As distorções cognitivas do paciente com comportamento suicida

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As distorções cognitivas em pacientes com comportamento suicida Vivian Zicker ( Brasil)

As pessoas que pensam em suicídio ou cometem suicídio são frequentemente julgadas pelas outras pessoas como fracas, covardes ou egoístas. O julgamento acontece porque há uma dificuldade em se colocar no lugar do outro e compreeender como alguém pôde pensar ou chegar até esse ato tão extremo. A morte por suicídio gera um processo diferente nos que ficam,os chamados sobreviventes, pois envolve emoções e questões que não fazem parte dos sentimentos vividos em outros tipos de perda de entes queridos, como morte por doenças ou acidentes. Nesses casos, há uma demonstração de solidariedade imediata por parte de todos , fala-se abertamente sobre o assunto e o conforto é oferecido sem questionamentos. No caso de morte por suicídio, há um incômodo que se expressa pelo silêncio, pela vergonha, pela raiva e surgem inúmeras interrogações que talvez jamais serão respondidas pelos que permanecem procurando um sentido para o que aconteceu . Há um constrangimento generalizado quando ocorre uma perda por suicídio e surgem acusações dirigidas a quem se matou por ter feito essa “ escolha”. Muitas vêzes, são os pais ou cônjuges da vítima que sofrem críticas por não terem dado atenção suficiente para ela ou por terem subestimado as vêzes em que a pessoa disse que se mataria. Médicos e psicólogos também podem ser responsabilizados por não terem oferecido tratamento adequado e impedido o suicídio do paciente. Frequentemente, as pessoas que faziam parte da convivência da vítima experimentam muita culpa e uma sensação de que poderiam ter feito alguma coisa para evitar a tragédia. Através de inúmeras pesquisas, hoje sabemos que a maioria dos suicídios está associada a patologias de ordem mental e que as doenças que mais levam ao suicídio são a depressão, o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Os transtornos de humor combinados com abuso de álcool e drogas, são as condições psiquiátricas mais comuns associados ao suicídio. Mesmo em portadores de doenças clínicas, a maioria dos suicídios ou tentativas se deve a uma depressão coexistente a essa condição dolorosa e limitante. A disfunção, a incapacidade duradoura e as dores crônicas também encontram-se fortemente associadas ao suicídio. Nas suas formas mais graves, a depressão paralisa todas as forças vitais, tudo é sombrio e vazio de sentimento. A dor psíquica é indescritível. A escritora Sylvia Plath, cinco anos antes de seu suicídio, escreveu em seu diário: “ Estive e estou em depressão .Estou agora inudada de desespero, quase histérica, como se tivesse asfixiada. Como se uma grande coruja musculosa estivesse sentada sobre meu peito, suas garras agarrando e comprimindo meu coração”. Dificilmente uma pessoa que não apresenta um transtorno mental conseguirá compreender o profundo sofrimento psíquico de quem se encontra nesse estado e como o humor e pensamento se encontram devastados. A lógica de uma mente saudável é incapaz de se colocar no lugar da tempestade mental em que se encontra uma pessoa com ideação suicida. Há uma constrição do pensamento, um afunilamento do leque de opções de alternativas para enfrentar as dificuldades, que fazem com que


o indivíduo suicida só encontre na morte a solução para sua intensa dor existencial. O psiquiatra americano Aaron Beck, pai da Terapia Cognitiva, nos aponta que pessoas com comportamento suicida expressam crenças distorcidas sobre si mesmo, o mundo e o futuro. Existem alguns constructos cognitivos que demonstram ser mais característicos de indivíduos suicidas do que de indivíduos não suicidas. 1) Desesperança: Crença de que o futuro é sombrio e que os problemas jamais se resolverão. Há uma dificuldade de fazer planos de futuro, mesmo os de curto prazo. 2) Impulsividade: Ênfase no presente, rápida tomada de decisão, falha em considerar as consequências de suas ações. Embora muitos indivíduos tenham planos bem formulados para o suicídio, a cronometragem definitiva e a decisão final costumam ser determinadas por impulso. 3) Ambivalência: As pessoas com comportamento suicida, frequentemente são ambivalentes em relação a morte. “O suicídio é uma situação de ambivalência. Não está em questão apenas se a pessoa quer viver ou morrer. Ela quer escapar de uma situação desagradável e angustiante, de sofrimento absoluto. E, quase sempre, quando opta pelo suicídio, percebe que não é uma boa escolha. O arrependimento está muito catalogado em todas as pesquisas que se propuseram a estudar o tema. São trabalhos de extrema qualidade, feitos no Japão, em vários países da Europa, no Islã, que entrevistaram pessoas que tentaram o suicídio, foram hospitalizadas após a tentativa, muitas em estado grave e irreversível para a sobrevivência. Enfim, todos os estudos concluem que o arrependimento é muito presente e sim reforça a necessidade de prevenção” afirma Dr.José Bertolote, um dos maiores suicidólogos brasileiros. 4) Déficit na resolução de problemas: Inabilidade de gerar soluções de problemas, foco em resultados negativos para soluções propostas, evitação de tentativas de solucionar problemas e a baixa confiança na própria habilidade de solucionar problemas. 5) Perfeccionismo: Necessidade e habilidade de atender aos padrões e expectativas impostas pelos outros ou às expectativas que o indivíduo acredita que esperam dele. Indivíduos perfeccionistas são vulneráveis ao fracasso, percebido em termos de tudoou-nada, ignorando gradações. 6) Fixação atencional: Processo seletivo onde indivíduos restringem sua atenção para estímulos relacionados ao suicídio e para longe de indicadores de outras alternativas, segurança ou outras razões para viver. São incapazes de usar a razão para seus problemas. 7) Memória supergeneralizada: Dificuldade de lembrar-se de experiências positivas específicas do seu passado e de acessarem informações específicas que são necessárias para uma resolução efetiva de problemas. 8) Rigidez: Pensamentos, sentimentos e ações estão constritos. Pensam rígida e drasticamente, constantemente dirigido ao ato suicida.


As distorções cognitivas fazem o indivíduo com comportamento suicida tomar a sua interpretação da realidade como fato, podendo gerar situações que acabam tornandoas realidade. São exemplos de algumas dessas distorções cognitivas: 1) Leitura da mente: A pessoa acha que sabe o que os outros estão pensando e não considera possibilidades mais prováveis. Ex: “Ele acha que sou um fracassado. Todos me acham burro. Ninguém me ama. ” 2) Adivinhação: A pessoa acredita que pode prever o futuro. Ex: “Tenho certeza que as coisas vão ficar piores. Nada se resolverá. Minha vida acabou .” 3) Catastrofização: Tudo tem uma dimensão negativa maior do que a realidade para essa pessoa. Ex: “Não poderei viver mais viver depois do que aconteceu.” 4) Rotulação: quando a pessoa habitua-se a colocar um rótulo global e fixo sobre si mesmo ou sobre os outros, sem considerar as ocorrências. Ex: “O mundo é mau,nada e nem ninguém presta”. 5) Filtro negativo: A pessoa olha as situações sempre pelo lado negativo. Ex: “Eu passei porque a prova estava fácil. Sou burro mesmo.” 6) Generalização: A vida é vista pela pessoa de uma forma totalmente generalizada e extremista: “Eu fracasso em tudo. Nada deu certo para mim. Nunca conseguirei nada nessa vida”. 7) Pensamentos dicotômicos: A pessoa vê uma situação em apenas duas categorias em vez de várias alternativas, ex: “Se eu não for um sucesso total, serei um fracasso”. 8) Vitimização: A pessoa tende a se sentir vitima e não responsável pelas suas escolhas. “Eu nunca estudei porque meu marido não deixou Minha vida teria sido dferente se meus pais tivessem me ajudado.”. 9) Deveres: A pessoa emprega constantemente os termos “eu deveria”, “eu tenho que”. Pessoas com características perfeccionistas têm esse pensamento equivocado constantemente gerando ansiedade permanente. A pessoa também cria expectativas exageradas em relação ao comportamento dos outros. Ex: “Eu tenho que fazer isso muito bem, senão fizer sou um fracasso. Ele me traiu e destruiu minha vida”. 10) Orientação regressiva: A pessoa se orienta e se culpa por coisas passadas, verdadeiras ou fantasiosas. Ex: “Eu não deveria ter dito aquilo. Agora estou perdido”. Distorções do humor e do pensamento acompanham os distúrbios psiquiátricos. Não somos nós que agimos e pensamos dessa maneira negativa, rígida e fatalista. Essa forma de agir é o resultado de estarmos doentes. Nossa mente trabalha equivocadamente de acordo com o grau de evolução do transtorno psiquiátrico. Após um tratamento medicamentoso e psicológico, as crenças equivocadas são avaliadas e o sujeito percebe que aqueles pensamentos não faziam parte dele e sim da doença. A vontade de morrer desaparece e o indivíduo encontra uma série de possibilidades de resolução de suas


questões e problemas. A busca de ajuda psiquiátrica e psicológica no início dos primeiros sintomas, é fundamental para um bom diagnóstico e um tratamento eficiente. A maioria de nós já pensou em morrer em algum período mais doloroso da vida. O problema surge, quando há o desejo de se matar e a morte é a única solução que nos apresenta. Precisamos estar atentos aos nosso sentimentos e pensamentos e , também, aos dos que nos cercam sobre como olhar as dificuldades da vida. O suicídio já é uma epidemia e um grave problema de saúde pública mundial, tirando mais de 800 mil vidas ao ano em todo mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Entretanto, o suicídio é prevenível na grande maioria dos casos e precisamos deixar o preconceito e falarmos cada vez mais no assunto. Só assim levaremos o conhecimento do que pode ser feito para evitá-lo para um grande número de pessoas, possibilitando salvarmos mais e mais vidas a cada dia.

Referências BECK, Aaron; BROWN, G; Wenzel, A. Terapia Cognitivo: Comportamental para Pacientes Suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010. BERTOLOTE, José Manoel. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Unesp, 2012 FONTENELLE, P. Suicídio: o futuro interrompido. São Paulo: Geração Editorial, 2008. JAMISON, Kay R. Quando a noite cai, entendendo o Suicídio. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.


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