festinhas de final de ano e apresentações teatrais dos alunos, sem nenhum tipo de problema com a comunicação. Quando iniciei as observações silenciosas em estágio I, não enfrentei maiores dificuldades em descrever os fatos ocorridos em sala de aula. A professora titular da turma, que é surda, sempre foi muito solidária comigo. Durante essa prática silenciosa ela sempre se dirigia a mim com a intenção de me aproximar dos alunos, e de me situar do porquê das atividades que ela estava desenvolvendo com o grupo. Por diversas vezes, enquanto os alunos executavam suas tarefas, a professora Lucila conversou comigo a respeito do ensino de artes para surdos. Muitas das informações que ela me passou foram utilizadas na formulação das minhas práticas de ensino. Segundo a professora, os alunos não apreciavam aulas teóricas, e tinham maior interesse em trabalhos tridimensionais. Concluído o estágio I, com as observações e questionários aplicados, senti-me segura para começar a prática de ensino, procurei levar em consideração o perfil da turma, para que meu trabalho fosse aceito por todos. O fato de ter sido necessário realizar novas observações no inicio do estágio II - por conta da troca de turma em que eu iria atuar, pois em estágio I eu observei uma turma de 8ª série – ajudou-me a complementar as observações até então realizadas.
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Iniciando o Estágio II
Tive de realizar novas observações na turma 712, pois em estágio I esse mesmo trabalho havia sido feito na turma 810. Inicialmente realizei duas observações silenciosas, em que os alunos produziam esculturas de figuras humanas em papel machê. A terceira observação silenciosa foi realizada na Fundação Iberê Camargo. Como tenho o hábito de participar dos cursos de formação para professores que a Instituição oferece, conversei com a diretora da Escola sobre a possibilidade de levar os alunos à exposição do artista William Kentridge, uma vez que o Museu disponibilizaria ônibus, mediador e intérprete de libras durante a visita. Como a escola é particular a Fundação não iria disponibilizar o ônibus para o transporte dos alunos, mas tendo em vista que a grande maioria desses alunos possui bolsa por serem de baixa renda, consegui argumentar esse fato junto ao setor educativo da Fundação que abriu uma exceção. Minha proposta foi bem aceita pela escola, e não apenas minha turma participou do evento, como outras turmas também se uniram ao nosso grupo. Minha intenção ao agendar essa visita à Fundação não era apenas a de observar o grupo fora do ambiente escolar. Como eu já havia investigado, a escola dificilmente realizava saídas de campo especificas para as artes, quase a totalidade dos alunos nunca havia visitado um Museu, e tampouco conhecia a Fundação Iberê Camargo. Até mesmo as professoras de artes nunca haviam visitado o local. Oferecer aos alunos essa vivência em artes foi extremamente satisfatório. Durante todo o evento eles se mantiveram atentos às explicações do intérprete, fizeram muitos questionamentos a respeito do trabalho do artista, sobre os materiais utilizados e sobre o tema das obras. Uma aluna, que não aceitou que determinadas obras pudessem ser classificadas como arte, abriu uma discussão com o mediador, que tentou convencê-la sobre as características e particularidades da arte contemporânea, mostrando-lhe que arte não precisa necessariamente estar ligada aos materiais artísticos. Essa discussão, embora a aluna tenha mostrado que não aceitou determinadas obras como arte, pode ter sido muito importante no processo de construção de significados, uma vez que na arte contemporânea o expectador atua de forma significativa na produção de sentidos. Ao término da visita, a alegria e a satisfação estavam estampadas no olhar de cada um deles, que tiveram não apenas a oportunidade de aprender sobre a vida e Obra de um artista contemporâneo, mas puderam experimentar a rotina de um Museu, o trabalho do mediador e principalmente, segundo a diretora, ter contato com um intérprete 119
desconhecido, fato que lhes ajudaria a enxergar outras pessoas, que não às de seu convívio, utilizando a língua de sinais. A grande habilidade e rapidez do intérprete provocaram em mim certa preocupação, pois passei a criar uma consciência de que não possuía tamanha prática para lidar com os sinais de forma tão precisa. Finalizada a última observação silenciosa, minha prática de ensino estava pronta para ser aplicada.
Atuando como docente em Artes Visuais
Conforme havíamos combinado inicialmente, a professora titular da turma iria acompanhar todas as aulas do meu estágio. Ao mesmo tempo em que esse fato me causou certa ansiedade, pois havia a preocupação com relação ao meu desempenho diante dela, senti-me aliviada em poder contar com sua ajuda, pois eu sabia bem o quanto essa turma era indisciplinada e, principalmente, o quanto ela poderia me auxiliar durante minha comunicação com os alunos. Uma vez dentro da sala de artes da escola, a professora me entregou sua turma e passou a observar os fatos. Apesar do meu visível nervosismo, consegui dar inicio às atividades planejadas, expliquei aos alunos sobre meu interesse em trabalhar com eles, sobre minha vontade de aprender sobre o universo dos surdos, e sobre minhas limitações com a língua de sinais. Pedi ao grupo que se comunicasse comigo sem pressa, pois só assim eu seria capaz de compreendê-los com clareza. Procurei conversar com os alunos a respeito da experiência vivida no Museu, e tentei saber de cada um deles sobre suas opiniões a respeito do trabalho do artista. Na medida em que a aula se desenvolvia, minha ansiedade aumentava, eu havia planejado uma longa discussão a respeito da arte contemporânea e sobre processos artísticos, e esperava que os alunos me dessem retorno a respeito desses debates. Muitas das questões que propus ao grupo ficaram sem resposta, não consegui estabelecer um diálogo claro com eles, que mesmo assim, continuavam se mostrando receptivos a minha proposta. Esse estado de ansiedade fez parte da minha vida durante todo o desenvolvimento do meu estágio, não se tratava apenas de um estado alterado em função de uma nova experiência, e sim da conscientização que aos poucos fui adquirindo sobre a complexidade dessa atividade. E também em função de eu ser uma pessoa ansiosa nas demais áreas da vida. Inicialmente acreditei que a barreira lingüística seria facilmente superada por mim, então me vi dentro de uma escola especial, em que 120
todos os alunos eram surdos, inclusive a professora de artes, e percebi então que a maior deficiência estava em mim. Não apenas minha incapacidade de articulação rápida com a LIBRAS passou a ser deficiente, mas também meu planejamento de ensino, que não previu a complexidade dos eventos, também se mostrou deficiente. No primeiro encontro consegui discutir brevemente sobre as experiências dos alunos durante a exposição, mostrei algumas imagens para complementar a aula e em seguida comecei a aplicar a atividade prática. O plano de ensino da escola previa que a 7ª série teria de trabalhar esculturas de artistas brasileiros, assim, tive de adaptar meu plano conforme suas exigências. Porém na primeira aula minha proposta previa a execução de uma atividade bidimensional que contemplasse os aspectos da arte contemporânea vivenciados na Fundação. A partir desses trabalhos bidimensionais, os alunos passariam a executar esculturas nas aulas seguintes. Em função da grande dificuldade que experimentei já na primeira prática, por conta da minha pouca experiência com alunos surdos, e também por conta do nervosismo, resolvi não tentar mais aprofundar as discussões sobre arte e antecipar a produção artística. Essa minha conduta foi uma forma de amenizar o desespero pelo qual eu estava passando. Acreditei que mantendo os alunos ocupados com a atividade prática eu conseguiria voltar a ter calma e repensar os planejamentos das próximas aulas. Eu estava segura do tema que havia escolhido, pois ao observar novamente os alunos e estudar as respostas de seus questionários, avaliei a importância de trocar o tema da minha pesquisa e trabalhar com eles os diversos aspectos da arte contemporânea, tema muito pouco explorado pela escola. Eu estava feliz por ter tido a chance de iniciar meu estágio com uma saída de campo, estava confiante da minha escolha pela Escola de Surdos, porém nesse momento eu não levei em consideração os fatores positivos, deixei-me contagiar pela preocupação de não possuir muita prática com a língua de sinais. A vaidade foi uma grande inimiga, pois já no primeiro encontro, a aula não se desenvolveu da maneira como eu havia previsto. Eu tinha a falsa idéia de que meu estágio seria motivo de orgulho e que eu conseguiria proporcionar experiências enriquecedoras aos alunos, colocando-os em contato com a arte contemporânea e ampliando suas visões de mundo. O que experimentei foi uma enorme frustração e até vergonha por não ter aprofundado as discussões a respeito da arte contemporânea de forma plenamente satisfatória. Hoje, reconheço ser absolutamente normal o desenvolvimento da aula se dar de forma diversa ao planejado pelo professor, e vejo que 121
além do domínio de conteúdo, e nesse caso em especial, o domínio da língua, o professor enfrenta ainda o grande desafio de se articular diante de uma realidade inesperada. Hoje percebo que tirei pouco proveito dos momentos que vivi com eles, pois estava muito focada no meu desempenho, de modo que valorizei pouco a troca de experiências que tivemos. Livre da ansiedade, consigo enxergar a riqueza dessa experiência, consigo enxergar a produção artística da turma como um resultado bastante positivo desse processo. Em um momento de grande tensão, cheguei a conversar com a diretora da escola sobre a minha intenção de contratar um intérprete para me auxiliar durante as aulas, porém a diretora não se mostrou favorável, e disse que esse procedimento iria limitar meu convívio com os alunos, gerando um afastamento, de modo que eu acabaria perdendo o contato direto com eles. No decorrer da semana seguinte, após a primeira prática de ensino, senti muito abatimento. Por conta do meu desempenho, eu acreditava que a aula teria de se desenvolver com total equivalência aos planejados, como esse fato não estava ocorrendo, tinha a certeza de que eu não daria conta de acrescentar algo na vida dos alunos, cheguei a pensar em desistir do estágio, para no semestre seguinte procurar uma escola de ouvintes. Era uma derrota pela qual eu não queria passar, mas não descartei a possibilidade de assumir minha incapacidade de ensinar artes em LIBRAS.
LIBRAS e Artes Visuais
A experiência com educação para surdos, dentro das artes, colocou-me diante de uma realidade que há muito necessita de mudanças: a falta de um dicionário específico para os termos artísticos utilizados em sala de aula. Como eu poderia construir uma idéia sem o conhecimento prévio de um sinal representativo? De que maneira eu conseguiria construir um vocabulário a partir das experiências vividas em arte? Durante esse processo pude avaliar a real carência de um vocabulário de artes para LIBRAS, em especial sinais que dêem conta dos temas trabalhados em arte contemporânea. A LIBRAS é uma língua viva, acredito que sua construção esteja constantemente se desenvolvendo, e essa experiência endossou a necessidade de estruturação de um sistema que supra essa carência. Consultando o site de busca http://www.acessobrasil.org.br/libras/ fiquei surpresa ao ver que a palavra “arte” sequer consta no dicionário de sinais. Com o auxilio da minha afilhada, que tem maior domínio
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sobre as informações referentes à LIBRAS, realizamos outras pesquisas a respeito dos sinais que eu precisaria utilizar.
O alfabeto de LIBRAS e alguns sinais que foram muito utilizados em aula foram:
Alfabeto de LIBRAS Figura 01
Escultura Figura 02
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Materiais de arte Figura 03
Perceber (percepção) Figura 04
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Sentimento Figura 05
As duas melhores formas que encontrei para preencher essa lacuna foram: a utilização do alfabeto em LIBRAS (Figura 01), fato que demandava tempo, pois a cada explicação eu tinha de construir as palavras, que muitas vezes não possuíam significado para os alunos; e a adaptação de alguns sinais já existentes, como por exemplo, o sinal representativo do verbo perceber (Figura 04). Essa pratica de ensino buscava colocar o aluno em contato com a arte contemporânea através da percepção, dos sentimentos (figura 05) e do uso de outros sentidos que não fosse apenas o visual. Também encontrei apoio na experiência vivida por um colega que realizou seu estágio antes do meu na mesma escola. Eu me considero beneficiada nesse particular, pois pude contar com a ajuda alguém que enfrentou essa mesma dificuldade, e que, apesar de não ter sanado o problema, contribuiu em muito para a construção de sinais representativos dentro das artes. Reconheço que inúmeras vezes nenhum desses recursos funcionaram comigo, nessas horas a professora Lucila me socorria. Como ela estava entendendo minhas intenções e minhas idéias, ela acabava explicando aos alunos parte do conteúdo que eu estava tendo dificuldade de expressar através de sinais, de modo que ela acabava mediando nossos diálogos. Em casos extremos, quando eu não encontrava sinais que pudessem expressar minhas idéias, eu recorria ao uso da escrita no quadro negro, ou 125
tentava através da leitura de imagens, descrever os diversos conteúdos. Essa dificuldade foi significativa quando comecei a trabalhar o conteúdo referente aos processos artísticos, em que eu precisava descrever aos alunos as etapas pelas quais uma obra se desenvolve. Acredito também que a escolha do meu tema tenha dificultado muito a aplicação do meu plano de ensino, pois trabalhar arte contemporânea envolve diversos aspectos subjetivos, percepções individuais e vivências que, muitas vezes, sequer são semelhantes entre os diferentes expectadores. O desenvolvimento de todo meu estágio, da primeira à última prática de ensino, foi acompanhado de muita tensão, não por parte dos alunos nem da professora, mas por conta das cobranças que inevitavelmente eu me colocava. Consegui aplicar todas as aulas, mas de forma diversa do que eu havia planejado.
O apoio dos alunos
Certo dia, conversando com a diretora da escola, comentei a respeito do meu desempenho em sala de aula, e de como eu estava me sentindo impotente diante da situação. Ela me contou sobre sua trajetória com a educação para surdos, e sobre todas as dificuldades que ela havia enfrentado, inclusive com a língua de sinais, e me garantiu que mesmo assim tudo tinha valido a pena. Desde o inicio do estágio eu senti a boa receptividade dos alunos, os surdos de um modo geral são muito afetivos, e dedicam especial atenção aos ouvintes que demonstram interesse em aprender sua língua. Sempre fui recebida com abraços, com assuntos sobre os fatos ocorridos durante a semana, e com a grande curiosidade a respeito das nossas futuras práticas em sala de aula. Essa boa vontade dos alunos para comigo ficou evidente já nas primeiras observações. Como de costume, a professora iniciava a aula com uma oração matinal, ela realizava sua oração e em seguida cada um dos alunos realizava a sua. Como eu estava presente na sala, um aluno reclamou que eu não havia feito minha oração, brinquei com ele dizendo que eu não precisava orar, pois estava só observando a turma, mas ele foi muito firme ao afirmar que eu precisaria rezar. Nesse momento a turma toda passou a me observar, os papéis se inverteram e eu não tive outra saída a não ser realizar minha oração em língua de sinais.
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A diretora comentou a respeito dessa receptividade, dizendo-me que se os alunos não tivessem me aceitado como professora, jamais teriam executado os trabalhos propostos. A grande quantidade e variedade de produções confirma esse fato, ao final do último encontro, reunimos em exposição todos os trabalhos produzidos. Ao olhar para os trabalhos concluídos, meu sentimento de frustração deu lugar a alegria de ver que ao menos a produção plástica não ficou prejudicada. Prestes a finalizar o estágio, um aluno questionou a respeito da minha permanência na turma, ele queria saber por que eu não seria professora na escola. Expliquei a ele que não poderia, pois eu já trabalhava em outro local e não teria como conciliar o tempo. Esse questionamento foi interessante, não me preocupei em perguntar ao aluno se ele gostaria que eu fosse sua professora, mas o fato de se interessar em saber por que eu estava indo embora me fez pensar que, se caso eu me tornasse professora titular na escola, eu poderia ser novamente bem aceita pelo grupo.
A produção dos alunos
Procurei oferecer aos alunos uma grande variedade de materiais para a produção de seus trabalhos. Trabalhamos com carvão, pastéis secos e oleosos, tinta guache, papel machê, massa a base de cola branca (biscuit), argila, sabão de coco, cartolinas e arames. Durante todas as praticas tive a preocupação em oferecer esses materiais aos alunos em grande quantidade, embora eu fizesse uma distribuição sem desperdícios ao grupo, havia a preocupação de que não faltasse material para suas produções. Alguns alunos dessa turma eram extremamente rápidos na execução de seus trabalhos, de modo que, por diversas vezes, tive de lhes oferecer mais materiais para que pudessem iniciar novos trabalhos, pois não poderia deixá-los sem atividade. Embora eu tivesse a preocupação em solicitar aos alunos a produção de trabalhos bem elaborados, que demandassem certo tempo, ainda assim alguns concluíram produções com rapidez e riqueza de detalhes. Por outro lado, outros alunos demonstraram certa dificuldade na execução das tarefas tridimensionais, ao passo que eu precisava ajudar-lhes, me questionei a respeito dessa intervenção. Até que ponto eu deveria intervir com as próprias mãos no trabalho de um aluno? De que forma eu poderia ajudá-lo sem acabar interferindo demasiadamente em seu trabalho? Quando me vi desesperada por conta de não conseguir auxiliar esses alunos, solicitei aos colegas que já haviam terminado seus 127
trabalhos que auxiliassem os colegas. Essa estratégia foi surpreendentemente eficaz, acredito que foi por conta da estreita relação que possuíam uns com os outros, e da facilidade de comunicação existente entre eles. De modo que os alunos com mais dificuldade conseguiram concluir com êxito a tarefa de aula. Somente no final do estágio, tive uma idéia que se mostrou bastante eficaz. Resolvi trabalhar, juntamente com os alunos, na minha produção plástica. Reservei uma porção do material da aula para mim, dessa forma eu poderia auxiliá-los mostrando como eu executava o mesmo trabalho proposto. Tomei sempre o cuidado de usar essa estratégia apenas para facilitar a exemplificação da motricidade, bem como da força que eu estava aplicando ao material. De forma alguma tentei influenciar os alunos sobre o que seria correto e o que seria errado na execução dos trabalhos. Sempre enfatizei muito a idéia de que seus traços e suas marcas deveriam fazer parte de suas produções, e que nunca deveriam se preocupar em realizar cópias, sejam elas dos artistas ou dos colegas.
O que acrescentou na vida dos alunos
Se por um lado a escolha do tema dificultou meu trabalho pelos motivos já citados, por outro, pude explorar a produção de arte através dos sentimentos dos próprios alunos, usando como base as obras do artista José Leonilson Bezerra Dias. Como uma das minhas metas era trabalhar inicialmente o processo artístico dentro da arte contemporânea, e também proporcionar ao grupo uma vivência artística fora do ambiente escolar, utilizei as produções de William Kentridge, experimentadas pelos alunos durante a visita à Fundação. Procurei extrair da Obra do artista algumas características contemporâneas também identificáveis na Obra de Leonilson, objeto principal da minha pesquisa. O fato de escolher a Obra de um artista como Leonilson, que de uma forma genuína expressa sua trajetória interna de autoconhecimento e relação com as próprias emoções, tornou-se um meio eficaz de instigar os alunos a trabalharem suas próprias emoções. Durante as aulas realizamos alguns debates a respeito das produções do artista, e a idéia mais fortemente traduzida pelo grupo foi de que o artista “trabalha com o coração”. A afetividade marcante na Obra de Leonilson foi bem recebida pelo grupo, que sempre mostrou maior interesse pelas obras de maior conotação amorosa. Corações e frases que expressam sentimentos foram as preferidas do grupo.
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Esse foi o meu enfoque durante todo o estágio, instigar os alunos a trabalharem a arte muito mais através dos sentimentos e sensações do que pela experiência apenas visual. Paralelamente aos estágios eu estava freqüentando a disciplina de Fundamentos da percepção, que nos levava a utilizar todos os nossos sentidos, e não apenas utilizarmos a visão como única, ou melhor, forma de ver o mundo. Exercícios de olhos fechados eram muito praticados em sala de aula, fato que me fez pensar sobre a ao dos alunos que não podem contar com a audição em seu processo de aprendizagem. A Obra de Leonilson foi um excelente meio para tornar minha proposta viável. Grande parte da produção do artista possui uma característica estética muito particular, em que há uma valorização e exploração de formas assimétricas, e a utilização de suportes não artísticos, de modo que pude desmistificar a idéia que muitos alunos possuíam a respeito do valor de um trabalho artístico que, segundo eles, “só poderia ser arte se fosse belo”. Essa preocupação era muito forte entre o grupo, pois sempre que solicitavam meu auxilio durante as práticas, demonstravam insatisfação com o próprio trabalho por não o considerarem bonito, bem executado ou semelhante ao modelo tido por eles como “ideal”. Nesses momentos eu procurava meios de desconstruir esses conceitos, muitas vezes questionei os alunos sobre o que de fato eles entendiam por beleza e se aquilo que era belo para uma pessoa deveria ser belo para outra. Aqui se tornaria necessário um aprofundamento a respeito dos conceitos de cultura, de cultura visual e de significados partilhados, porém novamente essa discussão ficou prejudicada por conta da barreira lingüista. A estratégia mais viável que encontrei foi traçar um paralelo entre os seres que habitam os grandes centros urbanos, daquelas tribos indígenas que vivem nas matas e pintam seus corpos. Para nós, que vivemos no primeiro grupo, o ideal, e considerado belo é cobrir o corpo com panos ao invés de apenas tintas. De um modo geral, após analisar as produções dos alunos e também com base nas breves discussões que realizamos em aula, acredito que essa turma tenha se beneficiado muito mais através das experiências práticas. Como já mencionado, nossos debates não foram aprofundados, por diversas vezes os alunos não participaram de forma ativa nos questionamentos propostos, de forma que eu acabava tentando compensar esse diálogo reduzido com a aplicação das atividades práticas. Nesse momento, utilizava a leitura de imagens para mostrar lhes as características das obras contemporâneas que poderiam constar em suas produções. De posse dos materiais para produzir seus trabalhos, os alunos se mostravam muito mais receptivos às explicações 129
teóricas, podendo assim relacionar os elementos das imagens apresentadas com aquilo que de fato iriam produzir. A grande maioria da turma me surpreendeu com relação ao trabalho que estavam dispostos a executar. Embora a turma tenha apresentado sempre um comportamento receptivo às aulas que propus, por diversas vezes foram categóricos na defesa de suas idéias. Esse fato pode ser comprovado pelos resultados obtidos já na primeira aula, em que foi proposta a produção de desenhos com movimento, da mesma forma que William Kentridge elaborava suas animações. Meu propósito era trabalhar o processo artístico, a construção e desconstrução de elementos em um mesmo projeto, que identificasse as marcas de sua produção. Os alunos aceitaram a proposta de trabalhar com base nas animações observadas no Museu, mas negaram-se a desconstruir suas produções, a grande maioria disse não achar correto apagar e desenhar novamente, muitos disseram que poderiam desenhar em uma nova folha, mas sem “estragar”o desenho anterior. Esse resultado pode se justificar tanto pela minha argumentação em realizar a tarefa, que pode ter sido falha ou superficial, quanto pela resistência em desconstruir um trabalho tido como pronto. Isso me leva a pensar o quanto essas produções foram significativas para os alunos, o quanto aqueles trabalhos significaram para eles a ponto de não aceitarem qualquer nova intervenção. Percebi desde os primeiros momentos que os alunos valorizavam muito suas obras, tinham sempre o cuidado de guardarem ou colocarem em exposição no local destinado aos trabalhos concluídos. Certo dia me confundi com relação à autoria de dois trabalhos e acabei trocando os nomes, um dos alunos imediatamente me corrigiu, dizendo que eu não poderia trocar os nomes, e segurando seu trabalho em mãos afirmou com muita segurança que aquele trabalho havia sido feito somente por ele.
Algumas considerações
Ao finalizar a aplicação das práticas de ensino em estágio II, e observando as produções que os alunos realizaram, considero que meu desempenho como docente em artes visuais poderia ter sido mais bem planejado. Hoje sou capaz de apontar meus erros, minhas limitações e minha pouca prática em lidar com uma turma de alunos surdos.
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Quando menciono a necessidade de melhor elaboração da minha prática de ensino, foco no aspecto referente a minha prática para trabalhar em uma escola especial para surdos. Se por um lado minha prática de ensino procurou contemplar o ensino do contexto histórico, aliado à leitura de imagens e produção plástica, por outro lado, não pude executar esse plano de forma primorosa por conta da barreira lingüística. Mesmo com a falta de um vocabulário em LIBRAS abrangente ao campo das artes, percebo que esse limitador poderia ter sido mais bem articulado em meu projeto durante todas as aulas. Não apenas com a utilização de uma tabela de sinais previamente construída pelo meu colega, mas através da elaboração de representações fundamentais para o ensino de arte contemporânea, bem como de suas características mais expressivas. Somente após o término do meu estágio é que pude perceber o quanto a execução dessa idéia poderia ter feito a diferença no meu trabalho. O carinho dos alunos e da professora titular, bem como as observações da diretora da escola, levam-me a acreditar que acrescentei algo na vida dos alunos. Segundo a diretora, a escola está sempre de portas abertas aos estagiários, pois ela acredita que esse contato seja muito produtivo, pois há uma valorização dispensada àqueles que, como eu, se propõem a desenvolver um trabalho com a comunidade surda. Espero não ter deixado apenas uma clara demonstração do meu interesse por eles, mas também ter contribuído para a formação artística de cada aluno. Espero que, o estudo da arte contemporânea, tenha ao menos despertado nos alunos um maior interesse e espírito investigativo com relação ao desconhecido, ao estranho e ao esteticamente incompreensível. Não posso traduzir com precisão os sentimentos que cada aluno experimentou durante nosso contato, nem mesmo relatar o grau de aprofundamento do tema que cada um adquiriu, mas posso expressar com total segurança o quão importante essa experiência foi para mim. Passados todos os momentos difíceis, de estresse e preocupação com a aplicação das aulas, sinto-me feliz por não ter desistido desse desafio. Hoje posso calcular e avaliar com maior propriedade as dificuldades existentes na vida de um professor de educação surda, que além de ensinar os conteúdos, precisa estar atento na busca por soluções como a criação de sinais para áreas muito específicas e para a construção dos significados desses novos sinais. Penso hoje, que a questão da acessibilidade, vai muito além da estrutura física de um espaço destinado às artes, mas trata-se de um envolvimento por parte daqueles que,
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de alguma forma, podem viabilizar o acesso dos alunos às discussões e reflexões que a arte contemporânea nos provoca. Ampliar o universo desses alunos, através dos elementos presentes nessa manifestação artística, denota não apenas um compromisso com o ensino, mas uma preocupação em proporcionar experiências sensoriais que enriquecem a vida de todos os seres, sejam eles surdos ou ouvintes. Hoje percebo que essa experiência me colocou em outra posição dentro desse contexto. Eu passei a ser a pessoa que necessitava de inclusão, eu era a minoria dentro de um grupo que tinha a opção de me incluir ou não. Felizmente eu fui aceita pelo grupo, que mesmo percebendo minhas limitações com a comunicação, optou por me incluir em seu meio e traçar experiências que foram além do estágio em artes visuais.
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APÊNDICES
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