TEMPO DIDÁTICO
Correio poético
e circulação de incentivo à leitura com
Santos
e
Viviane Cristina
de
Souza1
crianças de 3 anos apoiam-se na brin cadeira com palavras, na poesia e ter mina em projeto de indicação literária
Revista avisa lá
o
Ações
dos
n 71
Luciana Oliveira
agosto de 2017
da literatura
17
Crianças pequenas gostam de brincar com as palavras e de repetir palavras que não conhecem só porque lhes soam engraçadas. Regidas pelo pensamento sincrético2, buscam no efeito sonoro da rima e na repetição dos sons uma inspiração para brincar, um modo de expressão que é muito próximo do pensamento típico dessa idade. O trabalho com poemas e indicação literária oferece uma ótima oportunidade de imersão da criança na expressividade da sua língua. Ao mem orizar os textos para brincar, as crianças ganham um re-
Luciana é orientadora pedagógica e Viviane é professora de Educação Infantil. 2 A Literatura, e em especial a Poesia, frequentemente usam de recursos como a fabulação, a contradição, a tautologia e a elisão, que são características do pensamento sincrético predominante nas crianças de 3 a 5 anos. 1
FOTO: ACERVO DA ESCOLA
pertório para as primeiras experiências de leitura.
TEMPO DIDÁTICO
A professora Viviane, do G3 (crianças de 3 anos), teve a ideia de convidar os grupos dos 2os anos da Escola3 para compartilhar as experiências de leitura de poemas entre turmas diferentes. Nas turmas dos 2os anos o projeto intitulava-se FOTO: ACERVO DA ESCOLA
Correio poético, e o projeto dos pequenos de 3 anos, Vai e vem poesia4. Na sala, as professoras já vinham apresentando e lendo os poemas para os alunos que acompanhavam a leitura no caderno de poemas, composto de uma coletânea de poemas de Vinicius de Moraes, Ricardo Azevedo, do correio, e, com eles, definiram onde ficaria o
Lalau e Laurabeatriz.
correio. Um aluno diz:
oral e escrita que favoreçam a troca por meio de
– Não dá para ser na recepção, pois as pes-
experiências coletivas. Dentre elas, foi realizada a
soas podem mexer!
construção de uma caixa de correio para que os alunos trocassem os poemas que apreciavam.
A professora comenta:
Definido o local em que ficaria a caixa, chegou a
– O ideal não seria a caixa de correio ficar
hora de pensar quais poemas poderiam ser apre-
em um local visível para que outras pessoas
sentados aos grupos. Os pequenos receberam a
também possam colocar as cartas?
Revista avisa lá
o
n 71
agosto de 2017
A escola preza o enfoque literário, e as professoras planejam atividades na área de linguagem
A proposta se estendeu aos 2 anos, e o G3
são de colocá-la ao lado da Secretaria. Com a aju-
queria compartilhar os poemas de preferência.
da de alguns funcionários envolvidos na proposta,
18
Mas como envolver os grupos dos 2os anos?
foi montada a base que sustentaria a caixa. Para
primeira correspondência e, como bons anfitriões, propuseram-se a enviar a resposta. os
Após discutirem a proposta chegaram à deci-
fazer surpresa, as professoras combinaram entre Correio, via de comunicação poética
elas de colocar as cartas às terças-feiras.
A coordenadora da Educação Infantil propôs
Algumas crianças tomaram a iniciativa de ilus-
à professora do G3 a realização de um correio
trar a caixa deixando-a com suas próprias marcas.
poético já que as crianças estavam inseridas na
Chegou o grande dia de verificar a caixa de
linguagem poética. Motivada, voltou para a sala
correio e, para surpresa do grupo, tinha uma car-
com uma ideia: conversar com as professoras
ta endereçada ao G3, e as crianças, eufóricas,
dos 2os anos – Marina e Rosangela5 – sobre o cor
diziam à professora: Abre logo, Vivi!
reio. Elas abraçaram a ideia e, aos poucos, o correio
Ao voltarem à sala para fazer a leitura em
poético foi sendo elaborado. Marcaram o dia e o
roda descobriram que a correspondência fôra
local de encontro das turmas. Organizados em
enviada pela turma do 2o B. Continha um pensa-
roda, elas apresentaram aos grupos a proposta
mento de Léo Cunha6:
Escola Colibri, localizada no município de Embu das Artes (SP). Este nome foi inspirado no artigo Vai e vem poesia, de Adriana Klisys, publicado em 2002 na edição número 2 da Revista Avisalá, indicado aos professores no processo de formação desta escola. 5 Marina Estrauss Thuler é professora do 2o ano A e Rosangela Batista da Conceição de Jesus, do 2o ano B. 6 Leonardo Antunes Cunha, conhecido no mundo literário como Leo Cunha, nasceu em Bocaiúva e mora em Belo Horizonte (MG). Graduado em Jornalismo e Publicidade, pós-graduado em Literatura Infantil, mestre em Ciência da Informação, doutor em Cinema e professor universitário de Jornalismo desde 1997. É escritor, tradutor e jornalista. 3
4
TEMPO DIDÁTICO
Poeta tem mão de fada.
O que as crianças aprendem com a escrita de
Quando ele escreve a caneta
indicações?
voa que nem borboleta,
A estrutura de escrita da indicação, estrutura
vira vareta encantada,
do texto: como começa, como acaba, as per-
Não é mais caneta, não,
guntas para enlaçar o leitor.
é varinha de condão.
O que se pode falar sobre o livro. A mpliar o repertório de histórias – elas aprenrências, fazer comparações etc.
A proposta foi envolvendo quem gostava de
Q ue a escrita é diferente da fala, embora a escrita
poesia. Alguns funcionários também escreveram
possa representar a fala. A criança percebe que
cartas para o G3.
para escrever não bastam ideias ou palavras soltas. anos um vídeo das
A escrever um texto, mesmo antes de escreve-
crianças cantando A casa e uma carta explicando
rem convencionalmente, porque são autoras do
o passo a passo para acessarem o vídeo.
texto. É preciso planejamento, revisão, isto é, vol-
Enviamos para os 2
os
tar muitas vezes ao texto; comparar aquilo que
Escola toda passou a desenvolver também o pro-
se queria escrever com o resultado, igualmente
jeto Indicação literária. A poesia já estava pre-
parte da revisão. Clareza de ideias, completude.
sente em nosso cotidiano, assim como a leitura,
A produzir oralmente um texto, mesmo antes
a contação de histórias e o reconto oral, que já
de escreverem convencionalmente.
aconteciam nas turmas da Educação Infantil.
Os alunos aprendem, portanto, uma série de
Entendendo que fazer indicações é uma ação co-
comportamentos escritores, como planejar o que
mum entre leitores, resolvemos aproveitar o
se vai escrever, considerando o interlocutor; revi-
repertório literário construído por todas as tur-
sar o que se escreveu, voltando muitas vezes ao
mas e acionar o registro das leituras favoritas
texto; a comparar aquilo que se queria escrever
Revista avisa lá
o
Paralelo ao projeto Vai e vem poesia, a
agosto de 2017
mais apreciam – A casa, de Vinicius de Moraes.
dem ao escrever que podem utilizar mais refe-
n 71
Para responder, escolheram o poema que
dos grupos, recomendando-as para outros gru-
com o resultado.
19
pos da Escola.
No início do ano, quando a formadora
7
Quando lemos um livro interessante é comum
apresentou o tema na formação, ficamos an-
sentirmos a vontade de compartilhar com as pes-
siosas e até preocupadas, pois era algo novo
soas. As crianças também demonstram essa von-
para o grupo.
tade quando pedem para ler de novo a mesma história, ou quando chegam à escola com um livro para que o professor leia para a turma toda. Formação continuada e indicação literária A Escola investe na formação continuada de mos ao projeto institucional Indicação literária x formação: como indicar uma boa leitura para outra pessoa ou grupo e investir no acervo literário da sala de leitura.
Formação realizada em 2016 pelo Instituto Avisa Lá, a cargo da formadora Ana Carolina Carvalho com os professores da Escola Colibri, tendo como foco o projeto didático Indicação literária.
7
FOTO: ACERVO DA ESCOLA
professores e, para o ano de 2016, nos dedica-
TEMPO DIDÁTICO
O tempo foi passando e fomos ousando fazer indicação coletiva. O grupo escolhia os títulos literários após a apresentação de um repertório de histórias lidas pela professora.
o rganizar o tempo; r evisar o texto várias vezes. A cada indicação elaborada ao longo do trimestre fomos percebendo os avanços das crian-
Na semana seguinte, a professora planejou o
ças no que diz respeito à expressividade infantil
momento da leitura inserindo os apontamentos
e à ampliação do repertório de palavras, inclusi-
feitos na formação: realizou a leitura diária, e o
ve aquelas identificadas na história. Notamos
grupo escolheu uma leitura para fazer a indica-
que várias indicações continham expressões ex-
ção. Ela se ofereceu como escriba das ideias das
traídas dos textos. As professoras também foram
crianças que produziam pequenos textos com
se apropriando do gênero e fazendo intervenções
partes importantes da história, uma vez que ain-
conscientes após as crianças ditarem as ideias
da não sabem grafá-los convencionalmente.
principais do que ouviram da história.
n 71
agosto de 2017
Os alunos indicaram a história da Ritinha bonitinha, de Eva Furnari, para o grupo de 5
O que a literatura pode ensinar ao leitor-ouvinte
anos. A indicação foi feita em um único parágra-
A experiência literária brinda o leitor-ouvin-
fo e, para surpresa e encanto das professoras,
te com as coordenadas para que ele possa no-
percebemos o quanto podemos aguçar e dar espa
mear-se e ler-se nesses mundos simbólicos que
ço para as crianças serem protagonistas. Alguns
outros seres humanos construíram. E embora
pontos essenciais foram:
ler literatura não transforme o mundo, pode fa-
Revista avisa lá
o
conhecer
muitos textos de indicação ou seme-
zê-lo ao menos habitável, pois o fato de nos ver-
lhantes, como as resenhas informativas de ca-
mos em perspectiva e de olharmos para dentro
tálogos de editoras;
contribui para que se abram novas portas para
explicar
o propósito e para quem vai escrever;
a sensibilidade e para o entendimento de nós
garantir
a autoria coletiva, ou seja, que todos
mesmos e dos outros.8
possam dar ideias sobre a escrita do texto; escrever
na frente do grupo;
O projeto de indicação literária foi ganhando proporção na escola. À medida que as professo-
FOTO: ACERVO DA ESCOLA
FOTO: ACERVO DA ESCOLA
20
Indicação coletiva do G3 8
Produção do grupo de crianças com a professora
Em Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação, de Yolanda Reys. São Paulo: Pulo Do Gato, 2015. p.28-29.
TEMPO DIDÁTICO
FOTO: ACERVO DA ESCOLA
ras liam para os alunos, as crianças se dedicavam à leitura mesmo sem saber ler, voltando aos livros e explorando-os por conta própria, e faziam boas indicações dos livros para os colegas de seu grupo ou para outras turmas. Foi um projeto que proporcionou também mais integração entre as séries, aproximando crianças de diferentes faixas etárias. Foi o que aconteceu com as crianças das turmas do G3 quando foram até a sala do 1o ano B e fizeram a indicação do livro Porcolino e a vovó9. Os alunos do 1o ano B ficaram muito interessados em conhecer a história e, por isso, decidiram
e o tão desejado livro foi lido. Para a estudiosa
História: A velhinha que dava nome às coisas
Claudia Molinari , crianças que recomendam suas
Texto: Cynthia Rylant
leituras a outras crianças ou aos adultos expres-
Ilustração: Kathryn Brown
sam seus gostos e suas preferências, selecionam o
Editora: Brinque-Book
quê e como dizer para ganhar mais um leitor e
Ano: 2013
10
Gabriel: Da vovó com topete.
Revista avisa lá
avaliam o que ler, atendendo às recomendações
o
parque, local onde se organizou uma grande roda,
agosto de 2017
Mostra cultural 2016 – projeto Poemas e indicação literária
n 71
ouvir juntos a leitura. As turmas se encontraram no
unem no universo da linguagem, seja no projeto
Nathaly: Tem uma baleia.
21
Vai e vem poesia, seja nas indicações coletivas
Davi: Não!
e rodas de leitura. Nesta experiência literária,
Crianças: Baleia, baleia.
retratada a seguir com um trecho da roda de
Crianças: Tem um carro, vovó com topete, carro
conversa, as crianças ocupam os papéis princi-
com topete, rua com topete.
pais de leitores-ouvintes e revelam seus saberes
Professora, lendo o que está atrás do livro (con-
por meio de seus achados literários através da
tracapa): O que há atrás do livro? Querem saber
conversa. Como relata Cecília Bajour , além de
o que vai acontecer? Quem escreveu esse livro
aprender a escutar os silêncios dos textos e
foi a Cynthia Rylant. Quem ilustrou foi a Kathryn
colocá-los em jogo nas experiências de leitura,
Brown. Ele foi feito nos Estados Unidos.
dos outros. E foi o que o G3 fez indo até a sala do
Grupo 3
1 ano para recomendar a leitura, deixando o gru-
Professora Viviane: O que será a história de hoje?
po instigado a ouvir a mesma história.
Do cachorro?
o
As experiências literárias das crianças se
11
os mediadores podem aguçar o ouvido aos modos particulares que os leitores têm de se ex-
Comentários das crianças
pressar e de fazer hipóteses sobre os seus
Gabriel: A velhinha tem topete, carro fusca, car-
achados artísticos.
ro trem bem grandão e o farol deste tamanho.
De Margaret Wild e Stephen Michel King. São Paulo: Brinque Book, 2013. Em: Uma atividade permanente – Clube de leitores. A escrita de recomendações pelas crianças da Educação Infantil. Maria Cláudia Molinari. Separata utilizada pela formadora durante o trabalho. 11 Em: Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura. São Paulo: Pulo do Gato, 2012. 9
10
T ETM EM PO P OD IDDI Á D TÁI TCIO CO
Professora: A vovó fazia o quê?
grupos culturais, que alarguem seus padrões de
Gabriel: Andava de carro. Camaro e Ferrari.
referência e de identidades no diálogo e conhe-
Davi: Vivi, o que o Gabriel disse?
cimento da diversidade”12.
Professora: Que a vovó andava de Camaro. A professora inicia a leitura.
na mostra cultural em novembro de 2016, em
Gabriel: Anda de Camaro.
que os produtos finais foram expostos para apre-
Gabriel: Eu não gosto dessa velhinha não.
ciação das famílias, deixando em evidência as
Todos: Eu também não.
produções das crianças: marcadores de indica-
Professora: Por que você não gosta, Gabriel?
ções literárias, livro com o registro das indica-
Gabriel: Tem um queixão deste tamanho. E nem
ções, correio poético.
o
n 71
agosto de 2017
trocou de casa.
Revista avisa lá
Todo o itinerário de leitura traçado culminou
Ao rever o percurso de aprendizagem de lei-
Uma análise da transcrição da roda de leitu-
tura, miro e vejo o quanto as crianças crescem e
ra mostra como é importante o professor am-
ampliam suas experiências quando inseridas em
pliar o universo discursivo do grupo de crianças
um universo literário. A literatura tem um poder
trazendo para a roda as narrativas, o imaginá-
grandioso de magia que encanta os pequenos e
rio, o vocabulário e o linguajar próprio de cada
a todos os que estão à sua volta, a magia do
um; convidando novos falantes para a roda; e,
brincar, do conhecer, do ser, do aprender e do
assim, o professor pode colorir ainda mais a
conviver presentes na rotina. São grandes quin-
profusão de sentido que a nossa língua permite
tais literários por onde os alunos passam e reve-
e “garantir experiências que possibilitem vivên-
lam os exercícios de ser criança na modernidade,
cias éticas e estéticas com outras crianças e
e acredito que isso eles levarão para a vida.
FICHA TÉCNICA Associação Pela Família – Escola Colibri Consultoria pedagógica: Instituto Avisa Lá Endereço: Via das Magnólias, 44 – Jardim Colibri. CEP: 06805-350 – Embu das Artes – SP Tel.: (11) 4702-4050 Diretora: Maria Cecília de Mello Fernandes E-mail: cecilia@escolacolibri.g12.br Orientadora pedagógica: Luciana Oliveira dos Santos E-mail:orientacao2@escolacolibri.g12.br Professora:Viviane Cristina Nunes C. de Souza Auxiliar de ensino: Karine Rodrigues Formadora do Avisa Lá: Ana Carolina Carvalho
22
1
PA R A SA B ER MAIS Textos Enseñar y aprender a ler, de Mirta Luisa Castedo, Maria Claudia Molinari e Ana Isabel Siro. Buenos Aires, Ediciones Novedades Educativas, 2003. Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação, de Yolanda Reyes. São Paulo: Pulo do Gato, 2015. O trabalho do professor na Educação Infantil, de Zilma Ramos de Oliveira (Org.). São Paulo: Biruta, 2012. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura, de Cecília Bajour. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010.
12
$