O quintal de dona Zilda, onde tudo dá

Page 1

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº1955 Janeiro/2015

É uma farmacinha! O povo diz que é bom, aí a gente faz chá. Tudo que eu vejo que pode ser bom eu já trago e planto. Eu gosto de ficar pegando as mudinhas e as sementes pra plantar. Meu netinho tem 2 anos e ele gosta muito de chá, eu sempre faço chá de laranja, chá de erva cidreira... ele sempre pede e eu faço, o que fizer ele toma!”, conta ela entusiasmada. A produção do quintal vai toda para a alimentação da casa, segundo dona Zilda. A família participa, junto com outras famíliias, no trabalho da casa de farinha, que é de onde vem parte da renda, que se complementa com outros trabalhos e a aposentadoria, o que é o suficiente para manter uma vida sossegada. Para ela, a tranquilidade do seu quintal não tem igual. “Esse quintal é tão gostoso, eu fico o dia inteirinho aqui! É difícil eu ir lá dentro, vou mais só pra dormir ou na sala às vezes, pra ver um pouco de TV. Eu fico mais é nesse pedacinho (varanda e quintal), almoçamos aqui, recebemos as visitas, é quase tudo aqui”, brinca dona Zilda. E assim, se adaptando às transformações ocorridas em sua terra ao longo dos anos, resistindo à grandes estiagens e às dificuldades que a vida traz, dona Zilda e sua família efetivamente convivem com o Semiárido. Vivendo com alegria, se alimentando com fartura e variedade e se envolvendo ativamente nas questões da comunidade, ela é um exemplo de mulher forte, um modelo de mãe e uma pessoa querida por todos e todas na terra que todos chamam de Milagre.

Realização

Apoio

Barra do Mendes

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

O quintal de dona Zilda, onde tudo dá A comunidade Milagre, localizada no município de Barra do Mendes, é uma terra onde se pode enxergar toda a diversidade do Semiárido baiano, com suas potencialidades e dificuldades inerentes ao clima e às condições econômicas da região. Lá, mora dona Zilda junto de Plínio, seu filho já adulto, vivendo tranquilamente e cuidando do seu quintal, de onde retira a maior parte do seu sustento. Em outros tempos, as condições da família eram bem diferentes, e dona Zilda e seu esposo foram morar em São Paulo, fugindo das dificuldades impostas pela estiagem. Alguns anos depois, quando dona Zilda ficou grávida, a família retornou para o seu sítio em Milagre. Antigamente, a família cultivava a terra no sítio, que hoje serve somente para pastagem. Dona Zilda conta que eles plantavam feijão, milho, mamona, mandioca, entre outras coisas. “No sítio, tinha cana plantada, a gente moía essa cana pra fazer rapadura, fazer cachaça. Tinha uma diferença, pois nessa época chovia mais, só que com o passar do tempo foi encurtando (as chuvas), até que a gente parou com a cana, porque não tinha mais água no rio, pois a gente molhava com essa água. Esse rio nosso é o rio Jacaré, ele vinha e caía nesse nosso, o rio Milagre”, conta ela, que lamenta o desaparecimento dos riachos da região. Conforme as dificuldades com a estiagem foram se tornando mais presentes, adaptações foram necessárias para contornar a crise. “Teve uma época onde o meu marido chegou a pegar a palha do licuri pra manter o gado, porque não tinha mais o que dar. Pegar o pé do mandacaru, pra passar na máquina forrageira, pra fazer


Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

alimento pro gado. Eu preferia que faltasse comida pra mim do que ver eles com fome e sede”. Dona Zilda chegou a pensar que as coisas não se ajeitariam. “A ge n t e p e n s a va q u e n ã o i a conseguir, mas sobrevivemos e estamos aqui contando a história né?” Brinca ela, que não perdeu a alegria de viver, nunca desistindo frente às dificuldades. Ela, que vive com os dois filhos, visita pouco o sítio, que ainda pertence à família. Seus filhos passaram a cuidar do sítio, sendo que o mais velho vendeu logo a sua parte. Nos períodos de dificuldades, foi a produção de mandioca que garantiu a resistência da família, pois ela sempre dá, mesmo com pouca chuva, como ela mesmo diz:“a gente foi sobrevivendo assim como podia. Plantando só a mandioca, porque a partir daí não dava mais o milho, o feijão, não dava mais nada. Então a gente ficou plantando só a mandioca, pois dava uma chuva em dezembro e a gente plantava, às vezes chovia em março, às vezes não, e assim a planta aguentava. E dessa mandioca a gente sobrevivia, tirava a farinha, a tapioca pra vender, pois da mandioca a gente não perde nada. Foi nossa salvação, pois não teria nada disso que temos se não fosse ela”. As condições de vida melhoraram com a chegada das tecnologias sociais. “Faz dois anos que tenho a cisterna pequena (para consumo humano), e foi um sufoco pra encher ela da primeira vez, pois choveu pouco e quando o telhado limpou com as primeiras águas, o que veio depois não foi o suficiente pra encher. Mas depois que ela encheu a primeira vez, nunca mais faltou água”. Com a chegada da cisterna-calçadao no final de 2013, a oferta de água para consumo da casa e para manter o cultivo no quintal foi importante para melhorar a qualidade e diversidade da alimentação da família e

aumentar a qualidade de vida como um todo. Se antes existia a dependência de carros-pipa, que forneciam água muitas vezes de qualidade duvidosa, hoje dona Zilda ajuda até os vizinhos com água de boa qualidade, quando é necessário. Dona Zilda participa ativamente da associação de moradores e produtores da comunidade, sendo uma referência de liderança, especialmente para as mulheres. Plínio, o filho que mora com ela, também é membro ativo, e ajuda em várias questões na associação comunitária, inclusive acompanhando o andamento dos trabalhos durante a implementação das tecnologias de segunda água na comunidade, através do Programa Uma Terra e Duas Águas(P1+2). Hoje, com a cisterna de produção no quintal, dona Zilda produz uma grande variedade de alimentos e ainda cria pequenos animais. Ela cultiva cana de açúcar, alface, beterraba, couve, cebola, coentro, salsa, pepino, mostarda, repolho, quiabo, o tomate cereja (tomate de dimensões reduzidas) e aipim. Além de tudo isso, ainda existem as árvores frutíferas: tenho laranja, banana, manga, mamão, acerola, limão, coco, figo... a diversidade no quintal brota por todos os lados. As criações de porcos e galinhas são mantidas em grande parte com o que é produzido no quintal e com a água da cisterna-calçadão. Os animais servem para a alimentaçao da casa e também como fonte de renda adicional, em algumas ocasiões. Outra cacterística marcante na diversidade do quintal de dona Zilda são as ervas medicinais. Ela gosta de ensinar sobre a sua 'farmacinha' doméstica para as visitas. “Tenho também as ervas: capim-santo, erva-cidreira, erva-doce, alecrim, manjericão, hortelã grande e pequeno, manjericão, melissa, (uma folhinha que serve pra chá, dizem que é calmante), tem boldo.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.