A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL Como Multiplicar este Direito
Distribução Gratuita.
A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL Como Multiplicar este Direito
CORDE SÃO PAULO INSTITUTO PARADIGMA 2008
Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE Sistema Nacional de Informações sobre Deficiência - SICORDE Esplanada dos Ministérios , Bloco T, Anexo II, 2º andar, sala 200 70064-900 – Brasília – DF – Brasil Fones : 0xx61-3429-3669 – 3429-3432 Fax : 0xx61-3225-8806 E-mail : corde@sedh.gov.br Home-page : http://www.presidência.gov.br/sedh/corde Reprodução patrocinada por meio do Termo de Parceria nº 001/2007, entre o Instituto Paradigma e a CORDE/ SEDH/PR Instituto Paradigma Rua Texas, 455 04557-000 - São Paulo - SP - Brasil Fones: 0xx11-5090-0075 E-mail: instituto@iparadigma.org.br Home-page: http://www.institutoparadigma.org.br/ Reprodução autorizada, desde que citada a fonte de referência Distribuição gratuita Impresso no Brasil Copyright @2008 by Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Instituto Paradigma Tiragem : 3.000 exemplares em impressos e 3.000 exemplares em CD-Rom Coordenação de Priscila Cardoso Referência bibliográfica A inclusão social da pessoa com deficiência no Brasil - Como Multiplicar este Direito / Coordenação Instituto Paradigma: Priscila Cardoso e Danilo Namo – São Paulo: Instituto Paradigma, 2008. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. p. :46 Ficha catalográfica: A inclusão social da pessoa com deficiência no Brasil - Como Multiplicar este Direito / Coordenação Instituto Paradigma: Priscila Cardoso e Danilo Namo – São Paulo: Instituto Paradigma, 2008. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. p. : 46 Inclui a íntegra do Curso de Multiplicadores dos Direitos da Pessoa com Deficiência 1.Deficiência – Direito internacional 2. Deficiência – Direitos humanos 3. Pessoa com Deficiência – Direito internacional 4. Pessoa com Deficiência – Direitos humanos 5. Direitos humanos – Pessoa com Deficiência I. Brasil. Coordena¬doria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência II. Instituto Paradigma. Cardoso, Priscila, Namo, Danilo, coord.
Autores Carina Palma de Moura Alterio Psicóloga, Especialista em Reabilitação Clínica Hospitalar, Coordenadora do Centro de Referência da Pessoa com Deficiência (2005/2008) e Presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COMDEF de Santo André, (2005/2008). É Supervisora Técnica de Serviços de Cidadania da Secretaria de Inclusão Social da Prefeitura de Santo André e membro do Conselho do COMDEF (2008/2010). Elizabete Terezinha Silva Rosa Assistente social, bacharel em Direito, mestre em Serviço Social pela PUC-SP, professora de cursos de graduação e pós-graduação em Serviço Social, consultora na área de assistência social. Fabiano Puhlmann Psicoterapeuta Jungiano, Especialista em Psicologia Hospitalar da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da USP, Mestrado em Integração de Pessoas com Deficiência pela Universidade de Salamanca, Espanha. Atua no Instituto Paradigma com prjetos na área da inclusão de pessoas com deficiência. Flavia Maria de Paiva Vital Graduada em Comunicação Social, Analista de Gestão da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, Diretora de Relações Institucionais do Centro de Vida Independente Araci Nallin. Humberto Dantas Doutor em Ciência Política, coordenador da pesquisa de acesso do eleitor paulistano com deficiência à urnas, professor universitário e conselheiro do Movimento Voto Consciente. Odete Sidericoudes Doutora em Educação em área de Novas Tecnologias. É consultora de projetos para a formação de recursos humanos para o uso da tecnologia e para a inclusão de pessoas com deficiência. Priscila Cardoso Assistente Social, doutora em Serviço Social pela PUC-SP, Professora da graduação de Serviço Social da Unicsul, assessora e consultora na área de assistência social e formação. Coordenou a metodologia e conteúdos deste projeto como assessora do Instituto Paradigma. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e Doutor pela Universidade Federal do Paraná. É Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região,
Sumário
PREFÁCIO......................................................................................................................................................................pg08 DIREITOS SOCIAIS E HUMANOS – CONSTRUINDO A CIDADANIA..................................................................pg13 DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – CONHECENDO A LEGISLAÇÃO SOCIAL..............................pg18 ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E EXERCÍCIO DOS DIREITOS – VIVENCIANDO A CIDADANIA..................pg33 INCLUSÃO DIGITAL - EXERCITANDO A COMUNICAÇÃO..................................................................................pg40 CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO – REPRODUZINDO OS CONTEÚDOS DESTE CURSO...........................pg42
8 Prefácio
Caro leitor, Essa publicação complementa um kit de formação para multiplicadores dos direitos das pessoas com deficiência, fruto da experiência do Instituto Paradigma na coordenação de encontros regulares com familiares de pessoas com deficiência e lideranças comunitárias da periferia de São Paulo e região do ABC* paulista. Esses encontros tiveram origem como parte das atividades desenvolvidas na implantação do projeto de educação inclusiva nas escolas municipais de Santo André.
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Estabelecer um contato permanente com as quase mil famílias das crianças, jovens e adultos com deficiência, que frequentavam as classes regulares e os programas educativos e profissionalizantes da Secretaria Municipal de Santo André, e as lideranças de bairro, informando sobre direitos e os recursos disponíveis no município para a atenção às necessidades especificas das pessoas com deficiência era estratégico para a efetiva inclusão e participação social dessa população na comunidade. Esse processo se consolidou numa experiência bem sucedida que se multiplicou em outras comunidades do entorno da capital paulista, como por exemplo o município de Embu das Artes, onde favoreceu mais 2500 famílias. As informações discutidas e o aprendizado acumulado foram importantes e precisavam ser disseminados, de tal forma que contribuíssem e fortalecessem continuamente outras iniciativas de trabalho semelhante, estimulando o desenvolvimento e a participação comunitária de maneira inclusiva. Isso só foi possível com o apoio e a parceria da CORDE – Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, confirmando a relevância e a pertinência de se investir na formação de multiplicadores do direito das pessoas com deficiência, contribuindo para a construção de políticas públicas locais que oportunizem, com equiparação de oportunidades, a convivência e a participação na vida comunitária das pessoas com deficiência. Foi dessa forma que se tornou possível para a equipe técnica do Instituto Paradigma construir uma metodologia e organizar a abordagem dos temas desses encontros em unidades temáticas que servissem de inspiração para os multiplicadores desse trabalho, e que sinceramente esperamos que sirva de estímulo para a formação de novos grupos por todo o nosso país. Bom trabalho! Equipe do Instituto Paradigma www.institutoparadigma.org.br
* A região do ABC paulista é formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano.
9 Educação popular na formação de multiplicadores no direito das pessoas com deficiência – reconstruindo um caminho de ensino-aprendizagem Priscila Cardoso “Por que e para que ensinar determinados conceitos? Por que e para que estimular determinados comportamentos? Por que e para que exigir determinadas atitudes? Há sentido na resposta quando se afirma que é porque essa escolha vai permitir que avance o processo de democratização da sociedade, que os indivíduos exerçam seus direitos, vivam com dignidade, desenvolvam sua criatividade, juntos, na reafirmação constante do compromisso com a realização do bem público, comum a todos, que não pode ser apropriado isoladamente por ninguém” Terezinha Rios A noção da realização de uma formação para a multiplicação em direitos da pessoa com deficiência só teria sentido se efetivada a partir de um processo de educação popular na perspectiva do que Terezinha Rios nos afirma acima, ou seja, uma formação que se pretendesse facilitadora do desenvolvimento de discussões e debates que instrumentalizasse os diferentes atores sociais na luta pela efetivação de direitos na busca por uma vida melhor em sociedade. E por que a perspectiva da educação popular?
A partir desta perspectiva e, tendo como objetivo do curso: organizar um processo de educação popular que socialize e multiplique informações e experiências na garantia dos direitos das pessoas com deficiência, organizamos um processo metodológico que pudesse dar conta deste objetivo, desde a organização dos conteúdos até seu ensino-aprendizado. Ao falarmos de metodologia, estamos compreendendo todo o processo de organização para execução deste curso, desde os conceitos que permeiam a concepção geradora de todos os conteúdos, até a forma como tais conteúdos seriam trabalhados, ou seja, não só um conjunto de técnicas ou do “como fazer”, mas toda a concepção que engendrou este jeito de fazer, que não é esvaziado de um “por que e para que fazer” e une-se ao “como fazer”. Tentaremos, então, retomar aqui este processo metodológico, resgatando os procedimentos adotados na criação desta proposta. Partimos do objetivo do curso (anteriormente já apresentado), para traçar seus objetivos específicos, perfil do público-alvo e dos professores dentro da perspectiva de realizarmos uma formação que se pretendeu multiplicadora junto a diferentes atores sociais vinculados à questão da deficiência, quer seja por sua vivência, quer seja pela militância ou pelo estudo da temática. Realizamos então um processo de discussão com os professores conjuntamente definindo os conteúdos a serem trabalhados em cada bloco temático e a perspectiva de abordá-los a partir da vivência e conhecimento dos participantes do curso. A opção pela discussão e preparação dos professores para a elaboração das oficinas após um alinhamento conceitual e de concepção metodológica faz parte da coerência da criação de uma metodologia na linha da educação popular pretendida nesta formação. Tal perspectiva pautou-se na idéia de criarmos um processo de formação verdadeiramente, e não de preparação técnica e informativa para que as pessoas saíssem do curso reproduzindo conceitos apresentados. A idéia foi formar criticamente pessoas que pudessem multiplicar um processo formativo de maneira crítica e reflexiva, estando instrumentalizadas para tal a partir desta formação. “É por esta razão que nós, educadores democráticos, devemos lutar de modo a que se torne cada vez mais e mais claro que a educação representa formação e não treinamento.” (Freire, 2001: 66) Sendo assim, o curso foi ministrado por diferentes professores conhecedores das temáticas de cada bloco, partindo sempre do conhecimento e da vivência dos participantes, para poder então trazer conceitos que contribuíssem para o processo de inclusão,
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A opção por um curso na linha de educação popular para multiplicadores deve-se ao fato de acreditarmos na força da mobilização popular e no ensino a partir dos conhecimentos e vivências que cada indivíduo traz na sua história e na participação da vida comunitária.
10 abordagens técnicas pertinentes, e apresentar o marco legal internacional e brasileiro, instrumentalizando os participantes do curso para contribuir na construção de paradigmas sociais que privilegiam a garantia dos direitos sociais das pessoas com deficiência. O curso foi organizado em cinco blocos temáticos, que estabeleceram diálogo entre si no que diz respeito à integração dos conteúdos, bem como, à forma de trabalhar tais conteúdos. Abaixo quadro demonstrativo dos blocos, conteúdos e carga horária dos mesmos: Bloco temático
Conteúdo
Carga horária
Aulas
(n° de horas) Bloco 1 Direitos sociais e humanos – construindo a cidadania
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Bloco 2 Direitos da pessoa com deficiência – conhecendo a Legislação social
• Os conceitos de Estado e Sociedade Civil. • Os conceitos e a relação entre direito, política social e cidadania. • Os conceitos relativos ao tema da deficiência: inclusão, integração e deficiência. • Os marcos históricos dos direitos das pessoas com deficiência. • Os marcos legais, nacionais e internacionais, dos direitos das pessoas com deficiência. • O processo de construção das leis no Brasil. • Legislação e direitos das pessoas com deficiência nas seguintes áreas: Educação, Saúde, Trabalho, Lazer, Informação, Acessibilidade, Assistência Social e outros direitos. • Direito a não discriminação e as sanções penais do não cumprimento da lei.
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Bloco 3 Espaços de participação e exercício dos direitos – vivenciando a cidadania Bloco 4
• A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. • Os espaços de denúncia e de defesa dos direitos. • A importância da participação na construção dos direitos e os espaços de participação existentes.
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Inclusão digital - exercitando a comunicação
• Inclusão digital: noções preliminares do uso da internet como instrumento de comunicação e organização.
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Bloco 5
• Conceito de multiplicação e seu uso. • Estratégias que orientem aos alunos como disseminar informações e possibilidades de intervenção no contexto social, no que se refere à garantia de direitos sociais, em especial, das pessoas com deficiência. • Avaliação do curso.
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Conceito de multiplicação – Reproduzindo os conteúdos deste curso
A partir, então, da discussão coletiva dos conteúdos dos cinco blocos junto aos professores, bem como da delimitação da linha metodológica compreendendo a importância de realizar aulas/oficinas partindo do conhecimento dos participantes para posteriormente apresentar conceitos e conteúdos teóricos, históricos e legais, orientamos os professores na realização do planejamento das aulas tendo sempre como base exercícios, dramatizações, pequenos debates em grupos, elaborações trazidas
11 pelos alunos, para então, trabalhar com conteúdos de apresentação de slides e/ou aulas expositivas. O objetivo foi possibilitar, em primeiro lugar, ouvir o que a vivência dos participantes pode nos trazer para então dar sentido aos conteúdos propostos pelo curso. “... Ter voz é ser presença crítica na história. Ter voz é estar presente, não ser presente. Nas experiências autoritárias, tremendamente autoritárias, o povo não está presente. Ele é representado. Ele não representa.” (Freire, 2001: 131) Partimos aqui de uma concepção do homem/mulher como sujeito e objeto ao mesmo tempo de sua própria história. Encarálo nesta perspectiva (baseada na concepção materialista-histórica da realidade) é compreender que o mesmo é autor e ator da história social; sendo assim, pensar a formação na linha que trabalhamos significou compreender os participantes do curso como autores e atores durante o processo das aulas/oficinas, podendo ouvir suas realidades e apreensões do mundo e da situação da pessoa com deficiência e podendo apontar para a importância de sua participação ativa na mudança da realidade social, em especial no que se refere à efetivação dos direitos da pessoa com deficiência. Assim, a idéia de trabalharmos com exercícios, dramatizações, pequenos debates, está pautada na base de concepção desta formação, compreendendo a necessidade de utilizarmos técnicas e instrumentos que possibilitassem o diálogo com o conhecimento dos participantes, para a partir deste conhecimento poder construir coletivamente novos conhecimentos e estimularmos a multiplicação destes como forma de garantir os direitos da pessoa com deficiência de maneira crítica e reflexiva. Nas palavras de Rios:
Tentamos reconstruir neste breve texto o processo de criação da metodologia que foi a base de efetivação deste curso e está expressa nas páginas que se seguirão. Esta publicação reconstrói todo o planejamento, desde a concepção de cada bloco temático (no ementário que apresenta a ementa de cada bloco), que se desdobra no plano de cada aula/oficina precedido de um texto síntese do conteúdo central presente nestas e os conteúdos dos slides utilizados nas aulas/oficinas. Cada plano de aula/oficina tem o detalhamento das atividades realizadas, com a descrição dos objetivos e desenvolvimento de cada uma delas, para que se possa compreender onde se quer chegar com a atividade. A idéia é que este material possa servir àqueles que passaram por este processo e queiram se apropriar da condição de atores e autores da sua história e da história social, exercendo a possibilidade de difundir estes conteúdos como multiplicadores, bem como para pessoas que não realizaram o curso, mas que possam compreender a lógica desta proposta e realizar o curso junto a outras pessoas. Ou seja, desejamos que este seja um material para aqueles que queiram multiplicar não só os conteúdos, mas toda a proposta metodológica aqui construída. Vale ressaltar apenas, em coerência com a perspectiva que estamos apresentando como base desta metodologia, que cada grupo é um grupo, pois as pessoas e vivências são diferentes. As orientações de atividades e conteúdos aqui contidas devem ser pensadas para cada grupo e o grande desafio do multiplicador é compreender a realidade apresentada pelos participantes dos grupos e conseguir ser um mediador e estimulador da cidadania e de uma formação crítica e reflexiva que possibilite o encorajamento para a luta por uma sociedade realmente justa e livre de preconceitos e discriminações.
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“O ensino não é, portanto, um movimento de transmissão que termina quando a coisa que se transmite é recebida, mas ‘o começo do cultivo de uma mente de forma que o que foi semeado crescerá’ (Oakeshott, 1968:160). Penso que é importante ir além da metáfora da semeadura e descobrir no ensino sua função essencial de socialização criadora e recriadora de conhecimento e cultura. “Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com os alunos, proporciona a eles, num exercício de mediação, o encontro com a realidade, considerando o saber que já possuem e procurando articulá-lo a novos saberes e práticas.” (Rios, 2001:52)
12 Investir na formação para quê? Aprender para quê? Ensinar para quê? “Aprender é preciso, para viver. É preciso aprender a viver. E este viver não é algo abstrato, mas algo que transcorre na polis, na sociedade organizada, na relação com os outros.” (Rios, 2001:62) Assim, nosso desejo real é que este curso e sua concretização neste material possam servir para uma intervenção mais qualificada dos diferentes atores sociais com maiores subsídios na luta por novas formas de se relacionar socialmente no que diz respeito à cidadania e aos direitos da pessoa com deficiência. E, por que não dizer, a busca efetiva por uma sociedade feliz, na qual todos possam viver dignamente e livres. Uma busca difícil, mas não impossível. Como nos diz o poeta Mário Quintana: Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, senão fôra A mágica presença das estrelas!
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Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Org. Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: Editora Unesp, 2001. RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar – por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
13 BLOCO TEMÁTICO I Direitos sociais e humanos – construindo a cidadania Construir e Consolidar a Cidadania Elizabete Terezinha Silva Rosa Este conciso texto tem por objetivo apresentar algumas reflexões realizadas no Bloco temático 1: “Direitos sociais e humanos – construindo a cidadania”, do Curso de Multiplicadores dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Uma sociedade que busca consolidar suas bases democráticas necessita de mecanismos capazes de promover e garantir os direitos de cidadania da população. A Constituição de 1988 foi um marco quanto aos fundamentos das ações públicas para alcançar esse objetivo. Um dos antecedentes internacionais dessa luta está datado de 10 de dezembro de 1948, quando se proclamou em São Francisco, no estado da Califórnia – EUA, na assembléia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no caráter abrangente dos seus trinta artigos, objetiva não só garantir os direitos civis, mas também os direitos sociais.
Entende-se que o reconhecimento desses direitos sociais requer a intervenção direta do Estado, tanto que são denominados também direitos de prestação, porque exigem que o Estado intervenha com providências adequadas. Em 2008, comemoram-se 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Carta das Nações Unidas começa declarando a necessidade de “salvar as futuras gerações do flagelo da guerra que por duas vezes no curso desta geração trouxe inenarráveis aflições à humanidade”, e logo em seguida reafirma “a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, e das nações grandes e pequenas”. No Brasil, a incorporação da Carta das Nações Unidas só foi possível com a promulgação da Constituição Federal de 1988, portanto tivemos 40 anos de atraso. Esta Constituição assegurou os Direitos Individuais e Coletivos no Capítulo I, inserindoos no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. No artigo 5o, estão destacados os direitos individuais e coletivos, merecendo especial relevo os direitos: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, decorrendo destes todos os demais que estão salvaguardados nos incisos I a LXXVII. O referido artigo 5o arrola os chamados direitos e deveres individuais e coletivos. O dispositivo começa enunciando o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A Constituição assegurou os direitos sociais também no Título II, onde estão consignados os artigos 6o a 11º, quais sejam: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante da dignidade humana. Construir Direitos Ao analisar o cenário brasileiro entre os anos de 1985 e 1988, compreende-se que essa época foi decisiva para se entender o jogo de forças do período constituinte. Compreender esse período da história do país é fundamental para entender a passagem de vinte anos de ditadura militar para a democracia. A perpetuação de determinadas oligarquias políticas no poder, aliada ao desenvolvimento econômico e social desigual durante os governos militares, contribuiu para influenciar o esboço de proteção social que se pretendia construir no Brasil com a nova Constituição.
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Os direitos sociais são o conjunto das pretensões ou exigências das quais derivam expectativas legítimas que os cidadãos têm, não como indivíduos isolados, uns independentes dos outros, mas como indivíduos sociais que vivem, e não podem deixar de viver, em sociedade com outros indivíduos.
14 Havia uma busca por uma nova Constituição capaz de oferecer condições concretas para a realização de um país justo, democrático e igualitário, transformando o espaço da constituinte em um momento singular na história do Brasil. Esse longo percurso histórico, que culminou na Constituição de 1988, estrutura o terreno para construir um novo paradigma da assistência social, que poria fim ao uso dessa política como instrumento clientelista para construir uma política capaz de combater a pobreza e a desigualdade; ou seja, romper com as práticas caritativas até chegar ao status de direito social garantido constitucionalmente. Dessa forma, a assistência social passa a se constituir um dos direitos sociais caracterizado como proteção social, e de ações de combate à pobreza. Portanto, passou a se constituir de responsabilidade do Estado garantir a proteção social aos sujeitos de direito.
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A assistência social como política pública orienta-se pelos direitos de cidadania e não mais pela ajuda ou favor; rompe, portanto, com práticas assistencialistas. A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS de 1993, afirmam que a política de assistência social é dever de Estado e direito de cidadania da população usuária. Portanto, a Política Nacional de Assistência Social - PNAS - 2004, a Norma Operacional Básica - NOB 2005 e a construção do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, vêm concretizar a perspectiva de consolidação da assistência social enquanto direito, visando garantir a proteção social ao cidadão em situação de vulnerabilidade social. Para sua efetivação, a política de assistência social passa a ser organizada por meio de um sistema de proteção social básica e especial. Na Proteção Social Básica o objetivo é prevenir situações de risco a partir da atenção à família, seus membros e indivíduos mais vulneráveis, buscando potencializar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Trata-se da proteção primordial do usuário, a suas necessidades primeiras e básicas no ciclo da vulnerabilidade social, dando conta, portanto, das situações de pobreza, privação financeira e social, e fragilização de vínculos afetivos-relacionais. Para a efetivação e o atendimento a esta proteção, os municípios estão estruturando os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS – localizados em áreas de maior vulnerabilidade social, para atendimento local dos usuários, o que tem favorecido o atendimento direto à população e suas demandas, realizando a articulação no próprio território da rede socioassistencial local, servindo de elo entre a população usuária da assistência social e as demais políticas sociais. A Proteção Social Especial deve dar conta das necessidades mais complexas, atendendo as situações de risco ou de violação dos direitos. Como, por exemplo, nos casos de maus tratos e abandono de criança e adolescente, cumprimento de medidas sócio-educativas, e os outros definidos nas normas. Esta proteção Social se divide em Proteção Social Especial de Média Complexidade e Proteção Social Especial de Alta Complexidade. Na primeira os vínculos familiares e comunitários não foram desfeitos, mas um ou mais direitos foram violados. Enquanto que a Proteção Social Especial de Alta Complexidade ocorrerá nos casos em que o vínculo familiar ou comunitário foi rompido ou encontra-se ameaçado, garantindo-se a proteção integral. Na V Conferência Nacional de Assistência Social – 2005, foi definido o decálogo dos direitos socioassistenciais, construído pelas Conferências Estaduais e do Distrito Federal, que estabelece as diretrizes para que se possa compreender e buscar consolidar esses direitos: I - Todos os direitos de proteção social de assistência social consagrados em Lei para todos: Direito de todos e todas, a usufruir dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro à proteção social não contributiva de assistência social efetivada com dignidade e respeito. II - Direito de equidade rural-urbana na proteção social não-contributiva: Direito, do cidadão e cidadã, de todas as cidades brasileiras, que vivem no meio rural ou urbano, a ter acesso às proteções básica e especial da política de assistência social operadas de modo articulado para garantir completude de atenção.
15 III - Direito de equidade social e de manifestação pública: Direito, do cidadão e da cidadã, em manifestar-se, exercer protagonismo e controle social na política de assistência social, sem sofrer discriminações, restrições ou atitudes vexatórias derivadas do nível pessoal de instrução formal, etnia, raça, cultura, credo, idade, gênero, limitações pessoais. IV - Direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso e oportunidades na rede socioassistencial: Direito à igualdade e completude de acesso nas atenções da rede socioassistencial, direta e conveniada, sem discriminação ou tutela, com oportunidades para a construção da autonomia pessoal dentro das possibilidades e limites de cada um. V - Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade: Direito do usuário e usuária da rede socioassistencial, a ser ouvido e ter o usufruto de respostas dignas, claras e elucidativas, ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infra-estrutura e adequados, inclusive, para os usuários com deficiência. VI - Direito em ter garantida a convivência familiar e social:
VII - Direito à intersetorialidade das políticas públicas: Direito, do cidadão e cidadã, à melhor qualidade de vida, garantida pela articulação intersetorial da política de assistência social com outras políticas públicas, para que alcancem moradia digna, cuidados de saúde, acesso à educação, ao lazer, à segurança alimentar, à segurança pública; à preservação do meio ambiente, à infra-estrutura urbana e rural, ao crédito bancário, à documentação civil e ao desenvolvimento sustentável. VIII - Direito à renda digna: Direito do cidadão e cidadã, à renda digna individual e familiar, assegurada através de programas e projetos intersetoriais de inclusão produtiva, associativismo e cooperativismo, quer vivam no meio urbano ou rural. IX - Direito ao co-financiamento da proteção social não contributiva: Direito do usuário e usuária da rede socioassistencial a ter garantido o co-financiamento estatal-federal, estadual, municipal - para operação integral, profissional, contínua e sistêmica da rede socioassistencial no meio urbano e rural. X - Direito ao controle social e defesa dos direitos socioassistenciais: Direito do cidadão e cidadã a ser informado de forma pública, individual e coletiva: sobre as ofertas da rede socioassistencial, seu modo de gestão e financiamento; e sobre os direitos socioassistenciais, os modos e instâncias para defendê-los e exercer o controle social, respeitados os aspectos da individualidade humana, como a intimidade e a privacidade. (SUAS Plano 10, p.31) Para a concretização desses direitos é preciso ampliar a competência técnica e ética-política para, assim, estabelecer mediações eficazes nas relações entre poder local e políticas públicas no contexto atual da descentralização do Estado brasileiro. Torna-se,
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Direito do usuário e usuária, em todas as etapas do ciclo da vida a ter valorizada a possibilidade de se manter sob convívio familiar, que seja na família genética ou construída, e à precedência do convívio social e comunitário às soluções institucionalizadas.
16 assim, fundamental compreender os dilemas que cercam o desenvolvimento da ação governamental ao nível local, buscando identificar a constelação de instituições, agentes e redes que executam as políticas sociais. Nesta direção, o desafio é grande, pois se faz necessária a descentralização do próprio poder político local, por meio da disseminação de novos espaços de decisão, a adoção de uma conduta política em que o atendimento às demandas se processe a partir de critérios enunciados em detrimento do uso clientelístico da política local. Cidadania ameaçada Enquanto o movimento democrático brasileiro avança no processo de construir e consolidar a cidadania, transformações substantivas marcam a sociedade brasileira e ameaçam a garantia dos direitos - o neoliberalismo. Em nome da racionalização, da modernidade, vem promovendo debate na contra mão da Constituição de 1988, apresentando os direitos sociais como “privilégios”, além de estimular a “privatização” do Estado e o sucateamento dos serviços públicos. A incorporação do ideário neoliberal tem trazido conseqüências para a consolidação democrática, expressas no frágil enraizamento da cidadania e das dificuldades históricas de sua universalização, além do acirramento das desigualdades sociais, encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas e o aprofundamento dos níveis de pobreza.
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Cidadania requer participação política. Para que haja confirmação e concretização da nova cidadania assegurada na Carta Constitucional de 1988, é fundamental a participação da população, ou seja, a dimensão política para consolidar a cidadania está radicalmente vinculada à participação. A universalização do acesso a bens e a serviços relativos a políticas e programas sociais, a ampliação e a consolidação da cidadania requerem a participação política. Esta participação está garantida também na Constituição Federal, que se concretiza por meio dos conselhos de gestão das políticas públicas, prática que vem se desenvolvendo nas áreas da saúde e da assistência social, dos conselhos de direitos da criança e do adolescente, conselhos tutelares, conselhos de educação entre outros. Os conselhos foram instituídos nos âmbitos federal, estadual e municipal e têm significado uma importante experiência em construção no que se refere a um novo espaço de participação nas práticas de gestão pública que buscam articular a ação organizada e compartilhada de atores da sociedade civil e do Estado. Dessa forma, a sociedade civil passa a penetrar na ação estatal, inserir suas demandas, interferir nos modos como as políticas públicas são geridas e administradas e exercer o controle social sobre as decisões que lhes dizem respeito. Para tanto, esses espaços públicos devem ser alargados para permitir a participação de novos sujeitos sociais, antes excluídos do acesso às decisões do poder político. Mas até que ponto os Conselhos são capazes de impulsionar a construção da esfera pública como campo de alargamento dos direitos sociais e da cidadania? Não restam dúvidas que os Conselhos são canais importantes de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos, que estão sendo construídos no âmbito dos municípios, que buscam a ampliação e o fortalecimento do poder local. Portanto, representam uma conquista da sociedade civil. No entanto, a participação da população não está reduzida apenas ao espaço dos conselhos. Ao contrário, o balanço das experiências tem mostrado outras possibilidades, como, por exemplo, o orçamento participativo. Cabe ressaltar que é preciso um investimento maior na capacitação dos conselheiros, pois a própria dinâmica da participação e da representação nos conselhos, a heterogeneidade dos atores, a fragmentação de interesses e demandas, os interesses corporativistas, têm dificultado consolidar esse espaço de participação. O caminho é longo, mas a trajetória já foi iniciada. Não resta dúvida que, com a ação participativa mais qualificada, os sujeitos sociais terão mais condições de estabelecer uma interlocução que rebaterá na ação e na deliberação sobre questões que dizem respeito à concretização da cidadania.
17 Referências bibliográficas BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, 2000. BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA. Brasília, 1990. BRASIL. Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS. Brasília, 1993. BRASIL. Política Nacional de Assistência Social, 2004. BRASIL. NOB-Norma Operacional Básica da Assistência Social, 2005. BRASIL. SUAS Plano 10 – Estratégias e Metas para Implementação da Política de Assistência Social no Brasil, Fotografia da Assistência Social no Brasil na perspectiva do SUAS, V Conferência Nacional de Assistência Social, Brasília, 2005. BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992. BOSCHETTI, I. Seguridade social e projeto ético-político do Serviço Social: que direitos para qual cidadania? Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, 2004. n. 79.
Assistência social e esfera pública: os conselhos no exercício do controle social. In Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n.° 56, p. 77-96, mar. 1998. VIEIRA, Evaldo Amaro. OS Direitos e a Política Social. São Paulo: Cortez, 2004.
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RAICHELIS, Raquel. Esfera Pública e conselhos de assistência social: caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez, 1998.
18 BLOCO TEMÁTICO II Direitos da pessoa com deficiência – conhecendo a Legislação social Breve histórico das Práticas Sociais com Relação às Pessoas com Deficiência Fabiano Puhlmann Quando falamos de uma sociedade inclusiva, o convívio e o respeito com as diferenças são características fundamentais. Essas diferenças não deverão contribuir para a construção de critérios classificatórios mais ou menos valorosos ou humanos, não justificando, dessa forma, excluir ou tratar as pessoas com deficiência em posição de desvantagens perante o restante da comunidade (SANTOS, 1995; BOFF, 2000), assim como as mulheres, os homossexuais, os idosos, as crianças, etc.
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No entanto, essa maneira de hierarquizar e organizar os grupos sociais, estabelecendo seus valores e poderes, juntando “os iguais”, sempre esteve presente na nossa história, no reconhecimento coletivo de classes sociais, modelos de comportamento, de prestigio econômico, de credibilidade, influência e força de mudanças. Esses padrões sociais são adotados em sintonia com traços culturais e crenças peculiares a cada grupo social. O “ser diferente” na história do homem e das comunidades muitas vezes foi tratado nos superlativos: nas sagas dos heróis, daqueles considerados com dons espirituais e sobrenaturais, e do outro lado, dos endemoniados, dos doentes e loucos, das pessoas com deficiência, por exemplo. No entanto, esses conceitos têm sido questionados e modificados na sociedade contemporânea ao longo do tempo. A linha temporal abaixo identifica as etapas e a construção das práticas sociais que envolveram, no decorrer da história, a relação entre pessoas com e sem deficiência. Figura 1 – Linha temporal das práticas sociais entre pessoas com e sem deficiência
Descrição da Figura 1: Quadro que demonstra a linha temporal – da Idade Antiga à Idade Contemporânea – com a divisão das respectivas práticas sociais. A figura está organizada em três níveis: a) Período histórico; b) Principais características em relação às pessoas com deficiência; c)Paradigmas sociais. Abaixo deste esquema há uma linha que indica movimento do “fazer para as pessoas com deficiência” até o “fazer com as pessoas com deficiência”. Sendo assim o conteúdo do quadro pode ser descrito da seguinte maneira: - Período histórico: Idade Antiga (Grécia e Roma). Principais características: sociedade pautada nos valores da estética, dos
19 feitos heróicos e da guerra; legitimação do abandono e da eliminação. Paradigma: eliminação e isolamento. Prática: fazer para as pessoas com deficiência. -Período histórico: Idade Média. Principais características: cristianismo / inquisição; abrigo por troca de indulgências; idéia de possessão e castigo. Paradigma: isolamento e asilamento. Prática: fazer para as pessoas com deficiência. -Período histórico: Idade Moderna (Renascimento). Principais características: idéias reformistas monitorando o desenvolvimento das ciências; convivência da medicina, alquimia e magia. Paradigma: isolamento, asilamento e integração. Prática: fazer para as pessoas com deficiência. -Período histórico: Idade Moderna. Principais características: alto grau de desenvolvimento tecnológico; comunicação globalizada; convivência com a diversidade. Paradigma: isolamento, asilamento, integração e inclusão: Prática: fazer com as pessoas com deficiência. Na Grécia, especialmente em Atenas e Esparta, entre os séculos V e IV a. C., havia práticas e valores sociais que privilegiavam os cidadãos considerados vigorosos e bem dotados fisicamente. Esses seriam os representantes ideais para a prosperidade da linhagem dessas comunidades, voltadas para a conquista de territórios e a guerra.
Em Atenas, a família de um recém-nascido oferecia uma festa aos familiares e amigos (amphidromia) e o pai apresentava solenemente seu filho nos braços para ser conhecido por todos. Após esse momento, havia um banquete. Quando a família não organizava a amphidromia, sabia-se que o bebê não era suficientemente saudável e cabia ao pai exterminar seu filho (SILVA, 1986 p. 126). Em Roma, o Estado abstinha-se de garantir direitos civis a recém-nascidos “monstruosos”. Atribui-se a Rômulo uma lei que proibia a morte intencional de qualquer criança até os três anos de idade, excetuando-se apenas aquelas que nasciam mutiladas ou se fossem consideradas “monstruosas” (SILVA, 1986 p. 128). Com o advento da doutrina cristã, houve uma alteração significativa com relação à percepção social acerca das pessoas com deficiência. Não mais se matava ou abandonava os bebês malformados, pois todos tinham direito à vida. O imperador Constantino, em 315 d. C., criou uma lei refletindo os princípios cristãos da época, proibindo a morte de recém-nascidos com deficiência, dentre outras determinações (SILVA, 1986 p. 160). Mas, mesmo neste contexto reforçado por crenças populares e pela noção religiosa de castigo na remissão de pecados, dar à luz uma criança com deficiência significava uma punição divina, sendo necessário o isolamento desses indivíduos para que não se tornasse pública essa falta. Assim, muitos mosteiros, igrejas e organizações religiosas passaram a abrigar as pessoas com deficiência em retribuição ao pagamento de indulgências e como forma de reparação espiritual. As doenças, advindas das péssimas condições de saneamento e higiene, os comportamentos sociais promíscuos e os casamentos consangüíneos estimulados pelas famílias proprietárias de terra e patrimônio na época, geravam deficiências e engrossavam o numero de casos que pleiteavam a caridade, pois aqueles que não poderiam pagar as indulgências para a igreja abandonavam essas pessoas nas ruas, que mendigavam por seu sustento. No período do Renascimento, entre os séculos XV e XVII, ocorreu na Europa cristã uma lenta e constante mudança, com o surgimento do denominado “espírito científico”. Inicia-se na Europa uma busca por explicações dos males físicos e psíquicos do homem e, com isso, a evolução pelo interesse dos estudos da medicina. Buscar a explicação da ciência pelos males físicos e psíquicos da humanidade faz progredir a institucionalização e segregação das doenças consideradas incuráveis e contagiosas, assim como com aqueles que manifestavam comportamentos não aceitáveis do ponto de vista social e dos bons costumes,
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Em Esparta, por exemplo, havia um conselho de anciãos, que se reunia em um local conhecido como leschi (edifício, órgão oficial etc.). Nesse local, examinavam todos os nascidos e determinavam se poderiam retornar ou não ao convívio de seus pais para serem criados. Os bebês considerados feios, disformes e franzinos eram levados ao Apothetai (depósito) que era, na realidade, um abismo situado na cadeia de montanhas Taygetos, de onde arremessavam esses recém-nascidos pelo penhasco (SILVA, 1986, pp. 121-122).
20 funcionando também como um mecanismo de preservação da comunidade considerável saudável e virtuosa. Ainda no século XVI, surgem as primeiras instituições, na Europa, que cuidavam, abrigavam e ofereciam estudo aos pobres, doentes e pessoas com deficiências. Um exemplo dessas iniciativas é a do Padre Vicente de Paulo, que criou em 1634 uma instituição de abrigo e assistência com esses objetivos. Outro marco importante de mudança foi a invenção da cadeira de rodas, construída no século XVII (1655) pelo alemão Stephen Farfier, fruto da percepção da necessidade de se criar mecanismos que possibilitasse a reabilitação e a integração das pessoas com deficiência, ou mobilidade reduzida, com qualidade de vida. No século XVIII, na Inglaterra, surge um forte movimento de renovação e criação de hospitais e instituições mais preparadas e adequadas ao atendimento a pessoas doentes e com deficiência. Um exemplo foi o Hospital Saint Luke.
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Também nesta época, a medicina passou a ser entendida nas suas especialidades, surgindo assim os relatos médicos e as propedêuticas direcionadas ao tratamento das deficiências e das doenças mentais. Nesse contexto da deficiência, por exemplo, surge o Instituto Nacional dos Jovens Cegos, em Paris, fundado por Valentin Haüy, em 1784; os trabalhos de Diderot de John Conrad Amman e de Charles Michel Epée, que fundou em Paris uma escola de educação para surdos, e tantos outros. Nessa linha, até o final do sec. XIX, a medicina progride no âmbito da fisiologia e da anatomia, confirmando e descobrindo particularidades do funcionamento e do comportamento humanos, contribuindo assim para a construção de novas abordagens em outras áreas do conhecimento como a psicologia, a sociologia e a filosofia, que complementam e tentam explicar, com visão holística e contextualizada, o homem e suas relações com o ambiente, a sociedade e seus pares. Finalmente, na Idade Contemporânea, com o advento das grandes guerras e o retorno dos veteranos para seus lares como heróis sobreviventes, se faz necessário organizar grandes centros de reabilitação para possibilitar o cuidado e a integração social dessas pessoas. Por outro lado, o forte movimento pela democratização de grande parte dos países do mundo, valorizando os direitos humanos, com direitos iguais de participação e exercício de cidadania a todas as pessoas, independente das suas características pessoais e condição social, explicitados na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, traz paulatinamente o resgate das pessoas com deficiência neste movimento. O processo de inclusão social torna-se um objetivo fundamental que contribui para desconstruir a visão assistencialista e de fragilidade que a sociedade adotou como forma de interação com essa população. É importante ressaltar, no gráfico apresentado anteriormente, que, nesse movimento histórico do diálogo da deficiência e da inclusão, no qual inicialmente a construção fica distante e pautada na idéia da doença, do abrigamento e da exclusão, podemos notar uma evolução paulatina que propõe segregar menos para integrar, reforçando a princípio a aproximação dos padrões de “normalização” e, posteriormente, a possibilidade de reconstrução do conceito de integração para se falar em inclusão, respeitando as singularidades como valores e traços constituintes de todas as pessoas. Santos (op. cit., p. 02) define os dois sistemas – de desigualdade e de exclusão – da seguinte forma: A desigualdade e a exclusão são dois sistemas de pertença hierarquizada. A desigualdade implica um sistema hierárquico de integração social. Quem está em baixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema igualmente hierárquico, mas dominado pelo princípio da exclusão: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem está em baixo, está fora. Estes dois sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que, na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas em combinações complexas.
Como o próprio autor afirma na citação acima, os dois sistemas são hierárquicos e existem simultaneamente nas sociedades. É relevante notar que, no Brasil, houve uma alteração significativa em relação às práticas de atendimento da população com deficiência que, inicialmente, restringiam seu protagonismo e autonomia nas tomadas de decisão sobre seu próprio futuro. Assistidas no inicio da história da educação especial brasileira por instituições especializadas influenciadas por experiências e modelos europeus e americanos, hoje há uma prática recorrente, e cada vez mais consciente, de deixar de “fazer para” e passar a “fazer com” elas. As conquistas de participação das pessoas com deficiência na sociedade brasileira são frutos dos movimentos sociais organizados e da evolução do marco legal do país que favorece a plena participação de todos os cidadãos na vida comunitária.
21 Organizando para conhecermos a nossa legislação, por ordem cronológica, temos a possibilidade de, por meio da disseminação da informação, desempenhar nosso papel transformador e multiplicador de conceitos a favor da inclusão social das pessoas com deficiência. Colocamos, portanto, a seguir os principais referenciais nacionais e internacionais para posterior consulta e uso do leitor: Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU Data: 10 de dezembro de 1948 http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes - ONU Data: 09 de dezembro de 1975 http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf Declaração de Jomtien – Declaração Mundial sobre Educação para Todos Data: 09 de março de 1990
Declaração de Salamanca - Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais Data: 10 de junho de 1994 http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf Programa Nacional de Direitos Humanos Data: 13 de maio de 1996 http://www.justica.sp.gov.br/pedh/pdf/pndh1.pdf Lei nº 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Data: 20 de dezembro de 1996 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf Decreto nº 3.956 - Declaração de Guatemala – Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência Data: 8 de outubro de 2001 http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf
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http://www.unesco.org/education/efa/ed_for_all/background/world_conference_jomtien.shtml (documento em inglês)
22 Decreto nº 4.229 Programa Nacional de Direitos Humanos II Data: 13 de maio de 2002, http://www.mj.gov.br/sedh/pndh/pndhII/Texto%20Integral%20PNDH%20II.pdf Portaria 66 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH Data: 12 de maio de 2003 www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/edh_livro/ Decreto nº 5.598 - Lei do Aprendiz Data: 01 de dezembro de 2005 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5598.htm
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Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU Data: 13 de dezembro de 2006 (Aprovado pela ONU); 30 de março de 2007 (Assinado pelo Brasil); 01 de agosto de 2008 (Ratificado pelo Brasil) http://www.un.org/disabilities/default.asp?navid=12&pid=150 Decreto nº 6.214 - Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso Data: 26 de setembro de 2007 http://www.mds.gov.br/concursos/pss-2008/6214.html Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva Data: 07 de janeiro de 2008 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf Lei nº 11.788 - Lei de Estágio Data: 25 de setembro de 2008 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm Referências bibliográficas BOFF, L. Princípio de Compaixão e Cuidado. Petrópolis: Vozes, 2000. NAMO, D. A Percepção e Participação Parental em Relação ao Serviço de Salas de Recursos para Alunos com Deficiência Visual. 2007. 157f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
23 Instituto Paradigma; Associação Brasileira de Apoio Educacional ao Deficiente. Poéticas da Diferença: A Inclusão Educacional de Pessoas com Deficiência. Material elaborado para a formação de professores- Secretaria Municipal de Educação e Formação Profissional do Município de Santo André, 2003 - 2007. SANTOS, B. de S. A Construção Multicultural da Igualdade e da Diferença. Palestra Proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia. Rio de Janeiro, 1995. SILVA, O. M. da. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. RUSSO, L. A. B. Algumas Contribuições do Sócio-interacionismo para se Pensar Sobre a Prática Pedagógica na Sala de aula. 1994. 97f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1994.
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24 A ONU e o seu conceito revolucionário de pessoa com deficiência Ricardo Tadeu Marques da Fonseca Motivos Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Organização das Nações Unidas vem aperfeiçoando, por meio de seus tratados internacionais, o processo de edificação dos Direitos Humanos, o qual se universalizou a partir da primeira metade do século XX, para fazer frente aos abusos ocorridos no período das Guerras Mundiais e aos que foram cometidos posteriormente até os nossos dias. Não é por outra razão que, a partir do enunciado constante do art. 1º daquela Declaração Universal, no sentido de que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. (...)”, a própria Organização Internacional editou as sete primeiras convenções internacionais, agora complementadas pela supra-mencionada.
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São, assim, as seguintes: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias. Como se vê, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência insere-se num processo de construção do conjunto dos direitos humanos, os quais foram sistematizados a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966, que elencaram os direitos individuais básicos e os direitos sociais. Posteriormente, esta construção voltou-se a grupos vulneráveis, a saber: minorias raciais, mulheres, pessoas submetidas a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, crianças, migrantes e, finalmente, pessoas com deficiência. Observa-se, destarte, conforme expresso no próprio preâmbulo da última Convenção Internacional, que a atenção aos grupos vulneráveis visa dar eficácia aos direitos humanos de forma a fazê-los unos, indivisíveis e interdependentes, de vez que as liberdades individuais e os direitos sociais fazem parte de uma sistematização monolítica e reciprocamente alimentada. A dedicação conferida aos grupos vulneráveis faz-se necessária para que aqueles direitos universais de natureza individual e social encontrem instrumentos jurídicos hábeis a torná-los eficazes. Logo, cada convenção internacional, assim como a presente, implica uma retomada de todas aquelas liberdades individuais e daqueles direitos sociais por intermédio de princípios jurídicos especificamente aplicáveis a cada grupo vulnerável. Defender as minorias significa, portanto, preservar os Direitos Humanos de todos, para que a maioria democrática não se faça opressiva e possa legitimar-se pela incorporação das demandas de cada grupo humano, preservando-se a idéia de igualdade real a ser assegurada pelo Direito. Para tanto, a presente Convenção contém 30 artigos que contemplam direitos humanos universais, devidamente instrumentalizados para atender à necessidade do segmento das pessoas com deficiência, sem os quais os direitos em questão não se lhes beneficiam. Trata-se de assegurar-lhes, assim, direitos humanos básicos, como de livre expressão, de ir e vir, de acessibilidade, de participação política, de respeito a sua intimidade e dignidade pessoal, bem como aqueles de índole social, como direito à saúde, ao trabalho e ao emprego, à educação, à cultura, ao lazer, aos esportes, à moradia etc. Além do mais, o próprio conceito de pessoa com deficiência incorporado pela Convenção, a partir da participação direta de pessoas com deficiência levadas por Organizações Não-Governamentais de todo o mundo, carrega forte relevância jurídica porque incorpora, na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos que lhe são inerentes. O Brasil participou de todo o processo de elaboração da Convenção, que se deu em tempo recorde – cerca de 5 anos -, e já a subscreveu, o que reforça a imperiosa necessidade de ratificação do Tratado, mas ela deve se dar sob a égide do parágrafo 3º, do art. 5º, da Constituição Federal. É que, embora nosso país apresente amplo rol de Leis e Decretos Regulamentares em favor das pessoas com deficiência, estes não gozam de eficácia plena, seja porque muitos direitos encontram-se em Decretos sem força de cogência, em razão da inexistência de normas que imponham sanções aos transgressores, seja porque a grande proliferação de Leis e Decretos se dá de forma desordenada e assistemática, dificultando, ao aplicador, a apreensão e a correta aplicação dos
25 dispositivos. O fato da Convenção ter sido aprovada com força de norma constitucional, em 01 de agosto de 2008, a torna ainda mais imperiosa, uma vez que as pessoas com deficiência representam um grupo composto por vinte e quatro milhões e quinhentas mil pessoas, segundo o último censo ocorrido em 2000, grupo este que é transversal às questões sociais, de gênero, de raça ou qualquer outro fator de discrímen, que todavia se agrava em razão da deficiência e do longo abismo cultural que vem isolando as pessoas com deficiência há séculos. Assinale-se que, em torno das pessoas com deficiência, há seus familiares e cônjuges, os quais, por vezes, suportam ônus que não deveriam, justamente em razão da precariedade de acesso aos direitos que caracteriza o grupo em comento. Pode-se afirmar, assim, que a Convenção atingirá diretamente cerca de cem milhões de pessoas no Brasil e, indiretamente, toda a população, considerando-se a notória elevação da expectativa de vida e as questões inerentes aos idosos, que guardam estreita relação com os direitos nela assegurados. Nesse estudo, analisar-se-ão as principais inovações da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e os efeitos que poderão advir da ratificação pelo Brasil, ocorrida em agosto de 2008, como já citado anteriormente. Breves comentários acerca da convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência Preâmbulo
Nos itens iniciais realça-se a idéia de preservação do conjunto dos direitos humanos e de sua interdependência. Na letra “e”, contudo, a Organização Internacional enfoca a justificativa do conceito de pessoa com deficiência contido no art. 1 das normas, reconhecendo que se trata de um conceito em evolução, o qual deve conter os aspectos clínicos e funcionais das deficiências e que estas resultam da interação entre aqueles e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a plena e efetiva participação das pessoas com deficiência na sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais. No item “k”, os representantes dos Estados membros reconhecem a notória ineficácia dos institutos jurídicos e das políticas públicas universais no que concerne à garantia de fruição dos direitos humanos pelos cidadãos com deficiência. Por outro lado, reafirmam no item “m” que as pessoas com deficiência podem contribuir socialmente de forma decisiva para o bem-estar comum e a diversidade de suas comunidades, e que a promoção de seus direitos humanos trará significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico das sociedades, bem como da erradicação da pobreza, que, aliás, caracteriza profundamente este grupo de pessoas, conforme também explicitado no item “t” do preâmbulo. Outra diretriz relevante da Convenção em apreço é, de acordo com o que se lê no item “w” do preâmbulo, a idéia de promoção da pessoa com deficiência a partir de suas capacidades, como sujeito de direitos, deveres e obrigações, qual todos os cidadãos, fazendo jus, entretanto, a medidas que lhe possibilitem equiparar-se aos outros. No item “x”, a justificativa preambular volta-se ao reconhecimento dos direitos inerentes à constituição e à proteção da família da pessoa com deficiência. Finalmente, no item “y”, o preâmbulo se encerra com a seguinte diretriz: “Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará uma significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento”. Monitoramento Nos artigos 31 a 50, a Convenção estabelece os mecanismos administrativos para sua implantação, para o acompanhamento e o monitoramento dos resultados pelos Estados Membros, que instituíram mecanismos recíprocos e coletivos para tanto: Artigo 31 - Estatísticas e coleta de dados; Artigo 32 - Cooperação internacional; Artigo 33 - Implementação e monitoramento nacionais;
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O preâmbulo do referido instrumento internacional espelha em 25 itens as preocupações levantadas linhas anteriores, acerca da inteireza, inter-dependência e universalidade dos direitos humanos e do acesso a estes em relação ao grupo referido. Alguns tópicos, porém, merecem destaque porque demonstram a fundamentação político-jurídica a lastrear as normas que se sucedem. São os seguintes:
26 Artigo 34 - Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; Artigo 35 - Relatórios dos Estados Partes; Artigo 36 Consideração dos relatórios; Artigo 37 - Cooperação entre os Estados Partes e o Comitê; Artigo 38 - Relações do Comitê com outros órgãos; Artigo 39 - Relatório do Comitê; Artigo 40 - Conferência dos Estados Partes; Artigo 41 – Depositário; Artigo 42 – Assinatura; Artigo 43 - Consentimento em comprometer-se; Artigo 44 - Organizações de integração regional; Artigo 45 Entrada em vigor; Artigo 46 – Restrições; Artigo 47 – Emendas; Artigo 48 – Denúncia; Artigo 49 - Formatos acessíveis; Artigo 50 - Textos autênticos. Depura-se da leitura dos dispositivos em questão que esta Convenção inovou em muitos aspectos ao estabelecer a criação de um comitê de monitoramento que se comporá, inicialmente de 12 peritos indicados pela Organização quando da entrada em vigência do Tratado, o que ocorrerá a partir do depósito da 20ª ratificação empreendida entre os Estados Partes. Ao se darem 60 ratificações, o comitê será acrescido de seis membros, de ilibada reputação e notório conhecimento sobre a matéria, totalizando 18, cujas atribuições de receber denúncia conforme protocolo de adesão voluntária a seguir comentado e dar andamento àquelas para a verificação da eficácia das normas convencionais nos Estados Partes.
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Houve, após intensa negociação, a formulação de um protocolo facultativo à dita Convenção. Decidiu-se adotá-lo porque o protocolo em tela também é um avanço sobre os métodos de monitoramento tradicionalmente operacionalizados pela ONU, conforme se verificará, mas a sua implementação foi, por isso mesmo, objeto de dúvida por parte de alguns diplomatas. Sendo assim, as medidas nele contidas foram extraídas do corpo da Convenção, cuja aprovação se deu por consenso e fixou-se a possibilidade de que os mecanismos fiscalizatórios do protocolo fossem incorporados apenas por aqueles que não fizessem restrições. O Brasil subscreveu o protocolo que reconhece a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para receber e considerar comunicações submetidas por indivíduos ou grupos de pessoas sujeitos à sua jurisdição, em caso de transgressões das normas convencionais pelos Estados-Partes. O referido protocolo desenvolve também os mecanismos de investigação das denúncias, prevendo, inclusive, caso se justifique e o Estado Parte consinta, a possibilidade de visita ao território investigado. Apurada a denúncia, o Comitê deverá comunicar as conclusões ao Estado Parte investigado, acompanhadas de comentários e recomendações. Normas O artigo 1 que se refere ao Propósito da Convenção está assim redigido: “O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade”. Dessa forma, o artigo 1 sintetiza a preocupação de se garantir a eficácia dos direitos humanos em todos os seus matizes para que as pessoas com deficiência desenvolvam-se plenamente como cidadãos, superando a notória exclusão decorrente de aspectos culturais, tecnológicos e sociais que as tolhem. Isso se corrobora justamente no conceito de pessoa com deficiência que também se inseriu no dispositivo em questão, assim delineado: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.” Esse conceito, conforme já se disse, está motivado pelo que se fixara no item “e” do preâmbulo, que reconhece: “que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Advirta-se, ainda, que o artigo 3 a seguir comentado, entre os princípios que enumera, veicula a idéia de que a deficiência deve ser tida como algo inerente à diversidade humana como notoriamente se conhece e traduz-se nas peculiaridades de raça, gênero, orientação sexual, religiosa, política, ideológica, na condição familiar, étnica, de origem etc.. Defende-se, destarte, a idéia de que os “impedimentos” pessoais de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial revelam-se como atributos pessoais, que, todavia, são fatores de restrição de acesso aos direitos, não pelos efeitos que tais impedimentos produzem em si mesmos mas, sobretudo, em conseqüência das barreiras sociais e atitudinais. O conceito é revolucionário, porque defendido pelos oitocentos representantes das Organizações Não-Governamentais presentes nos debates, os quais visavam a superação da conceituação clínica das deficiências (as legislações anteriores limitam-se a apontar a deficiência como uma incapacidade física, mental ou sensorial). A intenção acatada pelo corpo diplomático dos Estados
27 Membros, após longas discussões consiste no deslocamento do conceito para a combinação entre esses elementos médicos com os fatores sociais, cujo efeito é determinante para o exercício dos direitos pelos cidadãos com deficiência. Evidencia-se, então, a percepção de que a deficiência está na sociedade, não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas, físicas e atitudinais, as pessoas com impedimentos têm assegurada ou não a sua cidadania. Assim, por exemplo, a eliminação de barreiras arquitetônicas assegura o direito de ir e vir para as pessoas com deficiências físicas; a criação de meios alternativos de comunicação garante o direito de livre expressão para surdos e cegos; os métodos de educação especial viabilizam o acesso ao conhecimento para qualquer pessoa com deficiência, mental ou sensorial. Quando essas medidas não são adotadas, excluem-se as pessoas com tais impedimentos, pondo-se a nu a incapacidade social de criar caminhos de acesso à realização plena dos direitos humanos. Quer-se, assim, transpor a idéia de que a responsabilidade pela exclusão da pessoa com deficiência se deve a ela ou a sua família, para que se compreenda que a sociedade também deve responsabilizar-se por oferecer instrumentos institucionais e tecnológicos para se abrirem as perspectivas de acolhimento e emancipação de todos.
Emerge da leitura que as formas de linguagem e comunicação típicas de grupos de pessoas com deficiências sensoriais que afetem a comunicação escrita ou oral, antes restritas aos guetos de linguagem a eles inerentes e desconhecida da maior parte da população, como ocorre com o braile e a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, passam agora a ser reconhecidas como instrumentos sociais a serem apropriados por todos. Também que o ajustamento razoável e o desenho universal cultivam a necessidade de que os equipamentos e produtos arquitetônicos e industriais devem atender a todos, ou seja, o processo produtivo deve voltar-se à criação de soluções garantidoras da utilização universal dos mesmos. A discriminação também é definida como qualquer ato que tenha por finalidade ou resultado a restrição de direitos em razão da deficiência, abrangendo, portanto, a intenção discriminatória e a discriminação objetivamente verificada por resultados, inclusive estatísticos, ou seja, a discriminação subjetiva ou objetiva. O art. 3 elenca os princípios gerais como: autonomia, independência, liberdade de fazer as próprias escolhas; da dignidade inerente à pessoa com deficiência; da não discriminação; da participação plena; da deficiência como algo inerente à diversidade humana; da igualdade de oportunidades e da acessibilidade; da inclusão; do respeito à igualdade entre homens e mulheres e do respeito às capacidades das crianças com deficiência como pessoas em desenvolvimento. Esses princípios são normas, não meros recursos de interpretação da Convenção; direcionam o aplicador do Tratado no sentido de promover a dignidade inerente à pessoa com deficiência física, mental ou sensorial, dignidade essa que a coloca como sujeito participativo, autônomo e liberto das amarras da superproteção caridosa. O art. 4 estabelece as obrigações dos Estados Partes para a implementação e a universalização do Tratado em seus territórios, no sentido de que desestimulem práticas e costumes discriminatórios contra pessoas com deficiência, atualizem as legislações, estabeleçam políticas públicas para a divulgação das capacidades das pessoas com deficiência e de suas necessidades, formem profissionais habilitados para educação, saúde, reabilitação e habilitação das pessoas com deficiência para o convívio social, promovam o desenvolvimento de pesquisas para o avanço da tecnologia para tais necessidades, fomentem políticas de alargamento
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O art. 2 define idéias centrais para a compreensão do instrumento nos seguintes termos: ““Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o braile, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação; “Língua” abrange as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não-falada; “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, civil ou qualquer outra. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável; “Ajustamento razoável” significa a modificação necessária e adequada e os ajustes que não acarretem um ônus desproporcional ou indevido, quando necessários em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam desfrutar ou exercitar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; “Desenho universal” significa o projeto de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem que seja necessário um projeto especializado ou ajustamento. O “desenho universal” não deverá excluir as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias.””
28 dos direitos econômicos, sociais e culturais, incluam pessoas com deficiências e suas instituições na tomada de decisões das políticas públicas a elas dirigidas. No item “4”, institui-se, ainda, que: “Nenhum dispositivo da presente Convenção deverá afetar quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, os quais possam estar contidos na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não deverá haver nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em conformidade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau.” O art. 5 volta a tratar da não discriminação nos moldes dos artigos 2 e 3, mas estabelece ainda que as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não deverão ser consideradas discriminatórias. Está assim a estimular as políticas de ação afirmativa como cotas de empregos ou oportunidades na educação. Os artigos 6 e 7, por sua vez, reiteram os tratados anteriores referentes a mulheres e crianças, adequando-os, todavia, às demandas daquelas com deficiência. O art. 8 trata da necessidade de conscientização quanto às peculiaridades das pessoas com deficiência no sentido de desmistificálas e torná-las conhecidas pelas famílias e pela sociedade.
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O art. 9 disciplina a acessibilidade, abordando aspectos como barreiras arquitetônicas internas e externas, comunicação, telecomunicações, linguagem, acesso à informação, transporte, moradia etc. Os art. 10 e 11 dispõem respectivamente do direito à vida e à proteção em caso de calamidades e guerras. Isso se deve ao fato de que em alguns países ainda há hoje legislações que autorizam o chamado “aborto eugênico” quando se constata o risco de nascimento de criança com deficiência grave, ou de que as primeiras vítimas, em caso de calamidade pública, como já se constatou, são as pessoas com deficiência que adquiriram, pela norma, direito a tratamento prioritário. Na Alemanha nazista, as vítimas de guerra e os próprios alemães com deficiência foram submetidos aos campos de concentração e às câmaras de gás. Preocupavam-se os promotores do art. 11 com uma medida que venha a banir esta mancha da memória humana. O art. 12 discorre acerca do reconhecimento igual da capacidade jurídica para a fruição dos direitos, bem como para o exercício dos atos jurídicos por todas as pessoas com deficiência, inclusive mental ou sensorial, devendo ser respeitada a sua capacidade de decisão, garantindo-se, entretanto, proteção por meio da tutela ou da curatela em caráter suplementar, tal como ocorre com a interdição parcial prevista no Código Civil Brasileiro. O art. 13, ao seu turno, garante o acesso à Justiça às pessoas com deficiência, que deve ocorrer em igualdade de condições com as demais, fazendo com que o Poder Judiciário se torne acessível tanto no que diz respeito à remoção de barreiras físicas, quanto à criação de mecanismos processuais que assegurem a plena captação da vontade da pessoa com deficiência como parte ou sujeito do processo, ao depor ou se manifestar de qualquer outra forma. Assinale-se que o ato de dizer o direito está na própria essência da jurisdição, cuja origem etimológica é exatamente a jurisdictio – ato de dizer o direito. Logo, essa manifestação jurisdicional deve ser acessível a todos, inclusive em língua de sinais, braile ou sistema de áudio. Os artigos 14 a 18 cuidam da liberdade e da segurança da pessoa; prevenção contra tortura, tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; prevenção contra a exploração, a violência e o abuso; proteção da integridade da pessoa e liberdade de movimentação e nacionalidade. Realçam-se, aqui, os critérios universais de proteção da pessoa contra a violência, inclusive a própria violência institucional. Cuidam-se, assim, das condições concernentes a tratamentos médicos e hospitalares, que devem se pautar pelo direito do paciente a ser informado sobre suas condições de saúde e tratamentos possíveis, para que possa autorizá-los. Versam também os dispositivos em comento sobre o direito ao devido processo em casos de questões penais ou prisionais. Outro aspecto a ser relembrado referese aos direitos de migração, nacionalidade, segurança pública. Os artigos. 19 a 21 pugnam pela vida independente, pela inclusão na comunidade; pela mobilidade social, pela liberdade de expressão e de opinião e pelo acesso à informação. O conceito de vida independente implica a plena inserção da pessoa com
29 deficiência na comunidade e no asseguramento dos meios para tanto. São instrumentos ou mesmo pessoas que possam apoiarlhes de forma a viabilizar o exercício pleno dessa participação. Visa-se, com isso, romper os muros de isolamento institucional. A mobilidade social, a seu turno, é o segundo passo do processo de inserção, com vistas a garantirem-se canais de ascensão social da pessoa com deficiência. A liberdade de expressão, de opinião e de acesso à informação se viabilizará pela adoção de tecnologias que possibilitem a difusão de linguagens especiais, como aquelas utilizadas por cegos e surdos; a instrumentalização desses objetivos está hoje assegurada pela aplicação da informática e de procedimentos para a inclusão de intérpretes de línguas e sinais e divulgação de livros e textos em braile ou outro formato acessível como o áudio, além de sistemas telefônicos adaptados aos surdos etc. O art. 22 desenvolve o direito à privacidade da pessoa com deficiência em igualdade com as demais pessoas, sublinhando a inviolabilidade de seu domicílio e de sua correspondência, sobretudo preservando-se os seus dados pessoais, mesmo no que concerne à estruturação de políticas públicas. O próprio cadastramento de pessoas com deficiência, para o dimensionamento dessas políticas, deve resguardar-lhes a privacidade. O art. 23 versa sobre o direito de constituir, manter e planejar a família por pessoas com deficiência; preserva, também, o direito à filiação natural ou adotiva, bem como os cuidados inerentes à guarda aos pais com deficiência. Impõe, outrossim, o direito de crianças com deficiência serem devidamente atendidas pelos pais ou familiares, centralizando-se a proteção convencional na mantença do núcleo familiar primário, mesmo por meio de políticas públicas de apoio.
Para tanto, o item 2 determina que: “a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob a alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Efetivas medidas individualizadas de apoio sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de inclusão plena.” Esse dispositivo constitui a base para o sucesso das políticas públicas, uma vez que a escola é o primeiro locus de participação política e social fora do âmbito familiar. Ademais, a convivência entre jovens e adultos com e sem deficiência desde a infância rompe tabus, quebra correntes institucionais e, naturalmente, propicia o aprendizado do respeito à diversidade humana. É possível afirmar-se, mesmo, que a escola inclusiva universalizada fará dispensável, ao longo dos anos, qualquer outra política de ação afirmativa. Sem ela, ao contrário, os esforços de inserção da pessoa com deficiência em sociedade serão esvaziados. As escolas especiais desenvolveram em décadas no Brasil um trabalho muito elogiável, até porque supriram o vazio estatal. Não se quer, com isso, eliminá-las ou não se reconhecer a sua importância histórica. É mister, porém, que o conhecimento por elas acumulado seja compartilhado por toda a sociedade, iniciando-se uma gestão pública e privada da questão com vistas a romper o isolamento que tem caracterizado a educação de crianças, jovens e adultos com deficiência no Brasil, isolamento esse que se irradia para todos os outros setores da vida social. A Convenção é categórica nesse sentido. O art. 25 dispõe sobre a saúde, estimulando a universalização da saúde pública e privada, tanto no meio urbano como no rural, com prioridade para o atendimento público universal. Busca, com base no princípio do livre consentimento da pessoa com deficiência, o atendimento das suas necessidades específicas, inclusive para a prevenção ou o agravamento das deficiências. Proíbe a discriminação para admissão de pessoas com deficiência em programas públicos ou privados de saúde ou seguro de vida e exorta
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O art. 24 é um verdadeiro tratado jurídico e político em prol da educação inclusiva, idéia fulcral dos debates que pautaram o texto convencionado na Organização Internacional. Em 5 itens e 11 sub-itens, defende-se o primado de que crianças, jovens e adultos com deficiência devem estudar em escolas comuns, regulares, nas modalidades de: ensino superior, treinamento profissional, educação de jovens e adultos e aprendizado continuado, sem discriminação e em igualdade de condições com as demais pessoas. Devem ser empregados métodos especiais, inclusive quanto às linguagens adequadas, como o braile e língua de sinais, ou sistemas tecnológicos que supram as deficiências físicas e sensoriais, além de métodos pedagógicos para pessoas com deficiência mental. Com isso, visa-se assegurar-lhes igualdade de oportunidades educacionais inclusivas em todos os níveis, com objetivos específicos para o desenvolvimento do censo de cidadania, pertencimento social e da personalidade da pessoa com deficiência.
30 ao desenvolvimento de pesquisas para a garantia da qualidade de vida das pessoas com deficiência. O artigo 26 regulamenta o direito à habilitação e à reabilitação particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais, de modo que estes serviços e programas: “a)Comecem o mais cedo possível e sejam baseados numa avaliação multidisciplinar das necessidades e pontos fortes de cada pessoa; e b) Apóiem a participação e a inclusão na comunidade e em todos os aspectos da sociedade, sejam oferecidos voluntariamente e estejam disponíveis às pessoas com deficiência o mais próximo possível de suas comunidades, inclusive na zona rural.” Devem também os signatários desenvolver a formação de profissionais para cada área de habilitação e reabilitação, utilizando-se de tecnologias assistivas adequadas.
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Habilitação é o processo de preparação de uma pessoa com deficiência, que inclui educação, fisioterapia, treinamento profissional e técnico para utilização de próteses, órteses, linguagens especiais etc, de modo a lhe garantir o ingresso na vida social, porque se trata de pessoa que nasceu com deficiência ou se tornou com deficiência na primeira fase da infância. A reabilitação, ao seu turno, dar-se-á nos mesmos moldes, mas será aplicada às pessoas que se tornem com deficiência ao longo da vida e que necessitem voltar ao convívio social e profissional. Este, aliás, é o direito precípuo dos trabalhadores que sofrem acidente no trabalho ou doenças incapacitantes. Regra-se a obrigação social fundamental para que se suplante o paradigma do isolamento caritativo, assistencialista. O art. 27 sintetiza a Convenção 159/83 da OIT, que se refere ao direito ao trabalho em igualdade de oportunidade com as demais pessoas. Trata-se da proibição de discriminação da pessoa com deficiência no trabalho, de seu recrutamento e acesso ao emprego, da manutenção do posto de trabalho, da ascensão profissional e das condições seguras e salubres de trabalho. Normatiza, ademais, o trabalho por conta própria, o cooperativismo e o acesso ao serviço público à pessoa com deficiência. Assegura, para tanto, qualificação profissional, direitos trabalhistas e previdenciários, incentivos fiscais e políticas de cotas nas empresas, apoio à livre iniciativa para pessoas com deficiência empreendedoras, além do direito à sindicalização. Impõe aos Estados a permanente qualificação de educadores com vistas à formação, à habilitação e à reabilitação de pessoas com deficiência para o mundo do trabalho. Exorta à criação de políticas públicas para a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Finalmente, conclama a liberdade de trabalho, vedando trabalho escravo ou servil, bem como forçado ou compulsório e o combate à exploração de pessoas com deficiência. O Brasil conta com ampla legislação de garantia de acesso de pessoas com deficiência ao trabalho, inclusive por meio de cotas obrigatórias em empresas com mais de cem empregados, em percentual de 2% a 5%, dependendo do número total de colaboradores - Lei 8.213, art. 93 e Decreto 3.298/99. Também a Constituição assegura no art. 37, VIII, a reserva de cargos e empregos públicos por meio de concursos. Ocorre, porém, que embora reconheçam-se amplos avanços na colocação de pessoas com deficiência nas empresas e mesmo na esfera pública, desde 2000, época em que se começaram a implementar as normas em questão, muito há que se fazer com vistas à universalização desses direitos, já que há um déficit crônico de formação educacional e profissional das pessoas com deficiência em nosso país. Há que se superar, sobretudo, a política pública assistencialista que vem a desestimular o ingresso do cidadão com deficiência no mundo competitivo, uma vez que recebe da assistência social o benefício de prestação continuada já comentado, bastando que alegue incapacidade e renda familiar de ¼ do salário mínimo. A percepção dessa renda acaba, por vezes, sendo a fonte de sustento de muitas famílias apesar do seu baixo valor e, por isso mesmo, os filhos são desestimulados a estudar, trabalhar ou até a sair de casa. De acordo com a norma convencional em questão, essa política assistencialista deveria ser casada a outras de acesso à educação e ao trabalho. Os artigos 28 e 30 enumeram os direitos ao padrão de vida e à proteção social adequados, à participação na vida cultural e na recreação, no lazer e no esporte. Pretende-se aqui assegurar-se o direito à condição de vida digna, com o mínimo indispensável para tanto e mais, o direito de acesso ao lazer, à cultura, aos esportes, às artes etc. O intuito é tornar a pessoa com deficiência um ser humano completo e plenamente realizado em todas as instâncias para uma vida de qualidade e verdadeiramente feliz. Finalmente, o artigo 29 evidencia o direito à participação política da pessoa com deficiência – direito de votar e ser votado esse direito deve ser exercido em igualdade de condições com os demais cidadãos. Dessa forma, devem-se garantir “procedimentos, instalações e materiais para votação apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso”. Assegura-se, ainda, o voto secreto, livre e universal, bem como o direito a se candidatarem livremente a cargo eletivo ou funções públicas. Garante-se, outrossim, a livre expressão da vontade da pessoa com deficiência como eleitor e a possibilidade de que utilizem inclusive apoios pessoais ou técnicos no exercício dessa vontade. Estimula-se a participação de pessoas com deficiência em partidos políticos e organizações
31 não-governamentais, essas de âmbito internacional, nacional, regional e local, para que se façam representar coletivamente na vida pública. Os possíveis efeitos da ratificação pelo Brasil O direito brasileiro sempre discutiu os efeitos da ratificação de um tratado internacional para o ordenamento jurídico interno. A doutrina, em geral, realça a primazia das normas internacionais ratificadas sobre as leis ordinárias . Tal se reforça pela própria dicção do § 2º do art. 5º da Constituição Federal que assim se lê: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O dispositivo em testilha já outorgara status constitucional aos tratados ratificados em matéria de direitos humanos, conforme insiste a doutrina. A jurisprudência até o momento dominante na Suprema Corte, porém, nivela as normas ratificadas com as leis ordinárias, fato que explica a recente alteração trazida pela Emenda Constitucional 45 de 2004, que acrescentou o §3º ao art. 5º da CF, nos seguintes termos: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Sublinhe-se, nesse passo, que a Carta Magna contempla diversos grupos vulneráveis, ao proteger a mulher (art. 7º, XX), as crianças e adolescentes (art. 227), os idosos (art. 230), os índios (art. 231 e 232), os remanescentes das comunidades quilombolas (art. 68) e as próprias pessoas com deficiência (art. 7º, 23, 24, 31, 37, VIII, 201, 203, 207, 227, 244). Faz-se mister a distinção histórica de se ter a presente Convenção aprovada com quorum qualificado e hierarquia constitucional. É que, embora profusa a edição de leis em favor das pessoas com deficiência, os instrumentos normativos constituem-se de regras exortativas, desprovidas de sanção. Cumulam-se em quantidade sem qualquer sistematização principiológica ou técnica jurídica, como ocorreria num código ou num estatuto, o que dificulta o domínio da matéria por juízes, advogados e membros do Ministério Público. Diversas normas federais dirigem-se às administrações municipais e estaduais, como, por exemplo, as Leis 10.048/00 e 10.098/00, que disciplinam o transporte acessível e as remoções de barreiras arquitetônicas. A regulamentação pelo Decreto 5.296/04 não foi suficiente, porém, para que os municípios as cumprissem, tendo em vista as regras constitucionais que lhes garantem autonomia administrativa e legislativa. Há que se superar, insista-se, em nosso país a prevalência do assistencialismo que pauta a matéria. A percepção do benefício assistencial desestimula a pessoa com deficiência a lançar-se à competição do mundo do trabalho bem como desonera o Estado da premência que seria desejável na instituição das políticas públicas amplas de saúde, educação, transporte, comunicação e remoção de barreiras atitudinais e arquitetônicas. A assistência social não é um fim em si mesmo. Deve ser um instrumento de emancipação e, por isso, a concessão do benefício em tela deveria ser acompanhada de envolvimento do beneficiário com as demais obrigações estatais inerentes à escola, à saúde, ao trabalho etc. Parece, assim, que a ratificação da Convenção sistematizará, por meio dos princípios normativos que contemplam o instrumento, a inteireza dos direitos humanos aqui expostos. Não se pode olvidar, ainda, que a condição de deficiência tem se colocado como um fator de agravamento da pobreza, da falta de acesso à educação, da discriminação racial ou de gênero. Os direitos humanos constantes da Convenção foram incorporados ao ordenamento pátrio, com status de direitos fundamentais, assim que se deu a declaração congressual, por meio do quorum qualificado, na forma do § 3º, do art. 5º, da CF supra transcrito. Reconhecer-se-á, objetivamente, que as pessoas com deficiência no Brasil necessitam desse instrumento para que o artigo 5º lhes alcance de forma eficaz.
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Observa-se que a prosperar o entendimento dominante até hoje no Supremo para que um tratado ratificado equipare-se a normas constitucionais, será necessária a aprovação por quorum qualificado do pedido de ratificação pelo Executivo. Caso haja reversão da jurisprudência e prevaleça o reiterado entendimento doutrinário, a mera ratificação sem quorum qualificado já poderia outorgar às Convenções ratificadas foros de preceito supra legal. Por ora, convém defender as benesses jurídicas da ratificação da presente Convenção na forma do § 3º do art. 5º da CF. Será a primeira vez que esse procedimento se adotará no Congresso, inaugurando a tutela constitucional minudenciada de um grupo de cidadãos.
32 Conclusões 1. É fácil notar que o conjunto dos dispositivos comentados traduz toda a gama dos direitos humanos nas esferas individuais e sociais, nas liberdades e direitos do indivíduo e nas obrigações do Estado para a consecução dos direitos humanos sociais. 2. A reafirmação dessa amálgama jurídica também se fez necessária novamente nesse Tratado Internacional para que, por meio de conceitos e princípios específicos, os direitos humanos universais se tornem eficazes para o segmento de cerca de seiscentos milhões de pessoas com deficiência no mundo. 3. A motivação político-jurídica da Convenção, conforme o preâmbulo, centraliza-se no princípio da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos que foram proclamados ao longo da História.
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4. O conceito de pessoa com deficiência adotado pela Convenção supera as legislações tradicionais que normalmente enfocavam o aspecto clínico da deficiência. As limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais passam a ser consideradas atributos das pessoas, atributos esses que podem ou não gerar restrições para o exercício dos direitos, dependendo das barreiras sociais ou culturais que se imponham aos cidadãos com tais limitações, o que possibilita afirmar-se que a deficiência é a combinação de limitações pessoais com impedimentos culturais, econômicos e sociais. Desloca-se a questão do âmbito do individuo com deficiência para as sociedades que passam a assumir a deficiência como problema de todos. 5. A Convenção em questão rompe os muros dos guetos institucionais na educação, no trabalho, no esporte, no lazer, na cultura, na saúde e nas políticas de assistência social, para se vislumbrar a pessoa com deficiência com toda a completude que merece, a fim de ser vista e respeitada como cidadã autônoma e senhora do seu destino. 6. A ratificação da Convenção pelo Brasil com fulcro na Emenda 45/04 – parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição Federal – trouxe uma relevância abrangente, uma vez que a legislação brasileira carece de eficácia, seja em razão da ausência de sanções legais e concentração de direitos em Decretos Regulamentares, seja em decorrência do grande número de leis sem uma unidade sistemática e axiológica. Acrescente-se o aspecto da transversalidade das pessoas com deficiência em se considerando as questões sociais, de gênero, de raça ou qualquer outro fator de discrímen que se agrava visivelmente quando se trata de pessoa com deficiência.
33 BLOCO TEMÁTICO III Espaços de participação e exercício dos direitos – vivenciando a cidadania A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Garantia para uma Cidade Melhor para Todos. Flavia Maria de Paiva Vital A cidade é um organismo vivo em constante transformação, sempre se adequando às necessidades de seus usuários. Toda e qualquer transformação deve atender à comunidade atual e preservar sua qualidade ambiental e urbana para as futuras gerações. Deve permitir o uso com qualidade por qualquer indivíduo da sociedade. Um uso com autonomia, segurança e equiparação de oportunidades. Todos devem fazer parte da paisagem urbana. A inacessibilidade aos transportes públicos e aos espaços urbanos produz o mesmo resultado de haver uma lei proibindo parte da população de se deslocar pela Cidade. Estudos recentes revelam que, até o ano 2050, seis bilhões de habitantes, ou seja, dois terços do total da população mundial, residirão nas cidades.
Conforme o Centro de Informação das Nações Unidas em Bruxelas - RUNIC, os bairros degradados e os bolsões de pobreza que existem, mesmo nos países ricos, estão situados em zonas bem delimitadas. A expansão dos bairros degradados e das ocupações selvagens é, em grande parte, conseqüência de políticas e de práticas de exclusão, na medida em que a seus habitantes é negado o acesso aos serviços públicos e aos serviços de primeira necessidade, como o abastecimento de água, o saneamento, a saúde e a educação. Um plano de ordenamento urbano participativo que seja favorável aos pobres, que dê às mulheres e aos homens meios para gerirem as suas comunidades e cujo desenvolvimento respeite os direitos humanos e esteja de acordo com o direito internacional, minimizaria este quadro. Bengt Lindqvist, ex-Relator das Nações Unidas em Assuntos de Deficiência e Desenvolvimento Social, em seu Relatório do Ano 2002 ressaltou a íntima relação existente entre pobreza e deficiência: “É óbvio que nos países em desenvolvimento como em áreas mais desenvolvidas, as pessoas com deficiência e suas famílias são mais propensas, que o resto da população, a viver na pobreza. É uma relação de duas vias: A deficiência produz pobreza e as condições de pobreza aumentam o risco de adquirir uma deficiência. O preconceito e o estigma afetam a vida tanto das crianças com deficiência como dos adultos com deficiência. Estas condições e atitudes produzem o isolamento e a exclusão da vida em suas comunidades”. Partindo de que a pobreza é a condição na qual estão famílias ou pessoas cujas rendas não são suficientes para satisfazer as necessidades básicas em alimentação e outras necessidades como gastos em saúde, educação, moradia, vestuário, transporte etc., o Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, assinalou: “A linha da pobreza para as pessoas com deficiência deve levar em conta os gastos adicionais nos quais incorrem quando traduzem suas rendas em possibilidades de viver bem”. Está claro que as pessoas com deficiência têm gastos adicionais para satisfazer as mesmas necessidades das pessoas sem deficiência. O mesmo Sen afirma que no Reino Unido o índice ou porcentagem de pobreza entre as pessoas com deficiência foi de 23,1% comparado com um índice geral de 17,9% para o país. Mas quando os gastos adicionais associados a ter uma deficiência
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Se a atual tendência continuar a se verificar, mais da metade destas pessoas poderá habitar em bairros degradados.
34 são considerados, o índice de pobreza para as pessoas com deficiência dispara até 47,4%. Assim, toda e qualquer transformação na cidade deve atender aos mais pobres e, dentre estes, às pessoas com deficiência. “A cidade acessível é aquela onde seus espaços de uso comum, sejam eles da iniciativa privada ou pertencentes ao Poder Público, permitem o uso com qualidade por qualquer indivíduo da sociedade. Um uso com autonomia, segurança e equiparação de oportunidade.” – Definição: Programa Brasil Acessível da Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades Em muitos casos as barreiras são o resultado de projetos que ignoraram a questão da deficiência; outras vezes o erro está na falha de execução; há, ainda, as situações em que a tentativa de acertar não condiz com o conhecimento técnico necessário; e, por fim, encontra-se a falta de manutenção e fiscalização como um dos principais causadores de situações inacessíveis. Quando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define que a deficiência é um produto social, fruto da relação das pessoas com deficiência com seu entorno incapacitante e que cabe ao Estado, principalmente, a criação das condições adequadas para que as pessoas com deficiência participem da sociedade, sejam incluídas em igualdade com as demais, se pressupõe que as cidades devam se tornar acessíveis a todos.
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Luis Fernando Astorga Gatjens, do Instituto Interamericano sobre Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo - IIDDI, na palestra de abertura do Encontro de Conselhos, proferida em Brasília, dia 30/11/2007 assinalou: “Neste modelo, o “problema” da deficiência está localizado no entorno sociocultural e físico e resulta da falta de consciência do Estado e da sociedade para com a diferença, que representa a deficiência. Conseqüentemente, o Estado tem a obrigação de fazer frente aos obstáculos criados socialmente, com a finalidade de promover e garantir o pleno respeito da dignidade e da igualdade de direitos de todas as pessoas. Já aqui a pessoa com deficiência deixa de ser um objeto de assistência e reabilitação para ser um sujeito que tem direitos e deveres, pode desenvolver uma vida independente, desloca-se para qualquer lugar livremente porque as sociedades eliminaram os obstáculos e fizeram construções com critérios de acessibilidade, participa nas atividades de sua comunidade e de seu país, pode votar ou ser votado para postos eletivos, tem acesso à educação inclusiva, à saúde, ao emprego, ao lazer, à recreação e ao esporte etc. Ou seja, ela pode desenvolver sua vida, em igualdade de condições com as pessoas que não têm deficiência.” Luiz Fernando termina esta palestra com uma idéia muito acertada, que expressou Lisa Kauppinen, Presidente da Federação Mundial de Surdos: “Uma sociedade que é boa para as pessoas com deficiência é uma sociedade melhor para todas as pessoas”. Com certeza, o impedimento do uso dos transportes pelas pessoas com deficiência pode ser gerado por questões físicas, tecnológicas ou atitudinais. Os obstáculos podem estar nas instalações físicas do terminal, no mobiliário interno ou até no design do ônibus; podem estar, também, na opção de letreiro eletrônico informando itinerário ou na programação visual que identifica a plataforma de embarque; ou podem estar, ainda, na atitude do motorista de parar o veículo longe demais do ponto de embarque ou na arrancada do veículo e outros. Por conseqüência, tornar possível o uso dos transportes pelas pessoas com deficiência trará segurança e conforto para todos os usuários. Conforme o Caderno 2 do Programa Brasil Acessível do Ministério das Cidades, da mesma forma: “ao se avaliarem as calçadas em conjunto com seu paisagismo, seu mobiliário, sua distribuição de uso e seus fatores históricos, é possível identificar conceitos anteriores de pensamento (e necessidade) urbano que não atendem aos desejos de hoje. Da mesma forma, pode-se afirmar o papel assumido deste espaço – a calçada e seu passeio – na qualidade de vida da sociedade que ali vive e desfruta das ações sociais da cidade. A locação de mobiliário sem planejamento, sua ampliação não autorizada, objetos comercializados sobre a calçada,
35 os diversos usuários de um mesmo espaço com suas modalidades específicas, o desenho urbano das calçadas entre eles, a inclinação transversal da mesma, a implantação da vegetação de forma desordenada, a falta de manutenção são alguns dos problemas que se podem encontrar nos espaços urbanos onde há circulação de pessoas. São conflitos que gerarão problemas relativos à segurança dos usuários, ao impedimento de uso dos espaços públicos, à simples circulação das pessoas.” A maioria dos países conta com normas e/ou leis mediante as quais os edifícios, transportes, espaços e equipamentos públicos devem ser acessíveis para as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. O real é que raras vezes se exige o cumprimento destas normas. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência vem preencher esta lacuna, estabelecendo que , pela primeira vez, os Estados Partes devem criar estruturas nacionais independentes, responsáveis pela implementação da Convenção, devendo incluir as pessoas com deficiência e suas organizações nestas estruturas. Outra medida que esta Convenção traz para a criação de cidades mais justas é que a cooperação internacional só se dará respeitando as normas de acessibilidade e inclusão. Este primeiro tratado temático de direitos humanos do século 21 é um importante instrumento de reconhecimento e afirmação, que foi construído ao longo dos últimos 4 anos, contou com a participação de 192 países membros da ONU e de centenas de representantes da sociedade civil de todo o mundo.
120 Estados se comprometeram internacionalmente com o processo de ratificação da Convenção e 67 por seu Protocolo Facultativo. A Convenção entrou em vigor no dia 03 de maio de 2008, no âmbito internacional, logo após o vigésimo país ter ratificado e depositado o respectivo instrumento na Organização das Nações Unidas - ONU. Até o presente, 28 países já a ratificaram e 17 se comprometeram com o Protocolo Facultativo* – em 26/06/2008. Nesta mesma data, a Convenção no Brasil se encontra em processo final legislativo para a sua ratificação. Concluindo, a cidade – seus integrantes e seus espaços de utilização – deve passar por transformações profundas e se adaptar para atender às necessidades de todas as pessoas, com deficiência ou não, permitindo a Inclusão Social. Considerar a mobilidade urbana como uma política pública é combinar, de forma eficiente e eficaz, ações integradas e integradoras que estabelecem regras e normas para o uso do solo, os transportes públicos motorizados e os meios de transportes não motorizados de deslocamento, principalmente o andar. E é nesta visão que a Convenção irá colaborar e garantir uma cidade melhor para todos.
*Fonte: http://www.un.org/disabilities/index.asp
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Em 13 de dezembro de 2006, em sessão solene da ONU foi aprovado o texto final deste tratado internacional.
36 Espaços de denúncia e de defesa dos direitos Carina Palma de Moura Alterio A Representação Social da Pessoa com Deficiência vem se modificando nos últimos tempos. Um passado remoto e árduo foi a transição de uma postura social que legitimava práticas excludentes, segregadoras ou, ainda, destacava a diferença como necessidade da adaptação à realidade entendida como sendo normal. Definido como grupo de oprimidos, o segmento das pessoas com deficiência foi acobertado pelo silêncio histórico por muito tempo, sofrendo conseqüências por atitudes de discriminação e segregação, incompatíveis com a idéia de cidadania e direitos humanos. Em inúmeros casos, escondidas da sociedade pela própria família ou isoladas em instituições, as pessoas com deficiência tiveram poucas oportunidades de participação na construção social. A mudança deste entendimento significou um grande avanço do ponto de vista social. Dessa consciênci, decorrem teorias e práticas que promoveram uma guinada substancial no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, sua difusão e, conseqüentemente, a conquista do direito de participar ativamente das decisões sobre sua própria vida, exercendo a plena cidadania, satisfazendo suas expectativas sociais e pessoais, sem o estigma da dependência, geradora da comiseração alheia.
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A trajetória histórica da construção da imagem das pessoas com deficiência impulsiona, ainda hoje, de forma significativa, a visão que se tem dessa população. O imaginário faz vislumbrar um grupo de pessoas infantis, limitadas, sem condições de participação e de efetivação de suas próprias escolhas Ainda hoje vivemos a necessidade de resgatar, em toda sociedade, o crédito na pessoa com deficiência como cidadão incumbido de deveres e direitos. As barreiras arquitetônicas e atitudinais denotam que, apesar do novo paradigma, ainda há muito para fazer. Garantias legais existem e já mostraram que, pela simples existência, não são suficientes para garantir a participação e a equiparação de oportunidades. É neste contexto que buscamos a garantia da Dignidade da Pessoa Humana e, não obstante, a aplicação do bom senso. Neste sentido, considerando a Constituição Federal como marco jurídico da transição ao regime democrático e que ampliou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos que assumem relevância. Assim sendo, dentre os objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, na qual os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, sem preconceito de origem, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, colocam-se como um imperativo de justiça social. O Poder Público tem o dever de assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício e a viabilidade de seus direitos individuais e sociais; promover ações governamentais visando o cumprimento das leis; implementar Política Nacional para inclusão da pessoa com deficiência, com criação e desenvolvimento de planos, programas e projetos específicos, além do dever de executar esta política. A partir da organização bipartite (governo e sociedade civil), um dos espaços de garantia da defesa dos direitos e da cidadania da pessoa com deficiência se dá pelos Conselhos de Defesa de Direitos da Pessoa com Deficiência, devidamente organizados nas várias esferas da administração pública, quais sejam, federal, estadual e municipal. De maneira geral, os objetivos constantes nas Leis e Decretos destes conselhos são voltados para a defesa de direitos da pessoa com deficiência, luta pela melhoria da qualidade de vida, pela transmissão de informações corretas à população como um todo e à própria população de pessoas com deficiência, proposição e fiscalização de Políticas Públicas, bem como manter a Administração Pública informada sobre as necessidades e as ações voltadas para essa população específica. Desta forma, destacam-se algumas ações, como acompanhamento do planejamento, avaliação da execução e fiscalização de Políticas Públicas e setoriais de educação, saúde, assistência social, transporte, cultura, desporto, lazer e política urbana, no que dizem respeito à pessoa com deficiência.
37 No mesmo sentido, os conselhos devem receber e encaminhar aos órgãos competentes petições, denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou Entidade, quando ocorrer ameaça ou violação dos direitos da pessoa com deficiência, exigindo a adoção de medidas efetivas de proteção e reparação. A Lei nº 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social e sobre a CORDE – Coordenadoria Nacional para integração da Pessoa Com Deficiência, aborda a tutela jurisdicional de interesses difusos e coletivos desses indivíduos, as responsabilidades do Ministério Público e define como crime, punível com reclusão, obstar sem justa causa o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência, bem como negar-lhe, pelo mesmo motivo, emprego ou trabalho. Já a Medida Provisória 1799/99 (e suas reedições) instituiu o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, cujo objetivo é acompanhar e avaliar a Política Nacional da Pessoa com Deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, transporte, cultura, desporto, lazer e política urbana, no que dizem respeito à pessoa com deficiência. Ademais, os direitos e interesses das pessoas com deficiência podem ser protegidos e assegurados por meio de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público ou por demais serviços legitimados por lei, como delegacias, comissões de defesa de direitos (humanos, pessoas com deficiência etc.) da Ordem dos Advogados do Brasil e serviços da rede de proteção municipal que, segundo as diretrizes da Política Nacional de Assistência Social, prevêem a proteção básica e especial de forma a garantir a seus usuários o acesso ao conhecimento dos direitos sócio-assistenciais e sua defesa.
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38 A consolidação da cidadania Humberto Dantas Após mais de duas décadas de regime autoritário, a promulgação da Constituição de 1988 nos afastou da ausência de direitos e liberdades essenciais à nossa vida em sociedade. Em 2008, a Constituição Federal completou 20 anos e sua leitura nos remete a um abismo entre o que nos garantiram os parlamentares e o que efetivamente vivemos. O documento que foi batizado pelo finado deputado federal Ulisses Guimarães (PMDB-SP) de Constituição Cidadã nos assegura questões essenciais à vida em sociedade. Mas o que representa o termo cidadania? Qual nossa responsabilidade nessas conquistas?
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Theodor Marshall, nas primeiras décadas do século XX, talvez tenha sido o autor que definiu de forma mais consagrada o termo cidadania. Na obra “Cidadania, Classe Social e Status”, o autor se debruça na história e nos mostra como se deram as conquistas dos principais direitos que respaldam a questão. Os direitos civis foram inicialmente observados no século XVIII, graças às principais revoluções do período – Francesa e Norte-Americana. Os lemas relacionados à liberdade davam a exata noção dos anseios da sociedade. No século XIX, iniciamos as conquistas dos direitos políticos sob o símbolo da obtenção do sufrágio masculino e da discussão do acesso da mulher às urnas, defendido pelo filósofo Stuart Mill e conquistado na Nova Zelândia e parcialmente nos Estados Unidos. O século XX é a era dos direitos sociais, representando uma mudança radical na concepção do Estado. Conquistas trabalhistas resultantes da revolução industrial, que atingiu seu ápice no século XIX, e as marcas das grandes guerras alterariam as responsabilidades do setor público com seus entes. Assim, de posse desses três conjuntos essenciais de direitos, que se mantêm em constante evolução até os dias atuais, poderíamos afirmar que nos aproximamos do conceito de cidadania. Enganam-se, no entanto, aqueles que pensam ser a cidadania sinônimo apenas da conquista de direitos. Pelo contrário. Tais direitos representam a celebração de um pacto. A formação de um Estado, sobretudo democrático, guarda relação direta com o envolvimento conjunto de seus integrantes. O filósofo inspirador da Revolução Francesa, Jean-Jacques Rousseau, afirmaria que indivíduo nenhum é livre se não viver sob as regras que criou conjuntamente. Mas indicava também que trair tais regras representava uma auto-traição, uma vez que não se pode ir contra aquilo que se constituiu. Dessa forma, aos cidadãos não cabem apenas direitos, também existem deveres fundamentais que devem ser respeitados como parte do universo constituído. Os limites existem para que sejam respeitados e, como afirma o antropólogo Roberto DaMatta: um mundo de exceções às regras é um mundo sem regras. Diante de tais questões, o que restaria aos cidadãos? Criar e respeitar as regras? Não. É pouco. Marshall entende que a educação tem um papel central na constituição do conceito de cidadania. Não bastam direitos, precisamos compreender a existência deles. O bom funcionamento de uma série de serviços públicos, como a saúde, por exemplo, não pode ser entendido como dádiva divina ou compromisso pontual de um determinado governante. A saúde é um direito, o bom funcionamento e o atendimento exemplar são essenciais. Assim, nos resta compreender que as regras, as leis e os direitos estão acima de pessoas. Governantes passam, regras e compromissos ficam. Nesse sentido, carecemos de educação. E esta não pode ser compreendida “apenas” como um direito de cada um. A educação também é um dever de cada cidadão com a sociedade em que vive. E quando fala em educação, Marshall não está se referindo apenas aos tradicionais padrões de ensino. As escolas precisam estar preparadas para que “eduquem para a cidadania”. Mas não só a escola, todos os canais de educação. Uma sociedade educada é uma sociedade compromissada com interesses coletivos, afinal de contas, Rousseau afirmava: “o indivíduo que coloca seus interesses pessoais à frente de questões coletivas contribui para a derrocada do Estado”. Educados, cientes de nossos direitos, fiscalizadores, ativos e respeitadores de deveres e ações que envolvem a coletividade, atingimos o que poderíamos chamar de consciência. A consciência é o termo que melhor sintetiza o espírito do conceito de cidadania. Cidadãos conscientes respaldam o pacto, respeitam aquilo que construíram. No caso do Brasil, se tivéssemos a “educação cidadã”, seríamos capazes de reduzir absurdos como a corrupção e o constante desrespeito às regras estabelecidas para o funcionamento do país? Talvez. Mas Stuart Mill afirmava que no mundo existem dois tipos de cidadãos: os passivos e os ativos. Os primeiros são ignorantes e interessam muito aos governantes. O segundo grupo é de interesse da sociedade, mas a existência desses está vinculada a uma educação que o Estado não parece disposto a promover. E como saímos de tamanho problema?
39 A ONU entende que o fim da pobreza está absolutamente vinculado à capacidade de a sociedade se organizar em torno de seus temas de interesse comum. Cooperativas, por exemplo, tiram da miséria centenas de pessoas, esforços desordenados e individuais salvam poucos e os devolvem rapidamente à situação inicial. Assim, devemos ter a consciência da distância entre nosso modo de agir e aquilo que o país precisa efetivamente para se desenvolver. Carecemos de uma justiça mais eficaz, eficiente e neutra. Devemos lutar pelo afastamento urgente de pérolas culturais como o “jeitinho brasileiro”, a “vantagem em tudo”, a distinção econômica, os privilégios de poucos, a exclusão e uma série de condutas e garantias legais pouco compromissadas com a ética. A participação conjunta há de nos mostrar um caminho mais adequado. Enquanto isso, é preciso lutar por uma revolução cultural capaz de conscientizar a sociedade sobre os ganhos de longo prazo que a cooperação é capaz de nos assegurar. A pessoa com deficiência, nesse contexto, é profunda conhecedora das barreiras físicas e psicológicas de uma sociedade pouco preparada para conviver com diferenças. Além disso, devemos atentar para o abismo criado pela lei. Estatutos, regras, portarias e uma série de aparatos jurídicos garantem um mundo acessível às pessoas com deficiência, que constantemente se deparam com toda sorte de justificativas, desculpas e falta de capacidade. A cidadania, no Brasil, parece fadada a textos, debates e conceitos. A realidade não nos é favorável, e tal questão depende do Estado, de seus governantes e naturalmente de cada um de nós. Referências bibliográficas ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, 3ª ed., CORDE, Brasília, 1994.
MERCADANTE, Aloízio. Direitos do Cidadão Especial. Brasília: Senado Federal, 2004. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 2ª edição, editora Max Limonad, 1997. RIZZATO NUNES, Luiz Antônio. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, São Paulo, Saraiva, 2002. VITAL, Flávia Maria de Paiva. Mobilidade Urbana Sustentável. Fator de Inclusão da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2006.(Boletim Técnico da CET, 40).
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FÁVERO, Eugênia Gonzaga. Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade, Rio de Janeiro, WVA.
40 BLOCO TEMÁTICO IV Inclusão digital - exercitando a comunicação A internet a favor da inclusão de pessoas com deficiência Odete Sidericoudes “O Brasil aderiu ao uso da internet: atualmente, o número de internautas brasileiros ultrapassou o patamar dos 40 milhões no primeiro trimestre de 2008, o que representa cerca de 22% da população do país. O acesso se dá de qualquer ambiente (residência, trabalho, escola, LAN houses, bibliotecas etc). No mês de maio, o total de pessoas com acesso residencial à internet no país atingiu o recorde de 35,5 milhões. Já os internautas residenciais ativos somaram 23,1 milhões, o que representa um crescimento de 29% na comparação com maio do ano passado, quando eram 17,9 milhões” (AGENCIA ESTADO).
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“É um número relativamente grande. No mesmo período de 2005 o número de pessoas que entraram na web ao menos uma vez por mês de casa era de 10,7 milhões, apontando que o volume de internautas “.br” praticamente dobrou em três anos” (FOLHA ONLINE). Os dados das pesquisas ainda mostram que o interesse dos brasileiros no uso da internet concentra-se na categoria “buscadores, portais e comunidades”, apresentando um número de 19,8 milhões de usuários únicos com tempo médio de uso mensal de 23 horas e 48 minutos por pessoa em maio - uma hora e um minuto a mais do que o tempo registrado em abril. Estes números revelam que a Internet explodiu como a mídia mais promissora desde a implantação da televisão. As pessoas que usam Internet estão interessadas em conhecer mais, pesquisar mais, buscar mais informações. A maioria das pessoas procura na rede seus semelhantes, seus interesses; os internautas buscam pessoas que tenham as mesmas preferências, valores, expectativas, pessoas fisicamente próximas e/ou distantes, conhecidas e desconhecidas. A comunicação se torna menos linear, assume uma forma mais sensorial e multidimensional. As diferentes formas de comunicação são praticadas facilmente pelos internautas por meio de correio eletrônico, listas de discussão, por comunicação instantânea como pelo MSN ou Skype, o que também se faz através de voz e de imagens. Nesse tipo de comunicação, acontecem encontros virtuais, criam-se amizades, discutem-se assuntos variados e relacionamentos inesperados que começam virtualmente e muitas vezes levam a contatos presenciais. De outro lado, vivemos também um momento histórico na sociedade; a luta pelos direitos de inclusão por diferentes segmentos sociais. Alguns conseguiram avançar plenamente na conquista da inclusão, enquanto outros ainda lutam pelos seus direitos de inclusão na sociedade. Apesar das leis serem criadas para garantir esses direitos, ainda as pessoas que são consideradas diferentes são excluídas. Como diferentes, são consideradas as pessoas com deficiência, que não têm acesso aos direitos que devem pertencer a todos: educação, trabalho, saúde, transporte, esporte, cultura, lazer, locomoção e outros aqui não mencionados. Se nosso desejo é uma sociedade justa e democrática, é preciso conhecê-las e reconhecê-las como iguais e incluídas no universo dos direitos e deveres. É preciso conhecer como vivem as pessoas com deficiência. O conhecimento do dia a dia destas pessoas pode nos levar a pensar nas dificuldades e nas conquistas destas pessoas e na possibilidade de concretização dos seus direitos, apresentando soluções simples e concretas para elas para a construção de uma sociedade inclusiva. Uma sociedade que estimula a participação de cada um, reconhecendo o potencial de todo cidadão, oferecendo oportunidades iguais para todos. Há uma evolução neste sentido, conseqüente de uma visão social de um mundo mais democrático. Uma evolução na sociedade que leva a um movimento, o da inclusão. Este movimento ganha espaço cada vez maior e vem sendo beneficiado quando as pessoas envolvidas utilizam a internet para manifestar suas opiniões, conhecer as opiniões de seus pares. Isso porque a comunicação reduz consideravelmente as distâncias, permitindo que as pessoas se aproximem, possibilitando uma socialização das informações. A internet veio propiciar uma modificação nas relações sociais; não há interação física, não há proximidade
41 geográfica; no entanto, as comunidades se estruturam segundo o interesse comum de seus membros. Por causa deste interesse as pessoas conseguem criar as relações sociais entre si, tornando-se poderosas e podem ser classificadas como laços comunitários. REINGHOLD (1997), um dos primeiros a identificar este fenômeno, descreveu sua experiência na rede “The Well”, relatando como o sentimento comunitário permeava todos os participantes dos fóruns e de como estas relações antes virtuais foram estendidas para o mundo real. A internet estaria atuando como meio de encontro e formação de grupos sociais. Acreditamos que a internet seja aproveitada e utilizada como uma ferramenta de desenvolvimento social, permitindo a pessoas, organizações e países se apropriarem desta tecnologia a ponto de poder fazer parte do seu dia a dia. Que ela tenha um significado com possibilidades de melhoria nas suas condições de vida das populações menos favorecidas e que seja algo relevante para a transformação das relações sociais, econômicas e políticas existentes. Referências Bibliográficas AGENCIA ESTADO, Sex, 27 Jun, 05h16 - Número de internautas brasileiros já passa de 41 milhões Folha Online – edição de 22/02/2008 – 1h27 – Em três anos, número de internautas residenciais quase dobra no Brasil. GOUVÊA, CARLOS PORTUGAL et all. Manual de Redes Sociais e Tecnologia. (Org.) GOUVÊA, CARLOS PORTUGAL; KNOOP, JOACHIM; VIDIGAL, FERNANDA REZENDE. Material elaborado com base no II Colóquio Internacional dos Direitos Humanos realizado em São Paulo em maio de 2002.
RHEINGOLD, Howard. La Comunidad Virtual. Una sociedad sin fronteras. Colección Limites de La Ciencia. Gedisa Editorial. Espanha. 1996. MORAN, JOSÉ MANUEL. Como Utilizar a Internet na Educação. http://www.eca.usp.br/prof/moran/internet.htm. Acessado em 03/07/2008.
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RECUERO, RAQUEL DA CUNHA - A internet e a nova revolução na comunicação mundial. http://pontomidia.com. br/raquel/revolucao.htm Acessado em 04 de julho de 2008.
42 BLOCO TEMÁTICO V Conceito de multiplicação – Reproduzindo os conteúdos deste curso A Consolidação da Cidadania Humberto Dantas Em 2002, a Organização das Nações Unidas divulgou um relatório sobre o Desenvolvimento Humano no mundo. Como tema central da publicação: a Democracia. Mas o que efetivamente podemos entender por democracia? Os dicionários fazem afirmações genéricas: governo do povo, para o povo e pelo povo. Ou seja, um sistema de governo em que a sociedade governa, é governada e é alvo de suas próprias ações. Seria isso?
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A Ciência Política, a Filosofia, as Ciências Jurídicas e tantos outros segmentos das humanidades vão além. Primeiro, mostram as características essenciais ao funcionamento desse tipo de governo, normalmente atreladas à participação e à informação ou educação. Segundo, destacam alguns modelos, dentre os quais a democracia direta, a representativa e a participativa. O segundo tipo é o que melhor explica a nossa realidade. Somos governados por pessoas eleitas por meio do voto, e para a imensa maioria dos cidadãos fica a sensação de que nossa participação não vai além dessa característica. Uma pena. Isso porque diversas ferramentas oficiais permitem que o cidadão se aproxime do poder. Algumas são largamente utilizadas, outras ainda engatinham. Plebiscitos e referendos, por exemplo, são amplamente garantidos na imensa maioria das democracias do planeta. No Brasil eles estão lá, no capítulo dos Direitos Políticos de nossa Constituição de 1988. Mas ao longo desses vinte anos apenas duas consultas populares nacionais foram realizadas no país: o plebiscito de 1993 (sistema de governo) e o referendo de 2005 (comércio de armas). Temos também experiências interessantes como os conselhos gestores de políticas públicas. No caso da saúde e da assistência social, como os repasses federais do Sistema Único de Saúde e algumas leis específicas da área social estão associadas ao funcionamento desses organismos, quase todas as cidades brasileiras possuem conselhos nessa área. Na educação os números se aproximam de 70%, de acordo com o IBGE, e nas demais áreas ainda estamos muito distantes da organização dos munícipes em torno de questões essenciais como, por exemplo, a pessoa com deficiência, a acessibilidade, a cultura, o lazer etc. Outros exemplos de canais de participação popular poderiam ser citados: orçamento participativo, gestão participativa, comissão de legislação participativa etc. No entanto, é fato que a imensa maioria da sociedade sequer sabe da existência de tais ferramentas. Falta-nos educação e informação. Diante dessas questões capazes de apontar que ainda estamos muito próximos do “tipo puro” de democracia representativa, nos serve a reflexão de Norberto Bobbio sobre o futuro da Democracia. Para o pensador italiano, muito mais do que um conjunto de regras, instituições e procedimentos políticos, a democracia é um bem cultural. Assim, será democrática a sociedade que assistir relações democráticas entre seus cidadãos. E, nesse caso, devemos ter uma escola, um trabalho, organizações, universidades, amizades e relacionamentos democráticos. O passado autoritário ainda nos coloca diante desses desafios, que devem ser vencidos com garantias legais, mas principalmente com atitudes que apontem o quanto estamos evoluindo culturalmente. Nesse sentido, nos deparamos com o essencial conceito de participação social. Em um regime autoritário, é pouco provável que nos sejam garantidas as liberdades de associação e expressão. É comum impedir que as pessoas se organizem em torno de temas de interesse comum ou manifestem livremente seus desejos e reflexões. E nesse ponto voltamos ao relatório da Organização das Nações Unidas de 2002. Para a ONU, democrático não é apenas o país que organiza eleições, garante uma imprensa livre e assiste a disputa entre partidos pelos votos dos cidadãos. Um país compromissado com a democracia cria canais consistentes para que a sociedade se organize em torno de questões que, muitas vezes, podem se chocar frontalmente com atitudes e posições de governantes. Aceitar pensamentos conflituosos, enxergar o diferente, tolerar, debater, alcançar um denominador comum são características fundamentais de uma democracia. Mas a ONU vai além, e garante: a pobreza só acaba quando as pessoas compreenderem o verdadeiro sentido de caminhar coletivamente. E a participação da sociedade na busca por direitos, pela afirmação de posições e validação de garantias previstas só ocorre de forma livre em um país democrático. Diante dessa questão, cresce significativamente no Brasil e no mundo a quantidade de organizações e canais que possibilitam
43 a participação social. Em nossa história, essa atuação transcende aspectos assistenciais importantes – presentes desde a descoberta do Brasil e protagonizados principalmente pela Igreja Católica – e adota uma postura mais ativa. Ou seja, deixamos de lado uma atuação social assistencialista e filantrópica para, a partir das conquistas de liberdade de associação trazidas pela Constituição de 1988, organizarmo-nos em torno dos mais diferentes tipos de causas e lutas. Diversos exemplos ilustram essa afirmação. A partir das liberdades de 1988, fortaleceram-se as organizações de bairro, surgidas sob as ameaças do autoritarismo na década de 70 nas grandes cidades brasileiras – destaque para Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Essas associações serviriam de base para importantes movimentos sociais da década de 80, com destaque para as Diretas-Já. Também foi marcante o surgimento de organizações ligadas às questões ambientais, fortalecidas pelo evento internacional ocorrido no Brasil em 1992 – Rio-92. Minorias também passaram a lutar de forma mais organizada e consistente. O terceiro setor no Brasil deixou o exclusivo compromisso com causas assistenciais e diversificou sua atuação. Nesse caso, a participação social se tornou mais organizada, apesar de ter muito que caminhar ainda.
Uma das questões fundamentais nesse caso tem relação direta com a multiplicação de idéias e princípios fundamentais ao sucesso da participação social, do protagonismo e da obtenção dos objetivos almejados. Pesquisas da década de 90 sobre as organizações sociais no Brasil, uma delas organizada pelo IDESP em parceria com a Comunidade Solidária, mostram que as grandes dificuldades de organizações sociais guardam relação com a dificuldade de colocarmos em prática o que sonhamos e planejamos. Construir um projeto, delinear um traçado não é tarefa das mais difíceis, complexo é colocar em prática. E, nesse caso, a boa vontade é tão importante quanto a capacidade técnica. O problema, no entanto, é que muitos dos voluntários e dos profissionais envolvidos com as mais diferentes causas têm excesso de disposição, mas lhes falta conteúdo específico para o desenvolvimento das ações. Diante de tal questão, é necessário que sejamos capazes de resolver equações relacionadas aos recursos financeiros e ao tempo que nos afastam da possibilidade de assimilar e acessar tudo o que consideramos essencial ao desenvolvimento de um determinado projeto, programa ou causa. O segredo da multiplicação está guardado na capacidade de um representar vários, na essência de um grupo ser reeducado por um semelhante. Mas, nesse caso, mais uma vez, estamos diante de desafio dos mais representativos: somos capazes de receber o conteúdo e partilhar? Temos habilidade e cultura suficientes para essa divisão? Enxergamos em nossos pares agentes capazes de nos transmitir conhecimento? Certamente sim, e mais uma vez demandamos a necessária dose cultural de democracia. Exemplos de organizações não-governamentais e projetos sociais que formam multiplicadores são excelentes para ilustrarmos essa questão. O trabalho com pessoas com deficiência é um eterno jogo de multiplicar. Existe, a exemplo do que destacamos outrora, uma distância enorme entre o que a lei nos garante e a realidade que vivemos. Com a pessoa com deficiência não é diferente. As escolas, as ruas, as estruturas urbanas, os meios de transporte, a comunicação e tantos outros segmentos devem estar preparados para a realidade desses cidadãos. Mas quem está tecnicamente e estruturalmente pronto? Multiplicadores são formados com esse intuito. A formação de um pode representar a informação de muitos e o bem-estar de milhares – que dependem da disseminação de uma cultura plural para o sucesso de um programa de formação de agentes multiplicadores dos direitos das pessoas com deficiência. Acreditar nesse princípio é mergulhar no mundo da diversidade e do compartilhamento, a mais democrática das realidades. Engana-se, no que diz respeito ao que afirmamos acima, quem acredita que apenas o setor privado sem fins lucrativos (3º Setor) tem esse compromisso de multiplicar. As empresas treinam seus colaboradores com o intuito de que esses sejam multiplicadores, e o setor público tem investido bons recursos na formação de seus servidores, com o objetivo de que esses passem informações aos demais. Nesse ambiente, onde todos estão preparados para aprender e para ensinar, a coletividade se sobrepõe ao individual.
MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Esse novo cenário, mais democrático, possibilitou o avanço expressivo do protagonismo social. Diversos segmentos de nossa sociedade deixaram o papel de vítimas e agentes passivos de direitos e ações sociais de terceiros para investirem em ações afirmativas, organizadas em torno de suas próprias demandas sociais e econômicas, seguindo o caminho destacado pela ONU. Mas tal movimento não é automático, e requer uma mudança significativa de cultura. O autoritarismo ainda está presente na realidade brasileira. Ainda encontramos organizações controladas como feudos, e senhores que se compreendem como donos de pequenos núcleos de poder. O compartilhar de causas, a construção conjunta e uma série de outros princípios democráticos são essenciais. O protagonismo rompe valores estabelecidos e não é obtido de forma trivial. Ele representa, de acordo com o geógrafo Glauco Rodrigues, um “complexo processo de construção social de uma identidade coletiva, de um imaginário social, uma subjetividade, formas de organização, manifestação, possibilidades concretas de organização, margem política e econômica de manobra e, por fim, o interesse em superar determinada condição social”.
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MULTIPLICADORES DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Um exemplo marcante pode ser dado quando olhamos para o município de Pradópolis, pequena cidade perto de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. A Secretaria de Educação só investe na formação de professores que se comprometem em multiplicar os conteúdos e ações aos seus pares. A cidade paga um para formar muitos, mostrando que a falta de recursos ou a limitação de um orçamento não podem servir de barreira ao bem comum.
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