Ano 9 • nº 1.646 Janeiro/2015 Ourolândia
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
“Vida melhor do que esta aqui da roça, não existe” Dona Alaídes Andrade, 53 anos, e seu Nemésio Aurora, 57, mais conhecido como Negão, são moradores da comunidade de Valóis, também conhecida como Valoáis, no município de Ourolândia, região Norte da Bahia. Juntos há quatro anos, o casal tem construído, mesmo que recente, uma história de parceria, resistência e dedicação à terra. Ao lado do sobrinho Carlos Daniel, carinhosamente chamado de Carlinhos, eles produzem no quintal de casa uma diversidade de culturas que garantem a melhoria da qualidade de vida. “Tudo que a gente faz aqui, a gente só faz combinado. Combinamos tudo”, diz Dona Alaídes. Seu Negão e Dona Alaides
Ela lembra que chegou na comunidade de Valoáis com 16 anos, e segundo a mesma, as coisas simples da roça são o que tornam a lida com o campo ainda mais interessante e prazerosa. “Eu passei 5 anos na capital mas vim embora, porque não gosto de capital, eu gosto é do canto dos pássaros, e da roça. Nasci na roça, vivo na roça e vou morrer na roça. Numa capital eu não tenho o sossego que tenho aqui”, Conta. ‘
No tempo em que morou fora, Dona Alaides lembra que sentiu muita saudade da sua terra “Até do ar
eu sentia falta. Eu era muito feliz e não sabia. Eu disse: vou voltar pra minha terra, de lá sai chorando, mas pra lá vou voltar sorrindo. Larguei tudo e vim embora. Não conseguia imaginar um lugar desse abandonado”, relata ao lembrar o dia em que decidiu voltar para Valoáis. Depois que chegou na comunidade, o sítio da família nunca mais foi o mesmo. O quintal da família produz de tudo. É com orgulho que dona Alaídes mostra os pés de seriguelas, bananas, maracujá, pinha, goiaba, manga, acerola e verduras diversas. Diversidade de riquezas produzidas com carinho e que tornam a agricultura familiar mais forte, garantindo alimento de qualidade, melhorando a segurança alimentar e nutricional da família. Na cozinha, ela faz questão de mostrar os frutos de seu trabalho. “Tudo que a gente produz sem veneno”. Boa parte do que é produzido é consumido pela própria família, outra parte é doada aos vizinhos, visitas e parentes, e só o excedente é Seu Negão, Carlinhos e Dona Alaídes comercializado. “Um prazer que a gente tem é poder oferecer aos outros aquilo que é produzido em nossa roça. Para mim, é um orgulho’’, completa Dona Alaídes que também costuma fazer cursos para aperfeiçoar suas técnicas de lida com o campo. Carlinhos, o sobrinho considerado como filho, tem uma relação de muito carinho pela terra e pela família.
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Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia
Ele ajuda nas tarefas básicas e quer continuar no campo ao lado dos tios. “Ir embora é uma coisa que eu não faço nem me pagando”, diz Carlinhos que completa: “Aqui é bom de mais, tenho tudo que preciso”. A família já possui a cisterna de captação de água da chuva para consumo, que serve para o abastecimento doméstico. A expectativa agora é inaugurar a cisterna que está sendo construída e que aumentará a disponibilidade de água, dando suporte na produção agrícola da família. “Aqui, mesmo sem cisterna, a gente já tem alface, couve, rúcula, cebolinha, mostarda... De tudo tem plantado aqui. Esta cisterna é meu sonho. Vai ajudar muito”. Relata negão. Mesmo com limitação hídrica a família já produz uma diversidade de culturas. “Até no batente da porta a gente planta”. Diz seu negão sorrindo ao mostrar o pé de mostarda ainda recém plantado. “Depois que a cisterna juntar água, com 60 dias você pode vir aqui pra ver a fartura que vai tá”, diz Seu Negão que completa: “Aqui a gente não tem preguiça de D. Alaídes e Seu Negão na labuta com o campo trabalhar não”. Como nem tudo é trabalho, no fundo do quintal da propriedade, a família faz questão de mostrar um pé de umbuzeiro que empresta suas sombras para o descanso do casal e para recepção das visitas. “Todo mundo que vem aqui adora a sombra desse umbuzeiro. Tem gente que vem passar umas horas aqui e fica o dia todo. A gente faz churrasco, descansa, conversa... Aqui é bom de mais”, diz Dona Alaídes. O pé de umbu também serve de estaleiro para as maracujinas. “A gente planta e elas enramam no pé de umbu. Aqui a gente não precisa nem regar. Em cima deste pé de umbuzeiro é que é farto de maracujina. Elas caem à noite, a gente pega e dar ao povo. Nada aqui tem veneno. Para a gente é um prazer dar os frutos da nossa terra pros outros”. Família descansa à sombra do umbuzeiro Parte do que é produzido, a família doa e troca com vizinhos, outra parte é comercializado e boa parte, principalmente dos grãos como milho, feijão e andu, é estocado em tonéis, como numa “poupança”, para consumir e servir de sementes quando precisar. Dona Alaídes, seu Negão e Carlinhos fazem do campo um lugar de qualidade de vida e rico em possibilidades e produção. Com diversidade, união, parceria, amor à terra e à história, eles têm feito com que a vida da família se torne a cada dia uma referência e um modelo a ser seguido. A diversidade da produção conserva o solo e protege a biodiversidade. A estratégia de convivência com o semiárido, com o plantio de plantas forrageiras e criação de animais de pequeno porte, tem feito com que os períodos de estiagens não sejam tão difíceis de superar. Além do mais, consumir a produção da própria família e ainda armazenar parte dos grãos colhidos têm servido como uma forma de preservar as espécies nativas e adaptadas ao solo. Outra estratégia é armazenar alimentos em tonéis tornando desnecessária a compra de sementes e grãos. A vida da família, como a de outros nordestinos e nordestinas, é feita de simplicidade, união, dificuldade, história e resistência. Fortalecendo as suas raízes, Dona Alaídes e Seu Negão tem tornado a vida no campo de Valoáis de uma riqueza sem tamanho e de uma qualidade imensurável, tornando-se exemplo para agricultores e agricultoras do semiárido nordestino, em pleno sertão baiano.
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