A determinação e a coragem de dona Fátima: uma história de superação

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Para melhorar o abastecimento da água, com recursos próprios, ela construiu 2 cisternas de água de beber. Em 2013, veio a cisterna de produção, do tipo enxurrada. Com os dois reservatórios, a dificuldade com a água acabou e a agricultora pode manter sua criação de 8 galinhas, 3 ovelhas e uma cabra. Ela alimenta as galinhas com milho, restos de comida e de horta. Já para as outras criações, faz silagem com sorgo e palha de milho. Mesmo assim, a agricultora não esquece de economizar esse bem tão valioso. Ela aproveita a água servida da louça e do banho para regar as fruteiras, da caixa de limpeza com a brita, já retira com um balde para aguar as plantas, pra dividir melhor a água entre as plantas. Assim é que eu mantenho os pés de manga, e de outras frutas. Atualmente dona Fátima faz parte do Fundo Rotativo Solidário de telas. Quando for contemplada, ela diz pretender dividir melhor os espaços da sua horta, das suas fruteiras e plantas medicinais, organizando melhor também o espaço para as galinhas. Dona Fátima é uma mulher guerreira! Hoje, comemora os resultados de uma vida mais saudável em todos os sentidos, das experiências de agroecologia e da sua libertação enquanto mulher. Eu passei a tomar remédios mais naturais, e me alimentar com as verduras que produzo; assim minha saúde melhorou muito. Quando uma coisa falta aqui, já tem a outra ali. Me libertei, vou pra onde quero, participo de reuniões e visitas de intercâmbio e não quero que me deixem nunca de fora. Cada vez que eu saio, aprendo uma coisa nova. Eu digo é pras mulheres que hoje ainda sofrem o que eu já sofri com um marido ruim, que conversem e se não haver mudanças pra melhor que vá viver sozinha com seus filhos, pois a gente só depender de homem não dá certo. O casal é pra um ajudar o outro e os dois combinarem. O direito que o homem tem, a gente tem também, afirma confiante a agricultora.

Ano 8 • nº1951 Janeiro/2015 Queimadas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

A determinação e a coragem de dona Fátima: uma história de superação

Dona Fátima Monteiro, tem 58 anos e mora sozinha, no Sítio Riacho do Meio, município de Queimadas, na Paraíba. A agricultura costuma dizer que é viúva de marido vivo, pois se separou há 12 anos, de uma relação complicada e cheia de violência. Do casamento de 25 anos, teve 4 filhos: Rosemary, de 39 anos, Roseane de 37, Rosineide de 35 e Rogério de 32 anos. Rosemary, a filha mais velha, tem 4 filhos e mora ao lado da mãe. Ela é a companheira de dona Fátima para o trabalho no sítio e as tarefas de casa. Já Rosineide é casada e mora em outra propriedade, um pouco mais distante. Os outros dois filhos, também casados, moram em Queimadas. Ao todo, dona Fátima tem 13 netos. Nascida e criada na agricultura, ela sempre trabalhou com os pais, até resolver casar, aos 17 anos, contra a vontade deles. Eu achava que minha vida era ruim, tinha muito trabalho, não me deixavam estudar, só que quando casei, aí foi que eu entrei num inferno! Relembra. Assim que casaram, ela e o marido foram para o Rio de Janeiro morar na casa de uns parentes dele. Só que dona Fátima não foi muito bem aceita por lá. Só uma irmã dele deu apoio aos dois, mas como o marido não arranjava emprego, resolveram voltar para a Paraíba. Quando a gente voltou, nós ficamos bolando de casa em casa, trabalhando nos sítios de um e de outro, passava 8 dias num canto, mais 8 em outro canto, conta. Os dois ficaram nessa situação 9 meses, até que o pai de dona Fátima resolveu construir a casa em que ela mora hoje e deu para ela. Não deixei nem botarem as portas, assim que levantaram as paredes, viemos pra cá, conta a agricultora.

Realização

Apoio


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Dona Fátima lembra que até os 5 anos de casados, viveu bem, mas depois enfrentou muitas dificuldades com o marido. Ainda foram mais 3 viagens para o Rio de Janeiro, sempre com planos de trabalhar lá para juntar dinheiro e comprar um carro melhor, para o marido fazer transporte alternativo. Lá ele trabalhou como garçom e ela como ajudante de costureira, foi quando aprendeu o ofício do corte e costura. Nessa época que tudo começou a mudar, o marido arrumou uma amante e desde então passou a maltratar ela e os 4 filhos e a deixar faltar as coisas dentro de casa, comenta dona Fátima. Nesse tempo ele me deixou e voltou várias vezes, e eu sempre aceitava, pois ele me batia e eu tinha muito medo dele. E as as pessoas ainda me diziam: ruim com ele, pior sem ele, e eu me conformava, completa. Sempre muito disposta para o trabalho, dona Fátima foi tocando a vida, os filhos foram crescendo e a ajudando no trabalho da propriedade. Quando o casal chegou na propriedade, construiu logo um tanque de tijolo e cimento para armazenar a água que dona Fátima ia buscar nos açudes com um jumento. Essa e outras tarefas da propriedade, sempre foram assumidas por ela e pelos filhos, pois o marido sempre trabalhou fora. Dona Fátima e os filhos ainda tinham que se dividir para cuidar de uma propriedade do irmão do marido dela, no Soares, um sítio vizinho. O irmão dele pagava a ele para cuidar, a gente cuidava, e quem ficava com o dinheiro era ele, conta dona Fátima. Um dia, ela foi levar os filhos para fazer o tratamento de dente no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas e lá foi convidada a participar das atividades. Aí foi que tudo mudou, fui deixando de ser besta, brinca. As vezes uma palavra ajuda muito, eu digo que do mesmo jeito que uma palavra pode ser uma cacetada, ela pode também fazer ressuscitar uma pessoa. Nessa época, dona Fátima começou a trabalhar em confecções de Santa Cruz do Capibaribe. Como os filhos já estavam crescidos, ela passava a semana lá e voltava no fim de semana. Quando chegava, eu dava o dinheiro da feira pra ele fazer as compras e esse dinheiro nunca era suficiente. Depois eu descobri que ele tava repartindo pra mim e pra a outra mulher, diz. A fábrica de confecções de Santa Cruz do Capibaribe se mudou pra Campina Grande e dona Fátima pode voltar a dormir em casa todos os dias. Dessa vez não fui mais besta, deixei de dar dinheiro a ele, eu mesma ia fazer

Articulação Semiárido Brasileiro – Paraíba

minha feira todo sábado. Mesmo trabalhando fora, dona Fátima sempre saia do emprego, ou pedia licença, para se dedicar à sua propriedade no período do inverno. Ela e os filhos botavam roçados de milho, feijão e fava. Dona Fátima lembra que o filho mais novo, Rogério, com 8 anos conseguiu trocar um relógio, que ganhou de presente da mãe, em uma bicicleta e foi vender pão e rapadura pra ajudar na renda. Pensa que a minha vida e dos meus filhos foi fácil? Depois de tudo isto eu passei a trabalhar em casas de família em Campina Grande, relembra a agricultora. Dona Fátima conta que sua vida só começou a mudar para melhor quando o marido saiu de casa e eles se separaram de vez. Outra grande mudança foi quando a agricultora se aposentou e finalmente, aos 55 anos, conseguiu se dedicar totalmente ao sítio de 7 hectares e meio que pertenceu aos pais de dona Fátima, já falecidos. Como é uma terra de herdeiros e ainda não foi dividida, ela não sabe dizer exatamente qual o tamanho do seu pedaço de chão. Dos 12 irmãos que dona Fátima tem, apenas um irmão também vive da agricultura, os outros todos moram fora. No local, a agricultora produz roçado bem diversificado com milho sabugo fino, feijão macassa, fava de moita e orelha de vó, batata doce, macaxeira, sorgo, jerimum, chuchu, guandu e palma doce gigante. Na horta ela tem tomate cereja, alface, couve, coentro, pimentão e pimenta dedo de moça. As fruteiras de caju, pinha, coco, acerola, carambola, graviola, limão, manga, goiaba, umbu, pitanga, laranja e seriguela. No seu arredor de casa cultiva plantas medicinais como arnica, anador, hortelã, malva rosa, alecrim, mirra, colônia, babosa, saião e tetraciclina. No quintal de dona Fátima tem ainda uma diversidade de flores e outras plantas ornamentais. De onde eu vou, sempre trago uma planta, seja roubada ou doada, eu sempre trago, brinca dona Fátima.


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