CONEXÕES CIÊNCIA E TECNOLOGIA PERIÓDICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO IFCE
EDIÇÃO ESPECIAL
PESCA E AQUICULTURA
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Correspondências e solicitações de números avulsos deverão ser endereçados a: [All correspondences and claims for missing issues should be addressed to:] Rua Lívio Barreto, 94, Joaquim Távora, CEP: 60130-110, Fortaleza – Ceará – Brasil Publicação Quadrimestral É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte. Reitor Prof. Me. Virgílio Augusto Sales Araripe Pró-Reitor de Administração e Planejamento Prof. Dr. Tássio Francisco Lofti Matos Pró-Reitor de Ensino Prof. Me. Reuber Saraiva de Santiago Pró-Reitora de Extensão Ma. Zandra Dumaresq Pró-Reitor de Gestão de Pessoas Prof. Me. Ivam Holanda de Sousa Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria Editora-Chefe Profa. Dra. Rafaela Camargo Maia Coeditor Prof. Dr. Emanuel Soares dos Santos (IFCE) Conselho editorial Profa. Dra. Rafaela Camargo Maia (IFCE) Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria (IFCE) Profa. Dra. Joelia Marques de Carvalho (IFCE) Rebeca Maria Gadelha de Sousa (IFCE) Profa. Dra. Antonia Lucivânia de Sousa Monte (IFCE) Profa. Dra. Cassandra Ribeiro Joye (IFCE) Prof. Dr. Cidcley Teixeira de Souza (IFCE) Prof. Dr. Elias Teodoro da Silva Júnior (IFCE) Prof. Dr. Francisco José Alves de Aquino (IFCE) Prof. Dr. Gilberto Andrade Machado (IFCE) Profa. Dra. Glória Maria Marinho Silva (IFCE) Profa. Dra. Ialuska Guerra (IFCE) Profa. Dra. Kelly de Araújo Rodrigues Pessoa (IFCE) Prof. Dr. Marcius Tulius Soares Falcão (IFCE) Profa. Dra. Maria de Lourdes Macena Filha (IFCE) Profa. Ma. Maria Lindalva Gomes Leal (IFCE) Prof. Dr. Paulo César Cunha Lima (IFCE)
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ
CONEXÕES CIÊNCIA E TECNOLOGIA PERIÓDICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO IFCE
EDIÇÃO ESPECIAL
PESCA E AQUICULTURA
v. 9, n. 3 Novembro – 2015
FORTALEZA - CE Conex. Ci. e Tecnol.
Fortaleza/CE
ISSN 1982-176X v. 9
n. 3
p. 1-92
Novembro – 2015
ISSN 1982-176X (versão impressa) ISSN 2176-0144 (versão on-line)
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Catalogação na fonte: Islânia Fernandes Araújo CRB 3/917 CONEXÕES - CIÊNCIA E TECNOLOGIA. – Ano 9, nº 3, (nov. 2015) Fortaleza: IFCE, 2015 v. ; 27cm Data de publicação do primeiro volume: out. 2007. Quadrimestral A partir do ano de 2011, a revista também passa a ser publicada na versão eletrônica. Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Ceará – CEFETCE até Dez. 2008. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE a partir de Jan. 2009.
ISSN 1982-176X 1. EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – PERIÓDICO 2. TECNOLOGIA – PERIÓDICO 3. CIÊNCIA - PERIÓDICO CDD – 373.24605
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial da revista ou do IFCE. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.
SUMÁRIO
EDITORIAL.................................................................................................................................................6 AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA Nicollas Breda Lehmann, Ana Carolina Ribeiro Sapia, Benjamim Teixeira e Delano Dias Schleder..........................................................................................................................................................7 AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO CULTIVO DE PEIXES ORNAMENTAIS COM REUSO DE ÁGUA Emanuel Soares dos Santos, Rafahel Marques Macêdo Fontenele, Francisco Suetônio Bastos Mota e André Bezerra dos Santos............................................................................................................................15 AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL Tiago Pereira Brito, Amon Coelho Klen, Jaciara Firmino da Silva e Marciano da Silva Alves.................23 AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO Emanuel Soares dos Santos, Rafahel Marques Macêdo Fontenele, Francisco Suetônio Bastos Mota, André Bezerra dos Santos e Rosemeiry Melo Carvalho.........................................................................................34 EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O ECOSSISTEMA MANGUEZAL: O PAPEL DOS PESCADORES ARTESANAIS Rita Maria Vasconcelos Louzada Albuquerque, Elciane Maria do Nascimento Farias e Rafaela Camargo Maia.............................................................................................................................................................41 ESTUDO PRELIMINAR DA CADEIA DE VALOR DOS PRODUTOS DA SOCIOBIODIVERSIDADE DOS PESCADORES ARTESANAIS DE BARRANCOS, PONTAL DO PARANÁ (PR) Amanda Cristina Fraga de Albuquerque, Roberto Martins de Souza, Marilena Gomez do Rosário, Maycon William do Carmo Viana, Roger Felipe Gonçalves, Stephany de Campos Rosa, Yago Rodrigues Redede, Larissa da Silva Moller, Brayan Melo, Jair Cris Santo da Silva, Cristian do Nato, Damir Serafin da Silva, Florismar de Santana da Silva, José Serafim da Costa, Nilson Serafim da Silva, Cleonice Silva do Nascimento, Nadir Silva do Nascimento, Atair Santana da Silva e Ismail Santana da Silva.............................................................................................................................................................51 FALARES DO PROFISSIONAL DA ARTE DE PESCA NO MUNICÍPIO DE ACARAÚ: UMA VISÃO SOCIOTERMINOLÓGICA Maria do Socorro Cardoso de Abreu, Iêda Carvalhedo Barbosa e Sabrina dos Santos Ribeiro..........................................................................................................................................................63 MALACOFAUNA DOS CURRAIS DE PESCA DA PRAIA DE ARPOEIRAS, ACARAÚ, CEARÁ Heleny Noronha David, Patricia Albuquerque da Silva, Natalia Gomes do Nascimento e Rafaela Camargo Maia.............................................................................................................................................................71 PESCA DE CERCO EM SÃO JOÃO DA BARRA, RIO DE JANEIRO, BRASIL Ligia Henriques Begot, Julliana Weller e João Vicente Mendes Santana...................................................77 USO DO ÓLEO DE CRAVO NA SIMULAÇÃO DE TRANSPORTE DE JUVENIS DE TILÁPIA DO NILO Antonio Glaydson Lima Moreira e Wladimir Ronald Lobo Farias.............................................................85
EDITORIAL
Pesca e Aquicultura
Com imensa alegria, gratidão e honra me sinto em poder editoriar esta edição da Revista Conexões, Ciência e Tecnologia. A Pesca e Aquicultura são riquezas que estavam escondidas em nossas águas territoriais que vieram à luz por meio de políticas públicas. Com a assinatura do Acordo 002/2006, entre o MEC/SETEC e a SEAP/PR, surge a Política de Formação Humana em Pesca e Aquicultura, que é antes de tudo se constituiu numa política educacional de formação e desenvolvimento, tendo por base as três dimensões da educação profissional e tecnológica. Esta política tem como objetivo resgatar uma dívida do estado brasileiro com todo esse segmento por meio do processo educacional, antes invisíveis nas políticas públicas. O binômio: educação e desenvolvimento foi o foco principal centrado nos pescadores e aquicultores para o seu desenvolvimento como ser humano, sujeito da própria história, consciente e crítico para uma vida produtiva na sua comunidade com sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural. O resultado da implantação dessa política está registrado no inventário 2011, onde visibiliza de forma consistente o acerto e demonstra o potencial da pesca e aquicultura para o desenvolvimento do país. Os 10 artigos desta edição testemunham a importância dessa política e servem de base de estímulo ao setor da pesca e aquicultura, sinalizando para um longo caminho a percorrer ao tempo em que fica muito claro a importância da pesquisa aplicada conectada ao ensino e a extensão.
Prof. Dr. Edmar Almeida de Moraes Ex-coordenador de Políticas de Formação Humana na Área de Pesca, Aquicultura, Portos e Navegação da Setec/MEC (agora aposentado)
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA N ICOLLAS B REDA L EHMANN1 , A NA C AROLINA R IBEIRO S APIA1 , B ENJAMIM T EIXEIRA2 , D ELANO D IAS S CHLEDER1 1
Instituto Federal Catarinense (IFCCA) - campus Araquari Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) - campus Itajaí <nicollasbl@gmail.com>, <ana_sapia@hotmail.com> <benjamim.teixeira@ifsc.edu.br>, <delano.schleder@ifc-araquari.edu.br> 2
Resumo. O cultivo de cavalos marinhos tem se mostrado uma excelente alternativa para atender a demanda de exportação destas espécies e reduzir a sobre-explotação das populações naturais no país. O presente estudo visou avaliar diferentes técnicas de reprodução e alevinagem do cavalo marinho Hippocampus reidi em sistema de circulação fechada. Foram realizados dois experimentos, no primeiro foram utilizadas unidades experimentais (60 L) com sistema de recirculação, sob areação, temperatura e filtração constante. Foram obtidas 4 desovas, 1 acidental e 3 efetivas com duração máxima de 59 dias. A principal dificuldade foi a obtenção do alimento para os adultos e juvenis, pois era necessário efetuar a coleta em ambiente natural. O segundo constituiu-se de unidades experimentais (60 L) e um tanque com 500 L, sob constante aeração, fotoperíodo controlado, temperatura, filtragem e esterilização (UV). Foram utilizadas fontes alternativas de alimento (pós-larvas de camarão congeladas e artêmia), que se mostraram bastante eficientes, pois foram observados comportamentos reprodutivos e 4 desovas, sendo 3 acidentais e 1 efetiva (duração 42 dias). A reprodução e alevinagem em sistema de circulação fechada apresenta boa viabilidade, porém há necessidade de realizar mais estudos relacionados às exigências nutricionais desta espécie. Palavras-chaves: Cavalo marinho. Reprodução. Sistema de circulação fechada. Abstract. Seahorse’s culture has become an excellent alternative to meet the export demand of these species and reduce overexploitation of natural populations in Brazil. This study aimed to evaluate different techniques of spawning and nursery seahorse Hippocampus reidi in recirculating system. Two experiments were conducted, the first were used experimental units (60 L) with closed circulation system under constant aeration, temperature control and filtration. Four spawns were achieved, one accidental and three effective with a maximum duration of 59 days. The main difficulty was to obtain food for the adults and juveniles, because it was necessary to collect it in the natural environment. The second consisted of experimental units (60 L) and a 500 L tank, under constant aeration, controlled photoperiod and temperature, filtration and sterilization (UV). Alternative sources of food were used (frozen shrimp post-larvae and brine shrimp), which proved to be very effective, once was observed reproductive behaviors and four spawns, three accidentals and one effective (duration 42 days). Breeding and nursery have good viability in recirculating systems, however, it needs further studies related to the nutritional requirements of this species. Keywords: Sea horse. Breeding. Hatchery. Recirculation system. 1
INTRODUÇÃO
menor escala, na aquariofilia. No período de 2001 a 2007, o volume de animais vivos comercializados para fins ornamentais cresceu aproximadamente sete vezes, enquanto que, na forma desidratada para medi-
O comércio de cavalos marinhos vem ganhando significativo destaque no mercado internacional, devido a sua utilização na medicina tradicional chinesa e, em Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015
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AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
cina tradicional chinesa, cerca de 100 vezes (PROJECT- BAUM, 2002). SEAHORSE, 2004; KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, O cavalo marinho H. reidi, tal como as demais es2010). pécies, apresenta um ciclo reprodutivo singular, no qual Atualmente este setor econômico envolve em torno o macho recebe os ovos da fêmea dentro de sua bolsa de 80 países, sendo os países em desenvolvimento, incubadora, os fertiliza e incuba até seu total desencomo o Brasil, Índia, Indonésia, Malásia, México, Fi- volvimento (HORA; JOYEUX, 2009; HORA; JEANlipinas, Tailândia e Vietnã os principais exportadores CHRISTOPHE; CARLOS, 2010). O macho carrega mundiais. Embora o Brasil seja um importante ex- a prole por aproximadamente 20 dias que, por sua portador de peixes ornamentais de águas continentais, vez, pode conter até 1000 filhotes (HORA; JEANo país apresenta um expressivo volume de exportação CHRISTOPHE; CARLOS, 2010). Após 60 dias esta de cavalos marinhos, e chegou a ser um dos 4 mai- prole já apresenta o dimorfismo sexual, e em 109 dias ores exportadores do mundo entre os anos de 1998 e atinge a maturidade sexual (HORA; JOYEUX, 2009). H. reidi é coletada para fins de aquarismo em di2002 (MONTEIRO-NETO et al., 2003; WABNITZ et versos pontos da costa brasileira (ROSA, 2004), sendo al., 2003; KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010). indispensável gerar dados que possam dar suporte a meAté o presente, 46 espécies de cavalos marinhos didas de ordenamento e ações voltadas para sua conforam descritas em todo mundo que, de forma geral, servação e manejo. Esta espécie consta como vulnerásão encontradas em habitats costeiros rasos, de clima vel na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (IUCN, tropical e temperado, incluindo leitos de algas mari2013), e encontra-se na lista do Ministério do Meio Amnhas, recifes de corais, manguezais e estuários (KOLbiente de espécies de invertebrados e peixes ameaçaDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010). A biologia dos dos de extinção, sobre-explotação ou sobre-explotadas cavalos-marinhos os torna particularmente vulneráveis (MMA, 2015), conforme a Convenção sobre o Comerà exploração pelo homem, pois possuem baixa mobicio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvalidade e baixa taxa de sobrevivência, além de serem gens em Perigo de Extinção CITES (2009), mesmo facilmente capturados já que comumente estão próxinão estando criticamente ameaçada, apresenta risco de mos à margem (HORA; JOYEUX, 2009). Desta forma, extinção a médio ou longo prazo. há uma enorme pressão sobre as populações selvagens Portanto, o presente estudo teve como objetivo avade cavalos marinhos, pois grande parte dos animais coliar diferentes técnicas de reprodução e alevinagem do mercializados é oriunda da pesca exploratória e, ainda, cavalo marinho Hippocampus reidi em sistema de cirsão capturados muitas vezes acidentalmente pela pesca culação fechada. amadora, arrastões para pesca de camarões e entre outras (LOURIE; VICENT; HALL, 1999). O cultivo de organismos ornamentais é visto como 2 MATERIAL E MÉTODOS uma possível alternativa à captura de espécimes sel- Os ensaios experimentais foram realizados na Unidade vagens, o que minimizaria o impacto sobre suas po- de Ensino e Aprendizagem (UEA) de Piscicultura do pulações e ajudaria a sustentar a indústria de peixes Instituto Federal Catarinense (IFC), campus Araquari. ornamentais, já que alguns países estabeleceram cotas de importação para estes organismos (WILSON; VIN2.1 Experimento 1 CENT, 2000; TLUSTY, 2002). Segundo Koldewey e Martin-Smith (2010), o cultivo de peixes ornamentais 2.1.1 Manutenção e Reprodução das Matrizes marinhos pode ser ainda uma oportunidade de desen- O experimento utilizou 10 cavalos marinhos da espévolver uma aquicultura voltada a pequenas comunida- cie Hippocampus reidi, capturados em ambiente nades e com enfoque na conservação ambiental. tural (número da autorização do ICMBio: 27187-2), As espécies do gênero Hippocampus estão entre as sendo 5 machos e 5 fêmeas. Os animais foram aconmais comercializadas do mercado mundial de peixes or- dicionados em uma bateria de 4 unidades experimennamentais marinhos, destas, quinze já estão sendo utili- tais de 60 L, com sistema de filtragem formado por zadas na aquicultura, treze em escala comercial e duas um filtro mecânico/biológico tipo “bag” de 100 miem escala experimental, sendo as mais comuns H. bar- cras, filtro químico constituído de carvão ativado e filbouri, H. kuda, H. reidi e H. erectus (MONTEIRO- tro desproteinador tipo “skimmer”, circulação fechada NETO et al., 2003; KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, (4,0 L/min/unidade), temperatura controlada (±26◦ C) 2010). No litoral brasileiro ocorrem duas espécies, e a amônia analisada semanalmente, utilizando kit coH. erectus (PERRY, 1810) e H. reidi (GINSBURG, mercial Labconr . Diariamente, foram realizadas a ma1933) sendo a segunda mais abundante (ROSA; DIAS; nutenção e regulagem do “skimmer”, e o sifonamento Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015 8
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
das unidades experimentais, sendo o volume retirado durante a operação reposto imediatamente, a fim de se manter constante o nível de água. Para a alimentação foram utilizadas diferentes espécies de pequenos crustáceos (FELICIO et al., 2006), tais como camarões de água doce do gênero Macrobrachium, camarões de estuário do gênero Palaemon, todos coletados vivos do ambiente natural, e microcrustáceos congelados do gênero Mysidaceo. Foram ofertados três vezes ao dia até a saciedade, mantendo a densidade desses organismos sempre alta para facilitar a captura por parte das matrizes.
Foram separados no primeiro aquário um casal, no segundo aquário 3 matrizes (dois machos e uma fêmea) e no terceiro outro casal. Durante o experimento foi realizada a limpeza das unidades experimentais duas vezes ao dia, consistindo de sifonamento e reposição de água, além da verificação e ajuste da salinidade de água (28 g/L ± 2) e, quinzenalmente, lavagem dos kakabans com água doce. Em relação à alimentação, avaliou-se 2 tipos de alimentos alternativos, uma vez que não existe alimento comercial para cavalos marinhos disponível no mercado e pela dificuldade capturar camarões Palaemon spp. no ambiente natural, devido ao período do ano em que o presente experimento foi realizado. Desta forma, foram 2.1.2 Alevinagem utilizados artêmias vivas, pela facilidade de produção, e Foram realizadas 3 alevinagens durante esse experipós-larvas do camarão marinho Litopenaeus vannamei mento. A primeira se deu em um aquário de vidro de congeladas. 60 L em água com alta densidade de zooplâncton e fiA produção de artêmia consistiu de 2 caixas com toplâncton (bloom espontâneo), nos quais foram manticapacidade de 1000 L, contendo água salgada artificial dos os mesmos parâmetros de qualidade de água descri(20-25 g/L), produzida com sal comum não iodado, sob tos no item 2.1.1, no entanto sem recirculação de água, aeração constante. Primeiramente, a água foi fertilizada sendo 50 % do volume do tanque renovado a cada 48 adicionando sulfato de amônia na concentração de 20 h. Os alevinos foram alimentados com zooplâncton selmg/L (adaptado de Moreira (2001)), a fim de estimular vagem coletado na Baía da Babitonga com o auxilio de a produtividade primária (alimento natural para as artêuma rede de zooplâncton (50 µm). A partir do terceiro mias), para então os náuplios de artêmia serem transfedia foi fornecido, juntamente com o zooplâncton selvaridos para as mesmas. A eclosão dos cistos de artêmia gem, náuplios de artêmia recém eclodidos e enriquecifoi feita em recipientes escuros (capacidade 1 L) com dos com óleo de fígado de bacalhau. fundo cônico, facilitando a captação dos náuplios, e sob A segunda e terceira alevinagem foram realizadas aeração intensa e constante. Durante a produção, foi em um aquário contendo água clara seguindo a metofornecido diariamente fermento biológico na água, em dologia descrita no item 2.1.1, porém com circulação da água mais lenta (1,0 L/min/unidade) e temperatura forma de solução, para enriquecer as artêmias adultas, mantida a 24 ◦ C. A alimentação iniciou apenas após o que, em consequência, apresentavam coloração mais inprimeiro dia de vida, consistindo unicamente de zoo- tensa, ficando mais atrativas aos cavalos marinhos. As pós-larvas de L. vannamei congeladas foram utiplâncton selvagem. Nas três alevinagens foram adicilizadas neste experimento por se tratar de uma espéonados pequenos kakabans (algas artificiais) nos aquácie largamente produzida no estado, e foram doadas rios dos alevinos para ancoragem dos animais, os quais pelo Laboratório de Camarões Marinhos da Universieram higienizados com água doce semanalmente. dade Federal de Santa Catarina (LCM/UFSC). Como observado no experimento anterior, os ali2.2 Experimento 2 mentos inertes exercem baixa atratividade para os ca2.2.1 Manutenção e Reprodução das Matrizes valos marinhos. Para aceitação de alimento inerte, as Este experimento constituiu de 3 unidades experimen- pós-larvas congeladas foram fornecidas e mantidas sob tais, com volume útil de aproximadamente 60 L e, li- movimentação na coluna de água, utilizando um instrugadas a um sistema de recirculação de água, com taxa mento confeccionado no laboratório, por um período de de renovação de 4,0 L/min/unidade. O sistema contava 30 minutos. As matrizes foram alimentadas duas vezes com filtragem mecânica, química e biológica, filtragem ao dia com pós-larvas (5 g) e artêmias vivas até a satisultravioleta, aeração individual e controle de tempera- fação, após a alimentação era efetuado o sifonamento tura da água (±24 ◦ C), sendo o fotoperíodo mantido dos aquários para retirar o alimento não consumido. em 12 h assim como proposto por Hernandez et al. Após a observação de 3 desovas acidentais, 5 ma(2004). Após observações decorrentes do primeiro ex- trizes foram transferidas para um tanque de 500 L, com perimento, separou-se novamente os cavalos marinhos objetivo de aumentar a coluna de água e facilitar a realiem casais com o intuito de melhorar sua reprodução. zação dos movimentos de corte e reprodução. Neste enConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015 9
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
saio, as condições experimentais foram mantidas como descrita acima. 2.2.2
Alevinagem
Para os alevinos do experimento 2 aplicou-se 3 sistemas para alevinagem, o primeiro deles consistia em mantê-los completamente submersos a fim de diminuir a ocorrência de embolia gasosa, para isso, utilizouse dois aquários com 3,5 L tampados com uma rede de captura de zooplâncton (50 /mum) com diferentes densidades (aquário 1: 20 alevinos e aquário 2: 40 alevinos), o segundo experimento utilizou-se o sistema “kreisel” de circulação constante (KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010), que foi montado utilizando um galão de água de 20 L, tirando as extremidades encaixando-o perfeitamente no aquário, a entrada da água era por via superior forçando os peixes a circularem na coluna de água, impedindo-os de permanecerem na superfície (40 alevinos). O terceiro experimento constituiu-se de deixar os alevinos juntos com as matrizes, visando não estressá-los com o manejo de transferência para as unidades experimentais (20 alevinos). Os juvenis foram alimentados com náuplios de artêmia recém eclodidos (SORGELOOS; DHERT; CANDREVA, 2001) e zooplâncton selvagem de água doce. Sendo fornecida de 3 vezes ao dia (zooplâncton/náuplio de artêmia), e as condições experimentais conforme descritas no item 2.2.1. 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
incubadora apresentava-se em estágio avançado, caracterizando possível prenhes, porém, após o óbito, e efetuada a necropsia, verificou-se que o animal não estava carregando ovos, portanto foi atribuído a sua morte, o diagnóstico de embolia gasosa, uma patologia muito comum na espécie, causada pela ingestão de ar (KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010). A terceira morte foi de uma fêmea adulta, a qual verificou-se manchas brancas e erosões no tecido da cauda, e sinais clínicos como diminuição da ancoragem, natação errática e falta de apetite, caracterizando uma doença conhecida como podridão de cauda ou tail-rot (PLANAS et al., 2008; HORA; JOYEUX, 2009; HORA; JEANCHRISTOPHE; CARLOS, 2010), esta fêmea foi transferida para um tanque hospital para minimizar as chances de transmissão e, após alguns dias, veio a óbito. Nenhum tratamento foi efetuado nesta fêmea, pois Planas et al. (2008) relataram o insucesso do uso de vários medicamentos para essa patologia e indicaram a eutanásia do animal. Os demais peixes foram acondicionados em casais, uma vez que apresentam dimorfismo sexual e são considerados animais monogâmicos, formando um único casal para reprodução durante sua vida (VINCENT et al., 2004), para tanto, através de observações, foram selecionados alguns animais que mostravam afinidade, ou seja, apresentavam comportamentos de corte, tais como entrelaçamento de cauda, exposição de bolsa incubadora do macho e natação próxima, indicativo de um padrão monogâmico para H. reidi, conforme discutido por Rosa, Dias e Baum (2002).
A primeira desova de alevinos ocorreu com o nascimento de 226 alevinos (Tabela 1), uma eclosão muito A oferta de camarões de água doce, Macrobachium menor que a relatada por Carlos, Ribeiro e Wainber sp. trouxe resultados negativos, pois quando os pei- (2009), com 689 alevinos por macho. Este número rexes alimentavam-se deles, notou-se que os camarões duzido pode ser devido ao tamanho e idade das matrieram pouco digeridos e apareciam praticamente ínte- zes, pois matrizes com tamanho e idades reduzidas pogros nas fezes. De forma similar, os misidáceos conge- dem liberar menores quantidades de alevinos (HORA; lados não foram bem aceitos pelos cavalos marinhos, JOYEUX, 2009). Embora os alevinos de cavalos maripossivelmente devido a sua imobilidade. Desta ma- nhos tenham sido alimentados com zooplâncton selvaneira interrompeu-se a oferta de ambos durante o ex- gem e, a partir do terceiro dia, com náuplios de artêmia perimento. No entanto, os camarões do gênero Palae- recém eclodidos e enriquecidos, conforme Hora, Jeanmon sp. tiveram boa aceitação e foram utilizados por Christophe e Carlos (2010), observou-se mortalidade todo período do experimento, estas observações estão total dos alevinos após 6 dias de alevinagem (Tabela 1), de acordo com Felicio et al. (2006), que citaram a pre- sendo provavelmente ocasionada pela patologia emboferência dos cavalos marinhos por camarões carideos. lia gasosa (KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010). A No experimento ocorreram três mortes, sendo que alevinagem utilizando água com alta densidade de fitouma delas foi de uma fêmea recém chegada ao labo- plânctons pareceu não influenciar na sobrevivência dos ratório, possivelmente relacionada ao estresse do trans- animais, diferente do que é comumente reportado peporte, a outra de um macho adulto, o qual apresentou las literaturas, as quais destacam os benefícios da aleinatividade por alguns dias, não se alimentava e se man- vinagem de diversas espécies de peixes marinhos em teve afastados dos demais cavalos marinhos, sua bolsa alta densidade de fitoplânctons, principalmente contriConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015 10 3.1
Experimento 1
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
buindo para melhoria da nutrição e no equilíbrio da comunidade microbiológica (LEE; OSTROWSKI, 2001; LIAO; SU; CHANG, 2001).
3.2
Experimento 2
Novas alternativas de alimentação são importantes, uma vez que o fornecimento de alimento vivo apresenta diA segunda eclosão, com 301 alevinos, foi realizada ficuldades, devido ao manejo de captura e manutenpelo mesmo macho, e ocorreu exatamente 15 dias após ção dos camarões para suprir as necessidades dos cavaa primeira. Esses alevinos foram alimentados apenas los marinhos (KOLDEWEY; MARTIN-SMITH, 2010). após o primeiro dia de vida com zooplâncton selva- Ao oferecer diferentes alimentos, notou-se que os cavagem, e na segunda semana de cultivo os alevinos já esta- los marinhos preferem os pequenos camarões do gênero vam sendo alimentados com náuplios de artêmia recém Palaemon, porém, devido à dificuldade de capturá-los eclodidos. Com três semanas de idade os animais co- em ambiente natural, especialmente em algumas épomeçaram a se fixar nos kakabans, assim como citado cas do ano, a utilização destes camarões torna-se inviápor Hora e Joyeux (2009), e posicionavam-se preferen- vel para pequenos produtores e aquariofilistas. Por esta razão, avaliou-se 2 tipos de alimentos alcialmente no fundo do aquário ou na coluna de água, de forma similar ao comportamento adulto dessa espé- ternativos, artêmias vivas e pós-larvas do camarão macie. Após um mês de vida, os peixes já estavam mu- rinho Litopenaeus vannamei congeladas. O sistema de dando de coloração, indicando bom desenvolvimento. produção de artêmia realizado neste experimento perCom 39 dias de vida os peixes alcançaram 2 cm, as- mitiu a reprodução natural desses animais, o que facisim como citado na literatura Hora, Jean-Christophe e litou o manejo, pois não houve necessidade de efetuar Carlos (2010). No entanto, com 59 dias de vida todos novas eclosões. Adicionalmente, as artêmias apresentaos alevinos morreram, provavelmente devido a um pico ram crescimento rápido e, em 15 dias, encontravam-se de energia que afetou o funcionamento do sistema de no tamanho adequado para consumo. As pós-larvas de L. vannamei congeladas, por se trafiltragem e aquecimento (Tabela 1). tarem de alimento inerte, foi necessário realizar um treiUma terceira eclosão, de um macho jovem, ocorreu namento das matrizes para estimular a atração por este em período noturno, com 210 alevinos, sendo muitos tipo de alimento. Este, por sua vez, demonstrou baixa deles sugados para o sistema de filtragem, desta ma- dificuldade, pois os peixes em uma semana estavam haneira ocorreu uma elevada taxa de mortalidade no pri- bituados com os camarões congelados e se alimentavam meiro dia de vida (Tabela 1). A alevinagem foi enca- normalmente deles, a partir da segunda semana foi reminhada assim como na segunda eclosão, com forneci- duzido o tempo de movimentação da água e após 30 mento de zooplâncton selvagem. Pela escassez de zoo- dias foi possível cessá-las. Mosig e Fallu (2004) reporplâncton, causada pela alta pluviosidade neste período, tou que com um pouco de paciência é possível fazer e pela elevada taxa de embolia gasosa, toda a prole mor- com que algumas espécies de peixes marinhos se adapreu com poucos dias de vida. tem com alimento congelado, e Lin et al. (2009) reporAinda foi registrada uma desova acidental, na qual tou que animais jovens (50 dias de vida) de H erectus a fêmea não depositou os ovos corretamente na bolsa aprendiam rapidamente a se alimentar de mysis congeincubadora do macho, ou o macho, em caso de estresse, ladas. Por outro lado, Felicio et al. (2006) relataram liberou os ovos como forma de defesa, para preservar que cavalos marinhos não se alimentavam de artêmias, nutriente, ou ainda pode ser devido à altura insuficiente quando fornecidas congeladas, entretanto, não foi reda coluna de água nas unidades experimentais de 60 L, alizada a aclimatação e treinamento dos animais para pois se a coluna não for suficientemente alta pode pre- aceitação do alimento inerte, o que pode ter sido a causa judicar o ritual de acasalamento, pois uma vez iniciada desse insucesso relatado por ele. Neste experimento, foram observadas 3 desovas acia transferência de ovos, é imprescindível que o casal dentais e, após 45 dias de experimento, como alternanão entre em contato com a superfície do aquário, distiva, foram transferidos 5 animais para um tanque de persando os peixes e resultando em liberação dos ovos 500 L, e o aumento do volume de água possibilitou no fundo do aquário, impedindo assim sua maturação o incremento número de matrizes do aquário e, con(KUITER, 2009). sequentemente, aumentou as demonstrações dos comDurante todo o experimento, mesmo com me- portamentos reprodutivos, certificando melhoras efetinor tecnologia aplicada à filtragem da água, a quali- vas na reprodução, e apontando uma possível existêndade desta se manteve adequada (oxigênio dissolvido cia de poligamia entre eles, como sugerido por Hora, manteve-se em torno de 5 mg/L e amônia abaixo de 1 Jean-Christophe e Carlos (2010). Como consequência, mg/L). foi registrada a primeira desova com 120 alevinos. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015 11
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA Tabela 1: Número de alevinos, duração, sobrevivência e sistema de alevinagem utilizado em cada desova obtida nos 2 experimentos realizados.
Dentre os sistemas de alevinagem testados, a maior lataram sobrevivências muito superiores às observadas sobrevivência e tempo de duração foi observado no sis- no presente estudo, no entanto realizaram cultivos com tema kreisel, com 50% de sobrevivência em duas se- alta renovação de água e oferta de alimento natural. manas e com duração total de 42 dias (Tabela 1). O experimento onde teve como intuito manter os animais 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS totalmente imersos em diferentes densidades foi ineficaz, pois a administração de alimento era dificultosa Tendo em vista o declínio das populações naturais de e o manejo mais intenso, o que causou muito estresse cavalos marinhos na costa brasileira, ocasionada pela aos alevinos, e ainda não foi observado diferença de sobre-exploração e a degradação de seus habitats, sosobrevivências nas 2 densidades. Ao manter os alevi- mado ao interesse econômico do país em atender a denos no mesmo tanque das matrizes, preconizou-se a di- manda internacional da medicina tradicional chinesa e minuição dos fatores estressantes para eles, entretanto da aquariofilia, torna-se fundamental a realização de espor ser um espaço muito grande, a ingestão de alimento tudos voltados ao desenvolvimento de técnicas de culfoi ainda menor. A principal causa dessas mortalidades tivo destas espécies. foi em decorrência de embolia gasosa nos alevinos, que No presente estudo, o cultivo, reprodução e alevinapode ser oriunda de má nutrição e/ou da baixa ingestão gem do cavalo marinho Hippocampus reidi em sistema de alimento, haja vista que em trabalhos relacionadas à de circulação fechada demonstrou ser eficaz, desde que nutrição de alevinos de cavalos marinhos não há relatos haja um bom sistema de filtração e esterilização da da doença quando em boas condições de nutrição e qua- água. Neste sistema é possível reduzir drasticamente lidade de água (SOUZA-SANTOS et al., 2013). O uso a renovação da água e, ainda, permite um maior conde zooplâncton de água doce foi cessado ao observar a trole dos parâmetros de qualidade de água. Por outro falta de interesse dos alevinos para com os mesmos, e lado, requer manejo moderado e considerável investipor serem organismos adaptados à água doce, quando mento que, por sua vez, podem ser minimizados pela imersos em água com alta concentração de sais, mor- utilização de alimento inerte e de sistemas de filtração riam rapidamente, afetando a qualidade da água. mais simples e baratos, como dry-wet. Neste estudo, as melhores sobrevivências foram reNeste estudo, a maior dificuldade encontrada foi em gistradas nas desovas 2 e 4 (Tabela 1), as quais foram relação à nutrição, em especial durante a alevinagem, superiores às obtidas por Olivotto et al. (2008), que devido à necessidade de utilização de alimento natuavaliaram a utilização de diferentes itens alimentares ral e ao conhecimento insuficiente sobre a fisiologia na alevinagem de H. reidi. Em contrapartida, Hora e e os requerimentos nutricionais de cavalos marinhos. Joyeux (2009) e Carlos, Ribeiro e Wainber (2009) re- Sendo assim, trabalhos voltados à fisiologia e desenvolConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 7 - 14, nov. 2015 12
AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
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AVALIAÇÃO DA REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM DO CAVALO MARINHO, Hippocampus reidi (Ginsburg, 1933) EM SISTEMA DE CIRCULAÇÃO FECHADA
vimento do sistema digestório do H. reidi, bem como à avaliação da qualidade nutricional, metodologia de produção e fornecimento de diferentes itens alimentares, são fundamentais para elaborar protocolos de produção e, consequentemente, alavancar o cultivo comercial desta espécie. 5
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Felipe do Nascimento Vieira do Laboratório de Camarões Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina (LCM/UFSC) pelo fornecimento das pós-larvas de camarão marinho. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo fornecimento das bolsas de iniciação científica aos acadêmicos. E, em especial, ao Instituto Federal Catarinense - campus Araquari (IFCCA) e à Coordenação Nacional do Núcleos de Pesquisa em Pesca e Aquicultura (NUPAs) pelo financiamento da presente pesquisa. REFERÊNCIAS BALDISSEROTTO, B.; GOMES, L. de C. Cultivo de cavalo-marinho (hippocampus reidi). In: Espécies nativas para piscicultura no Brasil. 2. ed. Santa Maria: Editora UFSM, 2010. CARLOS, M. T. de Lima e; RIBEIRO, F.; WAINBER, A. A. Produção de cavalo marinho em tanque-rede. Panorama da aqüicultura, v. 19, n. 113, p. 32–37, 2009.
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AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO CULTIVO DE PEIXES ORNAMENTAIS COM REUSO DE ÁGUA
AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO CULTIVO DE PEIXES ORNAMENTAIS COM REUSO DE ÁGUA E MANUEL S OARES DOS S ANTOS1 , R AFAHEL M ARQUES M ACÊDO F ONTENELE2 , F RANCISCO S UETÔNIO BASTOS M OTA2 , A NDRÉ B EZERRA DOS S ANTOS2 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - Campus de Acaraú 2 Universidade Federal do Ceará (UFC) <emanuelaqua@yahoo.com.br>, <rafahelf@yahoo.com.br>, <suetonio@secrel.com.br>, <andre23@ufc.br>
Resumo. A presente pesquisa teve como objetivo avaliar a sustentabilidade da utilização de esgotos domésticos tratados na criação do peixe ornamental molinésia Poecilia sp. por meio do Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA) proposto. Foram testados três tratamentos: ET - abastecido com esgoto tratado em lagoas de estabilização; ED - abastecido com esgoto tratado e água bruta diluídos em iguais proporções; AB - abastecido com água bruta. Nos tratamentos abastecidos com esgoto doméstico tratado não foi ofertado ração. O esgoto doméstico utilizado foi o efluente final de um sistema de lagoas de estabilização, e a água bruta proveniente de fonte subterrânea. O ISARA foi calculado utilizando os valores normalizados (0 a 1) dos indicadores de qualidade de água, taxas de sobrevivência, de reuso de água e de uso de ração; estabelecendo pesos variando de zero a três a cada um deles, conforme sua importância. O resultado de ISARA para o tratamento AB (0,36) foi o mais baixo entre os tratamentos testados, podendo o cultivo nestes moldes ser considerado como de baixa sustentabilidade. O tratamento ET apresentou ISARA de 0,45, este resultado ficou um pouco abaixo do apresentado pelo tratamento ED (0,51), estando os dois tratamentos classificados como atividade de média sustentabilidade. Os resultados obtidos com o uso do Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA) apontam o cultivo do peixe ornamental Poecilia sp. realizado com uso de esgoto doméstico tratado diluído e sem fornecimento de ração como a opção mais sustentável dentre as alternativas testadas. Palavras-chaves: Aquicultura ornamental. Esgoto doméstico tratado. Geração de renda. Poecilia sp. Sustentabilidade. Abstract. This research aimed to evaluate the sustainability of the use of treated wastewater in the creation of ornamental fish mollie Poecilia sp. through the Environmental Sustainability Index for Reuse in Aquaculture (ISARA) proposed. Three treatments were tested: ET - stocked with treated wastewater in stabilization ponds; ED - stocked with treated sewage and raw water diluted in equal proportions; AB - stocked with raw water. In the treatments supplied with treated sewage was not offered feed. Domestic sewage effluent was used a system of stabilization ponds, and raw water from underground source. The ISARA was calculated using the normalized values (0-1) of water quality indicators, survival rate, water reuse rate and feed use rate; establishing weights from zero to three and each of them, according to their importance. The result of ISARA to treat AB (0.36) was the lowest among the tested treatments can cultivation in this way be regarded as low sustainability. The ET treatment showed ISARA 0.45, this result was slightly below presented by ED treatment (0.51), with the two treatments classified as average sustainability activity. The results obtained from the use of the Environmental Sustainability Index for Reuse in Aquaculture (ISARA) indicate the cultivation of ornamental fish Poecilia sp. performed using treated sewage diluted and without ration supply as the most sustainable option among the different alternatives. Keywords: Ornamental aquaculture. Treated domestic sewage. Income generation. Poecilia sp. Sustainability. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 15 - 22, nov. 2015
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INTRODUÇÃO
diversos experimentos ao longo de anos (BALASUBRAMANIAN; PAPPATHI; RAJ, 1995; HOSETTI; Nos dias atuais, sabe-se que a problemática da escassez FROST, 1995; GHOSH; FRIJNS; LETTINGA, 1999; de água no planeta não está relacionada com a quantiGHOSH, 2004; KHALIL; HUSSEIN, 1997; PHANdade de água existente, mas, sim, com a desigualdade VAN; ROUSSEAU; PAUW, 2008; SANTOS et al., na distribuição nas diversas regiões e com a sua quali2009b; SANTOS et al., 2009a). Desta forma, torna-se dade (SANTOS et al., 2011).Estas preocupações levam necessário o desenvolvimento de ferramentas para avaa dirigir a atenção para as regiões áridas e semi-áridas liar a sustentabilidade deste tipo de atividade. do planeta. Nesses locais, a pressão sobre os recursos Um dos desafios da construção do desenvolvimento hídricos é bastante elevada, tanto do ponto de vista da sustentável é criar instrumentos de mensuração capazes gestão dos usos múltiplos, onde constantemente é avalide prover informações que facilitem a avaliação do grau ada a quantidade de água que será destinada a cada uso, de sustentabilidade das sociedades, monitorem as tencomo da manutenção da qualidade, ponderando o podências de seu desenvolvimento e auxiliem na definição tencial dos impactos dos usos nos mananciais, considede metas de melhoria (POLAZ; TEIXEIRA, 2009). Em rando que a água destinada a um respectivo uso poderá relação a este instrumental que deve ser criado é válido retornar ao corpo de água como um efluente impactante. salientar que, o principal papel dos indicadores é transA respeito disso, a World Health Organization (Orformar dados em informações relevantes para os tomaganização Mundial de Saúde) admite que o uso de dores de decisão e o público (CALIJURI et al., 2009). águas residuárias está sendo vista como um contexto Os indicadores constituem componentes de avaliamais amplo por conta da gestão integrada dos recursos ção ambiental importantes, capazes de quantificar altehídricos, especialmente nas regiões áridas e semi-áridas rações na qualidade do meio ambiente e na quantidade (WHO, 2006). de recursos naturais, bem como avaliar os esforços deEsta mesma organização completa citando que uma senvolvidos visando à melhoria do meio ambiente ou à importante característica das águas residuárias, que as mitigação de sua degradação (MATTAR NETO; KRÜdestacam como um recurso hídrico confiável, é a maGER; DZIEDZIC, 2009). nutenção de vazões praticamente constantes em todo o Em escala mundial, a maior parte da indústria aquíano, inclusive durante a estação seca. E afirma que o cola é dedicada à produção de alimentos. No entanto, uso de águas residuárias já realiza um importante papel para alguns países a produção de peixes ornamentais na suplementação da oferta hídrica em muitas comunié de fundamental importância, como é o caso de Sindades de regiões áridas e semi-áridas ao redor do mundo gapura, que responde por 40% das exportações, já nos (WHO, 2006). Estados Unidos, a produção de peixes ornamentais éo Observa-se que nas pesquisas com reuso de água em quarto maior setor da aquicultura, ficando atrás apeatividades agropecuárias o foco tem sido a produção de alimento, no intuito de suprir as carências nutricionais nas dos cultivos de bagre do canal, truta e salmão das populações rurais, principalmente em regiões ári- (TLUSTY, 2002). É tamanha a importância deste segdas. No entanto, a melhoraria da vida do homem do mento de mercado o qual estima-se que o comércio vacampo pode ser promovida pelo aumento da sua renda, rejista mundial de peixes ornamentais movimente mais proporcionando-lhe a possibilidade de suprir suas ne- de 350 milhões de animais anualmente, dos quais 80 a cessidades para viver dignamente. Paralelamente, está 90% são de espécies de água doce (BARTLEY, 2000; a idéia de fixar o homem no campo, contribuindo, as- SAXBY et al., 2010). O Brasil apresenta grande potencial para o desensim, com a função social que as atividades produtivas volvimento do setor de peixes ornamentais, podendo devem cumprir em busca da sustentabilidade. De maneira geral, os sistemas de tratamentos bio- ser uma importante fonte de renda para população rulógicos aeróbios podem produzir efluentes dentro das ral e urbana, pois este tem excepcional capacidade de condições exigidas para aquicultura, não sendo neces- geração de emprego para a população de baixa renda sárias grandes intervenções para a realização do cultivo. (RIBEIRO; LIMA; KOCHENBORGER, 2010). É válido salientar que os sistemas de lagoas de estabiNa presente pesquisa foram utilizados peixes das eslização em série com mais de três lagoas, em condi- pécies Poecilia sphenops (Valenciennes, 1846) e Poções normais de funcionamento, geralmente produzem ecilia latipinna (Lesueur, 1821) e o cruzamento desefluentes de boa qualidade para o uso em aquicultura tas, popularmente conhecidos no Brasil como moliné(SANTOS; SILVA, 2007). sias, os quais fazem parte da família Poeciliidae que é Esgoto tratado em nível primário e secundário composta por aproximadamente 220 espécies divididas tem sido utilizado com sucesso na piscicultura em em 28 gêneros (LUCINDA, 2003; LUCINDA; REIS, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 15 - 22, nov. 2015 16
AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO CULTIVO DE PEIXES ORNAMENTAIS COM REUSO DE ÁGUA
2005). Esta família era dividida nos gêneros Mollienesia, Allopoecilia, Limia, Pamphorichthys, Lebistes e Micropoecilia, que posteriormente foram agrupados em um único gênero Poecilia, mantendo quatro subgêneros. O gênero resultante, Poecilia, é muito complexo e amplamente distribuído, desde o sudeste dos Estados Unidos, passando pela Bolívia e indo até o sul do Brasil. Estas são encontradas em uma ampla gama de habitats, apresentam diferenciação morfológica e comportamental dentro e entre espécies (BREDEN et al., 1999). Os molinésias são peixes de pequeno porte com tamanho comercial variando entre 5,0 e 7,0 cm. Os machos são mais coloridos que as fêmeas e possuem uma longa nadadeira dorsal adiposa que lhes dá uma aparência fabulosa (KÜÇÜK, 2010). São peixes filtradores fitoplanctófagos com reconhecida rusticidade entre os aquariofilistas e aquicultores ornamentais. As espécies dessa família são peixes tropicas, euritérmicos e eurialinos. Apesar de não serem peixes muito prolíferos, por serem vivíparos facilita a perpetuação da prole, pois os peixes já nascem com tamanho grande quando comparado a outras espécies de peixes ornamentais (HERNANDEZ; BUCKLE, 2002; SCHLUPP; PARZEFALL; SCHARTL, 2002). A presente pesquisa teve como objetivo avaliar a sustentabilidade ambiental da utilização de esgotos domésticos tratados na criação do peixe ornamental molinésia Poecilia sp. (Block & Schneider, 1801) por meio do Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA), para com isso, oferecer a comunidade uma nova ferramenta para auxiliar na avaliação da sustentabilidade da atividade aquícola.
Figura 1: Fotografia da área experimental utilizada para o cultivo do peixe ornamental Poecilia sp. com reuso de água.
Nos tanques-rede foram estocados alevinos de molinésia Poecilia sp. na densidade experimental de 200 peixes/m3 (600 peixes/tanque-rede), igualmente nos três tratamentos testados. Nos tratamentos que receberam esgoto doméstico tratado não foi ofertada ração, a nutrição dos peixes era proveniente do alimento natural, composto principalmente da comunidade planctônica, que já estava presente no esgoto tratado e que se desenvolveu no decorrer do cultivo. Também não foi fornecida aeração artificial em qualquer dos tratamentos experimentais, objetivando verificar a adaptação da espécie ao ambiente de estudo com o mínimo de incremento de tecnologia ao cultivo, reduzindo, assim, os custos de produção. Para a avaliação de sustentabilidade ambiental do cultivo de peixes 2 MATERIAL E MÉTODOS ornamentais com água de reuso (esgoto doméstico traOs experimentos foram realizados no Centro de Pes- tado) foi proposto o Índice de Sustentabilidade Ambiquisa sobre Tratamento de Esgotos e Reuso de Águas ental para Reuso em Aquicultura (ISARA) adaptando a (3◦ 55’1,51"S; 38◦ 23’37,75"O), localizado no municí- metodologia proposta por Santos et al. (2011). pio de Aquiraz-CE, Brasil. Utilizou-se três tanques Todos os indicadores utilizados na composição do construídos em alvenaria com 40 m3 de volume útil, ISARA foram normalizados por meio da transformacada, abastecidos com esgoto doméstico, efluente da ção do valor real obtido em um quantum que varia entre última lagoa de estabilização de um sistema composto zero e um, de forma que o valor um significa a melhor por quatro lagoas em série, sendo uma anaeróbia, uma condição de sustentabilidade alcançada e o valor zero facultativa e duas de maturação; e/ou água sem trata- o desempenho mais desfavorável, ou seja, sustentabilimento (água bruta) proveniente de fonte subterrânea. dade não alcançada (RABELO, 2007). Em cada tanque foram colocados três tanques-rede com Os indicadores de qualidade de água medidos no volume útil de 3,0 m3 . decorrer dos 56 dias de cultivo experimental e os resNa Figura 1 pode ser observada a disposição dos pectivos valores máximos e mínimos considerados na tanques-rede dentro dos tanques de alvenaria utilizados normalização dos resultados para utilização no ISARA no cultivo experimental. foram: pH, de 6 a 9; Oxigênio dissolvido (OD), de 1,0 a Foram testados três tratamentos, com três repetições 7,0 mg de O2 L−1 ; Nitrogênio Amoniacal Total (NAT), de 5,0 a 20,0 mg L−1 ; Demanda Química de Oxigênio cada, conforme descritos na Tabela 1: Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 15 - 22, nov. 2015 17
AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO CULTIVO DE PEIXES ORNAMENTAIS COM REUSO DE ÁGUA Tabela 1: Descrição dos tratamentos experimentais utilizados para o cultivo do peixe ornamental Poecilia sp. com reuso de água.
Tratamento ET
Descrição Esgoto Tratado
ED
Esgoto Diluído
AB
Água Bruta
Detalhamento tanque abastecido com esgoto doméstico tratado; tanque abastecido com esgoto diluído, sendo esgoto doméstico tratado e água bruta em partes iguais; tanque abastecido com água,bruta proveniente de fonte subterrânea; foi fornecida alimentação artificial,(ração).
(DQO), de 5,0 a 800,0 mg de O2 L−1 . Os citados valores foram considerados por serem os propostos pelo Programa de Pesquisa em Saneamento Ambiental (Prosab) para o uso de efluente doméstico por Bevilacqua, Bastos e Lanna (2006), por Boyd e Tucker (2012) para aquicultura e por Colt (2006) para sistemas de reuso em aquicultura. As análises de temperatura e concentração de oxigênio dissolvido (OD) foram monitoradas in loco utilizando-se uma sonda multiparamétrica modelo YSI55. Para a realização das demais análises, foram coletadas amostras de água dos três tanques, as quais foram analisadas em laboratório observando a metodologia constante do Standard Methods (APHA, 2005). Para as Taxas de Sobrevivência (S), de Reuso de Água (RA) e de Uso de Ração (UR) os valores variaram de 0 a 100%. É válido salientar que para a taxa de sobrevivência e de reuso de água o valor ótimo na escala é 100% enquanto para a taxa de uso de ração a escala é invertida, sendo o valor ótimo 0%, isto é, a aquicultura com maior sustentabilidade é aquela em que não é necessário o uso de ração. Foram definidas 11 classes para distribuir igualmente os valores dos indicadores no intervalo de zero a um estabelecendo assim o fator de normalização a ser aplicado para eles no cálculo do ISARA, adaptando o método sugerido por Pesce e Wunderlin (2000) e Santos et al. (2011). Para a definição do intervalo de classe de normalização (Ic) foi aplicada Equação 01 a todos os indicadores utilizados conforme Santos et al. (2011).
lor de cada indicador substitui o “x” em sua respectiva equação, fornecendo o valor normalizado “y”. Para o pH, como o valor ótimo (7,0) é no meio da escala, foram produzidas duas equações. Para os demais indicadores foi estabelecida apenas uma equação como segue na Tabela 2. O ISARA foi calculado utilizando os valores normalizados, como anteriormente citado, e foi estabelecido pesos variando de zero a três a cada um dos indicadores que o constituem conforme sua importância. Para o cálculo do ISARA foi utilizada a Equação 02, a qual foi adaptada da metodologia aplicada por Nascimento e Araújo (2008) e Santos et al. (2011). m X Ei × Pi ISARA = m × Pmaxi n−1
(2)
Onde: ISARA = Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura; Ei = Escore do iésimo indicador; Pi = Peso do i-ésimo indicador; Pmaxi = Peso máximo do i-ésimo indicador; i = 1,..., m; m = Número de indicadores. A classificação adotada para avaliação dos resultados de ISARA está disposta na Tabela 3. 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Tabela 4 estão expostos os resultados dos indicadores obtidos nos três tratamentos experimentais, assim como os respectivos valores calculados para o Índice de Sustentabilidade Ambiental para o Reuso em Aquicultura (ISARA). Gráficos de radar foram utilizados em diversas pes|Vf − Vi | (1) quisas como ferramenta de auxílio à análise de sustentaIc = Nc − 1 bilidade, pois estes facilitam a visualização dos resultaOnde: Ic = Intervalo de classe de normalização; Vf dos, assim como suas interações (MUGA; MIHELCIC, = Valor considerado indesejado ou insustentável para o 2008). Segundo Santos et al. (2011) quanto mais longe indicador que está sendo avaliado; Vi = Valor conside- do centro do gráfico, melhores são os resultados, dessa rado desejado ou sustentável para o indicador que está forma, avalia-se a sustentabilidade ambiental a partir da sendo avaliado; Nc = Número de classes que foi esta- comparação do tamanho das áreas: quanto maior a área, belecida. maior é a sustentabilidade da atividade. Na Figura 2 A partir dos valores obtidos para o fator de norma- segue o gráfico de radar com os resultados dos indicalização foi possível definir as equações de normaliza- dores que compõem o ISARA para os três tratamentos ção referentes aos indicadores apresentados, em que va- testados. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 15 - 22, nov. 2015 18
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Tabela 2: Equações de normalização dos indicadores utilizados nos cálculos do Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA).
Indicador (x) pH pH OD (mg de O2 L−1 ) NAT (mg L−1 )
Equação de Normalização y = -0,6667x + 5 y = 0,6667x - 5 y = 0,1744x - 0,1343 y = -0,0556x + 1,1111
Indicador (x) DQO (mg de O2 L−1 ) S (%) RA (%) UR (%)
Equação de Normalização y = -0,0013x + 1,0063 y = 0,01x y = 0,01x y = -0,01x
OD: Oxigênio Dissolvido; NAT: Nitrogênio amoniacal total; DQO: Demanda química de oxigênio; S: Taxa de sobrevivência; RA: Taxa de reuso de água; UR: Taxa de uso de ração.
Tabela 3: Classificação de sustentabilidade ambiental adotada para avaliação dos resultados do Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reúso em Aquicultura (ISARA).
Nível de Sustentabilidade Insustentável Baixa Sustentabilidade Média Sustentabilidade Potencialmente Sustentável Sustentável
ISARA 0,00 - 0,20 0,21 - 0,40 0,41 - 0,60 0,61 - 0,80 0,81 - 1,00
Adaptado de Nascimento e Araújo (2008), Santos et al. (2011).
Tabela 4: Resultados dos indicadores utilizados na composição do ISARA, assim como seus respectivos valores parciais e finais para os três tratamentos experimentais.
Indicadores pH OD (mg de O2 L−1 ) NAT (mg L−1 ) DQO (mg de O2 L−1 ) Taxa de Sobrevivência (%) Taxa de Reuso de Água (%) Taxa de Uso de Ração (%) ISARA
ET Resultados 8,61 1,29 2,65 175,77 22,00 100,00 0,00 #
VP 0,01 0,01 0,05 0,07 0,03 0,14 0,14 0,45
ED Resultados 8,53 2,06 0,87 115,67 95,90 50,00 0,00 #
VP 0,01 0,03 0,05 0,08 0,14 0,07 0,14 0,51
AB Resultados 9,68 8,96 0,41 96,36 62,5 0,00 100,00 #
VP 0,00 0,14 0,05 0,08 0,09 0,00 0,00 0,36
ISARA: Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura; VP: Valor Parcial do ISARA; ET: Esgoto tratado; ED: Esgoto diluído; AB: Água bruta; OD: Oxigênio Dissolvido; NAT: Nitrogênio amoniacal total; DQO: Demanda química de oxigênio.
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ET: Esgoto tratado; ED: Esgoto diluído; AB: Água bruta; OD: Oxigênio Dissolvido; NAT: Nitrogênio amoniacal total; DQO: Demanda química de oxigênio; S: Taxa de sobrevivência; RA:Taxa de reúso de água; UR: Taxa de Uso de Ração. Figura 2: Sobreposição dos gráficos de radar que representam os resultados dos indicadores utilizados no Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA)
mentos classificados como atividade de média sustentabilidade (ISARA: 0,41-0,60). Para o ISARP de Santos et al. (2011), o cultivo de tilápia com uso apenas de esgoto tratado no abastecimento do tanque foi classificado como de baixa sustentabilidade. A área delimitada de verde na Figura 2 representa o tratamento ET onde pode ser observado que as taxas de reuso de água e de uso de ração influenciaram positivamente o resultado, já os resultados de concentração de OD, pH e taxa de sobrevivência influenciaram negativamente no nível de sustentabilidade neste tratamento. O resultado do tratamento ED pode ser observado na área delimitada de marrom na Figura 2, neste a elevada taxa de sobrevivência, moderada taxa de reuso de água e baixa taxa de uso de ração elevaram o nível de sustentabilidade deste tratamento. Os resultados de pH e OD foram os que mais prejudicaram a sustentabilidade do cultivo nestes molde. Com algumas medidas simples, comumente utilizadas na atividade aquícola, o nível de sustentabilidade dos tratamentos ED e ET pode ser aumentado consideravelmente, como exemplo pode ser citado: (a) A realização de calagem, no intuito de corrigir a relação dureza:alcalinidade da água e, consequentemente, os níveis de pH; (b) O uso de aeração mecânica, o que elevaria a concentração de OD; Esta afirmativa é apoiada pelo resultado obtido por Santos et al. (2011), que ao aplicar aeração mecânica no cultivo de tilápias com uso de esgoto, elevou a o nível de sustentabilidade de baixo para o médio conforme os parâmetros do ISARP. São necessários mais estudos para o aprimoramento das metodologias de cultivo utilizadas na aquicultura na busca da sustentabilidade, assim como para o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem na avaliação desta atividade.
No experimento realizado por Santos et al. (2011) para avaliação da sustentabilidade do reuso de água no cultivo de tilápias do Nilo Oreochromis niloticus (Linnaeus, 1758), o tratamento que utilizou apenas água bruta para o abastecimento dos tanques obteve o melhor resultado, sendo considerado como de sustentabilidade média pelo Índice de Sustentabilidade Ambiental para Reuso em Piscicultura (ISARP) por estes proposto. No entanto, diferentemente do citado ISARP, o ISARA proposto no presente trabalho, leva em consideração as Taxas de Reuso de Água (RA) e de Uso de Ração (UR) na sua composição, fazendo que o tratamento que utilizou apenas água bruta (AB) obtenha o 4 CONCLUSÕES resultado mais baixo entre os testados (ISARA=0,36), O resultado obtido com o uso do Índice de Sustentabipodendo o cultivo nestes moldes ser considerado como lidade Ambiental para Reuso em Aquicultura (ISARA) de baixa sustentabilidade (ISARA: 0,21-0,4). Este re- classificou o cultivo do peixe ornamental molinésia Posultado pode ser bem visualizado por meio da área limi- ecilia sp. realizado com uso de esgoto doméstico tratada pela linha azul no gráfico de radar, que foi a menor tado diluído e sem fornecimento de ração (ED) como das três áreas (Figura 2). Neste tratamento a elevada de média sustentabilidade, sendo esta a opção mais susconcentração de OD influenciou de forma positiva au- tentável dentre as alternativas testadas. mentando a sustentabilidade; o pH, além das taxas de Com a utilização de aeração mecânica e a correreuso de água e uso de ração anteriormente menciona- ção de pH os níveis de sustentabilidade dos tratamentos das, levaram ao baixo nível de sustentabilidade apon- que utilizaram esgoto tratado no abastecimento dos tantado. ques poderão aumentar consideravelmente, inclusive ao O tratamento ET apresentou ISARA de 0,45, este ponto do tratamento que utilizou apenas esgoto tratado resultado ficou um pouco abaixo do apresentado pelo (ET) tornar-se mais sustentável do que aquele que uso tratamento ED (ISARA=0,51); estando os dois trata- esgoto tratado diluído (ED). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 15 - 22, nov. 2015 20
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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos Programas Prosab / Finep, ao CNPq, a Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à Cagece (Companhia de Água Esgoto do Ceará), pelo apoio para realização da pesquisa. REFERÊNCIAS APHA (Ed.). Standard Methods for the examination of water and wastewater. 19. ed. Washington DC: American Public Health Association American Water Works Association (APHA/AWWA), 2005. BALASUBRAMANIAN, S.; PAPPATHI, R.; RAJ, S. P. An energy budget and efficiency of sewage-fed fish ponds. Bioresource Technology, v. 52, n. 2, p. 145 – 150, 1995. ISSN 0960-8524. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ 0960852495000157>. BARTLEY, D. Responsible ornamental fisheries. FAO Aquaculture Newsletter (FAO), 2000. BEVILACQUA, P. D.; BASTOS, R. K. X.; LANNA, E. A. T. Uso de esgotos tratados para produção animal. Santos, MLF Tratamento e Utilização de Esgoto Sanitário. Rio de Janeiro: ABES, RiMa, p. 275–330, 2006. BOYD, C. E.; TUCKER, C. S. Pond aquaculture water quality management. [S.l.]: Springer Science & Business Media, 2012. BREDEN, F.; PTACEK, M. B.; RASHED, M.; TAPHORN, D.; FIGUEIREDO, C. A. Molecular phylogeny of the live-bearing fish genus poecilia (cyprinodontiformes: Poeciliidae). Molecular phylogenetics and evolution, Elsevier, v. 12, n. 2, p. 95–104, 1999. CALIJURI, M. L.; SANTIAGO, A. d. F.; CAMARGO, R. d. A.; NETO, R. F. M. Estudo de indicadores de saúde ambiental e de saneamento em cidade do norte do brasil. Eng Sanit Ambient, SciELO Brasil, v. 14, n. 1, p. 19–28, 2009.
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AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL
AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL T IAGO P EREIRA B RITO , A MON C OELHO K LEN , JACIARA F IRMINO DA S ILVA , M ARCIANO DA S ILVA A LVES Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) - campus de Castanhal <britotp@yahoo.com.br>, <amoncoelho@hotmail.com>, <jacyarafirminno@gmail.com>, <pmmonter@hotmail.com> Resumo. O município de Mãe do Rio está localizado no estado do Pará e tem sido povoado desde a década de 1950 com a construção da rodovia Belém-Brasília. A sua emancipação ocorreu no início do ano de 1988. Deste então houve a chegada de novos moradores e a construção de residências as proximidades do rio que recebe o mesmo nome da cidade. A ocupação não ordenada desse espaço tem gerado a descaracterização do meio, devido ao desmatamento da mata ciliar, assoreamento do rio ou pelo despejo de resíduos industriais e domésticos nesse ambiente. Diante disso, o presente estudo objetivou realizar uma avaliação socioeconômica dos moradores do município, bem como realizar uma análise da percepção ambiental que os mesmos apresentam sobre o meio. O estudo foi baseado na realização de 59 entrevistas semiestruturadas com os moradores da região. Dentre os entrevistados prevaleceram as mulheres (83,05%). A faixa etária variou entre 16 e 92 anos (média: 42,1 anos). Aproximadamente 50,85% dos entrevistados possuíam cônjuge, seja através de uma relação de união estável ou matrimônio. Quanto ao nível de escolaridade, 41,44% dos entrevistados não sabiam ler ou não concluíram o ensino fundamental. Os entrevistados, em sua maioria, não tiveram clareza quanto ao conceito empregado para impacto ambiental, no entanto, souberam muitas vezes exemplificá-los e identificá-los no município. Isso por que são moradores a bastante tempo da região e detêm conhecimento do ambiente, sendo apontadas inúmeras mudanças do meio com o desenvolvimento desordenado do espaço. Os morados ainda demonstraram ser sensibilizados quanto a questão da conservação do ambiente e souberam sugerir melhorias para as condições ambientais do município. Palavras-chaves: Impacto ambiental. Problema ambiental. Sensibilização ambiental. Abstract. The Mãe do Rio city is located in the state of Pará, and was colonized since the 1950s with the construction of the Belém-Brasília highway. The emancipation of the city occurred in the beginning of 1988. Since then there was the arrival of new residents and the construction of residences the vicinity of the river that has the same name of the city. The unordered occupation of this space has generated a mischaracterization of the medium, due to deforestation of riparian vegetation, siltation of the river or the discharge of industrial and domestic waste in this environment. Thus, the present study aimed to conduct a socioeconomic assessment of the residents of the municipality as well as perform an environmental analysis perception that they have on the environment. The study was based on the realization of 59 semi-structured interviews with residents. Among the respondents prevailed women (83.05%). The range was varied between 16 and 92 years (mean: 42.1 years). Approximately 50.85% of respondents had a spouse, either through marriage or a stable marriage relationship. As for education level, 41.44% of respondents could not read or did not complete primary school. Respondents mostly did not have clarity on the concept used for environmental impact, however, they knew how often exemplify them and identify them in the city. So why are residents enough time in the region and has knowledge of the environment, being identified numerous changes of the medium with the disorderly development of space. The housed still proved to be sensitized to the issue of environmental conservation and knew suggest improvements to the environmental conditions of the city. Keywords: Environmental impact. Environmental problem. Environmental awareness. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015
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INTRODUÇÃO
desmatamento da mata ciliar, ao assoreamento do rio e pelo despejo de resíduos industriais e domésticos nesse ambiente.
A sociedade humana está constantemente agindo sobre o ambiente a fim de satisfazer suas necessidades. A interação entre a sociedade e o ambiente tem sido modificada de maneira rápida após o aumento do crescimento 2 MATERIAL E MÉTODOS demográfico e consequente aumento da demanda de ex- 2.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ploração dos recursos naturais (FIORI, 2006). O Município de Mãe do Rio (2o 02’47"S; 47o 33’02"W) Existe uma grande dificuldade em se compreender está localizado na Mesorregião do nordeste paraense, a complexa ligação entre homem e meio ambiente e, na Microrregião do Guamá, distante a 200 km da casobretudo, a dimensão dos impactos e da interferência pital do estado, Belém (Figura 1). Limita-se ao norte humana no meio natural (VIANNA et al., 2004). com município de Irituia, ao sul com Aurora do Pará A análise da percepção ambiental, individual ou coe Capitão Poço e, ao leste com os municípios de São letiva, dos diferentes grupos sociais pode revelar persDomingos do Capim e Aurora do Pará. A extensão terpectivas, finalidades e objetivos diversos em relação à ritorial de Mãe do Rio é de aproximadamente 468,55 conservação da natureza. Estes referenciais, diferenkm2 , compreende uma população de 27.892 habitantes, ciados entre os grupos sociais são fundamentais para sendo 13.741 homens e 14.151 mulheres, sendo que no a estruturação, organização e realização de ações mititotal desta população, 23.036 residem no meio urbano gadoras, projetos de gestão, assim como na execução e 4.856 no meio rural (IBGE, 2010). de atividades e programas de educação ambiental (MAO processo de colonização do município de Mãe do CEDO, 2000). Rio iniciou-se no final da década de 1950, quando se O comportamento humano é regido pelas percepcomeçou o trabalho da construção da rodovia Belémções, ou seja, reage de acordo com o que ocorre a sua Brasília. Com a vinda de trabalhadores dos municívolta. Sendo assim, há várias percepções que explipios vizinhos de Irituia, São Miguel do Guamá e outros cam a experiência individual de cada pessoa sobre o do nordeste do Pará, para essa empreitada. Foram esambiente. O olhar de cada um sobre o espaço em que ses que contribuíram assim para o desenvolvimento da vive é o que vai determinar sua ação sobre o mesmo vila Mãe do Rio, que prosperou, e se emancipou através (MENGHINI, 2005). da Lei Estadual No 5.456/1988, sancionada pelo então A percepção gera um conhecimento, o qual comGovernador Hélio da Mota Gueiros, desmembrando do preende diversas conceituações que consideram desde município de Irituia no ano de 1988 e dando origem ao as diversas interpretações para o meio biótico e abiómunicípio de Mãe do Rio (FERREIRA, 2011) . tico, bem como para o meio cultural e tradicional de seus detentores (CUNHA; ALMEIDA, 2000). Todos os indivíduos envolvidos no ambiente de- 2.2 COLETA E PROCESSAMENTO DOS DADOS monstram sua percepção do meio, podendo a mesma A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevisser diferente para cada pessoa, portanto, não existem tas com pessoas residentes nos bairros do município de percepções corretas ou erradas, pois cada um pode per- Mãe do Rio. A busca de dados através da técnica de ceber, reagir e responder diferentemente sobre o espaço entrevista permitiu obter diversas informações imediaem que vive (OLIVEIRA, 2007). tas e correntes sobre os mais diversos assuntos de coA visão coletiva sobre o meio ambiente produz ou- nhecimento do informante, permitindo até mesmo um tro modo de interagir no mesmo, com novas formas e aprofundamento em determinados assuntos abordados. novas ações, pois esta visão pode gerar impactos mai- Essa metodologia tem sido utilizada em diversos esores ou criar um pensamento reflexivo sobre a conser- tudos seja para caracterizar o oficio desenvolvido por vação do meio ambiente. O conhecimento sobre o am- uma população (BRITO; COSTA, 2014; BRITO et al., biente influencia em importantes implicações para sua 2015a), compreender o conhecimento ecológico sobre a conservação e para seu manejo (POSEY, 1983). biota do meio (BRITO, 2012; BRITO et al., 2015b) ou a Diante desse contexto, o presente estudo objetivou visão apresentada por uma comunidade sobre as quesrealizar uma avaliação da percepção ambiental dos mo- tões ambientais (SOUSA; MESQUITA; SILVA, 2012; radores do município de Mãe do Rio (PA) sobre o meio COSTA; SILVA; BARBOSA, 2013; MACEDO, 2011). em que vivem, o qual tem sofrido com os problemas No roteiro de entrevista utilizado constavam tanto ambientais decorrentes da chegada de novos morado- questões abertas como fechadas confome metodolores na região, com a ocupação não ordenada de resi- gia adotada de Akatos e Marconi (2008). As pergundências as proximidades do rio da cidade; devido ao tas abertas permitiam ao informante usar linguagem Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 24
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Figura 1: Localização da área de estudo. Imagem “A” estado do Pará, Imagem “B” município de Mãe do Rio.
própria e emitir opiniões, possibilitando investigações mais aprofundadas e precisas; enquanto as perguntas fechadas apresentavam uma série de possíveis respostas, abrangendo várias facetas do mesmo assunto. A elaboração do roteiro de entrevista semiestruturado foi baseada em dados levantados na literatura especializada (MACEDO, 2011; ZILLMER-OLIVEIRA; MANFRINATO, 2011; SOUSA; MESQUITA; SILVA, 2012; COSTA; SILVA; BARBOSA, 2013) e, em conformidade com os objetivos do trabalho. No decorrer das entrevistas foram obtidas informações sobre questões socioeconômicas quanto ao gênero, idade, naturalidade, grau de instrução escolar, estado civil, bem como o conhecimento local sobre as questões ambientais referentes à concepção de impactos ambientais, problemas ambientais locais e o que poderia ser feito para solucionar esses problemas, tipo de lixo mais produzido na cidade, destino dado ao lixo produzido, às formas de utilização do rio Mãe do Rio e causas da degradação do mesmo. A equipe técnica realizava uma conversa inicial com os moradores em suas próprias residências no intuito de perceber se o possível entrevistado tinha disponibilidade para contribuir com a pesquisa. Obtendo o interesse em participar do estudo, o entrevistador discorria ao informante a finalidade do trabalho e retratava que as informações obtidas serviriam apenas para fins acadêmicos e científicos, garantindo o anonimato e sigilo dos informantes. Ao final da entrevista solicitava-se que o entrevistado assinasse o Termo de Autorização Livre e Esclarecida, informando que ele esteve ciente de que foi totalmente esclarecido quanto à pesquisa, e que autorizava sua participação nela.
pois de coletados, os dados foram sistematizados em planilha no programa Microsoft Office Excel 2010 para uma avaliação descritiva, bem como cálculo de estimativas médias e desvio padrão. Para complementação da coleta de dados foram feitas observações de campo e registros fotográficos no município, assim como conversas informais que proporcionassem informações relevantes e complementares ao estudo, conforme a metodologia adotada por Sousa, Mesquita e Silva (2012), Costa, Silva e Barbosa (2013), a qual fora adaptada de Viertler (2002). A utilização de um diário de campo se fez necessário para maximizar o registro de dados da pesquisa. A importância de técnicas de observação é apontada por Ludke e André (1986) e Cruz Neto (1994) como estratégia para a captação de uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente, podem transmitir fielmente a realidade estudada. A observação direta foi realizada pela equipe técnica para se obter informações sobre a realidade dos informantes em seu próprio contexto. 3 3.1
RESULTADOS E DISCUSSÃO ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DOS MORADORES
A maioria dos entrevistados foi do sexo feminino (83,05%) e apenas 16,95% do sexo masculino. A quantidade de entrevistados do sexo feminino pode estar relacionada à abordagem dos entrevistados em suas residências durante o período diurno, e seus respectivos maridos/parceiros estariam ausentes, encontrando-se no seu ambiente de trabalho, ficando assim, a responsaForam realizadas 59 entrevistas durante os meses de bilidade da esposa no trabalho domiciliar, sendo mais novembro e dezembro de 2013 no município de Mãe do facilmente encontradas em suas residências durante o Rio (PA), com duração entre 20 e 30 minutos cada. De- período em que eram realizadas as entrevistas. Essas Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 25
AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL Tabela 1: Faixa etária dos entrevistados no município de Mãe do Rio Tabela 2: Tipo de relação conjugal dos entrevistados no município de Mãe do Rio - Pará. - Pará.
Tabela 3: Grau de escolaridade dos entrevistados no município de Mãe do Rio - Pará.
informações corroboram com os dados registrados em estudos similares realizados por Costa, Silva e Barbosa (2013) com moradores da comunidade São Pedro, município de Concórdia do Pará (PA). As idades dos entrevistados variam entre 16 e 92 anos, com idade média de 42,1 ± 14,3 anos. A faixa etária dos moradores demonstrou ser superior a registrada em estudos similares realizados com moradores da comunidade do Rio Apéu, município de Castanhal (PA) (SOUSA; MESQUITA; SILVA, 2012) e comunidade de São Pedro, município de Concórdia do Pará encontravam divorciados ou viúvos. No entanto, o per(PA) (COSTA; SILVA; BARBOSA, 2013), as quais va- centual de pessoas solteiras também foi representativo riaram de 40 a 77 anos e de 13 a 60 anos, respectiva- (35,59%) (Tabela 2). A maioria dos entrevistados apremente. A faixa etária média foi muito próxima a regis- sentou algum tipo de relação conjugal, uma característradas para comunidades rurais de Igarapé Açú, muni- tica bastante comum para faixa etária predominante dos cípio de Capitão Poço (PA) (média de 41,21 ± 16,39 entrevistados. anos) e de São José, município de Ourém (PA) (41,61 Esse resultado corrobora com os dados fornecidos ± 14,80 anos) (BRITO; COSTA, 2014), demonstrando, pelo IBGE (2010), ao registrar que 48% da população portanto, que os dados registrados no presente estudo paraense vive algum tipo relação conjugal. Fato esse, são similares aos encontrados para demais regiões do que está associado tanto a faixa etária apresentada peestado. los moradores, quanto pelo modo de vida deles, os quais A maioria dos entrevistados (44,06%) apresentou vivem, na maioria, em zonas rurais e demonstram foruma faixa etária entre 21 e 40 anos, no entanto, o tes laços tanto com o meio, como com a família conspercentual de pessoas jovens com idade inferior a 21 truída, mantendo relações estáveis e de longa duração. anos (8,47%) e idosas com idade superior a 60 anos O relacionamento conjugal tanto por pessoas jovens, quanto adultas também tem sido comumente registrado (13,56%) foram representativos (Tabela 1). A maior variação de idade entre os entrevistados para comunidades rurais no interior do estado do Pará pode proporcionar uma diferenciação das percepções (SOUSA; MESQUITA; SILVA, 2012; COSTA; SILVA; para cada faixa etária, ou mesmo demonstrar a dife- BARBOSA, 2013; BRITO et al., 2015a). O nível de escolaridade variou desde entrevistados rença de maturidade entre jovens, adultos e idosos em abordar determinado assunto. No entanto, Sousa, Mes- que nunca frequentaram a escola, não sabendo ler ou esquita e Silva (2012) ao realizarem um estudo similar crever (5,08%) a moradores que ingressaram no ensino optaram pela abordagem de pessoas adultas, as quais superior, mas não o concluíram (13,56%). No entanto, poderiam fornecer mais informações pretéritas e atuais o grau de instrução dos entrevistados foi relativamente baixo, sendo que a maioria (35,59%) ingressou no ensobre a realidade da comunidade estudada. Aproximadamente 50,85% dos entrevistados pos- sino fundamental, mas não o concluiu (Tabela 3). O baixo nível de escolaridade se deu principalmente suíam cônjuge, seja através de uma relação de união estável ou através do matrimônio e, 13,56% já apre- por pessoas mais velhas, isso se explica pelo desenvolsentaram uma relação conjugal, mas que atualmente se vimento da cidade ter ocorrido a menos de 30 anos, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 26
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quando a cidade ainda era apenas uma vila e assim com Tabela 4: Tempo de moradia dos entrevistados no município de Mãe do Rio - Pará. um difícil acesso à escola. O baixo nível de escolaridade tem ocorrido, pois geralmente em pequenas comunidades e vilas as pessoas afirmam não ter oportunidade de estudar devido o acesso a escola ser mais difícil (em relação aos centros urbanos) e porque desde cedo acabam auxiliando no sustento da família, deixando de ir a escola. Fato esse também registrado por produtores rurais do município de Capitão Poço (PA) (SANTOS; QUINTAIROS, 2013) e de Castanhal (PA) (SANTOS; COSTA JUNIOR; VILACA, 2014), assim como por pescadores de São João de Pirabas (PA) (BRITO et al., 2015b). superior ao registrado por Sousa, Mesquita e Silva A maioria dos entrevistados (86,44%) foi oriunda (2012), os quais verificaram uma variação do tempo de do próprio estado do Pará, apenas 13,56% dos entre- moradia entre 8 e 77 anos, com tempo médio de 44,71 vistados não são paraenses, sendo oriundo do estado de anos, sobressaindo o tempo de moradia acima de 25 Rondônia (n=1), Ceará (n=4), Piauí (n=1), São Paulo anos (85,7%). Os entrevistados que residem há mais (n=1) e Paraná (n=1). Dos que afirmaram ser para- tempo na região apresentam um amplo conhecimento ense, a grande maioria nasceu no município em estudo de senso comum da localidade em que vivem, através de (33,90%). Um percentual relativamente baixo, mas que experiências vividas e compartilhadas cotidianamente, pode ser explicado pelo processo de colonização da re- contribuindo para uma maior percepção das condições gião e pela emancipação recente de Mãe do Rio do mu- ambientais do município. nicípio de Irituia. Quando comparado a estudos simiAs pessoas que participaram da pesquisa, em sua lares realizados por Sousa, Mesquita e Silva (2012), maioira, possuiam casa própria (91,53%), sendo que Costa, Silva e Barbosa (2013), os mesmos verificaram 6,78% moravam em casa alugada e apenas 1,69% moque a maioria dos entrevistados eram oriundos da próravam de favor. Foram encontrados dois tipos de casas, pria comunidade estudada (87,5% e 80,0% respectivasendo a maioria de alvenaria (91,53%), e apenas 8,47% mente), tendo assim maior conhecimento sobre a área de madeira. De certa forma, verificou-se que a maioria onde moram, favorecendo suas percepções e um foco dos moradores residia em residências com boas condida realidade local. ções e com aspectos de saneamento básico, oferecendo A ocorrência maior de imigrantes nordestinos no condições apropriadas, o que possibilitava uma vida remunicípio pode estar associada ao processo de ocupa- lativamente saudável. Esse resultado mostrou-se simição da Amazônia pela migração nordestina. De acordo lar aos dados apresentados por Sousa, Mesquita e Silva Benchimol (2009) esse processo estaria relacionado a (2012) onde a maioria dos entrevistados possui casa busca de melhoria de vida e oportunidade de emprego, própria (93,75%) e do tipo alvenaria (81,25%), apresenum processo que remonta desde os tempos da extração tando aspectos sanitários que possibilitem maior “conde borracha, onde os nordestinos buscando refúgio das forto” aos moradores. grandes secas, como as de 1877 e 1878, migraram para Aproximadamente 69,49% dos moradores apresena região Amazônica, com promessa de trabalho e renda, tavam atividades de renda variada, ou eram aposentafixando-se, sobretudo, na zona rural. dos, no entanto, 30,51% não apresentaram atividade de O tempo de moradia dos entrevistados no local de renda, sendo sustentados por cônjuge ou auxílio do goestudo variou de 1 a 90 anos, sendo o tempo médio verno. Das fontes de renda, 15,25% têm como prinde 29,42 ± 11,98 anos. A maioria dos entrevistados cipal atividade de renda a aposentadoria, 13,56% pos(88,14%) apresentou um tempo de moradia na região suía seu próprio negócio (autônomo), os demais fosuperior a 10 anos e, 67,79% superior a 20 anos (Tabela ram: empregado doméstico (5,08%), empregado par4). A variação do tempo de moradia na área de estudo ticular (8,47%), vendedor (11,86%) e servidor público demonstrou ser bem superior a encontrada por Costa, (11,56%) (Tabela 5). Sousa, Mesquita e Silva (2012) Silva e Barbosa (2013) que registraram uma variação verificaram que a maioria dos entrevistados apresende 10 meses a 35 anos, com um percentual de 55,0% tava como principal atividade de renda a aposentadoria dos entrevistados morando na região estudada há mais (43,75%). de 20 anos. A maioria dos entrevistados não apresentou neO tempo de moradia dos entrevistados também foi nhuma atividade de renda (30,51%), este resultado se Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 27
AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL Tabela 5: Atividade de renda dos entrevistados no município de Mãe trevistados quanto ao conceito de impacto ambiental, do Rio - Pará.
pode estar relacionado ao baixo grau de escolaridade apresentado pelos moradores da região. Costa, Silva e Barbosa (2013) também verificaram na comunidade São Pedro (Concórdia do Pará, PA) que a maioria dos entrevistados (65%) não conseguiu conceituar impacto ambiental, mas, em muitos casos, souberam identificar tais impactos em seu município. Sanchez (2006) discute os conceitos de impacto ambiental:
deu por conta da maior parte dos entrevistados terem sido mulheres e assim, ficando responsável pelo trabalho doméstico, ou seja, donas de casa e que dependiam apenas dos seus respectivos parceiros. No entanto, alguns moradores mostraram além de seus empregos, atividade secundaria como: revendedora de cosméticos, esteticista, manutenção de computador. Este resultado mostrou-se similar ao encontrados por Sousa, Mesquita e Silva (2012), no qual 40,0% dos entrevistados também apresentaram atividades secundarias de renda. A renda familiar dos moradores variou entre menos de um e acima de sete salários mínimos; 15,25% dos entrevistados se mantinham com menos um salário mínimo, sendo que a maioria (55,93%) sobrevive com um a dois salários mínimos, 13,56% com três a quatro salários mínimo, 3,39% acima de cinco salários mínimos e 8,47% não informaram sua renda familiar. A renda familiar média, foi relativamente baixa, sendo um pouco inferior a renda familiar registrada para consumidores de feiras e mercados públicos dos municípios de Santa Izabel do Pará (PA) (OLIVEIRA et al., 2013) e Ananindeua (PA) (PEDREIRA et al., 2013). 3.2
PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES
“Na literatura técnica, há várias definições de impacto ambiental, quase todas elas largamente concordantes quanto as seus elementos básicos, embora formuladas de diferentes maneiras. Alguns exemplos: (1) qualquer alteração no meio ambiente em um ou mais de seus componentes - provocada por ação humana (Moreira, 1992, p. 113); (2) o efeito sobre o ecossistema de uma ação induzida pelo homem (Westman. 1985, p. 5); (3) a mudança em um parâmetro ambiental, num determinado período e numa determinada área, que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação que ocorreria se essa atividade não tivesse sido iniciada (Wathern 1985, p. 7)”. No Brasil, a definição legal de impacto ambiental é instituída pela Resolução CONAMA No. 01 de 17 de janeiro de 1986 (CONAMA, 1986). Em seu Art. 1o a Resolução define impacto ambiental como sendo: “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente afetem: I. - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; IV - a quantidade dos recursos ambientais”.
Quando perguntado aos moradores sobre as questões ambientais, 18,64% souberam definir impacto ambiental sendo considerado “consequências de uma determinada ação ou atividade humana, ela podendo ser negativa ou positiva”, “são aqueles que prejudicam o meio ambiente”, “transformação negativa do meio amDessa forma, os moradores de Mãe do Rio diante biente”; 69,49% não souberam definir claramente a ex- de suas percepções conseguiram de forma satisfatória pressão, mas souberam exemplificar os impactos ambi- exemplificar ou até mesmo definir claramente impacto entais como: “destruição da natureza e poluição dos ambiental, ao afirmarem que as ações humanas sobre o rios”, “o lixo que é jogado no meio ambiente”, “polui- ambiente podem alterar o espaço físico de forma prejução do rio, construção de casas as margens do rio” e dicial. “o desmatamento e o esgoto da indústria de laticínio Quando perguntados sobre a existência de probleque cai dentro rio”; 11,86% não souberam de nenhuma mas ambientais no município de Mãe do Rio, 91,53% maneira conceituar impacto ambiental. responderam que existem esses problemas e apenas O baixo nível de informação apresentado pelos en- 8,47% disseram que não existem esses problemas na Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 28
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localidade. Foram destacados como impactos ao ambi- problemas ambientais existentes na cidade. O que tamente a poluição do rio da cidade, o lixo jogado na rua, bém foi observado por Sousa, Mesquita e Silva (2012), a falta de saneamento básico, a poluição sonora, o des- na comunidade Apeú (Castanhal, PA), onde 93,75% dos matamento das matas ciliares e os despejos de soro pela moradores afirmaram participar nas soluções de probleindústria de laticínio que causa um desagradável odor mas ambientais, e 6,25% não participavam. O oposto na região. foi encontrado por Costa, Silva e Barbosa (2013), onde A ocorrência de despejo de lixo no rio e suas mar- a maioria dos moradores (70%) não participavam de gens, esgoto doméstico e/ou industrial despejado no rio forma a minimizar os impactos ambientais presentes na e desmatamento das margens do rio também foram im- comunidade de São Pedro (Concórdia do Pará, PA). pactos percebidos por 93,75% dos moradores da coNo município em estudo foi possível observar que munidade do Apeú (Castanhal, PA) (SOUSA; MES- a maioria dos moradores soube perceber os problemas QUITA; SILVA, 2012). existentes na cidade e estiveram de diversas formas atuQuanto às possíveis soluções para os problemas ando para minimizar e/ou solucionar esses problemas, existentes no município de Mãe de Rio, os entrevista- seja através do instrumento da educação ambiental para dos citaram conscientização da população e dos órgãos a sensibilização dos moradores da cidade, seja através competentes (72,88%); limpeza do rio (3,39%); preser- de mobilizações entre os moradores para junto a Secrevação do meio ambiente (3,39%); retirada do esgoto taria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), melhoda indústria de laticínios e construções próximas ao rio rar as condições principalmente do rio local que com o (5,08%); reflorestamento da área (5,08%); saneamento passar dos anos se tornou o foco de melhoria da cidade, básico (1,69%); e 8,47% não opinaram quanto a essa a qual tenta de algumas maneiras conservá-lo. Durante a realização das entrevistas e através de conversas inquestão. A conscientização e educação ambiental também formais, o senhor M.C. relatou: “Esse rio era enorme, foram apontadas por 25% dos moradores da comuni- todos iam tomar banho e as mulheres iam lavar roupa, dade do Apeú (Castanhal, PA) (SOUSA; MESQUITA; era muito bom. Era diversão para todos, muito bom, SILVA, 2012) e 35% dos moradores da comunidade de muito bonito. Era fundo, tinha muito peixe, dava pra São Pedro (Concórdia do Pará, PA) (COSTA; SILVA; comer e comprar de tanto peixe que tinha, mas de uns BARBOSA, 2013) como maneira de solucionar os pro- tempos pra cá ninguém pode nem mais nadar e fazer alguma coisa, os peixes sumiram tudo!”. blemas ambientais das comunidades. A educação ambiental pode ser uma ferramenta A consciência ambiental trata-se da percepção e compreensão das relações entre a sociedade com o meio na mudança de mentalidades e de atitudes na relação ambiente. Muitos pesquisadores têm apontado a Educa- homem-ambiente (BEZERRA; GONÇALVES, 2007). ção Ambiental (EA) como estratégia para a necessidade Dentre esse conceito é visto que, a problemática ambide compatibilizar o desenvolvimento econômico e a ental interfere na necessidade de mudanças nos padrões preservação/conservação dos ecossistemas. De acordo de comportamento humano para diminuir o ritmo de decom o Tratado de Educação Ambiental para as Socie- gradação dos aspectos necessários a nossa sobrevivêndades Sustentáveis e Responsabilidade Global, formu- cia. lado na ECO-92, a educação ambiental afirma valores A educação ambiental é um processo lento onde é e ações que contribui para a transformação humana e preciso entender as necessidades da área em questão, e social e para a conservação ecológica. suas relações com seu ambiente antes de propor mudanA educação ambiental pode ser um instrumento de ças. As decisões devem ser sempre tomadas em conestimulo a formação da sociedade justa e ecologica- junto e as iniciativas devem partir da própria comunimente equilibrada, que conservem a relação de interde- dade, pois é a maior interessada, os resultados positivos pendência e diversidade, garantindo mudanças na quali- influenciarão diretamente em suas vidas, e tudo que é dade de vida e maior consciência de conduta pessoal, o constituído a partir de bases sólidas tem maiores chances de crescer e se tornar permanente. Nessa mesma que muitos autores chamam de consciência ambiental. Sobre a participação dos moradores para amenizar síntese, essas mudanças serão efetivas somente quando esses problemas ambientas, 69,49% afirmaram de al- a sociedade compreender com clareza sua necessidade. guma forma participar para amenizar esses problemas, O meio ambiente deve ser intitulado de “necessário” apenas 25,42% não participavam e 5,08% não respon- por todas as autoridades seja governo ou não, seja no deram por não identificarem problemas ambientais na campo ou na cidade, para que haja assim mais comprolocalidade. Isso demonstra que os moradores apresen- misso com que é feito para a saúde ambiental. tavam uma percepção e uma conscientização quanto aos Em muitas conversas com os moradores foi possível Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 29
AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL Tabela 6: Resíduos produzidos pelos moradores do município de duz aos moradores à queima do lixo produzido. Esse Mãe do Rio.
processo pode acarretar a liberação de produtos tóxicos na atmosfera, ocasionando a poluição do ar e afetando diretamente a saúde humana. Ao ser feita a coleta pública, esse lixo vai diretamente para o lixão a céu aberto. Essa prática pode causar infiltrações e poluição de águas subterrâneas. Atualmente a reciclagem é o método mais utilizado para a diminuição desses resíduos, onde pode ser também uma alternativa de renda para os moradores do município. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) instituída pela Lei Federal No. 12.305/2010 de 2 de perceber a preocupação dos mesmos com o meio ambi- agosto de 2010 (BRASIL, 2010), previa um prazo de 4 ente: “não jogo lixo no rio”; “deixo meu lixo separado, anos para que os municípios brasileiros adequassem a seco do molhado para a prefeitura pegar”; “separo as gestão dos resíduos sólidos produzidos, determinando a extinção dos lixões do país, além da implantação de garrafas para reciclagem”. Quando perguntado quais seriam os principais resí- programas de recilagem, reuso, compostagem, trataduos mais descartados no município as respostas foram: mento do lixo e coleta seletiva nas cidades. O que de 62,71% afirmaram produzir mais resíduos plásticos e fato, pouco tem sido feito a esse respeito no município 13,56% resíduos orgânicos (Tabela 6), sendo que a mai- de Mãe do Rio, tanto observado pela equipe desse esoria do destino do lixo é dada à coleta pública (84,76%), tudo, quanto por informações repassadas pelos própios reciclagem (6,78%), queima (1,69%), outros destinos moradores. Para uma possível solução quanto as garrafas plás(5,08%) e 1,69% não responderam. ticas “PETs”, é muito comum encontrar hoje em várias Os dados fornecidos pela Associação Brasileira de cidades do nordeste paraense a reutilização dessas garEmpresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais inrafas, onde é feito um trabalho de confecções de artedicam que para o ano de 2012 a geração de resíduos sósanatos principalmente em época de final de ano, onde lidos urbanos foi de 383,2 kg/hab./ano, havendo o desas garrafas são utilizadas na decoração natalina, a exemtaque da produção de lixo orgânico (51,4%), seguido de plo dos municípios de Benevides (PA) e Castanhal (PA). resíduos plásticos (13,5%), derivados de papel (13,1%), O aproveitamento de garrafas PETs que tem sido realimetais (2,9%) e vidro (2,4%) (ABRELPE, 2012). zado no município de Garanhuns (PE) tem gerado renda Resíduos plásticos também foram considerados a comunidade, sendo que para a confecção de uma vascomo o lixo mais produzido (33,3%) na comunidade soura tem sido utilizadas 18 garrafas, e a mesma tem do rio Apeú (Castanhal, PA), seguido de resíduos orgâsido comercializada no valor de R$ 5,50. Além disso, as nicos (27,8%), resíduos de papel (13,9%) e resíduos de tampas e os gargalos das garrafas são transformados em metal (13,9%), sendo os destinos desses resíduos a covários produtos, tais como enfeites natalinos (MELO et leta pública (80,0%), o aterramento do lixo (6,7%) e a al., 2013). queima (13,3%) (SOUSA; MESQUITA; SILVA, 2012). Os resíduos orgânicos como restos de comida e Material plástico (65%) também foi o principal resíduo produzido por moradores da vila de Algodoal, sendo casca de fruta, podem ser aproveitados na compostaque o destino dado a esse resíduo principalmente foi a gem, onde é produzido adubo orgânico, que enriquece o queima (60%), seguido de coleta pública (45%) (MA- solo com nutriente e é muito usado em plantações como CEDO, 2011). Costa, Silva e Barbosa (2013) na comu- hortas e para jardinagem (OLIVEIRA; AQUINO; CASnidade São Pedro (Concórdia do Pará, PA), também re- TRO NETO, 2005). gistraram que os resíduos mais produzidos foram plásQuando questionados se os moradores jogavam lixo ticos (60%), e o destino do lixo foi dado por coleta pú- no rio Mãe do Rio, a maioria (94,92%) afirmou não joblica (70%). gar lixo nele, e apenas 3,39% afirmaram que já abandoNo município de Mãe do Rio, o principal destino naram lixo no rio e 1,69% não respondeu essa questão. dado ao lixo foi de coleta pública, isso pode ser um in- O mesmo foi verificado na comunidade de São Pedro dício de que a coleta realizada pela administração pú- (Concórdia do Pará, PA), onde 95% afirmaram não joblica está ocorrendo na cidade, diferente do encontrado gar lixo no igarapé local (COSTA; SILVA; BARBOSA, por Macedo (2011), que registrou na APA da Ilha de 2013). Isso ocorre, pois os moradores, principalmente Algodoal-Maiandeua (PA) a falta de coleta pública in- os que necessitam de alguma forma do rio, para lazer Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 30
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ou para turismo, detêm certa conscientização ambien- do nível de água do rio. O processo de erosão sobre tal. Essa percepção quanto às consequências causadas as margens do rio e assoreamento de trechos do seu foi expressa nos relatos dos moradores que não jogam leito tem ocasionado mudanças na qualidade da água lixo no rio “para ajudar a amenizar os impactos am- que também poderia prejudicar as comunidades de peibientais”; “porque tenho consciência que trará proble- xes, as quais já foram fontes de subsistência e renda mas”; e “porque é errado”. para os moradores. O poder público aos poucos tenta modificar a viApesar da maioria dos entrevistados ter afirmado são desfavorável que a cidade vem sendo exposta, conão despejar lixo no ambiente, durante a permanência locando algumas placas em margens de braços do rio da equipe no município, foi possível verificar vários tipara sensibilizar a população, quanto a existência de um pos de resíduos domésticos descartados ao longo de treprojeto de recuperação do rio Mãe do Rio, o qual neceschos do corpo de água (madeira, plástico, pano, vidro sita manter o corpo hídrico em boas condições para que etc), assim como também foi possível identificar manpossam expandir a mobilização e assim ter um maior chas esbranquiçadas na água, apontadas pelos moradocuidado para que haja a preocupação em conservar o res como sendo dos resíduos da indústria de laticínio do rio em perfeitas condições para seu lazer, fornecimento município. de água e uso doméstico. Quando perguntados se dependiam de alguma No entanto, muito ainda pode ser feito quanto a essa forma do rio Mãe do Rio, 38,98% afirmaram depender questão. Seria de grande importância um trabalho de dele, 59,32% disseram não depender do rio e 1,69% não educação ambiental junto às escolas do município, coresponderam. As formas de uso do rio foram para lazer, meçando um processo de sensibilização junto as crianlavar roupas e abastecimento de água. Ficou evidente ças e jovens, que podem repassar esse conhecimento que com a diminuição do nível da água do rio, os moraaos seus responsáveis em casa. Um trabalho similar e dores não dependiam tanto do rio para certos afazeres, mais específico pode ser realizado com os líderes cocomo relatou uma moradora: “nesse rio não dá mais munitários e com os moradores residentes as margens pra fazer nada! Antes eu lavava roupa, louça, e nem do corpo hídrico, bem como, com as empresas e/ou inpra isso dá mais, não tem peixe, antes meu marido pesdústrias que de alguma forma depende ou interferem cava e tinha muito peixe e hoje nem vemos mais peixe, no rio, as quais devem ser responsabilizadas por todo não chamo isso de rio mais, parece é um igarapezinho”. e qualquer efeito prejudicial que possam gerar nesse Quando perguntados se notaram alguma diferença corpo hídrico. Podendo também ser realizada uma cono rio Mãe do Rio nos últimos cinco anos, 83,05% leta mais sistemática dos resíduos sólidos despejados responderam sim, apenas 15,25% disseram que não e nesse ambiente, bem como desenvolver a recomposição 1,69% não responderam. Entre essas diferenças obserdas áreas da mata ciliar degradadas e margens erodidas, vadas, a maioria respondeu a poluição do rio (63,27%) provovendo, quando couber, a drenagem de sedimentos e a diminuição do nível de água (34,69%) e 2,04% não dos trechos do leito do rio que estão sofrendo processo responderam essa questão. A poluição e a diminuição de assoreamento. de água do igarapé do onça também foram registradas pelos moradores da comunidade de São Pedro (Concór4 CONSIDERAÇÕES FINAIS dia do Pará, PA) (COSTA; SILVA; BARBOSA, 2013). O crescimento desordenado do município fez com No presente trabalho foi possível a realização de uma que muitos ocupassem as margens do rio, e com isso avaliação socioeconômica e ambiental do município de provocassem modificações nesse ambiente. A retirada Mãe do Rio (PA). Através da realização das entrevisdas matas ciliares vem ocasionando a exposição do solo tas pôde-se analisar a percepção e o conhecimento loe contribuindo para o processo de erosão. Devido à reti- cal dos moradores em relação às questões ambientais, rada das matas para construção de casas e a implantação referente principalmente ao rio Mãe do Rio. Por meio da indústria de laticínios que vem despejando resíduos de conversas com os entrevistados foi possível perceber em seu interior, somando com o acúmulo de lixo no rio, que muitos destes detêm conhecimento e entendem os tem colaborado para a poluição e o processo de assore- reais motivos da situação que o rio está sofrendo. No amento do mesmo. entanto, é necessário que haja uma sensibilização e, asQuando questionados se notaram alguma diminui- sim, uma possível conscientização não apenas dos moção da quantidade de peixes no rio durante os últimos 5 radores da cidade, mas também é preciso que as autoanos, 72,88% responderam sim, e 27,12% responderam ridades públicas tenham a percepção real sobre os pronão. Essa diminuição da quantidade de peixes pode es- blemas ambientais que afetam o município, por meio tar relacioanda a poluição do ambiente e a diminuição de projetos que envolvam os moradores através aprenConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 23 - 33, nov. 2015 31
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dizado da educação ambiental, pode se criar o início de um pensamento reflexivo sobre as questões ambientais e assim possibilitar a reversão dos principais problemas que afetam a cidade. A sociedade também pode exigir das autoridades públicas que façam seu papel, ao realizar coleta sistemática dos resíduos sólidos produzidos, fornecendo o melhor destino possível a esses resíduos, possibilitar o reuso e reciclagem desses materiais, realizar programas de saneamento básico, fornecendo água de boa qualidade e tratamento dos esgosto domésticos aos moradores, bem como contribuir para recuperação das áreas ambientais degradas no município. 5
AGRADECIMENTOS
Agradecimento aos moradores do município de Mãe do Rio, os quais foram receptivos e forneceram as informações necessárias para o desenvolvimento desse trabalho. REFERÊNCIAS ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil. São Paulo: ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública E Resíduos Especiais, 2012. 114 p. AKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 296 p. BENCHIMOL, S. Amazônia: Formação social e cultural. 3. ed. Manaus: Valer, 2009. 480p. BEZERRA, T. M. de O.; GONÇALVES, A. A. C. Concepções de meio ambiente e educação ambiental por professores da escola agrotécnica federal de vitória de santo antão-pe. Biotemas, v. 20, n. 3, p. 115 – 125, 2007. ISSN 2175-7925. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/biotemas/article/ view/20679>. BRASIL. Lei no. 12.305, de 2 de agosto de 2010. institui a política nacional de resíduos sólidos; altera a lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, ago. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>.
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AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO E MANUEL S OARES DOS S ANTOS1 , R AFAHEL M ARQUES M ACÊDO F ONTENELE2 , F RANCISCO S UETÔNIO BASTOS M OTA2 , A NDRÉ B EZERRA DOS S ANTOS2 , ROSEMEIRY M ELO C ARVALHO2 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - Campus de Acaraú 2 Universidade Federal do Ceará (UFC) <emanuelaqua@yahoo.com.br>, <rafahelf@yahoo.com.br>, <suetonio@secrel.com.br>, <andre23@ufc.br>, <rmelo@ufc.br>
Resumo. A pesquisa teve por objetivo avaliar tecnicamente, por meio de indicadores de qualidade de água, de rendimento zootécnico e de qualidade microbiológica do pescado produzido; e economicamente, por meio de indicadores de desempenho econômico; o cultivo de tilápias do Nilo Oreochromis niloticus utilizando diferentes taxas de alimentação em esgoto doméstico tratado. Foram utilizados nove viveiros com 50 m3 de volume, cada, os quais foram abastecidos com esgoto doméstico tratado, em três tratamentos: SR - ausência de ração; R2 e RT - foi ofertado 50% e 100% da quantidade de ração indicada pelo fabricante, respectivamente. Ao longo do experimento, foram determinados os seguintes parâmetros zootécnicos dos peixes cultivados: comprimento total (cm), peso (g), biomassa (g/m3 ), produtividade (kg/ha.dia) e taxa de conversão alimentar (CA).Na análise econômica foram utilizados: custo operacional parcial (COP), a receita bruta (RB), a estimativa da receita líquida parcial (RLP) e a incidência de custo (IC). Foram realizadas análises de Salmonella spp., estafilococos coagulase positiva, e coliformes termotolerantes no músculo, pele e brânquias para verificação da qualidade do pescado produzido. Os dados da pesquisa indicaram que em relação à viabilidade técnica, o tratamento R2 foi o que apresentou os melhores resultados. Ao avaliar a viabilidade econômica, o tratamento SR foi o que apresentou os melhores resultados. O pescado produzido apresentou condições sanitárias satisfatórias para o consumo humano. Palavras-chaves: Custo operacional parcial. Índice de custo. Receita líquida parcial. Reuso de água em piscicultura. Viabilidade técnica-econômica. Abstract. The research aimed to evaluate technically, through water quality indicators, livestock income and microbiological quality of the produced fish; and economically by means of indicators of economic performance; Nile tilapia Oreochromis niloticus cultivation using different feed rates in treated sewage. Nine (09) tanks with 50 m3 of volume were constructed in concrete and filled with treated sewage, after which were tested three different treatments: WF - depletion of commercial feed; FS 12 and FS - feed with 50% and 100% of the supplementation suggested by the supplier, respectively. The zootechnical parameters total length (cm), weight (g), biomass (g/m3 ), productivity (kg/ha.day) and food conversion rate (CR) were determined. For the economical analysis the following parameters were used: partial operational costs (POC), gross income (GI), partial liquid income (PLI) and cost incidence (CI). Analyses of Salmonella spp., Coagulase-positive staphylococci and coliforms in muscle, skin and gills to verify the quality of the fish produced. The results indicated that treatment FS 21 was the best treatment with regard to the technical viability and treatment WF was the best treatment in terms of economical viability. The fish had produced satisfactory sanitary conditions for human consumption. Keywords: Aquaculture. Cost index. Partial liquid income. Partial operational costs. Technicaleconomical viability. Water reuse.
Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015
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AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE MÃE DO RIO - PARÁ - BRASIL
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Introdução
Em relação as características alimentares das tilápias para o uso na aquicultura com reuso de água é válido salientar que estas são onívoras, com tendência à herbivoria. No estágio larval, alimenta-se principalmente de fito e zooplâncton, por meio do mecanismo de filtração, e o espectro alimentar aumenta com o crescimento do peixe. No hábito alimentar destes peixes estão incluídos seres bentônicos, algas, pequenas plantas aquáticas, detritos orgânicos e pequenos animais, tais como minhocas, microcrustáceos e insetos aquáticos (LOURES et al., 2008).
Nos dias atuais, sabe-se que a problemática da escassez de água no planeta não está relacionada com a quantidade de água existente, mas, sim, com a desigualdade na distribuição nas diversas regiões e com a sua qualidade. Essa questão se torna ainda mais grave quando é admitida a crescente degradação dos recursos hídricos (SANTOS et al., 2011) e o aumento do uso deste recurso para o suprimento das necessidades humanas, seja pelo consumo direto, produção de alimento ou na indústria Em relação a rusticidade, relatam que a tilápia é a A aquicultura refere-se ao cultivo de animais e espécie de peixe cultivada que melhor resiste a alta templantas em meio aquático (KELLNER; PIRES, 1998), peratura, tendo a faixa ótima para seu desenvolvimento sendo, desta forma, mais uma atividade a competir com entre 25 e 30 o C; a baixa concentração de oxigênio disinúmeras outras pelo recurso água. O desenvolvimento desse tipo de atividade produtiva, entretanto, apresenta solvido, tendo crescimento sensivelmente afetado em −1 riscos de deteriorar a qualidade e comprometer a quan- concentração abaixo de 3,0 mg.L ; e a alta concentra−1 tidade da água, podendo contribuir para o declínio da ção de amônia na água, até 0,5 mg.L de amônia não 3 qualidade ambiental, social e econômica (TIAGO; GI- ionizada (NH ) não provocam morte em tilápia do Nilo (KUBITZA, 2000; EL-SHAFAI et al., 2004; TRANANESELLA, 2003). Sendo a aquicultura uma atividade que demanda DUY et al., 2008) grande quantidade de água, é necessário buscar o desenOs sistemas de lagoas de estabilização, utilizados volvimento de soluções alternativas para fornecimento no tratamento de esgotos e projetados para elevados desta, sendo o uso de efluentes tratados uma das possí- tempos de detenção hidráulica, geram uma grande biveis práticas (SANTOS et al., 2009a). omassa algal que pode ser aproveitada na aquicultura Na busca do desenvolvimento de atividades que (SANTOS et al., 2009b). Além disso, o consumo das estejam de acordo com os objetivos da sustentabili- algas presentes nas lagoas de estabilização pelos peixes dade, nas quais estas devem ser economicamente viá- melhora a qualidade do efluente de tais sistemas. veis, ecologicamente corretas e socialmente justas, é No entanto, a análise econômica do cultivo de peinecessário considerar a prática do reuso de águas como xes tem sido negligenciada, visto que poucos trabalhos uma das boas opções para solucionar a problemática da são encontrados sobre custos e lucratividade na piscioferta hídrica. Quando é feito reuso em atividades como cultura, peças essenciais para avaliar a viabilidade dos agricultura e aquicultura, é possível agregar à atividade investimentos em instalações, material, equipamentos e econômica, a geração de emprego e a produção de pro- novas tecnologias de cultivo, levando em consideração teína (SANTOS et al., 2009a). peculiaridades fisiográficas, climáticas e econômicas de Para maximizar o aproveitamento da potencialidade cada região (SILVA et al., 2003). Em relação a avaliado ambiente proporcionado pelo uso do efluente no ção econômica da piscicultura em sistema que utiliza abastecimento de tanques e viveiros de aquicultura é efluente tratado, as pesquisas são inexistentes. necessário utilizar espécies de peixes capazes de aproA análise econômica por meio do levantamento de veitar o alimento natural, principalmente o fitoplâncton, custos de produção é um instrumento importante para como fonte alimentar e que estas sejam resistentes a vaa tomada de decisão. Ela permite identificar os resulriações na qualidade de água. tados econômicos alcançados, os gargalos na tecnoloMuitas espécies de peixes comumente utilizadas na gia de produção adotada e o nível de produção a partir aquicultura possuem a capacidade de aproveitar os ordo qual a exploração passa a apresentar lucratividade ganismos da comunidade planctônica, que são parte da (CRIVELENTI et al., 2006). produtividade primária presente nos corpos de água, como fonte de alimento para o seu crescimento. As carPor meio de indicadores de rendimento zootécnico e pas, trutas e tilápias estão entre as espécies de água doce econômico objetivou-se avaliar qual a melhor rotina alimais difundidas no mundo para aquicultura (MOTA; mentar para o cultivo da tilápia do Nilo Oreochromis niAQUINO; SANTOS, 2007), tendo as tilápias destaque loticus (Linnaeus, 1758) em esgoto doméstico tratado, entre estas pela sua característica alimentar e rustici- complementarmente observou-se a qualidade microbidade, como evidenciado pelas colocações a seguir. ológica do pescado produzido. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015 35
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO
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Material e Métodos
Standard Methods (APHA, 2005). Foram realizadas biometrias quinzenalmente para o acompanhamento do desenvolvimento dos animais cultivados e ao final do experimento foram coletados os dados de peso médio dos peixes e sobrevivência, necessários para o cálculo dos indicadores de rendimento zootécnico e econômico. As análises estatísticas dos indicadores de qualidade de água e dos parâmetros zootécnicos foram realizadas usando o programa BioEstat 4.0, aplicando a Análise de Variância (ANOVA) e o Teste de Tukey com nível de significância de 5,0% (ρ = 0,05). Para a análise econômica da produção utilizou-se as metodologias propostas por Silva et al. (2003) e Marengoni et al. (2008), os quais consideram apenas o custo operacional parcial (COP), a receita bruta (RB), a estimativa da receita líquida parcial (RLP), também foi calculada a incidência de custo (IC), de acordo com Oliveira et al. (2010). A seguir, apresentam-se as fórmulas utilizadas para os cálculos dos indicadores econômicos:
Os experimentos foram realizados no Centro de Pesquisa sobre Tratamento de Esgotos e Reuso de Águas, situado junto a uma estação de tratamento de esgoto (ETE) da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), no município de Aquiraz, Ceará, Brasil. Foram utilizados nove viveiros com 50m3 de volume, cada, os quais foram abastecidos com o efluente final dessa ETE, a qual utiliza a tecnologia de lagoas de estabilização composta por quatro lagoas em série, com uma anaeróbia, uma facultativa e duas de maturação. As lagoas anaeróbias são caracterizadas por serem profundas (> 3,0 m) o que dificulta a penetração da luz na água e, consequentemente a fotossíntese, predominando o processo de digestão anaeróbia da matéria orgânica realizada por bactérias anaeróbias, já as facultativas têm profundidades que variam de 1,0 a 3,0 m, possibilitando a decomposição da matéria orgânica tanto pelos processos aeróbios como pelos anaeróbios (algas e bactérias), por fim as de maturação que são lagoas rasas (até 1,0 m), sendo responsável pela degradação aeróbia de uma menor parte da matéria orgânica e pela eliminação massiva de microrganismos patogêCOP = (QR × P R) + (N A × P A). (1) nicos, principalmente pela ação dos raios ultravioleta e Onde: alta concentração de oxigênio produzida pela elevada COP = custo operacional parcial; biomassa algal presente. QR = quantidade média de ração/tratamento; Foram estocados alevinos de tilápia do Nilo, OrePR = preço do kg de ração; ochromis niloticus, revertidos sexualmente para maNA = número inicial de alevinos por tratamento; chos, com peso médio inicial de 0,45 ± 0,2g em uma 3 PA = preço unitário dos alevinos; densidade experimental de 3 alevinos/m (150 alevinos/viveiro). No decorrer dos 114 dias do experimento foram RB = BT × P P. (2) ofertadas aos peixes quatro diferentes tipos de ração comercial balanceada de um mesmo fabricante. O balanço Onde: nutricional e a apresentação física de cada tipo de ração RB = receita bruta; são específicas para atender as necessidades das dife- BT = biomassa total média produzida/tratamento; rentes fases de vida das tilápias cultivadas. As quanti- PP = preço de venda do kg de peixe; dades e os tipos de rações ofertadas seguiram a indicação do guia alimentar fornecido pelo fabricante, no qual são feitos ajustes semanais e conforme os dados de peso RLP = RB − COP. (3) médio colhidos nas biometrias. Onde: Em relação à oferta de ração balanceada, foram tesRLP = receita líquida parcial; tados três tratamentos em triplicata, a descrição destes tratamentos pode ser observada na Tabela 1. IC = COP/BT. (4) No decorrer do experimento foi realizado a caracterização ambiental dos cultivos experimentais por meio Onde: do monitoramento de indicadores de abióticos de quali- IC = incidência de custo. dade de água. A temperatura da água, pH e concentraOs valores utilizados para os cálculos dos indicadoção de oxigênio dissolvido (OD) foram monitoradas in res econômicos referem-se aos preços de mercado de loco utilizando-se sonda multiparamétrica modelo YSI- outubro de 2014. 55. Também foi monitorada a demanda química de Os principais parâmetros avaliados neste trabalho oxigênio (DQO) seguindo a metodologia constante do foram a biomassa total (BT), que representa a produção Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015 36
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO Tabela 1: Denominação, sigla e descrição dos três tratamentos experimentais utilizados para o cultivo de tilápias em viveiros abastecidos com esgoto doméstico tratado e diferentes taxas de alimentação.
dias se mantiveram bem acima desta faixa. Em contraponto a esse fato, observaram-se elevadas concentrações de DQO nos três tratamentos, as quais são explicadas pela elevada quantidade de matéria orgânica presente no esgoto doméstico utilizado no abastecimento dos tanques. Na Tabela 3 são mostrados os resultados dos principais parâmetros zootécnicos tomados como base para a avaliação do desempenho produtivo do cultivo. O resultado de BT, assim como o de produtividade, foi superior no tratamento em que foi fornecida a metade da quantidade de ração recomendada ( R2 ) em relação aos demais, inclusive com diferença estatisticamente significativa. Já a CA é um indicador que aponta a quantidade de ração consumida, assim também está relacionado com os custos que a ração representa. Os dados de ganho de peso diário obtidos neste experimento foram 1,74, 1,94 e 1,52 g.dia−1 para os tratamentos SR, R2 e RT respectivamente, não apresentando diferença estatisticamente significativa entre os mesmos, estes resultados corroboram com os obtidos por outros pesquisadores. Ridha e Cruz (2001), estu3 Resultados e Discussão dando a tilápia do Nilo, obtiveram ganho de peso diáNa Tabela 2 estão expostos os resultados dos indicado- rio de 1,167 e 1,181 g.dia−1 . Ressaltam-se, também, res de qualidade de água utilizados na caracterização os resultados obtidos por Santos et al. (2009a) e Sanambiental dos cultivos experimentais. tos et al. (2009b), nos quais os valores variaram entre Boyd; Tucker (1998) indicam a faixa ótima de tem- 0,286 g.dia−1 e 1,357 g.dia−1 , ambos usando esgoto peratura para o cultivo de peixes tropicais entre 20 e tratado no cultivo de tilápia. Candido et al. (2005), em 30o C. A temperatura nos três tratamentos experimen- 120 dias de cultivo, alcançaram valores de 1,82, 1,87 e tais manteve-se em torno dos 29o C estando dentro da 2,13 g.dia−1 para tilápia do Nilo em sistema de polifaixa ótima recomendada. cultivo com camarão marinho. Já Khaw et al. (2008), Já para pH a faixa considerada ótima para o cul- no mesmo tempo de cultivo testando duas linhagens de tivo de organismos aquáticos, inclusive em sistemas de tilápia alcançaram 1,12 e 1,49 g.dia−1 . reuso, varia de 6 a 9 (COLT, 2006). Observa-se que Entre os resultados de produtividade relatados na os valores de pH nos tratamentos SR e R2 ultrapassa- bibliografia podem ser citados os obtidos por Silva et ram esta faixa, e o tratamento RT manteve-se no limite al. (2006a), de 2,6 kg.ha−1 .dia−1 , fazendo policulsuperior desta. Esse fato ocorreu pela ação das microal- tivo de tilápia do Nilo e carpa comum com uso de gas presentes em grandes quantidades,que por meio da esgoto tratado. Já Frei et al. (2007), em experifotossíntese consome a alcalinidade presente na água mentos de rizipiscicultura com tilápias do Nilo, e desreduzindo o poder tampão do ambiente. tas com carpa comum, obtiveram produtividades de Colt (2006) recomenda concentrações de OD em 5,0 e 5,42 kg.ha−1 .dia−1 . Esses resultados atestam a sistemas de reuso acima de 3,5 mg/L para espécies rús- superioridade dos resultados obtidos na presente pesticas. Apesar de grande variação, as concentrações mé- quisa, os quais foram 37,5 kg.ha−1 .dia−1 para SR, 49,8 Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015 37
alcançada em cada tratamento; e a conversão alimentar (CA). A biomassa total irá influenciar no valor da receita bruta (RB) e nos outros parâmetros econômicos que se relacionam com ela. Ao final do cultivo também foram realizadas análises para atestar a qualidade microbiológica do pescado produzido com o uso de efluentes domésticos tratados. Para tal avaliou-se a contaminação por Salmonella spp., estafilococos coagulase positiva, e coliformes termotolerantes no músculo, pele e brânquias de amostras das tilápias produzidas. Foram utilizados como valores de referência a Resolução RDC no 12 da Anvisa (BRASIL, 2001) e as diretrizes propostas pela FDA, agência americana responsável por controlar medicamentos e alimentos (U.S. Food and Drugs Administration - USFDA, 2011), para Salmonella spp., estafilococos coagulase positiva; e as recomendações propostas pela Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas para Alimentos (THATCHER, 1986), para coliformes termotolerantes.
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO Tabela 2: Resultado médio ± desvio padrão dos indicadores de qualidade de água dos tratamentos experimentais testados.
Tabela 3: Resultados médios ± desvio padrão dos parâmetros zootécnicos das tilápias do Nilo cultivadas nos três tratamentos experimentais testados.
kg.ha−1 .dia−1 para R2 e 31,5 kg.ha−1 .dia−1 para RT. RENGONI et al., 2008). Nos três tratamentos experiBoscolo et al. (2001), testando duas diferentes li- mentais foi utilizada a mesma densidade experimental, nhagens de tilápia tailandesa, alcançaram valores de CA 3,0 peixes m−3 , o que resultou em 150 peixes por vide 1,20 e 1,65. Já Silva et al. (2006b), usando diferen- veiro, sendo o custo individual de R$ 0,095 alevino−1 , tes composições de ração no cultivo de tilápia do Nilo, o custo total com alevinos foi de R$ 14,25, igualmente alcançaram valores de CA de 1,69 e 1,94, respectiva- para os três tratamentos. mente. O pior resultado foi obtido no tratamento que foi Na Tabela 5 estão expostos os custos parciais com ofertada a quantidade total de ração (RT), 1,94, o que ração e alevinos, o valor do peixe com aproximadafoi semelhante aos valores alcançados em outras pes- mente 200 g vendido diretamente pelo produtor no esquisas. Já o valor de CA obtido no tratamento em que tado do Ceará em outubro de 2014, a produção total foi ofertada metade da ração indicada ( R2 ), 0,63, ficou (biomassa total - BT) e os indicadores utilizados na avabem abaixo dos alcançados pelos autores citados. É vá- liação econômica. É válido salientar que a tilápia com lido citar o resultado obtido no tratamento em que não essa gramatura é fora do padrão normal de comercialifoi ofertada ração (SR), no qual a CA foi zero, sendo o zação, a qual no estado do Ceará atualmente é comercializada em média 1,0 kg de peso, conforme observado alimento natural a fonte nutricional dos peixes. Podem-se observar na Tabela 4 as características das pelos autores no mercado local. rações utilizadas, assim como as quantidades consumiSegundo Silva et al. (2003), o custo elevado com radas e os custos das mesmas nos três tratamentos expe- ção, notadamente nos sistemas mais intensivos de prorimentais. dução de peixes, é o fator que deve merecer atenção O preço médio das rações utilizadas foi de R$ especial por parte dos pesquisadores e produtores. Nas 2, 69kg −1 . A ração é o item com maior peso na com- análises realizadas por Andrade et al. (2005) e Scorvo posição do custo na piscicultura (CRIVELENTI et al., Filho et al. (2006), a ração teve participação de 41,70%, 2006). 52,19% e 63,10% do custo total, respectivamente. Já A melhor produtividade e viabilidade econômica Vera-Calderón e Ferreira (2004), acompanhando três em sistema de piscicultura semi-intensivo, sem taxa de pisciculturas diferentes no estado de São Paulo, verifirenovação de água dos tanques podem ser alcançadas caram que os custos com ração foram 43,33%, 58,30% quando utilizada densidade de até 3,0 peixes m−3 (MA- e 62,74% dos custos totais. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015 38
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO Tabela 4: Característica, consumo e custo da ração utilizada nos três tratamentos experimentais testados.
Tabela 5: Custos e resultados dos indicadores econômicos avaliados nos três tratamentos experimentais testados.
No presente experimento a participação da ração no custo de produção foi inexistente no tratamento sem fornecimento de ração (SR), 73,08% no tratamento que recebeu a metade da quantidade de ração ( R2 ), e 84,41% no tratamento que recebeu a quantidade total de ração indicada pelo fabricante (RT). É válido salientar que foram considerados apenas os custos com ração e alevinos, por esse motivo a participação da ração foi muito significativa. No tratamento em que não foi ofertada ração (SR), a BT (biomassa total média produzida) foi de 21,4 kg. Com isso, foi obtida receita bruta (RB) de R$ 85,60, com o custo operacional parcial (COP) de apenas R$ 14,25, gerando uma receita líquida parcial (RLP) de R$ 71,35, com incidência de custo (IC) de R$ 0,67 kg−1 . No tratamento em que foi ofertada a metade da quantidade de ração indicada pelo fabricante ( R2 ), a BT foi maior que no tratamento anterior, chegando a 27,5 kg, o que gerou uma RB de R$ 110,00. Porém, o COP foi bem mais alto, R$ 52,95, gerando uma RLP de R$ 57,05, com IC de R$ 1,93 kg−1 , valor 288% maior que o obtido no tratamento que não foi ofertada ração.
Em relação a avaliação de contaminação microbiológica no pescado produzido, não foi observada presença de Salmonella spp. em nenhum dos três tecidos analisados. Para estafilococos coagulase positiva todos os resultados foram abaixo de 3,0 UFC g−1 e para coliformes termotolerantes todas as amostras apresentaram valores menores que 10,0 NMP −1 . Estes valores coincidiram com os obtidos por Fontenele; Santos; Mota (2013) em condições experimentais semelhantes às adotadas na presente pesquisa. Os padrões ditados pela legislação em vigor para pescado consumido após cozimento estabelece como padrão a ausência de Salmonella spp. nos tecidos analisados (ausência 25g1 ); para estafilococos coagulase positiva o valor de referência é 103 UFC g−1 ; e para coliformes termotolerantes os valores devem ser menores que 10,0 NMP g−1 . Desta forma, segundo os valores de referência da Resolução RDC no 12 da Anvisa (BRASIL, 2001) e das diretrizes propostas pela FDA, agência (USFDA, 2011), e pela Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas para Alimentos (THATCHER, 1986), o pescado produzido apresentou condições sanitárias satisfatórias para o consumo humano.
Já no tratamento que foi ofertada a quantidade total de ração indicada pelo fabricante (CR), a BT foi a menor entre as três, 18,0 kg, gerando também a menor RB, 4 Conclusão R$ 72,00, com o maior COP, R$ 91,39, sendo maior que a do tratamento em que não foi ofertada ração aproxi- O esgoto doméstico tratado mostrou-se apropriado para madamente 641%. Esse fato gerou RLP negativa de R$ o abastecimento de viveiros de cultivo de tilápias do 19,39, isto é, ocorreu prejuízo. O IC de R$ 5,08 kg−1 é Nilo. Os maiores índices de produção foram alcançamaior 758,2% maior que o resultado do tratamento em dos pelo tratamento em que foi ofertada a metade da que não foi ofertada ração e 263,2% que do tratamento ração indicada pelo fabricante, porém, seus altos cusem que foi ofertada a metade da quantidade de ração tos operacionais causaram elevada incidência de custo. O tratamento com fornecimento da quantidade total de indicada pelo fabricante. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 34 - 40, nov. 2015 39
AVALIAÇÃO TÉCNICA ECONÔMICA DE TILÁPIAS CULTIVADAS COM DIFERENTES TAXAS DE ALIMENTAÇÃO EM ESGOTO DOMÉSTICO TRATADO
ração indicada pelo fabricante apresentou os maiores custos associado aos índices mais baixos de produção, inviabilizando economicamente o cultivo nessas condições, pois a receita liquida tornou-se negativa. O tratamento que não utilizou ração apresentou os custos mais baixos, configurando-se como o tratamento mais viável economicamente. As análises de contaminação microbiológica mostraram que o pescado produzido apresentou condições sanitárias satisfatórias para o consumo humano. Propõe-se a realização de novos experimentos, com outras variações da rotina alimentar, no intuito de desenvolver uma metodologia de cultivo para estas condições que apresente melhores resultados técnicos e econômicos. 5
MARENGONI, N. G.; BUENO, G. W.; JÚNIOR, A. C. G.; OLIVEIRA, A. A. M. d. A. Desempenho produtivo e viabilidade econômica de juvenis de tilápia-do-nilo cultivados na região oeste do paraná sob diferentes densidades de estocagem. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, v. 9, n. 2, 2008. MOTA, S.; AQUINO, M. d.; SANTOS, A. d. Reuso de águas em irrigação e piscicultura. Fortaleza: UFCE/Centro de Tecnologia, 2007. SANTOS, E. S. d.; MOTA, S.; SANTOS, A. B. d.; MONTEIRO, C. A. B.; FONTENELE, R. M. M. Environmental sustainability evaluation of the treated sewage use in aquaculture. Engenharia Sanitaria e Ambiental, SciELO Brasil, v. 16, n. 1, p. 45–54, 2011.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos Programas Prosab / Finep, ao CNPq, e à Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), pelo apoio para realização da pesquisa. REFERÊNCIAS APHA. Standard methods for the examination of water and wastewater. 19. ed. Washington: APHA/AWWA WPCF, 2005. COLT, J. Water quality requirements for reuse systems. Aquacultural Engineering, Elsevier, v. 34, n. 3, p. 143–156, 2006. CRIVELENTI, L. Z.; BORIN, S.; PIRTOUSCHEG, A.; NEVES, J. E. G.; ABDÃO, É. M.; ACADÊMICA, U. et al. Desempenho econômico da criação de tilápias do nilo (oreochromis niloticus) em sistema de produção intensiva. Rev Vet Notícias, v. 12, p. 117–122, 2006. EL-SHAFAI, S. A.; EL-GOHARY, F. A.; NASR, F. A.; STEEN, N. P. van der; GIJZEN, H. J. Chronic ammonia toxicity to duckweed-fed tilapia (oreochromis niloticus). Aquaculture, Elsevier, v. 232, n. 1, p. 117–127, 2004. KELLNER, E.; PIRES, E. C. Lagoas de estabilização: projeto e operação. [S.l.]: ABES, 1998. KUBITZA, F. Tilápia: tecnologia e planejamento na produção comercial. [S.l.]: Ed. do Autor, 2000.
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O ECOSSISTEMA MANGUEZAL: O PAPEL DOS PESCADORES ARTESANAIS R ITA M ARIA VASCONCELOS L OUZADA A LBUQUERQUE , E LCIANE M ARIA DO NASCIMENTO FARIAS , R AFAELA C AMARGO M AIA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Acaraú <ritavasconceloslouzada@gmail.com>, <elciane94@hotmail.com>, <rafaelamaia@ifce.edu.br> Resumo. Os bosques de mangue constituem considerável patrimônio nos aspectos socioeconômico e ecológico, sendo importante fonte de alimento e sustento de comunidades litorâneas de pescadores artesanais. A biodiversidade deste ecossistema está sendo alterada pela ação antrópica especialmente pelo desmatamento, disposição inadequada de resíduos e pesca predatória. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo conhecer a percepção ambiental dos pescadores artesanais de duas áreas pesqueiras no município de Acaraú- CE sobre o ecossistema manguezal. Para isso de Agosto a Outubro de 2013, 10 questionários composto de 25 perguntas foram aplicados para os pescadores artesanais em cada uma das duas áreas de estudo. As entrevistas foram realizadas após a chegada dos pescadores do mar e a coleta de dados aconteceu individualmente. Foi constatado que os pescadores apresentam percepções ambientais distintas em resposta à identidade cultural que apresentam com a área onde realizam suas atividades. A fim de garantir o uso sustentável do ecossistema manguezal no estuário do rio Acaraú, as ações de Educação Ambiental devem ser contínuas e realizadas em parceria entre associações de pescadores e os órgãos ambientais competentes. Palavras-chaves: Impacto ambiental. Mangue. Pesca artesanal. Abstract. The mangroves forests constitute considerable heritage in the socio-economic and ecological aspects. Furthermore, they are an important source of food and sustenance for coastal fishing communities. The biodiversity of this ecosystem is being altered by human activities especially by deforestation, improper disposal of waste and overfishing. In this way, this paper aimed to assess the environmental perception of artisanal fishermen from two fishing communities about the mangrove ecosystem. These two fishing communities are located in the city of Acaraú, state of Ceará. To collect this information, ten questionnaires containing twenty-five questions were applied to artisanal fishermen from august to october of 2013 in both areas of this study. The interviews were conducted after the arrival of the fishermen from the sea, and the data were collected individually. After analyze the data, it was found that fishermen have different environmental perception in response to their cultural identity and the area where they develop their activities. In order to ensure the sustainable use of the mangrove ecosystem present in the estuary of the Acaraú River, environmental education actions must be continuously carried out through partnership between fishermen’s associations and relevant environmental authorities. Keywords: Environmental impact. Mangrove. Artisanal fisheries. 1
INTRODUÇÃO
seguintes: sustentação a cadeia trófica costeira, por estar localizado em zonas de estuário, recebendo e concentrando nutrientes de águas ricas vindas de rios e do mar; renovação da biomassa costeira, proporcionando condições favoráveis para a reprodução de várias espécies, inclusive as que possuem importância comercial e importantes áreas de alimentação, refúgio e nidificação de algumas espécies contribuindo assim para a manutenção da diversidade biológica (PEREIRA FILHO;
O manguezal é um ecossistema costeiro tropical, de transição entre ambientes terrestres e marinhos, sujeito ao regime das marés, dominado por espécies vegetais típicas, as quais se associam a outros componentes vegetais e animais (FEITOSA, 2011). Essas regiões apresentam diversas funções naturais de grande importância ecológica e econômica, dentre as quais se destacam as Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015
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ALVES, 1999).
2 2.1
A intensa utilização desses recursos naturais ameaça a existência do ecossistema, principalmente porque muitas dessas regiões litorâneas se tornaram grandes centros populacionais e econômicos (SCHAEFFERNOVELLI et al., 2000). Segundo AraÚjo e Freire (2007), esse ecossistema está sujeito há uma grande vulnerabilidade ocasionada pelo homem, causando diversos desequilíbrios em áreas naturais, especialmente pela disposição inadequada de resíduos sólidos, provocando a danificação da vida marinha por meio de sufocamentos, ferimentos, doenças e posteriormente, estágio de morte das espécies (DIAS FILHO et al., 2011). Estes processos destrutivos têm se concentrado principalmente nas áreas mais utilizadas pela pesca artesanal, incidindo no atendimento às necessidades proteicas alimentares e econômicas dos pescadores que retiram desse ecossistema sua subsistência (DIAS; ROSA; DAMASCENO, 2007). Entretanto, frequentemente, esses profissionais são responsáveis por impactos causados ao ecossistema pelas atividades de sobrepesca e produção de resíduos provenientes das artes de pesca (COSTA; CORDEIRO, 2010; SECUNDO JUNIOR; SHIMABUKURO; MAIA, 2012). Sendo de fundamental importância a realização de projetos de educação ambiental com esse público-alvo pois a interação entre saberes pode possibilitar mudança na forma das condutas locais e a mobilização de políticas públicas (LAYRARGUES, 2006).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Manguezal e sua importância
O ecossistema manguezal se distribui em estuários, lagunas e enseadas de regiões tropicais em todo o mundo (FEITOSA, 2011). No Brasil, o ecossistema manguezal ocupa uma fração significativa do litoral, cerca de 92% da linha de costa entre o extremo norte no Estado do Amapá até seu limite sul em Santa Catarina (SCHAEFFER-NOVELLI et al., 1990; SCHAEFFERNOVELLI et al., 2000). No estado do Ceará, de forma geral, as florestas de mangue ocorrem em pequenas extensões e estão limitadas aos sistemas estuarinos, onde existe menor impacto da alta concentração de sais induzida pelo clima seco, com formação de importantes planícies hipersalinas e onde se encontram áreas abrigadas do hidrodinamismo (SCHAEFFER-NOVELLI et al., 1990). O manguezal é responsável, junto com os recifes de coral, pela manutenção da alta diversidade biológica encontrada nas regiões costeiras tropicais de todo o mundo (SCHAEFFER-NOVELLI et al., 1990; SCHAEFFER-NOVELLI et al., 2000). No entanto, o fator que mais tem contribuído para o destaque do manguezal como ecossistema é o fato de ser considerado vital para a manutenção dos estoques pesqueiros (MANSON et al., 2005). Esses ambientes funcionam como habitat e sítios reprodutivos para diversas espécies, servindo para acomodação de suas desovas e acasalamento, constituindo um ambiente de grande importância ecológica (COELHO; SANTOS, 1989). A sua importância econômica está diretamente relacionada à maneira como os pescadores artesanais utilizam este ecossistema para as suas atividades profissionais e subsistência. Nesses ambientes, eles retiraram o sustento de sua família de forma imediata, fortalecendo para o uso inadequado dos materiais para a arte de pesca, o que causa impacto, é necessário, portanto, um movimento em busca de preservação desses ecossistemas (PEREIRA, 2008).
A região do estuário do rio Acaraú, corresponde uma área de 80 km2 , ocupada pelo ecossistema manguezal, que apesar de se encontrar degradada, é extremamente utilizada pelos pescadores artesanais, fazendo-se necessário um diagnóstico sobre essas áreas que sofrem devido à intervenção humana e refletem para a população local (ARAÚJO; FREIRE, 2007). Portanto, nesse contexto, se fazia necessário um processo de sensibilização ambiental com os pescadores da 2.2 Fauna e Flora dos manguezais região sobre os impactos ambientais causados ao ecossistema e o que fazer para evitá-los. Nesse contexto, o Os vegetais e animais encontrados nos diversos habiobjetivo geral desse trabalho foi conhecer a percepção tats de manguezais estuarinos podem sofrer variação a ambiental dos pescadores artesanais de duas áreas pes- certas sazonalidades sendo que muitas dessas espécies queiras, a região portuária do centro de Acaraú e a praia desempenham claramente um papel ambiental e social de Arpoeiras sobre o ecossistema manguezal, caracteri- nessas (ALCÂNTARA, 2000). De maneira geral, no zando os aspectos socioeconômicos dos pescadores ar- Brasil são registradas as seguintes espécies florísticas: tesanais e diagnosticando a atividade pesqueira, locais, Rhizophora mangle L., Avicennia germinans (L.) Stemétodos e apetrechos utilizados para a captura a fim de arn., Avicennia schaueriana Stapft & Leechm. Conodirecionar o processo de percepção ambiental por meio carpus erectus L. e Laguncularia racemosa R. (Gaertn) de ações de educação ambiental. como árvores mais frequentes (LACERDA, 2003). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015 42
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Entre as espécies animais aproveitadas economicamente, podemos destacar, os peixes tainhas (Mugilidae), robalos (Serranidae) e manjubas (Engraulidae) além do extrativismo de macroinvertebrados bentônicos, como os moluscos bivalves, Crassostrea rhizophorae (Guilding, 1828), Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791), Mytella falcata (Orbigny, 1846) e os crustáceos decápodas Ucides cordatus (Linnaeus, 1763), Goniopsis cruentata (Latreille, 1803), Aratus pisonii (H. Milne Edwards, 1837) e Penaeus spp (BRAGA, 2000).
tico e o isopor soltos de embarcações são confundidos com alimentos e ingeridos pelas espécies encontradas no ambiente marinho, podendo acumular-se no aparelho digestivo dos animais, impedindo a alimentação e interferindo na flutuação e, até mesmo, na respiração. Posteriormente sua mortalidade ocorre principalmente por subnutrição, afogamento ou asfixia (OLIVEIRA, 2008).
2.3
2.4
A pesca artesanal e os impactos ambientais no manguezal
Educação Ambiental e a conservação do ecossistema manguezal
D’Ávila, Torres e Vargas (2011) relatam que a pesca artesanal é constituída por meio de um componente de es- O processo de gestão ou manejo ecológico nessas áreas tudo complexo, recebendo influência do ambiente defi- de manguezais exige não somente considerações socinidas por aspectos culturais e socioeconômicos e técni- oeconômicas, como também conhecimentos sobre seus cas de produção. É uma atividade que se utiliza de mão sistemas biológicos e os processos físicos. Daí a necesde obra familiar, praticada em grupo ou de forma in- sidade de se implantar e consolidar ações e programas dividual, com equipamentos artesanais simples, desen- de educação ambiental que desenvolvam um saber não volvidos muitas vezes pelos próprios pescadores. Essas puramente científico e pouco prático, mas um saber críatividades estão cada vez mais ameaçadas pela redu- tico e contextualizado. A Educação Ambiental tem que ção na produtividade de pescado que pode está atribuída suportar a possibilidade do real potencial de mudança à pesca estuarina intensa com apetrechos predatórios e do homem para com seu meio circundante que devem pela degradação do habitat (ALCÂNTARA, 2000). fazer referência essencialmente à busca da qualidade de Segundo Window (1992) os principais poluentes no vida, objetivando uma harmonia do ser humano com ambiente marinho são os resíduos sólidos: metais pesa- seu meio, natural ou não, sendo um processo histórico dos, hidrocarbonetos (derivados de petróleo), compos- que requer tempo, é persistente e dinâmico (MERGUtos orgânicos sintéticos e sedimentos mobilizados pelo LHÃO; VASAKI, 1998). homem. De acordo com a Associação Brasileira de Diversos trabalhos de Educação Ambiental já foNormas Técnicas NBR 10.004, esses materiais oriunram realizados para o ecossistema manguezal a fim de dos da atividade humana são considerados pelos gerasensibilizar sobre os mais diversos tipos de impactos, dores como inúteis, indesejáveis e descartáveis, dessa entre eles, podemos destacar Rodrigues e Farrapeira forma deveriam ser adequadamente destinados a esta(2008) em escolas públicas de Pernambuco e Paranações de tratamento, desde que não causassem danos à guá (2011) com uma comunidade ribeirinha no Canal saúde pública nem ao meio ambiente. de Santa Cruz, Bahia. Porém, poucos trabalhos foram Uma das maiores fontes de impactos ambientais realizados com pescadores artesanais atuantes nesses oriundos das atividades pesqueiras, de acordo com ambientes. DIAS FILHO et al. (2011) é a presença de resíduos, que fomentam vários prejuízos socioeconômicos, estes são De acordo com Pereira (2008), devido à existência provenientes de embarcações pesqueiras e correspon- de problemas ambientais, a educação ambiental com dem, principalmente de isopor e madeira de embarca- pescadores procura manter uma relação com base em ções que influenciam no processo de recomposição na- articulações às lutas sociais e à preservação, tendo o tural do ecossistema. O lixo, assim como o óleo prove- reconhecimento de processos reversíveis e outros irreniente de embarcações, presente em áreas de captura de versíveis, com base nas semelhanças econômicas enespécies aquáticas influencia diretamente na estrutura e contradas. Partindo dessa hipótese a educação ambienno funcionamento do ecossistema, de maneira incisiva tal como um processo de sensibilização, conhecimento, na qualidade da água do estuário, uma vez que se fi- comportamento, habilidade e participação para com a xam em áreas com maior densidade de mangue juvenis, sociedade ribeirinha, tendo em vista, que não se pode impedindo ou dificultando o seu crescimento e a ger- utilizar a mesma metodologia em relação a uma área minação de novas plântulas (SILVA, 2006; SECUNDO com baixa ação do homem a uma área que reside sobre JUNIOR; SHIMABUKURO; MAIA, 2012). O plás- as margens de um rio poluído (RODRIGUES, 1997). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015 43
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3 3.1
MATERIAL E METODOS Áreas de Estudo
Esse estudo foi desenvolvido em duas áreas pesqueiras no município de Acaraú (Figura 1(a)), litoral oeste do Estado do Ceará, com clima predominantemente tropical e temperatura média de 27◦ C. As coletas de dados foram realizadas da na praia de Arpoeiras, (02◦ 50’ 27"S, 40◦ 04’ 94"W) local onde os impactos antrópicos são menores, sendo possível perceber a abundância de espécies tanto da fauna como da flora (MAIA, 2010) (Figura 1(b)) e na Região Portuária, localizada no centro do município Acaraú, (02◦ 49’94"S, 40◦ 05’14"W) onde o manguezal se encontra muito impactado pela disposição inadequada de resíduos sólidos provenientes de artes de pesca (SECUNDO JUNIOR; SHIMABUKURO; MAIA, 2012) (Figura 1(c)) . A pesca é uma atividade socioeconômica característica das duas regiões de estudo. 4
PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS COMUNIDADES PESQUEIRAS
(a)
Buscando observar e avaliar o grau de degradação do manguezal devido aos impactos causados pelas atividades pesqueiras desenvolvidas na região, foram realizadas entrevistas com os pescadores artesanais nas duas áreas de amostragem por meio de um roteiro de entrevistas semi-estruturado. As entrevistas foram realizadas (mencionar o mês e o ano em que os questionários foram aplicados) após a chegada dos pescadores do mar e a coleta de dados aconteceu individualmente, com dez (b) pescadores em cada área. O roteiro de entrevistas era composto de 25 perguntas, que versaram sobre aspectos socioeconômicos dos mesmos, sua renda média por pescaria e se a pesca é a principal fonte de renda familiar. Além disso, o roteiro de entrevistas tratou sobre a identificação das espécies presentes no ecossistema manguezal, conhecimento da fauna e da flora e importância desses componentes para eles (Figura 2). Os pescadores entrevistados tiveram suas respostas registradas em áudio e vídeo sendo posteriormente, as informações digitalizadas em arquivos de texto para a compilação (c) dos dados. A fim de promover a sensibilização ambiental dos pescadores, foram utilizadas fotos que mostravam as di- Figura 1: Área de estudo: a) Mapa da região de estudo indicando as áreas de coleta de dados; b) Praia de Arpoeiras; e c) Região Portuária ferenças entre um manguezal impactado e um não im- do Centro de Acaraú-CE. pactado, destacando ainda as espécies típicas da fauna e flora, ressaltando sua importância para o ecossistema. Após uma breve discussão entre o conhecimento adquirido por eles em contrapartida com o conhecimento científico que foi transmitido, novas perguntas foram feitas sobre a necessidade de conservação e a importância Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015 44
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Figura 2: Questionário sobre o perfil socioeconômico dos pescadores artesanais, principais espécies capturadas no ecossistema manguezal e impactos ambientais.
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do ambiente. 5
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistados 20 pescadores. Dos profissionais entrevistados na Região Portuária, apenas 30% são naturais da região enquanto na Praia de Arpoeiras, 80% vivem na região desde que nasceram. De maneira geral, 85% dos pescadores avaliados retiram seu sustento exclusivamente da atividade pesqueira, o restante realiza atividades associadas à pesca como, por exemplo, trabalho em fábricas de gelo (Região Portuária), trabalho em barracas de praia e agricultura (Praia de Arpoeiras). A renda mensal obtida com essas atividades varia de 1 a 2 salários mínimos na área do Porto, enquanto na área praiana é de até 1 salário mínimo. Em ambas, cinco ou mais pessoas dependem desta renda. Quando questionados sobre as atividades pesqueiras no manguezal, apenas 10% dos pescadores da região portuária afirma extrair algum recurso do manguezal, já na Praia de Arpoeiras, o ecossistema manguezal mostrou-se bastante importante, pois 50% dos entrevistados garantem que utilizam para sua subsistência. Nas áreas estudadas, o Manzoá foi apontado como equipamento mais utilizado na captura das espécies por 39% pescadores que executam suas atividades na região Portuária enquanto na Praia de Arpoeiras, o mais citado foi o curral, representando 37% das citações (Figura 3). Sendo os produtos dessa pesca apresentados na Tabela 1. Pode-se perceber que as espécies coletadas pelos pescadores da região portuária apresentam maior valor comercial, sendo capturadas durante todo o ano (Figura 4). Os pescadores entrevistados quando questionados sobre as atividades de pesca no manguezal ao longo do tempo indicaram fortes mudanças ambientais, conforme podemos perceber abaixo: “Antigamente a negada pescavam muito nas Camboas, quando a maré era grande, eles butavam as cachoeiras no Salgado e pescavam as tainhas pra comer com a família, quando a maré era pequena eles pescavam de rede dentro da água, então ali, pegavam o siri, pegavam a ostra, pegavam o Pacamum que é um peixe que tem dentro da lama, que eles puxam com anzol. Depois que esse manguezal foi cortado, que esse pessoal de fora chegaram e cortaram pra fazer viveiro, acabou com muita coisa, o pessoal da comunidade ninguém deixa cortar o mangue do Salgado” (Pescador da região da Praia).
(a)
(b) Figura 3: Equipamentos de pesca mais utilizados pelos pescadores na captura das espécies a) da Região Portuária de Acaraú e b) da Praia de Arpoeiras, Ceará.
Figura 4: Gráfico mostrando os meses de maior produção do pescado conforme citações dos pescadores nas duas áreas de estudo.
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“O mangue era mais cheio e agora é muito ralado, tudo estão cortando, isso é uma malvadeza” (Pescador da Região Portuária).
Tabela 1: Recursos explorados comercialmente pela pesca artesanal na Região Portuária de Acaraú e na Praia de Arpoeiras, Ceará.
Percebemos assim que há concordância entre as duas comunidades pesqueiras as comunidades, em relação à percepção da preservação observada em algumas décadas passadas em relação ao contraste do declínio observada nos dias de hoje, sendo os principais agentes de impacto o desmatamento e a pesca intensiva (Figura 5). Quando questionados sobre a importância do manguezal, a maioria dos pescadores entrevistados (70% no Porto e 50% na Praia), citaram que o ecossistema garante o sustento de muitas famílias, pois é habitat para muitas espécies.
(a)
(b) Figura 5: Identificação das causas de poluição do manguezal citadas pelos pescadores a) da Região Portuária de Acaraú e b) da Praia de Arpoeiras.
Após o processo de sensibilização ambiental individual realizado, os pescadores tanto da Região do Porto como da Região da Praia foram questionados sobre qual Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015 47
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a importância do manguezal e quais atitudes tomariam para preservar o mangue e as duas Regiões mantiveram o mesmo senso comum, justificando é claro, as respostas mesclaram em “moradia dos caranguejos”, “muitas gente sobrevive da pesca no mangal”, “traz alimento para nossas famílias, que vive disso”. Percebemos que os pescadores da região da Praia se mostram mais propensos a contribuir com a conservação do ecossistema manguezal, diminuindo os impactos ambientais por que são responsáveis, demonstrando conhecimento sobre quais atitudes devem ser tomadas nesse intuito, destacando as ações para evitar o desmatamento (Figura 6).
(a)
(b) Figura 6: Após a sensibilização, importância do manguezal e o que fazer para mudar os impactos causados a) na Região 1 e b) na Região 2.
apetrechos de pesca que podem levar a diminuição da produção de pescado. Esses dados também indicam que na Região da Praia, os pescadores utilizam a pesca principalmente para subsistência e sem o auxílio de embarcações, fato evidenciado pela baixa renda e listagem dos apetrechos de pesca utilizados. Isso pode acarretar numa diminuição de impactos sobre o ecossistema manguezal, especialmente ao que se refere à produção de resíduos. Nessa região, os pescadores também criaram uma identidade cultural com o local, visto que muitos deles nasceram e vivem nessas áreas, levando a uma maior sensibilização diante da problemática ambiental e disposição para mudar a realidade. Os pescadores da região portuária, ao contrário, realizam uma pesca mais extrativista com a utilização de embarcações (evidenciado pelo uso de manzuá) com caixas térmicas para acondicionamento do pescado até sua venda, obtendo uma maior renda proveniente da atividade de pesca. Entretanto, percebe-se que após as pescarias, os barcos são lavados e os resíduos provenientes são depositados no estuário, de maneira irregular, onde podemos destacar restos de isopor e óleo de barco (observação pessoal). Percebe-se que esse público não demonstra uma identidade cultural com a área que executa seu trabalho, sendo em sua maioria nativos de outras regiões, o que possivelmente leva a uma menor preocupação ambiental sobre os problemas encontrados na área de amostragem. Assim, os resultados apresentados no estudo indicam que os pescadores das duas regiões entendem a importância do ecossistema manguezal e estão cientes do que fazer para diminuir os impactos ambientais sobre ele, porém respondem a esse conhecimento de maneira distinta. Acreditamos que o processo de Educação Ambiental é contínuo e não pontual, devendo ser iniciado com um diagnóstico conforme realizado nessa pesquisa. Também sabemos que ações de Educação Ambiental para resolução da problemática encontrada no estuário do Rio Acaraú e o papel dos pescadores nesse processo devem ser realizadas em parceria com os órgãos ambientais competentes, a fim de que seja criada uma política municipal para o gerenciamento dos resíduos provenientes da pesca artesanal. 6
CONCLUSÕES
Os resultados capturados nesse trabalho indicam que os Os dados socioeconômicos dos pescadores entrevis- recursos obtidos por pescadores na Região da praia são tados apresentados aqui corroboram com os dados obti- utilizados principalmente para sua sobrevivência, uma dos por Alcântara (2000) e Silva (2006) que demonstra- vez que, não utilizam embarcações nem apetrechos que ram que populações pesqueiras sobrevivem em grande evidenciam fins lucrativos. Com base nesses dados foi parte de recursos oriundos dos manguezais, utilizando possível desenvolver uma percepção ambiental, devido Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 41 - 50, nov. 2015 48
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à criação de uma identidade cultural. Já na região portuária os pescadores tem como foco principal, o lucro imediato através da atividade da pesca, e não demonstram vínculo cultural com essa região. REFERÊNCIAS ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR n◦ 10.004. 2004. (30.11.2004). ALCÂNTARA, A. V. Caracterização da pesca do estuário do rio vaza-barris, estado de sergipe. In: Anais do MANGROVE 2000. Sustainable use of estuaries and mangrove: challenges and prospects. Recife: [s.n.], 2000. 1 CD. ARAÚJO, M. V.; FREIRE, G. S. S. Utilização de geotecnologias: diagnóstico ambiental do estuário do rio acaraú, ceará, como estudo de caso. Revista Pesquisas em Geociências, v. 34, n. 2, 2007. BRAGA, R. A. P. Caracterização das zonas estuarinas de pernambuco. In: Seminário internacional, perspectivas e implicações da carcinicultura estuárina de estado de Pernambuco. Recife: Editora Bagaço, 2000. v. 1, p. p. 13 – 20. COELHO, P. A.; SANTOS, M. C. F. Crustáceos decápodos e estomatópodos do estuário do rio paripe, itamaracá - pe. In: SOC. NE DE ZOOLOGIA. Anais da Sociedade Nordestina de Zoologia. [S.l.], 1989. v. 3, n. 3, p. 43 – 62. COSTA, T. M.; CORDEIRO, C. A. M. M. Evaluation of solid residues removed from a mangrove swamp in the sao vicente estuary, SP. Brazil Marine Pollution Bulletin, v. 60, p. 1762 – 1767, 2010. DIAS FILHO, M.; SILVA-CAVALCANTI, J. S.; ARAUJO, M. C. B.; SILVA, A. C. M. Avaliação da percepção pública na contaminação por lixo marinho de acordo com o perfil do usuário: Estudo de caso em uma praia urbana no nordeste do brasil. Revista de Gestão Costeira Integrada, v. 11, n. 1, p. 49 – 55, 2011. DIAS, T. L. P.; ROSA, R. de S.; DAMASCENO, L. C. P. Aspectos socioeconômicos, percepção ambiental e perspectivas das mulheres marisqueiras da reserva de desenvolvimento sustentável ponta do tubarão (rio grande do norte, brasil). Gaia Scientia, v. 1, n. 1, p. 25 – 35, 2007.
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ESTUDO PRELIMINAR DA CADEIA DE VALOR DOS PRODUTOS DA SOCIOBIODIVERSIDADE DOS PESCADORES ARTESANAIS DE BARRANCOS, PONTAL DO PARANÁ (PR)
ESTUDO PRELIMINAR DA CADEIA DE VALOR DOS PRODUTOS DA SOCIOBIODIVERSIDADE DOS PESCADORES ARTESANAIS DE BARRANCOS, PONTAL DO PARANÁ (PR) A MANDA C RISTINA F RAGA DE A LBUQUERQUE , ROBERTO M ARTINS DE S OUZA , M ARILENA G. DO ROSÁRIO , M AYCON W. DO C ARMO V IANA , ROGER F. G ONÇALVES , S TEPHANY DE C. ROSA , YAGO R. R EDEDE , L ARISSA DA S. M OLLER , B RAYAN M ELO , JAIR C RIS S. DA S ILVA , C RISTIAN DO NATO , DAMIR S. DA S ILVA , F LORISMAR DE S. DA S ILVA , J OSÉ S ERAFIM DA C OSTA , N ILSON S ERAFIM DA S ILVA , C LEONICE S ILVA DO NASCIMENTO , NADIR S ILVA DO NASCIMENTO , ATAIR S ANTANA DA S ILVA , I SMAIL S ANTANA DA S ILVA Instituto Federal do Paraná - Campus Paranaguá <dinhaalbuquerque@hotmail.com.br>, <roberto.souza@ifpr.edu.br> <mary-gomes12@hotmail.com>, <mayconcarmoviana@hotmail.com>, <feel-g@hotmail.com>, <teterosa66@hotmail.com>, <yagorr_8@hotmail.com>, <laryssa_moller@hotmail.com>, <brayanwmelo@gmail.com>, <cleonice.s.n@hotmail.com> Resumo. O trabalho teve como temática a promoção de cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade na comunidade de pescadores artesanais de Barrancos em Pontal do Paraná, PR. Esse tipo de estudo é incentivado pelo Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, que por intermédio de oficinas específicas dão base à promoção e ao fortalecimento das cadeias de valor com presença de comunidades tradicionais. O objetivo das oficinas se deteve em levantar os produtos da sociobiodiversidade e mapear a cadeia de valor de dois produtos de alta relevância na renda, do camarão e da pescada membeca. O projeto sistematizou a sequência de processos produtivos, operadores, entidades de apoio e órgãos de regulação das duas cadeias, apontando seus limites e desafios na gestão da economia familiar da comunidade. Os resultados dos estudos preliminares apresentam uma situação que contradiz parcialmente o discurso hegemônico de base preservacionista e produtivista, pois os pescadores de Barrancos demonstram uma consciência ecológica no uso comum dos recursos naturais. Assim, denota-se que as cadeias pesquisadas e por consequência os pescadores artesanais sofrem impactos pelas políticas públicas promotoras da pesca industrial, pela criação de unidades de conservação de uso integral e pelo atual ordenamento pesqueiro. Palavras-chaves: Pescadores artesanais. Cadeia de valor. Produtos da sociobiodiversidade. Economia familiar. Desenvolvimento local sustentável. Abstract. The work had as its theme the promotion of the value chains of products of the sociobiodiversity in artisanal fishermen community of Barrancos in Pontal do Paraná, PR. This type of study is encouraged by the National Plan for the Promotion of the Sociobiodiversity Products Chains, that through specific workshops helps promote and strengthen the value chains with presence of traditional communities. The objective of the workshops was to identify the socio-biodiversity products and map the value chain of two highly relevant products in income - shrimp and hake Membeca. The project systematized the sequence of processes production, operators, supporting organizations and regulatory bodies of the two chains, and was appointed the limits and challenges in managing the household economy of the community. The results of preliminary studies show a situation that partially contradicts the hegemonic discourse of logic, preservationist and productivist, because the fishermen of Barrancos demonstrate an environmental awareness in the common use of the natural resources. Thus, it can be noted that the chains surveyed and therefore artisanal fishermen are impacted by public policies promoting industrial fishing, by creation of conservation units of integral use, and by current fisheries management. Keywords: Artisanal fishermen. Value chain. Products sociobiodiversity. Family economy. Sustainable local development. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 51
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INTRODUÇÃO
No Brasil existem aproximadamente 957 mil pescadores artesanais, dos quais a produção equivale a 45% do total do pescado anual do país (MPA, 2011). Já no litoral do Paraná toda a produção de pescado se deve aos 10.000 pescadores artesanais estimados pelo MOPEAR1 . Sendo que no município de Pontal do Paraná existem em torno de 551 famílias de pescadores artesanais em 23 comunidades tradicionais pesqueiras, que em 2005 produziram 2600 toneladas de pescado, segundo a EMATER (em fase de elaboração)2 . Os pescadores de Barrancos, na ocasião da pesquisa somaram 36 famílias de pescadores artesanais, ou aproximadamente 120 pescadores. Ou seja, essa modalidade de pesca tem significativa participação na economia tanto das famílias pescadoras, quanto do município de Pontal do Paraná. Os pescadores de Barrancos são alguns dos pescadores artesanais do Brasil que buscam o reconhecimento dentro da categoria de povos tradicionais e o fortalecimento do território do qual dependem para a realização da pesca. A pesca artesanal é para além de uma atividade econômica, um modo de vida, reconhecido pela legislação na categoria de povos tradicionais (Decreto n◦ 6040, de 7 de fevereiro de 2007). Entretanto, esse direito só será conquistado com a luta pela construção identitária, processo já iniciado, por exemplo, pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná (MOPEAR). Para os pescadores artesanais a relação entre a pesca e a natureza se dá diferente de outros tipos de pesca, particularmente da industrial, tanto que a organização social e da atividade dependem diretamente de aspectos naturais relacionados aos conhecimentos tradicionais, e a capacidade de permanência e tecnologia de que dispõem para a pesca. Como apontam também trabalhos semelhantes ao de Pereira e Diegues (2010), diferente da pesca industrial, as práticas tradicionais dos pescadores artesanais implicam na maioria das vezes na conservação dos recursos naturais, o que pode ser apoiado pela comparação entre os impactos de produção dos dois tipos de pesca, devido às diferenças entre equipamentos e técnicas. Mesmo com estas diferenças entre os tipos de pesca não há em todas as regiões do Brasil total distinção de tratamento delas. No litoral do Paraná existe ainda a visão de que a pesca artesanal e a industrial geram o mesmo risco ao meio ambiente, e, assim, limitações estão sendo impostas igualmente as duas, porém com 1 Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná (MOPEAR). 2 Fonte EMATER (Dados não publicados).
maiores consequências aos pescadores artesanais. Situação que vêm acontecendo, por exemplo, com a delimitação de área para a pesca pela criação de áreas de proteção ambiental e por algumas políticas públicas voltadas à pesca - milha náutica instituída pela Instrução Normativa MMA n◦ 29, de 6 de dezembro de 2004 e o Parque Nacional Marinho de Ilha dos Currais instituída pela Lei n◦ 12.829, de 20 de junho de 2013. Somando-se a isto, a pesca artesanal no Paraná se encontra limitada por efeitos antrópicos sobre os recursos naturais, como a catástrofe da explosão do navio Vicuña em 2004, e a competição desigual com a pesca industrial. Barcos pesqueiros de maior porte de outros estados adentram na área de pesca dos pescadores artesanais e capturam os recursos pesqueiros em proporções maiores, o que resulta em sérios efeitos aos estoques, como indicado por pescadores no trabalho de Andreoli (2007). Em vista destes desafios impostos a comunidades de pescadores artesanais, e no caso específico da comunidade de Barrancos, o presente trabalho teve como temática a promoção de cadeias de valores de produtos da sociobiodiversidade3 na comunidade de pescadores artesanais de Barrancos, Município de Pontal do Paraná. Esse tipo de estudo vem sendo incentivado desde 2009 pelo Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB), que por intermédio de metodologias específicas dão base à promoção e ao fortalecimento das cadeias de valor em que existe a forte presença de comunidades tradicionais. Os pescadores de Barrancos ao fornecerem, durante as oficinas da sociobiodiversidade, as informações sobre a cadeia de valor de produtos específicos - camarão branco (Litopenaeus schimitti); camarão sete barbas (Xiphopenaeus Kroyeri) e pescada membeca (Macrodon ancylodon) - iriam viabilizar o conhecimento acerca dos entraves da atividade e indicações de planos para o aprimoramento da cadeia, possibilitando agregar maior valor ao produto. Além disso, uma cadeia fortalecida poderá garantir que os mesmos continuem tendo acesso à área na qual encontram os recursos naturais, já utilizados há décadas. De maneira geral pretende-se que o trabalho em questão possa servir como uma ferramenta que colabore com os pescadores artesanais no sentido de mostrar esta face da realidade social e ambiental, ou seja, que é possível realizar um desenvolvimento local sustentável por 3 Bens e serviços gerados a partir de recursos da biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse das comunidades tradicionais, que promovam a manutenção de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e promovendo a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem (GIZ, 2012).
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meio da pesca artesanal, resolvendo-se com isso a injustiça ambiental. As cadeias de valores de produtos da sociobiodiversidade como em trabalhos anteriores também podem colaborar com proposições aos vários desafios já postos. Espera-se que esse estudo colabore com a superação da visão que se produziu no litoral de que os pescadores artesanais são um risco à conservação dos recursos pesqueiros e, sim, de comunidades tradicionais que dentro da sociedade possuem a sua importância econômica e social, assim como seus direitos, e que estes devem ser respeitados. 2
METODOLOGIA
O estudo começou como parte da disciplina de Economia do curso técnico de Aquicultura no momento em que se abordavam cadeias de valores de produtos da sodiobiodiversidade. Como base para estas aulas se utilizou o “Guia Metodológico de Implementação de Oficinas de Promoção de Cadeias de Valor”, material elaborado a partir do método Value Links Biodiversidade desenvolvido pela GTZ (Agência de Cooperação Alemã) e incentivado pelo PNPSB. A metodologia da Vale Links refere-se a um conjunto de técnicas para promover o desenvolvimento econômico local através do fortalecimento de cadeias de valores de produtos oferecidos por comunidades agroextrativistas. Estas técnicas têm como princípio a atuação efetiva e em conjunto dos diferentes participantes e instituições envolvidos na cadeia dos produtos da sociobiodiversidade, com o intuito de que pela articulação das estratégias de melhoria compartilhadas pelos interesses comuns se alcance o aperfeiçoamento da mesma (GTZ, 2009). O método é empregado geralmente na forma de oficinas realizadas em três ou mais etapas que se iniciam com a análise da realidade local, uma visão preliminar da situação produtiva do local e das pessoas envolvidas, em seguida pela construção do mapa da cadeia, o qual servirá de elemento de debate para as demais fases. Os próximos passos envolvem o planejamento das ações e acordos para estruturar a cadeia e a formação de grupos de governança que se responsabilizem pela concretização dos objetivos, principalmente, por meio de projetos que darão continuidade as oficinas (GTZ, 2009). Indiferente do numero de etapas, vale destacar que a metodologia Value Links Biodiversidade se aplica de forma continua e com constante atuação dos atores da cadeia, mesmo que o processo se inicie por meio de facilitadores4 a continuidade depende dos atores que devem manter o monitoramento e os replanejamentos. 4 Profissionais com conhecimento das oficinas da sociobodiversidade, geralmente extensionistas.
Em meio às aulas teóricas de mapas de cadeia valor de produtos surgiu a oportunidade de articular conhecimentos técnicos com tradicionais através de um estudo preliminar de cadeia de valor na comunidade de pescadores artesanais de Barrancos, o que promoveria um enlace entre a pesquisa, o ensino e a extensão. Os primeiros contatos ocorreram no mês de julho de 2013 por intermédio do professor coordenador5 da disciplina de Economia do Curso de Aquicultura do IFPR, que visitou a comunidade para apresentar a proposta sobre estudos da sociobiodiversidade local na comunidade. A comunidade de Barrancos localiza-se no município de Pontal do Paraná (PR), e possui a peculiaridade de ser composta, em sua grande maioria, por pescadores e pescadoras artesanais, que possuem uma economia baseada na pesca do camarão e diversos pescados (robalo, tainha e pescadinha). Uma das principais razões do interesse pelo estudo por parte das lideranças desta comunidade deve-se aos princípios das oficinas da sociobiodiversidade, particularmente o de poder colaborar com a reafirmação da identidade de comunidades tradicionais. O trabalho realizado com os pescadores artesanais seguiu a mesma linha da metodologia Value Links, mas com modificações devido às limitações de abordagem dos alunos. Uma destas limitações esteve relacionada à impossibilidade de envolver outras instituições e atores de cadeia, fora os pescadores artesanais, nas oficinas, o que dificultou a aplicação da metodologia por completo. Neste sentido a proposta do trabalho se deteve na parte inicial da metodologia Value Links, como análise da realidade local, mapeamento da cadeia e levantamento preliminar de desafios e de possíveis ações que os atendam. Como a continuidade do método depende da articulação dos demais atores, o restante dos passos não estava incluído no estudo. Mas ficou o compromisso de entregar o produto do trabalho para a comunidade na forma de um relatório de pesquisa, inclusive os dados base coletados em registros de fotos, tabelas e imagens. Relatório que poderá garantir tanto a soberania das informações e autoria da publicação na comunidade quanto servir de material de apoio para futuros trabalhos que visem também reafirmar a identidade de pescadores artesanais associando a diversidade de pescados ao território pesqueiro tradicionalmente utilizado pela comunidade. Durante as oficinas os estudantes seguiram as orientações do guia metodológico para facilitadores, ou seja, forneceram o maior espaço possível para que os pesca5 Prof. Roberto Martins de Souza, coordenador deste componente curricular a partir de 2013.
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dores levantassem suas experiências e conhecimentos sobre os assuntos, pois os atores da cadeia devem ser os protagonistas no processo. Elas foram todas realizadas dentro da comunidade em datas pré-estabelecidas com os pescadores para não prejudicar as suas atividades rotineiras, e os mesmos se propuseram a convidar os interessados.
deles recebiam avaliação “0” por não ter representatividade na renda, para os valores mais altos eles consideraram o cruzamento de informações como a pesca mais frequente ao longo do ano com preços altos e demanda constante no mercado. Pela análise das duas colunas eles definiriam o produto e a oficina daria continuidade, mas, além disso, A primeira oficina de sociobiodiversidade ocorreu a hipótese era de que a tabela também contribuísse no dia 11 de setembro de 2013 e teve como finalidade para associar à diversidade de pescados ao território levantar informações referentes à realidade da comu- pesqueiro tradicionalmente utilizado pela comunidade, nidade e dos processos produtivos da pesca. Após as particularmente cruzando as duas primeiras tabelas, o apresentações dos alunos e dos participantes, e da des- número de produtos da biodiversidade utilizados, da crição do objetivo das oficinas, conversou-se com eles primeira coluna, e a região em que eles frequentemente sobre temas como “o que é ser um pescador artesanal são pescados, na coluna localização. naquela comunidade”, bem como as dificuldades enAs duas últimas colunas, situação atual e dificulfrentadas para realizar suas práticas tradicionais, para dades, foram a maneira que se encontrou de sintetizar compreender como eles se definem, quais suas práticas os relatos sobre a visão deles da realidade do processo e conflitos socioambientais, ou seja, uma aproximação produtivo, como desafios, dificuldades e oportunidades. com a realidade social e ambiental. Na parte da situação atual, os pescadores sugeriram que Para o encaminhamento da atividade foi posto no fosse em relação a uma situação se comparada a dez início o papelógrafo na parede organizado como uma anos atrás da pesca de determinado produto, mais estabela em que seriam colocados os principais dados le- pecificamente ao que se refere a quantidade de produto vantados pelos pescadores. Esta tabela foi o método ofertada no mar, da frequência com que se consegue empregado para a decisão da cadeia que seria promo- pescar ao longo do ano e dos locais ainda disponíveis vida ao longo do estudo, uma forma de resumir e deixar para se pescar. Pela praticidade decidiram usar os terevidente determinados dados. Na tabela seriam listados mos aumentou, diminui ou não se alterou para avaliar todos os produtos da sociobiodiversidade da comuni- o cruzamento dos requisitos citados, por exemplo, se dade, na primeira coluna, e a partir da visualização mais a pesca de um produto diminuiu por causa da menor detalhada de dados específicos, nas demais colunas, e disponibilidade no mar, eles colocariam o termo “dimipor seguinte a uma análise conjunta com os produtores nuiu”. se elencaria o produto extrativista. Com os relatos gerados destas duas ultimas colunas A metodologia Value Links recomenda que a deci- se esperava que os pescadores pudessem ter uma visão são da cadeia parta dos próprios agentes, mas que para preliminar do futuro do processo de produção de deisso eles se atentem, por exemplo, aos produtos que terminados produtos, no sentido de que determinassem dedicam mais tempo durante o ano e quanto eles re- os passos seguintes, como investimentos ou outras topresentam em sua renda anual. Desta forma foi posto madas de decisões. No que se refere às dificuldades na tabela a coluna finalidade e importância na renda. se destacou na tabela os que eles relatavam com mais No requisito finalidade os pescadores separaram as es- frequência durante as conversas, relatos que apontavam pécies que eram para consumo, venda ou para os dois dificuldades no desenvolvimento da pesca na região ou fins, o que eles definiram principalmente pela disponi- algo que teria este potencial. A ideia era fazer com que bilidade do produto ao longo do ano e das exigências os pescadores visualizassem mais facilmente os gargado mercado, por exemplo, espécies sem demanda eram los da atividade, por exemplo, situações de limitação usadas apenas para consumo e espécies com alto valor para realizar a pesca no território ou o comércio dos só para venda. Esta abordagem também foi utilizada produtos, e por seguinte levantassem formas de superana coluna importância na renda, na qual decidiram por ções ou novas oportunidades. utilizar como índice de avaliação números de 1 a 10, asDefinidos dois produtos da sociobiodiversidade para sim, os produtos que recebiam valores baixos de 1 a 3 a elaboração das cadeias se planejou os passos para a eram os que praticamente não eram utilizados para co- próxima oficina. Na segunda oficina, que ocorreu no mércio, seja por não possuir demanda no mercado ou dia 16 de outubro, o grupo de pesquisa se separou em por ter disponibilidade baixa durante o ano, ou seja, a dois grupos para desenvolver cada qual, uma das casua pesca ocorre com menos frequência. Produtos que deias de valor indicadas anteriormente. Seguindo essa eram só para consumo, de acordo com o julgamento formação, os pescadores também foram separados em Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 54
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Tabela 1: Produtos da sociobiodiversidade da comunidade de pescadores artesanais de Barrancos.
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dois grupos de acordo com o interesse de cada pescador sobre as espécies indicadas. A segunda oficina teve como objetivo o mapeamento da cadeia de valor6 de dois produtos da sociobiodiversidade, o camarão branco e a pescada membeca, e a discussão dos principais entraves das cadeias em questão e das possíveis formas de superá-los. O mapeamento da cadeia de valor é o principal material produzido através da metodologia Value Links Biodiversidade, pois a partir de uma bem estruturada é possível ter um vislumbre detalhado dos processos produtivos envolvidos, e também dos profissionais e instituições, o que facilita as articulações entre os atores de cadeia e o planejamento de melhorias. Para desenvolver as atividades da segunda oficina, como orienta a metodologia de Value Links, os dois grupos fizeram o mapeamento das cadeias por meio de uma tabela que todos pudessem visualizar os dados e dar sugestões. Esta tabela (Tabela 1) pode ser dividida em quatro partes: micro, meso, macro e metas. Na parte superior está o nível micro, que se compõe dos processos da cadeia produtiva e dos operadores, neste caso específico, as atividades e os profissionais ligados ao camarão branco ou à membeca. Abaixo fica o nível meso, composto pelos serviços orientados para a cadeia e os prestadores de serviço, como extensionistas. Na parte inferior, o nível macro se refere às intuições de regularização responsáveis por leis e de orientar determinadas ações do processo produtivo, neste caso, principalmente a pesca. A parte da meta está relacionada às atitudes propostas para a superação de limitações da cadeia que foram citados pelos agentes ao decorrer do mapeamento. No caso deste trabalho, após os pescadores construírem os mapas das cadeias e com as informações que eles disponibilizaram na primeira oficina juntamente com a segunda acrescentou-se ao mapa apenas os desafios e limitações em formas de balões. Após o segundo encontro, durante as aulas as informações foram organizadas e se elaborou o documento que os alunos se comprometeram a entregar. Todos os resultados inclusive o texto foi apresentado à comunidade em um terceiro encontro. Neste dia por meio de apresentação de slides mostrou-se os dados e resulta6 Cadeia de valor de produto da sociobiodiversidade se refere a uma sequência de processos produtivos, que envolve etapas como a obtenção de insumos (equipamentos e matérias da atividade), a extração do produto, transformações (processos de beneficiamento do recurso extrativista) e comercialização. Cadeia que tem o aspecto de coordenação em conjunto dos diferentes atores da cadeia (operadores, instituições de apoio e reguladoras) e permite planejamentos e ações participativas para a estruturação de uma cadeia que assegure a distribuição justa e equitativa dos seus benefícios, e que valorize a identidade cultural de comunidades tradicionais (GIZ, 2012).
dos, o que permitiu aos pescadores discutir o que foi apresentado e dar sugestões, e após a finalização do texto ele foi entregue a comunidade. 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na primeira oficina com os pescadores as informações fornecidas pelos mesmos se tornaram a base para a construção da tabela referente aos produtos da sociobiodiversidade (Tabela 1). Esta tabela resume a realidade atual do processo de extração de pescados da comunidade de Barrancos. Por meio dela se identifica quais os principais produtos da sociobiodiversidade que a comunidade utiliza para pescar. Esta comunidade anualmente depende da extração de mais de 25 espécies de pescados diferentes entre crustáceos, moluscos e peixes. Para a Ilha do Mel foram registradas 66 espécies utilizadas como recursos pesqueiros (FUZETTI, 2007), o que mostra a grande diversidade de produtos da biodiversidade utilizados no Litoral do Paraná. Como se observa na tabela da sociobiodiversidade, todos os pescados são extraídos em uma faixa de território determinada pelo conhecimento tradicional associado aos petrechos próprios da pesca artesanal. Em razão da pequena capacidade dos equipamentos e petrechos dos pescadores os mesmos não possuem recursos e meios para se distanciar muito da costa ou permanecer muito tempo em alto mar. Tanto que como os próprios pescadores comentam, durante o período de um mês, a pescaria não alcança quinze dias de trabalho, principalmente por causa da fragilidade da embarcação em vista das condições desfavoráveis do tempo. Desta forma, a pesca da comunidade de Barrancos se restringe a área entre a costa do balneário de Barrancos em Pontal do Paraná e a ilha de Currais, cerca de 4 milhas da costa do balneário de Barrancos. Ao incorporarem em sua atividade econômica diferentes espécies de pescados, equilibram sua renda em períodos de escassez de algumas “qualidades”7 , visando o autoconsumo e o mercado. Por isso, mesmo espécies que não possuem valor econômico se aproveitam para garantir a segurança alimentar das famílias. Esse é o caso em que os pescadores informam que em algumas práticas de pesca (arrasto) não se consegue controlar o que se coleta com a rede, assim, alguns pescados que não são comercializados acabam sendo capturados, o que ocorre, por exemplo, com a fauna acompanhante do camarão. Como a pesca artesanal serve tanto para comércio quanto para consumo, eles aproveitam espécies, como siri, raia e lula, utilizados para alimentação familiar. 7 Termo utilizado pelos pescadores de Barrancos para se referirem à espécie.
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Além disso, mesmo não sendo apresentado nas tabelas, de acordo com os relatos da comunidade, a pesca realiza-se por safra. Segundo eles, na pesca por safra intercalam a pesca de determinadas espécies de acordo com períodos do ano, pois os mesmos possuem noções de épocas de reprodução das espécies e a localização das formas adultas que podem ser capturadas. Este padrão sazonal de captura por pescadores artesanais já foi observado por outros trabalhos, como o de Fuzetti (2007) no qual se relata que a pesca na Ilha do Mel se direciona a duas ou mais espécies-alvos durante cada estação. Chaves e Robert (2003) também associaram esta rotatividade na pesca à sazonalidade de ocorrência das espécies-alvo no litoral sul do Paraná. Assim, após a realização das práticas tradicionais de pesca existiria um tempo que permitiria aos estoques se renovarem, e em cada novo período de pesca de uma espécie eles conseguiriam encontrá-la novamente, se fosse delimitado um território pesqueiro específico para o uso dos pescadores artesanais. Estas práticas, de acordo com Burda (2007), podem vir a ser consideradas como um manejo apropriado para ambientes tropicais, pois fazem melhor uso da biodiversidade existente e diluem o impacto da pressão pesqueira entre as diversas espécies. Referente ao comércio dos pescados, os pescadores encontram nessa atividade a principal fonte de renda, particularmente com algumas “qualidades” de pescados que obtêm melhores preços no mercado. Isso acontece com o Dicentrarchus labrax (robalo) e o Paralichthys patagonicus (linguado), peixes que alcançam bons preços no mercado local. Na Tabela 1 se vê também que alguns produtos, como o camarão e a pescada membeca, servem prioritariamente para comércio. Já espécies como a Menticirrhus americanus (betara) e a Paralonchurus brasiliensis (clariana) são produtos que frequentemente servem tanto para alimentação quanto para comércio. Apenas espécies da fauna acompanhante8 não possuem importância na renda. Produtos como, o Stephanolepis hispidus (peixe porco) tem boa captura durante o ano, porém o retorno econômico se comparado ao robalo é inferior, assim sua participação na renda anual se mostra menor. A pesca do Mugil brasiliensis (tainha), um produto de safra - pescado apenas nos meses de junho e julho -, antigamente gerava uma boa renda, o que não acontece mais hoje, devido à escassez do estoque pesqueiro dessa espécie. A maioria dos outros produ-
tos que receberam nota três dos pescadores não possui tanta demanda no mercado ou a pesca dos mesmos é de pouca frequência. Entre os pescadores existem pescas específicas, ou seja, cada pescador artesanal, sua família ou grupo, além de dominar um conjunto de técnicas em comum, desenvolve tipos de pescas específicas de acordo com seus interesses e possibilidade de aquisição de equipamentos e petrechos. Por essa razão, certos pescados têm mais importância na renda para alguns pescadores do que para outros. O Callichirus major (corrupto) recebeu nota dez, mesmo não sendo utilizado por alguns pescadores, pois a renda de algumas famílias depende em grande parte da venda do corrupto como isca-viva. Produtos como a pescada membeca, o camarão branco e sete-barba receberam nota oito (ou 80% da renda anual) na avaliação dos pescadores, no que se refere à composição da renda, principalmente pela disponibilidade durante o ano inteiro e pelo lucro que eles oferecem. Como os pescadores apontaram esses produtos como os mais importantes na pesca da comunidade as cadeias de valores foram construídas a partir dos mesmos. Por meio das oficinas que se sucederam no período de 3 meses foram levantadas informações para construir tanto a cadeia de valor do camarão quanto da pescada membeca (Figura 1). O principal ponto referente a este esquema está relacionado ao reconhecimento do processo de produção destes dois produtos e dos agentes envolvidos em cada fase da cadeia (GIZ, 2012). Com o levantamento das informações possibilitou-se visualizar a cadeia de valor em todos os seus aspectos, o que permitiu a identificação dos entraves da cadeia de valor desses produtos e, aos pescadores a reafirmação dos conflitos de uso dos recursos essenciais a sua existência como “ponto de crítico” para o estabelecimento de mercados sustentáveis da sociobiodiversidade. No nível micro do mapa da cadeia construída pelos pescadores está descrito os processos envolvidos na pesca da pescada membeca, na segunda linha da tabela e na terceira, a do camarão. Na primeira etapa (insumo) eles descreveram equipamentos e materiais comuns as duas atividades, como canoa e caixa de isopor, e específicos a cada uma, como as redes. Na etapa seguinte (extração) denota-se novamente a variedade de técnicas e saberes tradicionais da comunidade, pois para cada um dos dois produtos pode se associar mais de uma técnica de extração, o que se associa a capacidade que eles possuem de adaptarem as suas práticas a diferentes re8 Conjunto de indivíduos, de qualquer tamanho ou espécie, captucursos pesqueiros e restrições. Em relação às atividades rados junto com a espécie-alvo de uma pescaria, sem que isso implide transformação (processos que agreguem maior valor que obrigatoriamente qualquer relação biológica entre eles (LOPES, 1996). ao produto) a comunidade realiza processos básicos e Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 57
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Figura 1: Cadeia de valor da Pescada membeca e do camarão.
simples, que se restringem a limpeza, congelamento e outros, dependendo da exigência dos clientes. Eles realizam a maior parte da venda in natura na beira da praia ou nas peixarias.
mente o que mais preocupa os pescadores artesanais no sentido de limitação da pesca, e consequentemente das cadeias, está relacionado à parte de extração das espécies. Em vários momentos os pescadores comentaram Sobre os processos que envolvem os outros opera- sobre a redução na quantidade extraída. O que pode ser dores da cadeia que atuam no nível micro não havia notado na tabela da sociobiodiversidade, na qual a codados precisos, por isso os pescadores não souberam luna sobre a situação atual da produção em relação há dizer o que acontecia com a cadeia do produto a partir dez anos, indica que o volume de pescado disponível de do momento em que vendiam para outros. A impos- diferentes espécies, para eles, diminuiu. A difícil acessibilidade aos produtos da sociobiosibilidade da presença dos demais atores de cadeia, e consequentemente a falta dos dados dos mesmos foi o diversidade, os pescadores levantaram causas como a que dificultou o mapeamento e também a discussão em própria poluição e impactos das atividades portuárias relação aos gargalos das cadeias. Por isso, no momento de Paranaguá sobre os berçários naturais, e abordaram do debate sobre as limitações e possíveis oportunidades a questão da disputa pelo território em que tradicionalnão ficou evidente a real situação de todos os processos, mente pescam, particularmente pelo conflito com a mipor exemplo, os pescadores não demonstraram neces- lha náutica, a criação do Parque Nacional de Currais e sidade de ampliar as técnicas de transformação ou de a pesca industrial. agregar maior valor aos produtos, segundo eles, até o Igualmente aos pescadores na pesquisa de Andreoli momento não ocorreu problemas com a comercializa- (2007) e Fuzetti (2007), em Barrancos relatam a dimição. Porém isto não significa necessariamente que no- nuição da quantidade de recursos pesqueiros e que alvos investimentos em equipamentos, processamentos e gumas espécies desapareceram ou estão desaparecendo comercialização não deveriam ser feitos, mas pela visão da região. De acordo com a Instrução Normativa MMA proativa que se espera dos integrantes, na metodologia n◦ . 5, de 21 de maio de 2004 alguns recursos utilizados Value Links da biodiversidade, este seria um bom ponto em Barrancos estão sobre-explotados (corvina - Microde debate para partir dos próprios agentes de cadeia. pogonias furnieri; pescadinha - Macrodon ancylodon; Não sendo o papel dos facilitadores induzirem de tainha Mugil spp.) e outros colapsados (bagre - Geniforma obstante os participantes a abordarem possíveis dens barbus; cação-viola - Rhinobatus horkelii). limitações, o enfoque se manteve em entender as preoA alteração da biodiversidade e ambientes costeiros cupações da comunidade em relação às cadeias. Atual- pode se associar aos impactos da poluição pelo porto Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 58
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de Paranaguá, por exemplo, pelo escoamento de produtos agrícolas do porto (FRANCO, 2004 citado por FUZETTI, 2007). Outros trabalhos também associaram este desequilíbrio à poluição por acidentes do porto, como o rompimento de um duto da Petrobrás e vazamento de óleo diesel em um afluente do Rio Nhundiaquara em 2001, o choque do navio petroleiro Norma chocou-se em uma rocha na baía de Paranaguá que provocou o vazamento de nafta em 2001 e a explosão do navio tanque Vicuña no Porto de Paranaguá em 2004 (PAIFER, 2013). Devido a este ultimo incidente 91,53% dos pescadores entrevistados por Fuzetti (2007) pararam de pescar. Santos (2013) por meio de biomarcadores para identificar xenobióticos e metais em peixes da espécie Cathorops spixii, identificou estes componentes como prejudiciais a saúde destes peixes e relacionou o processo de dragagem do porto de Paranaguá como uma possível forma de disponibilização destes. No caso da pesca industrial, os pescadores comparam a competição desigual no quesito “capacidade de pesca” e tecnologia entre suas embarcações de pequeno porte e petrechos tradicionais, e as embarcações industriais que vem de outras regiões e promovem a sobrepesca em seus territórios tradicionais. Pescadores da Ilha do Mel também argumentam sobre a competição desigual com embarcações industriais de arrasto de camarão, principalmente os de Laguna, Itajaí e Santos, e os responsabilizam por parte da diminuição dos estoques (FUZETTI, 2007). Seja por embarcações de outras áreas do litoral do Paraná que vem pescar camarão ou com barcos industriais de Itajaí que pescam a tainha, devido à pressão do estoque da tainha por parte da pesca industrial, a comunidade de Barrancos relata que a sua pesca nos últimos dois anos tem diminuído. Na realidade diferentes estudos no litoral do Paraná concluíram que este tipo de pesca tem provocado conflitos ou/e impactos, como os de Pérez e Gómez (2014) em Superagui e o de Andreoli (2007) em Matinhos. Além da competição, outro ponto relacionado à restrição do território se refere à percepção dos pescadores de leis e políticas que praticamente desconsideram as práticas tradicionais e territórios de uso dos pescadores artesanais em Barrancos. Eles percebem que nos últimos anos o território em que aproximadamente 80 anos utilizam e mantém uma relação de dependência está cada vez mais restrito.
nidade de usufruir do território tradicionalmente utilizado e resulta em uma competição desleal com a pesca industrial. A Instrução Normativa n.o 29 MMA, de 6 de dezembro de 2004 no seu artigo 1◦ proibi “qualquer tipo de pesca” de arrasto com portas, a menos de uma milha náutica da costa do estado do Paraná. Situação que teve impactos maiores sobre pescadores artesanais como apontam também trabalhos em Superagui (OLIVEIRA; Ribero Junior, 200?) e Ilha do mel (FUZETTI, 2007). Outro exemplo citado pelos pescadores de Barrancos foi à tentativa de emplacar a Portaria IBAMA no 12, de 20 de março de 2003 que regula os métodos, modalidades e petrechos dos pescadores no Paraná sem diferenciação do tipo de pesca. Segundo a comunidade estudada, esta portaria delimita a pesca de determinados produtos da sociobiodiversidade sem se levar em consideração o processo de elaboração de técnicas de pesca associadas ao território, que se constituiu numa relação de dependência, e sem nenhum ressarcimento. A comunidade da Ilha do mel questiona também a Instrução Normativa Interministerial n.o 26, de 19 de julho de 2005 que institui o Mapa de Bordo9 , que de forma coerente deveria ser necessária apenas as grandes embarcações industriais, mas está sendo exigida pelo IBAMA aos pescadores artesanais, como se estas modalidades fossem as mesmas (FUZETTI, 2007). Em relação à insegurança da comunidade de Barrancos com a criação do Parque Nacional Marinho de Currais (Lei n◦ 12.829, de 20 de junho de 2013) se refere à preocupação de que isto possa afetá-los com a possibilidade de limitar os espaços que utilizam para desenvolver a pesca, especificamente com as restrições do uso das áreas de amortecimento do parque. Os parques são uma das modalidades de Unidades de Conservação (UC’s) regulamentadas pelo Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC), Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e vistos como importantes instrumentos para a proteção ambiental. Entretanto, há inúmeros casos em que a criação dessas áreas resulta em conflitos (PIERRI; KIM, 2008 citado por FUZETTI, 2007). Como exemplo destes conflitos pode ser citado o que ocorre pela criação do Parque Nacional de Superagui aprovado pelo Decreto n.o 97.688, de 25 de abril de 1989, que ao se sobrepor ao território dos pescadores artesanais impediu à continuidade das práticas agrícolas e de extrativismo, comprometendo o modo de vida e de reprodução social, econômica e cultural da comunidade (OLIVEIRA; Ribero Junior, 200?). A instalação do Parque Nacional do Superagui proibiu qualquer ati-
Nas oficinas apontou-se a instrução da milha náutica como um instrumento que restringe o antigo território de pesca, especificamente no sentido de proibir igualmente os pescadores artesanais e industriais de 9 Formulário de registro de dados sobre as operações de pesca da pescarem dentro dos limites da primeira milha náutica (1.852 m), o que consequentemente impede a comu- embarcação pesqueira. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 59
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vidade dentro da área que se encontra em sobreposição deia produtiva no intuito de fortalecer a cadeia de valor com o território dos pescadores, criando-se assim uma dos produtos da sociobiodiversidade. No caso da comurestrição de uso da natureza e do seu território de vida nidade de Barrancos, foi lembrado o papel da EMATER (OLIVEIRA; RIBERO JUNIOR, 2010). na liberação do PRONAF. Todavia, ação que não se reNo trabalho de Paifer (2013) os pescadores artesa- aliza mais. Esta situação de constantes pressões no sentido de nais da Ilha do Mel da ponta oeste alegam que no proenfraquecer a pesca artesanal, narradas em Barrancos, cesso de criação da Estação Ecológica, criada por meio o mas com abrangência em todo litoral do Paraná, dedo decreto n 5.454 de categoria de proteção integral monstra como a cadeia de valor dos produtos da socioem 1982, o Estado não levou em consideração a exisbiodiversidade da comunidade está enfraquecida pelas tência de comunidades tradicionais nas proximidades, próprias políticas públicas. Apesar do reconhecimento pois esta modalidade não permite a existência de moradas comunidades a partir das conquistas de alguns didores no seu interior e impõe restrições ao seu uso. O reitos recentemente como a Política Nacional de DeEstado impôs limitações para o desenvolvimento e que senvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades proíbem as suas práticas tradicionais, particularmente as atividades extrativista, por não serem compatíveis Tradicionais, ainda é notório a pouca visibilidade e voz com a categoria da UC, repercutindo no modo de vida nas políticas públicas e estas não têm conseguido fazêdos pescadores, ao qual foram submetidos a fortes pres- los valer no caso de grandes projetos de infraestrutura (PAIFER, 2013). sões pelos órgãos ambientais (PAIFER, 2013). Desta forma, os pescadores artesanais se vêem obriOs órgãos ambientais mencionados no mapeamento gados a lutar pelos seus direitos praticamente sozinhos, da cadeia têm como uma das suas funções a regulação principalmente por meio dos movimentos de pescadodo uso do ambiente marinho, no entanto, tem sido um res e pescadoras artesanais, como o MOPEAR. Uma hábito institucional adotar medidas de caráter proibitivo das ações do MOPEAR é a tramitação na Câmara de sem diferenciação entre as categorias de pescadores, Vereadores de Guaraqueçaba de uma lei municipal resem o conhecimento das práticas tradicionais e seus imlacionada aos pescadores artesanais para que suas prápactos na pesca artesanal, além de criar normas pouco ticas sejam consideradas como patrimônio imaterial e a debatidas com a sociedade local, sobretudo, os grupos discussão com o ICMBio para a possibilidade de criadiretamente atingidos. A legislação ambiental tem conção de reservas extrativista pesqueira (Resex Marinha) frontado com os direitos dos povos e comunidades tradicionais, o que tem gerado conflitos (OLIVEIRA; RI- ou acordos de pesca para ter uma área exclusiva para as BERO JUNIOR, 2010). No caso das cadeias de valores comunidades (OLIVEIRA; RIBERO JUNIOR, 2010). em questão - a elaboração da lei da milha náutica; a criação da portaria da malha; e restrição de territórios por 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS parte da lei de criação do Parque Nacional Marinho de Ao se concluir o trabalho junto à comunidade Currais. evidencia-se que um dos entraves a manutenção da soPoucos são os casos relatados de normas em con- ciobiodiversidade tem sido o predomínio do viés prevergência com a pesca artesanal em Barrancos. Um dos servacionista na aplicação das políticas públicas, neste poucos, por exemplo, o decreto da época de defeso do caso observado, induzindo de forma indireta a exclucamarão instituída pela Instrução normativa IBAMA No são social de pescadores artesanais e seus conhecimen189, de 23 de setembro de 2008. Pois mesmo não po- tos tradicionais, sem que se resolva necessariamente a dendo pescar o camarão neste período, os pescadores questão da conservação dos recursos naturais marinhos. recebem o seguro-defeso, instituído pela Lei no 10.779, Ante a imposição do modo de implementar estas pode 25 de novembro de 2003, gerando uma contribuição líticas preservacionistas com intuito de garantir a biodina renda, em razão da proibição da pesca desse crustá- versidade, a cadeia de valor pesquisada aponta para a ceo. Essa situação mostra que o conflito entre os órgãos possibilidade historicamente favorável a uma conservaambientais e os pescadores, não é a oposição quanto à ção controlada pelos pescadores artesanais. Dissociar proteção da natureza e, sim, a desconsideração dos efei- essa interação pode colocar em risco não só a biodivertos negativos das leis conservacionistas sobre os pesca- sidade, mas também conceder espaço para as formas dores artesanais. de exclusão social promovidas pela incoerência de alComo se vê também na Figura 2 existem poucos gumas políticas públicas ambientais, ao desconsiderar agentes de serviços, representados pelo nível meso da esses grupos sociais que ao longo de quase um século cadeia de valor. Esse grupo representa organizações pú- vem conservando os recursos naturais através das suas blicas ou privadas que realizam serviços ao longo da ca- práticas de pesca artesanal. Nesse sentido, a falta de Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 51 - 62, nov. 2015 60
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leis que assegurem a regulamentação de acesso ao território de pesca aos pescadores artesanais é atualmente o maior entrave da cadeia de valor dos produtos da sociobiodiversidade.
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FALARES DO PROFISSIONAL DA ARTE DE PESCA NO MUNICÍPIO DE ACARAÚ: UMA VISÃO SOCIOTERMINOLÓGICA M ARIA DO S OCORRO C ARDOSO DE A BREU1 , I ÊDA C ARVALHEDO BARBOSA2 , S ABRINA DOS S ANTOS R IBEIRO3 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Maracanaú Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Fortaleza 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Acaraú
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<scabreu@yahoo.com.br>, <iedacarvalhedoadv@yahoo.com.br>, <sabrinassr19@yahoo.com.br> Resumo. Este trabalho tem como objetivo analisar termos/expressões e variantes no aspecto léxicosemântico na fala de pescadores do município de Acaraú, no estado do Ceará, para compreensão do léxico técnico da área. O município foi escolhido por sua importância pesqueira, pela diversidade de captura dos pescados (lagostas, camarões e peixes) e pelo fato de os sujeitos do presente estudo terem como única atuação profissional a pesca. Os entrevistados, no total de 50, pertencem a comunidades pesqueiras do município de Acaraú, na sede do município (Outra Banda), a leste (Espraiado, Ilha dos Coqueiros, Volta do Rio) e a oeste (Marambáia, no distrito de Aranáu, e Coroa Grande). Os resultados revelam a existência de termos/expressões e variantes que não estão registrados nos principais dicionários de uso do Brasil, mas que são, cotidianamente, atualizados na fala dos profissionais das comunidades pesqueiras pesquisadas. Além disso, há a presença de termos/expressões e variantes referentes à arte da pesca, com usos distintos daqueles encontrados nos dicionários consultados, de acordo com a faixa etária do profissional, demonstrando particularidades linguísticas no falar dos pescadores dessa região. Palavras-chaves: Socioterminologia. Arte da Pesca. Aspecto léxico-semântico. Acaraú-CE. Abstract. This article aims at analyzing terms/expressions and variants referring to the lexical and semantic aspects in the ways of speaking of fishermen from the city of Acaraú - CE, in order to understand the technical lexicon of the area. This city was chosen by its fishery relevance, by the diversity of the seafood caught (lobsters, shrimps and fishes) and by the fact that the subjects of this research work only as fishermen. The 50 interviewees belong to the fishing communities of Acaraú, to the districts of Outra Banda, Espraiado, Ilha dos Coqueiros, Volta do Rio, Marambáia and Coroa Grande. The results reveal that there are terms, expressions and variants that are not registered in the main usage dictionaries of Brazil, but they are daily used in the professional spoken language of the researched fishing communities. Besides, there are terms/expressions and variants referring to fishing activities, with different uses of those found in the researched dictionaries, according to the professional’s age group, which show there are linguistic particularities on the ways of speaking of fishermen of this region. Keywords: Socioterminology. Fishing activity. Lexical and semantic aspect. Acaraú-CE. 1
INTRODUÇÃO
aletais, sociais e culturais dos falantes. No âmbito do léxico, dá-se na língua, ainda, o surgimento de vocábulos especializados decorrentes das novas atividades da produção, como a língua de especialidade, que avalia os vocábulos técnico-científicos e especializados, mostrando que eles estão no nível de uma forma não apenas linguística, mas também sociocultural (BARBOSA, 2005).
A língua manifesta costumes de um grupo, deixa transparecer o pensamento e a vivência no mundo em um determinado tempo e espaço e, por meio dela, o homem expressa as ideias de sua geração e da comunidade a que pertence. É um meio de interação que fortalece laços sociais, revela características peculiares do local onde se vive, refletindo, por meio do léxico, marcas diDa mesma forma que na língua geral, nas línguas de Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 63
FALARES DO PROFISSIONAL DA ARTE DE PESCA NO MUNICÍPIO DE ACARAÚ: UMA VISÃO SOCIOTERMINOLÓGICA
especialidades, o contexto social e físico de uma locali- fluências das marcas da estrutura sociocultural do mudade vai provocar variações nos termos empregados pe- nicípio de Acaraú, estado do Ceará. Santos (2010) relos usuários dessas línguas, com carga semântica de um alizou pesquisa semelhante na comunidade Canto do termo, muitas vezes, só conhecida por pessoas que per- Mangue, no bairro das Rocas, em Natal, no estado do tencem àquele universo. Essas variações estão cheias de Rio Grande do Norte. Nossa pesquisa justifica-se, envalores, ideologias, sentidos, nível de estilo dos usuá- tão, pela necessidade de fornecer à sociedade e aos interios de um grupo. É a “somatória de toda experiência ressados informações específicas sobre essa área, enriacumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura quecer os trabalhos em Socioterminologia e ampliar os através das idades” (BIDERMAN, 2001, p.139). estudos sobre a variedade vocabular dos profissionais O estudo das variações da língua de especialidade da pesca no Nordeste. fez surgir um novo campo de interesse no âmbito da O interesse no levantamento do léxico dos profissioLinguística: a Socioterminologia. Esse campo volta-se nais de pesca do município de Acaraú foi devido, ainda, para o estudo do léxico com enfoques sociais e cultu- à atividade pesqueira fazer parte do aspecto econômico rais. Seus conceitos surgiram a partir da constatação de do estado do Ceará e à sua grande importância históque um mesmo termo, até então considerado invariável, rica, pois, no século XX, abastecia o Vale do Acaraú. pode apresentar variações dentro de uma mesma área de Vale lembrar que, segundo Faulstich (2001), um termo especialidade. A Socioterminologia trouxe novos olha- de uma determinada atividade humana traz consigo inres para os trabalhos terminográficos, acrescentando- formações sobre o universo dessa atividade, bem como lhes um perfil sociolinguístico e cultural, mostrando sobre suas relações sociais ao longo da história. Além que é importante averiguar a estreita relação que se es- disso, os membros de uma mesma sociedade funciotabelece entre o universo linguístico e o sociocultural nam como “sujeitos-agentes no processo de perpetua(BIDERMAN, 2001; FAULSTICH, 2006; CÂMARA, ção e reelaboração contínua do léxico de sua língua” 2010). (BIDERMAN, 1978, p.140). Este trabalho segue uma perspectiva socioterminoRessalta-se que este estudo é um recorte de uma peslógica, considerando aspectos sociolinguísticos dos in- quisa maior para produção de um glossário plurilíngue divíduos envolvidos, enfocando a linguagem especiali- (português/espanhol/inglês) da linguagem dos pescadozada de profissionais da pesca em algumas comunida- res artesanais do estado do Ceará, em andamento. Este des pesqueiras do município de Acaraú, uma vez que poderá servir como fonte de consulta não somente para entendemos que termos/expressões de uma mesma ati- estudiosos da linguagem, mas também para profissiovidade humana especializada apresentam variações em nais de áreas específicas, como engenheiros de pesca, sua distribuição espacial e etária. Segundo Biderman técnicos em pesca ou qualquer pessoa que precise dia(1978, p.139), “qualquer sistema léxico é a somatória logar com os profissionais da pesca sobre assuntos relade toda experiência acumulada de uma sociedade e do cionados à atividade pesqueira. acervo da sua cultura através das idades”. Esta pesquisa levanta algumas questões que oriO interesse em realizar o estudo no âmbito lexi- entam a investigação realizada com os profissionais cal em Acaraú, consolidou-se ao verificarmos proble- da arte da pesca, tais como: existem particularidades mas de comunicação entre os profissionais da pesca e a nos termos/expressões léxico-semânticos no falar desequipe do IFCE-campus Acaraú, a qual era formada por ses profissionais? Há distinção de variantes para um docentes e discentes do Curso Técnico em Pesca. No mesmo significado do termo/expressão usado por andecorrer de visitas de campo interdisciplinar, ocorreu a tigos e jovens pescadores? Há termos/expressões não incompreensão de inúmeros termos/expressões utiliza- dicionarizados na fala dos pescadores de Acaraú? dos na fala desses profissionais que utilizaram variantes O presente trabalho tem como objetivo verificar terpróprias relacionadas ao tipo de atividade pesqueira. mos/expressões e suas variantes no plano sincrônico, Nossa pesquisa torna-se relevante por não existir es- presentes na modalidade oral da terminologia da arte tudo da variedade vocabular falada de pescadores do es- da pesca, em algumas comunidades pesqueiras do mutado do Ceará, especificamente do município de Aca- nicípio de Acaraú-CE, considerando aspectos léxicoraú. Após pesquisas, encontramos estudos (COSTA, semânticos para compreensão de vocabulário técnico 2012; SANTOS, 2010) sobre a variedade vocabular dos da área em faixas etárias distintas. A pesquisa levará profissionais da pesca, envolvendo o Nordeste. Costa também em conta os aspectos de variações de uso que (2012) fez o levantamento e a descrição do léxico dos migraram da língua comum para a língua de especiapescadores do município de Raposa, no estado do Ma- lidade e as específicas desta última, bem como as que ranhão, verificando nessa comunidade da Raposa in- co-ocorrem no significado. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 64
FALARES DO PROFISSIONAL DA ARTE DE PESCA NO MUNICÍPIO DE ACARAÚ: UMA VISÃO SOCIOTERMINOLÓGICA
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TERMINOLOGIA VARIACIONISTA OU SOCIOTERMINOLOGIA
A Terminologia tradicional voltava-se para a relação entre língua comum e especializada, entre palavras e termos, privilegiava um modelo de padronização das línguas especializadas, ignorava a variação denominativa e conceitual, desconsiderando a sinonímia e a homonímia, que são características inerentes a todas as línguas especializadas. As novas visões da Terminologia proclamam que o estatuto terminológico não existe por si mesmo, mas considera o uso de uma unidade lexical em um contexto expressivo e situacional determinado. Segundo Faulstich (2006), antes da Socioterminologia, a Terminologia voltava-se para criar termos normalizadores na elaboração de dicionários técnicos. Com o surgimento da Socioterminologia, o conceito de Terminologia dividiu-se em Terminologia Técnica e Linguística Terminológica, para que houvesse um campo da Linguística que pesquisasse as variações linguísticas que aparecem nas línguas de especialidade. Essa nova visão da Terminologia, influenciada pela Terminologia tradicional e pela Sociolinguística, fez surgir a Terminologia Variacionista ou Socioterminologia, que privilegia os aspectos sociais da linguagem de especialidade. Segundo Faulstich (2006), na Socioterminologia o termo assume um papel similar ao da lexia no interior da Lexicologia, ou seja, armazena informações culturais e sociais de uma dada comunidade; no caso do termo, de uma atividade especializada. Para Faulstich (2006, p.29), os termos podem ser: a) signos que encontram sua funcionalidade nas linguagens de especialidade, de acordo com a dinâmica das línguas; b) entidades variantes, porque fazem parte de situações comunicativas distintas; c) itens do léxico especializado que passam por evoluções, por isso devem ser analisados no plano sincrônico e no plano diacrônico das línguas.
que é na linguagem em que ocorre com mais frequência a variação terminológica, estudada pela Socioterminologia. O léxico de uma língua de especialidade está associado à herança vocabular de um grupo que espelha a sua maneira de entender a realidade e como esse grupo organiza o mundo que o circunda (ISQUIERDO; ALVES, 2007). A Socioterminologia “assume uma abordagem descritiva da linguagem especializada em uso e dá primazia ao evento no qual analisa as manifestações discursivas e reconhece a necessidade da polissemia e da variação” (MACIEL, 2001, p.377). Volta-se, então, para a descrição e análise das variantes terminológicas. Essas variantes correspondem às diversas possibilidades de expressão nos diferentes contextos discursivos, isto é, “as variantes são resultantes dos diferentes usos que a comunidade, em sua diversidade social, linguística e geográfica, faz do termo” (FAULSTICH, 2001, p.22). Para Faulstich (1998), Faulstich (2001), a teoria da variação em terminologia é sustentada por cinco postulados: a) dissociação entre estrutura terminológica e homogeneidade ou univocidade ou monorreferencialidade, associando-se a estrutura terminológica à noção de heterogeneidade ordenada1 ; b) abandono do isomorfismo categórico entre termoconceito-significado; c) aceitação de que, sendo a terminologia um fato de língua, ela acomoda elementos de variáveis e organiza uma gramática; d) aceitação de que terminologia varia e de que essa variação pode indicar uma mudança de curso; e) análise da terminologia em co-textos linguísticos e em contextos discursivos da língua escrita e da língua falada.
Com base nesses postulados, a autora formulou um Conforme a autora, pela funcionalidade do termo esquema básico do Modelo teórico da variação, com dentro de uma linguagem de especialidade, este assu- as categorias (variantes concorrentes, co-ocorrentes e mirá função específica de determinado valor, de acordo competitivas) no plano superior; e, no plano seguinte, com o contexto de uso. O termo é uma “entidade vari- as subcategorias (variante formal, sinônimo e emprésante porque pode assumir formas diferentes em contex- timo). tos afins” Faulstich (2006, p.29). O modelo teórico da variação apontado por FaulsPara Barbosa (2005), esse tipo de linguagem usa tich é mostrado na Figura 1. vocabulários técnico-científicos e especializados, mos1 A variação linguística não ocorre de maneira desordenada, caótrando que eles estão no nível de uma forma não apenas tica, aleatória, mas de forma ordenada, condicionada linguisticalinguística, mas também sociocultural. Neste estudo, mente. Todo e qualquer falante do português, independentemente corroboramos com Faulstich (2006, p.27), que pesquisa de sua origem social ou regional, sexo, etc vai apresentar o mesmo as formas faladas do léxico de especialidade, uma vez fenômeno linguístico em sua fala (BAGNO, 2007). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 65
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completa, as tarefas da formulação clara do problema como tentativa de solução, o que converge para a intenção de se buscar respostas sem haver manipulação dos atos ou fenômenos. Nesta pesquisa, para o levantamento do corpus, foi aplicada a técnica de entrevista com profissionais da pesca artesanal, por intermédio de gravação e entrevistas escritas, pois alguns entrevistados se recusaram a gravar. As entrevistas foram gravadas e transcritas grafematicamente da mesma maneira que realizadas pelo falante. Foi feita uma transcrição parcial das entrevistas, selecionando somente trechos com ocorrência dos termos caracterizadores para a formação do glossário. Vale ressaltar que os nomes dos informantes são indicados apenas pelas iniciais maiúsculas. As entrevistas ocorreram em horários diversos e em qualquer dia da semana, tendo sido realizadas por bolsistas, voluntários e alunos do segundo semestre da disciplina Técnicas de Comunicação Oral e Escrita, ministrada por uma das pesquisadoras do Curso Técnico em Pesca do IFCE - campus de Acaraú. Os alunos foram orientados a fazer inicialmente o preenchimento da ficha do informante e em seguida a realização das enFigura 1: Modelo teórico da variação (FAULSTICH, 1998). trevistas com aplicação de um questionário semânticolexical. Estas foram realizadas na casa dos entrevistaEm linha com Faulstich (1998), Faulstich (2001), dos ou em local onde os mesmos se reuniam, antes ou Faulstich (2006), a variação terminológica pressupõe após a atividade pesqueira, por intermédio de conversas a idenficação e análise de formas linguísticas em va- informais. riação, essas formas podem apresentar-se em concorA ficha do informante contém as seguintes informarência, co-ocorrência e competição. A primeira surge ções: nome, sexo (M e F), idade (faixa etária I, entre quando duas ou mais formas concorrem; a concorrên- 18 e 40 anos; faixa II, entre 41 e 70 anos), naturalicia entre essas variantes, além de proporcionar a vari- dade (os informantes deverão ser naturais da localidade ação terminológica, pode, também, possibilitar a mu- pesquisada e/ou filhos de pais também nascidos na redança linguística. A segunda, quando dois ou mais ter- gião), escolaridade (classe I-analfabetos, alfabetizados; mos são usados ao mesmo tempo, é representada pelos classe II-Fundamental ), residência e local da atividade sinônimos, variantes que possuem duas ou mais deno- pesqueira. minações para um mesmo referente. A terceira, quando O questionário semântico-lexical, elaborado e aplios termos competem com outros de origem estrangeira. cado pelas pesquisadoras, consta de quinze (15) quesAs variantes co-ocorrentes formalizam a sinonímia tões genéricas e específicas referentes à atividade da terminológica relacionada ao “sentido de dois ou mais pesca artesanal para levantamento de termos/expressões termos com significados idênticos que podem coocorrer e variantes, tais como 1) tipos, partes, comercialização, num mesmo contexto, sem que haja alteração no plano preparo e culinária do pescado; 2) tipos de arreios e mado conteúdo” (FAULSTICH, 2001, p.31). De acordo teriais envolvidos em sua confecção; 3) tipos de embarcom Maciel (2001), esse tipo de sinonímia, ao contrário cação e de materiais envolvidos em sua confecção; 4) do que muitos teóricos afirmam, ocorre em contextos de espaços geográficos (aspectos hidrográficos e vegetalinguagem de especialidade. ção) e fenômenos da natureza (aspectos climatológicos e costeiros) relacionados à atividade da pesca. 3 MÉTODOS E TÉCNICAS O levantamento dos dados deste trabalho corresQuanto aos procedimentos metodológicos, a presente ponde à coleta em Acaraú, município do estado do Cepesquisa é descritiva e exploratória, de natureza qualita- ará, iniciada em 2011 e finalizada no primeiro semestre tiva e quantitativa. Os estudos descritivos, assim como de 2013. O município de Acaraú (Figura 1), a 255 km os exploratórios, favorecem, na pesquisa mais ampla e de Fortaleza, está situado na faixa litorânea oeste do EsConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 66
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tado do Ceará, com clima tropical e temperatura média de 27o C, tendo como uma das principais atividades a pesca artesanal, uma atividade socioeconômica característica do município.
Para identificação dos entrevistados, primeiramente, foi feita pesquisa na sede da cooperativa dos pescadores do município de Acaraú para verificação dos ativos e aposentados em 2011. Os termos foram levantados à medida que os informantes indicavam um conhecido, e assim por diante, visando abranger o máximo de pessoas envolvidas na atividade, o que permitiu a interpretação de determinados termos/expressões dados pelos informantes e o registro de termos e suas variantes e as expressões, presentes na modalidade oral. Os entrevistados deste estudo, no total de 50, 20 na faixa etária I e 30 na faixa II, residem ao norte da sede do município, nos bairros Outra Banda, Pedrinhas, Mongubas e nas próprias comunidades pesqueiras. Atuam não só na costa de Acaraú, mas também em outras costas do Nordeste (Maranhão e Piauí) e Norte (Pará). A maioria é semi-anafalbeta, exerce a profissão desde os 12 anos, com mais de dez anos de profissão, todos do sexo masculino, naturais da localidade pesquisada e/ou filhos de pais nascidos na região, tendo como atividade a pesca de lagosta, camarão e pescado em alto mar ou currais.
Figura 2: Mapa de localização do município de Acaraú-CE. Fonte: http://pt.wikipedia.org.
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A pesca artesanal, praticada em maior escala, caracteriza-se pelos aspectos culturais, socioeconômicos e pelas técnicas de produção, utilizando mão de obra familiar, feita em grupo ou de forma individual, com equipamentos artesanais simples, produzidos pelo próprio pescador, que busca na pesca de peixes e mariscos sua subsistência. A pesquisa foi realizada em 06 (seis) comunidades pesqueiras do município de Acaraú: na sede do município (Outra Banda), a leste (Espraiado, Ilha dos Coqueiros, Volta do Rio) e a oeste (Marambáia, no distrito de Aranáu, e Coroa Grande). Essas comunidades foram escolhidas por sua importância pesqueira nesse município e pela diversidade de captura dos pescados (lagostas, camarões e peixes). Essa seleção levou em consideração nosso propósito - confrontar dados do universo da arte da pesca recolhidos nas comunidades pesqueiras do município de Acaraú que apresentam características profissionais diferentes: Outra Banda, Espraiado, Marambáia e Coroa Grande voltam-se para a pesca em alto mar; Arpoeiras e Ilha dos Coqueiros, para a pesca de curral2 . 2 É formada por armadilhas fixas, dispostas em linha perpendicular
à costa. Essas armadilhas são confeccionadas de modo que os animais nadem sempre em direção ao chiqueiro ficando, assim, aprisionados até a hora da despesca que é realizada quando a maré está com seu nível mais baixo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo revelam a existência de termos/expressões que não estão registrados nos principais dicionários de uso do Brasil (FERREIRA, 2009; HOUAISS, 2011; BECHARA, 2011; AULETE, 2011), mas que são, cotidianamente, atualizados na fala dos profissionais da pesca de água salgada, exemplos de (1) a (7). (01) Risca de faca: s.f. Peixe encontrado em canais de água salgada: “...o risca de faca encontramo muito pouco agora...” (Ent.3 06). (02) Calça branca: s.f. Pescador iniciante, com pouca ou nenhuma experiência: “...o calça branca pena muito no início...” (Ent.10). (03) Biongo: s.m. Tipo de apetrecho (artefato), onde se guardam as puxadeiras. “...coloco no biongo as puxadeira... depois de pescá.” (Ent.20). (04) Rapicho: s.m. Luz do maquinista: “...o rapicho a gente vê logo...” (Ent.15). (05) Dispassar: v. Desviar: “...vem um barco, e a gente vai e dispassa...” (Ent.30). (06) Desmundar: v. Pescar sem limites no mar: “....num tem limite... a gente desmunda o mar... (risos)” (Ent.09). 3 Entrevistado.
Os exemplos estão na linguagem coloquial falada.
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(07) Fundiar : v. ancorar o barco, estacionar o barco: “...quando a gente chega, se a maré ta baixa, nóis procura fundiar,e espera até a maré encher pra poder passar...” (Ent.11). Ressaltamos que alguns termos/expressões demonstram particularidades linguísticas nas variedades léxico-semânticas desses profissionais da região pesquisada, independente da idade e da comunidade pesqueira, ocasionando um ruído comunicacional com relação aos visitantes, só resolvido de forma empírica. Além disso, nas comunidades pesqueiras desta pesquisa há termos/expressões registrados nos dicionários consultados relacionados ao universo agropecuário, mantendo similaridade com a pesca, como os encontrados na comunidade da Raposa, no município de Raposa, no Maranhão (COSTA, 2012), e não encontrados na comunidade Canto do Mangue, no bairro das Rocas, em Natal, no estado do Rio Grande do Norte (SANTOS, 2010): pesca de curral, curral, curralzinho, pescaria de curral, chiqueiro, boca do curral, rancho, rancharia, vaquero (08), camurim, sala grande, salinha, testera de chiquero.
Os termos/expressões utilizados por pescadores de faixa I (acima de 18 até 40 anos) e por pescadores de faixa II (de 41 até 70) apresentam variantes diversificadas, no aspecto léxico-semântico, referentes a procedimentos e material envolvidos na utilização, confecção, preparação e conserto dos artefatos necessários à atividade da cata ou pesca, bem como a ações, funções, espécies de pescado, alimentação, embarcações e material utilizados, fenômenos naturais, beneficiamento e comercialização do pescado. Vejamos alguns exemplos de termos/expressões e suas variantes. O termo jererê, equipamento de captura de pescado pequeno, tem variantes, como rangai, choque e fojo. O pescador da faixa I utiliza jererê (11), enquanto o da faixa II, rangai (12): (11) “...com o jererê os peixe pequeno pega logo...” (Ent.30). (12) “... aí fica uns pescadores na beira da costa com uns rangai e pega os peixinhos pra comer...” (Ent.13).
(08) “...o homem que tira o pescado... despeca, é o vaquero... que também faz o curral de pesca...” (Ent.25). Encontramos também termos/expressões que estão registradas nos principais dicionários de uso do Brasil, no entanto apresentam significados distintos na fala dos profissionais desta pesquisa, por exemplo, os termos caverna (09) e engodo (10)4 . (09) Caverna (s.f.): “ a caverna racha e a gente tem que voltá ” (Ent.04). (A) Cavidade profunda e extensa aberta em rocha; antro, gruta; (B) 1-Parte de madeira que sustenta o tabuado da navegação. 2-Alicerce da canoa para colocar a vela. 3-Esqueleto da canoa. (10) Engodo: (s.m): “...o engodo tem bastante pra pescar maia...” (Ent.42). (A) Atrativo, astúcia sedutora e enganosa: o engodo fácil do prazer. Adulação, lisonja, bajulação astuciosa;
Figura 3: Foto de jererê. Fonte: pesquisadora.
Quanto à espécie de pescado, a expressão peixe grande, de valor econômico maior, apresenta as seguintes variantes: valoado (13), utilizada por pescadores da faixa II; e chanel (14), por pescadores da faixa I. (13) “...estava pescando em alto mar quando de repente um valoado perto da minha canoa...” (Ent.22). (14) “vi um chanel, peixe de 8 a 10 quilos, ia me dar um bom dinheiro...” (Ent.07).
Há termos relacionados à alimentação, utilizados por todas as faixas de idade, como quimanga, alimento (B) Parte da isca que o pescador joga no mar em volta que os pescadores levam para pescaria. Esse termo da embarcação para atrair o peixe. apresenta suas variantes, como rango, bóia, compo4 A letra (A) refere-se ao significado encontrado nos dicionários nente, mas que apresentam uso distinto, dependendo da consultados e a letra (B), na fala dos profissionais da pesca. idade, como se observa, a seguir, em que o pescador Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 68
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da faixa I utiliza rancho (15) e o pescador da faixa II, componente (16): (15) “... antes de sair pra pescar a gente arruma o rancho, com tudo que a gente vai comer durante a viagem...” (Ent.17). (16) “... a gente leva o componente para muito dia no mar...” (Ent.31). Quanto a termo/expressão e variantes referentes a material utilizado e tipo de embarcação, esta pesquisa encontrou diversos exemplos. O termo garatéia, significado de âncora, apresenta determinadas variantes específicas, como fateixa, ferro, poita. O uso dessas variantes depende da idade: o pescador da faixa I utiliza a variante ferro/poita (17), enquanto o faixa II, fateixa/ garatéia (18 e 19): (17) “... sobe o ferro!...” (Ent.31). (18) “... bicheira aí a fateixa menino!...” (Ent.21). (19) “... levanta a garatéia!...” (Ent.41). A expressão barco grande, embarcação de grande porte, apresenta as seguintes variantes: zitão, nave, motorizado. O pescador da faixa I utiliza nave/motorizado (20), enquanto o da faixa II, zitão (21): (20) “... aí as nave de hoje sai carregada de mais e tem o risco do barco afundar...” (Ent.13).
enquanto a expressão vento forte é empregada pelo pescador da faixa I. Além desses exemplos, há uma gama de termos/expressões e variantes, para as quais não há espaço neste artigo, pois fazem parte de um projeto maior: o glossário plurilíngue da arte da pesca do estado do Ceará, em andamento. 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os termos e expressões das áreas de especialidade estão sujeitos à variação, quer no tempo, quer no espaço, quer na sociedade. Os dados apontam uma variação terminológica significativa nas comunidades pesqueiras de Acaraú. Podemos perceber que as unidades socioterminológicas são unidades de riqueza social e cultural na linguagem de especialidade da arte da pesca nesse município. Acreditamos que os resultados deste trabalho possam contribuir científica e socialmente tanto para a Linguística como para a Pesca, para facilitar o acesso e o entendimento dos lexemas dessa área de especialidade a todos que deles fazem uso e servir como documento histórico de uma determinada época destas comunidades pesqueiras. A compilação e a definição desses termos serão incorporadas a um glossário plurilíngue (Português, Inglês e Espanhol) em desenvolvimento, que será disponibilizado para presentes e futuras gerações de docentes e discentes da área da Pesca e outras do IFCE - Acaraú.
(21) “... também tem os zitão...” (Ent.27).
AGRADECIMENTOS
Em relação ao beneficiamento e à comercialização do pescado, há o termo atravessador, pessoa que compra e vende o produto da pescaria. O pescador da faixa I utiliza a variante armador (22), enquanto o pescador da faixa II, marchante (23):
Aos dirigentes do IFCE - Campus Acaraú por proporcionar esta pesquisa. Aos alunos do campus Acaraú pela cooperação como bolsistas e voluntários.
(22) “ o armador é que leva a boa....” (Ent.33). (23) “... antigamente era os marchante que comprava e vendia o peixe...” (Ent.48).
REFERÊNCIAS AULETE, C. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Lexicon, 2011. BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editora, 2007.
Quanto aos fenômenos naturais, a expressão mar rolando, com significado de “mar agitado”, apresenta de- BARBOSA, M. A. Terminologia e lexicologia: terminadas variantes específicas como mar assanhado plurissignificação e tratamento transdisciplinar e rolamento no mar. Essas variantes são utilizadas so- das unidades lexicais nos discursos etnomente pelo pescador da faixa II, enquanto a expressão linguísiticos. Revista de Letras, v. 1/2, n. 27, mar rolando, pelo pescador da faixa I. p. 103 – 107, jan. / dez. 2005. Disponível em: A expressão vento forte, com significado de “mar <http://www.revistadeletras.ufc.br/rl27Art18.pdf>. com muito vento”, tem as seguintes variantes: tremembé de vento, temporal, muito vento. Essas vari- BECHARA, E. Dicionário da língua portuguesa. Rio antes são utilizadas somente pelo pescador da faixa II, de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2011. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 63 - 70, nov. 2015 69
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MALACOFAUNA DOS CURRAIS DE PESCA DA PRAIA DE ARPOEIRAS, ACARAÚ, CEARÁ H ELENY N ORONHA DAVID , PATRICIA A LBUQUERQUE DA S ILVA , NATALIA G OMES DO NASCIMENTO , R AFAELA C AMARGO M AIA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Acaraú <helenynoronha@hotmail.com>, <patricia.silva.albuquerque@gmail.com> <nattalianascimento@gmail.com>, <rafaelamaia@ifce.edu.br> Resumo. Currais de pesca são armadilhas fixas no solo que aprisionam os peixes em cercados por meio do movimento das marés. O objetivo deste trabalho foi verificar se estas estruturas exercem influência na distribuição das espécies da malacofauna e realizar um levantamento taxonômico desses organismos na região. Foram escolhidos três currais, em que foram coletadas cinco amostras de sedimento da área interna e cinco amostras na área externa, sendo as coletas realizadas em maio de 2012, período chuvoso e outubro de 2013, período seco. Duas classes de Mollusca foram encontradas, Gastropoda e Bivalvia, compreendendo 7 famílias, 8 gêneros e 8 espécies. Não ocorreram diferenças significativas na riqueza e abundância de espécies de moluscos entre as amostras coletadas dentro e fora dos currais de pesca estudados na Praia de Arpoeiras, entretanto foram observadas diferenças significativas durante as estações de amostragem, sendo o período chuvoso mais rico e com maior abundância de moluscos. Palavras-chaves: Macrofauna. Moluscos. Organismos bentônicos. Abstract. Fishing weirs are traps placed on the ground that confine fishes in fences through the tidal movement. The objective of this study was to determine whether these structures influence the species distribution of mollusks and carry out a taxonomic survey of these organisms in the region. Three fishing weirs were chosen to provide sediment samples from the inner area and five samples from the outer area, collected throughout the dry and wet season. Two classes of Mollusca were found, Gastropoda and Bivalvia, comprising 7 families, 8 genera and 8 species. There were no significant differences regarding the richness and abundance of mollusc species throughout the samples collected from the inner and outer area of the fishing weirs studied in Arpoeiras Beach. However, significant differences were observed during the collection periods, wherein the rainy period was richer and more abundant of molluscs. Keywords: Macrofauna. Mollusks. Benthonic organisms. 1
INTRODUÇÃO
(2005) e Pagliosa (2006).
Mudanças no hidrodinamismo também podem ser Praias arenosas são ambientes dinâmicos, cujas con- causadoras de estresse ambiental para os organismos dições ambientais variam frequentemente, sendo a re- habitantes de praias arenosas, podendo levar a mortaligião entremarés uma zona habitada por diversificada dade precoce desses indivíduos (SOLA; PAIVA, 2001), macrofauna bentônica, dominada principalmente por enquanto a presença de vegetação aquática pode promoluscos, anelídeos poliquetas e crustáceos (ROCHA- porcionar abrigo, proteção e alimentação abundante BARREIRA et al., 2005). Essa biota é ainda pouco co- para esses animais (CORBISIER, 1994). Neves e Vanhecida para o litoral do Brasil, onde os estudos sobre lentin (2011) afirmaram que, devido à associação com a variabilidade espacial são ainda mais raros (BLAN- o sedimento, os organismos bentônicos servem como KENSTEYN; MOURA, 2002). A maioria dos traba- bons indicadores ambientais, pois respondem a distúrlhos relaciona a sua distribuição com fatores abióti- bios naturais e antropogênicos, sendo importantes alicos, como pode ser observado nos trabalhos de Viana, ados no monitoramento e controle de qualidade amRocha-Barreira e Hijo (2005), Paiva, Coelho e Torres biental. Estes animais são importantes para detectar Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 71 - 76, nov. 2015 71
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possíveis impactos ambientais, sendo excelentes indicadores biológicos, pela sua mobilidade restrita e associação ao sedimento (SOLA; PAIVA, 2001; RODRIGUES; BORGES-AZEVEDO; HENRY-SILVA, 2012). A pesca de curral ou cerco-fixo é caracterizada pela retenção de peixes por meio do movimento das marés, em armadilhas geralmente feitas de varas e arame implantadas no solo (PIORSKI; SERPA; NUNES, 2009). No Ceará, boa parte da renda da população é advinda das atividades pesqueiras, entre as artes de pesca artesanais utilizadas estão os currais de pesca, que exercem papel muito importante do ponto de vista econômico (SOUSA-NETO; PEREIRA; SANTANA, 2012). O cerco instalado fornece refúgio para as espécies bentônicas, tornando este ambiente favorável para a colonização de moluscos (NEVES; BEMVENUTI, 2009). Segundo Dias, Rosa e Damasceno (2007), grande parte da pesca artesanal brasileira baseia-se no extrativismo de espécies de moluscos marinhos, sendo importante fonte de renda para uma parcela significativa da população litorânea. Devido à inexistência de trabalhos que relacionem a ocorrência de moluscos, importantes recursos pesqueiros, à pesca artesanal de curral, fica evidente a necessidade deste estudo para avaliar a relação entre tal atividade e estes animais. Neste contexto, os objetivos deste trabalho foram: 1) Verificar se os currais exercem influência na composição das espécies na malacofauna, verificando se há diferença entre as estações seca e chuvosa e; 2) Realizar um levantamento taxonômico para o conhecimento das espécies de moluscos bentônicos existentes na região. 2 2.1
CEME, 2012). 2.2
Metodologia de amostragem
Para a análise da malacofauna foram selecionados três currais de pesca, aleatoriamente, na mesma linha de maré, ao longo da praia, distando no mínimo 50 metros um do outro (Figura 1(a)). Em cada um, para coleta da macrofauna, foi usado um amostrador cilíndrico de PVC (“core”) com 15 cm de diâmetro, enterrado a 10 cm de profundidade no sedimento. As coletas foram realizadas em duas estações, uma no período chuvoso e outra no período seco, sendo coletadas no período de baixa maré. Foram coletadas aleatoriamente cinco amostras de sedimento na área interna e cinco amostras em áreas adjacentes, localizadas a cerca de 10 metros de cada curral (Figura 1(b)).
(a)
MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo
O presente estudo foi realizado na Praia de Arpoeiras, localizada no município de Acaraú, litoral oeste do estado do Ceará (S 02o 49’09,5"W 40o 05’12,6") sendo as coletas realizadas em maio de 2012 e outubro de 2013, caracterizados como período chuvoso e período seco respectivamente. O local consiste numa planí(b) cie entremarés com grande extensão, ausência de zona de arrebentação, com forte influência do estuário do Figura 1: Currais de pesca na (a) Praia de Arpoeiras (CE) e (b) deRio Acaraú, possuindo declive suave, sedimento muito senho esquemático amostral da metodologia empregada na coleta de fino a bem selecionado, onde é observada uma grande dados. ocorrência de currais de pesca. A zona de supralitoral Em laboratório, o material coletado foi peneirado caracteriza-se por uma faixa curta, elevada arenosa com vegetação rasteira. O estrato selecionado para as amos- em malha de 0,05 mm de abertura para retirada da malatragens faz limite com a zona de retenção, apresentando cofauna bentônica, e a seguir, foi conservado em álcool sedimento fino bastante úmido (ROCHA-BARREIRA etílico 70%. Os organismos encontrados foram separaet al., 2005). A temperatura média da região é de 27o C dos e contados com o auxílio de um microscópio estee pluviosidade aproximada de 1.100 mm ao ano (FUN- reoscópico e os moluscos foram identificados ao menor Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 71 - 76, nov. 2015 72
MALACOFAUNA DOS CURRAIS DE PESCA DA PRAIA DE ARPOEIRAS, ACARAÚ, CEARÁ Tabela 1: Composição e distribuição dos táxons de moluscos nos locais de coleta, na Praia de Arpoeiras, considerando o período seco e chuvoso.
nível taxonômico possível, por meio de bibliografia especializada como Rios (2009). Para comparar a abundância de organismos e a riqueza de espécies de moluscos, dentro e fora dos currais de pesca (posição) nas duas estações estudadas (seca e chuvosa) foi utilizada uma Análise de Variância de dois fatores (ANOVA two-way). As análises foram realizadas utilizando o programa STATISTICA for windowsr versão 7.0 e nível de significância de 5% (p < 0,05). A similaridade das amostras foi avaliada por meio de uma Análise de Agrupamento (cluster) a partir do índice de similaridade de Bray-Curtis usando o programa PRIMER v6 (Plymouth Routines In Multivariate Ecological Research (CLARKE; GORLEY, 2006)). Nessa análise foram considerados os valores de densidade relativa das espécies. Todos os dados utilizados nas análises foram transformados em logaritmo neperiano para alcançar as premissas dos testes. 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO Tabela 2: Resultados da ANOVA de dois fatores (posição e estação)
Considerando os três currais de pesca amostrados, nas para riqueza de espécies de moluscos. estações seca e chuvosa, foram identificadas duas classes de Mollusca: Bivalvia e Gastropoda, compreendendo 7 famílias, 8 gêneros e 8 espécies. A classe Gastropoda foi dominante nas duas estações, com 98% dos indivíduos coletados, enquanto a classe Bivalvia representou 2% do total de indivíduos. Dentre todas as amostras coletadas neste estudo, o gastrópode Rissoina sp. (Orbigny, 1840) foi a espécie dominante, com 53% do total indivíduos coletados, seguido por Tricolia affinis (C. B. Adams, 1850), com 28% de ocorrência, ambas as espécies foram encontradas apenas no período chuvoso. As demais espécies amostradas estão apresenta- trado no período chuvoso. Na área referente ao curral 2 foi encontrado apenas um indivíduo de O. minuta e das na Tabela 1. Entre os três currais de pesca amostrados, conside- no espaço que se refere ao curral 3 foram encontrados rando os organismos coletados nas áreas interna e ex- 9 exemplares de O. minuta e um de Macoma sp., sendo terna, no período chuvoso o maior número de espécies desta forma, O. minuta a espécie dominante no período foi observado no curral 2, enquanto a menor foi amos- seco. Os resultados da ANOVA de dois fatores indicam trada no curral 1. Já no período seco foram encontradas maiores valores de riqueza de espécies de moluscos coapenas 3 espécies de moluscos. No período chuvoso, a letados na estação chuvosa quando comparados com a área correspondente ao curral 1 totalizou 23 indivíduos, estação seca, não variando com a posição de amostrade duas espécies, com dominância de Olivella minuta gem (dentro e fora dos currais de pesca) (Tabela 2) (Fi(Link, 1807) (21 exemplares). No curral 2 ocorreram gura 2). 226 moluscos de quatro espécies distintas, onde RisResultados semelhantes foram observados para o soina sp. foi a dominante (171 exemplares). Já no ambiente relacionado ao curral 3 ocorreram 141 organis- número de organismos coletados, sendo significativamos de cinco espécies, com predominância de T. affinis mente maior na estação chuvosa (Tabela 3) (Figura 3). (75 espécimes) seguida de Rissoina sp. (58 espécimes). O dendograma de similaridade gerado a partir da No período seco, foram evidenciados na área cor- densidade relativa das espécies agrupou as amostras corespondente ao curral 1, 4 indivíduos de O. minuta, letadas nos currais de forma distinta (Figura 4). As 3 exemplares de Anomalocardia brasiliana, e 1 orga- amostras de dentro e fora dos currais na estação seca nismo da espécie Macoma sp., o qual não foi encon- se mostraram mais similares e foram agrupadas com as Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 71 - 76, nov. 2015 73
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amostras coletadas fora dos currais no período chuvoso. Já as amostras coletadas dentro dos currais mesmo período não agruparam com as demais.
Figura 4: Análise de agrupamento a partir do índice de similaridade de Bray-Curtis, considerando a densidade relativa das espécies nas amostras coletadas nos currais de pesca na Praia de Arpoeiras. Figura 2: Número de espécies de moluscos amostrados dentro e fora de currais de pesca na Praia de Arpoeiras durante as estações seca e chuvosa.
Os moluscos coletados na praia de Arpoeiras variaram em abundância e riqueza, de acordo com as condições ambientais da região e de cada curral, já que os mesmos encontravam-se afastados uns dos outros, embora tenham sido escolhidos aleatoriamente. Os resultados obtidos no presente estudo indicam uma dominância de moluscos da Classe Gastropoda nas áreas amostradas enquanto a Classe Bivalvia foi pouco representativa. Segundo Rocha-Barreira et al. (2005), a praia de Arpoeiras apresenta sedimento arenoso, o que não favorece a colonização por bivalves, que devido ao seu hábito alimentar micrófago, apresentam melhores condições de ocorrência em ambientes areno-lodosos. A dominância dos gastrópodes herbívoros Rissoina sp. e T. affinis pode ser resultado da presença de bancos de algas e fanerógamas próximas das áreas amostradas nos currais 2 e 3 durante o período chuvoso. Este resultado não foi observado na estação seca, já que não havia mais vegetação no local. Segundo Corbisier (1994), a presença de uma abundância faunística considerável quando relacionada a algas marinhas, se deve ao fato Figura 3: Abundância média de moluscos amostrados dentro e fora dos animais encontrarem maior refúgio contra espécies de currais de pesca na Praia de Arpoeiras. predadoras e maior presença de alimento. Resultado corroborado por Rocha e Martins (1998) em seu estudo Tabela 3: Resultados da ANOVA de dois fatores (posição e estação) sobre a malacofauna bentônica da plataforma continenpara abundância de moluscos. tal do litoral oeste do Estado do Ceará, considerando a disponibilidade de superfícies de fixação para colonização nesses ambientes. A ausência desses bancos no curral 1 podem ter influenciado a baixa ocorrência de moluscos nessa área, tanto na estação seca quanto na chuvosa, com exceção de O. minuta, um gastrópode carnívoro. Os resultados da análise estatística demonstraram que não ocorreram diferenças significativas na riqueza e abundância de espécies de moluscos, entre as amostras Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 71 - 76, nov. 2015 74
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coletadas dento e fora dos currais de pesca estudados na Praia de Arpoeiras, entretanto foram observadas diferenças significativas durante as estações de amostragem, sendo o período chuvoso mais rico e com maior abundância de moluscos. No período seco, os moluscos estão mais expostos à dessecação e há menor quantidade de alimento disponível, além de valores de salinidade mais altos, o que torna essa estação menos favorável para a colonização desses organismos na área entremarés (VIANA; ROCHA-BARREIRA; HIJO, 2005). 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os currais de pesca parecem não exercer influência sobre a malacofauna na praia de Arpoeiras. As artes de pesca, como essa, são muito utilizadas na região e pouco se conhece a respeito dos possíveis impactos que elas podem exercer sobre a biota. Esses resultados podem fornecer subsídios para o ordenamento das atividades pesqueiras em diferentes regiões e para normatização por meio dos órgãos gestores para essa atividade. 5
AGRADECIMENTOS
À professora Socorro Abreu, que ajudou na revisão do artigo, a André Luís pela figura do curral, a Glaydson Albuquerque pela foto dos currais, a Junior Costa por sua ajuda durante as coletas, a Paulo Filho pela ajuda no abstract, e ao Grupo de Pesquisa em Ecologia de Manguezais (ECOMANGUE) pelo auxílio na realização do trabalho. REFERÊNCIAS BLANKENSTEYN, A.; MOURA, R. S. d. Lista preliminar das espécies da macrofauna de fundos inconsolidados da Baía de Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, scielo, v. 19, p. 715 – 721, 09 2002. ISSN 0101-8175. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S0101-81752002000300008&nrm=iso>. CLARKE, R.; GORLEY, R. Primer V6: User Manual - Tutorial. Plymouth Marine Laboratory, 2006. Disponível em: <https: //books.google.co.in/books?id=fsWqmwEACAAJ>.
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PESCA DE CERCO EM SÃO JOÃO DA BARRA, RIO DE JANEIRO, BRASIL L IGIA H ENRIQUES B EGOT1 , J ULLIANA W ELLER2 , J OÃO V ICENTE M ENDES S ANTANA3 1
Universidade Federal do Pará (UFPA), 2 Instituto Federal Fluminense (IFF), 3 Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus de Acaraú <ligiabegot@hotmail.com>, <julliana.weller@hotmail.com> <joaovicentesantana@gmail.com>
Resumo. A pescaria com rede de cerco no município de São João da Barra, Rio de Janeiro, Brasil está aos poucos sendo utilizada pela pescaria local. O presente trabalho objetivou descrever estruturalmente e tecnologicamente as embarcações com rede de cerco (traineiras). A pesquisa foi realizada através de questionários com tripulantes e proprietários de embarcações, mensurando média, amplitude e intervalo de confiança (α = 0,05). O número de traineiras do município são cinco, construídas em casco de madeira e com as seguintes médias: comprimento total 12,4 m (± 1,7); arqueação bruta 9,7 (± 4,0); idade 4,8 anos (± 2,3); potência do motor principal 212 HP (± 80,9) e número de tripulantes 7,4 (± 1,2). Todas as embarcações apresentavam como equipamentos de navegação e detecção de cardumes: bússola, GPS, sonda e sonar, e como equipamentos de comunicação rádios VHF e PX. A rede de cerco obteve as médias: comprimento total e altura de 613,6 m (± 123,6) e 50,8 m(± 6,3), respectivamente, com tamanhos de malha entre nós de 18,8 mm (± 4,0) e 22,8 mm (± 4,4); boia baleia com quantitativo de 4460 unidades por rede (± 1749,3); chumbos com 0,180 kg (± 0,04), conferindo um peso total de chumbo de 447,2 kg (± 48,5). As embarcações de São João da Barra possuem pouca idade em relação às demais traineiras registradas no litoral fluminense, maior comprimento total médio, maior potência de motor, além dos instrumentos de navegação presentes de alta tecnologia. Palavras-chaves: Pesca. Traineira. Cerco, Norte fluminense. São João da Barra. Abstract. The surrounding nets with purselines (purse seines) the municipality of São João da Barra, Brazil, are fishing by little being used by local fishermen. This present paper aimed to describe the boats which fish through tanged net fishing with, according to their structural and technological characteristics. The survey was conducted by filling in pre-prepared questionnaires in loco with crew and boat owners, the measured data were analyzed according to the average, range and confidence interval (α = 5%).The number of trawlers in operation today in the city is five, all recorded at the Port Authority and with a wooden hull. The measures taken were the average number of crew 7.4 (± 1.2), an average total length of 12.4 m (± 1.7), an average gross tonnage of 9.7 t (± 4.0), an average of age 4.7 years (± 2.3), average power of 212 hp main engine (± 80.9). All boats had navigation equipment; Compass and GPS technology to detect the fish: Probe and SONAR and communications equipment VHF radios and PX. The aid boats had an average total length of 5 m (± 0.9). The seine had an average of area of 31.4 m2 (± 7.5); an average of main mash of 18.8 mm (± 4.0); whale type float (0.03 m3 /unit) with an average quantitative of 4460 units by network (± 1749.3) leads with an average weight of 0.180 kg (± 0.4), giving the network an average weight of 447.2 kg (± 48.5). Sao Joao da Barra boats are new compared to the other coastal trawlers registered in the state, higher mean total length, more powerful engines, plus the navigation instruments present high-tech. Keywords: Environmental impact. Environmental problem. Environmental awareness. 1
INTRODUÇÃO
seus 640 km uma atividade pesqueira caracterizada pela variada composição de pescado e petrechos pesqueiros (SILVA; VIANNA, 2009). Não diferente de parte do
O estado do Rio de Janeiro detém a terceira costa marinha mais extensa do país, apresentando ao longo de Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015
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da Barra e principal ponto de desembarque da região, localizado na quase fronteira com o Estado do Espírito Santo na foz deltaica do Rio Paraíba do Sul (SOARES et al., 2013) (Figura 1).
à detecção de cardumes - Sonda e Sonar (Sound Navigation and Ranging), assim como os de comunicação rádios VHF (Very High Frequency), PX (serviço de rádio cidadão) e celular foram encontrados em todas as embarcações. O compartimento urna de porão também era pre2.2 Desenho Amostral sente em todas as embarcações. O uso de gelo para A pesquisa para levantamento dos dados da atividade armazenamento do pescado também foi característica pesqueira com rede de cerco no município de São João registrada em todas as unidades estudadas. da Barra foi elaborada a partir de um levantamento biA madeira foi o material utilizado em todas as embliográfico e entrevistas. barcações principais. Em destaque, as médias encontraAs entrevistas foram realizadas in loco com tripu- das para as cinco embarcações traineiras, sendo para o lantes e proprietários de embarcações traineiras, so- comprimento total de 12,4 m; AB de 9,7; idade de 4,8 mando um total de 35 entrevistados. As entrevistas fo- anos; número de tripulantes de 7,4 pescadores. A proram realizadas com questionários, abordando caracte- pulsão motora das embarcações é realizada pelo motor rísticas qualitativas e quantitativas sobre os itens: em- principal com potência média de 212 hp, as marcas enbarcações (traineiras), embarcações auxiliares (caícos) contradas foram MWM e Mercedes, ambas presentes e petrecho de pesca (rede de cerco) (Quadro 1). Posteri- para cada 50% das traineiras. Apenas uma embarcação ormente, os dados qualitativos foram transcritos e com possuía motor secundário MWM com potência de 90 os dados quantitativos foram calculados: média aritmé- hp e 4 cilindros. tica (µ); desvio padrão (σ); intervalo de confiança (IC) Quanto às embarcações auxiliares, os caícos todos 95% (α=0,05) e amplitude (mínimo žo e máximo žf ), assim como as embarcações principais foram construísendo os resultados dispostos em: µ (±IC; žo - žf ). dos em madeira, com comprimento total médio de 5 m; idade média de 3,3 anos. A propulsão a motor estava Quadro 1: Lista de itens abordados e suas respectivas características presente em 60% dessas embarcações, com motores das qualitativas e quantitativas presentes nos questionários de pesquisa. marcas NS11 e Tobata, em proporções iguais de uso, com potência média de 14 hp. As redes de cerco são petrechos que requerem alto investimento financeiro, esse o motivo que justifica apenas uma rede por embarcação. Os petrechos de pesca da frota em estudo caracterizam-se pelo uso de flutuadores na tralha superior com boias tipo Baleia em 100% das redes - esses flutuadores são de polietileno, flutuabilidade de 600g/unidade, diâmetro externo 110 mm, diâmetro interno 18 mm; a quantidade média encontrada foi de 4460 boias por rede. Na tralha superior, os cabos utilizados em 60% das amostras foi o de polietileno 12, enquanto nos 40% restantes, o polietileno 14. A tralha inferior caracterizou com cabo de polietileno 14 (20%); 12 (40%) e 10 (40%); chumbos utilizados com 3 RESULTADOS peso unitário médio de 0,18 kg e peso total médio de No município de São João da Barra a frota de rede de chumbo por rede de 447,2 kg. O comprimento total cerco com retinida é composta por cinco embarcações médio da rede foi de 613,6 m e altura total média de atuantes, todas legalmente registradas nos órgãos com- 50,8 m. As redes de cerco apresentavam dois tamanhos petentes (Capitania dos Portos e Ministério da Pesca e de malha na mesma unidade, conforme esquema apreAquicultura - MPA), possuindo como porto de origem sentado na Figura 2. Para a malha 1, a média registrada a localidade de Atafona e apresentando como petrecho foi de 18,8 mm, caracterizadas com o uso de fio 16 em principal a rede de cerco. Apenas uma delas possuía 60% das embarcações e com o fio 12 nas restantes. Para registro para pesca de arrasto, sendo esse seu petrecho a malha 2, a média foi de 22,8 mm com uso de fios 18 secundário. e 12, cada um encontrado em 50% das embarcações. O Os equipamentos de navegação - bússola e GPS detalhamento dos dados quantitativos e qualitativos da (Global Positioning System); equipamentos de auxílio frota de cerco do município de São João da Barra está Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015 79
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Brasil, a pesca fluminense remonta a períodos históri- correspondeu a cerca de 30% da produção do município cos e permanece como uma atividade geradora de ali- (PETROBRÁS, 2009). mentos, emprego e renda para vários segmentos econôA pesca de cerco tem seu primeiro registro histómicos (PAES, 2002). rico em 1930, trazida por pescadores espanhóis ao esVieira (2013) aponta que o estado do Rio de Janeiro tado do Rio de Janeiro. Esta pesca utilizava barcos com possui o 2o maior mercado consumidor de pescado do uma grande rede de cerco, chamada de traina, desigpaís. Ainda corroborando o papel da pesca como im- nação que acabou nomeando este modelo de embarcaportante atividade socioeconômica, a última estatística ção como traineira. As traineiras inicialmente possuíam pesqueira nacional mostrou que esse estado ocupa a ter- uma tripulação de 15 a 20 homens e, em 1958, diversas ceira posição na produção de pescado marinho e estu- traineiras já apresentavam motores de até 120 hp com arino do país com 78.933 t de pescado, capturadas du- uma tripulação de 12 a 24 pescadores (RITTER; GArante o ano de 2011, ficando atrás apenas de Santa Ca- LHEIGO, 2009). Essa pescaria é realizada com o auxitarina (121.960 t) e do Pará (87.509,3 t), segundo dados lio de uma embarcação auxiliar, chamada comumente de bote, caíco, panga ou baleeira. O petrecho de pesca: do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA, 2013). Ao longo dos 27 municípios presentes na costa flu- rede de cerco, denominado do mesmo modo de traiminense diversas modalidades de pesca são realizadas neira, consiste, em linhas gerais, em uma superfície de (AVILADASILVA; VIANNA, 2009; VIANNA, 2009; malhas com uma tralha superior (cabo de boias) e uma VIEIRA, 2013). Nogueira et al. (2011) apontam que tralha inferior (cabo de chumbos). Caracteriza-se pela a variedade na frota e nos petrechos de pesca são res- captura de peixes circundando-os e os aprisionando na postas aos fatores biológicos, econômicos, culturais e rede, a qual adquire o formato de um saco através do geográficos. Embora com a significativa produção pes- fechamento de um cabo inferior - a retinida. Justaqueira, a frota pesqueira fluminense é caracterizada no mente pela presença da retinida, esse petrecho de pesca geral como de baixa tecnologia, principalmente quando é nomeado internacionalmente: rede de cerco com recomparada a frotas do litoral sudeste-sul brasileiro (VI- tinida ou surrounding nets with purselines (purse seines) na língua inglesa, pelo Internacional Standard StaANNA, 2009). DiasNeto (2002) realça a importância do conheci- tistical Classification of Fishing Gear ISSCFG (NEDEmento das frotas pesqueiras, essas informações são es- LEC; PARDO, 1990). Supondo que a pesca de cerco esteja sendo consitruturais aos planos e projetos de gestão pesqueira. Poderada essa nova estratégia de pesca no município de rém, tais informações ainda são precárias quanto à frota São João da Barra, o presente estudo objetiva descrever pesqueira fluminense. Essa ausência do conhecimento as características estruturais e operacionais das embaré um dos propulsores a presente pesquisa. Outro fator é cações de cerco pertencentes a São João da Barra. A a indagação de que outra modalidade de pesca, no caso justificativa dessa pesquisa se dá pela importância soa pesca com rede de cerco, esteja firmando uma frota cial e produtiva da atividade pesqueira ao município de no município de São João da Barra. São João da Barra. Em especial à frota de cerco, pesSão João da Barra é o principal ponto de desemcaria essa que ainda não possui um estudo detalhado, barque ao norte do estado do Rio de Janeiro. No ano visando adquirir informações pertinentes à criação de de 2012 foram registrados 1.042.038 t de pescado proplano e/ou políticas públicas para renovação e gestão venientes da pesca marinha, segundo a Fundação Insda frota pesqueira. tituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ, 2013). A atividade no município envolve cerca de mil e quinhentos pescadores profissionais, sendo tradicio- 2 MATERIAL E MÉTODOS nalmente caracterizada pelas modalidades de pesca de caída, pesca de camarão, pesca de plataforma e pesca 2.1 Área de estudo de peruá (RIBEIRO, 2009). O município de São João da Barra possui área total A pescaria de cerco em São João da Barra é uma de 455 km2 , correspondentes a 4,7% da área da Remodalidade recente e ainda com poucas embarcações gião Norte Fluminense. Está localizado entre a latitude se comparada às demais modalidades já praticadas no 21◦ 38’13"S e longitude 41◦ 03’03"W, com área terrimunicípio, porém já apresenta destaque na produção de torial 431,9 km2 , na margem direita do rio Paraíba do pescado e na renda. Nos últimos anos a pesca de cerco sul. Os limites municipais, no sentido horário, são: São vem se firmando em São João da Barra com uma nova Francisco de Itabapoana, Oceano Atlântico e Campos modalidade de pesca. No período de agosto de 2008 a dos Goytacazes (IBGE, 2014). A pesquisa de campo foi junho de 2009 a produção de 508,2 t da pesca com cerco realizada em Atafona, distrito do município de São João Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015 78
PESCA DE CERCO EM SÃO JOÃO DA BARRA, RIO DE JANEIRO, BRASIL
Figura 1: Distrito de Atafona, principal área de embarque e desembarque pesqueiro da frota de cerco do município de São João da Barra/RJ. Fonte: elaborado pelos autores em QGIS (2015).
Figura 2: Esquema da rede de cerco com retinida utilizada pelas embarcações em São João da Barra/RJ. Fonte: elaborado pelos autores.
Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015
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PESCA DE CERCO EM SÃO JOÃO DA BARRA, RIO DE JANEIRO, BRASIL Tabela 1: Lista de itens abordados e suas respectivas características qualitativas e quantitativas presentes nos questionários de pesquisa.
na Tabela 1. 4
DISCUSSÃO
Primeiramente, antes de discutir sobre os dados qualitativos e quantitativos das embarcações estudadas, é necessária uma explanação sobre a categorização da frota de cerco de São João da Barra. A classificação da atividade pesqueira em artesanal ou industrial não é simples, visto que a pesca apresenta um dinamismo próprio, dificultando uma classificação precisa. Diversos autores relataram sobre essa dificuldade e apontaram características para a classificação em artesanal ou industrial. Em consonância com esses estudos, a pesca de cerco é classificada como industrial, já que possui a presença de compartimento para armazenamento das capturas1 ; sistema de conservação para o pescado e autonomia de mar superior a quatro dias. Todos esses itens foram encontrados na frota de cerco estudada (DIASNETO, 2002; SCHWINGEL; OCCHIALINI, 2003; ISAAC et al., 2006; RIBEIRO, 2009). A partir de Schwingel e Occhialini (2003), a pesca de cerco também se enquadra como pescaria industrial, classificação corroborada pela Lei no . 11.959/09 (BRASIL, 2009), a qual descreve como industrial a pesca praticada por pessoa física ou jurídica, envolvendo pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-partes, utilizando embarcações de pequeno, médio e grande porte, com finalidade comercial. Logo, a frota de traineiras é enquadrada em pescaria comercial industrial, sendo essa classificação importante para que aumente o esforço na realização de
A importância da atividade pesqueira no estado do Rio de Janeiro é extraordinária, tanto no campo sociocultural, como no econômico, como já mencionada. Trata-se de uma atividade que fornece emprego e renda para uma parcela significativa de famílias. No entanto, a pesca fluminense possui um déficit de informações que dificultam a geração de políticas efetivas de gerenciamento, e os dados atuais são escassos, tais como os referentes à produção de pescado, quantidade de pescadores e de embarcações, entre outros. A ausência de informações técnicas pesqueiras não é particularidade do estado do Rio de Janeiro, pois podemos inclusive mencionar que, atualmente no ano de 2015, a última estatística pesqueira nacional publicada é a referente ao ano de 2011. A insuficiência de conhecimento sobre a pesca é ainda mais forte quanto às particularidades locais. A carência de informação reflete o descaso público com a gestão pesqueira. Inclusive essa situação é refletida na frota pesqueira do estado do Rio de Janeiro, a qual é composta, em sua maioria, por embarcações mal dimensionadas e antigas (OLIVEIRA; COLELHO; AMORIM, 2009). São embarcações de baixa tecnologia quando comparadas a outras frotas, principalmente quanto as do litoral sudeste-sul brasileiro que possuem maior desenvolvimento da atividade, como em 1 Sinônimos: urna; porão. Itajaí/SC (VIANNA, 2009). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015
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estudos sobre essa frota e às demais que compõem as pescarias comerciais. A frota de rede de cerco com retinida do município de São João da Barra é composta por cinco embarcações apresentando alguns atributos do perfil da frota pesqueira de cerco fluminense. Dentre as semelhanças, o uso de madeira pela frota de cerco estadual, assim como pelo município, é predominante. 86% e 93% das embarcações descritas por Oliveira, Colelho e Amorim (2009) e por Magro, Moreira e Cardoso (2007), respectivamente são desse material. Begot e Vianna (2014) apresentam que aproximadamente 95% das embarcações de pesca do Rio de Janeiro são de madeira. No entanto, em traineiras de Itajaí, uma área de pesca mais desenvolvida, esse material tem seu uso reduzido. Schwingel e Occhialini (2003) registram o uso de madeira em 53% das embarcações, enquanto as demais foram construídas em ferro. O comprimento médio total da embarcação de 12,4 m foi o registrado para as traineiras de São João da Barra, valor similar ao comprimento médio de 12,8 m observado por Magro, Moreira e Cardoso (2007) para a frota de cerco atuante no estado do Rio de Janeiro no ano de 1998. No entanto, a amplitude das frotas do município de 10,7 m a 13,6 m foi menor quando comparada com a variação 7,5 m a 19 m encontrada por Magro, Moreira e Cardoso (2007). Vale ressaltar que a amplitude observada em São João da Barra apresentou valores ainda menores quando comparados às embarcações de Itajaí, as quais apresentaram comprimentos variando de 19 m a 32 m (SCHWINGEL; OCCHIALINI, 2003). A frota de cerco encontrada em São João da Barra possui características correspondentes a embarcações de arrasto de portas do estado do Rio de Janeiro. Essa semelhança se dá justamente porque todas as embarcações foram projetadas para a pesca com rede de arrasto com portas. Tomas e Cordeiro (2007) descreveram a frota de arrasto de portas do Rio de Janeiro com as seguintes médias e amplitudes: comprimento de embarcação 19,6m (7,2 a 27,0 m); potência de motor 255 hp (115 a 406); arqueação bruta 58 (1,9 a 113,8 AB) e idade de 30,5 anos (11,0 a 62,0 anos). Dessa forma, podemos observar que a potência média de motor das traineiras de São João da Barra de 212 hp (120 a 320), um pouco superior a média de 116,5 hp (±73,66) encontrada por Magro, Moreira e Cardoso (2007) para a frota de cerco, é muito mais aproximada da potência de motor da frota de rede de arrasto com portas (TOMAS; CORDEIRO, 2007).
é justificada pela busca de uma pescaria mais rentável. Begot e Vianna (2014) ressaltam que essa é uma das estratégias de contorno quanto às restrições impostas pelo ambiente, assim como direcionar a uma maior variedade ou quantidade de pescado. A idade média de 4,8 anos, com amplitude de 3 a 8 anos, da frota de cerco de São João da Barra, contrasta com a frota de cerco fluminense, a qual possui em média 17,22 anos conforme Magro, Moreira e Cardoso (2007), e também com Begot e Vianna (2014), segundo os quais a média da frota pesqueira estadual possui uma média de 25,1 anos (variando de 3 a 112 anos). Oliveira, Colelho e Amorim (2009) apontam que apenas 7% das embarcações pesqueiras fluminenses possuem idade de até cinco anos. Devido não ter sido encontrada informação comparativa com a própria frota de cerco do estado do Rio de Janeiro, as características encontradas nos petrechos de pesca em estudo foram comparadas com os dados de redes de cerco de Itajaí, originados de Schwingel e Occhialini (2003), quando os autores apresentaram as amplitudes para comprimento e altura entre 700 e 1100 m, e 60 a 120 m, respectivamente. Esses dados representaram dimensões superiores às encontradas pela frota de São João da Barra. O uso de equipamentos de comunicação e navegação da frota é análogo ao utilizados por esse tipo de pescaria na frota fluminense, assim como por demais frotas brasileiras (BOFFO; REIS, 2003; MAGRO; MOREIRA; CARDOSO, 2007; RITTER; GALHEIGO, 2009; SCHWINGEL; OCCHIALINI, 2003). 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A frota de traineiras de São João da Barra é composta por cinco embarcações predominantemente construídas em madeira, característica essa que compartilha com a frota pesqueira do estado do Rio de Janeiro. As embarcações de São João da Barra possuem características divergentes em relação à frota de cerco fluminense: embarcações com comprimento total médio inferior e de idade média inferior. Porém, igualmente às demais embarcações desse tipo de pescaria no Estado, há a presença de equipamentos de navegação e comunicação, além de tecnologia para busca de pescado e possibilidade em buscar produção em locais mais distantes. A maioria das embarcações de cerco do município foi projetada para a pesca com arrasto de portas. Esse fato, juntamente com a semelhança com algumas características estruturais da frota de arrasto com portas A mudança de petrecho de pesca (nesse caso na al- do estado do Rio de Janeiro, corrobora que a modaliteração de rede de arrasto com portas para rede de cerco dade com rede de cerco no município de São João da de retinida por essas embarcações de São João da Barra) Barra foi uma estratégia para aumentar a rentabilidade Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 77 - 84, nov. 2015 82
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pesqueira. São incrementos estruturais e tecnológicos nas embarcações e petrechos de pesca a fim de manter a captura de pescado rentável. O conhecimento científico é a base para as medidas de ordenamento pesqueiro consistentes, sendo importante salientar a necessidade de trabalhos sobre a frota pesqueira brasileira. O estudo da dinâmica de frota pode responder as causas e as consequências na variação das embarcações ao longo do tempo, sendo possível realizar inferências a respeito do quadro de exploração do pescado. 6
AGRADECIMENTOS
Os autores são gratos à comunidade pesqueira de Atafona - aos seus pescadores, proprietários e entidades representativas - “pessoas do mar” que nos proporcionaram verdadeiros momentos de conhecimento. REFERÊNCIAS AVILADASILVA, A. O.; VIANNA, M. A. A produção pesqueira do estado do Rio de Janeiro. In: VIANNA, M. (Ed.). Diagnóstico da cadeia produtiva da pesca marítima no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FAERJ, SEBRAE-RJ, 2009. p. 47 – 60. BEGOT, L. H.; VIANNA, M. A frota pesqueira costeira do estado do rio de janeiro. Bol. Inst. Pesca, v. 40, n. 1, p. 79 – 94, 2014. BOFFO, M. S.; REIS, E. G. Atividade pesqueira da frota de média escala no extremo sul do brasil. Atlântica, v. 25, n. 2, p. 171 – 178, 2003. BRASIL. Lei no 11.959, de 29 de junho de 2009. dispõe sobre a política nacional de desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do decreto-lei no 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, jul. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11959.htm>. Acesso em: 21 nov. 2015. DIASNETO, J. Gestão do uso dos recursos pesqueiros marinhos no Brasil. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) — Universidade de Brasília - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Brasília, 2002. 164 f.
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USO DO ÓLEO DE CRAVO NA SIMULAÇÃO DE TRANSPORTE DE JUVENIS DE TILÁPIA DO NILO
USO DO ÓLEO DE CRAVO NA SIMULAÇÃO DE TRANSPORTE DE JUVENIS DE TILÁPIA DO NILO A NTONIO G LAYDSON L IMA M OREIRA1 , W LADIMIR RONALD L OBO FARIAS2 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - campus de Morada Nova 2 Universidade Federal do Ceará (UFC) <antonio.glaydson@ifce.edu.br>, <wladimir@ufc.br>
Resumo. O presente trabalho avaliou o efeito do óleo de cravo na qualidade da água e no comportamento de juvenis de tilápia do Nilo submetidos à simulação de um transporte de quatro horas em sacos plásticos, contendo 5, 10, 15 e 20 mg L−1 do anestésico, com 4 repetições por tratamento. Os peixes foram colocados nos sacos contendo as diferentes dosagens. Em seguida, os sacos foram inflados com oxigênio puro e amarrados. Durante o experimento, os animais foram avaliados de acordo com os estágios de anestesia, que vão desde a sedação leve ao colapso medular. Os parâmetros físicos e químicos da água foram monitorados no tanque de aclimatação e nos sacos, imediatamente após a simulação do transporte. O óleo de cravo não interferiu nos valores de oxigênio dissolvido e pH da água após as quatro horas de simulação do transporte, enquanto que os parâmetros temperatura, amônia total e condutividade elétrica, bem como o comportamento dos indivíduos, apresentaram variações significativas, dependendo da concentração do anestésico. Os animais expostos às concentrações de 5 e 10 mg L−1 não apresentaram os sinais de anestesia desejados para realizar o transporte de peixes em sacos. Além disso, nessas duas concentrações foram observados os maiores valores de amônia total ao final da simulação. Na concentração de 20 mg L−1 foi observada a menor concentração de amônia após a simulação, no entanto todos os peixes atingiram o estágio de colapso medular e tiveram batimentos operculares ausentes ao final do experimento. Os indivíduos expostos à concentração de 15 mg L−1 atingiram o estágio de anestesia desejado, bem como apresentaram batimentos operculares mais lentos, porém estáveis. De acordo com os critérios adotados, a concentração de óleo de cravo mais indicada para o transporte de juvenis de tilápia é de 15 mg L−1 . Palavras-chaves: Oreochromis niloticus. Estresse. Anestésico. Abstract. This study evaluated the effect of clove oil on water quality and Nile tilapia juvenile behavior submitted to a four-hour transport simulation in plastic bags containing 5, 10, 15 and 20 mg L−1 of the anesthetic with four replicates per treatment. Fish were placed in the bags containing water with the different dosages. Then the bags were inflated with pure oxygen and tied. During the experiment, the animals were evaluated according to the anesthesia stages, ranging from mild sedation to medullar collapse. The physical and chemical parameters of water were monitored in the acclimation tank and in the bags immediately after the simulation of transport. Clove oil did not affect dissolved oxygen and pH of the water after four hours of transport simulation, while the parameters temperature, total electrical conductivity and ammonia as well as the behavior of individuals, showed significant variations depending on the concentration of the anesthetic. The animals exposed to concentrations of 5 and 10 mg L−1 did not show the desired anesthesia signals to perform transportation of fish in bags. Moreover, in these two concentrations the highest total ammonia values were observed at the end of the simulation. At the concentration of 20 mg L−1 the lower ammonia concentration was observed after the simulation, however all the fish reached the medullar collapsed stage and the opercular beats were missed at the end of the experiment. Individuals exposed to a concentration of 15 mg L−1 reached the desired anesthesia stage and the opercular beats were slower, but stable. According to the criteria adopted, the most suitable clove oil concentration for tilapia juvenile’s transport is 15 mg L−1 . Keywords: Oreochromis niloticus. Stress. Anaesthetic. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015
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INTRODUÇÃO
água, como também o aumento de choques mecânicos entre os indivíduos, além de um consumo mais elevado de oxigênio dissolvido. Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade da água (temperatura, oxigênio dissolvido, pH, amônia total e condutividade) e o comportamento de juvenis de tilápia do Nilo, submetidos à simulação do transporte em sacos plásticos, contendo diferentes concentrações de óleo de cravo como agente antiestressor. Para determinação da concentração ideal do anestésico para o transporte, foi conferida a dosagem que resultou numa melhor qualidade da água após a simulação, além de atribuir aos animais o melhor comportamento durante e após o experimento, bem como a menor taxa de mortalidade.
A tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus Linnaeus, 1757) pertencente da família Cichlidae é uma espécie de alto interesse comercial, sendo a espécie mais cultivada no Brasil. Seu cultivo é realizado principalmente no sistema intensivo, onde os animais passam por diversas situações estressantes (MOREIRA et al., 2011). Dentre as práticas rotineiras presentes na tilapicultura está o transporte, que se não realizado corretamente pode expor os peixes a situações adversas. A atividade física associada ao estresse no transporte pode causar impactos negativos na qualidade da carne em muitas espécies de animais, incluindo os peixes (BOSWORTH et al., 2007). Estes impactos são geralmente atribuídos ao aumento do metabolismo anaeróbio, rápido declínio do pH e aceleração da desnaturação ou degradação das proteínas do músculo (RATHGEBER et al., 1999). Es- 2 MATERIAL E MÉTODOS tas mudanças podem resultar em uma coloração indese- O experimento foi conduzido no Centro de Biotecnolojável e amolecimento da carne, redução na capacidade gia Aplicado à Aquicultura (CEBIAQUA) do Departade retenção de água e diminuição da vida de prateleira mento de Engenharia de Pesca, da Universidade Federal (BOSWORTH et al., 2007). do Ceará, no mês de maio de 2014. Os peixes utilizados Metodologias para diminuir a interferência de es- foram provenientes da Estação de Piscicultura Profestressores nas funções vitais e fisiológicas dos peixes são sor Raimundo Saraiva da Costa, onde foram mantidos importantes durante o manejo. Nos últimos anos, os em um tanque de alvenaria de 5.000 L, sendo alimenanestésicos surgiram como uma ferramenta importante tados com ração comercial (32% PB) duas vezes ao dia na aquicultura no intuito de diminuir o nível de estresse até a saciedade aparente, durante 30 dias até atingirem e a mortalidade dos peixes (ROUBACH et al., 2005; comprimento médio de 8,53 ± 1,09 cm e peso médio VELISEK et al., 2005; MAMANGKEY; ACOSTA- de 9,97 ± 0,92 g, para a realização do experimento. SALMON; SOUTHGATE, 2009). O óleo de cravo Durante este período, a temperatura da água permatem como principal componente o eugenol (4-alil-2- neceu em 26,47 ± 0,30◦ C, o oxigênio dissolvido em metoxifenol), uma substância fenólica (MAZZAFERA, 6,15 ± 1,12 mg L−1 , o pH 7,35 ± 0,22, a condutivi2003) que pode ser obtida pela destilação do extrato de dade elétrica 59,0 ± 2,0 µS cm−1 e a concentração de folhas, caules e raízes de vegetais das espécies Euge- amônia 0,03 ± 0,01 mg L−1 . A alimentação dos peixes nia caryophyllata (BOYER et al., 2009) e E. aromatica foi cessada 24 horas antes do procedimento experimen(CUNHA; ROSA, 2006). tal. O sucesso do transporte é dependente de alguns faApós terem passado pelo jejum de 24 horas, 320 tores como a qualidade da água, o tamanho do peixe peixes foram capturados aleatoriamente no tanque de e a densidade de estocagem. O estresse causado pelo alvenaria e colocados em sacos plásticos de 15 L de votransporte é classificado como sendo agudo e afeta seri- lume útil, com 4 L de água, contendo diferentes concenamente o estado fisiológico dos peixes, causando um trações do anestésico. O óleo de cravo, devido sua naincremento nos níveis de cortisol plasmático (BAR- tureza hidrofóbica, foi diluído em álcool etílico 99,8% TON; IWAMA, 1991) que é liberado pelas células de na concentração 100 mg L−1 , em conformidade com a cromafina. Além disso, também ocorre o aumento da metodologia de Vidal et al. (2008). O óleo de cravo (eufrequência cardíaca e mobilização das reservas energé- genol) foi utilizado nas concentrações de 5, 10, 15 e 20 ticas (CUESTA; ESTEBAN; MESEGUER, 2003). Os mg L−1 (4 repetições, cada uma), com a estocagem de efeitos negativos do estresse dependem da severidade e 20 peixes por saco (50 g L−1 ). duração do agente estressor. A simulação de transporte dos amimais teve duraSegundo Colburn et al. (2008), a densidade estocada ção de quatro horas. Os peixes foram colocados nos sanos sacos é um fator limitante, haja vista o reduzido vo- cos plásticos já com as doses do anestésico diluídas na lume de água utilizado nos sacos para o transporte. Esta água, os quais foram inflados com oxigênio puro e, em situação resulta em situações estressantes para os peixes seguida, amarrados com ligas de borracha. Após este devido a maior produção de amônia e gás carbônico na procedimento, os sacos foram dispostos lado a lado, e Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015 86
USO DO ÓLEO DE CRAVO NA SIMULAÇÃO DE TRANSPORTE DE JUVENIS DE TILÁPIA DO NILO Tabela 1: Estágios de anestesia em peixes. Tabela 2: Parâmetros físicos e químicos da água após quatro horas de simulação de transporte em sacos plásticos sob influência de diferentes concentrações de óleo de cravo.
a cada 15 minutos, foram agitados manualmente simulando a movimentação durante o transporte. Durante todo o experimento, os animais foram monitorados visualmente para avaliar o padrão comportamental, com base na descrição proposta por Ross e Ross (2008) (Tabela 1). A partir de uma hora da simulação, com intervalo de 30 minutos entre cada verificação, foi monitorada a frequência dos batimentos operculares dos indivíduos drão e todas as análises foram realizadas pelo programa (n = 8 por tratamento), durante um período de 60 se- Bioestat, versão 4.0. gundos. Quando o momento da verificação dos batimentos operculares coincidia com o instante de agita- 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ção dos sacos, inicialmente era feito a contagem dos Os valores médios dos parâmetros físicos e químicos batimentos e observação comportamental, seguido da da água nas unidades experimentais avaliados por traagitação. Além disso, foi observada a quantidade de tamento imediatamente após a simulação de transporte peixes que estavam descansando no fundo dos sacos de de quatro horas encontram-se apresentados na tabela 2. transporte. O óleo de cravo interferiu nos valores de temperaApós a simulação do transporte, os peixes de cada tura após as quatro horas de simulação do transporte. tratamento foram transferidos para caixas de polietileno De acordo com os resultados obtidos neste trabalho, de 100 L providas de água limpa e aeração para de- quanto menor a concentração de óleo de cravo utilizada, terminação do tempo de recuperação do efeito anesté- maior foi a temperatura da água. Na concentração de 5 sico, de acordo com critérios propostos por Hikasa et mg L−1 a temperatura média atingiu 29,1 ± 0,14 ◦ C, al. (1986). Além disso, durante 24 horas, foram obser- sendo mais elevada (p < 0, 05) em relação temperatura vadas eventuais mudanças no comportamento dos indi- média na maior concentração (20 mg L−1 ), que foi de víduos e a ocorrência de mortalidade. 28,1 ± 0,28 ◦ C. Os parâmetros físicos e químicos da água foram moOs parâmetros oxigênio dissolvido e pH não aprenitorados no tanque de aclimatação e imediatamente sentaram diferenças significativas (p > 0, 05) entre os após a simulação do transporte. A temperatura, oxigê- tratamentos após a simulação do transporte. Os elenio dissolvido, pH e condutividade elétrica foram men- vados valores de O2D ocorreram devido à injeção do surados através de uma sonda modelo Hanna (HI S838), gás nos sacos antes deles serem amarrados, indicando, enquanto a amônia total foi determinada pelo método de possivelmente, uma supersaturação deste gás na água. Nessler (APHA, 1989), utilizando espectrofotometria. Esta prática é muito comum e observada no transporte O trabalho foi conduzido em um delineamento ex- de peixes vivos em sistemas fechados. Segundo Berka perimental inteiramente casualizado e os dados foram (1986), o peso dos animais e a temperatura da água são submetidos à Análise de Variância (ANOVA). Quando os dois fatores mais importantes relacionados ao cono valor de F indicou diferença significativa (p < 0, 05), sumo de oxigênio durante o transporte de peixes vivos, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey. Os re- de tal forma que a temperatura influencia fortemente o sultados estão apresentados como médias ± desvio pa- consumo do oxigênio, pois quanto maior a temperatura, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015 87
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maior será a demanda de oxigênio. Entretanto, no pre- Tabela 3: Resultados da ANOVA de dois fatores (posição e estação) para riqueza de espécies de moluscos. sente trabalho, o peso dos animais e a temperatura da água não influenciaram no consumo do oxigênio. Os valores de pH da água de todos os tratamentos foram significativamente menores (6,4 a 6,6) em relação ao pH da água do tanque de aclimatação que foi 7,35. Este decréscimo está relacionado com a produção de dióxido de carbono devido à respiração dos peixes, que leva a formação de ácido carbônico após sua dissociação em íons H+ e HCO3-, acidificando ligeiramente a água (BOYD, 1982). A concentração de amônia total, após as quatro horas de simulação de transporte, foi significativamente superior (p < 0, 05) àquela observada no início do experimento (0,55 mg L−1 ) em todos os tratamentos, variando de 1,42 a 2,70 mg L−1 . A concentração de nitrogênio amoniacal total na concentração de 20 mg L−1 foi significativamente inferior (p < 0, 05) que as demais concentrações. Os peixes expostos às duas menores concentrações do anestésico aparentaram não estarem sedados, enquanto os animais expostos à maior dosagem de óleo de cravo apresentavam-se claramente anestesiados. Desta forma, os peixes expostos às menores concentrações −1 mantinham-se com natação e metabolismo mais ativos, L estavam no estágio 1 e os outros 50% no estágio 2. resultando em uma maior excreção de compostos ni(OLIVEIRA et al., 2009) submeteram alevinos de trogenados. Estes resultados estão de acordo com os tilápia do Nilo ao transporte na concentração de 5 mg encontrados por Park et al. (2009) que observaram uma L−1 do mesmo anestésico e observaram que 40% dos maior redução da excreção de amônia total na maior animais encontravam-se no estágio 1 de anestesia, reconcentração de cloridrato de lidocaína testada, ao si- sultado semelhante ao registrado no nosso trabalho. mularem o transporte de Pleuronectes americanus em Neste mesmo período de tempo, todos os espécimes exsacos plásticos durante cinco horas. postos à concentração de 20 mg L−1 não demonstravam A condutividade elétrica não apresentou grande va- equilíbrio e apresentavam o batimento opercular lento, riação entre os tratamentos, alcançando o valor máximo porém regular, caracterizando o estágio 3 de anestesia. de 62,5 ± 0,58 µS cm-1 no tratamento com 5 mg L−1 Na metade do tempo de simulação de transporte, ou de óleo de cravo, que apenas diferiu significativamente seja, duas horas, todos os peixes do tratamento com 5 do valor de 60,1 ± 0,82 µS cm−1 , obtido na maior na mg L−1 de óleo de cravo continuaram no mesmo estáconcentração de 20 mg L−1 . Segundo King (2009), gio, enquanto todos os animais expostos à concentração mudanças significativas na qualidade da água ocorrem de 10 mg L−1 encontravam-se no estágio 2. Para esses durante o transporte, podendo afetar a atividade respi- dois tratamentos não foi observado mais nenhuma muratória dos peixes e desencadear o estresse fisiológico. dança em relação ao estágio de anestesia até o final da De acordo com os resultados do presente trabalho, po- simulação de transporte. Segundo Akbari et al. (2010), demos inferir que as concentrações de 5 e 10 mg L−1 a concentração anestésica desejável para o transporte de óleo de cravo não foram capazes de minimizar os de peixes deve produzir uma leve sedação, ou seja, não impactos causados pelo transporte, principalmente com ultrapassar o estágio 1. Em contrapartida, Inoue, Hackrelação à excreção de amônia. barth e Moraes (2010) afirmaram que o estágio 1 não é Conforme demonstra a Tabela 3, as diferentes con- suficiente para promover reduções nos parâmetros mecentrações de óleo de cravo alteraram o comportamento tabólicos que evidenciam o estresse, o que também foi dos indivíduos. Após 60 minutos de simulação de trans- evidenciado no presente trabalho. Depois de três horas simulando o transporte, todos porte em sacos plásticos, todos os peixes expostos ao óleo de cravo nas concentrações de 5 e 10 mg L−1 os peixes expostos à concentração de 15 mg L−1 de encontravam-se no estágio 1 de anestesia, enquanto óleo de cravo encontravam-se no estágio 4 de aneste50% dos indivíduos dos sacos que continham 15 mg sia, permanecendo assim até o fim do experimento, enConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015 88
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quanto 100% dos peixes submetidos ao tratamento com Tabela 4: Frequência de batimento opercular (batimentos minuto ) durante a simulação de transporte de juvenis de tilápia do Nilo em 20 mg L−1 , encontravam-se no estágio 5. Entretanto, sacos plásticos contendo diferentes concentrações de óleo de cravo. ao final do desafio imposto, os animais entraram aparentemente no estágio de colapso medular e apresentavam total ausência batimento opercular. Após o período experimental, não foi observada nenhuma mortalidade aos peixes expostos às concentrações de 5, 10 e 15 mg L−1 de óleo de cravo, bem como 24 horas após o procedimento, enquanto 48% dos peixes expostos à maior concentração de óleo de cravo, 20 mg L−1 , não sobreviveram. Os peixes submetidos às concentrações de 5 e 10 mg L−1 apresentaram capacidade normal de nado imediatamente após terem sido colocados nas caixas de recuperação. Moreira, Silva e Palma (2010) submeteram adultos de tilápia do Nilo à simulação, que registrou 94,8 ± 6,6 bpm, diferindo siganestesia com o eugenol e afirmaram que os animais só nificativamente ao valor alcançado 210 minutos após o necessitavam de tempo de recuperação se atingissem o início. estágio de anestesia profunda. Moreira, Silva e Palma (2010) utilizaram doses mais Os juvenis de tilápia expostos ao tratamento de 15 elevadas do mesmo anestésico que as utilizadas no premg L−1 retornaram parcialmente a natação após 20 mi- sente trabalho e registraram valores de movimento opernutos e, somente após 60 minutos, todos os peixes esta- cular em adultos de tilápia do Nilo bem inferiores, vavam totalmente recuperados. Os animais sobreviventes riando entre 44,9 a 53,4 bpm. Esses resultados mostrasubmetidos ao tratamento com 20 mg L−1 necessitaram ram que a concentração de 5 mg L−1 não foi suficiente de 80 minutos para voltar a nadar ativamente. para acalmar os animais durante o período experimenPara detectar se os animais estão passando tal. Somente quatro horas após o início da simulação de por situações estressantes, indicadores fisiológicos transporte que a taxa de ventilação, 71,5 ± 4,6 bpm, alcomo os níveis de cortisol e glicose sanguíneos cançou valor menor estatisticamente em relação ao re(MARTÍNEZ-PORCHAS; MATÍNEZ-CÓRDOVA; gistrado no primeiro momento de observação, que foi RAMOS-ENRIQUEZ, 2009) tem sido utilizados com aos 60 minutos após o início da simulação. sucesso e bem descritos na literatura, no entanto, a neA concentração de 10 mg L−1 causou nos peixes um cessidade da coleta de sangue representa um obstáculo. comportamento bem semelhante ao observado na dosaNa impossibilidade da coleta de material sanguíneo, o gem de 5 mg L−1 , com a taxa de ventilação aumencomportamento dos animais pode ser utilizado como tando consideravelmente a cada momento de amostraindicativo de situações estressantes. Segundo Vera et gem até 210 minutos, com o máximo registrado 3 horas al. (2010), o desenvolvimento de métodos precisos depois de iniciada a simulação, apresentando em média para quantificar mudanças comportamentais nos peixes 102,0 ± 5,5 bpm, o maior valor observado neste traé de grande importância na ordem de caracterizar balho. Além disso, embora os movimentos operculares efeitos subletais causados pela exposição a substâncias registrados na última amostragem (73,2 ± 11,7 bpm) xenobióticas (antibióticos, vacinas, anestésicos, etc.). tenham alcançado valores menores em relação a 60 miDentre as características comportamentais estão as nutos após o início da simulação, não houve diferença taxas de batimento opercular (ventilação) e da nada- significativa entre eles. deira peitoral. A tabela 4 sumariza os dados referentes Técnicas não invasivas, como a quantificação da à frequência de batimento opercular dos juvenis de taxa de ventilação opercular, podem ser utilizadas para tilápia em sacos plásticos, durante quatro horas de avaliar parcialmente o estresse dos peixes em algumas simulação de transporte sob diferentes concentrações situações quando não seja possível a retirada de sande óleo de cravo. gue dos animais. Segundo Barreto e Volpato (2004), Na concentração de 5 mg L−1 de óleo de cravo, a a taxa de ventilação é uma resposta muito sensível aos taxa de ventilação dos juvenis de tilápia foi semelhante agentes estressantes, mas de uso limitado como único (p > 0, 05) entre 60 e 210 minutos após o início da indicador de estresse, pois não fornece respostas diretasimulação de transporte, variando entre 78,1 ± 11,6 a mente proporcionais à altura do estressor. Desta forma, 88,9 ± 8,3 batimentos por minuto (bpm). Uma exceção o comportamento apresentado pelos peixes expostos à foi o valor registrado aos 180 minutos após o início da concentração de 10 mg L−1 pode indicar que esta conConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015 89
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centração de óleo de cravo também não foi suficiente quase imperceptíveis. De acordo com Mylonas et al. para diminuir o estresse causado pelo manejo. (2005), quando o peixe se encontra neste estágio pode −1 Na concentração de 15 mg L houve uma redu- haver graves consequências e é necessário transferir o ção significativa (p < 0, 05) dos batimentos opercula- animal o quanto antes para água limpa, pois o não reres logo entre os dois primeiros momentos de amostra- torno do tônus muscular e dos movimentos operculares, gens, registrando 88,4 ± 4,1 e 70,2 ± 9,6 bpm, res- pode levá-lo eventualmente a morte. pectivamente. Em seguida, embora tenha ocorrido um aumento na taxa de batimento opercular, os valores re- 4 CONCLUSÕES gistrados com 120 e 150 minutos após o início da simuo exposto, as concentrações de 5 e 10 mg lação de transporte, foram menores (p > 0, 05) que o Conforme −1 L não são indicadas para a realização de transporte, apresentado no primeiro momento de amostragem. E, pois além de não promover a anestesia desejada, tamfinalmente, nas três últimas amostragens, foi observada bém não foram capazes de minimizar os problemas com uma redução gradativa na frequência opercular dos ania qualidade da água. Por outro lado, apesar do tratamais, sendo os valores registrados aos 210 e 240 minumento utilizando 20 mg L−1 ter diminuído a excreção tos após o início da simulação, significativamente menores que todas as demais amostragens, apresentando de amônia e de sais dos peixes para a água, essa dovalores de 66,0 ± 6,7 e 61,4 ± 6,5 bpm, respectiva- sagem fez com os peixes ultrapassassem o estágio de mente. Assim, a concentração de 15 mg L−1 foi a que anestesia desejado, culminando no colapso medular dos apresentou os melhores resultados ao avaliar a taxa de animais e, consequentemente, elevada taxa de mortalidade. Desta forma, de acordo com os critérios adotados, batimento opercular dos juvenis de tilápia. a concentração de óleo de cravo mais indicada para o Barreto e Volpato (2006) avaliaram o estresse em transporte de juvenis de tilápia é de 15 mg L−1 . adultos de tilápia do Nilo submetidos a três diferentes agentes estressores (confinamento, eletrochoque e estresse social) e registraram valores basais variando en- REFERÊNCIAS tre 60 e 70 bpm antes dos desafios impostos aos ani- AKBARI, S.; KHOSHNOD, M. J.; RAJAIAN, H.; mais. Esses dados revelam, possivelmente, que a taxa AFSHARNASAB, M. The use of eugenol as an normal de batimento opercular para esta espécie oscile anesthetic in transportation of with indian shrirmp dentro deste intervalo. De acordo com as observações (fenneropenaeus indicus) post larvae. turkish journal realizadas neste trabalho, os batimentos operculares fo- of fisheries and aquatic sciences. Sohrab Akbari, ram decrescendo gradativamente até atingir estes valo- Mohammad J. Khoshnod, Hamid Rajaian, Mohammad res, mesmo quando submetidos à simulação de trans- Afsharnasab, v. 10, p. 423 – 429, 2010. porte. Os animais submetidos à simulação de transporte na APHA. Standard methods for the examination of water maior dosagem de óleo de cravo apresentaram os meno- and wastewater. 17. ed. Washington: AMERICAN res valores de frequência opercular em todas as amos- PUBLIC HEALTH ASSOCIATION, 1989. tragens em relação aos demais tratamentos. Com 60 minutos após o início da simulação, os animais apresen- BARRETO, R. E.; VOLPATO, G. L. Caution for using taram 65,5 ± 12,6 bpm, não diferindo estatisticamente ventilator frequency as an indicator of stress in fish. da frequência opercular dos animais amostrados com 90 Behavioural Processes, v. 66, p. 43 – 51, 2004. e 120 minutos depois. Em seguida, os juvenis apresen. Ventilatory frequency of nile tilapia subjected to taram batimento opercular muito lento, com média de different stressors. Journal of Experimental Animal 49,0 ± 7,6, 49,9 ± 6,5 e 44,5 ± 6,4 bpm nas observa- Science, v. 43, n. 3, p. 189 – 196, 2006. ISSN ções realizadas aos 150, 180 e 210 minutos de simula- 0939-8600. Disponível em: <http://www.sciencedirect. ção, respectivamente, diferindo significativamente dos com/science/article/pii/S0939860006000058>. minutos anteriores. Os resultados obtidos no presente trabalho sugerem BARTON, B. A.; IWAMA, G. K. Physiological que na concentração de 20 mg L−1 de óleo de cravo os changes in fish from stress in aquaculture with animais ultrapassaram o estágio de anestesia desejado emphasis on the response and effects of corticosteroids. para o transporte, comprometendo a utilização desta Annual Review of Fish Diseases, v. 1, p. 3 – dose para tal fim. Ao final da simulação, a maioria 26, 1991. ISSN 0959-8030. Disponível em: dos peixes não apresentava mais batimento opercular, <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ enquanto a minoria apresentava batimentos operculares 095980309190019G>. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 3, p. 85 - 92, nov. 2015 90
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USO DO ÓLEO DE CRAVO NA SIMULAÇÃO DE TRANSPORTE DE JUVENIS DE TILÁPIA DO NILO
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