Revista Conexões - Ciência e Tecnologia, v. 9, n. 4, dez. 2015

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CONEXÕES CIÊNCIA E TECNOLOGIA PERIÓDICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO IFCE

EDIÇÃO ESPECIAL

ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação – PRPI Correspondências e solicitações de números avulsos deverão ser endereçados a: [All correspondences and claims for missing issues should be addressed to:] Rua Lívio Barreto, 94, Joaquim Távora, CEP: 60130-110, Fortaleza – Ceará – Brasil Publicação Quadrimestral É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte. Reitor Prof. Me. Virgílio Augusto Sales Araripe Pró-Reitor de Administração e Planejamento Prof. Dr. Tássio Francisco Lofti Matos Pró-Reitor de Ensino Prof. Me. Reuber Saraiva de Santiago Pró-Reitora de Extensão Ma. Zandra Dumaresq Pró-Reitor de Gestão de Pessoas Prof. Me. Ivam Holanda de Sousa Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria Editora-Chefe Profa. Dra. Rafaela Camargo Maia Coeditora Profa. Dra. Caroline de Goes Sampaio (IFCE) Conselho editorial Profa. Dra. Rafaela Camargo Maia (IFCE) Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria (IFCE) Profa. Dra. Joelia Marques de Carvalho (IFCE) Rebeca Maria Gadelha de Sousa (IFCE) Profa. Dra. Antonia Lucivânia de Sousa Monte (IFCE) Profa. Dra. Cassandra Ribeiro Joye (IFCE) Prof. Dr. Cidcley Teixeira de Souza (IFCE) Prof. Dr. Elias Teodoro da Silva Júnior (IFCE) Prof. Dr. Francisco José Alves de Aquino (IFCE) Prof. Dr. Gilberto Andrade Machado (IFCE) Profa. Dra. Glória Maria Marinho Silva (IFCE) Profa. Dra. Ialuska Guerra (IFCE) Profa. Dra. Kelly de Araújo Rodrigues Pessoa (IFCE) Prof. Dr. Marcius Tulius Soares Falcão (IFCE) Profa. Dra. Maria de Lourdes Macena Filha (IFCE) Profa. Dra. Maria Lindalva Gomes Leal (IFCE) Prof. Dr. Paulo César Cunha Lima (IFCE) Prof. Dr. Rinaldo dos Santos Araújo (IFCE)

Consultores ad hoc Prof. Me. Airlan Arnaldo Nascimento de Lima (IFPE) Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira (UECE) Profa. Dra. Ana Karine Portela Vasconcelos (IFCE) Prof. Dr. André Romero da Silva (IFES) Profa. Dra. Caroline de Goes Sampaio (IFCE) Prof. Me. Cicero da Silva Pereira (IFPB) Profa. Dra. Elaine Rodrigues Figueiredo (IFF) Profa. Dra. Emília Maria Alves Santos (IFCE) Prof. Esp. Eugeniano Brito Martins (IFCE) Prof. Dr. Francisco Régis Vieira Alves (IFCE) Prof. Dr. Geraldo Fernando Gonçalves de Freitas (IFCE) Prof. Me. Guttenberg Sergistótanes Santos Ferreira (IFCE) Prof. Dr. João Henrique Silva Luciano (IFCE) Prof. Dr. Josué Antunes de Macêdo (IFNMG) Prof. Dr. Leonardo Munaldi Lube (IFF) Prof. Dr. Lucas Dominguini (IFSC) Prof. Dr. Lucas Nonato de Oliveira (IFG) Prof. Dr. Pedro de Azevedo Castelo Branco (IFF) Prof. Dr. Rodrigo Sychocki da Silva (IFRS) Profa. Dra. Silvia Cristina Freitas Batista (IFF) Mesa editorial Profa. Dra. Rafaela Camargo Maia (IFCE) Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria (IFCE) Profa. Dra. Joelia Marques de Carvalho (IFCE) Rebeca Maria Gadelha de Sousa (IFCE) Secretaria editorial Rebeca Maria Gadelha de Sousa (IFCE) Diagramação Latex Editor Prof. Dr. Auzuir Ripardo de Alexandria (IFCE) Renan Rabelo Soeiro (IFCE) Prof. Dr. Tarique da Silveira Cavalcante (IFCE) Valberto Enoc Rodrigues da Silva Filho (IFCE) Capa Marcus Vinícius de Lima (IFCE)


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ

CONEXÕES CIÊNCIA E TECNOLOGIA PERIÓDICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO IFCE

EDIÇÃO ESPECIAL

ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

v. 9, n. 4 Dezembro – 2015

FORTALEZA - CE Conex. Ci. e Tecnol.

Fortaleza/CE

ISSN 1982-176X v. 9

n. 4

p. 1-183

Dezembro – 2015


ISSN 1982-176X (versão impressa) ISSN 2176-0144 (versão on-line)

Indexado por/ indexed by: Latindex Qualificada pela CAPES Publicação quadrimestral Correspondências e solicitação de números avulsos deverão ser endereçados a: [All correspondences and claims for missing issues should be addressed to:] Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE CONEXÕES – CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Rua Lívio Barreto, 94 – Joaquim Távora 60.130-110 Fortaleza/CE – Brasil Telefone: (85) 34012328/2332 E-mail: conexoes@ifce.edu.br

Catalogação na fonte: Islânia Fernandes Araújo CRB 3/917 CONEXÕES - CIÊNCIA E TECNOLOGIA. – Ano 9, nº 4, (dez. 2015) Fortaleza: IFCE, 2015 v. ; 27cm Data de publicação do primeiro volume: out. 2007. Quadrimestral A partir do ano de 2011, a revista também passa a ser publicada na versão eletrônica. Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Ceará – CEFETCE até Dez. 2008. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE a partir de Jan. 2009.

ISSN 1982-176X 1. EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – PERIÓDICO 2. TECNOLOGIA – PERIÓDICO 3. CIÊNCIA - PERIÓDICO CDD – 373.24605

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial da revista ou do IFCE. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.


SUMÁRIO

EDITORIAL............................................................................................................................................................6 A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ Idelmar Gomes Ferreira, Ana Cláudia Gouveia de Sousa, Luciana de Oliveira Souza Mendonça e Samara Moura Barreto de Abreu.......................................................................................................................................................7 A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO Joelma Nogueira dos Santos e Ana Carolina Costa Pereira....................................................................................17 A REGRESSÃO LINEAR DE GALTON: ATIVIDADES HISTÓRICAS PARA FUNÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA BÁSICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS Giselle Costa de Sousa, Juliana Maria Schivani Alves...........................................................................................26 ABORDAGEM DO CONTEÚDO POLÍMEROS SINTÉTICOS A PARTIR DA TEMÁTICA LIXO E RECICLAGEM NAS AULAS DE QUÍMICA DO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DIDÁTICA Denise Fernanda Tudes Mury, Leonardo Baltazar Cantanhede e Severina Coêlho da Silva Cantanhede..............37 AÇÃO E MOVIMENTO: POSSIBILIDADES PARA A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS ATRAVÉS DOS PROJETOS DE GEOMETRIA DINÂMICA PELOS DISCENTES NA LICENCIATURA Rodrigo Sychocki da Silva e Eduardo Meliga Pompermayer.................................................................................48 APRENDIZAGEM COOPERATIVA COMO ESTRATÉGIA NO APRENDIZADO DE QUÍMICA NO ENSINO MÉDIO Samuel Pedro Dantas Marques, Fábio Nascimento Ávila, Francisco Audísio Dias Filho e Maria Goretti Vasconcelos Silva...................................................................................................................................................57 CONHECIMENTOS DOCENTES DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO E AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PIBID DO IFCE CANINDÉ Francisca Renata Silva Barbosa, Ana Cláudia Gouveia de Sousa, Luciana de Oliveira Souza Mendonça e Samara Moura Barreto Abreu..............................................................................................................................................67 ENGENHARIA DIDÁTICA PARA DISCUSSÃO GEOMÉTRICA E RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES DE 1º GRAU: ANÁLISES PRELIMINARES E A PRIORI Guttenberg Sergistótanes Santos Ferreira e Francisco Régis Vieira Alves.............................................................78 ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB Joelma Nogueira dos Santos e Paulo Gonçalo Farias Gonçalves...........................................................................83 ETNOMATEMÁTICA, DESAFIOS E JOGOS: UMA EXPERIÊNCIA COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MUNDURUKU Antônio Nunes Oliveira, Jairo Saw Munduruku, Claudeth Gabriel Munduruku e Wilton Bezerra Fraga........................................................................................................................................................................91 MAPAS CONCEITUAIS COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA APRENDIZAGEM DO ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA Suiane Costa Alves, Esilene Reis, Dafne Alexandre Cavalcante e Maria Goretti Vasconcelos Silva...................98 MUSEU ITINERANTE DE QUÍMICA (MIQ): EXPERIÊNCIA COMO FOCO PARA DISCUSSÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ (IFPI-PICOS) Francisca das Chagas Alves da Silva, Maria Mozarina Beserra Almeida, Silvany Bastos Santiago................................................................................................................................... ..............................105 OS NÍVEIS DE CONHECIMENTOS GEOMÉTRICOS DOS ALUNOS DE UMA ESCOLA PARCEIRA DO PIBID NA PERSPECTIVA DA TEORIA DE VAN HIELE Francisco Erilson Freire de Oliveira e Luciana de Oliveira Souza Mendonça.....................................................115


POLIMERIZANDO IDEIAS: UM RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DA QUÍMICA DOS POLÍMEROS Calliu Carneiro Barbosa, Caroline de Goes Sampaio, Maria Cleide da Silva Barroso e Inaiá Lopes Guerreiro...............................................................................................................................................................126 RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE CONGRUÊNCIA DE TRIÂNGULOS COM AUXÍLIO DO SOFTWARE GEOGEBRA Francisco Ricardo Nogueira Vasconcelos, Francisco Régis Vieira Alves, José Alberto Duarte Maia e Ivoneide Pinheiro de Lima...................................................................................................................................................134 UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV Ana Carolina Costa Pereira e Bernadete Barbosa Morey.....................................................................................143 UMA ANÁLISE PARATEXTUAL DA OBRA “ARITHMETICA THEORICO-PRATICA” Mirian Maria Andrade e Magna Paulina de Souza Ferreira..................................................................................153 VIABILIDADE DE QUEIMA DE RESÍDUO DE MAMONA: UM PROBLEMA INDUSTRIAL VIRA METODOLOGIA DE ENSINO E SOLUÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL Cleidson Carneiro Guimarães, Kate Lirane de Araújo Costa e Romana Rebeca Barros......................................166 VISUALIZAÇÃO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS COM ARRIMO NO SOFTWARE GEOGEBRA: UMA ENGENHARIA DIDÁTICA PARA SEU ENSINO Maria Vanísia Mendonça de Lima e Francisco Régis Vieira Alves.....................................................................173


EDITORIAL Edição especial: Ensino de Ciências e Matemática

Caríssimos leitores, No cenário atual da educação brasileira, em que se discutem metodologias alternativas de ensino de Ciências e Matemática que contraponham o modelo tradicional ainda replicado por muitos no ambiente escolar, a presente edição foi concebida com o propósito de prover reflexões acerca de estratégias inovadoras de “compartilhamento de saberes”, as quais devem nortear a relação professor/aluno. Muitos esforços têm sido envidados no sentido de se fortalecer os cursos de licenciatura, sobretudo aqueles voltados para as Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) e Matemática, impulsionados por uma crescente demanda social que visa a melhoria do ensino no seu mais amplo contexto. Para tal, tem-se buscado explorar cada vez mais a valorização do profissional docente, bem como a implementação de propostas alternativas de ensino que busquem tornar docentes e discentes agentes ativos no processo de construção do conhecimento científico. Neste contexto, ressalta-se o importante papel do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), o qual busca inserir os licenciandos no cotidiano escolar, funcionando como um laboratório para a prática docente, além de proporcionar o desenvolvimento de habilidades outras, imprescindíveis no âmbito das relações interpessoais. Há de se destacar a memorável contribuição dada pela saudosa Profa. Dra. Raimunda Olímpia de Aguiar Gomes, cuja dedicação e entusiasmo creditados a tão nobre causa (formação docente de qualidade), tem tornado factível essa proposta no âmbito do Instituto Federal do Ceará (IFCE). Apontando a relevância dessa temática, destaca-se a contribuição da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PRPI) do IFCE ao proporcionar essa edição especial, além do incentivo e valorização crescente às pesquisas no âmbito do ensino. Ressalta-se, ainda, o aporte às pesquisas e contribuições para o Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PGECM), direcionado para a formação de professores, contribuindo para a qualificação e prática do docente, vislumbrando uma aproximação de conhecimentos científicos e os saberes inerentes às disciplinas, bem como sua relação com os aspectos pedagógicos de profissionais dos níveis de formação, interessados na educação e ensino nas áreas de Matemática, Física, Química e Biologia. Para esta edição especial da revista Conexões: Ciência e Tecnologia foram selecionados 19 artigos que trazem à tona pesquisas voltadas para os aspectos históricos das Ciências da Natureza, especialmente Física e Química, e da Matemática; novas estratégias didático-pedagógicas, com base, também, em relatos de experiências, além de abordagens acerca do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) como ferramenta de suporte no contexto da educação. Boa leitura! Dra. Caroline de Goes Sampaio Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ I DELMAR G OMES F ERREIRA , A NA C LÁUDIA G OUVEIA DE S OUSA , L UCIANA DE O LIVEIRA S OUZA M ENDONÇA , S AMARA M OURA BARRETO DE A BREU Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Campus de Canindé <idelmargomes@live.com>, <anaclaudiaifce@gmail.com>, <professoralucianamendonca@gmail.com>, <samaraef@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.987 Resumo. O presente estudo objetiva analisar como os erros apresentados em uma avaliação são percebidos e sua relação com a ensinagem na formação de licenciandos em Matemática no contexto do PIBID, tendo como referenciais os trabalhos de Philippe Perrenoud, Jussara Hoffmann, Cipriano Carlos Luckesi, Léa Depresbiteris, Neuza Bertoni Pinto e Léa Anastasiou. A pesquisa é do tipo exploratória, de campo, matizada pela abordagem qualitativa. O instrumento de coleta foi um teste denominado Teste de Concepções de Erro para Professores de Matemática, elaborado por Ferreira e Mendonça (2015), respectivamente Bolsista (ID) e coordenadora do Pibid de Matematica do IFCE Canindé. Os dados revelam que houve um alto índice de variabilidade na pontuação de cada questão do Teste e que cada participante teve uma percepção diferente sobre os erros construtivos apresentados. Isso indica que o ato de avaliar não é tarefa fácil e sim subjetiva, pois cada participante atribuiu uma nota diferente. Entende-se que a maturação sobre as concepções de avaliação e erro são oportunizadas pela reflexão sobre a prática, para a construção da profissão docente no contexto da práxis. Pretende-se com esse trabalho contribuir para uma discussão mais aprofundada sobre a avaliação e erro no contexto da formação inicial e do Projeto de Iniciação a Docência tendo em vista as diferentes concepções reveladas, com diferentes critérios avaliativos, que nem sempre tem o erro como parte do processo da aprendizagem matemática. Palavras-chaves: Ensinagem. Matemática. Pibid. Erro. Avaliação. Abstract. This study aims to analyze how the errors presented in an evaluation are perceived and their relation with the teaching in the qualification of Mathematics Graduation students in PIBID context, having as references the works of Philippe Perrenoud, Jussara Hoffmann, Cipriano Carlos Luckesi, Léa Depresbiteris, Neuza Bertoni Pinto and Léa Anastasiou. The research is of the type exploratory, of field, more guided by the qualitative approach. The instrument of data collecting was a test called Teste de Concepções de Erro para Professores de Matemática, ellaborated by Ferreira e Mendonça (2015) the scholarship student (ID) and the PIBID coordinator of Mathematics from IFCE Canindé. Data reveals that there was a high degree of variability regarding the grading of each question of the Test and that each participant had a different understanding of the constructive errors presented. This indicates that the act of evaluating is not an easy and but rather subjective task, as each participant assigns a different note. We understand that the maturation about the evaluation and error conceptions are enabled by reflexion about the practice,but even raised in the apprehension of the lecturer’s profession’s characteristics in the context of praxis. With this work, it is intended to contribute to a deeper discussion about evaluation and error in the context of the initial qualification and of the Projeto de Iniciação a Docência, bearing in mind the different conceptions revealed, with different evaluation standards, that show the error is not always part of the process of learning Mathematics. Keywords: Teaching. Mathematics. Pibid. Error. Evaluation. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

O processo de ensinagem da Matemática tem sido um grande desafio devido a sua complexidade, e existem nesse processo diferentes concepções de ensino e de aprendizagem que nem sempre são coerentes com o discurso e a prática de ensinar. Dentre as diversas concepções de aprendizagem, esse projeto de pesquisa se insere numa perspectiva de tornar construtivo o ato de ensinar e avaliar. No contexto da avaliação consideramos erro construtivo os erros dos educandos como parte do processo de aprender, e estes não podem ser desconsiderados e sim trabalhados para que se possa, a partir desses erros, construir ou reconstruir o saber necessário, não só na Matemática, mas também em todas as outras áreas. Para este trabalho a avaliação da aprendizagem que consideramos é uma avaliação inclusiva, dinâmica e construtiva, que se diferencia dos exames, que são excludentes, não são construtivos, e sim classificatórios. Partimos do conceito de ensinagem referendado por Anastasiou (2003) entendendo dialeticamente,

Além disso, muitas vezes, existe ainda na prática pedagógica a exposição dos erros dos educandos de uma forma punitiva, que tem causado constrangimentos aos mesmos ao expor publicamente na sala de aula o que eles não aprenderam, sem muitas vezes se preocuparem em quem aprendeu, sendo esta uma forma de punição, levando-os, mesmo sem a intenção, a serem ridicularizados, como afirma Romano (1994), [...] O professor faz perguntas aos alunos, não porque está interessado em saber quem aprendeu o que foi ensinado, mas para “verificar” quem não aprendeu, sem se dar conta de estar expondo publicamente aos colegas da classe a fragilidade daquele que não sabe responder. O “forte” na lição é elogiado e o “fraco” é ridicularizado, ainda que não explicitamente. A vergonha funciona como “lição” para que da próxima vez se empenhe mais ou preste mais atenção (ROMANO, 1994, p. 4).

Em outro aspecto o erro é visto pelo professor como um indicador do mau desempenho do educando, sem jamais ser utilizado para produzir novas dimensões de ensino. Sendo que, para Pinto (2000) o ensino é permeado por uma pedagogia da resposta, em que o erro é o sintoma visível do fracasso do educando, assim como o Como uma prática social complexa efetivada entre os suacerto é o sinal mais evidente de seu sucesso. jeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de enNa concepção tradicional de educação escolar, a ressinar quanto a de apreender, em um processo contratual, posta incorreta é ignorada e apagada, e o professor é de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento considerado como detentor do saber, enquanto que dena construção do conhecimento escolar (ANASTASIOU, 2003, p. 15). veria atuar na raiz dos erros e no processo que produz esses erros, evidenciando uma postura de investigador Ao mesmo tempo, consideramos os estudos de Gar- e refletir até mesmo sobre sua prática pedagógica. nica (2008) que indica que as concepções, por não seOs erros observados não têm sido problematizados rem estáticas, envolvem crenças, percepções, juízos, de forma que possam servir ou propiciar uma discusexperiências prévias, a partir dos quais nos julgamos são, um diálogo em torno da produção do conhecimento aptos a agir. Identificamos na ação efetiva que as prá- matemático. Segundo Pinto (2000, p. 12), “a não conticas podem ser desveladas e não através dos discursos cretização desse diálogo na sua plenitude empobrece a que promovemos sobre elas, deixando claro que “con- utilização didática do erro, prejudicando significativacepções são, portanto, suportes para a ação. Mantendo- mente, o desempenho dos alunos”. se relativamente estáveis, as concepções criam em nós É necessário ressaltar que explicitar o erro sem aprealguns hábitos, algumas formas de intervenção que jul- ciar quais fatores induzem o educando a ele, é desconsigamos seguras” (GARNICA, 2008, p. 499). derar múltiplas situações que possibilitam ao educador Em nossas primeiras observações e estudos sobre os se confrontar com os conhecimentos prévios do eduprocessos avaliativos, no âmbito da formação dos licen- cando, trabalhar com a revisão de conceitos e também ciandos com destaque para experiência vivida nos Es- o exercício de argumentação. O presente trabalho se justifica, portanto, pelo fato tágios Supervisionados e no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a docência (PIBID) na relação do- da avaliação e tratamento do erro articulada à ensinacência e discência, foi possível percebermos que a lite- gem, ser de grande relevância para nossa educação e ratura aponta que na prática docente existe uma grande ainda ser um tema pouco pesquisado na Educação Madistorção no processo de avaliar, sendo mais um ato de temática, como pudemos verificar através da realização julgar o educando pelos erros do que avaliar sua apren- de um levantamento bibliográfico feito em fevereiro de dizagem, visto que, a partir de testes e provas, se tem 2015 no Portal Periódicos da Coordenação de Aperfeitentado medir a aprendizagem do educando, punindo- çoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), soo pelo seu erro, não sendo feito uma reflexão junto ao mente de Teses e Dissertações entre 2005 – 2015, que tivesse uma relação entre concepções de professores, educando do que lhe conduziu ao erro. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 8


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

avaliação e erro. E encontramos algumas teses e dissertações referentes às concepções de professores em relação ao processo de ensino-aprendizagem, avaliação e erro. Trazemos a seguir os títulos e os objetivos de cada trabalho, no Quadro 1. Quadro 1: Trabalhos entre 2005 - 2015.

quisas realizadas que têm nos mostrado uma preocupação com os métodos de avaliações em relação aos educandos, com isso, surge a necessidade de se fazer estudos mais aprofundados sobre essa questão. E em relação aos erros cometidos no processo de aprender por parte dos educandos, na busca de novos conhecimentos, é que os professores de matemática precisam se interrogar: Como e em que medida o erro do educando pode ser aproveitado na construção de sua aprendizagem matemática na perspectiva dos futuros professores? Sendo essa interrogação o assunto pesquisado neste trabalho. Neste contexto, nos instigou investigar como os erros cometidos pelos educandos eram percebidos pelos licenciandos em Matemática que são bolsistas do PIBID de matemática do IFCE Campus Canindé. Acreditamos que tudo depende das percepções de ensinoaprendizagem e avaliação que os futuros professores possuem. A partir dessa problematização, a pesquisa buscou atingir alguns objetivos. O objetivo geral, portanto, consiste em analisar como os erros apresentados em uma avaliação são percebidos e sua relação com a ensinagem na formação de licenciandos em Matemática no contexto do PIBID. Os objetivos específicos constituem-se em: a) Verificar, através de um teste, como os participantes do PIBID avaliam os erros dos seus educandos. b) Identificar as percepções de ensino-aprendizagem e avaliação dos licenciandos em Matemática e atuantes no PIBID em relação aos erros cometidos por seus educandos.

Fonte: <http://www.periodicos.capes.gov.br> / Acesso em fev. de 2015.

c) Discutir a relação entre concepções de ensinoaprendizagem, avaliação e erro, tendo como base as análises feitas nesta pesquisa.

Assim, destacamos como relevante a importância da compreensão sobre avaliação e o tratamento do erro na Como podemos perceber o assunto que aborda a formação docente, e muito mais na formação inicial, questão das concepções de professores em relação ao abrindo perspectivas de continuidade para investigações processo de ensino-aprendizagem, avaliação e erro, acerca das próprias ações vivenciadas no dia a dia em apesar de se configurar num cenário de extrema relevân- sala de aula. cia dentro do contexto da prática docente ainda existem E para obtermos um trabalho que possa proporciopoucos trabalhos sobre essa temática, principalmente nar fazermos uma análise das concepções dos bolsistas em relação às concepções de avaliação e erro no con- do PIBID sobre esse assunto e elucidar a reflexão sobre texto da Educação Matemática, por esse motivo, essa o processo de avaliar e o tratamento do erro na aprentemática se torna tão relevante e a inexistência de um dizagem de Matemática, utilizamos a aplicação de um estudo local sobre o assunto também nos instiga para teste elaborado por parte dos autores desse artigo, conesta pesquisa. tendo erros conceituais, para um grupo de estudantes de No entanto, a partir das observações e estudos que Licenciatura em Matemática que atuam no PIBID, corfizemos sobre essa temática detectamos algumas pes- rigirem pontuando esses erros e justificando sua pontuConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 9


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

ação, como instrumento de coleta de dados. Esse teste foi denominado como Teste de Concepções de Avaliação e Erro para Professores de Matemática. A escolha do público de futuros professores, todos licenciandos em Matemática, se deu pelo fato de já atuarem em sala de aula nas ações do PIBID dentro das escolas parceiras do projeto, e a partir dessa realidade nos despertou o interesse de sabermos que percepção têm esses futuros professores em relação ao processo de ensino-aprendizagem e avaliação de seus alunos, a partir das primeiras experiências como docentes. O PIBID tem um caráter formativo e tem como objetivos: incentivar a formação docente; valorizar o magistério; inserir os licenciandos no cotidiano das escolas públicas de educação básica, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar buscando superar os problemas identificados no processo de ensinoaprendizagem; e contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura1 . A partir da análise dos dados obtidos pela aplicação do teste que envolveu diferentes tipos de erros construtivos, para ver como os participantes da pesquisa avaliariam na prática, fizemos uma análise no intuito de responder e identificar as diferentes percepções de ensinoaprendizagem, de avaliação e erro do educando, tendo como referencial o erro numa perspectiva construtiva. Com esse trabalho pretendemos subsidiar e aprofundar uma discussão sobre como a avaliação e o erro são concebidos pelos futuros professores de Matemática e qual a importância dessas percepções no processo de ensino e aprendizagem de Matemática, bem como o maior estudo teórico-prático do ato de avaliar nos cursos de formação inicial, bem como no contexto dos projetos do PIBID. Pois essa pesquisa se insere no contexto de como se aprende a Matemática e de como esta é ensinada, e isso passa pelas percepções de professores e futuros professores, trazendo como alvo a avaliação que está ligada estreitada a relação de ensino aprendizagem. E para este trabalho trazemos também a ideia do erro do educando como construção do conhecimento em Matemática. Para melhor entendermos sobre avaliação da aprendizagem, que é um dos aspectos mais complexos e polêmicos em Educação, refletiremos um pouco sobre o histórico da avaliação e seus conceitos. Mas, antes se 1 Para mais informações sobre o que é o PIBIB, acesse o site: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>.

faz necessário entendermos os conceitos de ensinar e de aprender, para depois discutirmos o processo de avaliação da aprendizagem. Nas concepções de ensino e de aprendizagem, tanto para a pedagogia tradicional quanto para a tecnicista, “[...] aprender é sinônimo de memorizar, sendo que o ensinar significa verbalizar conteúdos e tomar a lição do dia.” (GONÇALVES; LARCHERT, 2011, p. 17-18). Portanto, nessa visão tradicional e tecnicista o ensino e a aprendizagem são processos paralelos, e não estão estreitamente relacionados. Já sob a visão da pedagogia progressista, [...] aprender é um processo complexo, reflexivo e ativo que se efetiva durante as experiências de assimilação de conhecimentos ou aquisição de competências e habilidades. Portanto o ensino é a orientação, o acompanhamento da aprendizagem do aluno (GONÇALVES; LARCHERT, 2011, p. 18).

Com relação à avaliação, três autores, reconhecidos e influentes em estudos sobre a temática da avaliação no Brasil no estreitamento de uma visão mais progressista sobre avaliação são: Luckesi (1998), Perrenoud (1999), Hoffman (1993). Luckesi (1998) afirma que a avaliação da aprendizagem é uma prática de investigação do professor, cujo sentido é intervir na busca de melhores resultados do processo de aprendizagem, dentro da sala de aula, sendo a avaliação um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão. Mas, a função que a prática da avaliação escolar tem estipulado é de avaliar a classificação e não o diagnóstico como deveria ser, como afirma Luckesi (1998): A atual prática da avaliação escolar estipulou como função do ato de avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser constitutivamente. Ou seja, o julgamento de valor, que teria a função de possibilitar uma nova tomada de decisão sobre o objeto avaliado, passa a ter a função estática de classificar um objeto ou um ser humano histórico num padrão definitivamente determinado (LUCKESI, 1998, p. 34).

A partir das observações feitas por Luckesi (1998), ele afirma que a prática educacional no Brasil opera quase sempre como verificação e não como avaliação, e por isso tem se utilizado o processo de aferição da aprendizagem de forma negativa, pois tem servido para desenvolver o medo nas crianças e nos jovens devido à constante “ameaça” de reprovação. Nesse aspecto o erro do educando nunca foi bem visto dentro da sala de aula pelos professores, sendo que, A ideia e a prática do castigo decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito – aqui, no caso, o aluno – que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido, merecem ser castigados, a fim de que ele

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A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ “pague” por seu erro e “aprenda” a assumir a conduta que seria correta (LUCKESI, 1998, p. 52).

Contudo, essa concepção precisa ser repensada pelos professores e a partir daí ver o erro do educando numa perspectiva mais construtiva. Para Luckesi (1998), [...] o erro poderia ser visto como fonte de virtude, ou seja, de crescimento. O que implicaria estar aberto a observar o acontecimento como acontecimento, não como erro; observar o fato sem preconceito, para dele retirar os benefícios possíveis. Uma conduta, em princípio, é somente uma conduta, um fato; ela só pode ser qualificada como erro a partir de determinados padrões de julgamento (LUCKESI, 1998, p. 53-54).

o erro e analisá-lo ajuda não só o docente, mas também o educando a trabalharem em conjunto utilizando-se de diferentes práticas e métodos educativos. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática, Na aprendizagem escolar o erro é inevitável e, muitas vezes, pode ser interpretado como um caminho para buscar o acerto. Quando o aluno ainda não sabe como acertar, faz tentativas, à sua maneira, construindo uma lógica própria para encontrar a solução. (BRASIL, 1997, vol. 3, p.59).

Apesar dos erros cometidos, a construção do conhecimento se faz evidente no processo de aprendizagem, pois não é somente o acerto que define sua aprendizagem, o errar também faz parte. Como se refere Perrenoud (2000), “todos tenham direito de errar para evoluir. Ninguém aprende sem errar. Errando, reflete-se mais sobre o problema e sobre as ações usadas para resolvê-lo”. Porém, ainda é muito presente nas nossas escolas de Educação Básica, a prática de exames de forma semelhante ao que acontecia em épocas atrás, já citadas neste trabalho. Usualmente a escola considera que avaliar tem o significado de “cobrar conceitos”, “definições”, “fórmulas e teoremas” já prontos, vistos em sala de aula. Dessa forma, podemos perceber que essas práticas ainda tradicionais sobre avaliação estão diretamente ligadas às concepções que os professores têm em relação às abordagens do processo de ensino-aprendizagem

Para Hoffman (1993), a avaliação é própria e inseparável da aprendizagem enquanto compreendida como problematização, questionamento e reflexão sobre a ação. Sendo a avaliação uma reflexão transformada em ação, e que estimule para novas reflexões. Ainda de acordo com Hoffmann (2013), o professor juntamente com o educando devem buscar coordenar seus pontos de vista, trocar ideias reorganizando-as. Nesse caso a postura do professor frente às alternativas de solução construídas pelos educandos deve estar necessariamente comprometida com uma concepção de erro construtivo. E para Perrenoud (1999), a avaliação da aprendizagem é um processo mediador na construção do currículo e se depara estreitamente relacionada com a gestão da aprendizagem dos educandos. No entanto, devido à grande quantidade de estudos em diversos contextos educacionais sobre avaliação do processo de en- 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS sino aprendizagem, buscaremos restringir o foco no que 2.1 Tipo do Estudo diz respeito a essa temática, incluindo o erro do eduOs métodos que traçamos no intuito de alcançar os obcando como construção do conhecimento em Matemájetivos determinados decorrem da perspectiva de buscar tica dentro do processo avaliativo do ensino aprendizauma visão diferente por parte dos professores em relagem. Pois, ao partir do princípio de que o erro é consição à avaliação do educando considerando os erros que derado como uma fonte de aprendizagem, neste sentido, eles cometem dentro do processo de ensino e aprendiele pode promover ao educando importantes descoberzagem. tas e desafios que o estimulará no prazer do saber e do Por esse motivo, nossa pesquisa é do tipo explofazer. ratório, de campo, com abordagem qualitativa, pois, Segundo Sperafico e Golbert (2011), o erro tem um como destaca Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE; importante papel no processo de ensino, pois além de ANDRÉ, 2013) a pesquisa qualitativa “envolve a obidentificar os obstáculos que dificultam o educando a tenção de dados descritivos, obtidos no contato direto progredir em relação a um conteúdo ajuda o educador do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais a formular diferentes estratégias para contorná-los. E o processo do que o produto e se preocupa em retratar a para sair de um ensino mecanizado, muitas vezes desperspectiva dos participantes”. provido de significado para o educando, é preciso possibilitar uma construção significativa dos conhecimentos matemáticos estimulando-os, a partir do erro, que é co- 2.2 Participantes da Pesquisa mum no processo da aprendizagem, discutir e explorar O público escolhido para nossa pesquisa são doze aluestes erros para facilitar a compreensão de ideias essen- nos do curso de Licenciatura em Matemática do oiciais para a construção desse conhecimento. Conhecer tavo semestre, bolsistas do PIBID do Instituto Federal Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 11


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Canindé. Esse público fez parte da pesquisa pelo fato de querermos investigar qual é a visão desses futuros professores em relação as suas percepções sobre ensino-aprendizagem, avaliação e os erros dos educandos, como eles pensam a respeito disso. Esses sujeitos foram escolhidos porque já atuam em atividades docentes como bolsistas a mais de dois anos, sendo os licenciandos e bolsistas PIBID com maior tempo de atuação, e em breve como professores devidamente licenciados, por isso a importância deles nesta pesquisa, para que pudéssemos fazer análises mais detalhadas da visão desses futuros docentes em relação ao ensino-aprendizagem e avaliação, quando se depararem com os erros dos educandos. 2.3

Procedimentos de Coleta de Dados

Os sujeitos da pesquisa fizeram a correção de uma avaliação que denominamos Teste de Concepções de Avaliação e Erro para Professores de Matemática elaborado por Ferreira e Mendonça (2015), respectivamente Bolsista (ID) e coordenadora do Pibid de Matemática do IFCE Canindé, contendo erros construtivos em que além da pontuação deveriam justificar a pontuação relativa aos erros. A partir da análise dos dados obtidos pela aplicação do teste que envolveu diferentes tipos de erros construtivos para ver como os participantes da pesquisa avaliaram na prática, fizemos uma análise a fim de triangular os diferentes dados obtidos nos diferentes instrumentos de cada sujeito no intuito de responder e identificar as diferentes concepções de ensino-aprendizagem, de avaliação e erro do educando, e analisamos essas percepções tanto em relação à coerência entre elas, quanto às possíveis diferenças, tendo como referencial o erro numa perspectiva mais construtiva. A partir desta aplicação fizemos uma análise de forma detalhada no intuito de destacarmos a coerência ou não das concepções de ensino, aprendizagem e avaliação, e assim pudemos apresentar uma relevante discussão para muitos docentes que enfrentam essas dificuldades para fazerem uma avaliação coerente com a aprendizagem de seus educandos. 3

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

construtivos de forma proposital, para que os sujeitos da pesquisa pudessem avaliar dando uma pontuação e depois justificassem a pontuação relativa aos erros. Na análise das notas e justificativas dadas às resoluções das questões, seguimos a ordem em que elas apareceram no teste. Nomeamos os participantes por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9, P10, P11 e P12 quando forem citados no texto da análise. Passamos, agora, à análise das notas e justificativas dadas a cada questão. 3.1

Análise da Questão 1

A primeira questão aborda um problema do cotidiano, que diz o seguinte: Deseja-se construir numa cidade uma praça com o mesmo formato e medidas indicados na figura 1 abaixo. Para esta construção, calcule quantos metros de tapumes na altura de 1 m deverá ser gasto para cercar todo o perímetro da praça?

Figura 1: Representação da questão e resolução do aluno.

Como vimos, o objetivo dessa questão é encontrar a quantidade de tapumes em metros para cercar todo o perímetro da praça, mas a resposta que deixamos, apresenta de forma proposital um erro construtivo, com relação à dificuldade de um educando em aceitar uma soma com representações algébricas. E o intuito é saber como que os futuros professores, bolsistas do PIBID fariam essa avaliação, aplicando uma nota e justificando-as. Apenas 05 (cinco) participantes correspondentes a 41,67% perceberam o tipo de erro e justificaram suas notas de forma coerente com o erro do educando na questão, que pedia para representar o perímetro de uma figura que tem a medida de alguns lados determinada, e de outros, apenas a representação algébrica, e que o educando errou no fechamento da questão. Onde ele teve dificuldade de aceitar 34 + m + x como resposta válida. Nessa questão, uma justificativa bem ilustrativa da percepção do erro proposital que colocamos foi a do participante P7 ao argumentar que,

As cinco questões analisadas envolvem respectivamente medida de perímetro, cálculo de área, regularidade de uma sequência, cálculo de altura máxima e regra de três inversamente proporcional, com nível mais voltado para os anos finais do Ensino Fundamental. E em cada questão aferimos uma resposta contendo erros Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v.

O aluno conseguiu demonstrar a competência em relação à compreensão de perímetro, porém demonstrou não ter bem formado o conceito de soma e confunde esse com uma multiplicação. Em outras palavras, o aluno conseguiu iniciar a resolução corretamente mais cometeu uma

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A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ grande falha em relação à conclusão da resolução. (Participante P7)

Outros 05 (cinco) participantes o que equivale a 41,67% justificaram suas notas de forma desconexa com a questão e com a resolução do educando. Uma das justificativas dadas que mostra essa desconexão com a resolução foi a do participante P11, ao argumentar que “o aluno deveria ter primeiro encontrado os valores de m e de x, para só então ter tentado resolver o problema”(P11). Mas, sabemos que os valores dessas variáveis ficariam mesmo em termos de m e x, não podendo ser encontrado um valor exato. Dois participantes, ou seja, 16,66% justificaram suas notas desconsiderando totalmente a resolução do educando. E podemos perceber isso na justificativa dada pelo participante P4, ao dizer que “o aluno não compreendeu o que a questão está pedindo, neste caso podemos avaliar que o mesmo compreende o conceito de perímetro”(P4). Mas pela resolução dada pelo educando, é possível perceber que ele compreendeu a questão, e começou a resolver corretamente, mostrando também que compreende o conceito de perímetro, e errou apenas no final da resolução. Calculando o coeficiente de variação (CV) entre as notas dadas na questão 1 obtivemos um coeficiente de variação igual a 80,13% indicando uma alta variabilidade das notas dadas pelos participantes da pesquisa. 3.2

Análise da Questão 2

A segunda questão trazia o seguinte problema: Para construir uma escola é feito o esboço da área do terreno no qual estão indicadas as medidas dos seus lados e tem a forma da Figura 2. Com essas medidas, qual a área total desse terreno?

A partir da resolução da questão que propõe a representação algébrica da área de uma figura, apenas seis (06) participantes, ou seja, 50% justificaram suas notas identificando exatamente o erro cometido pelo educando. Uma das justificativas dadas de forma coerente foi a do participante P2 ao expressar que, A ideia foi boa de calcular a figura toda (a parte do terreno da escola com o pedaço que faltava) e diminuir a área que não fazia parte do terreno da escola. Mas o aluno fez a subtração errado, em vez de fazer 2x · 50 − (x · 20) ele fez 2x · 50 − (x · 10). O certo seria colocar o 20 em vez de 10. (Participante P2)

Já, outros 04 (quatro) participantes, que equivale a 33,33% em suas justificativas não fizeram uma explicação plausível sobre o principal erro cometido pelo educando na questão, e usaram argumentos que se distanciam desse erro. E dentre essas justificativas destacamos a do participante P9, onde o mesmo argumentou que “o aluno demonstrou não ter noção em cálculos de áreas”(P9). Outros 02 (dois) participantes, que equivale a 16,67% distanciaram-se um pouco em suas justificativas sobre o erro cometido pelo educando, porém não por completo, apenas parcialmente, como na justificativa do participante P12, ao argumentar que “o aluno tem conhecimento de figuras planas, porém não desenvolve o cálculo corretamente”(P12). Assim, podemos perceber que esse participante não deixa explicito em sua justificativa o principal erro do educando, que foi colocar 10 em vez de 20 em sua resolução, mas esse participante declara que o educando conhece figuras planas, o que de fato é verídico. Na questão 2, ao calcularmos o CV entre as notas dadas, obtivemos um percentual igual a 81,63% indicando também uma alta variabilidade das notas dadas pelos participantes da pesquisa. 3.3

Análise da Questão 3

Já esta questão apresentava o seguinte problema: Uma criança está brincando de fazer triângulos com palitos de fósforos como mostra o desenho a seguir (Figura 3).

Figura 2: Representação da questão e resolução do aluno.

O problema exposto tem como objetivo encontrar uma expressão que represente a área da figura represenFigura 3: Sequência de triângulos com palitos. tada, e de forma proposital, apresentamos uma possível Observando a sequência de triângulos feita pela criresolução de um educando que contém um erro construtivo. Novamente, o intuito é saber como que os futuros ança, (Figura 3) complete a tabela com os dados refeprofessores, bolsistas do PIBID fariam essa avaliação, rentes a esta sequência, e responda quantos palitos seriam necessários para fazer 10 triângulos? aplicando uma nota e justificando-as. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 13


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

solo obliquamente descrevendo uma curva de equação y = 200x−4x2 , e que x e y são dados em metros. Qual a altura máxima do lançamento? Figura 4: Resposta do aluno.

Esta questão apresenta um maior grau de dificuldade, pois tem como objetivo encontrar a regularidade da sequência apresentada e representar de forma algébrica o número de palitos para dez triângulos. E como em todas as outras questões, esta também contém um erro construtivo feito de forma proposital, com o intuito de saber como que os bolsistas do PIBID fariam essa avaliação, aplicando uma nota e justificando-as. Nessa questão na qual o aluno deveria identificar a regularidade existente em uma sequência, generalizá-la e, por fim, representá-la algebricamente, nove (09) dos participantes, ou seja, 75% identificaram e justificaram exatamente o erro cometido. Dessas justificativas, destacamos a do participante P11, onde ele alegou que “o aluno acertou a razão da sequência, porém errou na fórmula que foi n + 2, onde o certo seria 2n + 1”(P11). Mesmo essa questão apresentando um grau de abstração maior, tivemos apenas um (01) participante, o P4, que equivalente a 8,33% que não justificou de forma coerente com o erro do educando. Na justificativa dada pelo participante P4, ao afirmar que “o aluno não compreendeu o conceito da sequência”(P4), podemos observar que essa justificativa não condiz com a resposta do educando, pois o aluno consegue perceber que existe uma razão nessa sequência, não conseguindo apenas estabelecer uma expressão que correspondesse ao 10o elemento. Apenas 02 (dois) dos participantes, que corresponde a 16,67% encontraram o erro cometido, mas em suas justificativas não foram objetivos e desviaram um pouco do que realmente se tratava o erro. Como podemos observar na justificativa dada pelo participante P8, ao argumentar que “o aluno constatou algo obvio o que não quer dizer correto, mas encontrou estratégia” (P8), ou seja, não faz um argumento claro sobre onde o educando cometeu o erro, e fala apenas que esse educando encontrou alguma estratégia. O CV entre as notas dadas na questão 3 é de 47,67% que também indica uma variabilidade elevada das notas dadas pelos participantes da pesquisa.

Figura 5: Resposta do aluno.

O objetivo dessa questão é muito claro, encontrar a altura máxima, e para isso basta saber calcular o ponto de máximo da parábola que é o Yv. E o erro construtivo que criamos foi apenas de um sinal na solução final, coisa que já havia sido trabalhado no inicio da resolução, com o intuito de provocar nos bolsistas uma reflexão na hora de avaliar, pois na resolução o educando demonstrou que sabe trabalhar o jogo de sinal. E nessa questão, 09 (nove) participantes, correspondente a 75% em suas avaliações justificaram exatamente o erro apresentado pelo educando, tal questão exigia do educando alguns conceitos bem formalizados para poder solucionar o problema. Dentre as justificativas dadas para essa questão, ressaltamos a do participante P7, onde expressou que, O aluno demonstrou toda a capacidade em resolver questões que envolvem ponto de máximo (ou mínimo), acertando tudo até o momento em que deveria concluir, onde cometeu um deslize, porém, acredito que ele simplesmente se confundiu no momento da finalização, pois ele já havia feito um jogo de sinal anteriormente e respondeu corretamente. O erro cometido, não se caracteriza como falta de conhecimento, devido ele já ter passado por um jogo de sinal e ter respondido correspondente. (Participante P7)

Outros 03 (três) participantes, que corresponde a 25% desses participantes, justificaram a resolução do educando apenas parcialmente coerente com o erro encontrado, como observamos na justificativa dada por P1, ao argumentar que “o aluno soube resolver adequadamente errando apenas o sinal no fim do enunciado, demonstrando que não sabe as operações com sinais” (P1). No entanto, P1 não observou que esse educando já havia trabalhado com sinais nessa mesma questão, e corretamente. Como podemos observar, nenhum participante justificou a resolução dessa questão de forma totalmente 3.4 Análise da Questão 4 incoerente. A quarta questão também dispõe de um ótimo proNessa questão 2, o CV entre as notas dadas, é de blema, que diz o seguinte: Um projétil é lançado do 13,95% indicando assim uma baixa variabilidade das Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 14


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notas dadas pelos participantes da pesquisa. 3.5

Análise da Questão 5

Na ultima questão, o problema apresentado é bem mais complexo, e diz o seguinte: Se João correr a uma velocidade de 30,0 km/h, ele completa uma certa distância em 6 minutos. Se em 8 minutos, ele correr essa mesma distância, qual será sua velocidade?

Figura 6: Reposta do aluno.

O objetivo dessa questão é encontrar a velocidade dentro do tempo de oito minutos considerando a mesma distância feita em seis minutos, o que o caracteriza como uma questão sobre regra de três inversamente proporcional. E o erro construtivo cometido propositalmente, e dá pelo fato da resposta dada ter sido feita como uma regra de três diretamente proporcional, encontrando uma velocidade maior. O intuito desse erro é causar uma reflexão nos bolsistas na hora de avaliar, pois o raciocínio representado na resolução é de um educando que tem um conhecimento a respeito do assunto, errou por um simples descuido e falta de atenção. E apenas 04 (quatro) dos participantes, o equivalente a 33,33% justificaram o erro do educando corretamente, sendo coerente com a resolução e o erro encontrado. Destacamos aqui a justificativa dada por P10, onde o mesmo argumentou que,

condizem com a possível resolução correta que o educando deveria ter chegado. Uma dessas justificativas foi a do participante P2, quando expressou que “o aluno não coloca os valores na mesma unidade de medida”(P2). Mas, essa afirmação não condiz com um argumento correto para uma resposta certa, pois não é possível colocar os valores dados na mesma unidade de medida, e o erro do educando foi mesmo de não perceber que se tratava de uma regra de três inversamente proporcional. Outros 03 (três) participantes, o equivalente a 25% encontraram o erro cometido pelo educando, mas ao justificarem não foram precisos em seus argumentos, ou seja, deixaram a desejar, como vemos na justificativa dada por P4, ao argumentar apenas que “a velocidade percorrida era para ser menor que 30 km/h”(P4), não descrevendo exatamente onde foi que o educando cometeu seu erro. Na quinta e ultima questão, o CV entre as notas dadas, é de 66,70% indicando que também houve uma alta variabilidade das notas dadas pelos participantes da pesquisa. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho objetivamos responder à seguinte questão de pesquisa: Como e em que medida o erro do educando pode ser aproveitado na construção de sua aprendizagem matemática na concepção dos futuros professores? E com base na pesquisa que realizamos e na análise do teste, foi possível termos uma ideia mais consistente de como pensam os futuros professores pesquisados, em relação as suas concepções de avaliação considerando o erro do educando. As concepções por parte dos bolsistas, futuros professores de Matemática, em relação aos erros cometidos pelos educandos, quando detectados e de forma correta, até que são bem avaliados, pois a grande maioria fizeram suas correções considerando todos os cálculos desenvolvidos pelo educando e não apenas o resultado final. Entretanto, as notas dadas pouco representaram as Para resolução da questão bastava a segunda parte da resolução. Embora ele tenha percebido que se tratava de boas avaliações e argumentos feitos, pois em um simuma regra de três, não percebeu que se tratava de uma ples erro construtivo encontrado, houve uma baixa desinversamente proporcional, não percebeu que a distância proporcional na nota aplicada, o que não condiz com era a mesma e o tempo para percorrer aumentou, logo os conceitos já formulados pelo educando muitas vezes percorreu mais devagar e o valor que ele encontrou é maior (40>30). Isso modificou totalmente o resultado. E bem explícitos na resolução. a questão tratava especificamente de uma inversamente Avaliar não é uma tarefa simples, requer muitos criproporcional e o aluno não absorveu isso. (Participante térios e talvez por saberem disso, 60% dos bolsistas disP10) seram não se sentirem preparados para avaliarem seus E de forma bastante considerável 05 (cinco) parti- educandos, mesmo com as habilidades, competências e cipantes que corresponde a 41,67% que fizeram suas um conjunto de concepções adquiridas ao longo de suas avaliações e justificativas, não tiveram coerência com a formações o favorecem para fazerem avaliações coerenresolução dada pelo educando, e seus argumentos não tes com a aprendizagem do educando. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 7 - 16, dez. 2015 15


A AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO ERRO NO PROCESSO DE ENSINAGEM DE MATEMÁTICA POR BOLSISTAS PIBID DO IFCE CANINDÉ

Sobre o teste aplicado, observamos uma grande variabilidade na pontuação dada em cada questão pelos participantes da pesquisa sendo a 1a a 2a e a 5a as que tiveram maior índice de variabilidade, respectivamente 80,13%, 81,63%, 66,70%. Isso indica que o ato de avaliar não é tarefa fácil por ser subjetiva, pois cada participante deu nota diferente e pontuando diferentemente. Em relação à questão da coerência entre as percepções de avaliação, ensino, aprendizagem e erro, percebemos que existem divergências entre o discurso e a prática de avaliar e que nem sempre os sujeitos conseguiram identificar o erro construtivo colocado em cada questão. Entendemos que a maturação sobre as concepções de avaliação e erro são oportunizadas pela reflexão sobre a prática, inicialmente materializada no contexto da atuação no PIBID, mas elevada na apreensão da profissão docente no contexto da práxis. Para nós o educando deve ser um sujeito ativo que formula problemas, faz conjecturas e tira conclusões diante dos desafios que lhes são propostos, é essencial que o professor tenha um olhar mais especial para o erro construtivo cometido pelo educando, que cumpra de fato um papel positivo na aprendizagem e que seja bem observado e avaliado pelo professor. Nesse sentido, esperamos que esse trabalho possa contribuir para discussões mais aprofundados sobre as dificuldades de se avaliar devido a coexistência de diferentes concepções na prática docente e como o erro pode ser melhor percebido como parte do processo de Ensinar e Aprender por futuros professores de Matemática. REFERÊNCIAS ANASTASIOU, L. das G. C. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In: ANASTASIOU, L. das G. C.; ALVES, L. P. (Ed.). Processos de ensinagem na universidade. Joinville: Editora Univille, 2003. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio: matemática. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, MEC/SEMTEC, 1997.

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A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO J OELMA N OGUEIRA DOS S ANTOS1 , A NA C AROLINA C OSTA P EREIRA2,3 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) 2 Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática 3 Universidade Estadual do Ceará <joelma.santos@ifce.edu.br>, <carolina.pereira@uece.br>, DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.919

Resumo. O mundo atualmente vem passando por transformações afetando, sobretudo o âmbito escolar. Espaço esse, em que o conhecimento e a sua natureza estão em constante processo de expansão. Nesse sentido, entendemos que os conhecimentos adquiridos na escola são influenciados por essa dinâmica. Com base nisso, podemos dizer que a matemática é uma disciplina que passeia em diversos campos do saber, pois ela, assim como as demais disciplinas que compõem a matriz curricular escolar, faz parte da atividade humana. Por essa razão, tal artigo a priori, evidencia a relevância do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) como um ambiente de aprendizagem, pois, ele possibilita que a teoria e a prática caminhem juntas. Posteriormente o referido trabalho, apresenta considerações sobre a relação entre esse ambiente e a disciplina matemática, e de que forma as experiências de um laboratório de matemática podem contribuir para o melhor aproveitamento da disciplina em questão. Para isso fizemos um levantamento bibliográfico sobre o tema envolvido e relatamos uma experiência vivenciada na educação básica com o LEM. Dessa forma, consideramos que na escola é possível ter um espaço intra ou extraclasse que possa unir os saberes e as competências envolvidas no ensino da referida disciplina. Palavras-chaves: Conhecimento Matemático. Laboratório de Ensino de Matemática. Matemática Escolar. Ensino. Aprendizagem. Abstract. The world is currently undergoing transformations affecting, especially, in schools. The space where knowledge and their nature are in constant expansion process. In this sense, we believe that the knowledge acquired at school are affected by this dynamic. Based on this, we can say that mathematics is a discipline that walks in several fields of knowledge, as it, like other disciplines that constitute the school curriculum, is part of human activity. Therefore, this an article a priori, highlights the importance of Mathematics Teaching Laboratory (LEM) as a learning environment because it allows theory and practice go hand in hand. Later, this referred work presents considerations on the relationship between this environment and the mathematics discipline, and how the experiences from a mathematics laboratory can contribute to the better use of the discipline in question. For this, we made a literature review on the involved subject and we reported a experience lived in the basic education with the LEM. Thus, we consider that the school can have an intra or extra-space that can unite the knowledge and skills involved in the teaching of this discipline. Keywords: Mathematical knowledge. Mathematics Teaching Laboratory. School Mathematics. Education. Learning. 1

INTRODUÇÃO

cam em sua atuação na sala de aula trabalhar com uma matemática mais dinâmica e acessível ao aluno. Para isso, precisam compreender a natureza do conhe-

Diante dos desafios do mundo contemporâneo que afetam diretamente a educação escolar, professores busConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015

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A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

cimento matemático e perceber quais caminhos tornam o ensino mais eficaz. A matemática é vista como uma disciplina de difícil compreensão, em que soluções extensas de problemas, fórmulas complicadas e pouca relação com aplicações no cotidiano fazem parte do seu contexto. Segundo Ponte (1994, p. 2): Para os alunos, a principal razão do insucesso na disciplina de Matemática resulta desta ser extremamente difícil de compreender. No seu entender, os professores não a explicam muito bem nem a tornam interessantes. Não percebem para que serve nem porque são obrigados a estudá-la. Alguns alunos interiorizam mesmo desde cedo uma auto-imagem de incapacidade em relação à disciplina. Dum modo geral, culpam-se a si próprios, aos professores, ou às características específicas da Matemática.

Dessa forma, é necessário que o professor de matemática reflita sobre seu fazer pedagógico buscando constantemente preparar-se para os desafios que o ensino atual proporciona. Pois, segundo D’Ambrósio (1991), ainda estamos ensinando matemática em sistemas que não produzem mais resultados satisfatórios. Logo, é necessário refletir sobre novas estratégias que facilitem a compreensão do saber matemático escolar, visto que é na matemática escolar que os saberes são aprendidos. Cabe ao professor buscar a maneira mais adequada para facilitar essa aprendizagem. Por essa razão, o Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) está sendo considerado nesse trabalho como uma alternativa viável, que pode contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, em que o aluno se torna agente ativo na construção de seu conhecimento. O olhar que traçamos para as considerações apresentadas corresponde com D’Ambrósio (1999), pois ele considera o conhecimento matemático como construção humana. Nessa perspectiva, esse artigo tem o intuito de apresentar considerações sobre a interação entre laboratório de matemática e a disciplina Matemática ministrada em sala de aula. E de que forma o trabalho desenvolvido em tal espaço (LEM), pode contribuir com a melhoria do desempenho do outro. 1.1

O conhecimento matemático e sua natureza: o que devemos buscar?

reprimindo a cultura, os costumes e o saber originário de um povo. Segundo D’Ambrósio (1999, p. 105) o conhecimento é “o conjunto dinâmico de saberes e fazeres acumulados ao longo da história de cada indivíduo e socializado no seu grupo”. E todo esse conhecimento, seja ele matemático ou não, está relacionado à história da humanidade. Nesse sentindo, tal ciência pode ser caracterizada como uma criação humana, pois de acordo com Davis e Hersh (1985) a matemática já foi, está e ainda será desenvolvida, neste caso, pelo homem. Assim como o referido autor, Caraça (2010) nos faz refletir também, sobre o fato do indivíduo utilizar o pensamento matemático em suas atividades diárias independente do mesmo viver isolado, ou seja, ter uma vida primitiva1 , ou morar em um grande centro urbano. De um jeito ou de outro, ele pensa e reflete matematicamente todos os dias. Diante dessa constatação, questionamos: se a matemática é fruto da construção humana, então por que ensinar sobre essa ciência às vezes se torna uma tarefa difícil? E por que aprendê-la parece algo árduo? Essas questões correspondem ao que nos propusemos discutir nesse artigo. Mas, para isso precisamos lançar um olhar para indagações relacionadas, sobretudo aos saberes: que matemática temos a intenção de buscar? Devemos lidar com uma matemática que faça raciocinar sobre o sujeito, tendo como referência a perspectiva platônica que desenvolve suas capacidades intelectuais e cognoscitivas? Ou nos fundamentar na visão aristotélica e perceber a matemática mais voltada para as ações do cotidiano? Ou ainda, sob o olhar da visão cartesiana procurar uma matemática que nos sirva de instrumento para entender outras ciências? No que se refere ao conhecimento matemático e sua natureza, Meneghetti (2004) afirma que precisamos das três concepções para formar e informar o indivíduo, pois elas possibilitam o desenvolvimento, tanto a capacidade de raciocinar de modo indutivo, como também valorizam as ideias sob o aspecto dedutivo. É na escola que a matemática ganha força pedagógica capaz de trabalhar essa três abordagens como mostra a Figura 1. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) no 9394/1996 (BRASIL, 1996) trata em seu capítulo II, seção I, Art 22o que a “educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no traba-

O conhecimento matemático que atualmente é estudado na academia, seja ela, no ensino regular básico ou no ensino superior é designado a partir de um momento na evolução da humanidade, em particular, nas origens da 1 Caracterizamos aqui uma vida primitiva na atualidade como matemática nas cidades próximas ao mar mediterrâneo. aquela na qual o sujeito não direciona o desenvolvimento de suas caEsse conhecimento que dominou o mundo moderno, pacidades cognoscitivas e nem suas habilidades para uma matemática adentrou as civilizações a margem do mundo ocidental, mais formal e aplicada. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015 18


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1.2

Figura 1: As três concepções que substanciam o conhecimento matemático e sua natureza. Fonte: elaboração dos autores.

lho e em estudos posteriores”. A finalidade apresentada pelo documento oficial harmoniza-se com as três concepções que fundamentam o ensino de matemática. Logo, é necessário que o professor compreenda as características intrísicas a tal conhecimento, pois é a partir dela que o docente atua e deve compreender as formas de ministrá-la satisfatoriamente. Mas, qual matemática o professor deve trabalhar em sala e aula? A seguir apresentamos no Quadro 1 o que acreditamos ser duas vertentes das características da postura do professor em sala de aula.

Quadro 1: Matemáticas trabalhadas pelo professor em sala de aula.

Fonte: elaboração dos autores.

O ensino de matemática e o laboratório: o trabalho docente em ação

Ao analisarmos o papel do professor, do aluno e do saber sob a ótica da conexão focalizamos a ideia do triângulo didático de Guy Brousseau2 . Pommer (2008), o qual descreve como triângulo didático a relação stricto sensu estabelecida por esses três elementos, que envolve a epistemologia do professor, a relação alunosaber e a relação pedagógica. Segundo Pais (2002) esses elementos atuam em determinadas situações e caracterizam a sala de aula como espaço vivo, ou seja, ambiente propicicio à promoção da aprendizagem da matemática. A relação estabelecida por Brousseau (2008) contribui para que as barreiras epistemológicas e culturais que impedem a transformação do saber científico em saber escolar sejam transpostas. De que forma? Por meio da contextualização e descontextualização do saber. Essa ideia também é defendida por Brasil (1998) quando afirma que Esse processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber. Por outro lado, um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e generalizados, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem contextualizados novamente em outras situações. Mesmo no ensino fundamental, esperase que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado, transferido a outros contextos (BRASIL, 1998, p. 30).

Claramente se percebe uma complexidade nesse contexto, pois não se estagna no aspecto epistemológico apenas. Ela vai além e atinge também o aspecto social e cultural que constituem o processo de transformação do saber científico em escolar. Ou seja, é preciso criar métodos eficazes de ensino que corroborem com as três dimensões apresentadas aqui. Enquanto as teorias metodológicas não saírem do ideário acadêmico e adentrarem as salas de aula, não será tão fácil obter o sucesso escolar. A discussão acerca do processo de ensino para a aprendizagem não é recente. Há muito se questiona o que ainda se caracteriza como obstáculo ao ensino (SAVIANI, 1981). Muitos são os fenômenos que estão presentes na relação ensino-aprendizagem e que se tornam ‘naturais’ à

O Quadro 1 nos mostra o papel do professor e o papel do aluno como grandezas inversas, pois exige muito do trabalho do professor para facilitar a aprendizagem do aluno. Enquanto a outra propõe que o trabalho docente seja fácil e rápido, e em relação ao aluno, exige 2 Educador matemático francês que desenvolveu a Teoria das Situtalvez mais esforço, pois a figura do professor como facilitador não aparece. ações Didáticas. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015 19


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medida que se instalam e permanecem na sala de aula. Dois podem ser destacados aqui por serem comumente apontados nas discussões que cercam o contexto escolar: o péssimo desempenho dos alunos e a má formação docente. Tanto um como o outro promovem o fracasso escolar. No que se refere ao ensino de matemática, Brasil (1998) aponta alguns fatores que também contribuem para sua atual situação. O documento oficial destaca a compartimentalização dos conteúdos tratados em sala de aula; a desconsideração do conhecimento prévio do aluno pelo professor; a forma equivocada como a História da Matemática e a Resolução de Problemas são tratadas; o não aprofundamento do pensamento da proporcionalidade e da equivalência que permeiam todo o nível básico do ensino da matemática; a falta de recursos didáticos em sala de aula e, a não compreensão e/ou desconhecimento dos professores de matemática sobre a existência dos mesmos. Lançando um olhar clínico para essas questões, imediatamente se vê a formação inicial dos professores de matemática carecendo de uma estrutura que trabalhe com propostas que resultem numa aprendizagem satisfatória. Analisando os cursos de licenciatura em matemática a partir de uma perspectiva pedagógica, deve-se levar em consideração a ideia de capacitar pessoas para atuar em diferentes níveis de escolaridade da educação básica. Embora, o currículo tradicional tenha sofrido algumas mudanças nos últimos anos e novas propostas já são trabalhadas no intuito de possibilitar uma aprendizagem significativa, ainda é possível ver, por exemplo, a aritmética, a geometria e a álgebra elementar, desconectadas entre si e trabalhadas sem nenhuma relação com o cotidiano do aluno ou com outras áreas de conhecimento. Segundo Moreira e David (2005, p. 20), a matemática precisa ser considerada “historicamente em conjunção com a prática e a cultura escolar”. Porém, a realidade de nossas escolas ainda caminha lentamente para uma mudança significativa. As avaliações em larga escala como Saeb3 , por exemplo, funcionam como termômetros e nos dão um diagnóstico dos avanços e dos retrocessos do ensino. Nesse aspecto, os resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Brasil de 2013, calculado a partir do censo escolar e das médias dessas avaliações, e suas respectivas metas nos dão uma mostra de como tem se dado o desempenho dos alunos 3 Sistema de Avaliação da Educação Básica composta por três avaliações externas: ANEB (Avaliação Nacional da Educação Básica), ANRESC/Prova Brasil (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar) e ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização).

em níveis de ensino. A Figura 2 nos mostra que nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio ainda há muito que fazer para atingir as metas. A esse respeito levantamos os seguintes questionamentos: no contexto do ensino de matemática, o que está sendo feito para mudar essa realidade? Como o professor pode desenvolver sua prática de maneira que possibilite uma mudança nas estatísticas dos últimos anos?

Figura 2: IDEB 2013 resultados e metas Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Segundo Brasil (2001a, p. 4), há três características inerentes à atividade docente: “orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos [...]; desenvolver práticas investigativas [...]; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio”. Ele aponta que a atuação docente tem um caráter dinâmico e objetivo, sobretudo no que se refere à Educação Básica, pois é apartir dela, que os educandos iniciam o processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos. Em relação à formação inicial do professor, o Brasil (2001b, p. 3-4) apresenta as competências e habilidades que o docente de matemática deve desenvolver na sua formação inicial e ao longo de sua atuação docente: No que se refere às competências e habilidades próprias

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A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO do educador matemático, o licenciado em Matemática deverá ter as capacidades de: a) elaborar propostas de ensino-aprendizagem de Matemática para a educação básica; b) analisar, selecionar e produzir materiais didáticos; c) analisar criticamente propostas curriculares de Matemática para a educação básica; d) desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, buscando trabalhar com mais ênfase nos conceitos do que nas técnicas, fórmulas e algoritmos; e) perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico, carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, onde novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente; f) contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica (BRASIL, 2001b, p. 3 - 4).

sala de aula. O LEM pode ser entendido como um armário ou um canto de sala onde são depositados os materiais didáticos específicos ao ensino de matemática. Quando possível essa concepção deve ser ampliada para uma salaambiente que além de abrigar materiais, tem por objetivo a estruturação, organização, planejamento e execução das atividades matemáticas. Assim, facilita-se, principalmente ao aluno, o questionamento, a experimentação e a análise, isto é, a construção de seu conhecimento (LORENZATO, 2006, p. 111).

Nesse sentido, as atividades de investigação e experimentação proporcionam ao professor explorar a bagagem de conhecimento do aluno e considerá-lo como sujeito ativo no processo de aprendizagem. Essas ações podem ser desenvolvidas no LEM porque é um ambiente que propicia a compreensão das ideias matemáticas. Sua construção deve ser coletiva, ou seja, todos os segmentos da escola devem estar envolvidos. Isso porque o laboratório é considerado por Lorenzato (2010) o centro da vida matemática na escola e com certeza auxilia na relação entre a matemática escolar e a matemática do cotidiano. De acordo com Santos (2013) é nesse contexto que o professor deve atuar.

Queremos ressaltar aqui duas competências que são pertinentes ao tema em questão: a competência apresentada no item b, que aponta o professor como capaz de analisar, selecionar e produzir material didático, o que inclui também recursos de caráter manipulativo; e a proposta do item d, que vem se harmonizar com a ideia de Pavanello (2003) quando afirma que o método deve predominar sobre o conteúdo o qual as pessoas precisam pensar sobre o que fazem matematicamente, assim como, também, estabelecer relações com o cotidiano em que os educandos estão inseridos. Mas, eis a O ambiente necessário para a construção de uma visão questão sobre, onde obter mecanismos para fazer com de Matemática conforme proposta pelos construtivistas caracteriza-se por um ambiente em que os alunos proque essas interações sejam desenvolvidas no ensino de põem, exploram e investigam problemas matemáticos. Matemática? Esses problemas provêm tanto de situações reais (moBrasil (1998) diz que há caminhos que facilitam a delagem) como de situações lúdicas (jogos e curiosidaaprendizagem da disciplina em questão, porém, é nedes matemáticas) e de investigações e refutações dentro da própria Matemática [...] O ambiente proposto é um cessário que o professor seja familiarizado com as meambiente positivo que encoraja os alunos a propor sotodologias de ensino, e além de tudo, saiba discernir luções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, jusquais delas podem ser trabalhados em sala de aula para tificar seu raciocínio e validar suas próprias conclusões. dinamizar e enriquecer a disciplina ministrada. PeRespostas incorretas constituem a riqueza do processo de aprendizagem e devem ser exploradas e utilizadas de reira e Vasconcelos (2006) apontam: a Etnomatemámaneira a gerar novo conhecimento, novas questões, notica, a Modelagem Matemática, a História da Matevas investigações ou um refinamento das idéias existenmática, os recursos tecnológicos, os jogos matemáticos tes (D’AMBRÓSIO, 1993, p. 37). como sendo algumas dessas trajetórias, ou seja, como possibilidades de trabalho para o professor desenvolver É assim que o LEM deve funcionar, tanto na Educasua prática. Nesse aspecto surge outro questionamento: ção Infantil, como no Ensino Fundamental ou ainda no como trilhar esses caminhos? Ensino Médio. O que realmente importa nas aulas de Lorenzato (2006) sugere maneiras de como o pro- matemática é utilizar instrumentos que impulsionem o fessor pode atuar no caminho que escolher. Começar o aluno a trabalhar com o método indutivo e dedutivo, conteúdo de sala trabalhando com material concreto é com estimativas e experimentações, assim como, o douma delas. Outra forma importante apontada pelo autor mínio da argumentação de forma que promova debates é reconhecer e identificar as contribuições conceituais eficazes para desenvolvimento de habilidades, envoldos alunos, como valorizar seus erros, propiciar a expe- vendo o raciocínio, o agir individual e em grupo. Com rimentação e favorecer a descoberta. O professor pode capacidade para avaliar as ações coletivas e individuainda explorar as aplicações da matemática, ensinar in- ais do educando, levando-o a refletir sobre os processos tegradamente a aritmética, a álgebra e a geometria. E relacionados ao conhecimento que esta sendo problepor fim, construir o Laboratório de Ensino de Matemá- matizado. O Laboratório de Ensino de Matemática tem conditica (LEM) considerado como ambiente de aprendizagem que inicialmente pode ser estruturado na própria ções suficientes para suprir essa necessidade, uma vez Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015 21


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que, o LEM apresenta potencialidades como: diagnosticar o nível de desempenho dos alunos, e a dosagem seriada de conteúdos, porém, exige muito trabalho e planejamento do professor podendo correr o risco de ser mal utilizado, até porque nem tudo vira prática de laboratório. Nesse sentido, determinadas metodologias requerem um alto custo financeiro, pois exigem o uso de materiais didáticos caros, importantes para o laboratório, principalmente os manipuláveis. De acordo com Pais (2013) a intenção é que as atividades tenham condições de abstrair o pensamento matemático utilizando recursos didáticos em que [...] a manipulação é sempre acompanhada da atividade intelectual, estabelecendo relações dialéticas entre as dimensões teórica e experimental. O uso desses recursos coloca em pauta o confronto entre abstração e materialidade. Inúmeras vezes percebemos a existência de uma expectativa docente de que o uso dos recursos materiais possa levar o aluno a descobrir propriedades e, assim, contribuir na abstração (PAIS, 2013, p. 94).

Dessa forma, o LEM é um espaço na escola que deve ser utilizado para construir o conhecimento matemático do aluno, levando-o a estudar concomitantemente a teoria em conjunto com a prática, assimilando conceitos de forma significativa. Dependendo da fase cognitiva dos alunos, os materiais disponíveis no LEM podem ajudar na abstração melhorando a aprendizagem e desmistificando que a matemática é uma disciplina de ’difícil’ compreensão.

Figura 3: Os três componentes do ensino de matemática segundo Lima (1999). Fonte: Elaboração dos autores.

• Monitoria de matemática; • Intervenção pedagógica para alunos do ensino fundamental e médio com déficit de aprendizagem da matemática; • Atividades voltadas para as avaliações em larga escala; • Projetos de leitura e escrita matemática; • Oficinas de produção de material didático.

Em nossa investigação percebemos que a teoria das situações didáticas foi a que melhor se aplicou às atividades trabalhadas no LEM, pois os tipos de situações propostas na visão de Brousseau (2008) efetivamente 1.3 O LEM na escola de educação básica: um ménos auxiliaram na busca dos resultados que esperávatodo alternativo mos. Uma das propostas para a existência do LEM na escola Entendemos que o LEM se caracteriza como um é a de contribuir com o trabalho do professor de maambiente de aprendizagem que auxilia a relação teoriatemática em atividades que relacionem a teoria com a prática assim como reforça o papel de cada elemento prática, formando conceitos, desenvolvendo o domínio constituinte no processo de ensino para a aprendizadas técnicas operatórias e explorando situações em que gem: o professor, o aluno e o saber. As práticas deo saber se aplica. A ideia é envolver o que Lima (1999) senvolvidas foram suficientes e favoráveis às ações que, apresenta com conceituação, manipulação e aplicação. de forma implícita ou explicíta, iam se desenvolvendo E a partir dos três componentes apresentados na Fipara a constituição do saber matemático escolar. Segura 3, é possível traçar uma lista de atividades de ingundo Pais (2002, p. 65), as situações didáticas podem vestigação visando à construção do conhecimento maser compreendidas como as “múltiplas relações pedatemático que podem ser desenvolvidas no LEM. Dentre gógicas estabelecidas entre o professor, os alunos e o elas destacamos: saber, com a finalidade de desenvolver atividades vol• Práticas complementares dos conteúdos desenvol- tadas para o ensino e para a aprendizagem de um conteúdo específico”. Colocamos aqui de maneira suscinta vidos em sala de aula; o desenrolar das situações didáticas que fundamentaram • Sessões de filmes e o clube da matemática; nossa pesquisa. O primeiro tipo de situação didática apresentada • Reuniões bimestrais com os professores; por Brousseau (2008) é a devolução. Nela, compar• Planejamento semanal dos professores de matemá- tilhamos com os alunos a responsabilidade da relação ensino-aprendizagem do conteúdo explorado específico tica; Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015 22


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de cada aula prática. Os alunos foram inseridos no contexto do conteúdo específico auxiliados pelo milieu que segundo Teixeira e Passos (2013, p. 160), é caracterizado como o meio em que ocorre a aprendizagem, podendo esse ser material, mas que não exprime explicitamente a intenção didática. [...] um dispositivo deve ser colocado em ação para que uma pessoa ensine um conhecimento e controle a sua aquisição. Tal dispositivo compreende um milieu material: peças de um jogo, uma prova, um problema, uma ficha, e regras de interações do aprendiz com aquele dispositivo — no caso, o jogo propriamente dito (BROUSSEAU, 1986 apud TEIXEIRA; PASSOS, 2013, p. 160).

para a constituição do saber. A institucionalização permite ao professor constatar se os alunos aprenderam de fato, pois a formalização e a generalização do objeto matemático envolvido na atividade ocorrem nessa situação didática. Vivenciamos essa experiência em uma escola pública estadual do Ceará. Destacamos aqui alguns conteúdos trabalhados com as práticas do LEM como atividade complementar ao trabalho docente em sala de aula e que envolveram a teoria das situações didáticas de Guy Brousseau.

• Números negativos; Diante da apresentação do milieu, surgia em cada • Álgebra: monômio e polinômios; prática a segunda situação didática: a ação. Nesse momento os alunos refletiam sobre o que deveriam exe• Álgebra: produtos notáveis; cutar em busca de um resultado. Ao interagir com o milieu os alunos passavam a tomar decisões no intuito • Geometria espacial; de organizar a resolução do problema que lhes era pro• Geometria plana: semelhança de figuras geomátirposto. cas, teorema de Tales, teorema de Pitágoras; Na ação viam-se claramente os alunos colocando seus conhecimentos em prática, embora não estivessem • Trigonometria: razões trigonométricas, ciclo trimatematicamente definidos e estruturados. Para que gonométrico. isso acontecesse, seria necessário avançar na sequência das situações didáticas. E foi o que fizemos. LeA maioria dos materiais utilizados para demonstrar vamos os alunos para a formulação, o tipo de situação a importância do LEM, pode ser encontrada nas escolas que ocorre logo após a ação. Com a ajuda do milieu os públicas do Brasil. Outros foram confeccionados pelos alunos iam discutindo entre si sobre os caminhos uti- alunos. Entretanto, ressaltamos que existe uma neceslizados para resolver a situação-problema apresentada sidade de confecção de materiais concretos para conno início da prática. Nessa fase os alunos já estavam teúdos que são ministrados nos anos finais do Ensino conscientes do problema proposto, porém, ainda não se Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Pouviam na obrigação de apresentar uma linguagem mate- cos são aqueles que objetivam para uma prática nesmática mais adequeda. Daí a existência de “ambigui- ses seguimentos justamente pelo fato de não saberem dade, redundância, uso de metáforas, criação de termos como, por que e nem quando utilizar o material didático semiológicos novos, falta de pertinência e de eficácia” mesmo as discussões a respeito dessa temática aconte(POMMER, 2008, p. 7). cendo há algum tempo em âmbito acadêmico. Nessa Na validação, situação que segue logo após a for- perspectiva, entendemos que tentar trabalhar o laboramulação, os alunos justificavam com convencimento o tório como uma metodologia de ensino é a maneira adeque formulavam, dessa vez utilizando-se de uma lin- quada de garantir um ensino inovador e eficaz. guagem matemática apropriada para mostrar que suas Nesse contexto, podemos perceber que o LEM não descobertas estavam corretas. As descobertas iam se se apoia, apenas no material concreto, pois é possível moldando e se estruturando nesses quatro tipos de situ- também, o uso de vídeos como um recurso a facilitação ações didáticas nas quais os alunos tinham orientação. da aprendizagem. A intenção é propiciar ao aluno a Vale ressaltar que, nas etapas os alunos demonstravam oportunidade ter acesso aos conteúdos matemáticos por autonomia na resolução da atividade. meio dos videos, o que consequentemente pode facilitar Para finalizar o trabalho em cada aula prática, nos a visualizacão de conteúdos problematizados em sala de apoiávamos na institucionalização, situação didática aula. proposta por Brousseau (2008) na qual o processo de descoberta termina. Nosso papel entrava em ação e nesse momento tomávamos novamente a responsabili- 2 Discussões Finais dade da relação ensino-aprendizagem compartilhada e A era do conhecimento tem trazido oportunidades e deíamos conduzindo os alunos na retenção de determina- safios que vão desde situações do cotidiano, até aquedas justificativas e na eliminação do que não iria servir les relacionados ao ambiente de sala de aula, lugar esse Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 17 - 25, dez. 2015 23


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onde se projeta as primeiras aprendizagens formais no indivíduo. Sendo assim, vale salientar que os conhecimentos historicamente acumulados, dentre eles, a matemática é uma ciência que se faz presente tanto no diaa-dia, quanto na academia e se torna indispensável na formação do indivíduo. Por essa razão, a matemática relaciona-se com várias áreas do saber. Ela entra na sala de aula de uma forma, ainda pouco convencional, desafiando o professor a buscar métodos, técnicas e recursos didáticos que superem os obstáculos trazidos na própria história curricular da matemática. De encontro a isso, o Laboratório de Ensino de Matemática é um local onde a teoria e a prática, dialogam, possibilitando que a abstração e o entendimento de determinados conceitos matemáticos sejam compreendidos pelos alunos. Devemos considerar que a dinâmica de uma sala de aula deve ser pensada e planejada de forma que investigações sobre as práticas possam auxiliar no aprimoramento de metodologias que visem à aprendizagem do aluno. Nesse ponto devemos entender a relevância dos professores como atores importantes diante do processo de ensino e aprendizagem, sobretudo, por exemplo, no que se refere à decisão necessária para conduzir as aulas. A eles cabem às escolhas sobre métodos, técnicas e recursos que deverão ser utilizados. Tão importante quanto os demais aspectos evidenciados nesse artigo, vale ressaltar sobre a importância das discussões de cunho teórico e prático, referentes à inserção da tecnologia no ensino e pesquisa, às potencialidades didático-pedagógicas dos jogos e materiais manipulativos, de vídeos, além de outros recursos didáticopedagógicos, os quais deverão fazer parte das atividades práticas desenvolvidas (cursos) e do referencial teórico a ser discutido, de maneira multimodal, em virtude das distintas formas de interlocução no século XXI, comunicação e interação de ambientes que hospedam cursos à distância e/ou que apoiam cursos presenciais. Outras pesquisas de cunho teórico ou empírico devem ser realizadas com o intuito de discutir mais sobre essas relações que são vivenciadas na matemática escolar. Muitas dessas discussões estão no “chão da sala de aula”, prontas para serem coletadas e tratadas. Basta que o professsor-pesquisador mobilize no seu ambiente escolar a ação, a discussão, a reflexão e consequentemente a aprendizagem de forma que integre os diversos lugares, dando espaço para que o Laboratório de Ensino de Matemática faça parte desse contexto. REFERÊNCIAS

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A REGRESSÃO LINEAR DE GALTON: ATIVIDADES HISTÓRICAS PARA FUNÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA BÁSICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS

A REGRESSÃO LINEAR DE GALTON: ATIVIDADES HISTÓRICAS PARA FUNÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA BÁSICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS G ISELLE C OSTA DE S OUSA1 , J ULIANA M ARIA S CHIVANI A LVES1,2 1

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) <giselle@ccet.ufrn.br>, <juliana_schivane@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.936

Resumo. Este artigo é parte de uma pesquisa de mestrado profissional, da área de Ensino de Ciências e Matemática, que tem o objetivo de construir atividades pautadas na História da Matemática, executadas por meio da Investigação Matemática e das Tecnologias de Informação e Comunicação, para abordar e contextualizar conceitos de Função Afim e Estatística Básica no Ensino Médio. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com enfoque na pesquisa ação. A partir do levantamento bibliográfico do contexto histórico de Francis Galton (1822-1911) e seus experimentos, que originaram a Regressão Linear (1875), foi elaborada e aplicada uma sequência de atividades para a 1a série do Ensino Médio. Esta sequência é composta de duas atividades históricas solucionadas com o uso de um software de planilhas eletrônicas. Na primeira atividade, os alunos recriam o experimento de Galton para comparação das estaturas de pais e filhos. Logo, os estudantes coletaram dados e os analisaram a medida que foram diferenciando função de relação, variáveis, coeficientes linear e angular, crescimento da função e, aprendendo alguns conceitos de Estatística. Na segunda, realizaram um estudo comparativo das medidas corporais e de roupas, calçados e acessórios. Assim, os alunos investigaram situações reais de Funções Injetoras, Sobrejetoras e Bijetoras, além de diferenciar domínio de imagem e fazer estimativas das funções encontradas. O uso da tecnologia provocou motivação em estudar os conceitos matemáticos abordados e otimizou o tempo da construção dos gráficos, proporcionando mais espaço para investigação às questões apresentadas. Aliado a História da Matemática, estimulou a criatividade dos alunos na realização das atividades. Palavras-chaves: Regressão Linear de Galton. Função Afim. Estatística. História da Matemática. TIC. Abstract. This paper is part of a professional master’s research, in the area of Science and Mathematics Teaching, which aims to create guided activities in the History of Mathematics, carried out through Mathematical Investigation, and Information and Communications Technologies, to encompass and contextualize concepts of Affine Function and Basic Statistics in High School. It is a qualitative research with emphasis on action research. From the literature about the historical context of Francis Galton (1822-1911) and his experiments, which originated the Linear Regression (1875), it was elaborated and implemented a sequence of activities to students of the first year of High School. This sequence is composed of two historical activities solved using an electronic spreadsheet software. In the first activity, the students recreated Galton’s experiment for comparison between the stature of parents and children. Then, the students collected data and analyzed them as they distinguished function from relation, variables, linear and angular coefficients and function growth, learning some Statistics concepts. In the second activity, they conducted a comparative study of the body, clothes, shoes and accessories measurements. This way, the students investigated real situations of Injective, Surjective and Bijective Functions, distinguished domain from image, and made estimates of the functions. The use of technology raised motivation to study the addressed mathematical concepts and optimized the time to create graphs, promoting more space to investigate the presented questions. Combined with the History of Mathematics, it stimulated the creativity of the students and the performance of the activities. Keywords: Galton’s Linear Regression. Affine Function. Statistics. History of Mathematics. ICT. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

Documentos oficiais da educação básica, como PCN e OCN, recomendam o trabalho significativo ao ensinar funções e Estatística (BRASIL, 2002). A importância do aprendizado desses conteúdos para os alunos vai desde a sua preparação para exames que o garantam a entrada na faculdade, até as habilidades que podem ser desenvolvidas para formação do cidadão e para o mercado de trabalho a partir da sua aplicação na resolução de problemas da vida cotidiana deste estudante. Este trabalho é fruto de uma dissertação de Mestrado em andamento, cujo objetivo é responder a pergunta: Como abordar os conceitos de Função Afim e Estatística Básica com base na história da Regressão Linear usando um software de planilhas eletrônicas? Optamos pela escolha do trabalho com a História da Matemática (HM) por ser uma tendência matemática capaz de responder inquietudes dos alunos, tais como: Por que a gente está estudando isso? Quem inventou isso? Para que isso serve? (MIGUEL; MIORIM, 2008, p. 109) explicam que: “a história pode ser nossa grande aliada quanto a explicação desses porquês, desde que possamos incorporar às atividades de ensinoaprendizagem aspectos históricos necessários a solução desse obstáculo”. Além disso, o uso da HM pode desmistificar a ideia comum que os estudantes têm da Matemática como uma ciência pronta e acabada, destinada a poucos elitizados, pois, quando se impõe precocemente o formalismo matemático e a Matemática destituída de sua história, automaticamente se exclui a etapa da estruturação do pensamento do aluno (MEDEIROS, 2005). Negar inicialmente, o simbolismo e dar sentido e significado ao fazer matemático é o objetivo da História Significado de Miguel (1993). Não estamos querendo desvalorizar as notações matemáticas. Reconhecemos sua importância e necessidade para os cálculos. Defendemos que nesta etapa do aprendizado, não seja o primeiro contato do aluno, mas que antes disso, ele possa definir/compreender cada conceito estudado. Uma utilização adequada da História, portanto, poderia levar o estudante a perceber: 1. 2. 3.

4.

5.

tendo como base a questão ‘O que aconteceria se...?’, pode levar à generalização e extensão de ideias e teorias; 6. que as percepções que os matemáticos tem do próprio objeto da matemática mudam e se desenvolvem ao longo do tempo; 7. a natureza e o papel desempenhado pela abstração e generalização na historia do pensamento matemático; 8. a natureza de uma estrutura, de uma axiomatização e de uma prova (MIGUEL, 1993, p. 76)

Devemos deixar claro, também, que a proposta não é de promover a História pela História, mas sim, uma História que promova a aprendizagem a partir das vivências e experimentos refletidos pelos próprios estudantes (MIGUEL; MIORIM, 2008). Com isso, incluímos nas atividades históricas (uso da HM), a Investigação Matemática (IM) apoiada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Essas três vertentes permitirão que o aluno (re)crie experimentos matemáticos realizados na época (em que conceitos ou conteúdos foram desenvolvidos); reflita tal como o matemático estudado e; chegue a resultados tal como o matemático chegou, porém, em uma quantidade de tempo menor a partir da otimização de recursos tecnológicos. Essa redução do tempo (otimização) da (re)criação histórica será possível por meio do uso das TIC. Autores como Borba (2010), Ponte (1995) e Fauvel e Maane (2002), defendem o uso de aparatos tecnológicos para o ensino da Matemática argumentando que estes recursos facilitam a análise dos resultados e reservam um tempo maior para a reflexão e conclusão. Neste sentido, os PCN também afirmam que: “as calculadoras e o computador ganham importância como instrumentos que permitem a abordagem de problemas com dados reais ao mesmo tempo que o aluno pode ter a oportunidade de se familiarizar com as máquinas e os softwares.” (BRASIL, 2002, p. 127). Lembramos que o computador, por si só, não garante o aprendizado do aluno. Assim, condicionamos seu uso ao processo de IM. Para Ponte, Brocado e Oliveira (2013, p.13), “investigar é procurar conhecer o que não se sabe”. Os autores listam as etapas da realização de uma investigação, a saber: exploração e formulação de questões, onde o aluno irá reconhecer a sique a matemática é uma criação humana; tuação problemática; organização dos dados e formulaas razões pelas quais as pessoas fazem matemática; ção de conjecturas na tentativa de resolver o problema; as conexões existentes entre a matemática e filosotestagem das conjecturas e reformulação das mesmas; e fia, matemática e religião, matemática e o mundo a etapa de avaliação e justificativas das soluções enconfísico e matemática e Lógica; tradas. que necessidades práticas, sociais, econômicas e Seguimos, então, a linha recomendada por Miguel físicas frequentemente servem de estímulo ao dee Miorim (2008) quando sugerem que o professor não senvolvimento de ideias matemáticas; refaça, com os alunos, os passos percorridos pelo mateque a curiosidade estritamente intelectual, isto é, mático para a criação ou descoberta de um conceito. Os que aquele tipo de conhecimento que se produz Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 27


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autores afirmam que este é um modo estático de usar a HM para o ensino e que pode até trazer problemas. O professor deve, utilizar a história de um modo mais aliado às condições reais em que os estudantes se encontram, ou seja, a partir da incorporação dos aspectos socioculturais pelos quais os estudantes compreendem e explicam a sua realidade. Além disso, pode lançar mão de outros instrumentos de aprendizagem que enfatizem no processo de construção histórica, uma dinâmica cultural existente no conhecimento matemático construído. (MEDEIROS; et al, 2009, p.112)

Diante das potencialidades da HM atreladas a IM com o auxílio das TIC, como posto, elaboramos um caderno de atividades pautadas na HM (particularmente, Regressão Linear) para abordar, de forma contextualizada, os conceitos de Função Afim e Estatística Básica, na 1a série do Ensino Médio, amparados por um software de planilhas eletrônicas (Excel). Veremos a seguir, como essas atividades foram elaboradas e o resultado deste produto.

2

METODOLOGIA/ MATERIAIS E MÉTODOS

2.1

Passos para Elaborar uma Atividade Histórica

Miguel (1993, p. 76) cita em sua tese que, a HM deve estar “associada a um conhecimento atualizado da Matemática e de suas aplicações”. Dessa forma, se faz importante se estabelecer conexões entre a história estudada e o cotidiano dos alunos. Como Fossa; Mendes e Valdés (2006, p.97) explicam: “queremos propor uma abordagem histórica que provoque no aluno uma reformulação da problematização histórica para o momento atual, considerando o contexto em que ele está inserido”. Em suma, criar uma atividade pautada na história (atividade histórica), fonte de geração do conhecimento matemático implica em: i Escolher o conceito matemático a ser ensinado; ii Coletar informações históricas acerca não apenas da necessidade que levou à criação de tal conceito matemático, mas também, todo o contexto social, histórico, econômico, artístico, entre outros aspectos que permearam à época da criação, reconhecendo, assim, uma situação problemática, vista por Ponte, Brocado e Oliveira (2013) como a primeira etapa da IM; iii Usar as informações históricas não como um conto, mas sim, como um processo de recriação investigativo dos acontecimentos que levaram as conclusões, fórmulas e/ou conceitos matemáticos, relacionando-a, sempre que possível, com o contexto atual dos estudantes;

Realizamos uma pesquisa qualitativa nas perspectivas da pesquisa-ação, visto que se trata de um “processo investigativo de intervenção em que caminham juntas prática investigativa, prática reflexiva e prática educativa.” (FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p.112 113). Neste caso, o pesquisador está a todo o tempo eniv Usar as TIC para otimizar o tempo das (re)criações, volvido diretamente com o ambiente e com as pessoas além de servir como uma ferramenta de auxílio na observadas. Isso deixa os alunos à vontade para agir nainvestigação, reflexão e comparação do que foi enturalmente, sem receios ou desconfianças, gerando concontrado pelos estudantes e os resultados históriclusões mais verdadeiras para a pesquisa. cos conhecidos, conduzindo os estudantes às últimas etapas da IM de testar, reformular e validar as Utilizamos como instrumentos metodológicos: foconjecturas. tografias; análise documental (construções e respostas escritas e virtuais dos alunos); diário de campo para Logo, tentando atender a todos esses objetivos e traobservações de comportamento dos sujeitos e transcriçar todos os passos citados, elaboramos nossas atividações de falas dos mesmos (identificados pelas iniciais des como resumido no subtópico a seguir. de cada nome); questionário semiestruturado, aplicado antes e depois da realização das atividades; e avaliação 2.2 As Atividades Históricas Propostas escrita. As análises se deram segundo as recomendações Para a criação do nosso caderno de atividades históripara uso de HM, TIC e IM. cas (produto educacional) seguimos os passos postos na Nas subseções que seguem, listamos as etapas para seção anterior e chegamos a escolhas que aqui se justielaboração de uma atividade histórica, bem como a his- ficam, a saber, o assunto foco das atividades propostas tória da Regressão Linear e de Galton, que serviram de (Função Afim e Estatística Básica), o tópico e fonte hisbase para a criação das atividades propostas nesta pes- tórica (Regressão Linear e Galton) e o público alvo (1a série do ensino médio). quisa e que são descritas adiante. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 28


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A escolha da Estatística e das Funções Afim vem da importância para a vida acadêmica e cotidiana dos alunos, sobretudo para alunos do ensino médio. Além disso, decorre da forte ligação, muitas vezes desconhecida, destes dois tópicos e que emerge de sua história a qual alude ao trabalho de Galton com a Regressão Linear. Outro motivo consiste no fato de entendermos que a Função Afim é o primeiro tipo de função que o estudante deste nível de ensino tem contato. Sua compreensão será um facilitador para o processo de aprendizagem dos demais tipos de funções, ou seja, é elemento unificador e integrador, sobretudo, a outras áreas e assuntos. Nesta óptica, as atividades foram pensadas para os estudantes da 1a série do Ensino Médio. Embora a Regressão Linear não esteja presente no currículo escolar, é possível adaptá-la para a Educação Básica. A abordagem desse conceito se faz importante visto que “a aprendizagem de Estatística fazendo Estatística é a chave da motivação” (CAMPOS; WODEWOTZKI; JACOBINI, 2013, p. 15). A história que a envolve mostra problemas com Estatística e Função Afim que podem ser explorados na atualidade num processo de uso da HM via TIC e IM. Retomando o pensamento de Miguel (1993), tais problemas não são exclusivamente matemáticos, mas de fato, relacionamse com outras áreas da ciência, como filosofia, biologia e sociologia. O estudo da sua história também permite identificar as razões e necessidades que estimularam Galton a criar a Regresão Linear, evitando que o aluno pense que o conceito surgiu por mágica. Assim, segue o subtópico que apresenta, brevemente, os fatos históricos pesquisados.

melhorar a espécie humana com a procriação de casais selecionados. Stepan (1991, p. 1) (tradução nossa) explica que a eugenia abrange: os usos sociais para que o conhecimento da hereditariedade pudesse ser colocado de forma a atingir a meta de ‘melhor descoberta’. Outros, definiram eugenia como um movimento para ‘melhorar’ a raça humana ou, de fato, para preservar a ‘pureza’ de grupos particulares. Como ciência, a eugenia foi baseada na suposta nova compreensão das leis da hereditariedade humana. Como um movimento social, envolveu propostas que garantiu a sociedade uma melhoria constante da sua composição hereditária, incentivando a ‘encaixar’ os indivíduos em grupos e se reproduzirem.

Contudo, a eugenia não incentivava por meio da Matemática, da Estatística e da Biologia, apenas a procriação de casais de boas características, mas também, previa evitar a reprodução de casais com características degenerativas. Embora não haja indícios de que Galton tenha sido condizente com os alemães, Mlodinow (2009) afirma que a expressão e algumas ideias eugênicas foram adotadas pelos nazistas. Neste trabalho, não estamos interessados em saber se Galton tinha, ou não, boas intenções em melhorar a condição humana. Tampouco, adentraremos no contexto social e filosófico que essa ciência provoca. Sabemos que existe um complexo estritamente racista e preconceituoso envolvido nesta prática, porém, nos restringiremos aqui, a abordar e detalhar os aspectos matemáticos da criação (a Regressão Linear). 2.2.1 Quem foi Francis Galton e como ele DescoGalton também acreditava ser possível, os seres hubriu a Regressão manos herdarem dos seus antecedentes as característiFrancis Galton (1822-1911) era fascinado por medidas, cas intelectuais e não somente físicas. Em seu laborató“media o tamanho de cabeças, narizes e membros, o rio, fundado em 1864, em Londres, Galton arrumava os número de vezes que as pessoas remexiam as mãos e instrumentos para as medidas psicométricas e antropoos pés enquanto assistiam a uma aula” (MLODINOW, métricas em uma sala estreita (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009, p. 171) e mediu até mesmo a ineficácia das ora- 2013). Durante seis anos, Galton “conseguiu 9000 reções através da observação do comportamento das pes- gistros familiares, muitos deles completos, que levaram soas (a frequência com que bocejavam ou batiam as per- dez anos para serem analisados” (CONT, 2008, p.204). nas) nas igrejas enquanto acompanhavam uma missa. Ele possuía as frequências observadas como provas de Galton era primo de Charles Darwin (1809-1882). sua teoria, mas ainda necessitava de “descrever os meEm 1859, quando Galton tinha 37 anos, Darwin pu- canismos de transmissão tanto dos caracteres quanto blicou A origem das espécies. Nela, ele explica sua Te- dos talentos” (CONT, 2008, p.206). Assim, Galton desoria da Evolução baseada na seleção natural das espé- cobriu a regressão à média. Foi este novo conceito que cies. explicou o controle da estatura entre pais e filhos. Se a Com base na seleção natural, Galton propôs a se- regressão à média não ocorre, os filhos de pais altos seleção artificial e criou a Eugenia. A palavra foi cu- riam ainda mais altos; os netos mais altos ainda e assim nhada por Galton em 1833 a partir das palavras gre- os seres humanos mais altos seriam cada vez mais altos gas eu (bom) e genos (nascimento). Seu objetivo era (MLODINOW, 2009). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 29


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Na Figura 1, a seguir, podemos ver o gráfico original construído por Galton, em 1885, para representar seu estudo sobre a estatura de pais e filhos. Os pontos, representados por círculos, indicam os valores das alturas dos filhos e podem ser lidos na linha CD. A linha AB, com traços, representa a altura dos pais. Há ainda, uma linha horizontal no centro do gráfico, indicando a média das alturas. No lado direito, os valores indicam os desvios, em polegadas. No lado esquerdo, têm-se as medidas das alturas, também em polegadas. No gráfico, pode-se perceber que quando os pais são mais altos do que a média, os filhos tendem a ser menores do que eles e, quando os pais são mais baixos que a média, os filhos tendem a ser maiores do que eles (MEMORIA, 2004). Ou seja, as alturas dos pais e dos filhos Regridem à média.

Figura 2: Cronograma da atividade 1. Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Figura 1: Linha de regressão construída por Galton ao observar a estatura de pais e filhos. Fonte: Stigler (1986, p.295).

Com base nestes fatos históricos envolvendo não só a Matemática, mas também a Biologia e a Estatística, na tentativa de resolver um problema social, conforme atesta Miguel (1993) propomos atividades que reconstruam o experimento de Galton e, por meio da IM, os estudantes possam coletar dados, analisá-los e concluir se Galton tinha mesmo razão ou não. 2.2.2

O Cronograma das Atividades Propostas

Figura 3: Cronograma da atividade 2. Fonte: Arquivo pessoal (2015).

A seguir, nas Figuras 2 e 3, encontra-se o cronograma de uma das duas atividades propostas. Propomos inicialmente, que os alunos, com o auxílio do professor, tomem ciência da vida e da obra de Francis Galton. Ao longo dessa exposição dialogada Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015

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e investigativa de fatos históricos, os alunos também realizam pesquisas dos significados de palavras desconhecidas, refletem sobre os acontecimentos históricos e comparam com os dias atuais. Essa etapa pode ser realizada por meio de uma discussão com os alunos, lendo a biografia de Galton com a turma ou em grupos menores; ou ainda, em uma apresentação de slides. Também, pode ser realizada com acesso a internet no laboratório de informática ou uso de smartphone. Após conhecerem o experimento realizado por Galton para comprovar sua teoria da seleção artificial e de como ele chegou a Regressão Linear, os alunos refazem tal experimento, adaptando-o a realidade atual. Eles coletam os seus dados e dos seus parentes e constroem, manualmente, os gráficos com os dados da turma. Após as construções, ajustam os pontos em uma reta e, por meio dos conhecimentos prévios e básicos de Função Afim, estimam os valores dos coeficientes linear e angular da função de ajuste. O procedimento de construção do gráfico é repetido em um software de planilhas eletrônicas, utilizando, para isso, os mesmos dados. Agora, o ajuste da reta e a estimativa da função são realizados pelo próprio software. Os estudantes compararam as duas construções (a manual e a realizada no programa) e analisam cada resultado encontrado, concluindo se Galton tinha ou não razão em suas teorias eugênicas, bem como, se suas construções e conjecturas estão corretas. Optamos por construções primeiramente manuais e, posteriormente, usando os recursos tecnológicos por acreditarmos que, dessa maneira, a partir de uma comparação (de semelhanças e diferenças) dos resultados manuais com os gerados pelo recurso tecnológico, os alunos possam melhor analisar e concluir. A segunda atividade proposta usa os momentos históricos vistos anteriormente. Tais informações serão aplicadas a um problema do cotidiano dos alunos: a relação das medidas do corpo humano com os tamanhos de roupas, calçados e acessórios. Para tanto, foram usados vídeos e reportagens atuais sobre o assunto. Nesta atividade, o conceito de função é mais abrangente, sendo abordadas também, as funções injetoras, sobrejetoras e bijetoras; o domínio e a imagem de uma função; dentre outros conceitos matemáticos.

2.3

Os Recursos Necessários

Procuramos elaborar as atividades de modo que qualquer professor pudesse executá-las com o mínimo de materiais necessários possíveis. Para a construção dos gráficos manuais, cada aluno deve dispor de papel quadriculado; lápis e régua. No laboratório de informática, os alunos precisarão de computadores com internet e um software de planilhas eletrônicas instalado (ou online), projetor multimídia e som. Para a coleta de dados, é necessária fita métrica para medir a altura e uma balança para saber a massa. 3

ALGUMAS ANÁLISES E RESULTADOS

Para validarmos a aplicação das atividades, recolhemos os cadernos de atividades dos alunos; anotações em diário de campo, falas dos alunos; usamos os arquivos eletrônicos do software de planilhas; tiramos fotos e recebemos relatórios de ambas as atividades. Todos os alunos transcreveram trechos fieis da internet para responder o que era Eugenia. Contudo, na questão que perguntava sobre os problemas causados por este ramo da ciência, todos os alunos responderam com suas próprias palavras, dispensando o recurso da internet. Muitos alegaram que a resposta era óbvia. Este fato nos fez concluir que todos os discentes entenderam o significado do termo. Além disso, na resposta da questão acerca da relação da Matemática com a Eugenia, 54,5% dos alunos não acham que a Eugenia tem a ver com a Matemática. A justificativa para esta pergunta foi que este estudo se relaciona apenas com a Biologia. Dos restantes 45,5% que responderam ter a ver, 16% justificaram usando o termo probabilidade genética e 13% citaram medidas genéticas. Assim, pouco menos da metade dos alunos puderem perceber as relações existentes entre a Matemática e as outras áreas do conhecimento, como prevê Miguel (1993) ao citar as funções pedagógicas da História. A seguir, transcrevemos a fala de uma aluna em relação a esta questão: Aluna PB: Professora, essa resposta é meio óbvia, porque para ter a Eugenia você precisa de um padrão e para ter esse padrão você precisa de números para medir. Logo, tem tudo a ver com a Matemática!

Alguns alunos ficaram incomodados com a diversidade de informações e outros até se divertiram com as respostas absurdas que encontraram. Podemos observar nas falas de alguns discentes a preocupação em obter informações confiáveis. Observe a transcrição a seguir:

Recomendamos que cada encontro realizado seja composto de três aulas seguidas, com duração de 45 minutos, cada aula. Embora as atividades sejam destinadas a alunos da 1a série do Ensino Médio, as mesmas podem ser facilmente adaptadas para o 9o ano do Aluna AM: Professora, esse site é seguro mesmo? (Pesquisando no Infoescola) Ensino Fundamental. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 31


A REGRESSÃO LINEAR DE GALTON: ATIVIDADES HISTÓRICAS PARA FUNÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA BÁSICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS Aluno JK: Professora, fui pesquisar no Yahoo e a resposta que eu encontrei foi de uma menina que disse assim: ‘Eugenia sou eu, é o meu nome, eu sou gênia!’ (risos) Aluna PB: Professora, cada site diz uma coisa diferente. Eu ponho o quê?

Consideramos esse momento de seleção de informação muito produtivo, visto que, a informação por si só, nos traz uma série de dúvidas e procedimentos necessários para garantir a sua veracidade. Gustavo Reis, em uma palestra sobre inovação na educação, em 2012, comenta a respeito: Esta quantidade infinita de informação que nos é oferecida hoje pelos mecanismos de busca se traduz, na prática, em conhecimento zero. Se não houver seleção de informação relevante e um estabelecimento de vínculo entre as informações relevantes, a informação infinita tende a zero na leitura do conhecimento (REIS, 2012).

Além disso, após reconhecer a situação problemática e formular questões, esta organização dos dados, formulação e testes de conjecturas também faz parte da IM. Os professores devem ficar atentos à seleção de informação realizada pelos alunos. Se houver necessidade, o docente pode dar algumas dicas de como fazer uma boa pesquisa. No fim do projeto/experimento da pesquisa, ao serem questionados sobre o grau de satisfação em pesquisar na internet, 45% dos alunos atribuíram nota dez (completamente satisfeitos). As notas mais baixas foram 4 e 6 pontos, atribuídas, cada uma, por um aluno (2,5%). Estes resultados comprovam as teorias de que a informática, de fato, causa interesse e motivação nos estudantes. Mais ainda, não substitui o docente, nem tira seu papel de orientar os alunos e garantir que eles aprendam com o auxílio do recurso tecnológico. Quando leram a citação acerca dos instrumentos que Galton usou nas medições, logo um aluno recorreu à internet para pesquisar imagens do instrumento fotômetro, citado no texto. O interesse do aluno é constatado em sua fala: Aluno PT: Professora, esse fotômetro é muito chique! Pelo menos os de hoje. Vou pesquisar os de antigamente, péra aí.

Para recriar o experimento de Galton, pedimos que os alunos medissem a sua altura e massa e dos seus pais. A atividade precisou ser adaptada, pois alguns não moravam com seus pais ou eram adotados. Para tanto, nestes casos, pedimos dados de parentes mais próximos ou responsáveis. Todos os dados coletados foram usados pelos alunos para construírem, manualmente, um gráfico de dispersão. Após, a construção, cada aluno inseriu uma reta ajustando-a da melhor forma possível a todos os pontos dispersos no plano cartesiano. Na sequência, o discente estimou a função de ajuste, que representava a reta traçada, usando os conhecimentos prévios sobre coeficiente angular e linear de função afim. Alguns optaram por encontrar os coeficientes da função fazendo um sistema de equações com dois pontos pertencentes à reta traçada, escolhidos aleatoriamente. Esse fato nos chamou a atenção, uma vez que não havíamos dado essa possibilidade de cálculo. Dessa forma, vemos que é possível, com esta atividade, ir além do conteúdo de Função Afim e Estatística e trabalhar também outros assuntos, no caso, sistemas de equações lineares. Além disso, é possível perceber a abertura a criação e possibilidade de inovação e pensamento próprio do aluno. Uma fala que julgamos interessante foi do aluno PT que, ao ser perguntado se a função do gráfico construído pode ser quadrática, respondeu de forma curiosa: Aluno PT: Professora, pode ser quadrática sim! Porque ó (pegando o piloto e se dirigindo ao quadro branco): Se eu tiver os pontos assim (traçando os eixos x e y e colocando os pontos de forma a se ajustar em uma parábola) então vai passar uma parábola por eles, né?

Esse momento, na fala do aluno, revela a criatividade por ele alcançada, ao pensar na resposta. Isso só foi possível pelo fato da atividade passar por um processo investigativo em que levou os alunos a refletirem sobre suas ações e pensarem em outras hipóteses de solução para a questão apresentada. Trata-se da etapa das conjecturas presente na realização de uma investigação, descrita por Ponte, Brocardo e Oliveira (2013). Nessa etapa, o aluno organiza os dados, formula conjecturas e faz afirmações sobre elas. No caso descrito, o estudante reorganizou os pontos do gráfico de forma que fosse possível traçar uma parábola ao invés da reta. Quanto às conclusões acerca da análise dos gráficos, construídos pelos alunos, obtemos diversas respostas conforme podemos ver nos diálogos a seguir.

Isso deu margem para outros alunos também fazeAluna PB: Se eu olhar para o gráfico eu vejo que a massa rem a pesquisa que, embora não estivesse prevista na do filho aumenta conforme a da mãe, mas não necessaatividade, provocou a motivação que Fossa, Mendes e riamente isso vai sempre acontecer porque eu posso ser bem magra e minha mãe gordinha ou vice versa. Valdés (2006) citam como vantagem ao se estudar HM. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 32


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melhor a uma curva e assim, necessita de um ajuste não linear, isto é, usando funções exponenciais, logarítmicas ou outras que não seja a Função Afim. Na conclusão da aluna PB podemos verificar ouJulgamos esse fato como extremamente positivo, tra função pedagógica da História que Miguel (1993) pois os alunos ficaram intrigados com o erro mostrado cita como consequência das atividades históricas. Nesta pela máquina e, quiseram a todo custo, buscar uma resfala, a aluna analisa a conclusão de Galton, afirmando posta que justificasse o ocorrido, já que, para eles, a que se trata da generalização de uma ideia que possuem máquina nunca erra. Foi um momento de forte Investiexceções. Dessa maneira, a aluna percebeu que a curi- gação Matemática que fizeram os alunos criar diversas osidade estritamente intelectual leva a generalização e conjecturas e realizar inúmeros testes. extensão de ideias e teorias. Ela também percebeu que Mais uma vez comprovamos as potencialidades da os pensamentos matemáticos mudam e se desenvolvem IM e das TIC em nossas atividades históricas, levando ao longo do tempo. Isto é, que a Matemática não é ci- os alunos a pensarem com acerto por meio de invesência pronta e acabada. tigações, levantamento de hipóteses e testes. RessalJá nos diálogos que seguem, fica claro que o pro- tamos, também, que esta faceta investigativa foi mais fessor conduziu os alunos à (re)descoberta do conheci- forte quando os alunos fizeram uso das tecnologias. O mento incentivando-os a levantarem e testarem hipóte- que nos reafirma que as TIC facilitam, de fato, a análise ses através das investigações. Esta é uma forte reco- dos resultados e reservam um tempo maior para a remendação de Fossa, Mendes e Valdes (2006). Os auto- flexão de outros aspectos que não apenas a construção res afirmam que esta ação faz com que os alunos pen- propriamente dita, mas o que a envolve. sem com acerto e usem o conhecimento aprendido com Pensamos, também, que este ocorrido pode ser eficiência. aproveitado para estudar outras funções, já que os gráficos geram pontos que se ajustam a casos não lineares. Aluno AD: Professora, nesse meu gráfico eu posso afirmar que os filhos demoram mais tempo para responder o Isso nos mostra que o produto educacional por nós elajogo do que os parentes?. borado pode abranger, também, outros tipos de funções, Professora: O que você enxerga no tempo de resposta caso seja de interesse do docente que o utilizar. dos filhos? Aluno AD: Que está aumentando! Ainda sobre os gráficos do software que não eram Professora: E dos parentes? condizentes com a função ajustada, podemos pensar Aluno AD: Que também está aumentando! que quando o aluno não se atenta ao erro produzido no recurso tecnológico porque acredita fielmente na máProfessora: Então o que você pode afirmar? quina, as TIC ganham uma desvantagem para o proAluno AD: Que dos dois aumentam! cesso de ensino e aprendizagem da Matemática. Mas Aluna GV: Professora, nessa aqui pergunta se a variável na realidade, a máquina irá executar o comando que o x pode ter mais de um correspondente. Eu acho que não, porque só existe uma mãe para um único filho. usuário der. Como já mencionado anteriormente por Silva (2010), o usuário que é o ser pensante, que deve Professora: Mas se existir outra mãe que tenha a mesma altura que esta aqui, por exemplo, como você vai colocar julgar se o procedimento foi correto ou não. o ponto na reta? No momento da socialização (última etapa da inAluna GV: Nesse mesmo valor. Então pode existir mais vestigação matemática) da primeira atividade, todas as de um correspondente, né? Só que na reta não porque ela dúvidas foram esclarecidas e os equívocos ocorridos, tá em diagonal. corrigidos. Na segunda atividade, os alunos escolheram uma Ao concluírem as construções manuais e análises, os alunos voltaram ao laboratório de informática. Re- medida do corpo humano e relacionaram com os tamaconstruíram os gráficos, usando dessa vez, um software nhos de roupa, calçados ou acessórios. O aluno MK de planilhas eletrônicas. O software não só constrói o ficou intrigado com a relação das letras com os tamagráfico de dispersão, ao inserir o conjunto de pontos, nhos numéricos de cada peça de roupa. Para saber como como também ajusta tais pontos a uma reta e fornece esta comparação é feita, ele fez uma pesquisa na intera função de ajuste. Contudo, a função afim estimada net. Sua atitude vai ao encontro com o que Campos, pelo programa nem sempre condiz com o gráfico ajus- Wodewotzki e Jacobini (2013) mencionam como habitado. Isso porque em alguns casos, a função é válida lidade adquirida ao estudar Estatística. O fato do esapenas para o intervalo de dados coletados, sem garan- tudante não tratar passivamente as informações que lhe tia de crescimento linear fora desse intervalo conhecido. são disponibilizadas significa dizer que o aluno possui Nestes casos, o conjunto de pontos traçados se ajusta a habilidade de avaliar criticamente uma informação. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 33 Professora: Correto! Por isso que existem esses pontos fora da reta.


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Isso vai além dos conhecimentos matemáticos, estatísticos e do contexto do problema. O estudante, aqui, foi capaz de pensar sobre o que aprendeu e estava aprendendo, de forma crítica. Percebemos que os conceitos de função e dependência de variáveis ficaram bem claros para os estudantes, visto que 72% dos alunos definiram corretamente função afim na avaliação final e os demais 28% embora não tenham definido, citaram todos os elementos que constituem e representam uma função afim, de forma correta. Também observamos que o aprendizado desses conceitos se fizeram presentes nos relatórios entregues após o término da segunda atividade. Na Figura 4 a seguir é possível ver trechos de relatórios de dois grupos distintos que comprova a nossa observação:

alunos. No item destinado a sugestões e opiniões, na metade dos relatórios entregues houve menção ao trabalho em grupo realizado. Os alunos julgaram proveitoso e que a troca de ideias entre os componentes facilitou o trabalho. A mesma quantidade (50%) também enfatizou que a atividade 2 foi mais divertida e interessante, uma vez que eles precisavam medir os próprios colegas de sala. Na avaliação final, 65% dos estudantes pesquisados obtiveram nota acima ou superior a média de 60 pontos. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos depararmos com a história do matemático e estatístico, Francis Galton, conhecemos a Regressão Linear, um dos resultados de seus experimentos. A Regressão Linear surgiu dentro de um contexto eugênico, com o objetivo de estimular a procriação de casais selecionados e evitar que casais avaliados com características degenerativas, se reproduzissem. Embora seja um tema polêmico, buscamos nesta História, a matemática das Funções Afim e da Estatística, fortemente presente. Além disso, a importância que tais investigações propiciaram para o desenvolvimento destas ciências. Figura 4: Trechos do segundo relatório entregue de dois grupos disMiguel (1993, p. 69) afirma que “para se ter altintos. Fonte: Arquivo pessoal (2015). gum interesse por um processo é necessário conhecer um pouco da história e do benefício que se pode obter Observe a Figura 5, a seguir. desse conhecimento”. O saber da história de um conteúdo matemático é visto por muitos autores, tais como Fossa, Mendes, Miguel, dentre outros, como uma motivação para o processo de ensino-aprendizagem. Contudo, Miguel e Miorim (2008) lembram que o aspecto motivador de um problema não reside no fato de ser ele histórico, mas sim das suas relações com a vivência do estudante. Justificamos o caráter motivador do tema escolhido por nós, pelo fato de estar relacionado a temas atuais. Realmente, o estudo antropométrico realizado por Galton para comprovar a sua teoria eugênica, deu origem não só a conceitos matemáticos e estatísticos, mas também, criou o método de reconhecimento digital e está intimamente ligado a padronização das medidas de rouFigura 5: Resposta dos alunos acerca de estudar Matemática sem o uso da HM. Fonte: Arquivo pessoal (2015). pas, calçados e acessórios. De fato, comprovamos em nossas análises e resultados de questionários, o inteMesmo apresentando dificuldades e cansaço, mais resse e motivação dos estudantes ao medirem seus code 90% os estudantes, ao serem questionados sobre o legas e a si próprios. Grupos foram além das pesquigrau de satisfação em conhecer a história de Galton e sas solicitadas, para descobrir o porquê da relação enusá-la para aprender assuntos matemáticos, atribuíram tre o tamanho das roupas em número (ou intervalo de notas maiores ou iguais a 5. Além disso, mais da me- números) e em letras. A atitude de alguns alunos, em tade da turma (57%) afirmou não preferir que os assun- pesquisar na internet, imagens dos instrumentos de metos estudados fossem abordados sem a HM, justificando dições usados por Galton, também comprovou a motique a apesar de cansativo, ficou mais fácil aprender. Na vação que a história da obra do estatístico, causou na Figura 5, são mostradas algumas das justificativas dos maioria dos estudantes. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 34


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Miguel (1993) ao citar as funções pedagógicas da REFERÊNCIAS História, afirma que sua utilização pode levar o estuBORBA, M. de C. Softwares e internet na sala de aula dante a perceber as conexões existentes entre a Matede matemática brasil. In: Anais do Encontro Nacional mática e outras ciências, e não, tratá-la de forma isode Educação Matemática. Salvador: , 2010. v. 10. lada. De fato, ao iniciarmos a aplicação da primeira Disponível em: <http://www.pucrs.br/famat/viali/tic_ atividade, antes mesmos que os alunos tomassem coliteratura/artigos/tics/marceloxenen.pdf>. Acesso em: nhecimento sobre os conceitos matemáticos que iria08 out. 2014. mos abordar, 19 dos alunos, ao pesquisarem a definição do termo Eugenia, responderam que, embora fosse um BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros conceito da Biologia, existia uma relação com a Mate- curriculares nacionais do ensino médio: matemática. mática pelo fato de ter a ver com genética e medidas Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, físicas. MEC/SEMTEC, 2002. O objetivo geral deste trabalho era construir um caderno de atividades históricas para abordar e contextu- BRITO, A. de J.; MIGUEL, A.; CARVALHO, D. L. de. alizar os conceitos de Função Afim e Estatística Básica História da Matemática em Atividades Matemáticas. com base na recriação de momentos históricos da Re- São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009. gressão Linear. Para tanto, elaboramos uma sequência de atividades históricas na perspectiva da Investigação CAMPOS, C. R.; WODEWOTZKI, M. L. L.; Matemática, solucionadas com o auxílio das Tecnolo- JACOBINI, O. R. Educação Estatística: teoria e prática em ambientes de modelagem matemática. Belo gias de Informação e Comunicação. Horizonte: Autêntica, 2013. Trabalhamos assim, com três vertentes, HM, IM e TIC, de modo a humanizar os conceitos mate- CONT, V. D. Francis Galton: eugenia e máticos estudados; torná-los mais significativos e; hereditariedade. Scientiae Studia, SciELO Brasil, contextualizá-los tanto no passado quanto no presente. v. 6, n. 2, p. 201–218, 2008. Disponível em: Na aplicação da primeira atividade, ao comparar a <http://www.scielo.br/pdf/ss/v6n2/04.pdf>. Acesso função com a reta de ajuste, ambas estimadas pelo soft- em: 31 out. 2014. ware, os alunos retomaram os conhecimentos prévios sobre os coeficientes linear e angular da Função Afim, FAUVEL, J.; MAANE, J. V. History in Mathematics bem como os gráficos originados deste tipo de função. Education. New York: Klumer Academic Publishers, Além disso, a internet permitiu que os alunos não se li- 2002. mitassem ao que estava sendo exposto na sala de aula. Grupos buscavam constantemente, significados e ima- FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação gens de alguns termos que apareciam nas leituras histó- em educação matemática: percursos teóricos ricas, muitas vezes, por conta própria, sem recomenda- e metodológicos. Campinas: Arquivo Pessoal ção do professor, mas sim, pelo interesse e curiosidade Associados, 2009. em conhecer, bem como pela facilidade de pesquisar em um ambiente computacional. O uso da internet também FOSSA, J. A.; MENDES, I. A.; VALDES, J. E. N. A foi útil para que os alunos aprendessem a selecionar in- História como um agente de cognição na Educação formações corretas e não confiar em qualquer site pes- Matemática. Porto Alegre: Sulina, 2006. quisado. MEDEIROS, C. Por uma educação matemática Claro que a HM e as TIC por si só não garantem o como intersubjetividade. In: BICUDO., M. A. (Ed.). aprendizado do aluno. Por este motivo, na primeira e Educação Matemática. São Paulo: Centauro, 2005. na segunda atividade propostas e aplicadas, elaboramos questões que permitiram os alunos investigarem a situ- MEMORIA, J. M. P. Breve História da Estatística. ação para, somente depois, responder. É na perspectiva Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2004. da IM que o aluno pode aprender e aumentar seu inte- Disponível em: <www.im.ufrj.br/~lpbraga/prob1/ resse pela Matemática (FOSSA; MENDES; VALDES, historia_estatistica.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014. 2006). Com gráficos construídos manualmente e com planilhas eletrônicas, os estudantes foram capazes de MIGUEL, A. Três estudos sobre História e Educação responder suas próprias dúvidas, bem como, formular Matemática. Tese (Doutorado em Educação) — e avaliar/testar hipóteses, etapas estas, previstas no pro- Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 1993. 361f. cesso de IM. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 26 - 36, dez. 2015 35


A REGRESSÃO LINEAR DE GALTON: ATIVIDADES HISTÓRICAS PARA FUNÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA BÁSICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS

MIGUEL, A.; MIORIM, M. A. História da Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. MLODINOW, L. O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. Tradução: Diego Alfaro. PONTE, J. Novas tecnologias na aula de matemática. In: Educação e Matemática. Lisboa: APM, 1995. p. 2 – 7. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/ 10451/4470/1/95-Ponte%20EM%2034.pdf>. Acesso em: 31 out. 2014. REIS, G. Seja um fracassado: Gustavo Reis no TEDxUnisinos 2012. 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ziQIxBjnYDQ& feature=player_embedded>. Acesso em: 24 jul. 2013. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2013. SILVA, M. A. R. R. Adrien-Marie Legendre (1752-1833) e suas obras em Teoria dos Números. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010. 256 f. STEPAN, N. L. The hour of eugenics: race, gender, and nation in Latin América. Ithaca/London: Cornell University Press, 1991. STIGLER, S. M. The history of statistics: the measurement of uncertainty before 1900. Cambridge: Harvard University Press, 1986.

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ABORDAGEM DO CONTEÚDO POLÍMEROS SINTÉTICOS A PARTIR DA TEMÁTICA LIXO E RECICLAGEM NAS AULAS DE QUÍMICA DO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DIDÁTICA D ENISE F ERNANDA T UDES M URY1 , L EONARDO BALTAZAR C ANTANHEDE1 , S EVERINA C OÊLHO DA S ILVA C ANTANHEDE2 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, Campus de Codó 2 Universidade Federal do Maranhão, Campus de Codó <fernandamury@live.com>, <leonardo.cantanhede@ifma.edu.br>, <severina.cantanhede@ufma.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.861

Resumo. A educação ambiental pode ser entendida como prática socioeducativa integrada, contínua e permanente, devendo ser trabalhada com o propósito de informar a sociedade sobre a importância de amenizar os problemas relacionados ao meio ambiente. A reciclagem surge então como uma prática que pode contribuir para resolução de alguns problemas causados pelo excesso de lixo. Assim, é atribuído à escola parte da responsabilidade em difundir as práticas da educação ambiental que devem estar voltadas para a formação de cidadãos que valorizam o meio ambiente, contribuindo para que os impactos ambientais causados, principalmente pelo lixo, tornem-se menores. Neste trabalho, apresentamos uma proposta, a partir da temática lixo e reciclagem, para uma aula de Química do terceiro ano do ensino médio utilizando o conteúdo polímeros sintéticos. Para sua execução elaboramos um plano e roteiro de aula destinado ao professor que fizer a opção por sua utilização em seu ambiente de ensino. Palavras-chaves: Educação Ambiental, Ensino de Química, Polímeros Sintéticos. Abstract. Environmental education can be understood as an integrated social and educational practice, continuous and permanent, and must be worked in order to inform the society about the importance of ease the problems related to the environment. Recycling then emerges as a practice that can contribute to solving some problems caused by excessive garbage. So, is attributed to the school of the responsibility to disseminate the practices of environmental education should be directed to the formation of citizens who value the environment, contributing to the environmental impacts caused mainly by garbage become less impacting. In this work, we present a proposal from the theme garbage and recycling for a chemistry class the third year of high school using content synthetic polymers. For its implementation we developed a plan and class script for the teacher who makes the choice for use in your learning environment. Keywords: Environmental Education, Teaching of Chemistry, Synthetic Polymers. 1

INTRODUÇÃO

SANTOS; JÚNIOR, 2011).

No Brasil, de acordo com as estimativas, cada pesAtualmente, muito se tem discutido sobre os problemas ambientais referentes à preservação do meio ambiente soa produz, aproximadamente, um quilograma (1 Kg) e do mau uso de recursos naturais (SANTOS; JACOBI, de lixo por dia, o que corresponde a 230 mil tonela2011; JACOBI, 2003). Sobre esse aspecto, destacamos das de lixo orgânico e embalagens variadas, entre oua poluição causada pelo descarte inadequado de resí- tros resíduos, gerados diariamente (SILVA et al., 2011). duos sólidos e orgânicos, o que ocasiona uma enorme Considerando o material descartado, 76% é destinado a quantidade de lixo. Essa prática tem sido considerada locais impróprios, contribuindo assim para a proliferacomo propulsora de impactos negativos para o meio ção de vetores de inúmeras patologias. Como resultado ambiente (SANTOS; NETO; SOUSA, 2014; SOUZA; deste descarte, a matéria orgânica entra em processo de Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 37


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decomposição e forma uma mistura complexa de vários gases (metano, dióxido de carbono, gás sulfídrico e amônia, entre outros ácidos orgânicos voláteis) considerados prejudiciais à saúde humana, pois quando em contato com o sistema respiratório podem causar lesões irreversíveis, levando o indivíduo a óbito. Destaca-se ainda, a contaminação dos recursos hídricos com o chorume (líquido escuro) que faz parte do processo de decomposição do lixo (FADINI; FADINI, 2001). Neste contexto, com a pretensão de amenizar as ações humanas relacionadas à poluição do meio ambiente, são necessárias algumas ações voltadas para a valorização da educação ambiental, pois tais iniciativas podem contribuir para a formação de uma consciência crítica sobre a problemática socioambiental (MASSENA; MARINHO, 2011). Tal prática busca favorecer uma abordagem pedagógica voltada para o esclarecimento e conscientização ambiental, mudança de comportamento, além de desenvolver no educando competências e habilidades que propiciem a capacidade de avaliação, participação mais ativa e tomada de decisão diante das questões relacionadas ao meio ambiente (JACOBI, 2003). A educação ambiental, assim como outras áreas do conhecimento, é um processo intelectual de aprendizagem social, que tem como base o diálogo, a interação de informações, conceitos e significados que podem proporcionar uma aprendizagem mais significativa em sala de aula, principalmente quando associada à experiência pessoal de cada estudante (JACOBI, 2003). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Meio Ambiente (BRASIL, 1998), destacam as vantagens de se trabalhar a educação ambiental em sala de aula ao citar que: [...]a principal função do exercício deste tema é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidirem e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Para isso é necessário que, mais do que informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes e com a formação de valores”(BRASIL, 1998)

de educação com a abordagem dos conteúdos químicos é fortalecer que o ensino da Química, assim como das demais ciências, requer uma ação pedagógica voltada para o desenvolvimento intelectual do aluno, buscando aprimorar uma visão mais crítica da sua realidade. Dessa forma, a Química, por meio da educação ambiental, pode ser considerada como um instrumento que contribui no processo de ensino e aprendizagem, valoriza as diversas formas de conhecimento e possibilita a formação para a cidadania (SANTOS; JACOBI, 2011; JACOBI, 2003). Quanto aos conteúdos da Química, vários conceitos podem ser trabalhados sob essa temática, tais como: poluição ambiental, meio ambiente, o lixo e seus impactos ambientais e sociais, qualidade de vida, desenvolvimento sustentável, saúde, cidadania, práticas de educação ambiental etc. A partir de tais temas tornase possível abordar a problemática ambiental que, aliada ao ensino da Química pode favorecer ao estudante a compreensão tanto dos processos químicos presentes na matriz curricular de Química para o ensino médio quanto suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas. Além disso, considerando o ponto de vista pedagógico, ensinar conceitos químicos de forma contextualizada e sob a perspectiva de temas ambientais, como lixo e poluição, pode esclarecer dúvidas e gerar novos conhecimentos sobre o conteúdo proposto, permitindo ao estudante fazer relações com o seu cotidiano, o que possibilita melhor entendimento e criticidade sobre os problemas socioambientais (SANTOS; SCHNETZLER, 2003). Nesse contexto, o estudo do conteúdo polímeros pode ser abordado em virtude dessa classe de compostos apresentar propriedades diversificadas, o que possibilita sua aplicação na fabricação de uma ampla variedade de produtos de grande utilidade em nossa sociedade (SOUZA et al., 2011). Tanto polímeros naturais (encontrados na natureza, tais como, borracha – extraída da seringueira, celulose, proteínas e polissacarídeos) quanto os polímeros sintéticos (produzidos artificialmente, como poliamidas, poliésteres e polietileno) estão presentes na sociedade moderna,entretanto, seu descarte inadequado, longo período de decomposição no meio ambiente e até mesmo o impacto socioambiental que esse tipo de material pode causar às gerações futuras justificam a discussão desta temática no âmbito educacional do ensino da química (SANTOS et al., 2012).

Diante desse contexto, é relevante destacar a necessidade dos professores trabalharem a temática ambiental, como tentativa de resgatar e construir novos saberes que contribuam para o desenvolvimento de valores como: confiança, respeito mútuo, responsabilidade social, compromisso e solidariedade (BONOTTO; SEMUma saída economicamente viável e ecologicaPREBONE, 2010). Nessa perspectiva, situamos a educação ambiental em um contexto mais amplo, que re- mente correta para minimizar esses problemas é reduzir presenta um dos caminhos da educação para a cidadania a utilização desses produtos poliméricos ou reutilizá(JACOBI, 2003). Nesses termos, associar esse modelo los. A reciclagem então surge como uma alternativa Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 38


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viável que pode minimizar alguns dos desafios relacionados à poluição ambiental e suas consequências para a sociedade contemporânea, sendo a Química uma boa aliada nesse processo (FADINI; FADINI, 2001). Logo, o objetivo deste trabalho é propor a inclusão da temática, lixo e reciclagem nas aulas de química da 3a série do ensino médio, relacionando este tema com o conteúdo, polímeros sintéticos. Como hipótese inicial pretende-se que os estudantes consigam, com esta estratégia didática: assumir um comportamento ativo e crítico ao se discutir os problemas ambientais causados pela grande quantidade de lixo depositado no meio ambiente; e buscar soluções para diminuição do seu descarte indiscriminado, atentando para as condições básicas e necessárias para o bem-estar da sua vida, de seus familiares e de toda a comunidade. Pretende-se ainda, disponibilizar ao professor da educação básica um suporte pedagógico para a discussão da educação ambiental nas aulas de química do ensino médio. 2 2.1

LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO O Ensino da química no nível médio

forma, o ensino da Química, que tem como um de seus objetivos contribuir para a formação da cidadania, deve propiciar, também o desenvolvimento de conhecimentos e valores que possam direcionar o educando para a prática de ações que proporcionem uma melhor interação do indivíduo com a sociedade na qual está inserido. Além disso, o estudo da Química pode possibilitar que o estudante identifique como utilizar e manipular certas substâncias, compreender a composição de determinados produtos industrializados, reconhecer as consequências dos produtos químicos no meio ambiente, e o mais importante, perceber o papel da Química e da ciência na sociedade (SANTOS; MORTIMER, 2000; SANTOS; SCHNETZLER, 2003). No entanto, um número significativo de alunos demonstram dificuldades no aprendizado dessa disciplina, pois não conseguem perceber o sentido ou a relevância do que estão estudando. Isso porque geralmente os conteúdos são apresentados de forma descontextualizada, o que dificulta a compreensão de seus significados, contribuindo para a falta de interesse dos estudantes pela área da Química (PONTES et al., 2008). Assim, como forma de amenizar tal fato, o professor pode conduzir sua aula de maneira que o estudante consiga associar os assuntos químicos estudados em sala de aula com os fatos observados no seu dia a dia. Essa prática pode atribuir sentido ao tema desenvolvido, pois faz uma associação dos assuntos apresentados com as situações vivenciadas no seu cotidiano. Como exemplo, podemos considerar o lixo e a crescente degradação ambiental, divulgada pelos meios de comunicação (MACHADO; MORTIMER, 2007).

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que organiza as áreas de conhecimento e orienta a educação nacional, o principal objetivo da aprendizagem nas áreas das Ciências Naturais é o desenvolvimento de valores como sensibilidade, solidariedade etc., atributos considerados necessários para a formação da cidadania. Além disso, ainda sinaliza para a forma como o aprendizado de Ciências, iniciado no Ensino Fundamental, deve ser complementado e aprofundado no Ensino Médio. Nessa etapa da educação básica, os objetivos educacionais para a formação dos 2.2 Conteúdos programáticos para o ensino da química estudantes podem ser planejados considerando os procedimentos e atitudes envolvidas, assim como suas ha- Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino bilidades, competências e valores adquiridos (BRASIL, Médio, relacionados à área de Ciências da Natureza su2002). gerem que, no decorrer do processo de ensino e aprendiNesses termos, como parte integrante da área das zagem, o ensino não seja desenvolvido a partir de uma Ciências da Natureza, o aprendizado da Química no interação artificial entre o conhecimento químico e o nível médio deve conduzir os estudantes para a com- cotidiano do aluno, limitando-se a exemplos apresentapreensão das transformações químicas que ocorrem no dos apenas de forma ilustrativa, ao final das aulas. A mundo físico, de forma abrangente e integrada, para proposta é partir de situações-problema reais que favoque sejam capazes de julgar com fundamentos cientí- reçam a busca de conhecimentos e que possibilitem a ficos as informações provenientes das tradições cultu- sua compreensão e resolução (BRASIL, 2002). Nesrais, da mídia e da própria escola, além de se posicionar ses termos, as questões ambientais, como os problemas de forma independente, enquanto indivíduo e cidadão relacionados à poluição causada pelo excesso de lixo, social. Tal aprendizagem deve permitir ao aluno a com- e a reciclagem como alternativa viável para amenizar preensão tanto dos processos químicos em si, quanto da este problema, são temas que podem ser desenvolvidos construção do conhecimento científico inerente às apli- a partir de alguns dos conteúdos programáticos da discações tecnológicas e seus resultados ambientais, so- ciplina de Química. Assim sendo, um dos objetivos da ciais, políticos e econômicos (BRASIL, 2002). Dessa aula, ao utilizar uma abordagem contextualizada da teConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 39


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mática lixo, é proporcionar para o estudante a compreensão das relações existentes entre o lixo, sua produção excessiva e as consequências ambientais, além de desenvolver os conceitos químicos como propriedades e transformações da matéria, relacionados com a temática em questão (OLIVEIRA; RECENA, 2014). Assim, à medida que a problemática relacionada ao lixo é tratada no ambiente do ensino da Química, viabiliza-se para o estudante a oportunidade de desenvolver competências tais como: compreensão da composição e estruturação dos materiais que ele utiliza no seu dia a dia; reconhecimento de aspectos relevantes do conhecimento químico e suas tecnologias; avaliação da ciência e tecnologia química sob o ponto de vista ético, como forma de exercer a sua cidadania com responsabilidade, integridade e respeito; desenvolvimento de atitudes e valores compromissados com os ideais de cidadania voltados para ações que valorizem a preservação ambiental (BRASIL, 2006). 2.3

Desenvolvimento sustentável/reciclagem

Nesse contexto, a prática da reciclagem surge como uma possibilidade benéfica caracterizada como uma atividade sustentável, visto que fica evidente a sua importância em termos ambientais, sociais e econômicos. Isso porque a reciclagem ainda evita a presença excessiva da quantidade de resíduos sólidos nas ruas, aterros sanitários e lixões, reduz a quantidade de matéria-prima virgem utilizada nas indústrias para a fabricação de materiais, gera empregos nas indústrias de reciclagem e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, diminuindo assim a poluição do solo e amenizando os prejuízos causados à saúde pública decorrentes desse tipo de poluição (CANELOI, 2010). Em termos de desenvolvimento sustentável a prática da reciclagem se apresenta como ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável (SANTOS et al., 2012). No entanto, a reciclagem não deve ser observada como a principal fonte para a solução dos problemas relacionados ao lixo, pois, embora seja vista como uma atividade econômica, ela deve ser entendida também como um elemento dentro de um conjunto de soluções (FADINI; FADINI, 2001). Nos últimos anos, várias escolas brasileiras têm aderido à prática do modelo de sustentabilidade. Desse modo, passaram a ensinar para os alunos a importância dos recursos naturais do planeta, principalmente por serem finitos, além de orientar que seu uso indiscriminado compromete a sobrevivência humana, despertando sobre a necessidade de implementação de estratégias que atendam à conservação ambiental (VASCONCELLOS et al., 2009). Nesse sentido, é atribuída à educação escolar a função de buscar métodos e ações voltadas para a conservação da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável. Assim, é designado um novo papel para o espaço escolar: buscar desenvolver nos estudantes valores e atitudes, fundamentados em temas sociais, principalmente porque suas ações repercutem em diferentes esferas da sociedade (FONSECA, 2007), (SWAMINATHAN, 1992). Diante de tal contexto, o presente trabalho se justifica pela proposta de utilizar a temática lixo e reciclagem como um assunto que pode despertar e motivar o interesse dos estudantes do ensino médio com relação aos problemas ambientais, possibilitando assim, uma postura crítica a respeito desse tema. A proposta está direcionada para o terceiro ano do ensino médio, a partir do conteúdo polímeros sintéticos.

A forma que melhor define o desenvolvimento sustentável é através de práticas que reforcem as relações necessárias entre economia, tecnologia, sociedade e política. Além disso, também chama-se atenção para necessidade de uma nova postura ética com relação à preservação do meio ambiente, caracterizada pelo desafio de se responsabilizar tanto pelas gerações futuras, quanto pela sociedade contemporânea (SANTOS, 2007). Nessa perspectiva, em meio aos problemas relacionados com os impactos negativos causados ao meio ambiente, a reciclagem de materiais, até então destinados ao lixo, surge como uma possível alternativa de amenizar parte dessa problemática, visto que trata os materiais por meio de processos químicos industriais, proporcionando para estes uma nova utilidade. Tal alternativa evita que produtos sejam descartados na natureza (EIGENHEER; FERREIRA; ADLER, 2005). Podemos destacar dois grandes acontecimentos que marcaram significativamente essa iniciativa: a Conferência das Nações Unidas sobre o meio Ambiente e desenvolvimento, (também conhecida como ECO 92), na qual vários países debateram sobre alternativas viáveis para direcionar o planeta à prosperidade econômica, de forma que fosse possível causar menos destruição ambiental e desigualdade social, a partir de mudanças nos padrões de produção e consumo, e o resultado dessa 3 METODOLOGIA Conferência com a criação de um documento designado como Agenda 21, na qual se tornou possível reu- 3.1 Pesquisas nacionais sobre educação ambiental, lixo e reciclagem nir ações que poderiam ser adotadas em cada país, incluindo a gestão do lixo como tema prioritário (CEM- Para realizar o levantamento bibliográfico sobre os temas educação ambiental, lixo e reciclagem, foram reaPRE, 2013). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 40


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lizadas buscas em arquivos de periódicos no portal Scielo e no portal Capes e também foram investigados artigos publicados nos últimos sete anos (2009 a 2015), em revistas como a Revista Química Nova na Escola (QNEsc) e a Revista Brasileira de Pesquisa e Educação em Ciências. Artigos publicados há mais tempo também foram utilizados devido à sua grande relevância científica. Foram referenciados 30 artigos que abordaram a importância da educação ambiental e os impactos negativos que o ambiente sofre pela poluição do lixo. Alguns trabalhos buscaram relacionar as questões ambientais com uma formação educacional voltada para a cidadania, realizando a abordagem dessas temáticas em aulas de Ciências e de Química. A maioria dos trabalhos descritos nos artigos foi realizada com alunos e professores de escolas do Ensino Fundamental e Médio, mas alguns trabalhos também incluíram alunos de graduação e empresas.

4 4.1

RESULTADOS E DISCUSSÃO Pesquisas nacionais sobre educação ambiental, lixo e reciclagem

Observou-se durante o levantamento bibliográfico que é vasta a natureza de trabalhos e pesquisas que procuram incorporar as questões ambientais nas aulas de ciências, tanto do ensino fundamental (VALENTIN; SANTANA, 2010) quanto do ensino médio (FARIAS; CARVALHO, 2007). Algumas pesquisas que foram descritas mostram trabalhos aplicados em turmas de graduação dos cursos de licenciatura (FABRIS; NETO; TOALDO, 2010) e algumas direcionadas especificamente para formar o professor que atua diretamente com questões ambientais em sala de aula (SANTOS; JACOBI, 2011; JACOBI, 2003). Esse levantamento bibliográfico foi importante, pois serviu de embasamento científico para a compreensão dos conceitos, atividades e procedimentos metodológicos já existentes na literatura, acerca de como algumas problemáticas ambientais são tratadas 3.2 Abordagem da temática lixo e reciclagem nos nas instituições de educação, seja ela de nível médio ou conteúdos de química do ensino médio superior. As questões ambientais são de grande interesse para A abordagem da temática lixo e reciclagem é uma proposta que visa à associação entre os conteúdos quími- toda a sociedade e um lugar bem específico para tratácos, estudados na 3a série do ensino médio e as ques- las é a sala de aula. No entanto, existe certa limitatões cotidianas relacionadas ao meio ambiente. O pla- ção no que se refere à abordagem dessa temática, pois nejamento das aulas que incluem a abordagem dessa te- alguns professores não a utilizam, com a justificativa mática para o conteúdo polímeros sintéticos – políme- de que elas extrapolam o tempo de aula e, portanto, ros de adição (teflon, PVC, polietileno etc.); condensa- atrapalham o desenvolvimento do conteúdo programáção (poliéster, silicone, poliamidas etc.) e copolímeros tico (WATANABE-CARAMELLO; STRIEDER; GEH(borracha sintética)– foi realizado a partir de pesquisa LEN, 2012). Esse fato pode contribuir para a falta de acerca das relações existentes entre o conteúdo químico postura cidadã quando os alunos são questionados a e a temática ambiental a ser abordada e discutida na proporem soluções em situações-problema que envolaula. A fundamentação teórica foi obtida em livros di- vam suas vidas e o meio ambiente. Uma das funções dáticos de química utilizados no ensino médio e no por- sociais do ensino básico é desenvolver o indivíduo para tal da revista QNEsc. A proposta da abordagem da te- o pleno exercício da cidadania, por esta razão, os alunos mática será realizada nas aulas logo após a explanação precisam ser auxiliados a tomar consciência da sua redos conceitos trabalhados dentro do assunto polímeros alidade e da sua capacidade em transformá-la (NETO; KAWASAKI, 2015). sintéticos. Na literatura encontramos trabalhos que apresentam resultados de atividades desenvolvidas na educação bá3.3 Plano e Roteiro de aula sica, que tratam do tema educação ambiental. Goi e Para organizar a condução das aulas, foram elaborados Santos (2009) e Santos e Schnetzler (2003) desenvolveum plano e um roteiro de aula. No plano de aula estão ram um estudo com alunos da segunda série do ensino descritos os objetivos que se deseja alcançar na aula, os médio, cujo tema central foram as reações de combusconteúdos trabalhados, a metodologia para o desenvol- tão e o impacto ambiental que causam. Nessa pesquisa vimento do tema, os recursos didáticos que serão utili- qualitativa, os autores procederam com o acompanhazados e a forma de avaliação a ser realizada pelo pro- mento e a análise de atividades experimentais dentro fessor. Já o roteiro foi proposto para que o professor do laboratório de química, aplicando uma metodologia possa desenvolver o seu trabalho da forma mais efici- que visa à resolução de problemas ambientais. Associente possível em termos de tempo, procurando utilizar ando estratégias teóricas às estratégias práticas, os alutodas as ferramentas didáticas propostas para a execu- nos propuseram resoluções para problemas como gases ção da aula. poluidores; alternativas para a diminuição dos probleConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 41


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mas ambientais; reciclagem do lixo; filtros nas chaminés para diminuir a poluição; uso da energia solar, eólica e de biocombustíveis; reciclagem de materiais, dentre outros. Os autores ressaltam que os alunos parecem ter adquirido autonomia e segurança em relação aos aspectos conceituais dos problemas propostos, revelando a aprendizagem de novos conhecimentos, procedimentos e atitudes. 4.2

Na Figura 2, apresentamos o roteiro da aula distribuído em quatro etapas fundamentais para o desenvolvimento da temática lixo e reciclagem, a partir dos objetivos propostos para essa abordagem.

Abordagem da temática ‘lixo e reciclagem’ nos conteúdos de química do ensino médio

A partir da leitura dos trabalhos que abordaram a temática educação ambiental, foi proposta uma abordagem dessa temática com a perspectiva de se trabalhar conteúdos de Química da 3a série do ensino médio a partir das questões cotidianas relacionadas ao meio ambiente. Logo, para melhor organizar e conduzir a aula, foram elaborados o plano e o roteiro de aula para o conteúdo intitulado polímeros sintéticos. Assim sendo, apresentamos inicialmente na Figura 1 o organograma elaborado para representar, simplificadamente, a estruturação da aula de Química para o conteúdo polímeros sintéticos que será ministrado pelo professor. Esse conteúdo permite fazer uma abordagem sobre os problemas ambientais ocasionados pela quantidade excessiva de produtos plásticos presentes no lixo, além de ressaltar a reciclagem como uma alternativa sustentável e econômica.

Figura 2: Roteiro de aula para a abordagem da temática, Lixo, seu impacto ambiental e Reciclagem, na aula de Polímeros Sintéticos. Fonte: Elaborada pelos autores

Na primeira etapa, com duração de quarenta minutos (40 min), o professor poderá começar a aula conceituando polímeros e explicando quais os diferentes tipos de polímeros sintéticos existentes atualmente e que são classificados em polímeros de adição, copolímeros e polímeros de condensação. É importante ressaltar que os polímeros são compostos químicos de elevada massa molecular, resultantes de reações químicas denominadas, reações de polimerização. Explicitar ainda, as aplicações desses compostos no cotidiano, citando os plásticos, também denominados de polímeros sintéticos, como um tipo material corriqueiramente presente no lixo doméstico e industrial (MICHAELI et al., 1995), além de mostrar as suas diferenças estruturais, assim como sua classificação em termoplásticos e termofixos. Para atingir o objetivo específico, associar o conteúdo polímeros sintéticos, com a abordagem de temas relacionados ao lixo e a reciclagem. O professor poderá utilizar as questões envolvidas com a poluição ambiental causada pela grande quantidade de objeFigura 1: Organograma da aula Polímeros Sintéticos, estruturada a tos plásticos presentes no lixo, destacando a reciclagem partir da temática Lixo, seu impacto ambiental e Reciclagem. Fonte: como uma alternativa que pode amenizar esse quadro. Elaborada pelos autores Na segunda etapa, com duração de dez minutos (10 min), o professor irá realizar uma abordagem contextualizada dos termoplásticos e termofixos, enfatizando 4.3 Plano e Roteiro de aula as diferentes aplicações no dia a dia da sociedade, deA partir da estruturação dos conteúdos a serem trabalha- vido às vantagens que apresentam como a durabilidade dos, disponibilizamos uma proposta de roteiro de aula, e a resistência à ação do ar. Entretanto, é fundamental para que o professor possa potencializar o desenvolvi- mencionar que em meio a tantas vantagens, existem as mento do seu trabalho, em termos de tempo, utilizando desvantagens, principalmente, quando os polímeros são alguns recursos didáticos e metodológicos que podem descartados na natureza, pois, a sua resistência faz com melhorar a aprendizagem durante a condução da aula. que permaneçam no meio ambiente, sem se degradaConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 42


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rem, durante décadas e até mesmo séculos, aumentando a problemática ambiental causada pelo lixo (SANTOS et al., 2012). Na terceira etapa, após as discussões sobre a utilização dos diferentes tipos de polímeros no cotidiano, os alunos de posse do texto “Biodegradação: Uma alternativa para minimizar os impactos decorrentes dos resíduos plásticos”, disponível na revista QNEsc (CANGEMI; SANTOS; CLARO, 2005), farão uma leitura criteriosa, buscando aspectos relevantes sobre o conteúdo polímeros sintéticos apresentado no texto, tais como: definições, importância, aplicações e a reciclagem, como uma alternativa para a resolução dos problemas ambientais ocasionados pelos plásticos. Nesta etapa, o professor poderá citar a utilização de polímeros biodegradáveis como medida viável para amenizar parte dos problemas causados pelo excesso de resíduos plásticos. Cabe ao professor enfatizar também que os plásticos biodegradáveis apresentam na sua estrutura biopolímeros, o que possibilita menor tempo de decomposição do material, causando assim, menos danos ao meio ambiente (SANTOS et al., 2012), além de discutir outras medidas consideradas eficazes, no sentido de tentarmos diminuir o uso de produtos confeccionados a partir de plástico, como as ecobags (sacolas ecológicas), construídas de algodão, outro material resistente que pode perfeitamente substituir as sacolas plásticas (GREENSENSE, 2014). Esta etapa terá duração de quarenta minutos (40 min). Na quarta e última etapa, com duração de dez minutos (10 min), o professor irá aplicar exercícios com questões discursivas para a fixação dos conteúdos trabalhados durante a aula, como por exemplo: “O polietileno, apesar do impacto negativo sobre o meio ambiente, é um dos plásticos mais utilizados no mundo. Com base nessa informação, comente sobre os problemas ambientais decorrentes de sua utilização na sociedade, a partir de suas características químicas, já estudas”. Nesta etapa, o professor pode finalizar com a aplicação da avaliação formativa.

Figura 3: Materiais recicláveis recolhidos em postos de coleta na cidade de Codó - MA: 1) alumínio; 2) vidro; 3) plástico; 4) papel. Fonte: Arquivo pessoal

Assim, trabalhar o ensino da Química utilizando temas geradores pode ser considerado uma estratégia no processo de conscientização da realidade atual da sociedade, constituindo-se um ponto de partida para o desenvolvimento de cidadãos mais críticos e participativos. Apartir da educação ambiental, o estudante poderá adquirir atitudes pautadas em uma conscientização política e formação ética voltada para a responsabilidade social e com o planeta (DICKMANN; CARNEIRO, 2012). Dessa forma, torna-se claro e evidente a necessidade de superar a transmissão pura e simples do conteúdo, de forma mecânica e vazia de significados concretos. Consequentemente, trabalhar a educação na perspectiva de temas geradores pode possibilitar a formação crítica e dá significado ao ensino-aprendizagem (FREIRE, 1980). Nessa perspectiva, consideramos ser possível incluir nas aulas de Química temas como lixo e reciclagem (temas geradores), a partir dos conteúdos curriculares do ensino médio. Assim, os temas geradores podem proporcionar aos estudantes a apropriação de saberes referentes aos conteúdos científicos da disO tema Reciclagem, que é sugerido como uma pos- ciplina quando trabalhados de forma contextualizada, sível solução para amenizar parte dos impactos causa- como também contribuir com a observância aos acondos à natureza em decorrência do excesso de lixo, deve tecimentos diários da vida social. Quanto à contextuaser apresentado ao aluno como uma prática social que lização de tais temas, entendemos que seja um caminho faz parte da comunidade em que ele se encontra inse- que pode orientar a formação de cidadãos aptos ao exerrido. Em algumas cidades do interior de muitos estados cício da cidadania, capazes de intervir ativamente no do Brasil, como exemplo, a cidade de Codó, situada no ambiente social no qual estão inseridos, sob uma visão Maranhão, a prática da reciclagem é vista como uma crítica da realidade em seus espaços históricos, sociais, forma de sobrevivência. Embora em muitas dessas re- políticos e econômicos (RESSETTI, 2000). giões não existam indústrias de reciclagem, os moraConsiderando a relevância da temática para a fordores organizam “postos” de coleta para o recebimento mação dos estudantes, foi elaborado o plano de aula, de materiais como metal, vidro, plástico e papel, como como já mencionado, como forma de contribuir com o apresentado na Figura 3. trabalho do professor. O plano de aula é uma importante Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 43


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ferramenta metodológica utilizada para organizar e subsidiar o trabalho docente. Nessa proposta, definimos os objetivos almejados considerando a temática ambiental, os conteúdos químicos, a metodologia e a forma de avaliação. Na Tabela 1 dispomos a estruturação do plano sugerido.

Figura 4: Proposta de plano a ser trabalhado em uma aula de Química da 3a série do ensino médio sobre o conteúdo polímeros sintéticos a partir da temática ambiental.

como um elemento de integração e motivação no processo de ensino. Uma alternativa é a avaliação formativa, pois ajuda o aluno a aprender e se desenvolver melhor no ambiente escolar. Esse tipo de avaliação é uma prática contínua que favorece a aprendizagem, contribuindo para melhor acompanhamento e orientação dos estudantes durante o seu processo de formação. Além disso, permite ao docente realizar alterações no decorrer do processo, adaptando as formas de ensino às necessidades dos estudantes (PERRENOUD; THURLER, 2002). Entendemos que o planejamento da aula é uma tarefa cotidiana de estruturação das atividades a serem desenvolvidas no ambiente escolar, o que demanda tempo, devido a ser uma etapa relevante para o êxito do trabalho do profissional da educação. Isso porque faz parte da competência teórica do professor e dos compromissos com a democratização do ensino (FUSARI, 1990). Assim, é importante para a prática pedagógica do professor, como organizador e norteador do seu trabalho. Nesse caso, o planejamento permite que se observe a dimensão da relevância de sua prática docente e os objetivos a que se destina (CASTRO; TUCUNDUVA; ARNS, 2008). Considerando então a importância do planejamento das atividades desenvolvidas em sala de aula, utilizamos além do livro didático, um texto da revista QNEsc (CANGEMI; SANTOS; CLARO, 2005) como recurso para complementação e discussão do conteúdo. Escolhemos esse texto por apresentar potencialidade, pois discute a reciclagem de polímeros biodegradáveis como uma opção para amenizar parte dos impactos causados pela poluição gerada pelo homem, a partir do descarte de utensílios plásticos na natureza. O texto ainda aborda o conceito e tipos de plásticos, como também a sua importância para o cotidiano da sociedade contemporânea, o que favorece a compreensão do processo químico de biodegradação dos plásticos no meio ambiente.

A estruturação do plano de aula é importante por ser considerado uma sequência que vai orientar o desenvolvimento das aulas nos dias letivos. É a sistematização de todas as atividades planejadas e aplicadas na dinâmica do ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a ação de planejar o que será ministrado no ambiente escolar deve seguir, essencialmente, preceitos científicos, propriedade dos conhecimentos químicos e metodologias de ensino adequadas, considerados meios eficientes na obtenção de resultados positivos (PILETTI, 2001). Para essa proposta, com a finalidade de obter os objetivos destacados, ao planejar e aplicar a estratégia de ensino, a temática ambiental deverá estar em consonância com o conteúdo químico, permitindo assim a possibilidade de melhor compreender as consequências para a saúde humana e para o meio ambiente causadas pela poluição Embora os livros didáticos já apresentem informade plásticos descartados indevidamente no lixo (CAN- ção textual relevante a respeito dos temas trabalhados GEMI; SANTOS; CLARO, 2005). Além disso, é rele- nas aulas, a utilização de textos é defendida como apoio vante ressaltar as várias possibilidades existentes e dis- ao trabalho do professor, pois esse recurso didático poníveis para os professores (recursos didáticos como pode proporcionar aos estudantes o acesso a informajogos, textos de divulgação científica, internet etc.) que ções atualizadas sobre ciência e tecnologia, em uma linpodem contribuir como forma de atrair a atenção do guagem contextualizada, flexível e próxima do cotidialuno para o conteúdo, favorecendo uma aprendizagem ano, permitindo o conhecimento de novos significados. mais significativa (LUCKESI, 2001). A utilização de tais textos também é justificada pela Para consolidar o planejamento do trabalho a ser de- possibilidade de se aprimorar os conceitos, a leitura e senvolvido, também é necessária uma forma coerente escrita. Nesse sentido, os textos se tornam uma alterde avaliação, no sentido de que seja possível verificar o nativa para aqueles docentes que ainda utilizam apenas grau de assimilação dos estudantes diante do conteúdo o livro didático como material de leitura em suas aulas. proposto. Nesses termos, a avaliação deve ser entendida Dessa forma, os textos podem estimular as discussões e Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 37 - 47, dez. 2015 44


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a participação dos estudantes em sala de aula (CANTANHEDE, 2012).

. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 2006.

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CANELOI, T. P. Reciclagem, desenvolvimento sustentável e ICMS. In: Anais do XIX Encontro Nacional do Conpedi. Fortaleza: [s.n.], 2010.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de inclusão da temática lixo e reciclagem nas aulas de Química da educação básica foi pensada com o objetivo de se buscar a associação do conteúdo polímeros sintéticos com os problemas causados pelo excesso de lixo descartado no meio ambiente. Quando buscamos trabalhar temas dessa natureza no ambiente de sala de aula, oportunizamos, tanto para o professor quanto para o estudante, a possibilidade de reflexão sobre ações e práticas que podem causar danos à natureza. Além disso, o tema lixo e reciclagem, abordado no ensino da Química, pode tornar as aulas mais atraentes e menos cansativas, o que pode favorecera participação ativa, o posicionamento crítico e a proposição de soluções para questões relacionadas com a excessiva quantidade de lixo descartada diariamente no meio ambiente. Nesse contexto, acreditamos que o ensino de conteúdos químicos, realizado através de temas que envolvam a problemática ambiental e que conduzam os estudantes a criarem alternativas para a resolução de problemas, se apresenta como uma proposta factível, uma vez que o estudo de questões ambientais direciona para uma reflexão de práticas responsáveis e sustentáveis como alternativa para melhor preservação da natureza. Assim, através da educação ambiental, os estudantes podem ser orientados para a prática e valorização de ações benéficas para um meio ambiente sustentável, assim como para todos os seres vivos dependentes desse ambiente. 6

AGRADECIMENTOS

Ao IFMA/Campus Codó, a UFMA/Campus Codó e ao Grupo de Pesquisa em Ensino de Química do Maranhão (GPEQUIMA – <www.gpequima.net>). REFERÊNCIAS BONOTTO, D. M. B.; SEMPREBONE, A. da S. Educação ambiental e educação em valores em livros didáticos de ciências naturais environmental education and values education in science textbooks. Ciência & Educação, SciELO Brasil, v. 16, n. 1, p. 131–148, 2010. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente. Brasília: Ministério da Educação, 1998.

CANGEMI, J. M.; SANTOS, A. M. d.; CLARO, N. S. biodegradação: uma alternativa para minimizar os impactos decorrentes dos resíduos plásticos. Química nova na escola, n. 22, p. 17–21, 2005. CANTANHEDE, S. C. D. S. Textos da revista Ciência Hoje como recurso didático: análise e possibilidades no uso no ensino médio de química. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em Química, Universidade Federal de São Carlos, 2012. CASTRO, P. A. P. P. de; TUCUNDUVA, C. C.; ARNS, E. M. A importância do planejamento das aulas para organização do trabalho do professor em sua prática docente. Revista Cientıfica de Educaçao, v. 10, n. 10, p. 49–62, 2008. CEMPRE. CEMPRE Review. São Paulo: CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem, 2013. DICKMANN, I.; CARNEIRO, S. M. M. Paulo freire e educação ambiental: contribuições a partir da obra pedagogia da autonomia. Revista de Educação Pública, v. 21, n. 45, p. 87–102, 2012. EIGENHEER, E. M.; FERREIRA, J. A.; ADLER, R. Reciclagem: mito e realidade. Rio de Janeiro: In-Fólio, 2005. FABRIS, C.; NETO, P. J. S.; TOALDO, A. M. M. Evidências empíricas da influência da família, mídia, escola e pares nos antecedentes e no comportamento de separação de materiais para a reciclagem/empirical evidence of the influence of family, media, school and peers in the separation of materials for recycling. Revista de Administração Contemporânea, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, v. 14, n. 6, p. 1134, 2010. FADINI, P. S.; FADINI, A. A. B. Lixo: desafios e compromissos. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola, n. 1, p. 9 – 18, 2001. Edição Especial.

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ABORDAGEM DO CONTEÚDO POLÍMEROS SINTÉTICOS A PARTIR DA TEMÁTICA LIXO E RECICLAGEM NAS AULAS DE QUÍMICA DO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DIDÁTICA

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AÇÃO E MOVIMENTO: POSSIBILIDADES PARA A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS ATRAVÉS DOS PROJETOS DE GEOMETRIA DINÂMICA PELOS DISCENTES NA LICENCIATURA RODRIGO S YCHOCKI DA S ILVA1 , E DUARDO M ELIGA P OMPERMAYER2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul 1 Campus de Caxias do Sul 2 Campus de Canoas <rodrigo.silva@caxias.ifrs.edu.br>, <eduardo.pompermayerr@canoas.ifrs.edu.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.1010 Resumo. A proposta do artigo é apresentar e discutir os resultados de uma pesquisa com duração de dois semestres envolvendo duas turmas de estudantes da graduação em Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Caxias do Sul. Mostra-se com a pesquisa que a construção de um projeto envolvendo geometria dinâmica aliado ao uso da tecnologia informática possibilitou a apropriação de diversos conceitos matemáticos abordados na disciplina de Geometria Plana. Através dos conceitos da epistemologia genética de Jean Piaget, em especial a teoria da tomada de consciência foi possível analisar a evolução dos estudantes ao longo do processo e verificar que o uso da tecnologia potencializa a construção dos conceitos matemáticos. Ao final verificou-se que proposta de trabalho ocorrida ao longo do semestre tornou possível desenvolver nos sujeitos envolvidos novas competências e habilidades, dentre elas, a habilidade de possivelmente utilizar a tecnologia em sala de aula. Palavras-chaves: Formação de professores de Matemática. Geometria Dinâmica. Tomada de Consciência. Tecnologia no Ensino da Matemática. Abstract. The purpose of the paper is to present and discuss the results of a search lasting two semesters involving two groups of students Graduation Degree in Mathematics from the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Sul, Caxias do Sul Campus. It is shown through research that the construction of a project involving dynamic geometry coupled with the use of computer technology enabled the appropriation of various mathematical concepts covered in plane geometry discipline. Through the concepts of genetic epistemology of Jean Piaget, especially the theory of awareness was possible to analyze the evolution of students throughout the process and check that the use of technology enhances the construction of mathematical concepts. At the end it was found that proposed work occurred during the half made it possible to develop the subjects involved new skills and abilities, among them the ability to possibly use technology in the classroom. Keywords: Mathematics teacher training. Dynamic Geometry. Consciousness. Technology in Mathematics Teaching. 1

INTRODUÇÃO

ação matemática possibilita-se que o educando desempenhe um papel importante no decorrer do seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, Barbosa (2005) colabora:

O uso da tecnologia informática em sala de aula, em especial nas aulas de matemática potencializa a construção do conhecimento e possibilita a criação de novas Caberia, então, aos professores-educadores da área de dimensões no ambiente educacional escolar. Ao oporeducação matemática proporcionar contextos favoráveis para que o processo educativo tomasse outra dimensão, tunizar aos estudantes momentos de elaboração e criConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 48


AÇÃO E MOVIMENTO: POSSIBILIDADES PARA A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS ATRAVÉS DOS PROJETOS DE GEOMETRIA DINÂMICA PELOS DISCENTES NA LICENCIATURA uma dimensão atual, mais inovadora, compatível com os avanços da ciência e da tecnologia. (BARBOSA, 2005, p. 75)

Com base na citação anterior entende-se que a proposta apresentada neste trabalho propõe uma possibilidade para que as aulas de geometria plana sejam aperfeiçoadas e atendam cada vez mais com as necessidades contemporâneas no ensino da matemática. A inserção da proposta de construção de um projeto com o auxílio de um software de geometria dinâmica possibilitou que os alunos do curso superior em Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Campus Caxias do Sul desenvolvessem novas competências e habilidades matemáticas durante a elaboração e construção dos mecanismos. A disciplina de Geometria Plana é ofertada na atual matriz curricular1 no primeiro semestre do curso de graduação. A realidade observada nas turmas que cursam a disciplina é que os assuntos de geometria plana desenvolvidos anteriormente no ensino básico foram apresentados de maneira que não se estimulasse as formas de construção e elaboração de conceitos por parte dos estudantes. Nesse sentido, a proposta de integrar à disciplina de Geometria Plana a construção de um projeto de geometria dinâmica, onde os estudantes pudessem relacionar e criar construções dinâmicas através da matemática desenvolvida durante o semestre demonstra ser profícuo o uso da tecnologia nas aulas de geometria, em especial pode influenciar a futura prática docente, envolvendo os estudantes desde o início da graduação em atividades que promovam a construção do conhecimento. Sobre o uso de ambientes de geometria dinâmica, Giraldo (2012) argumenta: A grande vantagem apontada em relação às construções geométricas com papel e lápis está justamente no aspecto dinâmico do ambiente: uma vez concluída uma construção no computador, é possível alterar um de seus elementos (em geral, por meio do arrastar do mouse) e observar as alterações consequentes nos demais elementos. Assim, uma figura construída em geometria dinâmica representa, de forma mais efetiva, uma classe de objetos geométricos definida por propriedades e relações comuns – que se preservam quando esses objetos são arrastados na tela. Como muitos autores têm apontado, esse aspecto permite ao aluno investigar um grande número de exemplos e explorar conjecturas, construindo uma preparação para o exercício de argumentação matemática. (GIRALDO, 2012, p. 39)

Com isso, inspirado nas ideias de autores sobre o uso da tecnologia a favor do ensino, em especial o ensino de conteúdos matemáticos, apresenta-se neste 1 Aqui

se fala da matriz curricular vigente no período de 2010 a 2015 na instituição. Disponível em: <http://www.caxias.ifrs.edu.br/ site/midias/arquivos/2015739321376ppc_matematica_2014.pdf>

texto os resultados de uma pesquisa envolvendo os alunos da graduação em Licenciatura em Matemática. A teoria de Jean Piaget sobre a tomada de consciência é utilizada para verificar o processo de evolução e aprendizagem durante a proposta. Destaca-se ao longo do texto que ao elaborar e desenvolver a criação de um projeto envolvendo conteúdos de Geometria Plana em um ambiente de geometria dinâmica os estudantes atravessam diversos e sucessivos níveis de tomada de consciência, onde a reestruturação e organização do conhecimento é condição essencial para o desenvolvimento de novos conceitos matemáticos. O presente trabalho está organizado em quatro seções: os fundamentos teóricos do artigo estão apresentados em duas partes; a primeira apresenta ideias de autores e suas contribuições para o uso do computador no ensino de conteúdos matemáticos. Na segunda parte apresenta-se e discutem-se as características da tomada de consciência proposta por Piaget. A segunda seção apresenta os materiais e métodos utilizados na pesquisa. A terceira seção apresenta uma análise sobre as produções dos estudantes à luz da teoria da tomada de consciência, evidenciando a influência do ambiente informatizado para a construção dos conceitos matemáticos. Na quarta seção apresentam-se reflexões e lições aprendidas sobre o trabalho produzido através de conclusões parciais. 2 2.1

Fundamentos teóricos Sobre a tecnologia informática na sala de aula

Seymour Papert foi um dos pioneiros em defesa do uso do computador no ensino, tanto de matemática como de outras áreas do conhecimento. O autor propõe ideias inovadoras sobre o uso desse tipo de tecnologia pode oferecer para os sistemas de ensino. De acordo com Papert (2008) há os Schoolers2 , que apesar de reconhecerem que a escola atual tem problemas e se mostrarem dispostos a resolvê-los, são resistentes a grandes mudanças. A concepção desse grupo é que a escola necessita de mudanças imediatas e urgentes. Neste caso, preferem saber como o uso de computadores, por exemplo, poderia resolver de imediato alguns desses problemas. Em oposição aos Schoolers existem os Yearners3 , que desejam algo diferente no ensino. Porém, são 2 O neologismo Schooler é uma forma verbal infinitiva do substantivo School (Escola), que neste texto tem o significado aproximadamente de “defensores da instituição escolar na sua estrutura atual”. (PAPERT, 2008, p. 17) 3 “O neologismo Yearner origina-se do verbo em inglês yearn – desejar fortemente algo difícil de torna-se realidade, como ânsia de liberdade por pessoas que vivem em um regime autoritário.” (PAPERT, 2008, p. 17)

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muitas vezes impedidos pelos “obstáculos às mudanças na educação, como recursos financeiros, políticas, o imenso poder dos interesses implícitos de burocratas da escola ou a falta de pesquisas científicas sobre novas formas de aprender” (PAPERT, 2008, p. 18 - 19). Papert destaca que Yearners conseguem contornar as dificuldades apresentadas na escola, desenvolvendo pequenos oásis propícios à aprendizagem em suas salas de aula. Apesar de Papert ter escrito suas ideias há 20 anos e se referir à realidade da educação americana, notase problemas muito semelhantes no atual ensino brasileiro, onde o currículo com uma grande quantidade de conteúdos faz com que o professor fique preso, não tendo o tempo necessário para realizar uma abordagem satisfatória dos assuntos. De acordo com o autor, dar-se o tempo necessário a si mesmo é um princípio muito importante para o aprendizado de matemática.

Ou seja, as tecnologias digitais têm potencial para modificar o modo como as instituições de ensino são organizadas atualmente; porém, nem sempre isso é fácil de alcançar.

Entretanto, a escola flagrantemente o transgride por suas maneiras de retalhar o tempo: "Peguem seus livros... resolva 10 exercícios no final do Capítulo 18... triiim... o sinal tocou, fechem seus livros". Imagine um executivo, um neurocirurgião ou um cientista que tivesse que trabalhar com uma agenda tão fragmentada. (PAPERT, 2008, p. 92)

Os autores dissertam que isso não significa que não existam exemplos que apresentam êxito na utilização de ambientes informatizados. Saber utilizar novas tecnologias de uma forma similar às propostas por Papert pode ser um caminho para a melhora do ensino de um modo geral, a fim de modificar, ao menos em parte, o sistema educacional. Milani (2001) reafirma a ideia que se bem empregada, a tecnologia informática pode trazer grandes contribuições para o ensino. Segundo a autora, para isso ocorrer são necessárias mudanças na estrutura do ambiente escolar, dentre elas a concepção de que “O computador exige que o aluno tenha participação ativa. A utilização da informática favorece, ao mudar o “estilo” das aulas, a mudança de papéis do aluno e do professor.” (MILANI, 2001, p. 176) Nesse cenário destaca-se que há uma diferença no que as novas gerações aprendem, “visto que passamos a mudar nossas demandas como sociedade e também por causa do uso cada vez maior de tecnologia.” (VEEN; VRAKKING, 2009, p. 90). E, nesta nova demanda de aprendizagem, o computador exerce um papel fundamental.

Papert defendeu o uso de computador não apenas como uma ferramenta usada como calculadora ou editor de texto, e sim como fonte inspiradora e que a partir de uma situação inicial, o uso dos computadores pudessem colaborar na produção de novos conhecimentos. Nesse sentido, as mudanças propostas são grandes e necessitariam de novas concepções quanto à aprendizagem, ensino e a organização da escola. Exigiriam mudanças nas relações entre professores, alunos e toda comunidade escolar, ou seja, vão além das mudanças de materiais e metodologias. Em contraponto a isso o autor destaca que “A sociedade tem muitos meios de resistir a mudanças fundamentais e ameaçadoras.” (PAPERT, 1988, p. 17). Se a tecnologia permitiu que gradualmente as mudanças ocorressem no ambiente escolar, a presença somente da tecnologia não torna a aprendizagem efetiva, é necessário alguma ação por parte do professor, na qual ele seja capaz de integrar à sua metodologia de trabalho o uso das tecnologias como ferramentas que possam colaborar na construção e aprendizagem dos conceitos envolvidos. Sobre isso, Bona (2012) disserta:

Os sistemas educacionais são difíceis de serem transformados; podemos dizer o mesmo da prática de seus atores. A forma de ‘fazer escola’ e formar professores, há muitas gerações, imprimem às instituições uma inércia enorme e mesmo aversão a mudanças em sua estrutura. (GOMES; SOUZA; SIQUEIRA, 2012, p. 101)

A inércia e aversão a mudanças por parte dos sistemas educacionais foram percebidas na prática pelos autores do trabalho. Isso vai ao encontro do que Veen e Vrakking (2009) destacam: O que pode hoje ser visto na educação é uma luta; uma luta para encaixar a nova tecnologia em um velho modelo; uma luta até mesmo para servir às demandas de mudanças da sociedade no modelo existente. E essa luta não está obtendo resultado. (VEEN; VRAKKING, 2009, p. 90)

Quando o computador é usado como ferramenta, a aula não é igual para todos. Cada aluno pode construir seus conhecimentos segundo seu próprio estilo de aprendizagem, expressar suas ideias ou resolver um problema de acordo com seu grau de conhecimento e interesse, no seu ritmo. (MILANI, 2001, p. 176)

Ou seja, infere-se através das ideias dos autores apresentados anteriormente, ao saber usar o computaAs tecnologias digitais condicionam o modo de fazer dor e suas ferramentas disponíveis, de forma que o esatual, mas as mudanças não ocorrem simplesmente pela tudante tenha um papel mais ativo na construção de seu sua presença na escola, e criam condições para que a proconhecimento, possa ser uma forma de aperfeiçoar o dução intelectual se dê por caminhos e formas que não ensino de Matemática. eram possíveis sem ela. (BONA, 2012, p. 89) Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 50


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2.2

Jean Piaget e a tomada de consciência

Esta seção foi inspirada em Piaget (1977) e Piaget (1978), onde o autor apresenta nos livros A Tomada de Consciência (1977) e Fazer e Compreender (1978) os conceitos e a teoria envolvendo o assunto desta seção. Inicialmente é importante considerar que para Piaget, a evolução cognitiva do sujeito depende da ação. A ação por sua vez ocorre entre o sujeito, concebido como epistemológico, e os objetos, que estão fora do sujeito e que contribuem para o processo de constituição do indivíduo. Concebendo a ação como elemento central no Figura 1: Esquema sobre a ação do sujeito com o objeto. Fonte: processo de evolução das tomadas de consciência pelo Piaget (1977, p. 199) sujeito, claramente o autor difere “insight” de “tomada de consciência”. Para Piaget, o primeiro trata-se de uma iluminação onde não se acrescenta nada ao sujeito, dife- ceitos anteriormente discutidos. Piaget considera que somente é possível coorderentemente do segundo processo, que trata da evolução nar as ações quando existe diferenciação. Com isso do pensamento, fundamentado nas ações do sujeito soele apresenta dois tipos de coordenações: as coordenabre os objetos. ções inferenciais e as coordenações causais. A primeira Como sujeito e objeto são disjuntos, Piaget consitrata-se de um processo relativo ao sujeito e a sua subjedera que no processo de tomada de consciência existe tividade e a segunda trata-se de um processo relativo ao uma região denominada periferia. É uma região limíobjeto e sua objetividade. Para que haja compreensão trofe entre objeto e sujeito, onde o conjunto das ações é necessário observar. Logo, através das coordenações do sujeito sobre o objeto se inicia já desde os primeiros inferenciais é que somos capazes de elaborar conceiestádios de desenvolvimento quando criança. Pelo fato tos, que por sua vez permitem que ocorram nossos pende Piaget centralizar o processo na ação, essa por sua samentos. Piaget considera que o processo da tomada vez estabelece uma ponte entre o real e a construção. de consciência através das ações pode ser caracterizado Trata-se de um processo onde através de ações assimiladoras e acomodadoras há a possibilidade de ocorrer a por níveis correlativos e sequenciais, tratados por ele interiorização e exteriorização dos mecanismos referen- como nível I, nível II e nível III. Cada um desses níveis tes à ação do sujeito sobre os objetos. Antes da ocorrên- por sua vez pode ter diferentes subníveis, onde os sucia de ação entre sujeito e objeto, Piaget define o centro jeitos podem ser caracterizados de acordo com os seus do sujeito e o centro do objeto. O primeiro refere-se ao êxitos e justificativas apresentadas em cada ação diante sujeito, que do ponto de vista epistemológico está al- o objeto. Com isso, o sujeito através de duas ações mejando uma conquista. O segundo centro refere-se ao que está para ser conquistado. Piaget expõe que é pos- caracteriza-se por estar em determinado nível, no qual sível avançar muito na busca por estes centros, embora ele se aproxima mais do centro do objeto e a apropriação de suas ações torna o processo em busca do obnunca se consiga alcançá-los plenamente. Em se tratando de ação, a primeira é considerada jetivo mais eficiente. Os sujeitos, segundo Piaget, ao assimiladora e parte do sujeito em relação ao objeto. enfrentar situações novas e conflitantes, podem através Essa ação é fundamental e pode ter perturbações, uma de suas ações desenvolver regulações ativas capazes de vez que o processo de exteriorização é onde o sujeito ultrapassar a barreira imposta pelo recalque cognitivo, conhece e trata com o objeto. Na sequência, a ação tornando possível através de suas ações se apropriarem acomodadora é a ação em que o objeto age sobre o su- delas e com isso tomar consciência. jeito, possivelmente modificando os seus esquemas asPara Piaget, a criação da novidade, ou regulação similadores. Nesse processo, a acomodação possibilita ativa, ocorre em decorrência da ação e está relacionada ao sujeito modificar a sua ação perante os objetos, e com a capacidade do sujeito em elaborar através de um isso ocorre uma vez que as ações sendo intercaladas e processo cognitivo a superação da contradição ou tentaos esquemas sendo modificados possibilitam que a cada tiva de equilibrar-se parcialmente durante a ação. Atraetapa entre assimilação e acomodação aconteça um mi- vés dos níveis anteriormente citados, as regulações aticro avanço na direção dos centros do sujeito e do ob- vas e as coordenações das ações tornam-se melhores jeto. A Figura 1, inspirada em Piaget (1977, p. 199), e mais eficientes possibilitando ao sujeito internalizar apresenta-se um esquema organizando as ideias e con- melhor suas ações e com isso se aproximar mais do cenConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 51


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tro do objeto em estudo. Portanto, a tomada de consciência é um processo que decorrente da ação do sujeito sobre o objeto, tratase de uma complexa reorganização de suas estruturas cognitivas, criação de novos esquemas assimiladores, estimulação da regulação ativa, retirada de informações sobre a ação, organização das informações obtidas na ação e de equilíbrios/desequilíbrios ao longo do processo. 3

MATERIAIS E MÉTODOS UTILIZADOS

Os projetos de geometria dinâmica construídos foram elaborados durante a disciplina de Geometria Plana do primeiro semestre do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Campus de Caxias do Sul. O projeto consistia em realizar uma construção utilizando o software livre de geometria dinâmica GeoGebra4 . Estabeleceu-se que a construção deveria conter os elementos da geometria estudados durante o semestre, com a possibilidade de que estudantes pudessem acrescentar qualquer outro elemento matemático ou de outras áreas do conhecimento. Solicitou-se que além do arquivo contendo a construção, cada grupo deveria entregar um relatório textual contendo a exploração de um roteiro de questionamentos propostos pelos professores da disciplina. Em linhas gerais, no relatório os estudantes deveriam explorar os seguintes questionamentos: 1 - Qual o objeto foi escolhido para a investigação? O que chamou a atenção de vocês quanto a esse objeto? Explique. 2 - Onde esse objeto é utilizado? Qual a sua finalidade/objetivo no cotidiano? Explique. (pode consultar outras fontes: livros, sites, etc.)

abordado nas aulas de geometria plana? Explique comentando quais seriam tais conceitos. A produção textual tinha como objetivo estimular os estudantes na construção de justificativas e argumentações sobre as ideias desenvolvidas no projeto. A produção dos projetos ocorreu durante o primeiro semestre de 2014 (1o turma observada) e o primeiro semestre de 2015 (2o turma observada), onde o professor responsável pelas turmas realizou três aulas no laboratório de informática da instituição, com o objetivo de que os estudantes pudessem discutir e aperfeiçoar suas ideias em conjunto. Além disso, os estudantes poderiam complementar o seu trabalho em momentos extraclasse. Ao final do semestre, pode-se verificar através da proposta de trabalho assumida durante a pesquisa que os estudantes desenvolveram os seus projetos utilizando não somente as ideias e conceitos abordados, mas também outros conceitos e ideias por eles pesquisados. Isso demonstra que o potencial desse tipo de atividade mobiliza o sujeito durante o processo da busca pelo conhecimento, evidenciando o papel do estudante como personagem central durante a sua própria aprendizagem. 4

ANÁLISE DA PRODUÇÃO DOS ESTUDANTES

O objetivo da presente seção é apresentar e discutir os resultados obtidos com a pesquisa, e também analisar a produção dos estudantes através do referencial teórico apresentado anteriormente, possibilitando que uma reflexão sobre a proposta aqui relatada possa ser feita por professores/pesquisadores interessados no assunto da presente pesquisa. 4.1

A turma de discentes 2014/1

Ao final do primeiro semestre letivo de 2014 os estudantes entregaram ao professor da disciplina uma produção textual na forma de relatório abordando aspectos teóricos sobre sua construção no projeto de geometria dinâmica juntamente com o arquivo da construção geo4 - Na construção do objeto virtual quais foram as métrica produzida no software GeoGebra. Um primeiro maiores facilidades do grupo diante da modelagem olhar sobre os relatórios produzidos permite afirmar que escolhida? Explique. o uso do software foi profícuo, conforme destacado nas 5 - Quais os conceitos matemáticos que foram utiliza- falas apresentadas ao longo dos relatórios. Percebe-se dos pelo grupo durante a construção do objeto? Ex- no decorrer dos textos produzidos que a complexidade plique destacando possíveis relações desses con- da construção aumentava a cada etapa e a ação sobre o software conduziu os estudantes na criação de construceitos com o funcionamento do objeto. ções que envolviam mecanismos ou modelagens mate6 - Durante a construção do objeto virtual foi neces- máticas através da geometria dinâmica. sário conhecer algum conceito que não tinha sido A Figura 2 apresenta-se extratos dos relatos apre4 Software livre. Disponível em: <http://www.geogebra.org/cms/ sentados por três grupos de estudantes. Nota-se nos trept_BR/download/>. chos destacados que o caráter interdisciplinar atribuído Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 52 3 - Na construção do objeto virtual quais foram as maiores dificuldades do grupo diante da modelagem escolhida? Explique.


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pelos estudantes evidencia o processo da construção do conhecimento através de sucessivas assimilações e acomodações em busca de melhor compreender o objeto de estudo. Acredita-se que se o conhecimento matemático tivesse sido apenas transmitido aos estudantes na forma de aula expositiva, as relações estabelecidas por eles durante a elaboração e execução do projeto talvez não existissem da forma como foram produzidas. Ou seja, as relações matemáticas ou também as relações interdisciplinares destacadas pelos grupos de estudantes foram potencializadas pela ação sobre o objeto de estudo. Quando as relações aumentaram qualitativamente e quantitativamente, notou-se que a assimilação e acomodação também foram influenciadas, de modo que a alternância entre os equilíbrios e desequilíbrios fez com que a tomada de consciência fosse gradual e aumentasse a complexidade conforme a execução da proposta.

Figura 3: Exemplos de projetos produzidos pelos grupos de estudantes (2014/1). Fonte: Os autores.

de sua própria aprendizagem. Na construção do objeto dinâmico além de revisitar os conceitos matemáticos abordados na disciplina de Geometria Plana, houve a necessidade de conhecer outras ferramentas, conceitos ou ideias. Isso fez com que o sujeito tivesse que qualificar a sua ação e através do processo da regulação ativa fosse capaz de contornar a dificuldade. As construções geométricas propostas pelos grupos de estudantes tinham movimento, ou seja, animações (a) que relacionavam conceitos matemáticos da geometria. Ao propor que a construção no software tivesse movimento, estimulou-se que a ação praticada pelo estudante fosse gradualmente qualificada. Ou seja, tornase possível construir um mecanismo geométrico mais (b) complexo quando as ações praticadas pelo sujeito são tais que permitem o avanço das construções mentais, através de sucessivas assimilações e acomodações, ou ainda de equilíbrios e desequilíbrios presentes durante todo o processo. Na Figura 3 apresentam-se dois exemplos de objetos virtuais construídos pelos estudantes em 2014/1. Ambos têm caráter dinâmico e foram construídos utilizando relações matemáticas e também relações entre diferentes objetos matemáticos. O grupo que elaborou o objeto que simula o sistema solar investigou o comportamento das órbitas dos planetas, sendo que conseguiram através de relações matemáticas simular a velocidade de órbita de cada um dos elementos presentes na (c) construção. Portanto, constatou-se que o uso do software GeoFigura 2: Amostra de relatos extraídas da produção dos estudantes. Trechos do relatório do Grupo a) A, b) B e c) C. Fonte: Os autores. Gebra durante o primeiro semestre de 2014 contribuiu positivamente na elaboração do projeto. A geometria Constata-se ao longo dos relatórios que as graduais dinâmica nesse sentido surgiu como uma possibilidade e sucessivas tomadas de consciência ocorreram à me- para criar novas relações, através da ação do sujeito sodida que os obstáculos impostos pelo software ou pelo bre o objeto de estudo. Ao motivar e estimular os esconteúdo de matemática necessário para a continuidade tudantes, os processos de assimilações e acomodações na execução da proposta foram superados. Os estudan- permitiram que a tomada de consciência dos conceites durante o processo cognitivo envolvido na elabora- tos geométricos abordados na disciplina ocorresse de ção da construção geométrica foram atores no processo forma gradual e evolutiva. Finalmente, destaca-se que Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 53


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Figura 4: Página inicial do GeoGebraBook produzido a partir das construções dos estudantes. Fonte: <https://tube.geogebra.org/ material/show/id/1419157>

a tomada de consciência foi alcançada através do processo. Durante a execução da proposta verificou-se que a contribuição da informática foi essencial para que se chegasse ao final da pesquisa com os resultados apresentados e discutidos nessa seção. 4.2

A turma de discentes 2015/1

De maneira análoga que no primeiro semestre de 2014, Figura 5: Lista de projetos no livro virtual. Fonte: <https://tube. ao final do primeiro semestre de 2015 os estudantes en- geogebra.org/b/1419157> tregaram ao professor da disciplina os arquivos de construção do projeto e a produção textual. No segundo semestre de execução do projeto de geometria dinâmica, gem para a ideia de que o aprendizado durante o protodos os arquivos produzidos pelos estudantes foram or- cesso foi algo proveitoso e desafiante, onde para resolganizados e publicados na forma de um livro virtual, o ver determinada situação, imposta por uma necessidade “GeoGebraBook”, tornando-se acessível através do re- do projeto, necessitou-se de pesquisas adicionais e conpositório online de objetos virtuais produzidos no soft- siderável elaboração de novidades. Ao afirmar que a ware GeoGebra. A Figura 4 ilustra a página de entrada matemática faz parte do cotidiano (grupo 2) e sua compreensão é essencial para o entendimento da realidade do livro virtual. Uma primeira análise sobre as produções textuais que os cerca, nota-se que os estudantes assumiram o papermite afirmar que o uso do software apesar das di- pel de sujeito que buscam a compreensão sobre os obficuldades apresentadas pelos estudantes na construção jetos em estudo, que procuram ultrapassar as barreiras de determinados mecanismos, o mesmo foi bem aceito, impostas pelos objetos. Ao qualificar a ação sobre os conforme destacado nas falas apresentadas ao longo dos objetos e sobre as formas de pensamento, os estudantes textos. De modo análogo a 2014/1 percebe-se no decor- direcionaram sua própria aprendizagem com o intuito rer dos textos produzidos que a complexidade da cons- de conhecer mais o objeto em estudo, tornando assim trução aumentava gradualmente a cada nova etapa, e a as direções do binômio assimilação/acomodação mais ação sobre o software conduziu os estudantes na direção próximas dos centros do objeto e sujeito. de elaborar métodos que visavam superar as dificuldaAinda vale ressaltar que o uso do software na realides que se apresentavam durante a construção do pro- zação do projeto estimulou nos estudantes a possibilijeto. Em 2015/1 foram produzidos ao todo oito projetos dade de propor esse tipo de atividade em sala de aula, envolvendo construções geométricas que possuíam ele- conforme destaca o grupo 3. Percebeu-se que a maiomentos de geometria dinâmica. Na Figura 5 ilustramos ria dos estudantes envolvidos com a proposta de projeto quais são os projetos apresentados pelos estudantes e em 2015/1 desconhecia o software, e que anterior à disque estão postados no livro virtual. ciplina os assuntos de Geometria Plana (quanto trataNota-se em uma segunda análise sobre as produ- dos) tinha sido predominantemente expostos da forma ções textuais dos estudantes que o uso do software Ge- tradicional. Portanto, considera-se profícuo que o uso oGebra tornou-se um desafio para os mesmos durante do software tenha contribuído além da formação acaa elaboração do projeto. As falas dos grupos conver- dêmica desses discentes no que se refere aos conceitos Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 54


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Figura 7: Exemplos de projetos produzidos pelos grupos de estudantes (2015/1). Fonte: Os autores.

Figura 6: Amostra de relatos extraídas da produção dos estudantes. Fonte: Os autores.

diata, impondo ao sujeito que tenta compreendê-lo os mais diversos desafios e impasses que não o permitiam avançar e alcançar seus objetivos. Esse fato também pode ser considerado como relevante na elaboração do projeto, uma vez que estimulou os envolvidos pela busca por conhecimentos além dos discutidos na disciplina de Geometria Plana. A Figura 7 ilustra dois projetos elaborados pelos grupos.

de Geometria Plana, uma vez que se espera no futuro a condução por parte destes, no papel de professores atuantes, a elaboração de futuros projetos envolvendo geo- 5 CONCLUSÕES E CONTRIBUIÇÕES COM A PESQUISA metria dinâmica com seus alunos. Na Figura 6 ilustrase através de trechos extraídos das produções textuais o Ao final da presente pesquisa, constatou-se que a exeque se dissertou nos últimos parágrafos. cução de um projeto envolvendo geometria dinâmica Quanto aos aspectos da tomada de consciên- tornou as aulas da disciplina Geometria Plana significia notou-se uma evolução qualitativa dos estudan- cativa para os estudantes. Sobre o uso da geometria tes enquanto envolvidos com a proposta do projeto. dinâmica para a construção de conceitos matemáticos e Constatou-se que a combinação dos fatores: o melho- os possíveis ganhos na aprendizagem, Gravina e Santaramento de sua ação sobre os objetos em estudo e a ten- rosa (1999) contribuem: tativa de elaboração de novidades foi essencial para que O aluno cria seus próprios modelos (tomado aqui em senos estudantes alcançassem sucesso na elaboração dos tido amplo) para expressar ideias e pensamentos. Suas projetos pensados inicialmente. O constante esforço inconcretizações mentais são exteriorizadas. Uma vez telectual dispensado na construção do projeto fez com construído o modelo, através dos recursos do ambiente, o aluno pode refletir e experimentar, ajustando e/ou moque o aperfeiçoamento da ação e melhor conhecimento dificando suas concepções. Nesse sentido, os ambientes sobre o software desafiassem os sujeitos na direção do são veículos de materialização das ideias, pensamentos e conhecimento ao longo do semestre. mais geralmente de ações do sujeito. (GRAVINA; SANPercebeu-se que os graduais e sucessivos avanços TAROSA, 1999, p. 81) ao longo do semestre na elaboração da proposta fizeram com que progressivamente as ações assimiladoras Verificou-se com a experimentação durante os dois e acomodadoras fossem sendo aperfeiçoadas. Tal aper- semestres da pesquisa que houve contribuições no profeiçoamento possibilitou aos sujeitos melhorar sua ca- cesso de aprendizagem da geometria. Ou seja, oporpacidade de elaboração e melhoramentos de ideias, por- tunizar ao estudante a vivência de situações favoráveis tanto a regulação ativa tornou-se então o motor dos di- ao desequilíbrio desafia a atividade mental, a qual conferentes níveis da tomadas de consciência observados duz o sujeito à regulação ativa, ou criação de novidades. no decorrer do processo. Logo, devido aos diferentes Destaca-se que o processo de elaboração da novidade e níveis da tomada de consciência foi possível perceber o criatividade é essencial em matemática, pois possibilita quanto cada grupo de estudantes avançou em termos de segundo Piaget, um avanço qualitativo na forma e escomplexidade na elaboração do projeto. truturação do pensamento. Alguns projetos apresentaram uma construção de É notável que o uso tecnologia digital de acordo mecanismo complexa e que exigiu pesquisas além da com o referencial teórico consultado (GIRALDO, sala de aula. Este tipo de momento onde o sujeito busca 2012; PAPERT, 2008; BONA, 2012; GOMES; por si próprio determinado conhecimento deu-se pelo SOUZA; SIQUEIRA, 2012; VEEN; VRAKKING, fato do objeto se apresentar de compreensão não ime- 2009; MILANI, 2001) possibilitou uma reflexão sobre Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015 55


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o desenvolvimento de novas competências e habilidades nos estudantes envolvidos nessa pesquisa realizada durante dois semestres. Espera-se que os níveis de tomada de consciência alcançada pelos estudantes (futuros professores de matemática) no decorrer da proposta influencie positivamente a sua prática enquanto docente, pois acredita-se que propor a investigação de conteúdos da Geometria Plana através da construção de modelos dinâmicos, a matemática estudada enriquece e qualifica a qualidade do pensamento de todos os sujeitos envolvidos.

VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009. Tradução Vinicius Figueira.

REFERÊNCIAS BARBOSA, R. M. Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2005. BONA, A. S. D. Espaço de Aprendizagem Digital da Matemática: o Aprender a Aprender por Cooperação. Tese (Doutorado em Informática na Educação) — Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar de Novas tecnologias, UFRGS, Porto Alegre, 2012. GIRALDO, V. Integrando geometria e funções: Gráficos dinâmicos. Revista do Professor de Matemática (RPM), São Paulo, v. 30, n. 79, p. 39 – 46, 2012. 3o quadrimestre. GOMES, A. S.; SOUZA, R. J.; SIQUEIRA, R. Resistência ao uso de TIC no ensino. Educar com o Redu. Recife: Redu, Educational Technology, 2012. P.100-102. GRAVINA, M. A.; SANTAROSA, L. M. C. A aprendizagem da matemática em ambientes informatizados. Informática na Educação: teoria & prática. PGIE – UFRGS, v. 2, n. 1, 1999. MILANI, E. A informática e a comunicação matemática. In: SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (Ed.). Ler, escrever e resolver problemas: Habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 176–200. PAPERT, S. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1988. . A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artmed, 2008. PIAGET, J. A Tomada de Consciência. São Paulo: EDUSP/Melhoramentos, 1977. . Fazer e Compreender. São Paulo: EDUSP/Melhoramentos, 1978. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 48 - 56, dez. 2015

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APRENDIZAGEM COOPERATIVA COMO ESTRATÉGIA NO APRENDIZADO DE QUÍMICA NO ENSINO MÉDIO S AMUEL P EDRO DANTAS M ARQUES1 , FÁBIO NASCIMENTO ÁVILA2 , F RANCISCO AUDÍSIO D IAS F ILHO2 , M ARIA G ORETTI VASCONCELOS S ILVA2 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) 2 Universidade Federal do Ceará <samuelpdm@hotmail.com>, <fnascimentoavila@gmail.com>, <audisio@ufc.br>, <mgvsilva@ufc.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.916

Resumo. O presente trabalho apresenta o resultado da vivência de estudantes do ensino médio da cidade de Quixadá-CE com atividades de aprendizagem cooperativa aplicadas ao ensino de química. Quatro técnicas distintas de aprendizagem cooperativa (jigsaw, método dos pares, fila cooperativa e teste cooperativo) foram empregadas como estratégias de ensino-aprendizagem. Os resultados obtidos foram analisados no que diz respeito à apreensão dos conteúdos e observou-se um ambiente menos competitivo e mais colaborativo entre os estudantes, contribuindo assim para o desenvolvimento de aprendizagem significativa. O trabalho inclui descrição das técnicas de aprendizagem cooperativa, apresentação de todo o percurso metodológico utilizado, bem como a avaliação dos resultados. Palavras-chaves: Aprendizagem cooperativa. Química. Soluções. Jigsaw. Abstract. The present work shows the result of experiences of secondary school students from QuixadáCE city with activities of cooperative learning applied to the chemistry teaching. They were employed four techniques different from cooperative learning (jigsaw, pair methods, cooperative line, and cooperative test) as teaching and learning strategies. The results were analyzed with regard to seizures of contents and was observed a less competitive and more collaborative environment among students, thus contributing to the development of meaningful learning. The work includes a description of cooperative learning techniques, the presentation of all the methodological approach used, as well as evaluation of results. Keywords: Cooperative learning. Chemistry. Solutions. Jigsaw. 1 1.1

INTRODUÇÃO O processo competitivo como forma de aprendizagem

utilização majoritária de uma metodologia tradicional, que privilegia de uma forma quase exclusiva, as aprendizagens conceptuais, conduz ao individualismo e à competição entre os alunos, reforça a exclusão social e os sentimentos de inadaptação dos que obtêm menor aproveitamento e não prepara os jovens para os desafios e as exigências atuais da sociedade. Ou seja, a aquisição pelos jovens de competências sociais não se coaduna com a utilização majoritária de atividades de aprendizagem que se enquadram numa metodologia tradicional (LOPES; SILVA, 2009, p. 9) .

O processo extremamente competitivo vivido pela sociedade atualmente se reflete no campo da educação que tem baseado os processos de ensino aprendizagem na competição e com abordagens pautadas na transferência mecânica e memorização dos conteúdos. Esse foco Estas abordagens baseadas prioritariamente na exna competitividade pode representar um contra senso, já que o mercado de trabalho aponta a necessidade de for- posição e tendo a competitividade como fator motivamar profissionais com competência para o desenvolvi- dor, consideram capazes aqueles que conseguem maior mento de trabalhos em equipe. Vários autores criticam acúmulo de conteúdos e têm o professor como a fia escolha de abordagens exclusivamente conteudistas e gura central do processo de ensino aprendizagem, único detentor do conhecimento que deve transferir aos alucompetitivas no processo de ensino aprendizagem. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 57


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nos que são considerados como uma folha em branco. Dessa forma, cria-se uma relação vertical e autoritária, portanto assimétrica do processo pedagógico o que não contribui para a formação de pessoas mais cooperativas e autônomas (FREIRE, 2004b). Ao mesmo tempo em que se revelam as limitações dos métodos tradicionais de ensino, diversos estudos vêm sendo produzidos no intuito de desenvolver estratégias pedagógicas onde os educandos se constituam como atores principais do seu processo de aprendizagem, propiciando o desenvolvimento da sua autonomia, além de maior eficiência no aprendizado conceitual e aplicabilidade nos desafios cotidianos considerando sua subjetividade. No que se refere ao ensino de química, a experiência cotidiana tem revelado grandes desafios no que concerne ao ensino de algumas áreas específicas, como a físico-química onde as dificuldades de aprendizagem se expressam de forma mais nítida, induzindo em muitos casos, desinteresse ou mesmo rejeição acerca dos conceitos que englobam esta área (PINHEIRO; L; OLIVEIRA, 2010; UEHARA, 2005). Buscar estratégias de ensino-aprendizagem que favoreçam a compreensão dos estudantes de ensino médio em várias áreas do conhecimento e sua aplicabilidade no cotidiano constitui-se um desafio importante para os pesquisadores da área de Ensino. Tomando-se como um exemplo exitoso, a experiência do Programa de Educação em Células Cooperativas (PRECE) no qual agricultores de uma pequena comunidade rural começaram a estudar em grupo numa casa de farinha para concluir seus estudos (fundamental e médio) e com o posterior ingresso de dois desses trabalhadores em cursos de graduação da UFC, delineou-se o que viria a se constituir um importante movimento no qual os primeiros a ingressar na universidade passaram a contribuir como educadores dos estudantes da comunidade que pleiteavam o seu ingresso no ensino superior. Este movimento solidário potencializou o ingresso de mais de 500 jovens daquela comunidade e de comunidades vizinhas em diversos cursos da UFC.

Figura 1: Elementos da aprendizagem cooperativa Fonte: Os autores, 2013.

mação de professores com essa abordagem no estado. Um dos resultados obtidos nesse percurso é em uma escola profissional situada no município de PentecostesCE cujo projeto político pedagógico (PPP) está totalmente ancorado nos princípios teóricos-metodológicos da aprendizagem cooperativa (AC) (PRECE, 2016). 1.2

A aprendizagem cooperativa e seus elementos

A AC é uma estratégia que pressupõe o aprendizado a partir de grupos constituídos tendo como premissas cinco elementos fundamentais: a interdependência positiva, a responsabilidade individual, a interação promotora (face a face), ênfase no ensino de habilidades sociais e o processamento de grupo (JOHNSON; JOHNSON, 1989) que estão demonstrados na Figura 1. A interdependência positiva é elemento fundamental para que se crie o ambiente de cooperação. O facilitador-educador deve preparar o material didático e o plano de aula de maneira que cada aluno dependa do outro para alcançar o objetivo final. Este objetivo é uma meta coletiva denominada critério de sucesso que ao ser atingido, possibilita uma espécie de bonificação do grupo. Este aspecto é planejado intencionalmente de maneira que todos os membros devam participar para que a tarefa seja completada. Existem diversos tipos de interdependência, que podem ser de metas, de mateDo ponto de vista metodológico, naquele momento riais, de papéis e de identidade (KYNDT et al., 2013; inicial os educadores apesar de trabalharem de forma MOTAEI, 2014). cooperativa organizando-se em grupos que denominaConsiderando que a meta coletiva só pode ser alram “células cooperativas”, ainda não haviam entrado cançada com o sucesso de todos do mesmo grupo é neem contato com as técnicas e princípios da Abordagem cessário a responsabilidade individual. Como os indiCooperativa em sala de aula sistematizada pelos irmãos víduos são interdependentes é necessário que cada um norteamericanos David e Roger Johnson (JOHNSON; seja responsável pela sua parte, caso um dos compoJOHNSON, 1975). Posteriormente o grupo de educa- nentes do grupo não cumpra a sua meta individual, o dores do PRECE acessaram esse conjunto de conhe- grupo não atingirá seu objetivo coletivo. Busca-se com cimentos incorporando-os ao processo pedagógico, ou isso que os próprios estudantes se auto estimulem no melhor, tomando-o como base metodológica do PRECE processo de elaboração de suas tarefas individuais para que atualmente se constitui uma referência para for- depois partilhar de maneira adequada os seus conheConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 58


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cimentos com o grupo, bem como aprender os outros pontos com seus colegas (LOPES; SILVA, 2009; OXFORD, 1997). Dois elementos da aprendizagem cooperativa caminham juntos. A interação promotora e as habilidades sociais. Dentro do processo grupal é fundamental que os alunos interajam discutindo olho no olho. A interação promotora ocorre quando os componentes estimulam uns aos outros a participar na execução das tarefas. Para que os estudantes superem todas as adversidades e conflitos de maneira construtiva gerados na discussão, precisam desenvolver as habilidades sociais. Alguns exemplos de habilidades sociais são: saber ouvir atentamente, esperar a vez de falar, criticar ideias e não pessoas, partilhar ideias, ajudar ao outro, etc. Estas habilidades são fundamentais para o processo grupal e a apreensão destas extrapola o processo de sala de aula possibilitando a formação de indivíduos mais críticos, ativos e engajados com a sociedade (FREIRE, 2004a; SILVA, 2008). O quinto elemento da aprendizagem cooperativa é um dos mais importantes: o processamento de grupo. Ao final de todo o processo o grupo deve se reunir para discutir o que aconteceu de positivo, negativo e propor ideias para maximizar o aprendizado. A principal finalidade do processamento é que se verifique quais as habilidades sociais que foram desenvolvidas e quais precisam ser mais trabalhadas para um máximo aproveitamento (JOHNSON; JOHNSON, 1989). Os autores deste trabalho relatam a seguir, atividades de aprendizagem cooperativa aplicadas ao ensino de química, utilizadas como estratégia de ensino-aprendizagem, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa e o desenvolvimento de habilidades individuais e em grupo dos educandos. 2

METODOLOGIA

extracurricular. Ao final das oficinas, os estudantes responderam ao 1o instrumento de avaliação, na forma de questionário (contendo questões objetivas e discurssivas), com o intuito de verificar o conhecimento prévio dos mesmos acerca de trabalhos em grupo. Somente após as oficinas de formação em AC, as aulas foram ministradas, e em sequência, realizadas as análises em grupo e individual sobre as técnicas utilizadas, com a aplicação do 2o instrumento de avaliação também sob formato de questionário e a realização de um círculo de cultura. Portanto a análise do processo de aprendizagem com as técnicas utilizadas, foi realizada a partir de três abordagens: aplicação de instrumentos de avaliação sob o formato de questionários (anônimos) com questões subjetivas e objetivas, observação participante e realização de um círculo de cultura. 2.1

Conteúdos abordados

As aulas utilizando técnicas de AC foram planejadas com atividades de 100 minutos (2 h/a) contendo os seguintes subtemas referentes ao tema “estudo das soluções” na disciplina de físico-química: • Principais tipos de dispersões, características, propriedades e aplicações; • Introdução ao estudo das soluções (propriedades e classificações); • Coeficiente de solubilidade de sólidos em água, suas relações matemáticas e aplicações no cotidiano; • Tipos de solubilidade e solubilidade gasosa (demonstração e aplicações da lei de Henry); • Relações quantitativas entre soluto e solvente (unidades de concentração);

Foram desenvolvidos instrumentos pedagógicos contendo os elementos fundamentais desta abordagem (pla• Diluição, mistura de soluções e titulação; nos de aula e materiais didáticos) a serem aplicados durante o primeiro bimestre de 2013 no estudo das solu• Propriedades coligativas. ções com 50 estudantes do 2o e 3o ano do ensino médio da escola privada Colégio Amadeu Cláudio DamasPara cada subtema foi elaborado um material didáceno, localizada no município de Quixadá-CE cuja pro- tico, contendo informações teóricas e exercícios avaliaposta pedagógica baseia-se na competitividade e trans- tivos, incluindo as habilidades e competências exigidas missão de conhecimentos. pelo ENEM sobre o conteúdo mencionado. As aulas O percurso metodológico utilizado para a produção se realizaram em 16 encontros durante o primeiro bideste trabalho iniciou-se pela produção dos instrumen- mestre de 2013. Antes do início dos encontros as satos pedagógicos, durante curso de formação em apren- las eram devidamente preparadas para garantir que os dizagem cooperativa oferecido pelo PRECE (planos de tempos previstos nos planos de aula fossem atingidos, aula e materiais didáticos). Posteriormente realizou-se bem como a formação dos grupos foi previamente esoficinas de formação em AC para os estudantes envol- tabelecida pelo professor-facilitador visando garantir a vidos nesta pesquisa, durante uma semana em horário heterogeneidade dos mesmos. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 59


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2.2

Técnicas de aprendizagem cooperativa utilizadas

acerca do conteúdo. O mesmo ocorrerá com o outro componente da dupla. Assim após as leituras, explicações e discussões, a dupla realiza um teste escrito em conjunto contendo questões estilo ENEM sobre os dois tópicos abordados no processo. Após o teste em conjunto os pares são desfeitos e os mesmos realizam uma nova avaliação, sendo que desta vez realizada individualmente com questões diferentes das iniciais, porém contendo os mesmos assuntos abordados, sendo esta avaliação o critério de sucesso desta atividade (BARBOSA; JÓFILI, 2004; LOPES; SILVA, 2009).

A escolha das técnicas se fez com referência no estudo bibliográfico e análise daquelas que mais se adequaram à temática e ao contexto do estudo. A pesquisa bibliográfica revela que os métodos cooperativos, quando bem empregados, podem favorecer o processo de aprendizagem (BARBOSA; JÓFILI, 2004; LOPES; SILVA, 2009; SENGUL; KATRANCI, 2014a). Aronson e colaboradores (1978) desenvolveram um método de ensino que dialoga diretamente com os eleO método da fila cooperativa visa alternar os temas mentos da AC, denominado Jigsaw (JS) ou quebra caestudados em fileiras onde os alunos possuem tópicos beças sistematizado, com processos específicos e pardistintos e vão construir justificativas para compartilhar ticularmente adequados ao desenvolvimento de compeuns com os outros e pode ser considerado uma junção tências cognitivas (EVCIM; IPEK, 2013; BUHR et al., do Jigsaw com o método dos pares já que usa a estraté2014). Foram utilizadas quatro técnicas distintas de AC gia de fragmentação do conteúdo e promove a interação na elaboração dos instrumentos pedagógicos: Método promotora aos pares conforme demonstra a Figura 2c. Jigsaw (JS), Método dos Pares (MP), Fila Cooperativa Os integrantes da fila (A) permanecem sempre fixos en(FC) e Teste Cooperativo (TC) adaptados a partir de quanto os integrantes da fila (B) se alternam no sentido diversas referências estudadas (LOPES; SILVA, 2009; horário até que o ciclo se complete. Após as discusFATARELI et al., 2010; BUHR; HEFLIN; WHITE, sões realizam uma atividade avaliativa com uma meta 2014). coletiva sobre todos os temas abordados. O JS consiste em fragmentar um tema principal em O método do teste cooperativo consiste numa téctópicos. Os educandos são inicialmente organizados em nica em que a importância do trabalho em grupo é enalgrupos de base nos quais cada um recebe um dos tópitecida a cada etapa que o método é desenvolvido. No cos preparados e faz a leitura individual. Após a leitura primeiro momento, o estudante executa a tarefa indivio educando segue para outro grupo denominado grupo de peritos, constituído de educandos com o mesmo tó- dualmente. Cada estudante tenta resolver cinco quespico. O objetivo deste grupo é aprofundar a discussão tões e entrega o gabarito ao professor. Essa etapa está sobre este tópico. Posteriormente, cada participante re- ilustrada como Avaliação Individual 1(fig. 2d). Em torna ao grupo base e compartilha seu aprendizado, pas- seguida, os estudantes formam grupos de cinco intesando a ter conhecimento de todos os tópicos. Ao final grantes. Nesse momento cada estudante traz consigo realiza-se, uma avaliação escrita individual, a partir da as cinco questões do momento anterior o que significa qual objetiva-se obter o critério de sucesso da atividade que ao todo o grupo tem vinte e cinco questões para reque é uma meta coletiva com relação ao grupo de base, solver. A tarefa de resolução das questões é feita em copreviamente definida. A Figura 2a demonstra de ma- letivo e ao final um novo gabarito é entregue ao professor. Essa etapa está ilustrada como Avaliação em Grupo neira simplificada o processo. Pesquisa bibliográfica revela que este método é um (fig. 2d). Por fim, o professor promove o fechamento da dos mais utilizados pois, propicia a produção de um co- aula explicando cada questão e finaliza a atividade sonhecimento mais aprimorado, porém sua utilização para licitando que os estudantes resolvam, individualmente, estudos com química ainda é recente e existem poucos três questões diferentes das discutidas. O gabarito deve trabalhos publicados na literatura (BARBOSA; JÓFILI, ser entregue ao professor. Essa última etapa está con2004; FATARELI et al., 2010; EVCIM; IPEK, 2013; templada como Avaliação Individual 2 (fig. 2d). LEITE et al., 2013; SENGUL; KATRANCI, 2014b; Segundo as técnicas cooperativas estudadas, a heBUHR; HEFLIN; WHITE, 2014). terogeneidade dos grupos é uma característica fundaO método dos pares consiste na formação de duplas mental. Dessa maneira, em todas as técnicas utiliza(fig. 2b). Cada componente da dupla recebe um dos das os alunos foram agrupados de forma a incluir no dois materiais didáticos diferentes e intercomplementa- mesmo grupo os mais diferentes perfis. Para a aplicação res preparados pelo facilitador. Os estudantes devem das técnicas de AC, a ambiência é um fator importante. realizar a leitura individual de seu tópico, anotar os tó- Neste sentido, antes do início das aulas as cadeiras fopicos mais significativos e em seguida deve explicá-lo ram posicionadas de forma a possibilitar a efetivação ao outro componente da dupla e realizar uma discussão das aulas segundo o tempo sugerido nos referidos plaConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 60


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vido, o seu significado social, promovendo a ampliação do conhecimento e a compreensão dos educandos sobre a própria realidade, na perspectiva de intervir criticamente sobre ela. Por fim, ocorre a problematização que busca superar a visão ingênua a partir da observação da realidade com todas as suas contradições, buscando explicações que o ajudem a transformá-la (DANTAS, 2010). No contexto deste estudo buscou-se, com o círculo de cultura, observar e identificar aspectos significativos para os estudantes envolvidos, em relação ao processo de aprendizagem com a abordagem cooperativa e, com base na problematização, estabelecer parâmetros de análise da apreensão dos conteúdos com a abordagem cooperativa em relação às técnicas usualmente utilizadas na escola de origem (MARQUES, 2013). 3 3.1 Figura 2: Representação esquemática do Método JigSaw (2a), Método dos Pares (2b), Fila Cooperativa (2c) e Teste Cooperativo (2d).

nos de aula. 2.3

Instrumentos de avaliação

RESULTADOS E DISCUSSÕES O saber prévio do estudante acerca de abordagens grupais no processo de aprendizagem

A análise do instrumento, sob forma de questionário, aplicado previamente com os estudantes para apreender sua experiência com abordagens de grupos, revelou que 100% destes tinham alguma experiência com este tipo de abordagem. A análise revela ainda que para 80% dos estudantes o ambiente escolar foi o único cenário de vivência grupal e apenas 20% referiu-se a espaços religiosos, grupo de jovens e musicais como cenários dessas vivências. O gráfico (3a) mostra que para a maioria dos estudantes, essas atividades ocorrem com frequência ocasional ou rara, o que parece indicar que nesta instituição de ensino este tipo de abordagem é pouco enfatizada e a metodologia tradicional parece constituir-se o principal caminho pedagógico adotado.

A análise do processo de aprendizagem com as técnicas utilizadas, bem como o rendimento escolar foi realizada a partir de três abordagens: instrumentos de avaliação sob o formato de questionários, realização de um círculo de cultura e a observação participante. Foram produzidos dois diferentes tipos de questionários: o primeiro com questões subjetivas e objetivas acerca dos assuntos estudados, visando verificar a apreensão dos conteúdos e outros dois buscando identificar a percepção dos estudantes no que se refere à vivência do aprendizado utilizando técnicas de AC. Os círculos de cultura sistematizados por Freire (1996) propõem uma aprendizagem que rompe com a fragmentação e exige uma tomada de posição frente às situações vivenciadas em determinados contextos. Esta abordagem está em consonância com os princípios da Figura 3: Análise do saber prévio dos educandos com atividades gruaprendizagem cooperativa, que visa à formação de estu- pais (3a) realização de trabalhos em grupo na escola (3b) importância dantes protagonistas do seu processo de aprendizagem. atribuída. Fonte: Os autores, 2013. Os círculos de cultura estruturam-se em quatro moO resultado indica ainda que 95% dos participantes mentos distintos: a investigação do universo vocabular, do qual são extraídas palavras geradoras, cujo objetivo (gráfico 3b), já referenciam o trabalho em grupo como é realizar uma primeira leitura da realidade, ajudando algo significativo e importante apesar da sua reduzida o educador a interagir com o educando para que possa aplicação, sendo que para a 50% dos estudantes essas emergir o tema gerador. Outro momento é a tematiza- atividades produzem um ambiente agradável em sala ção, ou seja, processo no qual os temas são decodifi- de aula. Outro questionamento realizado a partir do cados com o intuito de despertar a consciência do vi- questionário diz respeito às potencialidades do trabalho Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 61


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em grupo como técnica de aprendizagem e socialização. Neste sentido os estudantes apontaram vários aspectos: “vivenciar as individualidades e lidar com a diversidade; aprender a trabalhar em grupo; trabalho mais aberto; socialização; aprimoramento que possibilita maior índice de entendimento; interativo; compartilhar conhecimentos; desenvolver ideias coletivas.”

Ao mesmo tempo apontam desafios como: “a dificuldade de alguns para organizar as ideias; nem todos colaboram; dificuldade do consenso entre todos; a timidez de alguns e o egoísmo de outros; a divisão igualitária das tarefas; a ocorrência de desavenças; a necessidade de conciliação entre opiniões opostas.”

A análise das opiniões dos educandos possibilita a reflexão de que a referência dos estudantes sobre a abordagem grupal no que diz respeito aos desafios coincide com as características do trabalho em grupos não estruturados (grupos tradicionais). Ao mesmo tempo as potencialidades e características apontadas por eles coincidem em sua maioria com elementos da AC que ainda não conheciam. A aplicação de técnicas cooperativas pode promover habilidades importantes para experiências em equipe (MENEZES; BARBOSA; JóFILI, 2007). Apesar de, em sua grande maioria (95%), referenciarem o trabalho em grupo como algo significativo, paradoxalmente referenciam a competitividade como algo importante para o processo de ensino aprendizagem. Estas impressões refletem o investimento por parte da escola, em torno de atividades pedagógicas baseadas na competição. Como forma de traçar um perfil de sociabilidade dos educandos, foram utilizados testes nos quais os mesmos identificam aqueles que desejam ter como parceiros para o trabalho em grupo. A análise destes instrumentos revelou que os estudantes identificam como principais parceiros os colegas que cotidianamente expressam maior capacidade cognitiva. Este resultado aliado a observação participante do autor por três anos consecutivos, foram reveladores da necessidade de buscar garantir a heterogeneidade dos grupos, distribuindo os educandos identificados pela maioria nos diversos grupos.

de aplicação dos assuntos. São apresentados os percentuais de acerto das avaliações individuais ou em grupo, bem como o percentual de grupos que atingiram os critérios de sucesso por atividade. 3.2.1

Análise do aprendizado com a técnica JIGSAW

A escolha desta técnica para esta pesquisa se deu pelo fato de propiciar a exposição sobre os assuntos a partir de vários pontos de vista, considerando que o educando participa de dois grupos diferentes. A análise dos vários estudos consultados acerca da AC revela ser o JS a técnica comumente mais utilizada em salas de aula, que trabalham com AC. Neste estudo ela foi utilizada em quatro momentos. No primeiro momento a temática estudada tratou dos principais tipos de dispersões, características, propriedades e aplicações. O instrumento avaliativo utilizado revelou neste primeiro momento que no critério individual 64,7% dos estudantes obtiveram aproveitamento igual ou superior a média escolar (nota 6,0) conforme evidencia a Figura 4a. Nesta atividade apenas 40% dos grupos atingiram o critério de sucesso, o que pode ser justificado pela inexperiência dos educandos com essa abordagem.

Figura 4: Percentuais de acerto individual aula 1 (4a). Percentuais de acerto individual aula 3 (4b) Fonte: Os autores, 2013.

O segundo momento no qual esta técnica foi utilizada contemplou a abordagem dos seguintes conteúdos: coeficiente de solubilidade de sólidos em água, suas relações matemáticas e aplicações no cotidiano. Em relação a este tema a atividade avaliativa (4b) revelou que 75,1% dos estudantes tiveram um percentual de acerto individual acima da média escolar enquanto o critério de sucesso coletivo desta atividade foi atingido por 60,0% dos grupos. Os resultados da análise da aplicação desta técnica para o conteúdo "unidades de concentração"são apre3.2 Análise das avaliações escritas relativa ao sentados na Figura 5. Os resultados revelaram um peraprendizado com as técnicas cooperativas centual de acerto individual de apenas 42,5% dos esOs resultados das avaliações escritas individuais e cole- tudantes acima da média escolar (5a) e que 57,5% dos tivas estão descritas para cada um dos métodos utiliza- grupos atingiram a meta coletiva. Uma das questões redos e apresentados sequencialmente levando em consi- feridas pelos estudantes como desafiadora em relação deração o número de vezes que foi utilizada e a ordem a este tema diz respeito ao fato deste conteúdo exigir Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 62


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exaustivo raciocínio matemático com um tempo considerado por eles insuficiente. Por fim, no quarto momento em que o jigsaw foi utilizado, abordou-se o estudo das propriedades coligativas (crioscopia, tonoscopia, ebulioscopia e osmometria). Este foi também ainda o momento final de utilização das técnicas cooperativas com o grupo. A atividade avaliativa demonstrou que 81,6% dos estudantes obtiveram notas individuais acima da média escolar (gráfico 5b) e que o critério de sucesso foi alcançado por 80% dos grupos, apesar de ser este um tema que também envolve raciocínio matemático.

dados obtidos com a utilização desta técnica estão de acordo com pesquisa realizada por Fatareli et al. (2010) no qual verificou-se crescente elevação dos acertos individuais e grupais a medida que as atividades com AC se sucediam devido a internalização e familiarização dos procedimentos por parte dos estudantes.

Figura 7: Tendência de crescimento de acertos individual e grupal. Fonte: Os autores, 2013. Figura 5: Percentuais de acerto individual aula-5 (5a). Percentuais de acerto individual aula-8 (5b) Fonte: Os autores, 2013.

A Figura 6 demonstra a evolução dos acertos individuas nas aulas utilizando Jigsaw (6a). É possível observar que com exceção da aula 5, obteve-se um aumento sequencial do número de estudantes com nota cima da média escolar.

Figura 6: Evolução dos percentuais de acerto individual (6a). Evolução de obtenção do critério de sucesso grupal (6b) Fonte: Os autores, 2013.

3.2.2

Análise do aprendizado com o Método dos Pares

Esta técnica foi utilizada em apenas um momento e a temática abordada foi o estudo das propriedades das soluções e uma introdução ao conceito de coeficiente de solubilidade. Este foi o segundo momento de contato dos estudantes com as técnicas de AC. A análise dos resultados individuais indicam que 70% dos estudantes obtiveram média igual ou superior a média escolar (fig. 8a). Com a utilização da avaliação em pares houve um alcance de 96,0% igual ou superior a média escolar (8b). No entanto, o critério de sucesso teve um alcance de apenas 60,0%. Apesar de ter sido utilizada por uma única vez fica evidenciado que é uma técnica de AC que possibilita aos estudantes se tornarem professores dos seus colegas e conduz a que aprendam tanto como aqueles a quem ensinam conforme relatado por Lopes e Silva (2009). Os educandos indicaram nos questionários que sentem-se mais a vontade em aprender com seus colegas devido sua maior proximidade.

A Figura 6b indica que os critérios de sucesso grupal seguiram uma sequencia semelhante à das notas individuais, ou seja, à medida que as atividades iam se sucedendo o número de grupos que conseguiam atingir o critério de sucesso também aumentava. Este resultado corrobora com a ideia de processualidade do aprendi- 3.2.3 Análise do aprendizado com o Teste Cooperativo zado com este tipo de abordagem. Uma tendência de crescimento no percentual de acertos em ambas situa- Esta técnica foi utilizada em três momentos com a fições foi observada (fig. 7). Porém, a velocidade para nalidade de revisar os conteúdos. No primeiro moos grupos é maior. Isso sugere que com o tempo os mento os conteúdos revisados (aula 4) foram relativos estudantes passam a trabalhar juntos de maneira mais ao estudo das dispersões, soluções verdadeiras, coefiefetiva diminuindo o tempo de aprendizado entre aque- ciente de solubilidade, soluções supersaturadas, tipos les mais preparados e os com maior dificuldade. Os de dissolução e solubilidade gasosa. Com relação à Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 63


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Figura 8: Percentuais de acerto nota individual (8a). Percentual de acerto nota em pares (8b) Fonte: Os autores, 2013.

Figura 9: Evolução dos resultados obtidos com a aplicação do teste cooperativo. Fonte: Os autores, 2013.

análise das atividades avaliativas individuais realizadas vidades de revisão, considerando que em todos os moobservou-se que 64,2% dos educandos obtiveram no- mentos nos quais essa técnica foi utilizada ocorreu autas iguais ou superiores a média escolar. Quando as mento dos percentuais de acerto. Segundo a figura resoluções das mesmas questões realizadas individual- acima o percentual de aumento se acentua nas ativimente realizadas em grupo, todos conseguiram acertar dades em grupo, nas quais os estudantes, via de regra, 100,0% das questões. Na segunda atividade avaliativa conseguiram de forma compartilhada resolver todas as individual realizada após a discussão grupal verifica-se questões. O aprendizado em sua dimensão cognitiva se que 77,0% conseguiram notas com valores iguais ou su- explicita também nos índices crescentes de acerto indiperiores a média escolar, que representa um aumento de vidual após a discussão grupal. As vantagens desta técnica também se estendem às dimensões subjetivas, pelo 12,8% com relação a primeira avaliação individual. fato de produzir um clima de descontração, participaOs assuntos revisados durante a segunda atividade ção e complementariedade entre os estudantes e entre com o teste cooperativo envolveram as relações quantiestes e o professor. Portanto trata-se de uma ferramenta tativas entre soluto e solvente (unidades de concentraimportante para promover integração e bons resultados ção). A análise das atividades avaliativas individuais cognitivos aos estudantes. Verifica-se nesta atividade realizadas mostrou que 73,7% dos estudantes conseguium dos elementos da AC que é a interação promotora, ram atingir notas iguais ou superiores à média escolar, tendo em vista que a cada atividade realizada, os esrepresentando um aumento de 9,6% do resultado com o tudantes juntos, conseguem apreender mais facilmente teste cooperativo na primeira atividade individual. Ao os conteúdos. Este crescimento deve-se também em resolverem as mesmas questões em grupo esse resulgrande parte ao aprimoramento das relações que ocortado se elevou para 94,0%. Na realização do segundo rem durante o processamento de grupo, no qual os eduteste individual 94% dos alunos conseguiram obter o candos discutem questões com a finalidade de dinamicritério de sucesso nas questões propostas na atividade. zar as relações entre os mesmos a partir da superação de No terceiro e último momento que foi utilizado o seus conflitos (LAAL, 2013; JOHNSON; JOHNSON, teste cooperativo foram revisados todos os assuntos 1992). abordados durante as aulas com AC. Mediante análise é possível observar, em todos os casos com o teste cooperativo, que o índice de acerto aumenta significati- 3.2.4 Análise do aprendizado com a técnica da Fila Cooperativa vamente após a resolução em grupo em todos os momentos. Os percentuais de acerto em grupo e individual Esta técnica também foi utilizada em apenas um mopermaneceram inalterados com relação ao encontro an- mento cuja temática versou sobre o processo de diluiterior. ção e misturas de soluções. A motivação para escolha A Figura 9 apresenta os resultados acima menciona- desta técnica foi a possibilidade de ampliar as opções dos e revela que nos três momentos em que o Teste Coo- metodológicas aplicáveis a assuntos que envolvam lóperativo foi usado, os percentuais de acerto aumentaram gica matemática. A atividade avaliativa revelou que após a resolução dos problemas em grupo e que após 63,9% dos estudantes conseguiram realizar todas as três esta resolução, os acertos individuais também aumen- questões propostas e que os demais conseguiram obter tam se comparados ao primeiro teste individual, ressal- dois acertos dos três possíveis; assim, todos os grupos tando que, no segundo momento, as questões individu- alcançaram o critério de sucesso. Uma questão imporais são diferentes das trabalhadas anteriormente. tante em relação à temática abordada e que a mesma A análise desses resultados permite inferir que o também está relacionada com aspectos matemáticos. O teste cooperativo é uma ferramenta importante em ati- sucesso da aprendizagem com esta técnica evidencia a Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 57 - 66, dez. 2015 64


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potencialidade da mesma para assuntos desta natureza e demonstra que a utilização da AC aplica-se a todos os tipos de conteúdos, desde assuntos que envolvem a subjetividade dos estudantes (conceitos teóricos) bem como aqueles relacionados a raciocínio lógico e algébrico.

. Pedagogia do oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004b.

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. Leading the cooperative school. [S.l.]: Edina, MN: Interaction Book Company, 1989.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das reflexões produzidas, pode-se considerar a importância de se trabalhar propostas pedagógicas ativas e problematizadoras, potencializadoras do protagonismo estudantil, como forma de superação das dificuldades de aprendizagem historicamente evidenciadas na apreensão de conteúdos em disciplinas como a Química. Dessa forma, a AC se confirma como estratégia exitosa na aprendizagem do ensino de química, como também na construção de relações cooperativas, favorecendo a formação integral do educando e incentivando o protagonismo estudantil. REFERÊNCIAS BARBOSA, R. M. N.; JÓFILI, Z. M. S. Aprendizagem cooperativa e ensino de química - parceria que dá certo. Ciência & Educação, v. 10, n. 1, p. 55 – 61, 2004. BUHR, G. T.; HEFLIN, M. T.; WHITE, H. K. Using the jigsaw cooperative learning method to teach medical students about long-term and postacute care. Journal of the American Medical Directors Association, v. 15, n. 6, p. 429–434, 2014. DANTAS, V. L. A. Dialogismo e arte na gestão em saúde: a perspectiva popular nas cirandas da vida em Fortaleza-CE. Tese (Doutorado) — Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010. EVCIM, H.; IPEK, O. F. Effects of jigsaw ii on academic achievement in english prep classes. Procedia-Social and Behavioral Sciences, v. 70, p. 1651–1659, 2013. FATARELI, E. F.; FERREIRA, L. N. A.; FERREIRA, J. Q.; QUEIROZ, S. L. Método cooperativo de aprendizagem jigsaw no ensino de cinética química. Química Nova na Escola, v. 32, n. 3, p. 161–168, 2010. FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

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CONHECIMENTOS DOCENTES DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO E AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PIBID DO IFCE CANINDÉ

CONHECIMENTOS DOCENTES DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO E AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PIBID DO IFCE CANINDÉ F RANCISCA R ENATA S ILVA BARBOSA , A NA C LÁUDIA G OUVEIA DE S OUSA , L UCIANA DE O LIVEIRA S OUZA M ENDONÇA , S AMARA M OURA BARRETO DE A BREU Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, Campus de Canindé <renatapoetisa@hotmail.com>, <anaclaudiaifce@gmail.com> <professoralucianamendonca@gmail.com>, <samaraef@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.992 Resumo. A discussão acerca da formação de professores tem exigido inúmeras pesquisas, dentre elas destacam-se os temas acerca dos programas de formação inicial e continuada. Nisto entra em cena o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, que objetiva inserir o licenciando em contato direto com a escola a partir da práxis permeada nas diversas atividades nas escolas parceiras do programa. Dentro desse contexto, o Subprojeto “Re-construindo conhecimentos matemáticos” do IFCE - Campus de Canindé apresenta-se como proposta de aperfeiçoamento dos futuros professores da área, tendo como premissa básica oportunizar ações formadoras que favoreçam o desenvolvimento de práticas pedagógicas, proporcionando a esses licenciandos uma postura reflexiva sobre o ensino e aprendizagem de matemática. Assim, o presente texto relata uma pesquisa que objetivou analisar os conhecimentos construídos e explorados pelos licenciandos em matemática do IFCE – Campus de Canindé mediante atuação no PIBID. Para responder ao problema central da pesquisa lançamos mão de uma abordagem qualitativa de investigação, realizando uma pesquisa de campo do tipo estudo de caso, através da aplicação de um questionário semiestruturado a 19 graduandos/bolsistas do PIBID, como instrumento de coleta de dados. A análise desses dados foi feita com base na análise de conteúdo, e tomou como aporte teórico principal a base de conhecimentos docentes de Shulman (1986; 2005). Diante da pesquisa os resultados apontam diversificados conhecimentos construídos e ressignificados pelos sujeitos investigados a partir da participação efetiva no PIBID da forma como realizado, materializando–o como significativo na apreensão dialética e reflexiva do ser e fazer docente. Palavras-chaves: Formação de Professores. Ensino de Matemática. Conhecimentos Docentes. Abstract. The discussion of teacher education has required extensive research, among which stand out those issues of initial and continuing education programs. It comes into play the Institutional Program Initiation Purse in Teaching - PIBID, which aims to enter the licensee in direct contact with the school from the praxis permeated the various activities in partner schools program. In this context, the Subproject “Re-building mathematical knowledge of IFCE - Campus Caninde is presented as an improvement purpose of future teachers in the area, with the basic premise enable forming actions that favor the development of teaching practices, providing these students write one reflexive position on the teaching and learning of mathematics. The present paper reports a study that aimed to analyze the knowledge built and operated by undergraduates in mathematics IFCE - Campus Caninde by acting in PIBID. To answer the central research problem lay hold of a qualitative research approach, conducting a field survey of the type case study, by applying a semi-structured questionnaire to 19 graduate students / fellows PIBID, such as data collection instrument. Data analysis was based on content analysis, and took as its main theoretical contribution to basic knowledge of teachers Shulman (1986, 2005). On the survey results point diversified knowledge built and resignified by the subjects investigated from effective participation in PIBID the way done materializing it as significant in apprehension dialectic and reflexive of to be and make teaching. Keywords: Initial Training. PIBID. Mathematics Teaching. Teachers knowledge. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

A mudança do papel do professor ao longo do tempo tem sido apontada em estudos como os de Curi e Pires (2008), onde o docente é visto como um agente de mudanças, que confronta de forma reflexiva as diversas situações que ocorrem no ambiente escolar, uma vez que as novas tendências do ensino requerem dele uma atuação não mais de transmissão de saber, mas de um profissional em permanente formação. Nessas pesquisas o professor não é mais concebido como mero reprodutor de saberes e práticas cristalizadas, mas como um profissional que conhece, reflete, cria e recria (CURI; PIRES, 2008). Por isso compreendemos, no âmbito desse trabalho, que a formação de um professor de matemática deve caminhar no sentido de formar o professor reflexivo (SCHÖN, 2000; PIMENTA, 2012); e também formar um profissional que tenha tanto o conhecimento matemático como os conhecimentos didático-pedagógicos para o ensino da matemática, como afirma Shulman (1986). Nessa perspectiva, faz-se necessário que os programas de formação de professores, incorporem também situações práticas desde o início da formação, interligando a parte teórica com a prática, promovendo assim, durante a formação, experiências em sala de aula que permitam ao futuro professor a reflexão, investigação e análise do ambiente escolar. O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) tem sido uma Política Nacional de Educação, e mais especificamente de Formação, que vai nesse sentido. Ele oportuniza a inserção dos licenciandos na escola pública “desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didáticopedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola” (CAPES, 2008, s /p)1 E, ainda, constitui-se num dos caminhos para promover a integração entre a Educação Superior e a Educação Básica, na busca pelo fortalecimento da formação inicial para a docência e da melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem na escola básica. O interesse por estudar essa temática está relacionado também com a nossa trajetória no PIBID/Matemática/IFCE - Campus de Canindé, seja como bolsista de iniciação à docência ou como professor bolsista coordenador de área ou professor colaborador. Para além do que preconizam os documentos do PIBID, também no plano individual, temos experimentado frutos dessa política pública, tanto no tocante à formação pessoal e profissional quanto a uma aproximação produtiva entre escola pública e Instituição de 1 Portal do PIBID /CAPES: educacao-basicacapespibid>

<http://www.capes.gov.br/

Ensino Superior – IES. Uma aproximação de muitos aprendizados, tanto com as potencialidades como com os dilemas2 para fazer acontecer. E que tem nos ajudado a refletir sobre as próprias experiências e questionar como, de fato, essas experiências têm se incorporado, como conhecimentos e práticas, à formação dos bolsistas PIBID de Matemática do IFCE/Canindé?; O que tem sido aprendido por eles no campo da prática, especificamente no tocante ao conhecimento matemático para o ensino? O PIBID Matemática do IFCE/Canindé conta hoje com 20 bolsistas nessa área e a primeira turma de formados está saindo ao final de 2015. Até que ponto o PIBID tem deixado “marcas” na formação desses futuros egressos, e que marcas são essas? Assim, julgamos necessário um estudo local do tipo estudo de caso, que possa responder à pergunta central: Que conhecimentos os licenciandos em Matemática do IFCE – Campus de Canindé estão adquirindo mediante participação no PIBID? Esse estudo se justifica ainda para compreender como o PIBID se torna iniciativa potencial para fortalecer a formação inicial do professor de matemática. Dessa forma, o objetivo central do estudo que gerou este artigo foi analisar os conhecimentos construídos e explorados pelos licenciandos em matemática do IFCE – Campus de Canindé mediante atuação no PIBID. Para tanto, tivemos como objetivos específicos: Identificar conhecimentos adquiridos ou ressignificados, assim como analisar os conhecimentos presentes nas falas de licenciandos em Matemática sobre a sua formação e/ou atuação como bolsista PIBID, a partir das categorias preconizadas por Shulman. Este trabalho segue apresentando, inicialmente, uma breve reflexão a respeito da Formação Inicial de professores de Matemática, o PIBID, um breve panorama das ações desenvolvidas no Subprojeto Matemática do IFCE – Campus de Canindé e ainda alguns conhecimentos docentes3 discutidos por autores que se preocupam com a formação de professores. 2

FORMAÇÃO INICIAL, PIBID E CONHECIMENTOS DOCENTES

Passamos a discutir, a seguir, a formação inicial específica do professor de Matemática, com seus desdobra2 Ancorado em Sacristán (1999) entendemos que “os dilemas representam os pontos de conflito e insegurança da estrutura de esquemas, desde o nível mais pragmático, passando pelos esquemas estratégicos, até as ideias e valores de base que sustentam a articulação ação-pensamento” (p. 87). 3 As traduções utilizadas foram realizadas pelas autoras deste trabalho, a fim de facilitar a compreensão das categorias apresentadas por Shulman (2005).

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mentos relativos à prática, notadamente no PIBID e a importância dos conhecimentos construídos na prática e em todos os espaços de aprendizado e reflexão do futuro professor. 2.1

Formação Inicial de Professores de Matemática

Em estudos a respeito da formação inicial do professor de Matemática, por exemplo, Cyrino (2008) destaca que a formação inicial da maioria dos professores está centrada na aplicação de teorias e técnicas científicas, onde na formação inicial, primeiro trabalhase com conteúdos científicos-culturais (conteúdos a ensinar) e depois com conhecimentos psicopedagógicos (como atuar na sala de aula). Nesse sentido, os professores têm uma formação restrita a habilidades em currículos e programas específicos de área. Sendo assim são preparados, durante a graduação, para serem conhecedores da matemática e não para ensinarem matemática. De acordo com as Diretrizes Curriculares Gerais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, Parecer CNE/CP 9/2001 e com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação em cursos de licenciatura, Resolução RES CNE/CP 2/2015, tendo em vista as necessidades educacionais do país, a revisão da formação de professores para a educação básica é um desafio a ser enfrentado de imediato, de forma a assegurar a concretização do direito do aluno de aprender na escola. Nesse sentido, o professor de Matemática deve ter, além do domínio amplo do conteúdo a ser ensinado, a habilidade de escolher e utilizar metodologias diferenciadas capazes de facilitar a aprendizagem matemática dos alunos. A respeito dos cursos de Licenciatura, Mizukami (2008) destaca que devem oferecer aos futuros professores uma consistente formação teórica e prática para que possibilite sustentação ao processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional ao longo do seu percurso docente.

responsável pela educação de seus alunos, e por isso deve estar muito bem preparado e em constante formação. De acordo com Curi (2011), um dos principais desafios a serem enfrentados, se quisermos proporcionar uma formação de qualidade aos futuros professores, especificamente aos de Matemática que ainda não estão em atuação, é inseri-los no contexto escolar, numa prática reflexiva – reflexão na ação e sobre a ação (SCHÖN, 2000). Ou seja, na realização de tarefas profissionais, onde não se busque aplicar conhecimentos ou teorias aprendidas, mas aprender no, com e sobre o contexto das práticas, para melhorar a formação do professor pela relação teoria e prática, visando promover a iniciação á docência dos estudantes de licenciatura. Nessa perspectiva e com o objetivo de melhorar a formação do professor pela relação teoria e prática, visando promover a iniciação à docência aos estudantes de licenciatura das instituições de ensino superior, o Ministério da Educação (MEC) institui o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. 2.2

PIBID e Subprojeto Matemática do IFCE- Campus de Canindé

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID é uma iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, que visa aperfeiçoar e valorizar a formação de professores para a educação básica, propondo a inserção de estudantes de licenciaturas no contexto das escolas públicas e objetivando fortalecer a sua formação acadêmica. Por meio da Portaria Normativa Capes no 122 de 16/09/2009, foi instituído o Programa PIBID, que tem por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação básica (BRASIL, 2009). O subprojeto “Re-construindo conhecimentos matemáticos”, do IFCE, Campus de Canindé, escolhido para a investigação, teve início em 2012, e conta hoje com É função da formação inicial ajudar aos futuros professores a compreenderem esse processo e a concebea participação de 20 bolsistas ID Iniciação à Docênrem a profissão não-reduzida ao domínio de conceitos de cia), 2 supervisores, 1 professor-formador voluntário e uma área específica, mas ampliando igualmente o desen1 coordenadora de área, e desenvolve ações formativas volvimento de habilidades, atitudes, comprometimento, em duas escolas da rede pública estadual de ensino de investigação da própria atuação, disposição de trabalhar com os pares, avaliação de seus próprios desempenhos e Canindé-CE. procura constante de formas de melhoria de sua prática O projeto mencionado apresenta, como proposta, o pedagógica em relação a populações especificas com as aperfeiçoamento dos futuros professores de matemática quais interage (MIZUKAMI, 2008, p. 216). a partir das práticas desenvolvidas nas escolas, e, conseDessa forma, na formação de professores é impor- quentemente, contribuir com a aprendizagem matemátante propor situações que levem à reflexão sobre a prá- tica dos alunos dessas escolas. Para isso, o subprojeto tica docente, visto que o professor é o principal agente consiste em oportunizar ações que favorecem práticas Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 69


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pedagógicas que proporcionam aos licenciandos uma postura reflexiva sobre o ensino e aprendizagem da matemática. Na perspectiva de Ribeiro (2013), o PIBID é um programa que repercute de maneira positiva na formação docente de todos os envolvidos: formador, supervisor e futuro professor de matemática, visto que proporciona a este reflexão a respeito da prática pedagógica, inserindo os licenciandos ainda na condição de alunos, em uma real situação do ensino da matemática.

por toda a vida em diversos espaços.

2.3

Em Conhecimento do Conteúdo, Shulman (2005) refere-se aos conteúdos da disciplina que o professor leciona. O professor deve compreender a disciplina que vai lecionar e relacioná-la com outras áreas do conhecimento. No que se refere ao Conhecimento Didático, Shulman (2005) revela que são os princípios gerais e as estratégias de gestão e organização da sala de aula e da disciplina. É uma combinação entre o conhecimento da disciplina e o conhecimento do “modo de ensinar”.

Conhecimentos da Docência

Conscientes disso, tomamos como referência, neste trabalho, as sete vertentes do conhecimento do professor para ensinar a disciplina, segundo Lee Shulman (2005). Essas vertentes são: Conhecimento do conteúdo; Conhecimento didático; Conhecimento do currículo; Conhecimento didático do conteúdo; Conhecimento dos estudantes e suas características; Conhecimento dos contextos educativos; Conhecimento dos objetivos.

Neste tópico apontamos aspectos do modelo teórico que irá fundamentar as análises dos dados da pesquisa empírica. No que concerne ao conhecimento do professor esta pesquisa buscou apoio nos estudos de Shulman (1986, 2005), que anuncia os tipos de conhecimentos necessários para a docência. Paiva (2008) aponta que os conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos nos cursos de licenciaturas, na maioria das vezes, são insuficientes para exerO Conhecimento Curricular, para Shulman (2005), cer a docência. Nessa perspectiva a formação inicial diz respeito ao professor ter uma vasta compreensão dos do professor é, portanto, apenas uma etapa do processo programas curriculares e dos materiais didáticos disponecessário para a construção da sua identidade profissi- níveis para ensinar sua disciplina. Conhecimento Didáonal. tico do Conteúdo, segundo Shulman (2005), nasce na Assim, para Cyrino (2008) é necessário buscar uma interseção entre a matéria a ser ensinada e a pedagoformação que permita aos futuros professores vivenciar gia. Está relacionado ao conhecimento de estratégias e refletir a respeito da construção dos conhecimentos de ensino, onde o professor tem o intuito de tornar os necessários a sua prática docente. “A Formação Ini- conteúdos mais acessíveis para os seus alunos. cial age como um alicerce na formação pedagógica do No que se refere ao Conhecimento dos Estudantes professor. É nesse período que o individuo irá conse suas Características, Shulman (2005) destaca como truir a base de seu conhecimento pedagógico especialisendo o conhecimento de como os alunos aprendem no zado para o início de sua profissionalização” (D’ÁGUA contexto onde estão inseridos e os conhecimentos prée ANDRADE, 2010, p. 54). vios que os alunos trazem para as situações de aprendiEm relação à construção do conhecimento matemázagem. No que concerne ao Conhecimento dos Contextico pelo licenciando, Paiva (2008) afirma que acontece tos Educativos, Shulman (2005), destaca que está relacomo processo, estabelecendo relações entre conhecicionado ao ambiente e às características culturais das mentos anteriores e novos, atribuindo significados ou comunidades onde estão inseridos os estudantes e as ampliando o que já se sabe, levando em conta os asinstituições de ensino. pectos históricos e sociais que circundam esses conhecimentos. Conhecimento dos Objetivos, Metas e Valores EduCuri (2011), apoiada em Paiva (2008), salienta que cacionais e seus Fundamentos Filosóficos e Históricos, os conhecimentos do professor para ensinar possuem Shulman (2005), releva que este conhecimento se relaum caráter evolutivo e contínuo, provenientes de várias ciona à compreensão da escola na história a fim de elufontes e construídos ao longo da vida. Destaca, ainda, cidar metas, objetivos e valores que instrumentalizam a que o professor deverá conhecer o conteúdo e as formas prática docente. de produção do mesmo, “o professor deve ser aquele O estudo das sete vertentes do conhecimento apreque faz, sabendo como e quando fazer” (CURI, 2011, p. 93). Nessa perspectiva, Mizukami (2008) destaca como sentadas por Shulman (2005) nos fez pensar sobre que são lentos os processos de aprendizagem da docência e conhecimentos são construídos pelos licenciandos em do desenvolvimento profissional do professor, que vêm Matemática do IFCE – Campus de Canindé mediante desde antes da formação na licenciatura e continuam atuação no PIBID. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 70


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3

METODOLOGIA

o Termo de Consentimento Livre Esclarecimento TCLE, de acordo com a Resolução 466, de 12 de Dezembro de 2012, que versa sobre a pesquisa com seres humanos. Após esses procedimentos foram entregues os questionários para os bolsistas que consentiram em participar da pesquisa. A aplicação do questionário ocorreu em duas fases, pela dificuldade de reunir os sujeitos pesquisados, pois estes estudam em turnos diferentes, sendo manhã e tarde. Dessa forma, enviamos e-mail para todos os graduandos/bolsistas do PIBID matemática, solicitando a sua participação na aplicação do questionário da pesquisa, ressaltando os dias e horários para aplicação. O questionário foi composto por questões abertas e fechadas. As questões de 01 a 02 são do tipo fechadas e que abordam a identificação dos sujeitos pesquisados, tempo de ingresso no curso de licenciatura, tempo de docência e ano de ingresso no Programa PIBID. As questões de 03 a 06 são semiabertas e abordam a motivação para ingressar no PIBID, as atividades desenvolvidas no âmbito do PIBID, os aprendizados adquiridos a partir da experiência no PIBID, que poderiam ser incorporados na identidade docente e ainda os aprendizados construídos ou ressignificados por eles, quer sejam de matemática, para ensinar matemática ou sobre a educação escolar. Neste texto apresentamos e discutimos um recorte composto pela caracterização dos sujeitos (questões 1 e 2) e as quatro categorias de conhecimentos mencionadas (questões 5 e 6).

A abordagem metodológica da investigação ora apresentada foi a pesquisa qualitativa e o método um estudo de caso, baseado em Stake (1995 apud André, 2005), quando afirma ser este um estudo das características particulares mas também da complexidade de um caso específico e singular e que conduz ao entendimento das atividades desse caso dentro de circunstâncias importantes. E, ainda, em André (2005), que reconhece o estudo de caso educacional como o estudo profundo de um fenômeno da educação enfatizando sua singularidade e os princípios e métodos da etnografia. Não afirmamos ter usado estes últimos nesta pesquisa, mas houve uma aproximação, visto que todo o processo foi conduzido por pesquisadores também envolvidos com o fenômeno em estudo, sendo parte do grupo investigado. De acordo com essas definições e características, investigamos o objeto desta pesquisa, que foram os conhecimentos docentes de alunos do curso de Licenciatura em Matemática do IFCE - Campus de Canindé, a partir de sua participação como bolsistas do PIBID. Realizamos uma análise dos documentos do PIBID e do Relatório de Atividades e uma pesquisa de campo, onde utilizamos, como instrumento de coleta de dados, um questionário semiestruturado. Esse questionário foi construído com base na questão central e nos objetivos de pesquisa já elencados neste texto e nas categorias de análise discutidas no referencial teórico deste trabalho, mas deixando, conforme propõe Guerra (2006), também abertura para outras categorias ou subcategorias que surgissem no decorrer do processo de organização, 4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS leitura e análise dos dados. Os sujeitos da pesquisa foram os 19 gradu- 4.1 Perfil dos sujeitos investigados sobre a experiência docente na área de ensino de matemáandos/bolsistas da licenciatura em matemática do tica IFCE/Canindé, participantes do subprojeto PIBID durante o período da pesquisa empírica – preparação e Iniciamos a organização dos dados coletados por uma realização (junho a julho de 2015). O critério utili- caracterização dos 19 sujeitos da pesquisa. Quanto ao zado para a escolha dos sujeitos-pesquisados foi a obri- gênero, 12 são do sexo feminino e 07 do sexo masgatoriedade de estarem atuando como bolsistas PIBID culino. Suas idades variam entre 21 e 30 anos, numa no Subprojeto “Reconstruindo conhecimentos matemá- média aproximada de 24 anos de idade. Em relação ao ticos” do IFCE – Campus de Canindé. tempo de atuação no PIBID foi revelado que 09 são bolUtilizamos, neste trabalho, as categorias de base do sistas há 3 anos, e 10 são bolsistas no período entre 1 e 2 conhecimento docente de Shulman (2005), como ca- anos. Eles estão em diferentes fases do curso de Licentegorias principais de análise para identificar conheci- ciatura em Matemática, lócus dessa pesquisa. Do total mentos de conteúdo, conhecimento didático, conheci- de 19 bolsistas, 06 cursam o 5o semestre, 01 cursa o 6o mento didático do conteúdo e conhecimento dos estu- e 12 cursam o 8o . dantes e suas características, mobilizados pelos licenciTodos os sujeitos que participaram do estudo tiveandos em matemática do IFCE - Campus de Canindé no ram suas identidades preservadas, conforme requer a âmbito do PIBID. ética na pesquisa. Dessa forma, nos referimos a eles Para iniciar a parte empírica da pesquisa fizemos utilizando a nomenclatura Bi, com i variando de 1 a 19, contato pessoal com cada bolsista, que foi convidado como por exemplo: B1 = Bolsista 1 e assim sucessivaa participar da pesquisa. Ao aceitar eles assinaram mente. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 71


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Quando questionamos sobre possuir experiência docente na aréa de ensino de matemática, 08 dos 19 sujeitos investigados relataram atuar ou terem atuado como professores da educação básica. O tempo de docência varia entre 3 meses e 2 anos e meio. A atuação de modo geral, foi como professores em escolas municipal e estadual da rede pública e escolas da rede privada de ensino. Dessa forma, podemos verificar que 11 dos sujeitos investigados, ou mais de 50% desse universo obteve seu primeiro contato com a docência a partir da experiência no PIBID. A inserção desses bolsistas no seu futuro campo de atuação é um dos objetivos do PIBID, pois este busca proporcionar aos estudantes das licenciaturas o primeiro contato com a docência, a partir da aproximação com o ambiente escolar, logo no início do curso de licenciatura e assim auxiliar o professor iniciante no ingresso da profissão (BRASIL, 2010). A partir da análise dos dados das questões subsequentes será possível termos esclarecimentos a respeito dos conhecimentos construídos e explorados pelos sujeitos investigados a partir das vivências no PIBID, o qual promoveu, para a maioria desses sujeitos, a primeira experiência no trabalho característico ao exercício profissional. 4.2

Aprendizados construídos e/ou ressignificados a partir da atuação no PIBID

afirma, já que esses conhecimentos se interpenetram. São tecidas também reflexões decorrentes dos conhecimentos que emergiram a partir das falas dos sujeitos investigados. Passaremos agora a analisar quatro (4) dos conhecimentos citados na fundamentação teórica deste texto, que emergiram a partir das falas dos sujeitos da pesquisa. Em relação ao Conhecimento do Conteúdo a maioria dos sujeitos relatou a necessidade de estudar conteúdos que não tinham aprendido na Educação Básica ou até mesmo não tinham visto, pois foi inteiramente necessário para o desenvolvimento das atividades do projeto, como enfatiza B4: Vários conteúdos do ensino médio que não havia visto ou até mesmo que não havia aprendido que foi necessário (re) ver para que desempenhasse a contento as atividades propostas. (B4)

O relato acima indica que o aluno percebe e questiona as lacunas, em seus conhecimentos matemáticos, trazidas da Educação Básica. Percebemos, por meio das falas dos sujeitos, que a oportunidade de inserção no campo profissional está contribuindo para que tais lacunas sejam preenchidas, à medida que estes tiveram que voltar a estudar os conteúdos da Eduaçação Básica para desenvolver as atividades do PIBID. De acordo com Shulman (1986, 2005), o conhecimento de conteúdo é o conhecimento chave que forma a base de conhecimento do professor, pois os professores devem possuir as habilidades e competências necessárias para melhor se apropriarem daquilo que é inerente a sua formação onde não é possível ensinar aquilo que não se sabe. Dentro deste contexto, a fala de (B5), nos chamou bastante atenção:

Nas duas últimas perguntas do questionário, buscávamos que os bolsistas respondessem sobre os aprendizados construídos e/ou ressignificados a partir da experiência no PIBID. Para já tentar que eles revelassem a maior parte possível de aspectos desses aprendizados, pedimos na questão 5 os aprendizados que poderiam ser ou foram incorporados na sua identidade docente Muitos conhecimentos foram construidos e ressignificados, entre eles, relacionados à análise combinatória, (aspectos profissionais e/ou pessoais); e na questão 6 os funções, proporcionalidade, geometria plana e espacial e aprendizados de matemática, para ensinar matemática e aritmética básica. sobre a educação escolar de forma mais geral. Ao ler e organizar esses dados, percebemos que haDiferente dos outros sujeitos que relataram de modo víamos tentado separar algo que para os bolsistas está geral a construção e exploração de conteúdos matemátimuito imbricado, os aprendizados objetivos (de mate- cos, B5 descreveu os conteúdos de matemática os quais mática, para ensinar etc.) e aqueles mais subjetivos, foram ressignificados ou até mesmo aprendidos por ele que influenciam ou influenciarão em suas escolhas e sua pela primeira vez. Por meio da análise, identificamos, identidade docente. nessa fala, a necessidade dos bolsistas conhecerem os Na análise desse material buscamos relação entre conteúdos específicos de sua disciplina, o que vai ao aprendizados descritos pelos sujeitos da pesquisa e as encontro das ideias de Shulman (2005), uma vez que categorias de base do conhecimento preconizadas por o professor necessita desse conhecimento para julgar Shulman (2005). A seguir apresentamos uma compi- o que é mais adequado para a sua prática pedagógica. lação das respostas dadas às duas questões, que foram Ainda, de acordo com Curi (2011), o professor tem a organizadas, segundo a reunião de significados seme- responsabilidade de conhecer o conteúdo específico de lhantes, na mesma categoria, e, ainda, em alguns casos sua área e como o mesmo se produz, dominando com em mais de uma categoria, como o próprio Shulman segurança esses conteúdos e as condições de ensino. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 72


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Mesmo porque, o conhecimento do conteúdo matemático está interligado, ou seja, não se pode dominar um determinado conhecimento específico sem antes ter dominado um conteúdo anterior, haja vista esse conhecimento anterior ser pré-requisito. Por isso, também, muitos alunos do ensino fundamental e médio têm inúmeras defasagens quando chegam, por exemplo, no Ensino Superior. Para os sujeitos investigados não está sendo exceção, pois essa experiência no PIBID serviu para que todos pudessem ter uma compreensão acerca dessa realidade e, sobretudo, uma criticidade quanto a suas formações na escola básica, munindo-os da responsabilidade de sempre rever cada conteúdo anteriormente visto e assim sempre se atualizar, ressignificando conhecimentos e recriando-os. Em tese, os sujeitos da pesquisa irão atuar na educação básica, agora na condição de professores, podendo então procurar contribuir com a melhoria da qualidade dessa educação, mediante a aplicação em sala de aula dos conhecimentos do conteúdo de sua área através de práticas pedagógicas diferenciadas. No que diz respeito ao Conhecimento Didático, os sujeitos relataram que por meio do PIBID puderam: aprender a planejar as aulas, a trabalhar diretamente com os alunos, a usar materiais didáticos diversificados para uma aprendizagem mais efetiva por parte dos seus alunos e formas diferentes de avaliar os alunos. Segue-se uma fala que ilustra os aprendizados que mencionamos:

Podemos verificar, através dessa fala, que a partir do momento em que o sujeito da pesquisa nos diz que aprendeu “novas formas de repassar cada conteúdo”, isso diz respeito às diferentes estratégias utilizadas para o ensino do mesmo. Chamamos a atenção, no entanto, para a palavra “repassar”, pois há discussões da didática e da psicologia da aprendizagem que não consideram a aula ou o ensino um mero repasse, mas uma ação conjunta em que professor e alunos aprendem e ensinam mutuamente. Libâneo (1994), por exemplo, salienta que o professor deve garantir a unidade didática entre ensino e aprendizagem, por intermédio do processo de ensino. Sobre o processo de ensino, e mais especificamente o desenvolvimento de diferentes métodos de dar aula, o uso diversificado de recursos e a elaboração de planos de aulas e planos de cursos, os sujeitos pesquisados relataram vários aprendizados a partir das ações no PIBID. Podemos evidenciar a construção desses conhecimentos na seguinte fala: Melhorei minha metodologia em sala de aula [...] Aprendi a incorporar o uso de materias manipulaveis, e novas tecnologias, tornando minha aula mais dinâmica. (B8)

Como podemos analisar, os sujeitos destacam conhecimentos das diferentes metodologias que podem ser trabalhadas em sala de aula a fim de facilitar o ensino-aprendizagem dos alunos. Conforme Hilgeman et al (2013), o processo de Como realizar projetos; Como planejar uma aula e controlar o tempo de duração de uma aula; Como trabaconstrução e utilização de material didático, tornalhar diretamente com os alunos, levando em considerase uma atividade que proporciona aos licenciandos ção o tratamento, respeito e como controlá-los em situassumir-se autor de suas aprendizagens e dos recursos ações de indisciplina. (claro que não aprende completaque oferecerão aos alunos, com um olhar crítico para o mente, mas já tenho uma noção); Aprendi muitas coisas com o PIBID, basicamente tudo que sei hoje a respeito modo de trabalhar com as diferentes metodologias, de de prática em sala de aula. (B3) modo a construir novos conhecimentos. Ainda sobre a fala de B16: “Aprendi novas formas Corroborando com o nosso estudo, podemos mende repassar cada conteúdo, desenvolvi o prazer em encionar autores como Libâneo (1994), Pimenta e Lima sinar.” Ressaltamos que o sujeito admite a contribuição (2011), que destacam a importância da articulação entre da participação no PIBID para o desenvolvimento “do a teoria e prática e o quanto são indispensáveis as vivênprazer em ensinar”, ou seja, para a identificação com cias práticas para a formação dos profissionais da edua docência como exercício profissional, tendo em vista cação. No relato apresentado acima, percebemos que que este nem sempre corresponde à formação inicial do através da atuação no PIBID foi possível fazer o elo licenciando. Dessa forma, a partir do relato de (B16), entre a teoria estudada nas disciplinas pedagógicas do é possível evidenciar que, por meio da sua participacurso e as práticas desenvolvidas nas escolas, de modo ção no PIBID, o interesse pela área de ensino, por se a realizar uma reflexão dessas práticas. tornar professor, começa a ser despertado. Resultados Destacamos outra fala que ressalta a variação metocomo esse coadunam com as pesquisas de Capistrano, dológica no ensino: Macêdo e Macêdo (2012). Já acerca do Conhecimento Didático do ConAprendi novas formas de repassar cada conteúdo, teúdo, de modo geral os sujeitos da pesquisa relataram desenvolvi o prazer em ensinar.” (B16) Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 73


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a aprendizagem das diferentes metodologias que facilitam o ensino e aprendizagem de matemática. Entre as falas destacamos o relato do sujeito B2, onde este nos diz que: A partir do Pibid adquiri experiências em relação a ensinar conteúdos de matemática, e as diferentes metodologias. Usando recursos que ajudam a ensinar matemática, como: jogos, tecnologias e etc. (B2)

Como podemos verificar a partir da fala do sujeito, este não só teve no PIBID uma oportunidade de adquirir experiências, no que diz respeito ao ensino dos conteúdos de matemática, como também de utilizar diferentes tendências metodológicas da Educação Matemática de modo a facilitar o ensino e ainda favorecer, para os alunos das escolas parceiras ao projeto, uma aprendizagem a partir de outras estratégias e recursos. De acordo com os estudos de Mendes (2008), é de suma eficácia o ensino de matemática lançar mão de diferentes tendências metodológicas, de acordo com cada conteúdo e fase de desenvolvimento e aprendizagem do aluno. Nos detemos agora na fala de B5, onde enfoca o PIBID como espaço para relacionar a teoria com a prática de sala de aula: Tudo que hoje considero saber sobre o ensino da Matemática é fruto de minhas práticas no PIBID. Este programa se constituiu como o espaço ideal para relacionar as teorias estudadas com a realidade. (B5)

refletindo sobre esse fazer, onde estes assumem o ofício da profissão, aperfeiçoando-se. Pertinente ao Conhecimento dos Estudantes e suas Características, os sujeitos relataram que aprenderam a lidar e trabalhar com os diferentes tipos de alunos. Como podemos observar na fala que se segue: Aprendi a lidar com os alunos, suas expectativas, frustrações, manejo da sala de aula, etc. Cito que foi essa aprendizagem aquela que acho a mais importante dentre todas que aprendi, haja vista ser o aluno como um todo o foco do trabalho pedagógico de todo e qualquer professor. (B12)

Em seu relato B12 ressaltou o conhecimento sobre os alunos, avaliando esta aprendizagem como a mais importante adquirida por meio da atuação no PIBID. Ao citar que aprendeu a “lidar com os alunos, suas expectativas, frustrações, manejo da sala de aula”, o sujeito incorpora a real finalidade do fazer docente: a reunião de competências técnicas, morais e intelectuais como meios para se aproximar da cognição, mas também da subjetividade dos alunos, haja vista o trabalho pedagógico fundamentar-se também na psicologia educacional, pelo conhecimento sobre as fases de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Em torno disso, Libâneo (1994) enfoca a interação professor-aluno como um aspecto primordial do trabalho pedagógico do professor, sempre visando alcançar os objetivos do processo de ensino, quais sejam: transmissão e assimilação dos conhecimentos, hábitos e habilidades. Por isso, trazer a figura do aluno para o centro da discussão do processo de ensino é fundamental para o professor que busca sucesso em sua práxis pedagógica. Outra fala que merece destaque dentro desta categoria diz respeito a B19, ao dizer:

A fala do sujeito B5 é muito forte, quando este nos diz que “tudo que hoje considero saber sobre o ensino da Matemática é fruto de minhas práticas no PIBID”. Essa passagem deixa clara a contribuição do programa para a construção do conhecimento didático do conteúdo pelo sujeito pesquisado, pois este teve no PIBID a É importante, quando o professor se depara com um aluno com dificuldades de aprendizagem e aos poucos oportunidade de trabalhar com diferentes metodologias este aluno vai superando suas complexidades, a sensação para o ensino da matemática, tendo através do PIBID o de que você está interferindo positivamente na educação seu primeiro contato com a docência. do aluno é muito gratificante. (B19) Corroborando com os estudos de Shulman (1986), o professor não deve dominar somente os conteúdos de A fala de B19 ressalta a importância do professor, sua disciplina, estes são necessários, mas não são sufi- ao se deparar com alunos com dificuldades de aprencientes. Saber um assunto para ensiná-lo requer mais dizagem, interferir nessas dificuldades, ajudando-os a do que saber seus fatos e conceitos. superá-las, e como isso transmite a esse docente uma Ainda segundo o autor, o professor deve também sensação de dever cumprido. Essas dificuldades, escompreender os princípios e estruturas da matéria de peficificamente na disciplina de Matemática dizem resensino, pois este deve não somente compreender que peito a diversos os problemas enfrentados pelos discenalgo é assim; deve compreender mais profundamente tes quando do ensino e aprendizagem da mesma. porque é assim. Ressaltamos, aqui, apenas os seguintes: falta de coCorroborando com os estudos de Schön (2000) a nhecimento e habilidades com a linguagem matemática respeito da prática reflexiva, vemos que à medida que e seus símbolos, falta de domínio das operações meno PIBID aproxima esses licenciandos do seu futuro tais básicas, como classificar, ordenar, separar, seriar, campo de atuação, os estudantes aprendem fazendo e falta de compreensão das definições matemáticas, falta Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 74


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da prática de resolução de exercícios e problemas, impossibilitando, assim, a asimilação do conteúdo, falta de compreensão e habilidades de leitura e escrita, o que acarreta incompreesão dos problemas matemáticos que se apresentam, dentre outros. O subprojeto PIBID em discussão tem buscado proporcionar aos bolsistas uma percepção desses dilemas, para trabalhá-los em sintonia com os conhecimentos teóricos adquiridos na graduação, visando amenizá-los na realidade dos alunos das escolas parceiras. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

mas do que um aluno que não teve essa experiência. Em relação às quatro categorias de conhecimento de base preconizadas por Shulman (2005), encontramos diversos indicadores destes nas respostas dos bolsistas. Sobre o Conhecimento do Conteúdo percebemos que os licenciandos parecem ter percebido a necessidade desse conhecimento e diante disso passaram a ter a prática de estudar conteúdos que não tinham aprendido na Educação Básica ou mesmo não tinham visto, mas estudálos na intenção de ensino. Ao rever esses conteúdos os mesmos procuravam suprir as lacunas existentes em sua formação básica, procurando melhorar acerca dessa realidade, ressignificando e recriando seus conhecimentos de Matemática. Acerca do Conhecimento Didático, os licenciandos investigados aprenderam a planejar aulas, usar materiais didáticos diversificados e ainda diferentes metodologias e principalmente quando as utilizar. O Conhecimento Didático do Conteúdo destaca-se nos sujeitos investigados como o principal conhecimento adquirido pelos bolsistas, pois relaciona o conhecimento teórico que os mesmos obtiveram nas disciplinas da graduação com o conhecimento da prática de sala de aula desenvolvidos no decorrer do subprojeto, com o uso de diferentes metodologias/tendências da Educação Matemática. Por sua vez, o Conhecimento dos Estudantes e suas Características oportunizaram aos bolsistas pesquisados se apropriarem de práticas necessárias no sentido de saber lidar com os diferentes tipos de alunos e situações, ou seja, conhecimentos que só poderiam ser adquiridos na prática de sala de aula. A partir da presente pesquisa e dos sujeitos investigados, podemos afirmar que determinados conhecimentos têm sido adquiridos, construídos e ressignificados a partir de uma participação efetiva no Programa de Formação Inicial de professores PIBID, o que, além de outros fatores, o torna de extrema relevância na formação docente inicial atual. Diante disso, as questões abordadas nesta pesquisa apresentam alguns aspectos importantes da formação e do trabalho docente. Procuramos contribuir para o aprofundamento das discussões de alguns aspectos que constituem a formação inicial do professor de matemática, e ainda, a contribuição de políticas públicas voltadas para a formação de professores, como o PIBID. Essas questões abrem a possibilidade para futuros apronfundamentos e novas pesquisas.

Percebemos, no decorrer da realização deste trabalho, que a formação inicial dos professores contém desafios históricos, como a existência de currículos normativos dos cursos de licenciaturas, que apresentam primeiro os conteúdos teóricos e depois os conhecimentos necessários a atuar em sala de aula, enfatizando mais aqueles que estes. A persistência desse modelo formativo contradiz as recomendações legais atuais, incluindo os programas de formação inicial ou continuada de professores, que buscam incorporar as situações pedagógicas numa ligação entre a teoria e a prática, visando também atitudes reflexivas dos profissionais, investigação e análise do ambiente escolar. Dentro desse contexto, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, como uma concretização da politica nacional de educação e mais especificamente de formação, busca, dentre outras coisas, promover a integração entre Educação Superior e Educação Básica, visando ao fortalecimento da formação inicial para a docência, solidificando e qualificando a formação, objetivando melhorar a qualidade da Educação Básica, inserção dos licenciandos em escolas públicas desde o ínicio da sua formação acadêmica, além de procurar desenvolver nos licenciandos aprendizados didático-pedagógicas como apoio na opção pela carreira docente. A partir do que pudemos depreender da presente pesquisa, o PIBID promoveu, para a maioria desses sujeitos, a primeira experiência do trabalho característico ao exercício profissional, trazendo a possibilidade de construção de conhecimentos diversificados. Esse programa mostra-se, portanto, muito relevante para a formação do licenciando, aqui especificamente em matemática, haja vista a possibilidade de construção de conhecimentos relevantes à atuação docente, que deve acontecer durante a graduação, para munir o futuro professor de habilidades, repertório teórico-prático e experiências para enfrentar os desafios que a realidade esco- REFERÊNCIAS lar trará quando este licenciando estiver atuando, pois ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em pesquisa e vai estar melhor preparado para compreeder esses dile- avaliação educacional. Brasília: Líber Livro Editora, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 67 - 77, dez. 2015 75


CONHECIMENTOS DOCENTES DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO E AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PIBID DO IFCE CANINDÉ

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CONHECIMENTOS DOCENTES DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO E AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PIBID DO IFCE CANINDÉ

Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011. Revisão técnica José Cerchi Fusari. Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos. RIBEIRO, S. S. Percepções de licenciandos sobre as contribuições do PIBID - Matemática. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) — Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2013. 212 p. SACRISTÁN, J. G. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NóVOA, A. (Ed.). Profissão Professor. Porto, Portugal: Porto editora, 1999. SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. Tradução Roberto Cataldo Costa. SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Research, v. 15, n. 2, p. 4 – 14, 1986. Disponível em: <http://www.fisica.uniud.it/URDF/masterDidSciUD/ materiali/pdf/Shulman_1986.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2015. . Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, v. 9, n. 2, p. 4 – 14, 2005. Disponível em: <http://www.ugr.es/~recfpro/rev92ART1.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2015.

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ENGENHARIA DIDÁTICA PARA DISCUSSÃO GEOMÉTRICA E RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES DE 1o GRAU: ANÁLISES PRELIMINARES E A PRIORI G UTTENBERG S ERGISTÓTANES S ANTOS F ERREIRA 1 , F RANCISCO R ÉGIS V IEIRA A LVES 2 , 1,2

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) 1 Campus de Juazeiro do Norte 2 Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGER) <guttenberg@ifce.edu.br>, <fregis@ifce.edu.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.986 Resumo. Neste artigo discutimos uma metodologia para resolução de equações de 1o grau com viés geométrico, através do Teorema de Tales. Este modelo trata da localização do zero de equações afins através de elementos da Geometria Plana. Ademais, apresentamos considerações sobre a Engenharia Didática, e descrevemos apenas as etapas iniciais: análises preliminares, e construção e análises a priori, ao passo que discutimos uma situação problema para aplicação em sala de aula. A descrição das etapas iniciais da Engenharia Didática prevê explorar os aspectos investigativos no estudante possibilitando a experimentação matemática através de situações didáticas de ensino, inclusive com uso recursos tecnológicos utilizando o GeoGebra e ainda no contexto de investigação histórica. Com isto, este trabalho objetivou realizar estudo contextualizado e geométrico sobre resolução de equações de 1o grau e sua aplicação junto a discentes através da teoria da Engenharia Didática, tratando-se de uma revisão bibliográfica. Palavras-chaves: Ensino de Matemática. Equações de 1o Grau. Engenharia Didática. Interpretação Geométrica Abstract. This paper discusses a methodology for solving 1st degree equations with geometric bias through Tales theorem. This model comes to the location of the zero of related equations through elements of Plane Geometry. In addition, we present consideration of the Didactic Engineering, and describe only the initial stages: preliminary analysis, and construction and a priori analysis, while we discuss a problem situation for application in the classroom. The description of the initial stages of the Didactic Engineering is planning to operate the investigative aspects of student mathematics enabling experimentation through didactic teaching situations, including the use technological resources using GeoGebra and still in the context of historical research. As a result, this study aimed to perform contextual and geometric study of solving 1st degree equations and its application with the students through the theory of Didactic Engineering, in the case of a literature review. Keywords: Mathematics Teaching. 1st degree equations. Didactic Engineering. Geometric interpretation. 1

INTRODUÇÃO

des (Euclides de Alexandria, matemático da qual não se conhece sua nacionalidade, nem sua data de nascimento, estima-se que sua morte ocorreu por volta de 300 a.C) em sua obra Os elementos1 . Os axiomas que até hoje norteiam a Matemática contemporânea, contidos no Livro I da obra acima citada, estão abaixo elencados:

A resolução de equações polinomiais de 1o grau quando discutida em livros de Matemática (DANTE, 2004; MARCONDES; GENTILL; GRECO, 2003; GIOVANNI; BONJORNO; GIOVANNI JUNIOR, 2005; SILVA; BARRETO FILHO, 2005; PAIVA, 2005; SMOLE; DINIZ, 2005) ou de História da Matemática 1 Livro escrito por Euclides, em 13 volumes, que discute desde a (BOYER; PÉREZ, 2010; CONTADOR, 2008; EVES, geometria euclidiana até a versão grega de teoria dos números, ci2004) remete aos conhecimentos propostos por Eucli- tando axiomas, teoremas e provas desses teoremas. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 78 - 82, dez. 2015 78


A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

• entidades iguais a uma terceira são iguais entre si (se a = b e b = c então a = c); • se a iguais somam-se ou subtraem-se iguais, os resultados permanecem iguais (se a = b então a + c = b + c ou a − c = b − c); • iguais multiplicados ou divididos por iguais continuam iguais (se a = b então a · c = b · c ou a ÷ c = b ÷ c , com c 6= 0). As equações do 1o grau, genericamente representadas por ax + b = c, (a 6= 0), são resolvidas segundo as proposições acima. Destarte, ax + b − b = c − b, c−b c−b implica em ax x = a , logo x = a . Segundo Contador (2008), os axiomas de Euclides possibilitaram esta resolução e ainda propiciou toda a base para resolução de qualquer forma de equação, independente do grau de complexidade. A problemática que norteou esta pesquisa se dividiu em duas partes: como propor uma resolução geométrica para equações de primeiro grau e seu ensino sistematizado através da Engenharia Didática. Tomando por hipótese que a aplicação do teorema do Tales para resolução de equações do 1o grau se mostra como método geométrico viável que a correta utilização da Engenharia Didática pode favorecer a aprendizagem. Na próxima seção faremos uma discussão epistemológica sobre a fórmula algébrica e o modelo geométrico para resolução de equação afim.

Figura 1: Semelhança de triângulos para resolução de equações de 1o grau Fonte: Formatação própria

Destarte, as equações resolvidas através deste método nos fornece a raiz através do segmento OD, uma vez que os segmentos OA e OB são trabalhados em módulo. Generalizando, percebemos que quando a < 0 ou b < 0, a raiz procurada é um número negativo; ou então, quando a < 0 e b < 0, temos que a raiz é positiva. Na próxima seção faremos uma breve introdução sobre tendência metodológica conhecida como Engenharia Didática. E ainda, faremos ponderações sobre as análises preliminares e a priori para interpretação geométrica da fórmula algébrica para resolução de equações do 1o grau, ressaltando seu grau de importância para o desenvolvimento sistematizado do ensino de Matemática segundo a Engenharia Didática. 3

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MODELO GEOMÉTRICO

ENGENHARIA DIDÁTICA

A tendência metodológica de ensino denominada EnPara equações do 1o grau do tipo ax ± b = 0 além da genharia Didática foi desenvolvida e sistematizada por forma algébrica usual de resolução, existe também um Michelle Artigue na década de 1980 na escola francesa modelo para localização de sua raiz, através da cons- de Educação Matemática. Segundo Pommer (2013), as trução geométrica no plano. Segundo Ferreira (2014), discussões sobre Didática da Matemática, desenvolvieste método de resolução utiliza semelhança de triân- das no IREM (Instituto de Investigação do Ensino de gulos, utilizando o teorema de Tales de Mileto (mate- Matemática), foram responsáveis pela criação e por esmático grego, 640 – 550 a.C) sobre proporcionalidade tudos posteriores da teoria da Engenharia Didática. Alentre segmentos paralelos cortados por transversais. mouloud e Coutinho (2008) afirmam que esta teoria A construção geométrica sugerida utiliza dois seg- pode ser definida como uma variação do trabalho dimentos de reta, concorrentes na origem, partindo da ori- dático, no cerne da metodologia de ensino, e que pode gem, um com comprimento igual a b (segmento OB) ser comparado ao trabalho realizado pelo engenheiro e outro com comprimento igual a a (segmento OA). nos aspectos análogos para construção de raciocínio; e Após este procedimento, deve-se traçar outro segmento ainda que o trabalho deva estar fundamentado em code reta (AB = r) de modo que una os extremos de OB nhecimentos científicos e ser submetido a normas de e OA. No segmento OA, marcamos um ponto C, com controle também científicos, sempre procurando trabacomprimento igual a 1 unidade, e sobre este ponto tra- lhar com objetos mais complexos. çamos outro segmento de reta, paralelo segmento AB e Outra explicação sobre Engenharia Didática nos é concorrente em OB no ponto D (segmento CD = s). fornecida por Machado (2002, p. 199), quando a exCom isso, o segmento OD, de comprimento x, repre- plica “como um esquema experimental baseado sobre senta a solução da equação desejada (Figura 1), pois realizações didáticas em sala de aula, isto é, sobre a OD = OB , logo x1 = ab . concepção, a realização, a observação e a análise das OC OA Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 78 - 82, dez. 2015 79


A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

sequências de ensino”, possibilitando a compreensão de que esta teoria surgiu com foco nas atividades educativas promovidas pelos professores que detinham pouca fundamentação científica sobre os temas desenvolvidos em sala de aula, e por isso, necessitavam de melhorias para sistematização do ensino. Ainda no sentido de compreender com maior precisão a Engenharia Didática, recorremos a Carneiro (2005) quando cita que esta metodologia está ligada à valorização da práxis pedagógica do docente, de modo que o docente perceba que as teorias desenvolvidas no ambiente extraescolar não são suficientes para discutir o sistema de ensino e influenciar em suas transformações. O mesmo autor ainda sugere que a Engenharia Didática foi proposta proeminentemente a partir da discussão das relações existentes entre a sistematização do ensino e a pesquisa aplicada em sala de aula; e da estrutura física destinada às práticas pedagógicas e ao processo metodológico pelo qual seria submetida esta pesquisa. Tomando por base estas ponderações, percebemos que a teoria da Engenharia Didática surgiu como alternativa para sistematizar o processo de ensino, revigorar as relações de aprendizagem, propiciar reflexões tanto para docentes quanto para discentes, ao passo em que se discutem as práticas pedagógicas à luz da metodologia da pesquisa e da estrutura destinada às mesmas, ratificando que tudo isto se deu devido à necessidade de fomentar, discutir e correlacionar diretamente a pesquisa e o ensino de Matemática. Partindo de todos esses pressupostos, a Engenharia Didática foi fundamenta e estruturada segundo cinco fases de aplicação: análises preliminares; construção e análise a priori; experimentação; análise a posteriori e validação. Neste artigo nos ateremos somente às duas fases iniciais aplicadas às interpretações geométricas para resolução de equações do 1o grau, uma vez que esta pesquisa ainda se encontra em fase inicial. Este artigo científico faz parte de um estudo em que propõe todas as fases da Engenharia Didática, enquanto experimentação sistematizada do ensino de Matemática, de modo que o trabalho completo ainda está em construção.

matemático escolhido. Quando discutimos o estudo da organização matemática recorremos à base do processo de resolução para equações do 1o grau e de sua interpretação geométrica. Outra possibilidade que pode ser explorada pelo professor em sala de aula se refere ao uso didático daquele modelo já proposto, visto por nós não somente como uma forma de propiciar uma aula diferenciada aos estudantes, mas também como forma de ressignificar os saberes matemáticos e favorecer a discussão das relações entre álgebra e geometria. Vale ressaltar que não pretendemos discutir neste estudo o caráter abstracionista da Matemática, mas apenas permitir que o estudante tivesse contato direto com a Matemática palpável, na qual ele possa manipular seus elementos e testar suas conjecturas através da experimentação laboratorial, através de elementos físicos ou de construções computacionais. Com isso, temos que discutir os prováveis obstáculos epistemológicos que venham a surgir oriundos desse estudo, uma vez que não basta apenas conhecer os axiomas de Euclides para resolver determinada equação de 1o grau ou os elementos pertencentes à Geometria Plana necessários neste estudo, e sim, relacionar à reinterpretação dos saberes ora propostos e aplicá-los no cotidiano. A outra vertente destacada por Almouloud (2007) versa sobre a discussão quanto à análise didática do objeto matemático, no qual consideramos a abordagem feita em livros de História da Matemática ou, pelo menos, nos apêndices históricos dos livros de Matemática da Educação Básica, ademais, temos a necessidade de prever as possíveis dificuldades cognitivas para que ocorra a aprendizagem pelos estudantes do tema aqui abordado. Alves (2014) sugere, como hipótese, que os estudantes possuem dificuldades para relacionar elementos geométricos e algébricos, e que devido a isto se mostram naqueles livros apenas como uma interpretação algébrica. 5

Construção e análises a priori

Nesta fase da Engenharia Didática o docente deve realizar a descrição e a análise da situação adidática escolhida por ele e que será proposta ao estudante. So4 Análises preliminares bre isto, Alves (2014) destaca que uma situação adidáEsta é a fase responsável pelo planejamento da ativi- tica é caracterizada quando o professor oportuniza ao dade proposta aos discentes. O professor de Matemá- estudante o sucesso através de seus próprios méritos, tica deve considerar não somente os objetivos a que de- quando consegue sintetizar e empregar o conhecimento seja alcançar, mas também em quais condições o tra- de um modo diferenciado. Nesta perspectiva ressaltabalho será realizado, independente de essas dificulda- mos o professor como mediador de aprendizagem, com des serem físicas ou comportamentais. Sobre isto, Al- a função de prever ações comportamentais que favoremouloud (2007, p. 172) destaca dois elementos: estudo çam, ou não, o desenvolvimento do conhecimento lóda organização matemática; e análise didática do objeto gico matemático. Neste escopo, o professor age concoConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 78 - 82, dez. 2015 80


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mitantemente segundo a dimensão epistemológica, bem como a cognitiva e a didática (ALMOULOUD; COUTINHO, 2008). Com isso, a situação adidática, escolhida de forma ampla, sugere de forma simplória apenas a reinterpretação geométrica da resolução de uma equação de 1o grau, cuja gênese recai diretamente nos axiomas de Euclides já abordados neste estudo. Restringindo os aspectos conceituais do estudo, podemos dizer que a problemática se refere ao uso do Teorema de Tales, discutindo os segmentos proporcionais cortados por retas transversais. Destarte, afirmamos que o estudante necessita do conhecimento de Geometria Plana bem como de uso de software para compilação gráfica (neste caso utilizamos o GeoGebra para realizar as construções geométricas). Alves (2014) afirma que o discente precisa compreender a situação-problema para que possa desenvolver a solução, cabendo ao professor a proposição de tarefas passíveis de execução, enquanto que media a aprendizagem e efetiva a situação adidática numa situação didática. Almouloud (2007) corrobora com esta ideia quando caracteriza os objetivos de atividades semelhantes, segundo os princípios da Engenharia Didática, como sendo: auxiliar o estudante na construção e desenvolvimento do conhecimento, reinterpretar os saberes do Teorema de Tales, inclusive com outras abordagens geométricas aliando a isto o uso do recurso computacional. A seguir, faremos uma discussão sobre situaçãoproblema para resolução segundo o modelo aqui discutido, favorecendo a construção do modelo geométrico através da experimentação tecnológica feita pelo estudante. Uma situação possível nessa experimentação matemática é a discussão quanto à validade de determinada teoria, a fim de corroborar ou negar a eficácia do método, ilustrando a experimentação discente.

Figura 2: Resolução de equações de 1o grau Fonte: Formatação própria

ainda na Figura 2. Vale destacar que o segmento obtido é dado em módulo e cabe ao estudante perceber as condições, já discutidas, quanto ao sinal do zero desejado. A partir de construções simples como esta, o estudante consegue diversificar seus estudos ao passo que pratica a construção geométrica. Vale ressaltar que este método se aplica a todas as equações do 1o grau do tipo ax ± b = 0, em que o procedimento calcula a raiz da referida equação. Situações semelhantes colaboram para que o estudante desenvolva seu pensamento matemático, e ainda tenha a oportunidade de confirmar ou refutar as hipóteses que porventura surjam durante sua pesquisa. A verificação dos problemas acima citados, assim como outros que possam ser propostos, é indicada ao leitor mais interessado, pois a experimentação dessas situações contribui para o trabalho docente e consequente melhoria em sala de aula. 6

CONCLUSÃO

Este trabalho teve por finalidade discutir um estudo sobre uma metodologia diferenciada para resolução de equações afins envolvendo a perspectiva geométrica. Houve o cuidado de se elaborar este trabalho com uma linguagem matemática simples e acessível, mas, no en5.1 Situação-problema tanto, sem perder a generalidade e o rigor matemático É solicitada a resolução da equação 2x − 6 = 0 e, pos- necessário ao desenvolvimento deste estudo. Nas seções passadas discutimos brevemente a reteriormente, sua construção geométrica, em tempo se pede a resolução da equação −6x − 2 = 0, da mesma solução de equações de 1o grau a partir dos axiomas forma que a anterior e, por fim, realizar um estudo com- de Euclides e uma discussão geométrica para o cálculo dessa raiz utilizando do Teorema de Tales. Em tempo, parativo entre as soluções. Ocorre que as soluções de ambas as equações po- descrevemos as etapas iniciais da Engenharia Didática, considerando a interpretação geométrica das equações dem ser obtidas com o uso da fórmula, x = c−b a , uma vez que as equações são do tipo ax + b = c, (a 6= de 1o grau, trabalhando inclusive com uma situação adi0). Sem maiores delongas, calculamos que a raiz de dática. Inicialmente realizamos leituras em livros espe2x − 6 = 0 é dada pelo número x = 3 e sua construção cializados de Matemática, de História da Matemática e geométrica é apresentada na Figura 2. De modo aná- periódicos a fim de fundamentar o modelo resolutivo logo se procede com a equação −6x − 2 = 0, cuja raiz ora abordado. é x = − 13 , cuja construção geométrica está indicada A pesquisa revelou como positiva proposta de diConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 78 - 82, dez. 2015 81


A MATEMÁTICA ESCOLAR E O LABORATÓRIO COMO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

versificação metodológica para ensino de equações de 1o grau através de construções geométricas utilizando elementos da Geometria Plana, especificamente com o auxílio do Teorema de Tales. Revelou ainda que o conhecimento matemático por vezes tido apenas como algébrico, pode ser experimentado com práticas laboratoriais de ensino, nesta pesquisa através do software GeoGebra, e que isso favorece a aprendizagem. Para isto, utilizamos da metodologia da Engenharia Didática, com o intuito de sistematizar o ensino. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa ainda em andamento, aplicamos apenas as duas primeiras fases da metodologia, de modo que ainda discutiremos as outras fases de aplicação em trabalhos futuros. Finalmente, acrescentamos que a proposta deste estudo é subsidiar trabalhos que versem sobre alternativas metodológicas de resolução de equações de 1o grau, mais especificamente em aspectos geométricos. Destarte, reiteramos que a discussão apresentada neste trabalho não se encontra finalizado, mas passível de melhorias e novas reflexões. Entretanto, assinalamos que este estudo já possa servir de substrato para o desenvolvimento de propostas didáticas para o ensino de equações de 1o grau, independente da modalidade de ensino observada. REFERÊNCIAS ALMOULOUD, S.; COUTINHO, C. Q. S. Engenharia Didática: características e seus usos em trabalhos apresentados no GT-19 / ANPEd. Revemat: Revista Eletrônica de Educação Matemática, v. 3, n. 1, p. 62–77, 2008. ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da didática da matemática. Florianópolis: Editora UFPR, 2007.

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB

ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB J OELMA N OGUEIRA DOS S ANTOS1 , PAULO G ONÇALO FARIAS G ONÇALVES2 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) campus de Camocim 2 Universidade Federal do Cariri (UFCA) <joelma.santos@ifce.edu.br>, <paulo.goncalo@ufca.edu.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.938

Resumo. O aprimoramento das tecnologias ocorrido nas últimas décadas tem permitido uma grande expansão da formação de professores por meio da educação a distância. Constituindo-se um momento formativo que permite articular e ressignificar os diversos saberes adquiridos durante a graduação, o estágio supervisionado adquire um papel importante no âmbito da formação de professores de matemática. Por conta disso, têm sido observadas investigações na Educação Matemática que se debruçam sobre essa atividade que permeia a formação inicial docente. Diante desse quadro, o presente artigo tem o intuito de discutir sobre a proposta de Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Matemática, na modalidade a distância, da Universidade Estadual do Ceará. Tendo como sujeitos da pesquisa estudantes do curso de Licenciatura em Matemática do polo de Quixeramobim-CE, os dados foram coletados por meio de questionários. De um modo geral, os licenciandos demonstraram compreender a proposta do estágio supervisionado e sua importância para a formação docente e para a reflexão acerca de elementos que permeiam o trabalho em sala de aula. Contudo, ao listarem as principais dificuldades vivenciadas relativas aos conteúdos matemáticos e seus processos de ensino e aprendizagem, os futuros professores evidenciaram a necessidade de maiores reflexões para aproximação da formação Matemática e em Educação Matemática, essenciais para a docência na educação básica. Ainda há muito que fazer. Os discentes da licenciatura precisam compreender mais sobre o processo que envolve o labor docente. Porém, as reflexões dos futuros professores apresentadas aqui são um indício de que o trabalho já começou. Palavras-chaves: Educação a distância. Estágio supervisionado. Licenciatura em matemática. Abstract. Technology progress that occurred on last decades has allowed a big expansion of teacher’s formation through distance education. Supervised Internship gets an important role on the scope associated to Mathematics Teachers’ formation as it is a formative occasion which permits to articulate and assign new significance on different kinds of learning obtained through undergraduation. Due to this reason, studies have been created towards Mathematics education which are dedicated to this activity that permeates initial teaching formation. Considering this statement, this paper aims to discuss about a Supervised Internship of Mathematics licentiate degree course through distance of Ceará State University. Having as participants the students of a Mathematics licentiate degree course in Quixeramobim (A town in the State of Ceará), data have been collected through a questionnaire. In general, the undergraduates have demonstrated to understand the proposal and its importance to teacher formation and to a reflection toward elements that permeates the job in a classroom. However, when they needed to list their main difficulties related to Mathematics contents and their process of teaching/learning, they have evidenced to need bigger reflections towards both Mathematics formation and Mathematics education which are essential to basic education teaching. There is still a lot to do as they need to comprehend more about the process that involves teaching work, although the reflections of these future teachers have already started. Keywords: Distance education, Supervised Internship, Mathematics licentiate degree. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

O aprimoramento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) durante as últimas décadas tem permitido uma grande expansão da educação a distância (EAD) como forma de aumento da oferta educacional em diversos níveis de ensino. No cenário nacional, um dos temas mais discutidos no âmbito dessa modalidade de ensino é a necessidade de ampliação da formação de professores a partir de ações que visam melhorar a qualidade da educação básica (ALONSO, 2010). Segundo Art. 1o do Decreto no 5.622/2005, que regulamenta a oferta de programas de ensino a distância no país, conforme previsto no Art. 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394/1996), a educação a distância consiste na

ção de professores, e em particular, na formação de professores de matemática. A discussão da proposta formativa do curso de Licenciatura em Matemática da UECE/UAB será apresentada na Seção 3. Os resultados da pesquisa serão apresentados na Seção 4, a partir das considerações sobre os encontros presenciais da disciplina no polo de Quixeramobim. A última seção será reservada para as considerações finais da pesquisa. 2

ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O Estágio Supervisionado, enquanto componente curricular obrigatório para os cursos de licenciaturas, deve ser uma atividade com intrínsecas relações com o trabalho acadêmico e com a prática docente (BRASIL, 2015). Compreendendo o Estágio como um campo de [...] modalidade educacional na qual a mediação didáconhecimento, Lima e Pimenta (2010, p. 6) afirmam tico pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem que “[...] o estágio se produz na interação dos cursos de ocorre com a utilização de meios e tecnologias de inforformação com o campo social no qual se desenvolvem mação e comunicação, com estudantes e professores deas práticas educativas”. senvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos Diante da diversidade e da complexidade das atridiversos (BRASIL, 2005, p. 1). buições ligadas ao trabalho docente, o Estágio SuperviApesar da utilização das TIC como meio para o sionado tem por finalidade oportunizar um contato do desenvolvimento de atividades a distância, BRASIL aluno de licenciatura com o contexto escolar. Desse (2005) prevê a obrigatoriedade de atividades presenci- modo, o Estágio se configura, por excelência, um esais para: avalição; laboratórios de ensino, quando for o paço para vinculação entre a formação teórica e prática, caso; defesa de trabalho de conclusão de curso e está- por meio de atividades que envolvam: aspectos da gestão escolar; estudo e aplicação de técnicas de ensino, de gios supervisionados, quando previstos em lei. Dentre as atividades obrigatórias previstas para recursos didáticos e de instrumentos avaliativos; elaboa formação inicial de professores, a Resolução no ração de projetos e de currículos; entre outros assuntos 02/2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacio- ligados ao labor docente. É uma atividade necessária à formação do futuro nais para a formação inicial em nível superior e para formação continuada, institui uma carga horária mínima professor como parte de seu processo formativo por de 400 (quatrocentas) horas para realização do estágio constituir-se como um ‘laboratório de aprendizagem’, no qual o licenciando tem a oportunidade de refletir e supervisionado (BRASIL, 2015). Constituindo-se um momento formativo que per- compartilhar com seus pares e com o professor orientamite articular e ressignificar os diversos saberes adqui- dor do estágio as experiências vivenciadas, analisando ridos durante a graduação, o estágio supervisionado ad- os limites, possibilidades e desafios que irá enfrentar quire um papel importante no âmbito da formação de enquanto profissional. Tendo em vista as experiências prévias dos licenprofessores e, especificamente, na formação de professores de matemática. Por conta disso, têm sido obser- ciandos, no que se refere ao exercício da profissão vadas investigações na Educação Matemática, que se docente, o Estágio Supervisionado pode contribuir de debruçam, em diversas perspectivas, sobre essa ativi- forma singular para o processo formativo dos futuros dade que permeia a formação inicial de professores de professores e para os que já exercem o magistério. Para os licenciandos que ainda não atuam em sala matemática (TEIXEIRA; CYRINO, 2013). Diante disso, o presente artigo tem o intuito de dis- de aula, o Estágio oportuniza vivenciar experiências recutir sobre a proposta de Estágio Supervisionado do lacionadas ao contexto escolar bem próximas das ativicurso de Licenciatura em Matemática, na modalidade a dades que compõem o labor do professor da educação distância, da Universidade Estadual do Ceará em parce- básica. No que se refere aos alunos de licenciatura que ria com a Universidade Aberta do Brasil (UECE/UAB). estão no magistério, o Estágio coloca-se como um moNa Seção 2 serão explanados os fundamentos legais mento em que o sujeito em formação ocupa o papel de e a importância do Estágio Supervisionado na forma- observador participante cujo desenvolvimento profissiConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 84


ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB

onal vai se estabelecendo também no Estágio, pois tem a oportunidade de refletir, reavaliar e ressignificar sua prática enquanto professor (LIMA; PIMENTA, 2004). Tanto para futuros professores quanto para os que já exercem a profissão, o Estágio se constitui ainda como um espaço para readequação dos saberes estudados, que ao serem mobilizados em situações que permeiam o ambiente escolar, necessitam ser reinventados, visando adaptarem-se às singularidades características de cada contexto educativo. Dentre as atividades de natureza prática, o Estágio Supervisionado configura-se como um importante instrumento de interação entre as disciplinas pedagógicas e as disciplinas que compõem a estrutura curricular dos cursos. Essa transversalidade das atividades práticas visa fugir de uma estrutura de Estágio Supervisionado isolada, fechada, desarticulada do restante do curso (SBEM, 2003). Além disso, considerando as singularidades da Educação Matemática enquanto campo de investigação e suas contribuições para a atuação do professor de matemática, e de modo especial para o Estágio Supervisionado: É fundamental que o estagiário vivencie a Educação Matemática em outras práticas sociais que não a escolar. O estágio deve ser planejado de modo a garantir tempo suficiente para abordar as diferentes dimensões da atuação profissional. Para tanto, é interessante que ele aconteça desde o primeiro ano, reservando um período final do curso para a docência compartilhada, sob a supervisão da escola de formação, preferencialmente na condição de assistente de professores experientes (SBEM, 2003, p. 24).

nado in loco, os cursos de licenciatura em matemática a distância, ao terem seus processos formativos intrinsecamente integrados às TIC, possibilitam a diversificação de experiências formativas de discussão, reflexão, análise e avaliação das práticas empreendidas no Estágio por meio das ferramentas tecnológicas. Além disso, as especificidades das licenciaturas em EAD, no que se refere aos mediadores do processo educativo (tutor presencial, tutor a distância, professor formador, professor conteudista e supervisor de estágio) que possuem atribuições distintas dependendo da instituição de Ensino Superior, possibilitam novas formas de troca de experiência entre os sujeitos do processo educativo. Diante dessas especificidades, discutiremos na seção seguinte a experiência formativa da UECE/UAB. 3

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA UECE/UAB

A licenciatura em matemática a distância vem ganhando cada vez mais espaço no contexto educacional, não apenas pela demanda dessa modalidade de ensino nos municípios brasileiros, mas também por estar estruturada nas premissas que regem a educação geral, sempre visando a relação entre teoria e prática. Atualmente, a Universidade Estadual do Ceará, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil, oferece o curso de Graduação em Matemática Licenciatura Plena a Distância em cinco cidades do Ceará, a saber: Barbalha, Caucaia, Mauriti, Piquet Carneiro e Quixeramobim. Essa parceria apresenta-se numa modalidade de ensino diferente sem descaracterizar os aspectos dos pressupostos metodológicos que formam o futuro professor de matemática.

Nesse sentido, os cursos de licenciatura em mateOs pressupostos metodológicos presentes na elaboração mática devem fugir da dicotomia entre disciplinas de do projeto político-pedagógico do curso de Graduação natureza teórica e de natureza prática e buscar alternaem Matemática Licenciatura a Distância estão sustentativas para a articulação dos diversos saberes adquiridos dos nos seguintes fundamentos: integração da teoria e durante a formação do professor em inserções gradatiprática estruturada a partir da ação-reflexão-ação; idenvas no contexto escolar. tificação de recortes teórico-metodológicos que permiOutro aspecto importante, consiste na possibilidade tam o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares, desse momento formativo mostrar ao licenciando que levando-se em conta os conceitos de autonomia, invesa escola é um espaço interativo e dinâmico, no qual o tigação, trabalho cooperativo, relação teoria e prática, ofício de ser professor não se aprende a partir de uma estrutura dialógica, interatividade, flexibilidade, capaci“receita pronta”. No que se refere a formação do prodade crítica (UECE, 2011a, p. 73). fessor de matemática, esse espaço torna-se relevante na medida em que, diante da complexidade do contexto esO curso de Graduação em Matemática Licenciatura colar, mostra aos licenciandos, de forma prática, que o Plena a Distância da UECE/UAB tem carga horária de conhecimento matemático é necessário, mas não sufici- 3060 horas e sua estrutura curricular está dividida da ente para a formação de um bom profissional. seguinte maneira: Núcleo de Formação Matemática, Apesar de comungar com os cursos presenciais a Núcleo de Formação Pedagógica, Núcleo de Formação obrigatoriedade das atividades de Estágio Supervisio- Geral e Trabalho de Conclusão do Curso. O Núcleo Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 85


ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB

de Formação Pedagógica é composto pelos seguintes blocos: Formação Básica, Prática como Componente Curricular e o Estágio Supervisionado apresentado no Quadro 1. Quadro 1: Núcleo de formação pedagógica. Fonte: Projeto Pedagógico do Curso Graduação em Matemática Licenciatura a Distância (UECE, 2011a).

Na UECE/UAB o Estágio Supervisionado é desenvolvido a partir da segunda metade do curso e dividido em quatro disciplinas, com atividades ligadas aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino médio (UECE, 2011a). Outra característica do bloco de Estágio Supervisionado é sua intrínseca articulação com o bloco Prática como Componente Curricular, a partir da oferta de disciplinas concomitantes e com conteúdos integrados. Apresenta-se o Quadro 2, com informações básicas relacionadas às disciplinas de Estágio Supervisionado. Quadro 2: Disciplinas do bloco Estágio Supervisionado. Fonte: Elaboração dos autores.

A partir das informações apresentadas no Quadro 2, nota-se que as quatro disciplinas permeiam todos os níveis da Educação Básica nos quais o licenciado em matemática pode atuar. E mesmo tendo enfoque em anos distintos, (UECE, 2011b, p. 71) aponta objetivos comuns entre as disciplinas.

No que se refere aos conteúdos programáticos, os principais assuntos enfatizados são: análise dos conteúdos das séries do ensino fundamental e médio; métodos e técnicas de ensino; planejamento de ensino; relação professor-aluno e organização da escola. Segundo Pereira (2013), esses tópicos são abordados em todas as fases do estágio supervisionado, que consistem: na fase de conhecimento da escola, cujo objetivo é conhecer como funciona a estrutura didática da escola, ações e projetos, incluindo projeto político-pedagógico; na fase de observação de aulas do professor e das rotinas de sala de aula, na qual o aluno da licenciatura observará o trabalho do professor que ensina matemática, seus métodos e concepções e por último; na fase de regência em sala de aula, cuja finalidade é fazer com que o futuro professor ministre aula de matemática sob a supervisão de um professor regente. Os encontros presenciais do Estágio são momentos de intensa interação e troca de experiências, pois nos municípios do Ceará, o número de escolas é pequeno, realidade ainda mais afunilada quando o Estágio é no ensino médio. A diferença vai acontecer no fato de alunos residirem em cidades vizinhas ou localidades distantes da sede do município onde existe o polo da UECE/UAB. Mesmo com pouca oferta de escolas nos municípios do estado, há uma grande variedade de assuntos debatidos nos encontros presenciais. Os conteúdos são analisados a partir dos documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). Esses documentos tratam sobre o papel da matemática no ensino, os objetivos do ensino de matemática, os blocos de conteúdos e sobre a tríade professor-aluno-saber. As técnicas e os métodos de ensino também são discutidos nos encontros presenciais, assim como as situações de aprendizagem trabalhadas dentro dos blocos de conteúdo. Em relação ao planejamento de ensino, as conversas são abordadas a partir do plano de aula e da regência. São momentos em que os alunos explanam seus anseios, avanços e dificuldades que surgem nessa etapa do estágio.

Outras questões também são discutidas como, por exemplo: a análise de intervenções que vão surgindo durante o estágio na fase de regência em sala de aula; o papel da escola na construção de conhecimentos institucionalizados; a importância do projeto político pedagógico da escola; as concepções metodológicas que fundamentam o ensino de matemática; as tendências atuais do ensino de matemática; reflexão das fases de conhecimento da escola e de observação de aulas do professor e das rotinas de sala de aula; produção de material diConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 86

Reconhecer na escola um ambiente de construção do conhecimento; Analisar o comportamento do aluno e sugerir intervenções pertinentes; Assimilar e analisar a organização escolar a partir de observações no campo de trabalho; Analisar e questionar o Plano Político Pedagógico da escola em que estagia; Observar, analisar e criticar aulas de profissionais da educação com o objetivo de construir sua própria prática pedagógica (UECE, 2011b, p. 71).


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dático; organização da documentação necessária para oficializar parceria universidade-escola e cumprimento da carga horária e das atividades exigidas pelo curso nas disciplinas de estágio. Todas essas experiências empreendidas durante o Estágio Supervisionado compõem as responsabilidades dos estagiários, que conforme UECE (2011a, p. 103) consistem em Elaborar individualmente ou em grupo, sob a orientação do Professor orientador, o plano de estágio, obrigando-se a cumprir integralmente as atividades propostas dentro de cronograma previamente estabelecido; Providenciar todo o material solicitado pelos Professores – Orientadores para suporte teórico e prático das disciplinas; Apresentar periodicamente a ficha de comparecimento disponível no Manual do estagiário, validada mediante visto do orientador-técnico; Cumprir as etapas do estágio, segundo as orientações previstas no Manual do estagiário; Elaborar e entregar, dentro dos prazos estabelecidos o Relatório final referente às atividades desenvolvidas ao longo do estagio (UECE, 2011a, p. 103).

Nessa perspectiva podemos compreender o Estágio Supervisionado como a fase na qual o aluno do curso de licenciatura tende a se preparar para sua atuação como docente, visto que dentre as incumbências atribuídas ao professor estão a participação da proposta pedagógica da escola; a elaboração e cumprimento do plano de ensino de acordo com a proposta curricular; zelo pela aprendizagem, assim como estabelecimento de estratégias de recuperação; participação nos dias letivos e nos planejamentos; colaboração nas atividade entre família, escola e comunidade. Além disso, durante o Estágio Supervisionado, o futuro professor tem a oportunidade de relacionar seus conhecimentos teóricos na prática de ensino de matemática quando ainda está na licenciatura fundamentando assim seu desenvolvimento proissional. Na subseção seguinte serão apontadas algumas discussões relativas ao Estágio Supervisionado do curso de Graduação em Matemática Licenciatura Plena a Distância UECE/UAB, uma experiência realizada no município de Quixeramobim no estado do Ceará. 4

do decorrer das atividades e do período que antecipou o término da disciplina. A disciplina de Estágio tem três encontros presenciais, porém, apenas dois de cada uma delas, foi utilizado para os momentos de reflexão, ou seja, tanto em Estágio Supervisionado no Ensino Fundamental I e Estágio Supervisionado no Ensino Fundamental II, um momento foi utilizado para resolver questões referentes à disciplina como pendências de documentos, problemas relacionados à escola onde o estágio estava sendo realizado entre outros que foram surgindo ao longo do semestre. Os sujeitos envolvidos na pesquisa são alunos do curso de Licenciatura em Matemática, na modalidade a distância, da Universidade Estadual do Ceará em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UECE/UAB) do polo de Quixeramobim cuja turma é composta por 11 alunos. A cada entrevistado foi atribuído um nome de um matemático no intuito de preservar sua identidade. Os dados apresentados nesse trabalho foram coletados a partir de questionários respondidos durante os encontros presenciais e pelas conversas realizadas nos fóruns do ambiente virtual. No primeiro encontro presencial do Estágio I, antes de relacionar os conhecimentos teóricos com a prática escolar, os alunos responderam a um questionário indagando sobre suas concepções de Estágio. Essa estratégia foi utilizada para iniciar uma discussão a respeito das expectativas dos estudantes sobre a etapa do curso e o que estudantes pensavam sobre o desenvolvimento da disciplina. Embasados pelo senso comum, acerca do que seria esse momento formativo, no Quadro 3 seguem algumas respostas dos discentes1 . A relação teoria-prática foi claramente percebida na resposta de cada aluno. Quadro 3: Concepções dos licenciandos sobre a concepção de estágio. Fonte: Elaboração dos autores.

OS ENCONTROS PRESENCIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Apresentam-se aqui algumas considerações a partir de Ao compreenderem o Estágio Supervisionado como discussões empreendidas durante encontros presenci- momento formativo para relação entre teoria e prática; ais das disciplinas de Estágio Supervisionado no En- para o contato do futuro professor com o ambiente essino Fundamental I e Estágio Supervisionado no Ensino colar; para a observação, avaliação, aprimoramento de Fundamental II. Essas discussões ocorreram ao longo 1 Madame du Châtelet já lecionava quando começou a disciplina de dois semestres e em cada um deles, foram analisa- de Estágio. Eis a justificativa sua perspectiva está baseada no aprimodos três momentos: o momento do início da disciplina, ramento do ensino. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 87


ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB métodos de ensino, entre outros, nota-se que a visão Quadro 5: Concepções dos alunos sobre a relação entre teoria e prática. Fonte: Elaboração dos autores.

dos estudantes acerca das atividades de estágio é consonante com os objetivos dessa etapa no âmbito da formação de professores, e em particular, com a proposta do curso de Licenciatura em Matemática da UECE/UAB. Em seguida, os discentes foram indagados sobre a importância do Estágio Supervisionado na formação inicial do professor de matemática. Todos os entrevistados discorreram suas opiniões de forma positiva, nenhum deles expressou ideia contrária. No que diz respeito a essa questão, o Quadro 4 apresenta algumas percepções dos alunos sobre essa discussão.

Ao propor que teoria e prática caminhem juntas, os estudantes fogem da visão dicotômica entre esses dois aspectos formativos. Essa perspectiva é apresentada como um dos princípios da formação de profissionais Quadro 4: Concepções dos licenciandos sobre a importância do esdo magistério da educação básica propostos pelas Ditágio. Fonte: Elaboração dos autores. retrizes Curriculares, que consiste na “[...] articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos [...]” (BRASIL, 2015, p. 4). Fazendo uma relação com os assuntos trabalhados durante o estágio, foi solicitado por meio de um instrumental caracterizado como questionário escrito, que os alunos listassem dois conteúdos que sentiram dificuldades para ensinar, por não compreenderem ou não Observa-se que os futuros professores compreen- terem usado um método de ensino adequado. Os assundem a importância do Estágio Supervisionado como tos apontados pelos alunos foram: expressões algébriuma etapa para discussão, capacitação e experimenta- cas; equação do 1o e do 2o grau; polinômios; porcenção de situações de ensino. Essas questões, que se colo- tagem; produtos notáveis; números inteiros, racionais e cam como um dos objetos de estudo da Educação Ma- irracionais; função. temática, sugerem que os futuros licenciados compreNenhum outro conteúdo, além desses, foi citado peendem que o debruçamento sobre temas discutidos por los licenciandos. Esse questionamento apontou alguessa área de investigação também é relevante para a for- mas dificuldades dos futuros professores em trabalhar mação de docentes de matemática. com os conteúdos apresentados no parágrafo acima. Com o Estágio Supervisionado no Ensino Funda- Seja por falta de fundamentação teórica ou de prepamental I em andamento, na fase de regência, os alunos ração dos alunos, deixou evidente que o ensino de maforam submetidos a uma análise dos seguintes conteú- temática no curso de licenciatura precisa ser constandos matemáticos: Teorema de Pitágoras; Equação do 1o temente discutido, visto que todos esses assuntos são grau e Função polinomial do 1o grau. Os assuntos es- abordados no Ensino Fundamental e que são essencicolhidos foram analisados a partir dos conteúdos con- ais para a formação matemática do aluno da Educação ceituais, procedimentais e atitudinais, a luz das reco- Básica. A fase de observação do Estágio Supervisionado no mendações propostas em BRASIL (1998). Os alunos expuseram algumas situações de aprendizagem que po- Ensino Fundamental II serviu como base para que os deriam ser trabalhadas com esses temas e discorreram alunos percebessem aspectos que lhe chamaram mais a uma análise, abordando introdução, desenvolvimento e atenção durante a atuação do professor regente e essa conclusão, sobre como as aulas poderiam ser desenvol- fase também foi explorada na pesquisa. vidas. O planejamento das aulas, a metodologia, a avaliFinalmente, na última fase caracterizada como fase ação, o domínio do conteúdo foram apontados. Desde regência, os alunos foram submetidos novamente a ses, apenas a avaliação não foi mencionada por nenhum mais questionamentos. Dessa vez, as perguntas, res- aluno. Sobre o planejamento, os alunos fizeram algupondidas por meio dos questionários escritos e de con- mas ponderações, descritas no Quadro 6: versas no encontro presencial, se voltaram para a relaEm algumas respostas, a indisciplina na sala de aula ção teoria e prática explorada no estágio. Seguem no foi apontada como falta de domínio da turma pelo proQuadro 5 as respostas dos discentes. fessor e como obstáculo para a execução de seu plano Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 88


ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB Quadro 6: Concepções dos alunos sobre aspectos importantes na fase venciadas relativas aos conteúdos matemáticos e de observação. Fonte: Elaboração dos autores.

de aula. Em relação à elaboração do plano de aula, de um modo geral, os comentários foram muito semelhantes. A metodologia foi citada junto com o domínio do conteúdo. Não foi questionado aos alunos a diferença desses dois aspectos, também não os diferenciaram em seus comentários. No semestre seguinte, os alunos iriam cursar a disciplina de Estágio Supervisionado no Ensino Médio I e paralela a essa disciplina iriam produzir seus projetos de trabalhos de conclusão de curso. A intenção dessa pesquisa foi instigar os discentes a olhar para os conteúdos que observaram o professor regente ministrar, durante a fase de observação, e para os que eles mesmos ministraram na fase de regência. Os alunos mencionaram conteúdos que poderiam ser temas de futuras pesquisas e apresentaram de maneira intuitiva a problematização. Vale ressaltar que os licenciandos argumentaram a problemática dos conteúdos apenas sob o aspecto do ensino ou da aprendizagem, porém todos os questionamentos apresentados nesse texto foram também discutidos oralmente com os alunos em momento paralelo à disciplina de Prática de Ensino I na qual tiveram a oportunidade de analisar e avaliar cada ponto trabalhado no Estágio e que foi explanado nesse texto. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

seus processos de ensino-aprendizagem, os futuros professores evidenciaram a necessidade de maiores reflexões para aproximação da formação Matemática e em Educação Matemática, essenciais para a docência na educação básica. Ainda há muito que fazer. Nossos alunos da licenciatura precisam compreender mais sobre o processo de ensino para a aprendizagem, entender a lógica que há no planejamento de ensino, na metodologia utilizada para ensinar um determinado conteúdo, na maneira como se avalia a aprendizagem dos alunos e também compreender que o domínio do conteúdo a ser ministrado é essencial para o professor. Porém, as reflexões dos futuros professores apresentadas aqui são um indício de que o trabalho já começou. REFERÊNCIAS ALONSO, K. M. A expansão do ensino superior no Brasil e a EaD: dinâmicas e lugares. Educação & Sociedade, SciELO Brasil, v. 31, n. 113, p. 1319–1335, 2010. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, MEC, 1998. . Decreto no 5622, 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília. 2005. Seção 1, p. 1.

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O estágio supervisionado curricular tem se caracteri. Resolução n. 2, de 1 de julho de 2015. Define as zado cada vez mais como uma ferramenta imprescinDiretrizes Curriculares Nacionais para a formação dível na formação inicial de professores de matemática. inicial em nível superior (cursos de licenciatura, Por meio dele, o aluno de licenciatura tem tido a poscursos de formação pedagógica para graduados e sibilidade de relacionar a teoria com a prática docente cursos de segunda licenciatura) e para a formação desenvolvida na escola. continuada. Diário Oficial da União, Brasília. 2015. De um modo geral, os licenciandos, sujeitos dessa pesquisa, demonstraram iniciar a etapa de inserção no LIMA, M. S. L.; PIMENTA, S. G. Estágio e docência. estágio supervisionado compreendendo no que consiste São Paulo: Cortez, 2004. esse momento formativo e sua importância para a formação de docentes de matemática. Além disso, enten. Estágio e docência: diferentes concepções. dem a importância de reflexões sobre os processos de Poíesis Pedagógica, v. 3, n. 3 e 4, p. 5–24, 2010. ensino, aprendizagem, avaliação, etc., objetos de estudo da Educação Matemática. PEREIRA, A. C. C. Manual de estágio supervisionado Contudo, ao listarem as principais dificuldades vi- I para o ensino fundamental. Fortaleza: UECE, 2013. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 83 - 90, dez. 2015 89


ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UECE/UAB

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ETNOMATEMÁTICA, DESAFIOS E JOGOS: UMA EXPERIÊNCIA COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MUNDURUKU

ETNOMATEMÁTICA, DESAFIOS E JOGOS: UMA EXPERIÊNCIA COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MUNDURUKU A NTÔNIO N UNES O LIVEIRA1 , JAIRO S AW M UNDURUKU2 , C LAUDETH G ABRIEL M UNDURUKU2 , W ILTON B EZERRA F RAGA1 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Campus de Sobral 2 Projeto Ibaorebu <giselle@ccet.ufrn.br>, <juliana_schivane@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.958

Resumo. Este trabalho consiste em um relato de experiência da utilização da Etnomatemática, desafios e jogos na educação escolar indígena, ocorrida durante a XII Etapa Intensiva - Tempo Escola do Projeto Ibaorebu de Formação Integral Munduruku, realizado no período de 20 maio a 08 de junho de 2015 na Aldeia Sai Cinza/PA. Durante a etapa objetivamos fazer com que o ensino-aprendizagem da Matemática se tornasse algo prazeroso aos estudantes do projeto e ao mesmo tempo adequado a futuras transposições a serem efetuadas por estes em suas aldeias, valorizando o seu ambiente, sua cultura e tradições. Partimos da hipótese de que um ensino que valoriza a cultura do aprendiz e que ao mesmo tempo faz uso de material concreto com atividades lúdicas seria exitoso. Com esse fim fizemos uso de materiais disponíveis na natureza, dos conhecimentos matemáticos existentes em sua cultura e de jogos e desafios capazes de instigar a participação de todos em atividades de construção do conhecimento. O objetivo principal deste trabalho é fazer com que as experiências compartilhadas, que foram fruto de uma pesquisa de campo com duas turmas de Magistério Intercultural, durante a disciplina de Linguagem Matemática, sirvam de inspiração para aqueles que futuramente estarão trabalhando em projetos semelhantes. Utilizar atividades concretas de forma a valorizar a cultura dos cursistas, seus conhecimentos prévios e, envolvê-los em atividades coletivas, repercutiu positivamente com o bom andamento do processo ensino-aprendizagem dos alunos em questão, como constatamos, através de uma avaliação durante seminário onde os cursistas apresentavam para as outras turmas, os conhecimentos que eles haviam adquirido na etapa. Palavras-chaves: Educação indígena. Etnomatemática. Jogos. Linguagem Matemática.. Abstract. This work consists of an experience report about the use of Ethnomathematics, challenges and games on indigenous education, which occurred during the XII Step Intensive - Time School Ibaorebu Comprehensive Training Munduruku Project, conducted from May 20 to June 8, 2015 Village in Sai Cinza/ PA. During step it was aimed to make the teaching and learning of mathematics became something pleasant to students of design and at the same time suitable for future transpositions to be made by them in their villages, valuing their environment, their culture and traditions. Our hypothesis is that an education that values the learner culture and at the same time makes use of concrete material with playful activities would be successful. To this end we use materials available in nature, the existing mathematical knowledge in their culture and games and challenges able to instigate the participation of all in knowledge building activities. The principal objective of this work is sharing experiences, which were the result of a field research with two groups of Intercultural Magisterium during the course of language Mathematics, serving as inspiration for those who in the future will be working on similar projects. Using concrete activities in order to value the culture of teacher students, their prior knowledge and involve them in collective activities, resonated positively with the smooth progress of teaching and learning of the pupils concerned process, as verified by an assessment during a seminar where teacher students had for the other classes the knowledge they had acquired in step. Keywords: Galton’s Linear Regression. Affine Function. Statistics. History of Mathematics. ICT. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 91 - 97, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

A experiência que ora compartilhamos concretizou-se durante a disciplina de Linguagem Matemática, ministrada para duas turmas do projeto Ibaorebu de formação integral Munduruku na XII etapa intensiva/tempo escola, as turmas de Magistério Intercultural I e II. Além dessas turmas o Ibaorebu oferece duas outras formações, Técnico em Enfermagem e Técnico em Agroecologia. O tempo escola ocorre na aldeia Sai Cinza do município de Jacareacanga/PA e, ao final de cada período, os cursistas compartilham seus aprendizados com as demais turmas mediante a apresentação de um seminário. O projeto Ibaorebu teve início em dezembro de 2008 e atualmente seus cursistas estão na fase de estágio com previsão para conclusão em julho de 2016. Sua missão é implantar o ensino médio integrado à educação profissional de forma a garantir uma educação básica ao povo Munduruku levando em conta suas especificidades históricas, econômicas, linguísticas e culturais. Ele tem como princípio metodológico a articulação da pesquisa ao ensino e, como público principal, os 210 cursistas que estão divididos entre as turmas de Magistério Intercultural I e II, Técnico em Enfermagem e Técnico em Agroecologia. ... o Ibaorebu pode ser considerado como uma importante experiência de educação escolar indígena efetivamente específica, diferenciada e de qualidade. Ao longo dos anos, o Projeto foi se constituindo como espaço de afirmação da identidade e valorização da cultura, de intensos debates e reflexões sobre o que os Munduruku vivenciam em seu cotidiano, o que envolve as relações inter-étnicas e o enfrentamento dos impactos e problemas sofridos por suas comunidades, bem como envolve a reflexão sobre aquilo que lhes pertence, que faz parte do que referenciam como a "cultura Munduruku"e que diz respeito às suas práticas tradicionais, à alimentação, à arte, aos rituais, à cosmologia, à organização social e ao sistema de parentesco, aspectos estes que são sempre colocados em pauta durante as atividades do Ibaorebu. Tudo isso apenas é possível num Projeto totalmente apropriado pelos Munduruku, onde se valoriza e se fomenta o exercício do protagonismo e de defesa da autonomia deles nos espaços que ocupam, por onde transitam e com os quais dialogam (GOBBI, 2015).

o alto e médio Tapajós. Na parte superior esquerda do mapa da Figura 1 está em destaque à aldeia Sai Cinza, onde ocorre o encontro dos professores e alunos do projeto durante o tempo escola.

Figura 1: Mapa retratando as terras Munduruku do alto Tapajós com destaque para algumas das aldeias que participam do projeto Ibaorebu. Fonte: Melo e Vilalanueva (2008, p. 27).

A produção bibliográfica no que diz respeito à educação diferenciada, assim como a utilização da Etnomatemática no ensino da Linguagem Matemática, ainda é bastante escassa quando tratamos da educação escolar indígena, em especial, com o povo Munduruku. Ficando como suporte de revisão bibliográfica nesse campo de pesquisa, os trabalhos de Pica et al. (2005)e os textos que vêm sendo publicados pela FUNAI. Sabemos que a dificuldade de aprendizagem em Matemática é uma triste realidade do nosso país, o que demanda urgentes estratégias para superação. Essa fala é confirmada pelos resultados nacionais encontrados pelos estudos feitos pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (INEP/MEC, 2008). Segundo os dados divulgados, a Matemática é a área em que um percentual maior de alunos não tem conseguido atingir o mínimo desejável de desempenho.

A estruturação do curso é baseada no princípio da alternância, sendo intercaladas etapas intensivas, com Somando-se os alunos cujos desempenhos situam-se no duração de 30 a 40 dias, chamadas de tempo escola, Nível 1 ou abaixo, verificamos que 72,5% (quase 3/4) com tempo comunidade, período destinado aos estudos dos estudantes brasileiros que participaram da avaliação e pesquisas orientados dos alunos. Ao todo mais de 20 estão abaixo do mínimo desejável de letramento matemáaldeias participam do projeto, sendo elas divididas entre tico definido pela OCDE para que o jovem possa desemConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 91 - 97, dez. 2015 92


ETNOMATEMÁTICA, DESAFIOS E JOGOS: UMA EXPERIÊNCIA COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MUNDURUKU penhar plenamente seu papel na sociedade contemporânea. Matemática também é a área em que um percentual maior de alunos da OCDE não consegue atingir o nível mínimo desejável (INEP/MEC, 2008, p. 60 - 61).

O fato é que existe uma barreira a aprendizagem em Matemática que precisa ser superada, e a realidade torna-se ainda mais crítica se considerarmos a educação escolar indígena em si com suas particularidades. Nesse sentido, o presente trabalho busca relatar como o processo de ensino-aprendizagem da Matemática tornouse algo prazeroso aos estudantes do projeto Ibaorebu e ao mesmo tempo adequado a futuras transposições a serem efetuadas por estes em suas aldeias, com a valorização do seu ambiente, cultura e tradições. Espera-se, por fim, que as experiências compartilhadas sirvam de inspiração para aqueles que futuramente estarão trabalhando em projetos semelhantes e até mesmo como um modelo alternativo para os professores da rede regular de ensino das escolas não indígenas. 2

METODOLOGIA

Trabalhar a Linguagem Matemática com os Munduruku, de modo que a aprendizagem fosse significativa a eles, fez surgir a necessidade de uma pesquisa sobre a realidade vivida pelos estudantes das turmas do Magistério Intercultural. Nesse sentido, um passeio pela aldeia possibilitou conhecer um pouco de sua realidade, suas vivências, costumes e tradições; foi possível ainda perceber que os indígenas necessitam de uma educação diferenciada, que venha a atender prioritariamente a suas necessidades regionais e culturais, conforme a fala de um dos professores indígenas: ” Cada um tem seu destino, e o da gente é diferente do destino dos pariwat. É importante que a gente mantenha nossos valores frente ao mundo dos brancos. É preciso continuar os estudos, é! Mas do jeito que a gente precisa, de acordo com nossas necessidades, nossos interesses. Ninguém precisa de rapaz e moça que estuda na cidade e acaba não sabendo fazer nada na aldeia. ” (Rafael Manuhari, Professor indígena).

Refletindo sobre o processo de ensino e aprendizagem, fomos levados aos pensamentos de Paulo Freire que vão de encontro ao que foi constatado; ensinar exige respeito aos saberes do educando. Em suas palavras:

Na primeira aula da disciplina, foi abordado o tema das figuras geométricas planas através de uma exposição em quadro branco e de exemplificação dessas figuras no cotidiano da aldeia e, mesmo tentando aliar o conPor que não discutir com os alunos a realidade concreta a teúdo àquilo que eles já conheciam, existia um obstáque se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, culo a aprendizagem, uma vez que nem todos interaa realidade agressiva em que a violência é a constante e giam. Após o primeiro dia, ficou claro que um ensino a convicção das pessoas é muito maior com a morte do que surtisse efeito na educação escolar indígena deveque com a vida? Por que não estabelecer uma “intimiria necessariamente levar em conta sua realidade social dade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alue os conhecimentos prévios que eles traziam para sala nos e a experiência social que eles têm como indivíduos de aula, dando importância à sua vivência e utilizando? (FREIRE, 1996, p. 30). a como norteadora do plano de ensino. Além disso, era necessário criar situações de aprendizagem em que Para Freire (1996), é dever da escola possibilitar aos os estudantes pudessem interagir entre si, dando sigalunos a aquisição dos conhecimentos necessários a sua nificado ao aprendizado e engajando-se no processo formação integral, e estes, uma vez que aprendem, conde aquisição do conhecimento. É importante destacar seguem operar por si mesmos. Nesta ótica seria necesque os alunos do Ibaorebu interagem na maior parte do sário conduzir o processo de ensino-aprendizagem atratempo com os demais, em sua língua Materna, o Munvés de estratégias capazes de estimular a turma, darem duruku, e para que o professor intermedie a aprendizasignificado ao aprendizado e ao mesmo tempo usar magem é necessário que um professor indígena traduza a teriais que fossem de fácil acesso e reprodução para que discussão. os mesmos pudessem aplicá-las em suas aldeias. A vivência com a turma possibilitou perceber sua Nesse contexto, dialogando com as ideias de Paulo criatividade e facilidade de trabalho em grupo, desde Freire, Moreira (2009) apud Ausubel (1978) enfatiza que a atividade proposta fosse capaz de envolvê-los. que o fator isolado mais relevante ao ensinar um indivíCom isso, surgiu a idéia da utilização de jogos e de1 duo é aquilo que ele já sabe, isto é, seus subsunçores . safios numa abordagem que objetivasse uma maior interação entre eles, mediante aquilo que lhes é palpável, 1 Para Ausubel, subsunçores são palavras ou conceitos que servem de fácil acesso, praticável em seu cotidiano e que os como âncoras para os novos conhecimentos que devem ser adquiridos envolvam no processo de aprendizagem. pelos sujeitos. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 91 - 97, dez. 2015 93


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Buscando conhecer mais o dia a dia do povo Munduruku, foi proposta uma tarefa onde os alunos deveriam pesquisar e apresentar suas principais atividades que pudessem ser ligadas de alguma forma a matemática, e assim usaríamos essas atividades no processo de transposição dos conteúdos. A pesquisa feita por eles sobre a vida em aldeia constatou que os indígenas são familiarizados com atividades como: o plantio de tubérculos como macaxeira, mandioca e cará, a pesca, o manuseio do arco flecha, a construção de casas usando tábuas e folhas, o artesanato, etc. A partir do que foi apresentado e das constatações realizadas, assim como do acesso a materiais de desafios e jogos, a maioria disponíveis na internet, resolvemos instigar a curiosidade e participação dos alunos através dessas atividades lúdicas que servissem de elo para trabalhar a matemática necessária às atividades anteriormente descritas e assim facilitar a aprendizagem de conhecimentos ligados à área. Os conteúdos abordados sob essa ótica envolveram conceitos e cálculos geométricos e a definição de algumas formas geométricas como triângulos, retângulos, quadrados, círculos, pentágonos, etc. Aliar à atividade de ensino a pesquisa fez com que pensássemos nas metodologias possíveis de serem utilizadas e que surtissem o efeito desejado. Neste caso, utilizamos os conhecimentos etnomatemáticos dos munduruku aliados a atividades envolvendo jogos e desafios. No que diz respeito ao ensino e a pesquisa, Freire (1996), diz que:

conhecimento produzido pela matemática acadêmica, utilizando, quando se defrontar com situações reais, aquele que lhe parecer mais adequado. Esses autores entendem que a Matemática precisa ser compreendida como um tipo de conhecimento cultural produzido por todas as culturas, assim como são gerados a linguagem, crenças, rituais e técnicas específicas de produção. No início da humanidade, quando o homem começou a perceber formas, tamanhos e aprendeu a trabalhar certos elementos naturais como a pedra, este descobriu um instrumento muito versátil, que servia para que ele cortasse seus alimentos, vegetais, descamar peixes, caçar animais de maior porte, e limpar melhor seus ossos, conseguindo assim uma quantidade maior de alimentos. Mas, para que esse homem utilizasse esses instrumentos ele deveria primeiramente trabalhar esta pedra. Por isso, na escolha da pedra o homem deveria reconhecer suas dimensões, seu peso analisar seu formato, a força que seria necessária para trabalhar, preparar a pedra e para futuramente manuseá-la (ANDRADE, 2008, p. 14).

O povo Munduruku usa o que chamamos de matemática aproximativa. Ao realizar determinada tarefa eles não contam necessariamente de forma precisa determinados comprimentos, áreas ou volumes, mas os mesmos possuem técnicas e conhecimentos etnomatemáticos que são empregados de forma a lhes fornecerem uma base de comparação. 3

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao gerar uma discussão sobre as formas geométricas, fomos capazes de perceber como os cursistas designavam algumas figuras, a que objetos eles associavam a sua geometria, quais delas percebiam com maior frequência em seu cotidiano na aldeia e os lugares onde tais formas estavam presentes e que eles as percebiam claramente. Notamos que alunos de diferentes aldeias tinham nomeações distintas para algumas figuras, embora o significado fosse basicamente o mesmo. A línPara Andrade (2008), é preciso buscar formas de en- gua Munduruku escrita ainda não se encontra bem consinar a matemática em que não se perpetue a violên- solidada, logo, não existe um dicionário abrangente a cia cultural, mas que respeite a visão de mundo do seu ponto de enquadrar a maior parte das palavras usadas povo, seus valores, linguagem, sentimentos, ações e de- por eles para designar formas geométricas. Ao longo sejos. Uma escola indígena dentro desse contexto deve da aula oportunizamos momentos para que os cursistas considerar a matemática que é praticada localmente, em discutissem entre si e chegassem a um consenso para outras palavras, deve levar em consideração a Etnoma- designação de algumas figuras geométricas planas. A temática. Tabela 1 mostra algumas formas geométricas, sua noKnijnik (1993) apud Andrade (2008) chama de menclatura atribuída pelos Munduruku e as usadas peabordagem etnomatemática a investigação das concep- los não-índios. A escolha das designações pelos indígeções, tradições e práticas de um grupo social subor- nas ocorreu através de momentos de intensas discussões dinado e o trabalho pedagógico que se desenvolve na e comparações das nomenclaturas que eles usavam em perspectiva de que o grupo interprete e codifique seu suas aldeias. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 91 - 97, dez. 2015 94 Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, por que indaguei, por que indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervendo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 29).


ETNOMATEMÁTICA, DESAFIOS E JOGOS: UMA EXPERIÊNCIA COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MUNDURUKU Tabela 1: Mostra algumas figuras geométricas planas e as denominaUma vez que eles tinham algo palpável e estavam ções que os alunos do Ibaorebu consolidaram para designá-las. Fonte: envolvidos na tarefa de construção dos quadrados, traCréditos dos autores.

Feitas as reflexões sobre o processo de ensinoaprendizagem e tendo optado pelas metodologias a serem empregadas, em nosso segundo dia de aula começamos por definir e diferenciar algumas figuras geométricas através de atividades de jogos e desafios com palitos. Estas se mostraram capazes de envolver os cursistas em torno do grande objetivo – a aprendizagem da Geometria Plana. A Figura 2 mostra uma representação de um labirinto referente a um desafio proposto aos alunos, cujo objetivo é construir, identificar e conceituar o quadrado.

zendo consigo a ideia de quantidades iguais, menores e maiores, tornou-se fácil trabalhar as propostas da atividade. Através da movimentação de certa quantidade de palitos eles eram incentivados a produzir uma dada quantidade de quadrados e até mesmo outras figuras. Dando continuidade indagava-os sobre os possíveis locais e objetos da aldeia que continham tais geometrias, além de mostrar como calcular suas respectivas áreas. A seguir, dividíamos a turma em vários grupos a fim de facilitar a participação de todos, fornecíamos réguas ao grupo e eles efetuavam a medida dos lados das figuras. Dando sequência continuava-se com mais jogos ou desafios a serem realizados em grupos, sendo que tal metodologia se mostrou capaz de estimular a curiosidade e competitividade dos cursistas. Na Figura 3 temos a turma de Magistério Intercultural II reunida próxima ao quadro onde eles escreveram os nomes constantes na Tabela 1, um acordo para escrita e designação de algumas figuras geométricas em sua língua. Vale observar que os cursistas estão distribuídos em mais de 20 aldeias e que por isso existem variações da forma como são nomeadas essas figuras; entretanto através de uma discussão com o grupo eles resolveram selecionar as designações que achavam mais convenientes.

Figura 3: Turma do Magistério I ao redor do quadro onde designando algumas formas geométricas. Fonte: Créditos dos autores.

Figura 2: Momento de aprendizagem onde os alunos utilizam a representação de um labirinto para conceituar quadrado. Fonte: Créditos dos autores.

A partir dos desafios eram propostos novos problemas onde eles praticavam a identificação de figuras geométricas, assimilavam a nomenclatura utilizada pelos pariwat2 , expunham suas formas de designar tais objetos além de treinar o cálculo de suas respectivas áreas. Durante a realização desse trabalho foi possível constatar o conhecimento que eles tinham das formas 2 Palavra em Munduruku utilizada para designar os não- indígenas.

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geométricas e o emprego que davam a elas em elementos de sua cultura como o paneiro, peneiras, abanador, pinturas do corpo e artesanato de um modo geral. A Figura 4 mostra fotografias de um objeto artesanal, o paneiro, espécie de cesto que é normalmente forrado com folha de bananeira e usado para guardar a farinha, carne, etc., feito na aldeia Sai Cinza, com suas respectivas formas geométricas em destaque.

Figura 4: Formas geométricas presentes no paneiro. Fonte: Créditos dos autores.

A Figura 5 mostra uma peneira Munduruku. Nela estão em ênfase duas formas geométricas, o "quadrado"e os muitos octógonos por onde passam a farinha. Essas figurinhas são construídas na peneira de modo a deixar passar somente caroços de farinha com determinados volumes, obstruindo, portanto, a passagem para os de volumes maiores, o que significa que os Munduruku praticam a arte de comparar tamanhos de objetos e associar suas geometrias.

Detectando a concepção mencionada pelos autores anteriormente citados, buscou-se trabalhar com os Munduruku usando números não excessivamente grandes e arredondando as medições para o número inteiro mais próximo do resultado, de modo a não confundi-los e distanciá-los do aprendizado básico que desejaríamos transmitir. Ao ensiná-los a calcular áreas de figuras planas, foi possível constatar a dificuldade que eles possuíam ao realizar esse tipo de atividade. Investigando esse fato, foi constatado que, além de possuírem um sistema de numeração de base 5, que os possibilitava trabalhar facilmente com a contagem de números no máximo até 20, eles não estavam habituados a fazer cálculos de áreas; a representação delas se dava apenas em mencionar as medidas das superfícies, sendo que geralmente associavam essas medidas à própria área. Ao estabelecer um diálogo com eles, constatamos que a matemática usada para tarefas que envolviam áreas era uma matemática aproximativa, por exemplo: se atribuíssemos a eles a tarefa de fechar o teto de uma casa usando uma determinada palha, eles usavam uma quantidade de feixes de palha para preencher uma dada porção da área a ser coberta e, a partir disso, estabeleciam a quantidade de feixes que iria precisar para o restante. De certa forma, eles faziam uma proporção, embora nenhum cálculo concreto usando lápis e papel fosse realizado. Esses procedimentos usados pelos Munduruku justificam o fato deles não possuírem a facilidade de atribuir a uma área o produto dos lados da figura. A fim de facilitar os cálculos envolvidos na determinação das áreas, propomos a construção e utilização do ábaco que pode ser observado na Figura 6, que além de propiciar uma grande interação da turma no processo de construção, possibilitou relacionar a Matemática com ciências como Física e Engenharia.

Figura 5: Peneira indígena usada para peneirar a farinha produzida na aldeia ou escorrer o líquido da massa da mandioca. Fonte: Créditos dos autores.

Segundo Pica et al. (2005, p. 17), os Munduruku não têm uma rotina de contagem, e embora apresentem uma capacidade rudimentar para contar com os dedos, utilizam-na raramente. Ao exigir um emparelhamento biunívoco exato dos objetos com a sequência dos números, a contagem pode promover uma integração conceitual das representações aproximadas dos números, das Figura 6: Alunos do Ibaorebu treinando a utilização do ábaco. Fonte: representações dos objetos discretos e do código verbal. Créditos dos autores. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 91 - 97, dez. 2015 96


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O processo de construção do ábaco da Figura 6 envolveu a escolha da madeira, no caso, o talo do buriti, que foi utilizado na construção integral do instrumento; seu miolo foi usado como suporte principal, ao passo que as camadas externas serviram para fixar as peças também feitas a partir do miolo da madeira selecionada. Todas as escolhas foram justificadas pela turma usando o argumento da densidade favorável ao corte e as perfurações, bem como a menor ou maior resistência a pressão. As peças foram pintadas utilizando tintas produzidas pelos próprios estudantes na aldeia, além das tintas dos pinceis usados pelo professor, o que possibilitou uma diferenciação delas na representação das unidades, dezenas, centenas, etc. Após a construção do instrumento e a prática das operações com ele, a turma passava a utilizá-lo no cálculo de áreas das formas geométricas até então definidas e identificadas. Consideramos que a atividade foi bastante exitosa uma vez que envolveu a participação de todos dos os alunos, da comunidade e dos professores das demais turmas. 4

CONCLUSÕES

No decorrer da abordagem de conhecimentos matemáticos, os alunos tiveram a oportunidade de perceber e relacionar a matemática a materiais e atividades do seu cotidiano, a exemplo da confecção de artesanatos, colares, utensílios, entre outros. Partir de algo palpável, construir e consolidar os conhecimentos através de atividades lúdicas, como desafios, brincadeiras, discussões e leituras fez com que eles percebessem que a aquisição de conhecimentos matemáticos pode ser algo realmente prazeroso. Em vista das conquistas apresentadas pelos tipos de posturas e metodologias usadas, possibilitando aos Munduruku uma aquisição significativa dos conceitos de área e cálculos geométricos, além da percepção da importância dos conhecimentos matemáticos característicos de seu povo, assim como a contribuição deles para formação de uma cidadania e consolidação de sua cultura, pensamos que abordagens envolvendo jogos, Etnomatemática e matemática aproximativa têm muito a contribuir com o processo educativo. Trabalhos futuros poderão ser realizados no sentido de abordar a importância da Etnomatemática na preservação dos saberes e cultura de um povo assim como na criação de novos jogos e desafios que consolidem uma proposta para o ensino de geometria espacial, dando assim continuidade a este trabalho.

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MAPAS CONCEITUAIS COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA APRENDIZAGEM DO ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA S UIANE C OSTA A LVES1 , E SILENE R EIS1 , DAFNE A LEXANDRE C AVALCANTE1 , M ARIA G ORETTI DE VASCONCELOS S ILVA1,2

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Universidade Federal do Ceará (UFC) Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática 2 Programa de Pós-Graduação em Química <suianealves@yahoo.com.br>, <esilene@hotmail.com>, <dafne@ufc.br>, <mgvsilva@ufc.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.963

Resumo. O presente trabalho relata a investigação realizada em uma turma do Ensino Médio de uma escola pública na cidade de Maracanaú – CE. Foram utilizados mapas conceituais (MCs) como ferramenta facilitadora da aprendizagem do ensino de Química. Este estudo foi norteado pela teoria da aprendizagem significativa desenvolvida por David Ausubel, produzindo resultados satisfatórios com o uso dos MCs como ferramenta na construção da aprendizagem do conteúdo abordado. Este estudo confirma que a relação entre conceitos apresentados através de MCs pode ser assimilada pelos estudantes, promovendo a aprendizagem significativa. Palavras-chaves: Mapa conceitual. Química orgânica. Ensino de Química. Abstract. This paper reports an investigation that performed in a high school class of a public school in Maracanaú - CE and which consists in the use of concept maps (CMs) as facilitator tool of Chemistry teaching. The theory of meaningful learning developed by David Ausubel guided this study, which produced satisfactory results with the use of CMs as a tool in the construction of the used content approach learning. This study confirms that the relationship between concepts required by CMs can be assimilated by the students, promoting meaningful learning. Keywords: Concept maps. Organic Chemistry. Chemistry teaching. 1

INTRODUÇÃO

Os educadores buscam cada vez mais a aplicação de metodologias que tornem mais produtivos os processos de ensino e aprendizagem. A tendência de se aplicar metodologias de ensino que seguem a linha construtivista se evidencia nas crescentes pesquisas para o desenvolvimento de instrumentos, técnicas, metodologias ou processos no ensino, tanto em sala de aula, quanto fora dela, como no caso das aulas experimentais (ARAUJO et al., 2006). Dentre as várias estratégias em questão, os mapas conceituais (MCs) vêm se destacando e têm sido utilizados nas mais diferentes áreas do conhecimento (FREITAS FILHO, 2007).

zar conceitos previamente adquiridos para a compreensão de novos assuntos. De acordo com Moreira (2013), a aprendizagem significativa compreende a incorporação de novos conhecimentos ou saberes, conferindo ao indivíduo a capacidade de refletir diante de novas situações. Essas incorporações relacionam-se com o conhecimento prévio que o aluno possui (subsunçor). Assim, uma das condições básicas para que ocorra a aprendizagem significativa é a predisposição ao aprendizado, bem como a relação deste processo com o conhecimento prévio que o educando possui. Moreira e Masini (2009) destacam que a assimilação de conhecimentos trata-se de um processo potencialmente significativo. Neste processo, o conceito ou ideia são assimilados pela estrutura cognitiva, promovendo a representação de extensão, qualificação ou complementação aos mesmos.

A utilização de diferentes abordagens contribui para o desenvolvimento dos subsunçores dos alunos por Genericamente, mapas conceituais (ou mapas de meio de atividades através das quais eles possam utiliConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 98


MAPAS CONCEITUAIS COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA APRENDIZAGEM DO ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA

O desafio de alcançar um aprendizado mais signiconceitos) são diagramas indicando relações entre conceitos ou entre palavras, que usamos para representar ficativo no Ensino de Química, usualmente considedefinições. São diagramas de significados, de relações rado difícil pelos estudantes, vai de encontro à realisignificativas, de hierarquias conceituais. Esta técnica dade da ausência de ferramentas e estratégias que torfoi desenvolvida pelo pesquisador americano Joseph nem o ensino mais motivador. Técnicas gráficas como Novak e colaboradores na Universidade de Cornell, nos MCs podem ser instrumentos úteis, pois estão baseadas Estados Unidos, e não implica necessariamente sequên- em uma perspectiva construtivista, além de possuírem cia, temporalidade ou direcionalidade. Consiste em contribuições efetivas para a aprendizagem significauma técnica versátil que é utilizada em várias áreas tiva (ARAUJO et al., 2006; TRINDADE e HARTWIG, do conhecimento e para diferentes finalidades (MO- 2012). A necessidade de despertar interesse nos estudantes e de fazer uso de metodologias de ensino que REIRA, 2012). O uso de mapas conceituais destaca o conhecimento promovam aprendizagem significativa, diminuindo a prévio como base para novos conhecimentos, modifi- abstração que frequentemente povoa o ensino de Quícando o que Piaget definiu como esquemas de assi- mica, justifica a utilização de MCs em aulas de Química milação e acomodação do novo conhecimento. Se- para o Ensino Médio, motivando a realização deste esgundo Moreira (2013, p. 17), “a visão de Novak é tudo. que a aprendizagem significativa subjaz à integração positivista construtivista de pensamentos, sentimentos 2 REVISÃO DE LITERATURA e ações que levam ao engrandecimento humano”. A utilização de mapas conceituais (MCs) é baseada Atividades didáticas, principalmente MCs, devido principalmente na Teoria de Aprendizagem ou Teoria à sua grande adaptabilidade – representando uma aula, da Assimilação, de David Ausubel (1968). Essa teoria um programa educacional ou ainda a análise de artigos, explica como o estudante processa e armazena o conhecapítulos de livros, experimentos ou avaliação da apren- cimento a partir da organização hierárquica dos conceidizagem – levarão à ancoragem de conhecimentos. O tos e suas relações, do mais geral ao mais específico. estudante vivencia esta experiência fazendo a assimila- Ausubel (1982) relata que o indivíduo constrói signifição dos novos conceitos (TOIGO, 2012). cados a partir das relações entre um novo conceito, seu A aprendizagem significativa envolve a outorga de conhecimento prévio e sua predisposição para realizar significados e, aplicada com o uso de mapas, indepen- essa construção (FREITAS FILHO, 2007; PELIZZARI dente de quem os tenha elaborado, são dotados de com- et al., 2002). ponentes pessoais. Isso significa que não existe um Para Novak (2000, p.8) único nem um correto MC para representar uma situa Educação, em qualquer âmbito, é um esforço humano ação, um conteúdo ou um experimento. O MC criado muito complexo; existem mais formas de fazer mudanças pelo estudante é importante porque ele indica se o esque serão prejudiciais ou de pouco valor, do que formas tudante está aprendendo significativamente o conteúdo. de fazer melhoramentos construtivos na educação. É neSão utilizados desde os anos setenta e, hoje atingem as cessária uma teoria polivalente da educação para dar vivárias áreas do conhecimento, atribuindo novos signifisão e orientação para novas práticas e investigações, que cados aos conceitos de ensino, aprendizagem e avalialevem a um melhoramento firme da educação. ção, sendo inseridos frequentemente nas salas de aula (TOIGO, 2012). A partir do desenvolvimento dessas ideias, a aprenAs diversas pesquisas acadêmicas na área de ensino dizagem parece ocorrer a partir de uma dinâmica de de Química, com diferentes enfoques, influenciam as interação entre diferentes conhecimentos, culminando técnicas de ensino e de aprendizagem. Quando são in- com a formação de uma rede cognitiva cuja estrutura corporadas ou norteiam guias didáticos ou instruções é constantemente reorganizada durante a aprendizagem de laboratório, por exemplo, ajudam a melhorar a com- significativa e se mantém na memória. preensão dos conceitos por parte dos alunos. Técnicas Ausubel (2000) defende o seu ponto de vista sobre gráficas como a dos mapas conceituais estão baseadas a temática, explicando que, em uma perspectiva construtivista e possuem contribuio conhecimento é significativo por definição. É o proções efetivas para a aprendizagem significativa; podem duto significativo de um processo psicológico cognitivo favorecer a reconstrução e a troca de novos significados (“saber”) que envolve a interação entre ideias “logicae trazer uma maior compreensão, além de servir como mente” (culturalmente) significativas, ideias anteriores recurso para avaliar o progresso do estudante (ARAUJO (“ancoradas”) relevantes da estrutura cognitiva particular et al., 2006). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 99


MAPAS CONCEITUAIS COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA APRENDIZAGEM DO ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA do aprendiz (ou estrutura dos conhecimentos deste) e o “mecanismo” mental do mesmo para aprender de forma significativa ou para adquirir e reter conhecimentos.

Já Moreira (1997, p.7) admite que a aprendizagem é significativa quando uma nova proposição adquire significados para o aprendiz através de uma espécie de ancoragem em aspectos relevantes da estrutura cognitiva preexistente do indivíduo, isto é, em conceitos, idéias, proposições já existentes em sua estrutura de conhecimentos (ou de significados) com determinado grau de clareza, estabilidade e diferenciação.

De acordo com Tavares (2004, p.55), nos processos que envolvem a aprendizagem significativa, o aprendente transforma o significado lógico do material pedagógico em significado psicológico, à medida que esse conteúdo se insere de modo peculiar na sua estrutura cognitiva, e cada pessoa tem um modo específico de fazer essa inserção, o que torna essa atitude um processo idiossincrático.

Para Ausubel et al. (1980, p. 39) existem três tipos de aprendizagem significativa: a aprendizagem representacional (que está relacionada ao aspecto de o indivíduo ser capaz de conectar o objeto ao símbolo que o representa), a aprendizagem conceitual (que ocorre quando o aluno compreende o conceito propriamente dito associado ao objeto) e a aprendizagem proposicional (trata-se daquela que se refere aos significados exprimidos por grupos de palavras combinadas em proposições ou sentenças). Maffra (2010, p. 8) corrobora dizendo que:

aprendizagem significativa, e Ausubel (2000, p.12) ensina que, fundamentalmente, a base lógica para o seu uso parte dos seguintes princípios: 1. A importância de se possuírem ideias relevantes, ou apropriadas, estabelecidas, já disponíveis na estrutura cognitiva, para fazer com que as novas ideias logicamente significativas se tornem potencialmente significativas e as novas ideias potencialmente significativas se tornarem realmente significativas (i.e., possuírem novos significados), bem como fornecer-lhes uma ancoragem estável. 2. As vantagens de se utilizarem as ideias mais gerais e inclusivas de uma disciplina na estrutura cognitiva como ideias ancoradas ou subsunçores, alteradas de forma adequada para uma maior particularidade de relevância para o material de instrução. Devido maior aptidão e especificidade da relevância das mesmas, também usufruem de uma maior estabilidade, poder de explicação e capacidade integradora inerentes. 3. O fato de os próprios organizadores tentarem identificar um conteúdo relevante já existente na estrutura cognitiva (e estarem explicitamente relacionados com esta) e indicar, de modo explícito, a relevância quer do conteúdo existente, quer deles próprios para o novo material de aprendizagem.

O estabelecimento de relações entre ideias, conceitos e proposições já conhecidos na estrutura cognitiva é um processo que ocorre na aprendizagem significativa, sendo denominado de relações entre subsunçores. Elementos existentes na estrutura cognitiva são percebidos e relacionados, adquirindo novos significados e conduzindo a uma reorganização da estrutura cognitiva (TOIGO, 2012).

a teoria de Ausubel, aponta diretrizes e princípios que levam a uma estratégia facilitadora da aprendizagem significativa e, Novak, baseado na diferenciação progressiva, desenvolve os mapas conceituais como recurso para a prática pedagógica capaz de propiciar tal forma de aprendizagem. Figura 1: Exemplo de Mapa Conceitual produzido por alunos de

Na aprendizagem significativa, primeiramente um Ensino Médio Fonte: Correia et al. (2008). conhecimento novo passa a ter significado para o educando, entrando em cena o componente idiossincrático Novak (2002) desenvolveu a metodologia de MCs da significação. Esse processo envolve sempre a atribui- baseado na teoria da aprendizagem significativa, busção de significados e a incorporação da natureza pessoal cando representar como o conhecimento é armazenado do estudante. Sem a atribuição de significados pesso- na estrutura cognitiva. Assim, o uso de MCs exterioais ou a relação com um conhecimento preexistente, a riza o conhecimento através de palavras de ligação, foraprendizagem se torna mecânica, não significativa. mando proposições que mostram as relações existentes Dessa maneira, observamos que os elementos orga- entre conceitos percebidos pelo educando (FREITAS nizadores admitem essencial importância na teoria da FILHO, 2007). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 100


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METODOLOGIA

avaliação com questões objetivas e subjetivas sobre a temática “funções nitrogenadas”. O objetivo dessa avaliação foi comparar os resultados dos dois grupos, visto que somente o grupo B havia elaborado mapas conceituais com a temática em questão. Os MCs foram analisados à luz de um mapa conceitual elaborado pelos autores deste trabalho e o atendimento a quesitos previamente selecionados por sua importância (definição de funções orgânicas nitrogenadas, classificação, nomenclatura, propriedades físicas e químicas, exemplos e uso) também foi utilizado, para avaliar o aprendizado dos alunos do grupo B.

Este trabalho foi desenvolvido no horário vespertino com uma turma de 30 alunos do 3o ano do Ensino Médio da Escola de Ensino Fundamental e Médio José de Borba Vasconcelos, localizada no município do Maracanaú - CE. A turma é composta por jovens que sempre estudaram em escola pública, alguns com distorção idade-série (entre 16 a 36 anos) e dois alunos portadores de necessidades especiais. A pesquisa foi realizada em quatro etapas. A primeira foi executada em três aulas expositivas de Química, para todos os alunos, sobre funções orgânicas nitrogenadas. Ao final das aulas, os alunos foram informados sobre a pesquisa e unanimemente aceitaram par- 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ticipar da mesma. A segunda etapa desenvolveu-se em sala, no terceiro bimestre do ano letivo, e constou de Duas avaliações foram realizadas com todos os estuuma revisão do conteúdo estudado na primeira etapa, e dantes e, na 1a , apenas 06 apresentaram nota superior da aplicação de uma 1a avaliação (pré-teste) com cinco a 50 (numa escala de 0-100), o que equivale a 20,0% questões objetivas e 01 subjetiva. O pré-teste foi utili- da turma. Através do resultado em questão, observa-se zado como forma de avaliar o conhecimento dos alunos que apenas a aula expositiva não foi capaz de despertar antes da elaboração dos mapas conceituais. Todos os o interesse da maioria da turma pelo conteúdo funções alunos fizeram um pré-teste que foi utilizado como base orgânicas nitrogenadas. para referenciar os dados obtidos no pós-teste. De acordo com a definição de aprendizagem signifiSequencialmente, na terceira etapa, a turma foi di- cativa, ou seja, a incorporação de novos conhecimentos vidida aleatoriamente em dois grupos (A e B). O grupo a partir do conhecimento prévio do aluno (subsunçoB foi apresentado à ferramenta dos MCs e exercitou a res), justifica o uso de mapas conceituais na promoção construção dos mapas com diferentes temáticas esco- da aprendizagem significativa. Na 2a avaliação, 17 alulhidas pelos próprios alunos. A atividade final foi a ela- nos apresentaram nota igual ou superior a 50, sendo que boração de um MC sobre funções orgânicas nitrogena- desse total de alunos, 11 pertencem ao grupo B, ou seja, das, tema central desta pesquisa. O grupo A não parti- utilizaram MCs. Sendo assim, o rendimento dos alunos, cipou da oficina de elaboração de MCs. Nessa etapa, os calculado com base nos alunos em cada grupo - A (16 alunos tiveram a oportunidade de, através da utilização alunos) e B (14 alunos) - foi de 37,5% para o Grupo A desse recurso didático, ancorar os novos conhecimentos e 78,6% para o Grupo B, com relação a esse conteúdo por meio da utilização de seus conhecimentos prévios. de Química, com nota igual ou superior a 50, que é a Os mapas conceituais elaborados pelos alunos (do média necessária para aprovação. grupo B) exibiram, em sua maioria, estruturas bidimenA utilização de uma metodologia didática diferensionais nas quais se observa a apresentação do conceito ciada, em destaque, para os alunos que participaram do geral acima e aqueles mais específicos organizados em estudo, contribuiu para a ancoragem dos novos conhesequência hierarquicamente inferior. Moreira (2013), cimentos de Química, especificamente sobre o assunto dialogando sobre a aprendizagem significativa, afirma abordado a respeito que dos compostos orgânicos. Dique mapas conceituais podem ser usados como recurso ante do resultado exposto, observa-se que a aplicação instrumental a fim de facilitar a compreensão de um de- do instrumental “Mapas Conceituais” potencializou o terminado tópico disciplinar, podendo também ser usa- ensino, pois os alunos tiveram a oportunidade de interdos na avaliação da aprendizagem. O momento da aná- nalizar o conhecimento, expressando-o através da conlise dos MCs produzidos pelos estudantes foi de ex- fecção dos mapas. trema importância para evidenciar como os estudantes Constatou-se que muitos alunos tiveram a sua comconstruíram e replicaram esses conhecimentos, e como preensão melhorada, pois comparando as respostas obreagiram diante da proposta de produzir informações tidas no teste, verificou-se que eles apresentaram mais através da construção de um modelo didático até então exemplos de compostos nitrogenados, inclusive difenovo para eles. renciando as amidas das aminas e suas respectivas noNa quarta etapa da pesquisa, os alunos dos dois gru- menclaturas. Isso configura uma elaboração de conceipos, A e B, foram convidados a realizarem uma segunda tos mais completa e diferenciada, característica da difeConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 101


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renciação progressiva, processo que ocorre no curso da aprendizagem significativa e que contribui para aquisição de novos conhecimentos e também para a atribuição de significados (MOREIRA, 1998). Abaixo, a Figura 2 apresenta as notas (0 - 100) das 1a (a) e 2a avaliações (b) dos Grupos A e B.

(a)

anterior, esse aluno havia tirado zero). Como se observa na figura 2(a), a aplicação da ferramenta MC foi decisiva no aumento percentual das notas entre 60 – 80, tendo um aumento de 7,14% para 35,71%. Atribuiu-se esse crescimento no percentual de acertos, ao fato dos mapas conceituais possibilitarem uma melhor estruturação e assimilação das informações que os educandos receberam. Novak (apud CORREA, DONNA e MALACHIAS, 2008) considera que os mapas conceituais não se resumem a um diagrama de fluxos; antes, são muitos mais do que isso: eles explicitam as relações significativas entre conceitos e que podem ser ordenados de forma hierárquica. Um fato interessante observado nos mapas dos alunos é que alguns utilizaram outros exemplos de compostos orgânicos nitrogenados encontrados na natureza, diferentes daqueles citados no livro didático, como é o caso de um estudante, que em seu MC mencionou a presença da ureia no adubo e sua utilização na alimentação do gado (Figura 3). Neste caso, podemos afirmar que o aluno relacionou o conhecimento adquirido com o conhecimento que ele já possuía. Autores como Novak e Moreira (apud FREITAS FILHO, 2007) recomendam aos professores a utilização de mapas conceituais com recurso didático para identificar significados (subsunçores) pré-existentes na estrutura cognitiva do estudante e que são necessários à aprendizagem. Sabemos que nas provas tradicionais, a escrita dos alunos está condicionada aos comandos das questões, ou seja, ele registra apenas o que lhe foi solicitado, o que não ocorre nos MCs.

(b) Figura 2: Notas das Avaliações dos Grupos A e B; a) notas obtidas pelos estudantes x número de alunos, na 1a avaliação e b) notas obtidas pelos estudantes x número de alunos, na 2a avaliação.

A partir da análise dos dados obtidos, observou-se que o uso de mapas conceituais aplicados ao conteúdo “Compostos Orgânicos Nitrogenados” promoveu resultado satisfatório, uma vez que as notas dos alunos na segunda avaliação apresentaram uma melhora signifi- Figura 3: Mapa conceitual construído por um aluno do 3o ano do cativa. Na primeira avaliação, o número de alunos que Ensino Médio da Escola de Ensino Fundamental e Médio José de obteve nota igual ou inferior a 30 representava mais de Borba Vasconcelos, Maracanaú - CE. Fonte: Os autores, 2015. 57% do Grupo B e depois da participação nas aulas com o uso dos MCs, o número de alunos com esta porcenOs MCs podem apresentar formatos uni, bi e tritagem de acerto na 2a avaliação foi drasticamente redu- dimensionais. Os estudantes utilizaram as formas uni zido, pois não houve alunos com nota igual ou inferior (25%) e bidimensional (75%). Freitas Filho (2007, a dois (apenas um aluno obteve nota 30, porém, no teste p.87) afirma: “Na prática, porém, por serem mais elaConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 102


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borados que os unidimensionais e mais simples que os tridimensionais, os mapas bidimensionais são os mais usados”. Observou-se que apenas um estudante citou características físico-químicas das funções orgânicas nitrogenadas, resultado que pode ser considerado como um indicativo de que podem não ter compreendido esta parte do conteúdo. Este fato pode inclusive ser repensado pelo professor para que, em sala de aula, tire as dúvidas dos estudantes nesse quesito. Moreira (1998) ressalta a importância de ensinar usando organizadores prévios para fazer as pontes entre os significados que o aluno já tem e os que ele precisa ter para aprender significativamente os conteúdos. Com relação à avaliação da aprendizagem através dos mapas conceituais (MCs), Correia, Donna e Malachias (2008, p. 485) afirmam que “a avaliação por meio de MCs não ocorre com a intenção de testar conhecimentos e atribuir nota aos alunos para classificálos, mas sim com o objetivo de obter informações sobre o tipo de estrutura que o aluno estabelece para um dado conjunto de conceitos”. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante a aplicação dos MCs para o ensino das funções orgânicas nitrogenadas, percebe-se que os alunos que tiveram a oportunidade de participar da construção dos mesmos obtiveram nota em sua avaliação superior à dos alunos que não participaram da aplicação dessa metodologia. Daí a reflexão dos educadores em buscar metodologias diferenciadas que permitam aos educandos explorar seus potenciais cognitivos em busca de uma aprendizagem prazerosa que permita reflexões sobre as problemáticas que se apresentam. O aumento na motivação dos alunos diante de novas estratégias de ensino também contribui para que estejam dispostos ao aprendizado. Diante dessa realidade, delineiam-se os desafios da escola sobre esse tema na tentativa de desenvolver habilidades que permitam uma maior interação entre os estudantes e educadores, bem como garantir a transposição do conhecimento, permitindo o diálogo entre as disciplinas. REFERÊNCIAS ARAÚJO, N. R. S. de; BUENO, E. A. S.; ALMEIDA, F. A. de S.; BORSATO, D. O petróleo e sua destilação: uma abordagem experimental no ensino médio utilizando mapas conceituais. Semina: Ciências Exatas e Tecnológicas, v. 27, n. 1, p. 57–62, 2006.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) têm por finalidade o desenvolvimento da au- AUSUBEL, D. Educational Psychology: A Cognitive tonomia intelectual e do pensamento crítico do estu- View. New York and Toronto: Holt, Rinehart and dante, estimulando a sensibilidade, o espírito inventivo Winston, 1968. e a capacidade de refletir e mudar a realidade a partir de reflexões sobre as problemáticas que se apresentam na . A aprendizagem significativa: a teoria de David sociedade contemporânea. De tal forma, o aprendizado Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982. do conteúdo de Química passa a ser um eixo integrador, quando trabalhado conjuntamente com as demais . Aquisição e retenção de conhecimentos: uma áreas do conhecimento. A partir daí é possível expli- perspectiva cognitiva. Lisboa: Editora Plátano, 2000. car, compreender e intervir no processo de construção do conhecimento, desenvolvendo competências e habi- AUSUBEL, D.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, lidades, processo que pode ser compreendido também H. Psicologia educacional. Rio de Janeiro: como a relação entre pensamento reflexivo e a lingua- Interamericana, 1980. Tradução Eva Nick. gem, propiciando as relações sociais que acabam por promover o desenvolvimento da aprendizagem. CORREIA, P. R.; JR, J. W. D.; INFANTEAs reflexões em torno de como promover uma MALACHIAS, M. E. Mapeamento conceitual como aprendizagem significativa vêm sendo aprofundadas estratégia para romper fronteiras disciplinares: A através do uso de diferentes metodologias de aprendi- isomeria nos sistemas biológicos concept mapping as zagem que permitam desenvolver competências e habi- a tool to break disciplinary boundaries: isomerism lidades nos alunos. in biological systems. Ciência & Educação, SciELO Este estudo demonstrou a importância da utilização Brasil, v. 14, n. 3, p. 483–95, 2008. de mapas conceituais como recurso didático em aulas de Química. Observou-se uma evolução dos alunos que FREITAS FILHO, J. R. de. Mapas conceituais: tiveram contato com esta metodologia, o que permitiu estratégia pedagógica para construção de conceitos na um aprendizado maior por parte daqueles que partici- disciplina química orgânica. Ciências & Cognição, param do minicurso ministrado. v. 12, p. 86–95, 2007. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 98 - 104, dez. 2015 103


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MUSEU ITINERANTE DE QUÍMICA (MIQ): EXPERIÊNCIA COMO FOCO PARA DISCUSSÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ (IFPI-PICOS) F RANCISCA DAS C HAGAS A LVES DA S ILVA1 , M ARIA M OZARINA B ESERRA A LMEIDA2 , S ILVANY BASTOS S ANTIAGO3 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI) Campus de Picos 2 Universidade Federal do Ceará (UFC) 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) <fran-arosio@hotmail.com>, <mozarina@gmail.com>, <silvanybastos@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.967 Resumo. A formação inicial é o momento em que o futuro Professor de Química conhece os processos de ensino e aprendizagem, as metodologias e tem a possibilidade de desenvolver o senso investigativo; iniciar as pesquisas no sentido de contribuir para o Ensino de Química. Nesse sentido esse trabalho buscou identificar a contribuição da construção-participativa do MIQ (Museu Itinerante de Química) para dez alunos do quinto período da licenciatura em Química, através de discussões sobre Alfabetização Científica (AC), no Ensino de Química. A pesquisa realizou-se no Instituto Federal de Educação/Picos (IFPI-PI) no período de dezembro de 2014 a abril de 2015. É uma pesquisa qualitativa e descritiva, onde as ações seguiram a orientação da pesquisa participante. Através da construção do MIQ os licenciandos puderam se apropriar dos aportes teóricos da alfabetização científica prática, cívica e cultura e vinculálos as seções do MIQ, contribuindo com a formação de professores de Química conscientes do seu papel na promoção da educação científica. Palavras-chaves: Ensino de Química. Alfabetização Científica. Museu Itinerante de Química. Abstract. Initial training is the time when the future Professor of Chemistry knows the processes of teaching and learning, the methodologies and has the ability to develop investigative sense; initiate research to contribute to the Chemistry Teaching. In this sense this work aimed to identify the contribution of participatory construction-of MIQ (Itinerant Museum of Chemistry) often students of the fifth semester of degree in chemistry through discussions of Scientific Literacy (AC) in Chemistry Teaching. The research took place at the Federal Institute of Education/Picos (IFPI-PI) from December 2014 to April 2015. It is a qualitative and descriptive research, where the actions followed the lead of participatory research. Through the MIQ construction, the licensees were able to appropriate the theoretical contributions of practical scientific literacy, civic and culture and link them sections of the MIQ, contributing to the chemistry aware teacher training of their role in promoting science education. Keywords: Chemistry Education. Scientific Literacy. Traveling Museum of Chemistry. 1

INTRODUÇÃO

então seu conceito tem sido discutido por diversos autores como Cerati e Marandino (2013). Entende-se por AC a linha de pesquisa sobre o ensino de ciências escolar decorrente de investigações emergentes no campo da

A Alfabetização Científica (AC) surgiu por volta de 1950, como nova meta para o ensino de ciências e desde Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015

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Didática das Ciências (CAJAS, 2001). Uma importante visitante, uma atmosfera de desafio e de interesse, um contribuição para implementação da pesquisa no ensino potencial comunicativo capaz de suscitar neles alguma de Química seria a utilização da Alfabetização Cientí- forma de inquietação e curiosidade. Convém destacar fica nas práticas educativas de diversos níveis de ensino. ainda que o termo “itinerante” projeta dinamismo para Tais contribuições são urgentes se considerarmos o es- o trabalho, na medida em que a unidade móvel vai de tado da arte do ensino de ciências no mundo e, particu- encontro ao espaço ocupado pelo Ensino de Química larmente, no Brasil. O Programa de Avaliação Interna- nas escolas. cional de Estudantes (PISA, 2012) que avalia o ensino Do que foi exposto, o presente trabalho teve como de ciências, matemática e linguagens constatou que jo- objetivo identificar as contribuições da construçãovens tem dificuldades na compreensão e resolução de participativa de um Museu Itinerante de Química (MIQ) problemas do cotidiano. A LDB 9.394/96 (BRASIL, para a formação de Licenciandos em Química, através 1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRA- de discussões sobre AC no Ensino de Química. SIL, 2002) orientam para um ensino de ciências voltado para a realidade, mas o que se percebe é a dificuldade 2 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA EM MUSEUS do aluno em identificar as aplicações dos conteúdos na DE CIÊNCIAS sua vida, principalmente na Química. O museu vem crescendo desde os anos 701 como meio No Ensino da Química é fundamental ao aluno asde educação, abrindo assim a possibilidade de ações sumir uma postura crítica, reflexiva que contemple a toculturais e práticas educativas neste ambiente, no qual o mada de decisão e o diálogo. Para que isto possa ser vipúblico tem acesso e contribui para sua educação cienvenciado pelos discentes, os professores devem se aprotífica. Na medida em que o museu promove a comprepriar deste tipo de abordagem desde sua formação. ensão do mundo pelo homem e a construção de sua ciA precariedade de discussões e análises sobre a for- dadania, evidenciam-se também as potencialidades tecmação inicial de professores de Química proporciona nológicas reproduzidas nos ambientes museais. um ensino restrito no qual o futuro professor se vê conOs pesquisadores Cazelli et al. (2003) destacam que dicionado a um ensino tradicional, com metodologias a visão sociocultural da ciência e tecnologia nas exposie respostas prontas. Sem a formação adequada do pro- ções dos museus tratando de questões atuais, contribui fessor para lecionar Química de forma contextualizada para que os conhecimentos científicos sejam socializae interdisciplinar, a prática do mesmo limita-se à re- dos e debatidos com o público. Os museus de ciênprodução de conceitos e estratégias definidas por outros cias são percebidos não somente como locais de lazer, sujeitos, impedindo o desenvolvimento da sala de aula mas também como espaços educativos, em que as cocomo um espaço de criação e desenvolvimento de novas munidades têm a possibilidade de viverem situações de estratégias e saberes (NUNES; ADORNI, 2010). aprendizagem livre de formalidades. O sucesso do paAs ações de AC quando trabalhados na Formação pel educativo em um museu depende, dentre outros faInicial Docente podem facilitar o desenvolvimento de tores, da eficiência da comunicação entre o museu e o propostas voltadas para a formação de professores mais visitante com o uso da interatividade. comprometidos com a educação científica. Desta forma, as visitas a museus contribuem para Os conceitos de AC e sua complexidade ainda se ampliar e aperfeiçoar o alfabetismo científico dentro da mostram amplos e, por vezes, controversos. Por esse dimensão cívica, ou seja, constituída de elementos de motivo sugere-se a versão de Lorenzetti e Delizoicov relevância social que tornam o cidadão apto a partici(2001), Marco-Stiefel (2000) que defendem a AC vol- par dos debates políticos e sociais. Por esta e outras tada para o ensino de ciências com intuito de desenvol- razões é que tem sido defendido o aumento do número ver o potencial prático, cívico e cultural nos cidadãos. de museus de ciências como forma de divulgação e alPortanto, é indiscutível a importância da educação fabetização cientifica. científica com vistas às melhorias na Química, estimuPara Cerati e Marandino (2013), a AC é um prolando o papel do professor como pesquisador que tra- cesso de aquisição de conhecimentos, análise, síntese balha o Ensino de Química com foco investigativo. 1 A década de setenta do século XX, principalmente em decorrênO Museu Itinerante de Química (MIQ) é uma fer- cia das discussões ocorridas em 1972, na Mesa Redonda de Santiago ramenta de divulgação da Química, utilizando espaços do Chile patrocinada pelo ICOM (Conselho Internacional de Museus) voltados para a sensibilização por meio de práticas edu- e convocada pela UNESCO, demarcou a expansão do conceito de cativas na exposição. A configuração desse espaço pro- museu. O objetivo dessa reunião foi discutir o papel dos museus na América Latina e subsidiar a Convenção do Patrimônio Mundial propõe a discussão sobre a Química presente na escola, mulgada nesse mesmo ano na Conferência Geral das Nações Unidas relacionada ao cotidiano. A exposição proporciona no (PRIMO, 1999). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 106


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e reflexão sobre a ciência e tecnologia que ocorre em diferentes contextos sociais, sendo os museus de ciência um desses contextos. Em relação a multiplicidade de possibilidades em um museu de ciências e sua contribuição para alfabetização e divulgação científica as referidas pesquisadoras ressaltam: Reivindicar uma educação em museu dentro da perspectiva da Alfabetização Científica consiste em incorporar metas da Alfabetização Científica em sua exposição com o uso de técnicas que estimule e desencadeie esse processo como: a) textos que estimule os visitantes a pensar mais criticamente; b) informações alternadas com perguntas; c) equipamentos interativos que possibilite a compreensão de ideias científicas; d) debate, workshops, palestra com temas controversos; e) visitas guiadas que estimule discussões sobre problemas relacionados à ciência; f) oficinas para resolução de problemas contemporâneos. Essas técnicas devem ser permeadas por elementos que desencadeiam questionamentos, discussões e críticas, além de incentivar os visitantes a explorar suas próprias ideias e tirar conclusões, possibilitando maior compreensão de temáticas sociocientíficas e do papel da ciência na sociedade (CERATI; MARANDINO, 2013, p.762).

Portanto, os museus de ciências com os requisitos descritos por estas autoras proporcionam ao seu visitante possibilidade de ler criticamente as informações disponíveis na exposição e interagir com as ações educativas estabelecendo relações com o cotidiano e seus conhecimentos prévios, aprimorando a AC. Os museus de ciências possuem objetivos comuns, enquanto instituições voltadas para a produção de conhecimento científico que por ser aberto à visitação, facilitam o encontro do público com a ciência. É perceptível que a escola não consegue disponibilizar todas as informações sobre os avanços da ciência e tecnologia ao longo do período de escolarização, por isso deve propiciar iniciativas para que os estudantes saibam como e onde buscar conhecimentos científicos fora do ambiente escolar (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001). A pesquisadora Chagas (1993 apud OVIGLI, 2011) destaca a importância dos museus de ciências na formação de futuros professores, ressaltando a necessidade de desenvolver habilidades nos professores para utilizar e explorar os recursos do museu, com vistas à formação científica de seus alunos. Para ela, essa formação pode ser oferecida durante os cursos de formação inicial docente ou em cursos de formação continuada.

face do caráter formativo pode ser encontrada no exercício da redação de textos que oportuniza ao licenciando o domínio da escrita e autonomia. O MIQ como metodologia formadora baseado nos propósitos da AC deve desenvolver o senso de busca e disciplina nas ações promovidas desde o planejamento à exposição. O licenciando investigará a melhor forma de realizar a transposição didática dos conceitos abordados na exposição alinhando os conhecimentos da academia à Química, presente no cotidiano. Sendo assim, o MIQ carrega um significado de descoberta sobre a AC na formação inicial docente e atua como reconstrutor da abordagem da Química estudada pelos licenciandos ao longo do curso de licenciatura em Química. A interligação do MIQ com a escola pode promover ação educativa tendo em vista a riqueza deste espaço para a formação do cidadão e a contribuição para a cultura científica. Nascimento e colaboradores (2009) afirmam que inúmeras tem sido as iniciativas de diálogo das escolas e de professores com outros espaços culturais - em especial os museus - com vistas a explorar o que esses espaços podem oferecer para a aquisição de conhecimentos. Todavia, Marandino (2005) ressalta que os processos de transformação do conhecimento científico com fins de ensino e divulgação não são meras simplificações, já que novos saberes são produzidos pelas relações que ocorrem no âmbito da cultura museal, exigindo assim competências para sua viabilidade. Esse tipo de ação quando bem planejada facilita a formação científica do visitante do museu e licenciandos, na medida em que este acesso a cultura científica se torna frequente e interessante. Portanto, MIQ é um espaço de questionamentos e inquietações, possibilitando ao visitante explorar suas próprias ideias e rever sua cultura científica. O MIQ deve ser trabalhado na prática educativa e na formação científica dos licenciandos e visitantes como espaço de conhecimento da Química. Assim, o MIQ é um espaço de educação Química que tem muito a contribuir com a divulgação e AC dos seus visitantes. 3

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada em Picos (PI), com 10 alunos do 5o semestre de Licenciatura em Química do Instituto Federal do Piauí (IFPI-PICOS), no período de dezembro de 2014 a abril de 2015. A opção por trabalhar com o 5o período justificou-se pelo fato de os alunos já 2.1 Museu Itinerante de Química: contribuições e terem estudado as disciplinas específicas da Química, desafios deste espaço de ensino como também de formação pedagógica. Isso facilitou O caráter formativo dessa metodologia reflete-se na sua a seleção dos assuntos abordados na exposição, assim função de ensinar, exercitar e treinar o licenciando a sis- como a linguagem adotada, princípio fundamental para tematizar ações de AC ainda na formação inicial. Outra a construção do MIQ relacionado a AC. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 107


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A presente pesquisa foi classificada como participante, pois de acordo com Gerhardt e Silveira (2009), esse tipo de pesquisa caracteriza-se pelo envolvimento do pesquisador com as pessoas investigadas. A abordagem da pesquisa foi qualitativa e descritiva, apoiada por Minayo (2004). A pesquisa qualitativa possibilitou a análise dos fenômenos durante a construção participativa, visto que este tipo de análise compreende situações e comportamentos não mensuráveis. O trabalho com a formação de professores requer a conscientização dos participantes e conhecimento de todas as ações que serão vivenciadas para que os objetivos da pesquisa sejam também os objetivos dos participantes. Esta condição fortalece as ações executadas e viabiliza em maior medida a obtenção de resultados satisfatórios. Para uma melhor compreensão das etapas da pesquisa, foi produzido o Quadro 1 que apresenta um resumo das atividades realizadas. Foi realizado um levantamento bibliográfico buscando conhecer trabalhos existentes na área, de modo a contribuir com esta pesquisa, na seleção de material para grupo de estudo e discussões nas reuniões com os sujeitos. Em seguida foi realizada, como segunda etapa, a leitura dos artigos norteadores dos grupos de estudo, buscando situar os licenciandos dentro do âmbito do cenário atual sobre educação científica e o ensino de química. Este último tinha a finalidade de fortalecer os conhecimentos dos licenciandos acerca da AC inserida no ensino de Química.

indicada aos participantes a construção de relatos. Em seguida, deu-se início ao planejamento e construção do MIQ. Nas reuniões sobre a proposta do museu foi concretizado um Roteiro Museal, na qual se identificou as etapas e objetivos de cada fase da visita ao museu itinerante e a temática educacional abordada. Este roteiro consistiu em um “manual” que orientou os participantes nas fases de execução e aplicação do MIQ. A etapa seguinte consistiu na estruturação do MIQ com ações educativas: produção de material didático, organização de material de exposição e textos sobre os temas abordados pelo MIQ. A temática inicial foi a “Química no Cotidiano”, envolvendo a química no cotidiano dos visitantes em uma exposição denominada “Química: uma aventura científica”. Na fase de aplicação, o MIQ atuou em duas escolas buscando proporcionar aos seus visitantes, ações de pesquisar, interpretar e interagir com temas científicos da exposição. As conversas informais entre os sujeitos foram registradas como coleta de dados, pois revelaram muito das concepções dos participantes. 4

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os licenciandos foram informados dos objetivos do trabalho e relevância para educação científica no primeiro grupo de estudo. Promoveram-se ações formativas com leitura de artigos da AC, o Ensino de Química e o museu como prática educativa. No artigo de Milaré (2009) o licenciando teve acesso a discussão sobre a importância de cidadãos alQuadro 1: Etapas da pesquisa e artigos utilizados como subsídio fabetizados cientificamente, a complexidade de definipara trabalhar os referenciais teóricos com os licenciandos sobre a Alfabetização Científica (AC). ções e versões sobre essa temática. Neste artigo a autora busca viabilizar o desenvolvimento da AC no Ensino de Química, analisando os temas sociais dos artigos da revista Química Nova na Escola. Esse primeiro grupo de discussão foi muito enriquecedor, pois os alunos já conheciam alguns artigos analisados, trabalhados anteriormente nas atividades acadêmicas o que facilitou o direcionamento no sentido da alfabetização e educação científica. Um dos eixos norteadores do grupo de discussão foi a classificação da AC como cívica, prática e cultural. A AC permite que as pessoas possam intervir socialmente, com critérios científicos em decisões políticas; a prática está ligada aos conhecimentos básicos, necessários para sobreviFonte: pesquisa direta. vência na vida diária; a cultural relacionada com os níveis da natureza da ciência com o significado da ciência e tecnologia e sua influência no meio social (MILARÉ, As reuniões subsequentes tiveram a finalidade de se- 2009). lecionar material para construção do MIQ. Após essa Tendo em vista que o MIQ tem como eixo estrutural etapa, como também a anterior (grupo de estudo), era os elementos da AC, estes pontos foram explorados no Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 108


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Baseados no princípio da AC voltada para o ensino desenvolvimento das ações do grupo de estudo, sendo identificados os elementos da AC cívica, prática e cul- de ciências para desenvolver o potencial prático, cívico tural nos artigos apontados por Milaré (2009). Os licen- e cultural, os licenciandos planejaram as ações e orciandos afirmaram que ainda não tinham participado de ganização das ideias para caracterização das seções no Roteiro Museal. Nesta fase iniciou-se a pesquisa sobre ações voltadas para a AC ao longo do curso. O artigo de Sasseron e Carvalho (2008), do se- os temas sociais relacionadas aos conteúdos do Ensino gundo grupo de estudo, apresenta uma revisão da lite- de Química e possíveis materiais a ser utilizados para ratura sobre AC, auxiliando os licenciando a construir construção dos objetos de exposição. as concepções sobre essa temática. O artigo mostra No Quadro 2 apresenta-se a síntese do Roteiro Muuma sequência didática e o processo da AC, e para isso seal elaborado pela equipe do MIQ, suas ações e dianalisou-se as argumentações dos alunos da educação recionamento dentro da AC voltados para o Ensino de básica, procurando indicadores que mostram o trans- Química, fazendo uso das contribuições de Cerati e Macorrer do processo. Apesar do pouco contato com este randino (2013); Pinto (2010); Lorenzetti e Delizoicov tema, os licenciando perceberam a importância dessa (2001) e Marco-Stiefel (2000). abordagem para sua formação como futuros professores de química. Todavia ressaltaram que, dentre os ar- Quadro 2: Planejamento e direcionamento das ações educativas do tigos estudados, este foi o mais complexo em nível de MIQ com a temática Química no cotidiano. entendimento e compreensão da discussão. O terceiro grupo de discussão indica a temática do museu como espaço de aprendizagem e práticas educativas, abordando as possibilidades das instituições patrimoniais em promover a divulgação científica. O artigo trata do papel da interatividade neste espaço e a possibilidade de aprender ciência por meio da divulgação cientifica. Este artigo foi trabalhado com intuito de envolver os licenciandos no planejamento do MIQ e seu potencial para mostrar como a Química vincula a AC por meio da interatividade e ludicidade. Os artigos evidenciam a importância da educação científica e os avanços da ciência na sociedadetecnológica, demonstrando a necessidade da AC como discussão na formação inicial docente e no Ensino de Química. A seguir destacam-se as opiniões dos licenciandos sobre a discussão dos artigos e os objetivos do MIQ para o Ensino de Química: Aluna A: “A partir da leitura dos artigos podemos estar em contato com essa nova temática, adquirir novos conhecimentos e nos nortear a como fazer o projeto do MIQ uma nova forma de apresentar Química”. Aluno B: “Os textos abordavam conceitos científicos de como se elaborar um museu e de como ele pode servir para ajudar na instrumentalização do saber”. Percebe-se com as falas citadas, que este debate não faz parte das atividades acadêmicas dos licenciandos, muitas vezes presentes apenas na pós-graduação. Assim, os primeiros grupos de estudos possibilitaram aos licenciandos se apropriar da temática e dos principais referenciais para iniciar a fase de planejamento do MIQ. Fonte: pesquisa direta. A etapa seguinte consistiu na divisão de equipes em quatro eixos da Química no cotidiano envolvendo história da química, tabela periódica, ligações químicas e experimentações. A Figura 1 mostra o símbolo do MIQ desenvolvido Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 109


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Figura 1: Símbolo do MIQ. Fonte: pesquisa direta.

pelos licenciandos. A apresentação da exposição do MIQ foi feita pelo cientista maluco, um personagem que promoveu discussões e realizou experimentos, instigando a curiosidade como: o papel que não queima e o sangue do diabo. Este personagem buscou promover (a) interação e contemplação com a exposição, identificação do papel do pesquisador no processo de construção do conhecimento. Esta seção possibilitou aos licenciandos mostrar a Química de maneira interessante, motivadora e enriquecedora, indicando que o estudante pode tornar-se pesquisador da sua área de estudo. Destaca-se a opinião de um licenciando sobre a etapa de construção do objeto de exposição e suas pesquisas intercaladas com as ações. A Aluna C afirmou sobre o processo de construção participativa: “Muito construtivo, onde cada dia ali na preparação do museu descobríamos algo novo para melhorar o Ensino de Química”. Na Seção da Tabela Periódica foi utilizado um macro painel da tabela periódica com histórico, curiosidades sobre os elementos; jogo como o quebra cabeça (b) retomando a história da tabela periódica através da organização dos elementos como peças de quebra-cabeça Figura 2: Quebra-cabeça da tabela periódica refazendo as atividapor Mendeleev; e um conto científico “Presença de ra- des de Mendeleev, conto científico sobre o Tálio e a radioatividade. dioatividade” sobre o tálio. Esta seção discutiu a AC Fonte: pesquisa direta. cívica e cultural demonstrando o histórico da tabela, a aplicação e importância dos elementos na sociedade (Figuras 2(a) e 2(b)). Através destes objetos de exposição é possível perceber a contribuição da Química na sociedade por meio dos elementos químicos e sua evolução, ratificando este item como indicador da constante evolução da ciência, com seu caráter questionável e inacabado. O macro painel depois de terminado foi a parte que Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 110


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Figura 3: Macro painel da Tabela Periódica construído pelos licenciandos. Fonte: pesquisa direta.

Figura 4: Maquete das ligações químicas: modelo para o cloreto de sódio e cloro. Fonte: pesquisa direta.

causou maior admiração aos licenciandos, surpreendendo e indicando a importância da contextualização dos objetos museais e a seleção de objetos excepcionais foram testando materiais, buscando a melhor forma de apresentar moléculas tão diferentes como a água e DNA para uma exposição (Figura 3). Com a construção desta seção (Tabela Periódica) os (Figura 5(a) e 5(b)). Aumentando o acesso a estruturas fundamentais da licenciandos puderam constatar como a AC prática e Química e utilizando desenhos e modelos, Leal (2009) cultural contribuíram para o aprimoramento da forma destaca que o uso de modelos facilita a percepção da como ensinar este conteúdo, explorando a historicidade, disposição e associação dos diferentes átomos e grua contextualização e o caráter prático deste tema no Enpos funcionais na estrutura molecular. Isso amplia a sino de Química. Esta seção ocasionou muitas curiopossibilidade de aprendizagem de conceitos tais como sidades e trouxe informações novas sobre os elemenpolaridade, interações intermoleculares e propriedades tos químicos. Várias dúvidas foram lançadas no grupo físicas das substâncias. de discussão relacionadas a teoria como a presença dos A Seção da Experimentação constituiu-se em uma elementos químicos no cotidiano e as informações imcontinuidade da aplicação das ligações químicas, levanportantes para os cidadãos sobre estes elementos. Na seção de Ligações Químicas foram construídas tando a alguns questionamentos acerca da condução da maquetes sobre as substâncias do cotidiano que apre- corrente elétrica nas substâncias como, por exemplo: o sentam ligações iônicas (cloreto de sódio), molecular lápis-grafite conduz a corrente elétrica? Os licencian(cloro) e metálica, apresentando a maquete da substân- dos ressaltaram que esta ação os auxiliou a relacionar cia alumínio e suas propriedades. O objetivo das ma- os conhecimentos acadêmicos aos da química do cotidiquetes está relacionado com a AC prática, recrutando ano, característico da AC cívica. A partir dessa discusos conhecimentos científicos teóricos dos licenciandos são os licenciandos construíram um painel de alimentos voltados para a construção de modelos moleculares (Fi- fast-food, identificando as quantidades de cloreto de sódio e açúcar presentes nos alimentos e seus efeitos no gura 4). A utilização de modelos é constante no Ensino de organismo. Para Magalhães et al. (2012), a AC cívica Química e foi explorado na seção com o objetivo de estimula o cidadão a se informar sobre ciências e fenômostrar a natureza das ligações químicas por meio da menos que o cercam no dia a dia, ultrapassando o senso interação com as maquetes. Sobre este assunto, Leal comum, tomando decisões a partir do uso dos conheci(2009) destaca que o modelo se refere a imagens que mentos científicos. Dessa forma, os licenciandos percesão criadas para representar algo que não podemos ver beram que esse princípio incentiva a contextualização diretamente. É como se um modelo dissesse com uma da Química por meio de situações do cotidiano, favoreimagem o que a teoria afirma com seus conceitos. Por- cendo a aplicabilidade do que era ensinado a partir do tanto, os educadores químicos devem desenvolver a ha- MIQ. bilidade de trabalhar com os modelos. Os licenciandos compreenderam melhor o caráter Os licenciandos afirmaram que esta seção foi muito coletivo e dinâmico de projetos educativos voltados estimuladora, pois por meio da organização da seção para o Ensino de Química. Condições que contribuem Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 111


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para o desenvolvimento das competências docentes necessárias à formação de professores-pesquisadores que compreendem a importância de suas práticas na educação científica. A experimentação promoveu curiosidade, motivação e inquietações com experimentos curiosos como o vulcão, substâncias luminescentes com lâmpadas negras e bolhas gigantes. Destacou-se nessa seção a AC cultural e cívica, visto que os experimentos apresentados eram analogias a questões centrais como a utilização do protetor solar perceptível na seção com o experimento da luz negra. Destacou-se ainda a importância da presença dos raios UVA e UVB e o uso do protetor solar, principalmente na cidade de Picos onde a incidência solar é alta. Outro ponto explorado foi a questão ambiental observada através da simulação com reações químicas por meio de vulcão, explorando as situações surpreendentes e de questionamentos no MIQ. Esta seção contemplou aspectos inerentes à ciência ligados a produção do conhecimento científico, tateabilidade experimental, mostrando situações possíveis da vida cotidiana. As explicações trabalhadas nas seções do MIQ foram construídas na forma de textos intercalados com perguntas; estimulando o pensamento crítico. Cerati (a) e Marandino (2013) afirmam que esta técnica deve ser enriquecida por elementos que desencadeie questionamentos, discussões e críticas, além de incentivar o visitante a explorar suas próprias ideias e tirar conclusões, possibilitando maior compreensão de temáticas sóciocientíficas do papel da ciência na sociedade. Este formato de texto induz o licenciando a mudar a forma de apresentar as informações teóricas da Química, promovendo a reconstrução de escrita e estimulando a pesquisa na construção e exploração de conceitos. É perceptível por meio da opinião dos licenciandos a contribuição desta ação na formação dos futuros professores de química: “Foi muito bom trabalhar nesse projeto que nos proporcionou um conhecimento sobre algo ainda novo no nosso meio que são os museus ci(b) entíficos” (Aluna C). Do estudo a exposição, os licenciandos vivenciaram Figura 5: Modelos moleculares da água e do DNA. Fonte: pesquisa situações que poderão ser aprimoradas na atuação como direta. docente de Química, ampliando assim a possibilidade de difundir a AC no Ensino de Química como relata o Aluno E: “A minha maneira de ver a Química já mudou completamente. Eu levarei esse conhecimento que eu tive com as ações do MIQ para minha vida profissional como professor quando estiver ministrando aulas que envolvam esses temas, e assim a abordagem da Química será totalmente diferente”. O caráter formativo do MIQ reflete-se na fala dos licenciandos pesquisados, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 105 - 114, dez. 2015 112


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confirmando a sua função de ensinar e exercitar ações de AC ainda na formação inicial docente, favorecendo a autonomia necessária na formação de professores pesquisadores. 5

CONCLUSÕES

O Professor de Química em formação inicial deve ter a possibilidade de vivenciar os desafios e a potencialidade do Ensino de Química, construindo saberes que cooperem para atuação de um futuro profissional consciente da importância da Alfabetização Científica. As ações educativas realizadas nesse estudo, através de discussões de artigos e materiais envolvendo Alfabetização Científica e o Ensino de Química, demonstraram a necessidade da Alfabetização Científica para a Formação Inicial Docente dos licenciandos de Química do Instituto Federal de Educação/Picos. A influência das ações de Alfabetização Científica promoveu no licenciando a segurança necessária, ao tratar do tema e pesquisar meios para tornar possível a concretização do MIQ. No início da pesquisa os licenciandos apresentaram-se pouco conhecedores da temática devido à ausência desta na abordagem no curso, mas ao longo das atividades foi observada a riqueza dos diálogos nos grupos de discussão e organização de estratégias na fase de planejamento e execução do MIQ. O MIQ revelou-se como uma ferramenta desafiadora e enriquecedora no processo de ensino e aprendizagem dos licenciandos, pois contemplou a interatividade, curiosidade a partir da necessidade de mostrar a Química por outro ponto de vista. Outra face de caráter formativo foi encontrada no aprimoramento dos conhecimentos químicos, na leitura de revistas de divulgação científica, no exercício da redação de textos que oportunizaram ao licenciando o domínio da escrita e autonomia. Na construção participativa e exposição do MIQ, os licenciados puderam relacionar o que foi construído com a realidade das escolas e perceber o papel do professor mediador e protagonista no sentido de planejar novas estratégias de ensino, em busca de uma aprendizagem mais significativa. Nesta perspectiva, o MIQ carrega um significado de descoberta sobre a Alfabetização Científica na Formação Inicial Docente e atua como reconstrutor da abordagem da Química estudada pelos licenciandos ao longo do Curso de Licenciatura em Química.

pela oportunidade de realizar este trabalho em prol do Ensino de Química. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, dez. 1996. Disponível em: <http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 20 abr. 2016. . Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, PCN+ Ensino médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/Semtec, 2002. CAJAS, F. Alfabetización científica y tecnológica: La transposição didactica del conocimiento tecnológico. Enseñanza de lãs Ciencias, v. 19, n. 2, p. 243 – 254, 2001. CAZELLI, S.; MARANDINO, M.; STUDART, D. Educação e comunicação em museus de ciências: aspectos históricos, pesquisa e prática. In: GOUVEIA, G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. (Ed.). Educação e Museu: a construção social do caráter educativo dos museus de ciências. Rio de Janeiro: Access/Faperj, 2003. CERATI, T. M.; MARANDINO, M. Alfabetização científica e exposições de museus de ciências. In: Anais eletrônicos do Congresso Internacional sobre Investigacion en Didáctica de las Ciências. Girona: Universitat Autónoma de Barcelona, 2013. v. 9, p. 771 – 775. Disponível em: <http://www.geenf.fe.usp.br/ v2/wp-content/uploads/2015/10/art_709.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2015. GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2009. LEAL, M. C. Didática da Química: Fundamentos e Práticas para o Ensino Médio. Belo Horizonte: Dimensão, 2009. LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio, Minas Gerais, v. 3, n. 1, p. 1 – 17, 2001.

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MUSEU ITINERANTE DE QUÍMICA (MIQ): EXPERIÊNCIA COMO FOCO PARA DISCUSSÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ (IFPI-PICOS)

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OS NÍVEIS DE CONHECIMENTOS GEOMÉTRICOS DOS ALUNOS DE UMA ESCOLA PARCEIRA DO PIBID NA PERSPECTIVA DA TEORIA DE VAN HIELE

OS NÍVEIS DE CONHECIMENTOS GEOMÉTRICOS DOS ALUNOS DE UMA ESCOLA PARCEIRA DO PIBID NA PERSPECTIVA DA TEORIA DE VAN HIELE F RANCISCO E RILSON F REIRE DE O LIVEIRA , L UCIANA DE O LIVEIRA S OUZA M ENDONÇA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, campus de Canindé <erilson_fr@yahoo.com.br> <professoralucianamendonca@gmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.974 Resumo. Esse trabalho objetiva identificar os níveis de conhecimento geométrico dos alunos ingressantes no Ensino Médio de uma escola pública profissionalizante da cidade de Canindé–CE, parceira do PIBID, através do Teste de Van Hiele (TVH) e, consequentemente, realizar um diagnóstico comparativo do desempenho no teste entre as turmas analisadas. Caracterizando-se como uma pesquisa qualitativa e quantitativa. A análise dos resultados foi realizada tomando-se como referencial a Teoria do Desenvolvimento do Pensamento Geométrico do Casal Van Hiele, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e os Descritores de Geometria do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) para o 9o Ano do Ensino Fundamental, bem como autores que tratam sobre o ensino e aprendizagem de Geometria. A partir da análise estatística aplicada, percebemos que não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os resultados obtidos pelas diferentes turmas avaliadas a partir do teste de KruskalWallis. O resultado da pesquisa revelou que 66% dos alunos pesquisados se enquadraram em um nível menor ou igual a 1, dentre os 5 possíveis. Tais resultados podem decorrer da priorização dada a Álgebra em detrimento da Geometria como afirmam Pavanello (1989) e Meneses (2007). Dessa forma, concluímos que os alunos participantes da pesquisa encontram-se num nível de conhecimento geométrico muito aquém do esperado, indicando que as competências e habilidades de Geometria não foram bem desenvolvidas no processo de ensino aprendizagem de Matemática. Palavras-chaves: Geometria. Teoria de Van Hiele. Estatística. Abstract. This study aims to identify the levels of Geometric knowledge of the High School freshmen students of a public school of the Canindé-CE city through the Teste de Van Hiele (TVH) and, therefore, to do a comparative diagnosis of the test performance of the analyzed classes. The study is characterized as a qualitative and quantitative research, at the same time. The analysis of the results was realized having as references the Van Hiele’s Geometrical Thought Development Theory, the Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) and the Descritores de Geometria do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) for the 9th Year of Elementary School, as well as authors who wrote about the teaching and learning of Geometry. As for applied statistics analysis, it was noticed that there were not observed statistically significant differences among the results obtained by the different classes evaluated with the Teste de Kruskal-Wallis. The research results revealed that 66% of the analyzed students are in a level lower or equal to 1, out of the 5 possible. Such results may be a consequence of the prioritization given to Algebra to the detriment of Geometry as Pavanello (1989) and Meneses (2007), among others, affirm. We conclude that the students have a level of geometrical knowledge well below what is expected, indicating that the Geometry abilities and competences have not been well developed during the process of teaching-learning Mathematics. Keywords: Geometry. Van Hiele Theory. Statistics.

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INTRODUÇÃO

cursos de graduação de professores e nos cursos de magistério” (MENESES, 2007, p. 4). Dessa forma, percebemos que ouve, de fato, uma grande lacuna em se tratar do ensino dessa área de tão grande importância para o conhecimento humano e que esse fato também teve impactos na formação do professor que em seu processo de escolarização, provavelmente não teve uma boa qualidade de ensino dessa área da Matemática. Por outro lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reafirmam a importância do ensino dos conhecimentos de Geometria, contidos no bloco de conteúdos espaço e forma, para o pleno desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e ampliação das habilidades de pensamento pretendidas para o educando com o estudo da Matemática. De acordo com os PCN (BRASIL, 1997) a obtenção do pensamento geométrico deve acontecer por todo o Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM), como também, a Geometria não deve ser trabalhada separadamente, ou seja, não deve ser considerada como um conteúdo independente. A Geometria se constitui como um elemento que ajuda a estruturar o pensamento matemático e o raciocínio lógico e dedutivo, permitindo ao estudante estabelecer relações e compreender o espaço que o cerca. Concordando com os PCN (BRASIL, 1997) e Gazire (1988), a Geometria se constitui como um campo fértil para se trabalhar com situações problemas, despertando naturalmente o interesse dos alunos e conduzindo-os a uma aprendizagem reflexiva e significativa. Toda a importância dada à Geometria infelizmente não se reflete em sala de aula, pois a Álgebra é indiscutivelmente priorizada. As aulas de Geometria são desenvolvidas de maneira desvinculada das outras áreas, além de ser, via de regra, o último conteúdo a ser desenvolvido, correndo até o risco de não ser abordado, por falta de tempo. Segundo Pavanello:

Durante muito tempo o ensino de Matemática se caracterizou pelo predomínio de aulas expositivas sendo abordadas de forma abstrata, dificultando o entendimento dos alunos e consequentemente desmotivando-os na construção ativa do conhecimento matemático. Essa característica que foi concebida na época da Matemática Moderna, ainda predomina nas escolas, perpetuada por práticas pedagógicas tradicionais, nas quais os professores de Matemática foram formados e têm impactos e implicações pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem de Matemática ainda nos dias atuais. A problemática do ensino de Matemática fica um pouco mais complicada quando tratamos do ensino de Geometria; pois este conteúdo, segundo Pavanello (1989), na maioria dos casos não é trabalhado em tempo hábil, agravado pelo fato que durante muitos anos, em muitos livros didáticos, ainda se persistia a prática de uma sequência de conteúdos que prioriza a Álgebra em seu detrimento, deixando na maioria das vezes a Geometria em último plano. Temos que levar também em consideração que o excesso de conteúdo a ser ministrado em um ano letivo dificulta que o professor cumpra todo o programa e muitas vezes nem sequer consiga abordar o conteúdo de Geometria, devido a vários problemas de estruturação curricular. Podemos perceber que esse problema é mais complexo do que parece, tendo uma série de fatores que influenciaram uma organização curricular que não prioriza o ensino de Geometria e que impactam até hoje no ensino dessa área do conhecimento. Dentre as pesquisas sobre essa temática, destaca-se o trabalho de Pavanello (1989) que em uma pesquisa histórica sobre as possíveis causas do abandono da Geometria no Brasil, destaca que a priorização da Álgebra em detrimento da Geometria foi fortemente difundida nas escolas e nos livros didáticos pelo Movimento da Matemática Moderna no Brasil a partir da década de 60. Esse moviEsse costume de programar a geometria para o final do mento buscava tornar a matemática escolar mais próano letivo é, de certo modo, reforçado pelos livros dixima da matemática estudada na universidade, portanto dáticos que, pelo que pude observar, abordam esse tema enfatizava o rigor lógico e as demonstrações no ensino quase sempre por último, dando a impressão de que esta é dessa Ciência. a programação mais conveniente. (PAVANELLO, 1989, As pesquisas de Pavanello (1989) e Perez (1991) p. 6). constatam que independentemente de todo potencial da Geometria, o abandono do seu ensino no Ensino FunCom isso, constatamos que “neste cenário em que damental e Médio gerou uma fragilidade e ineficiência se coloca o ensino de Geometria, o que se observa é do ensino de Matemática na Educação Básica que ainda um aprendizado falho, fragmentado, pontual e desconpersiste nos dias atuais. textualizado” (OLIVEIRA, 2012, p. 33) ao contrário Meneses (2007) nos mostra uma pequena ideia de do que preconizam os PCN (BRASIL, 1997) que dequando esse esquecimento da Geometria se iniciara fendem que a ação docente deve, de fato, trazer conhequando diz: “Esse abandono percebido principalmente cimentos com significados para a vida do educando e durante os anos de 1960 a 1990, também se refletia nos relacionando-os com as demais áreas do conhecimento. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 116


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quisa que culminou na tese de doutorado de ambos. O casal trabalhou com o desenvolvimento do raciocínio no estudo de Geometria Plana, hierarquizando o processo de construção dos conceitos envolvidos na Geometria e identificando os comportamentos do estudante, na aprendizagem, como níveis de maturidade geométrica, onde cada nível sucede o anterior. Desta forma, os pesquisadores estruturaram respectivamente cinco níveis de maturidade geométrica ou níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico: Visualização (ou reconhecimento); Análise; Abstração; Dedução; e Rigor (CROWLEY, 1987). No nível da visualização ou reconhecimento, a compreensão dos educandos sobre as figuras se dá apenas pela visualização e não pelas propriedades, prevalecendo no reconhecimento apenas as formas. Um exemplo disso é a associação de figuras ou sólidos geométricos com objetos semelhantes, conhecidos, como uma caixa de sapato, uma porta, uma bola etc. O nível da análise caracteriza-se pela percepção do reconhecimento e consequência de algumas propriedades, como também pela utilização destas na resolução de problemas. Neste nível há ênfase nos conceitos envolvidos, pela análise das figuras por seus componentes, como por exemplo, quadrado: 4 lados iguais, 4 ângulos retos, lados opostos iguais e paralelos. Em relação ao nível da abstração, há a compreensão da importância de uma definição precisa, pelo estudante, mas não do papel dos axiomas. Ocorre a formulação de argumentos informais, acompanhamento e memorização de demonstrações, porém dificilmente os educandos conseguem elaborá-las formalmente, como por exemplo, dizer que todo quadrado é retângulo, mas nem todo retângulo é quadrado. Ou seja, há ausência de formalização. No nível da dedução, o educando compreende, assim como domina, o processo dedutivo e as demonstrações, diferenciando axiomas, postulados e teoremas, fazendo uso de linguagem matemática precisa. Neste estágio ele consegue, por exemplo, demonstrar propriedades de triângulos e quadriláteros por congruência de triângulos. O nível do rigor tem como características: a capacidade de compreender demonstrações formais, aptidão para estudo de sistemas axiomáticos distintos (Geometria não euclidiana), capacidade de comparar diferentes sistemas axiomáticos. Os níveis da dedução e do rigor não foram tão explorados pelo casal, visto que não 2 O MODELO VAN HIELE aparecem com frequência em estudantes da educação O modelo Van Hiele é o resultado de um estudo reali- básica que foram o foco de suas pesquisas. A forma de zado pelo casal Dina van Hiele-Geldof e Pierre Marie enquadramento dos alunos nos respectivos níveis de covan Hiele na década de 1950. Trata-se de uma pes- nhecimento geométrico aos quais eles pertencem se dá Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 117

Devido a grandes dificuldades de nossos alunos atualmente, o EF não tem atendido aos pressupostos e objetivos traçados para o ensino desse conteúdo, o que justifica em paralelo a falta de conhecimento dos conceitos geométricos elementares que se apresentam nos alunos do EM. Com base nesses aspectos e a necessidade de melhorias no tocante ao ensino e aprendizagem de Geometria, é que nos vimos motivados a diagnosticar e debater sobre quais níveis de conhecimento geométrico se encontram os alunos oriundos da rede municipal de ensino que atualmente se encontram no 1o Ano do EM, e devido a esta decisão nos ocorreu a seguinte questão problema: Quais os níveis de conhecimentos geométricos dos alunos do 1o Ano do Ensino Médio, tomando como base os níveis de conhecimento geométricos propostos pelo casal Van Hiele? A partir desse questionamento, surgiu à proposta de uma pesquisa qualitativa e quantitativa durante o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de autoria e orientação, respectivamente, de Oliveira (2015) e Mendonça a ser realizada com alunos do 1o ano do EM através da aplicação do teste de Van Hiele, buscando elucidar quais conhecimentos geométricos os participantes da pesquisa trazem em sua bagagem escolar. Nesse sentido, esse trabalho que é um recorte do TCC acima citado, tem como objetivo identificar os níveis de conhecimentos geométricos dos alunos ingressantes no EM de uma escola pública profissionalizante da cidade de Canindé – CE através do Teste de Van Hiele e, consequentemente, realizar um diagnóstico comparativo do desempenho no teste entre as três turmas analisadas. Para tanto, aplicamos um teste diagnóstico (teste de Van Hiele) aos alunos do 1o Ano do EM de uma escola parceira do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), programa do qual fazemos parte. Posteriormente, analisamos estatisticamente os resultados obtidos pelos alunos e dialogamos com a Teoria do Desenvolvimento do Pensamento Geométrico do Casal Van Hiele, com os PCN e os descritores de Geometria do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) para o 9o Ano do Ensino Fundamental, bem como também com alguns autores que tratam sobre o ensino e aprendizagem de Geometria, tais como: Gazire (1988), Lorenzato (1995), Oliveira (2012) e Pavanello (1989).


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pela resolução de um teste, Teste de Van Hiele (TVH). Segundo a teoria de Van Hiele, o TVH foi desenvolvido para determinar o nível de desenvolvimento do pensamento em Geometria dos sujeitos da pesquisa, quando essa determinação for possível. O teste foi montado com 25 questões, com 5 delas correspondendo a cada nível e tem como intuito, inferir sobre a comprovação de que cada aluno esteja mesmo no nível ao qual seu comportamento se enquadra. O teste ficou estruturado de forma que as questões de 1 a 5, 6 a 10, 11 a 15, 16 a 20 e 21 a 25 corresponderiam aos níveis 1, 2, 3, 4, e 5, respectivamente. O teste foi produzido pelo grupo Cognitive Development and Achievement in Secondary School Geometry CDASSG (USISKIN, 1982), este grupo trabalhou com dois critérios diferentes para enquadrar o aluno nos níveis: a) 3 acertos em 5 e b) 4 acertos em 5. A cada aluno atribuiu-se uma nota que corresponde a uma soma ponderada obtida da seguinte maneira para o critério a: a.1) 1 ponto por acertar pelo menos 3 dos itens de 1 a 5 (nível 1);

percentual, consideravelmente baixo, tranquiliza o pesquisador ao escolher esse critério para análise, reafirmando a ideia de não comprometer a confiabilidade do trabalho. Com base nisso, utilizaremos tal critério para análise, pois nos permitirá enquadrar um número maior de alunos nos níveis mais elevados. Dessa forma, ao verificar em quais subgrupos o aluno acertou pelo menos três questões, são atribuídos os pontos, conforme já descrito, e adicionados os mesmos, de forma a obter a soma ponderada por aluno. Esse valor permitirá ou não o enquadramento dos sujeitos como podemos ver na Tabela 1, abaixo: Tabela 1: Correspondência entre os Níveis de Van Hiele e a Soma Ponderada

Níveis <1 1 2 3 4 15

Pontos atribuídos 0 1 2 4 8 16

Soma ponderada 0 1 3 7 15 31

Fonte: Dados da pesquisa.

a.2) 2 pontos por acertar pelo menos 3 dos itens de 6 a 10 (nível 2);

Usiskin (1982) afirma que este método facilita o processo de enquadramento dos sujeitos, pois permite a.3) 4 pontos por acertar pelo menos 3 dos itens de 11 determinar em quais níveis o critério estabelecido foi a 15 (nível3); alcançado, apenas utilizando a soma ponderada. Assim, a.4) 8 pontos por acertar pelo menos 3 dos itens de 16 um número de 0 a 31 é suficiente para o enquadramento dentre os 5 níveis. Uma soma 3, por exemplo, indica a 20 (nível 4); que o aluno atingiu o critério estabelecido para os nía.5) 16 pontos por acertar pelo menos 3 dos itens de 21 veis 1 e 2; uma soma 5 indica que o aluno atingiu o a 25 (nível 5). critério estabelecido para os níveis 1 e 3; etc. Porém, uma das características do Modelo van HiPara o critério b, a análise é análoga, modificando ele de desenvolvimento do pensamento geométrico é o apenas o número de acertos que é de pelo menos 3 para fato dele ser sequencial. Para que um aluno seja enquapelo menos 4 em cada nível como descrito acima. Os drado em um nível qualquer é preciso que ele satisfaça o pesos atribuídos por nível (do 1 ao 5) correspondem a critério estabelecido não apenas para aquele nível, mas potências de 2 e ressaltam a ideia do grau de dificul- também para todos os precedentes. Dessa forma, caso o dade das questões crescerem de forma exponencial a aluno obtenha uma soma 3, como exemplificado anterimedida em que transitamos pelos 5 níveis. Um aspecto ormente, ele satisfez o critério para os níveis 1 (1 ponto) que deve ser levado em consideração é a possível ocor- e 2 (2 pontos), portanto será enquadrado no nível 2. Por rência de erros, tais como: a) o não enquadramento de outro lado, se a soma obtida foi 5, ele satisfez o critério um aluno que consiga operar com eficiência de pratica- para os níveis 1 (1 ponto) e 3 (4 pontos), o que não o mente 100% em um determinado nível; como também, habilita a ser enquadrado em nenhum dos níveis exisb) o enquadramento indevido de alunos que acertaram tentes, pois o critério para o nível 2 não foi alcançado. 3 ou mais questões de um determinado nível por acaso Notemos que isso equivale a dizer que somas ponde(chute). radas obtidas pelos alunos das quais diferem das mosAo ser adotado o critério de 3 acertos em 5 a pro- tradas na Tabela 1 referem-se à alunos que não pobabilidade de ocorrência de erro do tipo b) aumentam, dem ser enquadrados em nenhum nível, dos quais poapesar dessa probabilidade apresentar apenas um valor derão ser classificados com a terminologia “nível inaproximado a 6% de chances de acertos por acaso. Esse definido”, de acordo com a nomenclatura proposta por Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 118


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estudo do nível em questão. Nessa fase, é introduzido o vocabulário específico do nível, são feitas perguntas e observações. Essa fase se torna uma espécie de preparação para estudos futuros. Fase 2 - Orientação dirigida: Através do uso de materiais preparados pelo professor, são desenvolvidas atividades com intuito de explorar bastante as características de um nível. Fase 3 - Explicação: Nesta fase, o papel do professor é fundamentalmente de orientar o aluno por meio de uma linguagem apropriada. Com base nas experiências anteriores e nas orientações do professor, os alunos 1. Sequencial: O aluno deve passar por todos os ní- conseguem revelar seus pensamentos e modificar seus veis, sendo que, não é possível passar de nível sem pontos de vista sobre as estruturas trabalhadas e obserque domine o nível imediatamente anterior, e con- vadas podendo assim compreender tais estruturas. sequentemente, todos os outros níveis antecessoFase 4 - Orientação livre: Neste momento, através res. do material disponibilizado pelo professor, os alunos 2. Avanço: A passagem de um nível para outro de- procuram soluções particulares à tarefas mais complepende principalmente dos métodos de ensino e do xas, e tais soluções podem ser realizadas de maneiras conteúdo, sendo que, a idade ou grau de maturação diferentes, gerando assim certa experiência ao descodo aluno não influenciam tão fortemente. Apesar brir sua própria maneira de solucionar as tarefas. Fase 5 - Integração: Por fim, o aluno revê e resume disso, em hipótese alguma nenhum método de entudo que foi aprendido, objetivando formar uma visão sino permite ao aluno pular por um nível, mesmo mais geral da nova rede de objetos e relações, dessa que em alguns casos exista uma brevidade em cerforma, o aluno consegue alcançar um novo nível de pentos níveis, porém em outros casos pode-se acontesamento. cer um retardo nesta passagem. Analisando algumas pesquisas que tratam da temá3. Intrínseco e Extrínseco: Os objetivos não tão visí- tica do ensino de Geometria, acreditamos que o trabalho veis em um nível tornam-se bastante explícitos no baseado na teoria de Van Hiele pode ser uma boa alnível seguinte. ternativa teórico-metodológica para que o ensino desse conteúdo seja ressignificado não só pelos alunos, que 4. Linguística: Cada nível se caracteriza por sua própoderão aprendê-los de forma significativa, mas tampria linguagem e por um conjunto de relações, bém para os docentes ou futuros docentes de Matemáinterligando-os. Dessa forma, uma relação dita tica, que poderão ser encorajados, a partir dessa experi“correta” em certo nível, pode chegar a se modiência, a desenvolverem diferentes formas de ensinar e a ficar em outro nível seguinte. analisarem o processo de ensino e aprendizagem tendo 5. Combinação inadequada: O professor em hipótese como referencial a Teoria de Van Hiele. Nesse sentido, acreditamos que essa pesquisa trará alguma poderá raciocinar em um nível diferente do aluno, caso isso aconteça, o aprendizado não contribuições importantes a essa temática, principalocorre. Ou seja, o conteúdo, o material didático e mente no que se refere a um diagnóstico preliminar soprincipalmente o vocabulário do professor devem bre os níveis de conhecimentos geométricos dos aluestar compatíveis com o nível ao qual o aluno se nos participantes da pesquisa, que representam aproximadamente 90,6% dos alunos ingressantes no ensino encontra. médio profissionalizante de uma escola pública de CaVan Hiele destaca que a mudança de um nível para nindé. o outro não se dá por meio de processos naturais, e sim Além disso, gostaríamos de ressaltar também, as pela influência do professor através de um programa de contribuições dessa pesquisa para o pesquisador, que ensino (VAN HIELE, 1986). Tal programa inclui uma está em processo de formação inicial no curso de Lisequência didática contendo cinco fases como já men- cenciatura em Matemática do IFCE Campus Canindé, cionado. inserido no Programa Institucional de Bolsas de IniciFase 1 - Informação: Professor e aluno conversam ação a Docência – PIBID Capes, que teve a oportunide modo a desenvolver atividades sobre os objetos de dade de pesquisar esta temática, entendendo como se Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 119 (OLIVEIRA, 2012). Outra ocorrência totalmente fora do esperado é a dos sujeitos que não satisfizeram o critério em nenhum dos níveis, nem mesmo no nível 1. Para esses casos, Oliveira (2012), considera por motivos pedagógicos a categoria “<1” (inferior ao nível 1) para tais alunos. Seguido dos cinco níveis de conhecimento, os Van Hiele expressaram cinco características peculiares do modelo e uma sequência didática elencando cinco fases de aprendizagem (CROWLEY, 1987). As características são distribuídas da seguinte forma:


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dá o processo de ensino e aprendizagem de Geometria, com uma preocupação de aperfeiçoar a sua prática pedagógica nas escolas públicas de Canindé e região. 3

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O Universo da pesquisa é uma escola estadual da cidade de Canindé, com seis (6) anos de funcionamento, que atende atualmente quatrocentos e dezessete (417) alunos da cidade de Canindé e cidades circunvizinhas e funciona nos turnos manhã e tarde, sendo ambos com as mesmas turmas, pois se enquadra no regime de tempo integral de ensino. Como população, participaram os alunos do 1o Ano do EM das três (3) turmas existentes, das quais nomeamos por Turma A, Turma B e Turma C, que totalizam cento e dezessete (117) alunos, porém nos dias das aplicações, tivemos a presença de cento e seis (106) alunos que representam aproximadamente 90,6% aptos a participarem da pesquisa, considerando esse número bastante significativo para esse estudo. Tais alunos foram nomeados de Aluno 1, 2, 3, ..., 106. Os alunos 1 à 34 fazem parte da Turma A, 35 à 68 da Turma B e os alunos 69 à 106 da Turma C. 3.1

Análise Descritiva dos Testes de Van Hiele

Após a aplicação dos testes e de posse das folhas de respostas dos alunos, passamos a avaliação do nível de desenvolvimento do pensamento geométrico, de cada aluno. Baseando-nos na proposta original do projeto CDASSG para a avaliação dos resultados obtidos e o possível enquadramento dos sujeitos nos níveis de Van Hiele nos apoiamos na Estatística. Segundo Guimarães (2008): Estatística é um conjunto de técnicas de análise de dados, cientificamente formuladas, aplicáveis a quase todas as áreas do conhecimento que nos auxiliam no processo de tomada de decisão. É a Ciência que estuda os processos de coleta, organização, análise e interpretação de dados relevantes e referentes a uma área particular de investigação. (GUIMARÃES, 2008, p. 11).

Gráfico 1: Acertos por questão e acertos por nível Fonte: Dados da Pesquisa

Analisando por meio de percentuais, onde todos os possíveis acertos seriam no total 530 por cada nível, haja vista que cada nível possui 5 questões e que participaram 106 alunos. No nível 1 (questões de 1 à 5), somando todas as respostas corretas, obtivemos 66% de acertos, no nível 2, que inclui as questões de 6 à 10, temos 42% dos acertos possíveis, caindo para 27% no nível 3 (questões de 11 à 15), 21% no Nível 4 que compreende as questões de 16 à 20, e apenas 19% no nível 5 (questões de 21 à 25). Além disso, analisamos as questões de forma individual, onde temos um máximo de 106 acertos por questão. No nível da visualização (nível 1) tivemos a questão de número 3 com maior índice de acertos (84%). Esta questão trata da identificação dos retângulos. Com o menor número de acertos (23,5%), temos a questão 5 que, por sua vez, trata da inferência sobre o paralelogramo (Figura 1).

Com base nisso, inicialmente corrigimos cada prova construindo uma tabela de frequência pelos acertos por questão, por aluno e por turma. A partir dessa tabela obFigura 1: Representação da questão 05 do TVH tivemos os dados do Gráfico 1 para análise dos acertos Fonte: Oliveira (2012) por questão e por nível de conhecimento. A partir do Gráfico 1, podemos perceber que de fato o teste possui um caráter ascendente de dificuldade, de Para a resolução correta desta, como das outras 4 acordo com a literatura, pois no nível 1 tivemos uma primeiras questões, é necessário apenas o reconheciquantidade bem maior de acertos e esses vão decres- mento por meio da visualização como o próprio refecendo a medida em que os níveis crescem. rencial teórico descreve. Considerando os Descritores Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 120


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das Matrizes de Matemática do 9o ano do EF (BRASIL, 2008) disponibilizado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), os alunos demonstraram dificuldades em relação aos descritores 2 e 4 que inferem respectivamente sobre a Identificação de propriedades comuns e diferenças entre figuras bidimensionais; e Identificação de relações entre quadriláteros, por meio de suas propriedades. No nível 2 (Análise), obtivemos a questão 9 com maior índice de acertos (71%). Esta solicita ao aluno o conhecimento das propriedades dos triângulos isósceles. Do lado oposto a essa situação tivemos a questão que apresentou o menor número de acertos (30%), questão 10. Esta solicita ao aluno um conhecimento em relação às propriedades dos círculos relacionando com os raios e os ângulos do quadrilátero formado, tendo os centros e os pontos de interseção entre os círculos como vértices (Figura 2).

Figura 2: Representação da questão 10 do TVH Fonte: Oliveira (2012)

ângulos retos e não-retos.

Figura 3: Representação da questão 13 do TVH Fonte: Oliveira (2012)

No Nível 4 (Dedução), tivemos a 18a questão com o número mais elevado de acertos, com apenas 34% dos possíveis. Para a resolução desta, é necessário que o aluno tenha compreensão de implicações lógicas bem como pelo menos um mínimo de domínio de processos dedutivos. Por outro lado, com o menor número de acertos, inclusive em comparação a todas as questões do teste, temos a questão 19 exposta na Figura 4 abaixo, com apenas 11 dos 106 alunos tendo acertado, configurando-se apenas com aproximadamente 10,5% dos acertos possíveis. Nesta questão o aluno é indagado sobre a compreensão dos axiomas e definições da Geometria.

Ao responder tal questão, o aluno demonstra competências e habilidades relativas ao descritor 4: Identificar relação entre quadriláteros, por meio de suas propriedades; e descritor 11: Reconhecer círculo/circunferência, seus elementos e algumas de suas relações. Porém estas competências ainda não foram Figura 4: Representação da questão 19 do TVH bem desenvolvidas pela população pesquisada. Fonte: Oliveira (2012) No nível 3, a questão 12 teve maior número de acertos, mesmo com o fato de apenas 35% dos alunos terem Por sua vez, esta competência não é contemplada acertado. Tal questão solicita que o aluno infira sobre as propriedades dos triângulos equiláteros, bem como nos descritores do SAEB, corroborando para com o trasuas implicações. Neste nível, a questão 13 foi a que balho dos Van Hiele, que afirma que os níveis quatro e teve menor índice de acertos (20%) (Figura 3), no item cinco não são alcançados pela maioria dos alunos do EF o aluno é indagado sobre as propriedades dos retângu- e que por esse motivo suas pesquisas não aprofundaram los, solicitando resposta em que o aluno identifique o os estudos nesses níveis. quadrado também como um retângulo, a partir da inPor fim, no nível 5 (Rigor), com apenas 24,5% dos clusão de classes. acertos possíveis, tivemos a questão 21 como a mais Esta questão também está relacionada aos descrito- acertada. Esta, trata da capacidade de estabelecer e res: 2, que tem como competência a Identificação das comparar diferentes sistemas matemáticos, ou seja, Gepropriedades comuns e diferenças entre figuras bidi- ometria não euclidiana. Com o pior resultado deste nímensionais; 4, Identificação de relação entre quadriláte- vel, temos a questão 23, com 14%. A resolução desta ros, por meio de suas propriedades; e 6, Reconhecer ân- questão requer a mesma capacidade de resolução da angulos como mudança de direção ou giros, identificando terior. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 121


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Figura 5: Representação da questão 23 do TVH Fonte: Oliveira (2012)

Como já mencionado, esta questão não estabelece relação com os descritores do SAEB como também não foi tão explorada pelos Van Hiele, agora devido ao fato de estarmos trabalhando com Geometria não euclidiana. Dessa forma, passamos para a classificação dos alunos por nível de desenvolvimento do pensamento geométrico. 3.2

Classificação dos Sujeitos por Nível de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

Apesar da possibilidade de utilização de 4 acertos em 5 para o enquadramento do aluno ser mais rigoroso, seguimos o critério utilizado por Oliveira (2012), de pelo menos 3 acertos das cinco questões distribuídas de cada nível, por conseguirmos um percentual maior de alunos nos níveis mais altos. Seguindo esta metodologia, assim como a descrita no referencial teórico-metodológico, corrigimos todas as provas dos alunos das três turmas, em que participaram do teste respectivamente 34, 34 e 38 alunos, totalizando 106 alunos, e obtivemos resultados a partir da distribuição dos alunos segundo os níveis de Van Hiele como mostra o Gráfico 2 abaixo.

às exigências do modelo de Van Hiele para classificação, sendo necessário 3 acertos por nível e, de forma sequencial, para enquadramento de nível proposto. Dessa forma, o setor cinza do gráfico setorial refere-se aos alunos que não puderam ser enquadrados em nenhum nível, aos quais classificamos com a terminologia “nível indefinido”, de acordo com a nomenclatura proposta por Oliveira (2012). Por outro lado, somando-se apenas as porcentagens dos alunos que foram enquadrados em algum nível, os dados do Gráfico2 indicam que 51% alunos encontramse em um nível menor ou igual a 1, não chegando ao nível 2 que seria o nível da análise, caracterizado pela percepção do reconhecimento e consequência de algumas propriedades, como também pela utilização destas na resolução de problemas, e que 16% dos alunos sequer poderiam ser enquadrados no nível 1 que se refere ao nível da visualização ou reconhecimento. Como já mencionado no referencial, neste nível a compreensão dos educandos sobre as figuras se dá apenas pela visualização e não pelas propriedades, prevalecendo no reconhecimento apenas as formas. Esses dados nos impressionaram de maneira marcante. Tínhamos como hipótese que os resultados não seriam bons, porém, pode ser observado que os alunos apresentaram mais dificuldades do que o esperado. Para facilitar a comparação entre as 3 turmas (A, B e C) de forma individual, como também para vermos se existe alguma diferença entre elas, construímos o Gráfico 3 que apresenta o enquadramento dos alunos nos níveis de Van Hiele separados por turmas.

Gráfico 3: Enquadramento dos alunos nos níveis de Van Hiele por turmas Fonte: Dados da Pesquisa Gráfico 2: Enquadramento de todos os alunos nos níveis de Van Hiele Fonte: Dados da pesquisa

Fica explícito que nenhum aluno conseguiu mostrar conhecimento geométrico referente ao nível cinco e apenas a Turma C possui aluno no nível 4, sendo 3% Observando o Gráfico 2 acima, nota-se que 22,5% dela, onde de forma geral se refere a apenas 1% dos aludos participantes da pesquisa não puderam ser enqua- nos avaliados. A Turma A obteve um maior percentual drados em nenhum nível, levando-se em consideração de alunos no nível três (9%), e com o menor percentual Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 122


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temos a Turma C (3%). Este nível é caracterizado como completamente possível de se chegar enquanto aluno do EF como descreve o casal Van Hiele, porém este percentual se apresenta muito aquém do que realmente deveríamos obter. No nível 2, os papeis se invertem, a Turma C encontra-se com o maior percentual de alunos (26%), ficando a Turma A com 15% dos alunos neste nível, sendo o menor percentual. O nível 1 se caracteriza como o nível que mais obtém alunos, sendo 41% dos alunos da Turma A que é detentora da maior classificação de seus alunos nesse nível, e menor enquadramento dos alunos nesse nível a Turma C, ficando com 26% deles. O nível <1 apresenta um percentual bastante significativo de alunos. Neste nível temos 18% dos alunos da Turma C enquadrados, enquanto que apenas 12% dos alunos da Turma B se mostraram com esse nível de conhecimento. Chegando por fim nos alunos com nível Indefinido. Com esta característica temos 26,5% dos alunos da Turma B, sendo a turma com maior índice de alunos que não puderam ser enquadrados nos níveis de Van Hiele, de acordo com a metodologia adotada. Já a Turma A apresentou o menor índice, com apenas 17,5% de seus alunos. Percebemos que os resultados apresentaram alternância entre turma com maior e menor índice de alunos enquadrados em um nível específico. Devido a essa visão, pensamos que poderiam existir algumas diferenças estatísticas significativas permeando estas turmas. Para podermos analisar essas possíveis diferenças, aplicamos o teste de Kruskal-Wallis. Tal teste, segundo Doria Filho (1999), é utilizado frequentemente para testes não-paramétricos, e figura no ranking dos mais utilizados. Este teste é utilizado para dados provenientes de três ou mais amostras. Ele é usado para testar a hipótese de que todas as populações possuem distribuições iguais; quando o teste de Kruskal-Wallis conduz a resultados significativos, ou seja, o valor p < 0,05, então pelo menos uma das amostras é diferente das restantes (AYRES et al., 2007). Fizemos o teste descrito utilizando o Software BioEstat 5.31 (AYRES et al., 2007) desenvolvido pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Após a realização da análise estatística, verificou-se que à ausência de diferenças estatisticamente significantes entre as turmas analisadas (p = 0,6395). Passando por essa fase de testagem das três turmas e, consequentemente, a aferição de que elas se apresentam com distribuições iguais, ou seja, sem diferenças significativas, analisaremos agora apenas os alunos dos quais conseguimos enquadrar em algum nível. Assim,

obtemos os dados da Tabela 2. Analisando a Tabela 2, com a apresentação dos alunos que foram enquadrados em algum nível, ou seja, retirando-se da amostra os indefinidos. Ao relacionarmos os dados dos Gráficos 2 e 3 notamos que o índice passou de 51% para 66% dos alunos que encontram-se em um nível menor ou igual a 1, e que 21% dos alunos sequer poderiam ser enquadrados no nível 1 que se refere ao nível da visualização ou reconhecimento. Observando a Tabela 2 de acordo com a metodologia descrita, observamos que cerca de 99% dos alunos foram classificados segundo um nível igual ou inferior ao 3 e 92% foram classificados segundo um nível igual ou inferior ao 2. O percentual aproximado de alunos que foram classificados segundo o nível 3 foi de apenas 7%, enquanto os que foram classificados no nível 2 foi de 26%. Isso implica, como já foi mencionado, que 66% dos alunos foram classificados nos níveis iguais ou inferiores ao nível 1 de conhecimento geométrico. Nossos dados indicam um pior resultado em relação aos dados encontrados na pesquisa de Oliveira (2012), seguindo também a mesma metodologia de análise, sem os indefinidos, que na aplicação do pré-teste, classificou 96% dos alunos segundo um nível igual ou inferior ao 3; 73% dos alunos classificados no nível igual ou inferior a 2 e aproximadamente 60% dos alunos classificados segundo os níveis 2 e 3. Tal resultado, mesmo sendo melhor do que os encontramos em nossa pesquisa, ainda se configuram aquém dos conhecimentos geométricos propostos nos PCN bem como nos descritores do SAEB, dos quais indicam habilidades e competências a serem desenvolvidas pelos alunos durante o EF que não estão sendo efetivamente alcançadas por eles durante este nível de escolaridade. Por outro lado, as discussões das diversas pesquisas que Pusey (2003) faz em seu trabalho, são corroboradas por nosso resultado, pois segundo o autor a maioria dos alunos americanos chegam à universidade raciocinando, segundo os níveis 1 e 2. Em nossa pesquisa constatamos que aproximadamente 55% da nossa população em análise (ver Gráficos 2 e/ou 3) se encontram nesses níveis. Rezi (2001); Usiskin (1982); e Burger e Shaughnessy (1985) também obtiveram resultados semelhantes aos que encontramos. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas de Pavanello (1989), Perez (1991) e Gazire (2000) constatam que a Álgebra foi indiscutivelmente priorizada em detrimento à Geometria, e que 1 Software disponível em: todo o processo de abandono ainda se reflete negativahttp://www.mamiraua.org.br/ptmente nos dias atuais. Somos conhecedores de todo o br/downloads/programas/bioestat-versao-53/. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 123


OS NÍVEIS DE CONHECIMENTOS GEOMÉTRICOS DOS ALUNOS DE UMA ESCOLA PARCEIRA DO PIBID NA PERSPECTIVA DA TEORIA DE VAN HIELE Tabela 2: Classificação dos sujeitos de acordo com os níveis de van Hiele sem os indefinidos

Nível <1 1 2 3 4 5 Total

Turma A 6 14 5 3 0 0 28

% 21,5 50 18 10,5 0 0 100

Turma B 4 13 6 2 0 0 25

% 16 52 24 8 0 0 100

Turma C 7 10 10 1 1 0 29

% 24 34,5 34,5 3,5 3,5 0 100

Geral 17 37 21 6 1 0 82

% 21 45 26 7 1 0 100

Fonte: Dados da pesquisa.

potencial intrínseco na Geometria, e que o ensino desta área acarreta benefícios incomensuráveis para a vida do educando, principalmente quando apresentado por meio de relações com o cotidiano dos sujeitos em formação, como também a partir de uma metodologia que utilize recursos didáticos diferenciados, priorizando a aprendizagem ativa dos educandos. Por isso, consideramos ser necessário um trabalho docente voltado essencialmente para a construção do conhecimento matemático de forma significativa e conectada com a realidade dos alunos, principalmente no tocante a Geometria. Devido a todo esse processo de relegação da Geometria, os índices de aprendizagem desta área continuam abaixo do que realmente almejamos em si tratar da Educação Básica. Ratificando isso, os níveis de conhecimento geométrico apresentados pelos sujeitos dessa pesquisa, a partir da resolução do teste de Van Hiele, se expressam muito aquém do esperado para a nossa educação básica. Isso devido termos observado que 66% dos alunos pesquisados se enquadraram em um nível menor ou igual a 1. O que nos leva a refletir que as competências e habilidades de Geometria indicadas tanto pelos PCN como pelos descritores do SAEB não foram bem desenvolvidas pelos alunos avaliados. Esta característica encontrada possivelmente decorre da forma como tem sido ensinada essa área da Matemática, como afirmam Lorenzato (1995) e Pavanello (1989).

Recomendamos a possibilidade de continuidade desse trabalho a partir da utilização dos dados já coletados para uma intervenção, embasada em Oliveira (2012), para constatar se realmente um trabalho interventivo ajudará para com a amenização dos resultados ora encontrados e consequentemente contribuir para a transposição de dificuldades de aprendizagem em Geometria concernentes a escolarização básica de nossos munícipes. REFERÊNCIAS AYRES, M.; AYRES JÚNIOR, M.; AYRES, D. L.; SANTOS, A. BIOESTAT - Aplicações estatísticas nas áreas das Ciências Bio-Médicas. Belém: Mamirauá, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília, 1997. . PDE : Plano de Desenvolvimento da Educação: Prova Brasil : ensino fundamental : matrizes de referência, tópicos e descritores. Brasília, 2008. CROWLEY, M. L. The van hiele model of the development of geometric thought. Mary Montgomery Lindquist. Learning and Teaching Geometry, K-12., p. 1–16, 1987.

De maneira geral, os resultados dos testes foram piores que os encontrados por Oliveira (2012). Mas que DORIA FILHO, U. Introdução a Bioestatística: para também diferem de dados socioeconômicos e Educaci- simples mortais. São Paulo: Negócio Editora, 1999. onais, uma vez que a pesquisa de Oliveira (2012) foi desenvolvida com sujeitos da cidade de Ouro Branco GAZIRE, E. S. Perspectivas da resolução de – Minas Gerais que possui IDH de Renda 0,753 e problemas em educação matemática. Dissertação IDH de Educação 0,680 enquanto que Canindé apre- (Dissertação (Mestrado em Educação Matemática)) senta um IDH de Renda 0,571 e de Educação 0,526, — Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita configurando-se como uma cidade de baixo Índice de Filho”, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Desenvolvimento Humano Educacional. Claro, 1988. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015 124


OS NÍVEIS DE CONHECIMENTOS GEOMÉTRICOS DOS ALUNOS DE UMA ESCOLA PARCEIRA DO PIBID NA PERSPECTIVA DA TEORIA DE VAN HIELE

GAZIRE, E. S. O não resgate das geometrias. Tese (Tese de Doutorado) — Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 2000. GUIMARÃES, P. R. B. Métodos Quantitativos Estatísticos. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008. LORENZATO, S. Por que não ensinar geometria? Revista da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, n. 4, p. 3–13, 1995. MENESES, R. S. Uma história da geometria escolar no Brasil: de disciplina a conteúdo de ensino. Dissertação (Dissertação (Mestrado em Educação)) — PUC, São Paulo, 2007. OLIVEIRA, F. E. F. Os Níveis de Conhecimentos Geométricos dos Alunos Ingressantes No Ensino Médio e a Teoria de Van Hiele. Dissertação (Monografia (Licenciatura em Matemática)) — Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Canindé, 2015. OLIVEIRA, M. C. Ressignificando conceitos de geometria plana a partir do estudo de sólidos geométricos. Dissertação (Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática)) — Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, Belo Horizonte, 2012. PAVANELLO, M. R. O abandono do ensino de Geometria: Uma visão histórica. Dissertação (Dissertação (Mestrado em Educação: Metodologia do Ensino)) — Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas, 1989. PEREZ, G. Pressupostos e reflexões teóricas e metodológicas da pesquisa participante no ensino de geometria para as camadas populares. Tese (Tese (Doutorado em Educação: Metodologia do Ensino)) — Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 1991. PUSEY, E. L. The van Hiele model of reasoning in geometry: A literature review. Dissertação (Dissertação (Mestrado em Educação Matemática)) — North Carolina State University, Raleigh, 2003. USISKIN, Z. Van Hiele levels and achievement in secondary school geometry. Tese (Doutorado) — The University of Chicago, Chicago, 1982. Disponível em: <http://ucsmp.uchicago.edu/resources/van_hiele_ levels.pdf>. VAN HIELE, P. M. Structure and Insight: A Theory of Mathematics Education. Orlando: Academic Press, 1986. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 115 - 125, dez. 2015

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POLIMERIZANDO IDEIAS: UM RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DA QUÍMICA DOS POLÍMEROS

POLIMERIZANDO IDEIAS: UM RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DA QUÍMICA DOS POLÍMEROS C ALLIU C ARNEIRO BARBOSA , C AROLINE DE G OES S AMPAIO , M ARIA C LEIDE DA S ILVA BARROSO , I NAIÁ L OPES G UERREIRO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus de Maracanaú <calliubarbosa@live.com>, <carol-quimica@hotmail.com> <ccleide1971@yahoo.com.br>, <inaialopes@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.996 Resumo. Diversos materiais podem ser ferramentas muito relevantes no que concerne o processo de ensino-aprendizagem. Os jogos, por sua vez, são uma opção pertinente para auxiliar neste processo. Nesse artigo, discutiu-se aspectos relacionados com à teoria da aprendizagem significativa, defendida por Ausubel, através dos resultados obtidos com a utilização do jogo: “Polimerizando Ideias”. Objetivou-se constatar a importância deste para melhor compreensão e assimilação dos alunos no conteúdo de Química dos Polímeros. Este trabalho trata-se de uma pesquisa-ação, realizada com alunos do terceiro ano do ensino-médio, em uma escola pública estadual, no município de Maracanaú, Ceará. A metodologia consistiu em aulas expositivas com apresentação áudio visual e experiências químicas realizadas na sala de aula, cuja abordagem pedagógica foi baseada na teoria sócio-interativista elaborada por Vygotsky. Empregaram-se também instrumentos de avaliação, questionários e textos. Os resultados observados apontaram o método utilizado como uma possibilidade de fomentar um recurso interessante em aulas ministradas para o ensino médio. Isso foi possível de ser verificado quando observado um aumento satisfatório na apropriação/construção dos conhecimentos por parte dos alunos. Esse fato se justifica principalmente ao emprego de experiências químicas pertencentes ao cotidiano e ao contexto dinâmicointerativista do jogo. Palavras-chaves: Química. Jogos didáticos. Polímeros. Avaliação. Abstract. The various materials can be - very important tools as regards the teaching-learning process. Games, in turn, are a relevant option to assist in this process. In this article, we discussed aspects related to the Theory of Meaningful Learning, advocated by Ausubel, through the results obtained in the project, using the game: "Polymerizing Ideas". It aimed to realize the importance of this for better understanding and assimilation of the students in the Chemistry of Polymers content. This work is an action research conducted with third year students of High School at the state school Tenente Mario Lima. The methodology consisted of lectures with slide show and chemical experiments in the classroom, whose pedagogical approach was based on society-interativist theory developed by Vygotsky. They are also employed evaluation tools, questionnaires and texts constructed by students. The observed results showed the method used, as an opportunity to foment a nice feature in classes taught to High School. We can see this when we certify a satisfactory increase in appropriation/construction of knowledge by students. This fact is justified mainly to the use of chemical experiments pertaining to everyday life and the dynamic-interactive context of the game. Keywords: Chemistry. Educational games. Polymers. Evaluation.

Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

escrita) é nosso instrumento de relação com os outros e, por isso, é importantíssima na nossa constituição, como sujeitos. Além disso, “é através da linguagem que se aprende a pensar” (RIBEIRO, 2005, p.4). Nesse sentido, a linguagem não verbal proposta nas expressões corporais dos estudantes durante o jogo, interfere e os faz indivíduos dotados de entendimento, principalmente dos conceitos químicos. Paralelamente, à medida que se desenvolve o seu conhecimento sobre o assunto, reafirma-se a importância do mesmo, quando de certa forma força o interlocutor a criar de maneira coerente e entendível aos observadores. Diante do quadro de realidades e desafios, o qual os professores estão expostos a enfrentar para a aprendizagem de química, nesse patamar de ensino, esse trabalho teve como objetivo contribuir para uma melhor qualidade no processo de ensino e aprendizagem dessa ciência, selecionando o tema polímeros, como foco de aprendizagem. Para isso, foi elaborado um jogo didático, com o interesse de motivar os alunos a quererem aprender mais os conteúdos relativos à química dos polímeros, promovendo um dinamismo nas aulas. Os instrumentos da investigação foram: avaliações feitas in loco, no início e no fim da aplicação dessa atividade, com o intuito de coletar resultados, partindo-se do pressuposto que o jogo atenderia a expectativa de facilitar a aprendizagem dos alunos. Procurou-se, também, explanar a prática dinâmico-interativa arraigada no ensino de química do ensino médio (Vygotsky, 2008). As atividades apresentadas a seguir, foram realizadas com as turmas de terceiro ano do ensino médio (“B” e “C”), com cerca de 50 alunos no total, em uma escola situada no município de Maracanaú, Ceará.

Os conteúdos de química, vistos no ensino médio, muitas vezes desperta a apatia dos alunos, mesmo apresentando uma vasta aplicabilidade no cotidiano da humanidade. É percebida a não relação entre o conhecimento adquirido em sala de aula, com a realidade vivida por parte dos discentes. Além disso, muitas pessoas não conseguem vislumbrar a importância que essa ciência apresenta para o ingresso de muitos estudantes no ensino superior. Alguns dos fatores citados, que referenciam a falta de interesse dos alunos, devem-se possivelmente à ausência de laboratório de ciências/química ou desuso deste espaço físico nas escolas (públicas e/ou privadas). Pode-se acrescentar também, o não incentivo dos professores e funcionários para a realização de visitas periódicas dos alunos à biblioteca, ou mesmo o fato de ambientes como este, propício para leitura e apropriação do conhecimento, não apresentarem livros favoráveis aos conteúdos vistos em sala, sejam esses didáticos ou paradidáticos. Também é observada uma enorme carência de recursos de multimídia durante as aulas. Para a maioria dos discentes, a teoria é aprendida com mais facilidade quando a prática é efetivada, seja por meio de experiências ou jogos didáticos. Para compreender os conteúdos de química é importante enxergá-los sob uma nova ótica, onde o conhecimento científico não está configurado a um corpo de muitas teorias e procedimentos, mas como modelos teóricos sociais e produzidos a partir do conhecimento histórico (ZANON; GUERREIRO; OLIVEIRA, 2008). Segundo Ausubel (1982), em sua teoria da aprendizagem significativa, quando o aprendiz consegue fazer relações da teoria que lhe está sendo apresentada com seus conhecimentos prévios, correlacionando os dife- 2 METODOLOGIA rentes assuntos, haverá a construção de um significado, Em virtude de uma melhor organização do trabalho, foi ou seja, ganho de sentido. É bem verdade a dependên- decidido aderir a um plano de ação. Nele foram atribuícia de outros atributos para a geração do progresso do das datas, instrumentos de pesquisa, plano sistemático conhecimento em cada indivíduo, podem ser estes in- e qual seria a finalidade para cada um dos momentos ternos e/ou externos. “O jogo é, pois, uma atividade discriminados. integradora dos aspectos internos e externos colocados Primeiro, foram levantadas algumas indagações inecomo complementares” (MOREIRA, 1996, p. 55). rentes ao projeto e as respostas que nortearam a execuA mímica é a interpretação cênica de determinada ção de cada momento pedagógico. Entre os questionasituação, objeto, personalidade, dentre outros. Além mentos, observou-se: Em quais turmas seria aplicada disso, ela estimula a cognição, criação e interpretação essa atividade? Qual o conteúdo a ser abordado? Como dos alunos. “A proposta do jogo deve superar a estereo- seriam as avaliações do conhecimento prévio e contínuo tipia, propiciando uma aprendizagem pela criatividade. do aluno? Como o jogo seria elaborado? Qual(is) o(s) O acaso, que é uma característica do jogo, entra como objetivo(s) do projeto? A nossa hipótese e expectativas um fator de imprevisto capaz de estimular a imaginação serão atendidas? criativa”. (MOREIRA, 1996, p. 60). As respostas para estes questionamentos proporPara Vygotsky (2008), a relação entre pensamento cionaram a elaboração das etapas e procedimentos e linguagem é estreita. A linguagem (verbal, gestual e adotados nessa atividade, organizando a preparação Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015 127


POLIMERIZANDO IDEIAS: UM RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DA QUÍMICA DOS POLÍMEROS Quadro 2: Questionário de avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema polímeros.

dos recursos e ferramentas utilizadas para o ensinoaprendizagem. Inicialmente foram preparadas apresentações das aulas expositivas, bem como os planos de aula e os roteiros das experiências químicas com reagentes facilmente encontrados no cotidiano. Em seguida, o conteúdo de polímeros foi dividido em dois dias de apresentação, aos quais foram colocadas em prática as atividades presentes na Quadro 1. Quadro 1: Planejamento de atividades realizadas nos dois dias de execução do projeto.

Fonte: Elaboração Própria. Fonte: Elaboração Própria.

Diferentes fichas avaliativas foram aplicadas nesse trabalho. Segundo Parasuraman (1991), o questionário avaliativo é tão somente um banco de questões, feito para gerar os dados necessários para se atingir os objetivos de um projeto/ação. O primeiro instrumento de avaliação foi relativo ao perfil socioeconômico dos participantes desse trabalho. Com isso, buscou-se avaliar as condições voltadas à situação social e financeira dos alunos. Dessa forma, foi possível obter dados importantes para essa pesquisa, principalmente no que diz respeito da coleta de dados e a certificação da existência ou não da precariedade e/ou dificuldades encontradas por eles, no acesso à educação. O segundo questionário foi aplicado antes das aulas expositivas, para isso, foram elencadas algumas perguntas da avaliação de conhecimentos prévios, de caráter subjetivo, como apresentado no Quadro 2. Para isso, buscou-se a simplicidade e objetividade em nossos questionamentos, fomentados na proposta de cunho teórico e informativo. A partir das dificuldades observadas na avaliação do segundo questionário, as aulas expositivas foram preparadas de modo a esclarecer esses e outros aspectos relacionados com a “Química dos Polímeros”. Alguns experimentos químicos, também foram realizados durante as aulas, estes fizeram menção a uma parte específica de cada momento:

o amido, presente na maçã, na batata e em outros alimentos; • Experimento 2 - Título: Dissolvendo o poliestireno expansível (EPS) na acetona. Descrição: foi apontada a diferença de polaridade, utilizando o “EPS” como reagente, tendo em vista a composição polimérica encontrada neste material, o poliestireno, um polímero artificial; • Experimento 3 - Título: O líquido que quer ser sólido. Descrição: essa prática envolveu a mistura de amido de milho e água. Explicou-se o fato de haver a formação de polímeros quando o líquido não-newtoniano é colocado a uma elevada pressão, possivelmente por choques mecânicos; • Experimento 4 - Título: Fabricando cola caseira a partir da caseína (proteína do leite). Descrição: algumas proteínas são exemplos de polímeros naturais, a caseína por sua vez, propicia a fabricação de cola, já que ao ser misturada com bicarbonato de sódio, há a formação do caseinato de sódio que tem propriedades adesivas. Reproduzindo muito bem as percepções tidas com as aplicações experimentais durante todo o projeto, o autor mencionado na citação abaixo, afirma o concreto crescimento intelectual dos alunos, quando estes são submetidos a aulas práticas. Demonstrando a necessidade de determinados conhecimentos adquiridos em sala de aula, para a compreensão de eventos, ou mesmo fatos corriqueiros da realidade.

• Experimento 1 - Título: Detecção de amido na maçã e em outros alimentos. Descrição: foram relacionados os conteúdos mencionados com É inquestionável que o aprendizado de química é a extração de polímeros naturais, exemplificando muito melhor quando, além das aulas expositivas, os aluConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015 128


POLIMERIZANDO IDEIAS: UM RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DA QUÍMICA DOS POLÍMEROS nos têm a oportunidade de praticarem, concretamente, os conceitos apreendidos. O interesse dos alunos é despertado e o aproveitamento das aulas expositivas torna-se mais acentuado sempre que o assunto em pauta possa ser desenvolvido na experimentação (GUERREIRO et al., 2012, p. 152).

Atrelando a teoria e a prática, as aulas expositivas atraíram a atenção dos alunos, dando um maior aproveitamento daquilo que estava sendo repassado. Através da experimentação, os alunos puderam constatar a aplicabilidade desses polímeros em seu cotidiano e conhecer sobre a importância de cada um deles. Na finalização desta etapa, trabalhou-se o espírito de indagação e reforço, para explicar os fenômenos observados e tirar de cada procedimento as conclusões individuais e grupais, muito embora existisse uma limitação devido aos direcionamentos propostos, delimitados pela capacidade de abstração e a diferença entre os conhecimentos teóricos. O jogo foi pensado para ser aplicado por último com os alunos, em uma das turmas escolhidas, sendo esta avaliada logo após o término da brincadeira. A avaliação consistiu em um exercício contendo questões nos padrões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), seguindo as competências desta prova. Contextualizando e instigando os estudantes a fazerem uma reflexão dos textos lidos e do que foi aprofundado em sala de aula, este recurso foi colocado após as aulas expositivas, mediante o embasamento adquirido, motivando os discentes a responderem, agora com mais propriedade e certeza, as perguntas feitas, durante e após o jogo, como afirma Moreira, (1996). O jogo também revela uma característica transformadora intrínseca, pois quanto melhor a capacidade do indivíduo para jogar, mais próximo está ele da saúde mental. [...] A educação tradicional evita o jogo, porque não se preocupa com a auto-expressão; o que vale é o atendimento a regras preestabelecidas que devem apenas ser cumpridas ou no máximo melhoradas em um caminho previamente traçado (MOREIRA, 1996, p. 53).

promovendo um paralelo das experiências vividas e os conhecimentos anteriores. 2.1

Confecção e aplicação do jogo

A criação do tabuleiro foi feita mediante a aquisição de materiais de fácil acesso como: cartolinas coloridas, pincéis, cola, tesoura, etc. E sua inspiração veio de um jogo bastante conhecido, o qual faz uso de mímicas e desenhos. Na Figura 1, é possível observar o jogo: “Polimerizando ideias”, as peças envolvidas nele e como o mesmo se apresentou para os alunos. Tanto as peças como o tabuleiro, estão bem demarcados com suas respectivas numerações, símbolos e ordens. É possível observar também, dois dados enumerados, um para o avanço de casas e o outro para a escolha dos membros que representariam a equipe, este último também utilizado para delegar de quem seria a vez de jogar.

Figura 1: Jogo: Polimerizando Ideias. Fonte: Elaboração Própria.

Na Figura 2, está exposta a divisão dos grupos durante as atividades, segundo Zanon, Guerreiro e OliCom base nessa citação, na perspectiva da educação veira (2008). No processo de escolha dos membros de tradicional, o jogo não aparece como uma ferramenta cada equipe, podem ser distribuídos números de um a bem aceita, pois nesta tipologia de educação, ferramen- quatro, os quais determinam onde cada integrante fitas lúdicas de aprendizagem se faziam desnecessárias. cará. Erroneamente, os professores e detentores do conheciPolimerizando Ideias, foi concebido para ser aplimento, estavam preocupados com o método a ser se- cado com alunos do ensino médio, na maioria das vezes guido, e não com as alternativas desempenhadas para a do 3o ano, ou no momento em que o professor decidir eficácia deste método. utilizar, de acordo com o cronograma letivo. Foi acresMesmo hoje, a não utilização, ou mesmo a falta centada ainda, uma característica fundamental, a ajuda de recursos lúdicos responsáveis pelo desenvolvimento mútua entre os membros de um mesmo grupo a vencer, psicológico, intelectual e cognitivo do indivíduo, mui- reiterando a “polimerização de ideias”. tas vezes põe em cheque a construção e modificação dos Além da construção de regras para o jogo, foram conhecimentos adquiridos, a partir da subjetivação, não elaboradas trinta perguntas, trinta respostas e quatro míConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015 129


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dos jogos devem ser simples e o jogo se torna mais interessante à medida que os estudantes começam a criar estratégias elaboradas e se aprimoram na antecipação das jogadas”. (SMOLE, 2004, p.59). Há dois tipos de cartas com cores distintas, branca e rosa: a primeira representa as perguntas e a segunda as mímicas, respectivamente. Estas seguem o modelo abaixo demonstrado na Quadro 3. Quadro 3: Cartas do jogo.

Figura 2: Divisão dos grupos. Fonte: Figura retirada de Zanon, Guerreiro e Oliveira (2008), adaptada.

Fonte: Elaboração Própria.

Ganha o grupo que chegar primeiro ao fim do tabumicas, em formato de cartas, cuja numeração é colo- leiro. Ficando a critério do professor/interventor, colocada antes de cada questionamento, põe ordem no que car uma premiação ou não. “A participação do profesdiz respeito ao grau de dificuldade. A questão sendo sor no jogo e na brincadeira tem o objetivo de ajudá-los classificada como: “difícil”, elencada previamente pelo a perceber como podem participar da aprendizagem e professor, faria o grupo avançar duas casas a mais do da convivência em geral” (MOREIRA, 1996, p. 61). número apresentado no dado. Essa regra só estaria valendo, se o mesmo tivesse acertado a pergunta ou mí- 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES mica proposta. Bernardelli (2005) fez uma abordagem bastante difeA Figura 1, permite observar que o jogo apresenta renciada acerca dos tipos de dificuldades encontradas três tipos de “casa”: A primeira e a mais simples, não na aprendizagem de química a partir da avaliação de turpossui absolutamente nada escrito, o que configura ape- mas de alunos do ensino médio. Para o autor, a principal nas uma pergunta. No segundo tipo, temos pontos de relação dessa resistência ao saber deve-se aos aspectos interrogação, encontrados no tabuleiro, onde ao parar sócio-familiar-econômicos dos estudantes. O trabalho sobre eles com o “pião”, os mesmos gesticulariam uma dele aborda uma forma para contornar, pelo menos em mímica. parte, esses problemas, onde existiria métodos de eduUm dos indivíduos deveria ser escolhido para de- cação tutorial capazes de minimizar as dificuldades ensempenhar a tarefa, enquanto que o restante dos inte- contradas por este grupo. grantes, do mesmo grupo, apenas observaria e tentaria Semelhante ao trabalho de Bernardelli, muitas desacertar. A pessoa com a carta cor de rosa, não pode- tas dificuldades também foram encontradas nesse traria, em hipótese alguma revelar o seu conteúdo. Nem balho, que apontou uma maioria dos discentes quespara os membros do seu grupo, nem para os demais, tionados com características familiares de classe mésob pena de passar a vez e consequentemente a carta dia/baixa, casas bastante numerosas e renda variando para a equipe adversária. entre 1 a 5 salários mínimos. Dessa forma, é possíNa possibilidade do tempo demarcado pela ampu- vel destacar que o acesso à materialidade e aos meios lheta (instrumento utilizado no jogo) se esgotar, o outro de subsistências responsáveis pelo desenvolvimento e grupo teria a oportunidade de tentar acertar. Essa regra a construção do conhecimento são minimizados, tendo valeria tanto para as perguntas, quanto para as mímicas. em vista o desnível econômico e social atravessado por No terceiro tipo de “casa” notam-se ordens para essas famílias. avançar ou retroceder com as respectivas peças, de imeFoi importante analisar esses dados de forma condiato essas regras deveriam ser cumpridas, para defini- junta, fazendo uma conexão entre eles e o ganho viabição posteriormente de um grupo vencedor. “As regras lizado pelo projeto, no crescimento intelectual e nas forConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015 130


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e a vontade de aprender”; Aluno (a) 35: As reações foram simples e não precisamos decorá-las”. Durante a aplicação do jogo, percebeu-se a interação, a participação e a autonomia dos alunos para responder de forma reflexiva alguns questionamentos levantados durante a realização do mesmo. Verificou-se ainda respostas bastante consistentes. Segundo Campos (2005), o jogo tem por funcionalidade viabilizar a aprendizagem, o saber, o conhecimento ea compreensão de mundo. E cabe ao professor, utilizá-lo como ferramenta de exploração e busca de um novo conhecimento. Neste âmbito, pode-se ou não, gerar o interesse, a curiosidade e a motivação dos indivíduos envolvidos. A Figura 3 menciona a avaliação final aplicada nas Quadro 4: - Quantitativo de respostas corretas. duas turmas, exemplificando as respostas dadas por um dos alunos, cujo desempenho atingiu o maior número de acertos. De acordo com os dados coletados nas duas turmas, na avaliação final, pode-se observar nitidamente a citação acima sendo reafirmada. Os alunos, cuja a turma foi aplicada o jogo tiveram um melhor desempenho se comparado com a outra. Na Figura 4, temos dois gráficos demonstrando a Fonte: Elaboração Própria. porcentagem de alunos que obtiveram acertos com relação ao quantitativo de questões. Observa-se que o Como podemos observar no Quadro 4, apenas 7 alu- número máximo atingido de assertivas corresponde a 4 nos do “3o ano B” souberam responder alguma (s) da (quatro). Assim, nenhum dos participes chegou a marca (s) questão (ões) levantadas no questionário. Já o “3o de 6 (seis) acertos. Vale salientar o gráfico da primeira turma descrita, ano C” tiveram cerca de 6 alunos. Dessa forma, 13 dos onde o jogo em questão foi utilizado. Em média 61% 50 alunos avaliados tiveram a habilidade/conhecimento do total, acertou 4 (quatro) indagações, contabilizando prévio acerca do tema polímeros, representando 26% pouco mais que a metade da turma. Enquanto no outro do total de alunos participantes. A primeira e a terceira gráfico tem-se apenas 3%, demonstrando um déficit de questões foram as mais acertadas, porém por um núpessoas bastante grande. mero de pessoas abaixo do razoável. Demonstrando, Além disso, 5% da turma de 3o ano “B” não conmais uma vez, a precariedade dos conhecimentos não só do tema central discutido, mas de outros assuntos seguiu gabaritar nenhuma das perguntas, em contrapartida no 3o ano “C” 20% se mostrou nesta mesma fatia transversais. Vale ressaltar que 20 alunos tentaram responder as do gráfico. Finalmente, verificou-se a importância da utilização questões, mas estas fugiam ao conceito correto e 17 alunos responderam: “não sei” em todas as perguntas. Cla- de novas práticas pedagógicas, em especial de jogos ramente, podemos atestar a ausência parcial ou total dos lúdicos, que estimulam os alunos a construir seus conhecimentos de forma dinâmica, interativa e prazerosa. conhecimentos da maioria. A aplicação do jogo despertou nos alunos um Aulas teóricas junto com o(s) jogo(s) podem contribuir grande interesse e curiosidade sobre os polímeros e fatidicamente com o aprendizado, aproximando os concomo ocorriam os processos de polimerização. Isso foi ceitos ensinados nas aulas teóricas de polímeros e comcomprovado através de depoimentos dos próprios alu- preendendo melhor a vida, bem como sua relação com nos. Foram destacadas algumas opiniões: Aluno (a) 7: a ciência. A experiência de aprendizado e a significação deste, “Gostei bastante do Jogo, ele me fez aprender e me ajudou a entender melhor a aula”; Aluno (a) 15: “Repre- passam a ser atuantes na formação do educando. O prosentou para mim uma maneira legal de aprender brin- cesso de ensino-aprendizagem centraliza-se, à medida cando”; Aluno (a) 28:“Esse jogo desperta a curiosidade que o professor é mediador de ambientes favoráveis ao Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015 131

mas de quebrar paradigmas sociais. Por isso, a aprendizagem significativa, tem um papel recorrente, quando possibilita ao indivíduo ter acesso a novos conhecimentos relacionando-os com os anteriores. Contudo, nesta mesma teoria destaca-se que não precisa ser considerada isoladamente, porque as concepções interacionistas e construtivistas serão significativas, desde que atinjam seus objetivos. Essa (re)construção do conhecimento tornou a avaliação prévia uma precursora das atividades propostas aos alunos. O Quadro 4 demonstra uma pequena quantidade de respostas favoráveis e subtende-se a falta de conhecimento sobre polímeros de uma gama expressiva dos discentes.


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Figura 3: Avaliação Final. Fonte: Elaboração Própria.

Figura 4: Gráficos da Avaliação Final. Fonte: Elaboração Própria.

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raciocínio científico, através das interações estabelecidas em sala de aula.

As experiências de iniciação à docência no IFCE. Fortaleza: Edições UFC, 2012.

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MOREIRA, R. P. Psicologia da Educação: Interação e identidade. 2. ed. São Paulo: FTD, 1996. Coleção Aprender e Ensinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de aprendizagem se realiza através do relacionamento interpessoal entre o aluno e professor, para que isso ocorra é necessária uma boa comunicação de ambas as partes, isso feito continuamente produzirá meios para o desenvolvimento crítico e humano do aluno. O ensinar se define em função do aprender, para isso o professor deve estar disposto para designar tal ofício. Um professor que demonstra ter bom ânimo em sala de aula, transmite para os alunos confiança e motivação para aprender. Com essa pesquisa, podemos averiguar a experiência do que ocorre com atividades lúdicas de ensino, utilizadas nas aulas convencionais. Com resultados satisfatórios ou não, é de suma importância a adoção de novos métodos de ensino pelo professor. Este incentivo leva os discentes a estudar e proporciona interesse, isso é facilmente comprovado pela prática exposta nesse artigo. A interação e o mutualismo são marcas fortes a serem ressaltadas neste jogo, denunciando a prática indiscriminada de teorização e sistematização do conhecimento. Portanto, a diferenciação é necessária para estabelecer um ensino de Química eficaz e dinâmico.

PARASURAMAN, A. Marketing research. 2. ed. [S.l.]: Addison Wesley Publishing Company, 1991. RIBEIRO, A. M. Curso de formação profissional em educação infantil. Rio de Janeiro: EPSJV/Creche Fiocruz, 2005. SMOLE, K. C. S.; ROCHA, G. H.; CÂNDIDO, P. T.; STANCANELLI, R. Era uma vez na matemática: uma conexão com a literatura infantil. São Paulo: CAEM/IME/USP, 2004. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Original em Russo. Tradução do Grupo de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos. ZANON, D. A. V.; GUERREIRO, M. A. S.; OLIVEIRA, R. C. O. Jogo didático ludo químico para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânico: projeto, produção, aplicação e avaliação. Revista Ciências e Cognição, v. 13, n. 1, p. 72 – 81, 2008.

REFERÊNCIAS AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982. BERNADELLI, S. Acompanhamento tutorial: Uma proposta para o ensino médio de química. In: BERNADELI, S. (Ed.). Anais do XIX Encontro Regional da Sociedade Brasileira de Química. Ouro Preto: [s.n.], 2005. Cd-Rom. CAMPOS, D. A. A importância do lúdico na construção dos conceitos matemáticos. Dissertação (Mestrado) — Curso de Pós-graduação em ensino de ciências e matemática. CEFET, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/ pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_ obra=61816>. Acesso em: 29 nov. 2015. GUERREIRO, L. I.; SOUZA, R. K. A.; AMARAL, M. M. A.; FREITAS, S. Z. M.; DUARTE, S. A. R. Projeto sabão “comciência”: Fabricação de um sabão ecologicamente correto a partir do óleo de fritura como ferramenta de ensino para a química e educação ambiental. In: Formação de Professores: Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 126 - 133, dez. 2015

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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE CONGRUÊNCIA DE TRIÂNGULOS COM AUXÍLIO DO SOFTWARE GEOGEBRA

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE CONGRUÊNCIA DE TRIÂNGULOS COM AUXÍLIO DO SOFTWARE GEOGEBRA F RANCISCO R ICARDO N OGUEIRA VASCONCELOS1 , F RANCISCO R EGIS V IEIRA A LVES1,2 , J OSÉ A LBERTO D UARTE M AIA3 , I VONEIDE P INHEIRO DE L IMA4 1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) 2 Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática 3 Universidade Federal do Ceará, 4 Universidade Estadual do Ceará <frnv34@gmail.com>, <fregis@ifce.edu.br>, <alberto.duarte@mat.ufc.br>, <ivoneidepinheirodelima@gmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.909

Resumo. O nosso desafio como professor é possibilitar a melhoria da qualidade do ensino em Matemática buscando meios de garantir a formação de cidadãos capazes de reconhecer o seu papel na sociedade. Buscamos focar em ações que possibilitem o desenvolvimento das potencialidades cognitivas dos alunos no estudo de congruências de triângulos. Para isso, propomos o uso do software GeoGebra como ferramenta didática para as aulas de Geometria Plana, por entendermos que esse recurso favorece a aprendizagem do aluno e coloca o professor como mediador no processo de sistematização das ideias matemáticas necessárias para o desenvolvimento cognitivo do aluno. O objetivo do nosso estudo consiste em proporcionar aos alunos do curso de licenciatura em Matemática do IFCE - Campus Canindé, um minicurso sobre a utilização do GeoGebra como ferramenta didática para a resolução de problemas de Geometria Plana. Para a análise e coleta de dados foi realizado o estudo do PPC do curso e ministrado um minicurso introdutório de GeoGebra para 21 alunos matriculados na disciplina de Geometria. Os instrumentos de pesquisa foram: 02 questionários diagnósticos, a observação e o registro fotográfico. As análises dos resultados evidenciaram que os alunos se mostraram receptivos ao uso do software GeoGebra. O minicurso e as atividades didáticas tiveram um bom nível de aceitação por parte dos futuros professores de Matemática. As conclusões ressaltam que o uso do GeoGebra deve ser entendido como ferramenta didática alternativa para o ensino de Geometria, no sentido de proporcionar ao aluno, uma metodologia dinâmica e interativa para se aprender Matemática. Palavras-chaves: GeoGebra. Ensino. Metodologia. Matemática. Geometria Plana. Abstract. Our challenge as a teacher is possible to improve the quality of education in mathematics looking for ways to ensure the formation of citizens able to recognize their role in society. We seek to focus on actions that enable the development of cognitive potential of students in the study of congruence of triangles. We propose the use of GeoGebra software as a teaching tool for the plane geometry classes, because we believe that this feature promotes student learning and puts the teacher as a mediator in the systematization process of mathematical ideas necessary for the cognitive development of the student. The aim of our study is to provide students of the degree in Mathematics of IFCE - Campus Caninde, a short course on the use of GeoGebra as a teaching tool for solving plane geometry problems. For the analysis and data collection was performed PPC study the course and applied an introductory short course of GeoGebra to 21 students enrolled in Geometry discipline. THE research instruments were: 02 diagnostic questionnaires, observation and photographic record. Analysis of the results showed that students were receptive to the use of GeoGebra software. The short course and teaching activities had a good level of acceptance by the future teachers of mathematics. The conclusions point out that the use of GeoGebra should be understood as an alternative teaching tool for teaching geometry in order to provide the student with a dynamic and interactive approach to learning mathematics. Keywords: GeoGebra. Education. Methodology. Mathematics. Plane Geometry. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015

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INTRODUÇÃO

problemas. Alguns softwares matemáticos, têm ajudado profissionais de diversas áreas do conhecimento, facilitando as suas tarefas, além de serem gratuitos e apresentarem vantagens com relação à economia de tempo e confiabilidade nos resultados, conforme ressaltam Lima e Lima (2000, p. 1),

O professor é o principal mediador entre o saber e o aprendiz, e como tal deve estar sempre apto a realizar mudanças no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, devemos buscar ferramentas pedagógicas que promovam uma boa interação entre o conhecimento a ser ensinado e o aluno, e é nessa perspectiva que propomos o uso do software GeoGebra como re[...] os computadores se tornam indispensáveis ao tracurso pedagógico auxiliar para o ensino e aprendizagem balho criativo em Ciências e Engenharia, as Instituições de Geometria Plana. acadêmicas estão cada vez mais cientes da importância O curso de licenciatura em Matemática do IFCE do uso de computadores. Neste sentido elas têm promocampus Canindé, em sua estrutura curricular, propõe vido uma “alfabetização” computacional, modificando as em algumas disciplinas o uso de softwares matemátigrades curriculares de seus cursos, que fazem com que o cos como recurso pedagógico alternativo, no entanto, aluno ainda na graduação tenha contato direto com tais nem sempre o aluno se sente apto a utilizá-lo, seja por ferramentas. não ter o conhecimento necessário, sejam por não dominar as suas potencialidades. Refletindo sobre esse fato, Nesse contexto, a inserção do software GeoGebra nos sentimos impulsionados a buscar soluções para uma surge como uma alternativa didática para o ensino de melhor qualificação dos nossos alunos em relação ao Geometria Plana no sentido de reduzir os entraves episuso de tecnologias voltadas para o ensino e aprendizatemológicos do aluno em relação a essa disciplina. gem de Matemática. As atividades didáticas foram desenvolvidas com Para amenizar essa problemática, aprofundamos nossos estudos acerca do uso de softwares para o ensino alunos do 2o semestre do curso de licenciatura em Made Geometria, por meio de ações pedagógicas que pos- temática do Instituto Federal de Educação, Ciência e sibilitarão o desenvolvimento das potencialidades cog- Tecnologia do Ceará (IFCE) campus Canindé onde foi nitivas dos alunos em relação ao estudo de congruência utilizado o software GeoGebra como recurso pedagóde triângulos. Nesse intuito, realizamos junto aos alu- gico alternativo para a resolução de problemas que ennos, um minicurso intitulado “Resolução de problemas volvem congruência de triângulos. A escolha do nosso de geometria plana com o auxílio do software GeoGe- público-alvo se justifica pelo fato de que a disciplina bra”, utilizando dez atividades didáticas voltadas aos de Geometria Plana é ofertada nesse período do curso. estudos dos conceitos geométricos do ensino básico, Quanto ao tema proposto entendemos ser relevante dedando ênfase aos casos de congruência de triângulos e vido muitos problemas relacionados à congruência de buscando verificar as concepções dos futuros professo- triângulos serem solucionáveis de maneira mais objetiva quando para isso utilizamos recursos gráficos de res em relação ao uso do referido software. Propomos a inserção do software GeoGebra como boa precisão. um elemento aglutinador do processo de ensino e aprenO software GeoGebra, quando bem utilizado pelo dizagem de Matemática por entendermos a importância professor, possibilita ao aluno um ambiente favoráde levarmos para sala de aula uma Matemática dinâ- vel para a construção e reelaboração da aprendizagem, mica, que trabalhe mais o raciocínio e a construção dos dessa forma colaborando para o desenvolvimento de esconceitos matemáticos em detrimento da aplicação di- truturas cognitivas que capacitam à generalização das reta de fórmulas e regras. informações conceituais, colocando acima de tudo, o Para realizar o nosso estudo, nos apoiamos nos pres- professor como mediador no processo de organização e supostos teóricos da metodologia de resolução de pro- elaboração das ideias matemáticas e o aluno como um blemas tendo em vista que esse método constitui uma sujeito ativo desse processo. A esse respeito, Lenz, Ferestratégia didática fundamental para o desenvolvimento raz e Ito (2007) ressaltam que a metodologia aplicada no ensino moderno de matemática, deverá está voltada do raciocínio lógico matemático do aluno. Nessa perspectiva, o uso do GeoGebra surge como ao uso de novas tecnologias computacionais dentro de uma alternativa didática para as aulas de Geometria uma perspectiva pedagógica inovadora e construtivista. Experiências escolares com softwares têm mostrado Plana, no sentido de favorecer um clima de cooperação entre os alunos e contribuir, de modo construtivo, que o seu uso efetivo e correto, podem levar a uma boa para a compreensão dos elementos conceituais de con- aproximação professor-aluno pautada na colaboração e gruência de triângulos fundamentados na resolução de interação, configurando o papel do professor sob a visão Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 135


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da busca constante de mudanças e atualização profissional (BRASIL, 1998). Buscamos com esse trabalho, proporcionar uma elevação da autoestima dos estudantes, no que diz respeito ao desenvolvimento de ações didáticas relativas à resolução de problemas de Geometria Plana sob a perspectiva de uma aprendizagem significativa, que leva em consideração o conhecimento prévio dos alunos, conforme afirma Moreira, quando diz: “para que a estrutura cognitiva preexistente influencie e facilite a aprendizagem subsequente é preciso que seu conteúdo tenha sido apreendido de forma significativa, isto é, de maneira não arbitrária e não literal.” (MOREIRA, 2006). Assim, exploramos junto aos futuros professores de matemática, alunos do curso de licenciatura em Matemática do IFCE Campus Canindé matriculados na disciplina de Geometria Euclidiana Plana, as potencialidades do software GeoGebra como recurso pedagógico auxiliar para a resolução de problemas que envolvem congruência de triângulos. O objetivo do nosso trabalho consistiu em verificar quais as implicações didáticas desse recurso como ferramenta didática a partir da resolução de problemas para a disciplina de Geometria Plana. Para entendermos melhor essas implicações traçamos as seguintes ações específicas: caracterizamos por meio de atividades didáticas a importância do software matemático GeoGebra como recurso pedagógico auxiliar para o processo educacional; e reforçamos junto aos futuros professores de matemática, alunos da licenciatura em Matemática, o ensino e aprendizagem de Geometria Plana através da resolução de problemas por intermédio da aplicação do software GeoGebra. Os objetivos acima delineados foram atingidos empregando-se como metodologia de pesquisa um estudo de caso de cunho qualitativo. 2

FUNDAMENTAÇÃO

rem a inclusão dessa disciplina como prioritária na estrutura curricular do ensino básico com tratamento voltado ao uso das tecnologias da comunicação e informação. Segundo hohenwarter e hohenwarter (2009), no campo interativo da Geometria o GeoGebra deve funcionar como ferramenta de expansão e simulações, nos levando a entender que o software pode desenvolver no aluno competências necessárias a aquisição de novos conhecimentos no campo geométrico. Para isso, é importante que o aluno se familiarize bem com essa ferramenta computacional, de modo a se tornar autônomo para desenvolver a capacidade de simular e interpretar problemas relacionados aos principais conteúdos da Geometria Plana, atributo este, indispensável para o desenvolvimento da motivação e do pensamento geométrico do aluno. Com o apoio da ferramenta virtual GeoGebra, o aluno poderá se apropriar do conhecimento matemático e explorar a capacidade de solucionar problemas, conjecturar e fazer simulações nos campos da Geometria de forma dinâmica e interativa, formando um elo de ligação entre o conhecimento geométrico e o desenvolvimento de competências e habilidades essenciais para a formação inicial do professor de Matemática. Nesse sentido, o software GeoGebra proporciona mudanças em relação ao ensino de geometria, pois envolve a construção e simulação de modelos geométricos, desde que o professor saiba como aplicá-la, uma vez que as tecnologias de informação e comunicação estão presentes no cotidiano dos alunos. Segundo Kusiak, Pretes e Franzin (2012), [...]As atividades desenvolvidas com o software Geogebra mostram-nos que é possível ensinar Geometria de forma dinâmica, tornando a aula instigante e atrativa, na qual o aluno participa, interage com seus colegas, e através de suas construções vai formulando o seu próprio conhecimento. Tudo isso vem a contribuir para o aumento das habilidades e potencialidades dos educandos, que nada mais é, do que nosso objetivo como futuros docentes (KUSIAK; PRETES; FRANZIN, 2012, p. 8).

Iniciamos esse tópico descrevendo um pouco sobre o software GeoGebra como ferramenta didática, suas implicações para o ensino de Geometria Plana ancorado na resolução de problemas, e os casos de congruência Conforme Brasil (1998), a construção do pensade triângulos. mento geométrico deve se dar durante o ensino básico e Em relação ao ensino de Geometria Plana o GeoGe- que a geometria não deve ser desvinculada da Matemábra representa uma proposta de mudanças para o ensino tica, e sim como elemento aglutinador do pensamento dessa disciplina, haja vista que, as novas tecnologias de matemático e do raciocínio lógico dedutivo, proporciocomunicação e informação (TIC) são ferramentas po- nando ao aluno estabelecer relações com a realidade em tenciais de mudanças profundas nos diversos campos que vive. do conhecimento, e principalmente nos das construções De acordo com Lovis e Franco (2013), é cada vez e simulações. maior a necessidade dos professores em utilizar recurDiante de tais mudanças, daremos ênfase ao ensino sos tecnológicos em sala de aula, contudo, se faz neda Geometria, cujas propostas curriculares atuais suge- cessário proporcionar a esses sujeitos meios que os auConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 136


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xiliem na compreensão e utilização desses recursos, e QUEIROZ, 2010). Assim podemos denotar duas figué nesse sentido que o GeoGebra pode auxiliar o profes- ras planas A1 e A2 congruentes por, A1 ≡ A2 . sor no processo de ensino e aprendizagem de Geometria Nesse caso, a congruência entre duas figuras planas Plana. verifica as propriedades: reflexiva: toda figura plana é Em relação a resolução de problemas, leivas (2013) congruente a ela mesma, ou seja, A ≡ A ; simétrica: 1 1 reforça que essa técnica constitui uma metodologia de se uma figura plana A é congruente a outra A , então 1 2 ensino e de aprendizagem defendida por vários pesqui- A é congruente a A , ou seja, A ≡ A ↔ A ≡ 2 1 1 2 2 sadores em Educação Matemática, dentre eles destaca- A ; e transitiva: se uma figura plana A é congruente a 1 1 mos Polya ao afirmar que os problemas estão na própria outra A , e A por sua vez são congruentes a A , então 2 2 3 Matemática desde seus princípios, se tornando um elo A ≡ A , ou seja, A ≡ A e A ≡ A ↔ A ≡ A , 1 3 1 2 2 3 1 3 motivador para o desenvolvimento da criatividade teó- representando uma relação de equivalência. rica e prática do aluno. Por definição, triângulos congruentes nos permite Desse modo o software GeoGebra surge como uma definir uma correspondência biunívoca entre seus véralternativa didática para o professor de Matemática, no tices tal que sejam congruentes os lados e os ângulos sentido de potencializar o ensino de Geometria Plana. correspondentes. Utilizando o software GeoGebra poPolya (2010) defende que alguns tipos de problemas demos verificar o caso geral de congruência de triângudevem ser apresentados aos alunos no intuito de desenlos, como ilustra a Figura 1. volver habilidades para a resolução de problemas, ressaltando a importância da participação docente para o desenvolvimento do pensamento geométrico do aluno. Segundo Lieban (2012), o GeoGebra é fundamental na resolução de problemas em Geometria para que o aluno possa levantar hipóteses, verificar a consistência dos seus argumentos e a validade de proposições, além disso é um excelente aplicativo para realizar construções geométricas, facilitando a visualização por parte do estudante dessas formalidades matemáticas de maneira mais natural. O GeoGebra como software dinâmico, possibilita a visualização de uma mesma construção em diferenFigura 1: Cópia de tela do GeoGebra: caso geral de congruência de tes disposições, facilitando a compreensão do compor- triângulos. Fonte: Pesquisa direta tamento geométrico dos elementos envolvidos no problema, mesmo aquelas mais intrínsecas e que muitas vezes passam desapercebidas em uma representação esObservamos nos triângulos ABC e FDE as correstática. pondências A ↔ F ; B ↔ D e C ↔ E, e consequenˆ ≡ D; ˆ Cˆ ≡ E. ˆ Assim os lados Lieban (2012) chama a atenção para o uso de re- temente Aˆ ≡ Fˆ ; B cursos tecnológicos em sala de aula, argumentando que AB ≡ F D; BC ≡ DE; AC ≡ F E. A partir dessas estes devem ser utilizados de forma cuidadosa, de modo observações, podemos concluir que os triângulos ABC a não se tornar um instrumento de dispersão. Para que e FDE são congruentes, ou seja, ABC ≡ F DE. isso não aconteça, é necessário um bom planejamento Caso lado-ângulo-lado (L.A.L.) de congruência de por parte do professor, cujas ações propostas possibili- triângulos: Dois triângulos que apresenta dois lados, e tem aos alunos reflexões sobre o objeto de estudo. o ângulo entre esses lados ordenadamente congruentes, Nesse sentido, o GeoGebra se torna um grande ali- são congruentes, conforme mostra a Figura 2. ado do professor como uma ferramenta pedagógica diCaso ângulo-lado-ângulo (A.L.A.) de congruência nâmica facilitadora do planejamento de suas ações dode triângulos: Dois triângulos que apresentam ordenacentes, mediando o processo de ensino de forma lúdica, damente dois ângulos e o lado entre eles congruentes interativa e dinâmica. são congruentes, como mostra a Figura 3. No que concerne à congruência de figuras planas podemos intuitivamente enunciar que: “duas figuras Caso ângulo-lado-ângulo (L.L.L.) de congruência planas são congruentes se uma delas puder ser deslo- de triângulos: Dois triângulos que apresentam ordecada sobre a outra de modo que ambas coincidam, sem nadamente os três lados congruentes, são congruentes, que haja deformação de forma e medida” (REZENDE; como mostra a Figura 4. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 137


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METODOLOGIA

O trabalho de pesquisa se caracteriza como qualitativo do tipo estudo de caso, e os resultados provêm de um minicurso ministrado durante a disciplina de Geometria Euclidiana Plana para alunos do curso de licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE), Campus Canindé – Ceará com carga horária de 20 horas aula. Ao longo do desenvolvimento da pesquisa realizamos um levantamento bibliográfico com o objetivo de delinearmos os perfis dos autores que compunham nosso arcabouço teórico. O estudo desses autores nos Figura 2: Cópia de tela do GeoGebra: caso L.A.L. de congruência de triângulos. Fonte: Pesquisa direta proporcionou entender e refletir sobre qual seria a trajetória investigativa que devíamos seguir. Esses estudos serviram de base para a formulação das ações didáticas que desenvolvemos antes de adentrarmos na seara do campo investigativo. Esses estudos ocorreram antes, durante e depois da pesquisa de campo. De acordo com Nascimento, Coutinho e Sá (2010), a trajetória investigativa é marcada por escolhas do investigador, e assim o ato de pesquisar se torna interventivo, esse ato, mesmo sofrendo intervenção não tira o rigor na análise dos dados da pesquisa e caracteriza tal ambiente como espaço dinâmico de permanente construção entre o objeto pesquisado e o pesquisador. Ao iniciamos o nosso trabalho de pesquisa, em junho de 2015, desenvolvemos e analisamos os objetivos e buscamos práticas investigativas fundamentadas em Figura 3: Cópia de tela do GeoGebra: caso A.L.A. de congruência publicações acadêmicas que nos mostrassem teóricos de triângulos. Fonte: Pesquisa direta e práticos que nos permitissem linearizar o nosso processo investigativo. Optamos também pela metodologia de pesquisa de campo caracterizada por um estudo de caso, esse método é bastante utilizado em pesquisas científicas por caracterizar uma estratégia de pesquisa que permite uma investigação das características de situações no âmbito natural, possibilitando o delineamento mais amplo do conhecimento envolvido no caso pesquisado. Esse tipo de pesquisa é bastante utilizado quando o pesquisador pretende estudar características particulares de algum objeto que possui um valor agregado em si mesmo (FIORENTINI; LORENZATO, 2006), e também quando o pesquisador se sente inclinado a investigar uma situação em particular com o objetivo de elucidar especificamente suas operacionalidades. Para a elaboração das atividades, buscamos nos balizar em autores bem conceituados da nossa literaFigura 4: Cópia de tela do GeoGebra: triângulos semelhantes ABC e DEF. Fonte: Pesquisa direta tura, tais como Rezende e Queiroz (2010), Muniz Neto (2013), Polya (2010) e Moura (2012), haja vista que o nível dos problemas que propomos para o nosso minicurso foi fator determinante para a boa qualidade do Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 138


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Ressaltamos que todos os alunos pesquisados ainda não atuam em sala de aula, e estão matriculados no período vespertino. Em relação à faixa etária, em sua maioria, 89% (16) dos alunos estão entre 18 e 30 anos, enquanto somente 11% (02) dos alunos estão na faixa etária de 31 a 40 anos, a faixa etária acima de 40 anos não pontuou. A predominância de um público nessa faixa etária cursando a licenciatura sinaliza um crescimento na procura pelos jovens pela profissão de professor de Matemática. Os resultados evidenciam um público, no geral, de perfil homogêneo, no sentido de se encontrar, em sua maioria, sem nenhuma experiência no campo do magistério. A partir de agora os alunos pesquisados serão identificados nas análises dos dados por A-01, A-02, A03, e assim por diante. Os dados analisados mostram que 100% dos alunos nunca participaram de um curso ou minicurso sobre o software GeoGebra. Esse questionamento teve como objetivo verificar qual o nível de experiência prévia dos participantes em relação ao uso do software GeoGebra no ensino de Matemática ou áreas afins, pois o nível de conhecimento anterior agregado a novas informações favorece uma aprendizagem mais eficiente. As análises reforçam a importância de se trabalhar essa ferramenta didática em sala de aula, haja vista que o uso de software no ensino de Matemática é uma pauta bastante discutida nos encontros nacionais e internacionais de pesquisadores em Educação Matemática. A opinião dos alunos em relação ao uso do software no ensino de Matemática evidencia que esses sujeitos alimentam uma expectativa positiva em relação ao uso dessa metodologia, como pode ser evidenciado no seguinte relato de um dos alunos: “[...] é uma excelente ferramenta para dinamizar as aulas, pois nos ajuda no processo de formação.” (A-07); 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Na opinião dos alunos, conforme verificado em nosDelinearemos esquematicamente as análises dos resul- sas análises, o uso de software no ensino da Matemátados da nossa trajetória investigativa partindo dos da- tica, em geral, favorece a aprendizagem auxiliando o dos obtidos no minicurso. Começaremos mapeando o professor no sentido de dinamizar e melhor elucidar os perfil dos sujeitos pesquisados (alunos licenciandos em conteúdos a serem ensinados a partir de resolução de Matemática), em seguida, apresentaremos a dinâmica problemas, além disso, o uso de software proporciona do minicurso, as análises dos questionários diagnósti- um ambiente criativo e motivador em sala de aula, descos aplicados aos alunos, e por fim, a descrição das ati- pertando nos alunos o desejo para aprender Matemática. Perguntamos se em alguma das disciplinas da licenvidades desenvolvidas com alunos em cada encontro do ciatura em Matemática já haviam utilizado algum softminicurso. O perfil dos sujeitos pesquisados tomando como ware matemático, e os alunos foram unânimes em respremissa as informações coletadas na ficha de inscri- ponder que sim. Quando indagados sobre qual o software utilizado, ção e a primeira parte do questionário diagnóstico prépesquisa, foram 21 alunos selecionados, dos quais 43% eles responderam o Winplot, e qual disciplina, respon(9) são do sexo masculino e 57% (10) do sexo feminino. deram: fundamentos de Matemática I no primeiro seConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 139 nosso trabalho. Nesse sentido, optamos por atividades que explorassem os conceitos básicos da Geometria Plana, em especial os de Congruência de Triângulos. Gostaríamos de deixar claro que um dos objetivos da nossa pesquisa é o de explorar bem os problemas geométricos de forma interativa e dinâmica, promovendo aos futuros professores de Matemática uma oportunidade de experimentar a ferramenta computacional GeoGebra como recurso pedagógico para o ensino de Geometria, bem como desenvolver juntamente com os mesmos uma análise crítica dos conteúdos ensinados em sala de aula, assim como a construção e reconstrução dos conceitos geométricos fundamentais. Como instrumentos de coleta de dados utilizaramse questionários e imagens fotográficas. Registramos também as nossas atividades através da cópia de tela das atividades desenvolvidas pelos alunos e mediadas pelo pesquisador. Optamos em nossa pesquisa em desenvolver e aplicar dois questionários: um antes e outro após a realização do minicurso com GeoGebra. O questionário apresenta-se como uma amostragem da população pesquisada, e tem como objetivo verificar a representatividade desses sujeitos, no nosso caso, os alunos matriculados na disciplina de Geometria Plana do curso de licenciatura em Matemática do IFCE, Campus Canindé. A utilização de imagens produzidas por meio de fotografias representa um recurso imprescindível ao pesquisador no âmbito acadêmico e científico. Este artefato social produz registros de acontecimentos que possibilitam ao pesquisador imergir no contexto histórico, social e cultural de um povo. Segundo Müller (2006), esse instrumento de pesquisa é caracterizado como um testemunho, uma evidência, uma prova irrefutável de uma verdade observada no trabalho de campo.


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mestre. Vale ressaltar que nenhum aluno até o momento mento pessoal sobre a geometria.” (A-16). tinha utilizado o software GeoGebra. Confirmando a Quando perguntamos após o minicurso qual a opinecessidade de um curso básico de GeoGebra durante a nião deles em relação ao uso de software no ensino de formação inicial desses futuros professores. Matemática, os resultados mostraram que eles puderem No que diz respeito à expectativa dos alunos em re- confirmar através do minicurso que os softwares exerlação ao minicurso, as falas dos respondentes mostra cem grande contribuição para a aquisição de novos reo nível de interesse em aprender uma nova ferramenta gistros teóricos no que concerne ao ensino de Geomedidática para o ensino de Matemática, deixando clara tria Plana. a importância de novos conhecimentos que venham a As argumentações seguintes tecidas pelos alunos recontribuir para sua formação docente. Vide o seguinte forçam a nossa afirmativa, “É de grande auxílio, pois comentário: “Espero conhecer esta ferramenta e suas facilita ao aluno a visualização e compressão dos conaplicações para enriquecer minha formação e ampliar teúdos, principalmente na área de geometria.” (A-14); minhas possibilidades de lecionar a disciplina de mate- “É muito importante utilizar o GeoGebra pois ele ofemática.” (A-08). rece uma visão nova para o aluno, e consegue auxiliar No cômputo geral, o minicurso foi planejado no melhor os conteúdos.” (A-09). sentido de traçar novos caminhos que levassem os aluQuestionados se o minicurso havia atendido as suas nos, futuros professores de Matemática, a refletir sobre expectativas, todos os participantes responderam que a contribuição do software GeoGebra para a sua forma- “sim”. ção docente, no sentido de “provocar” nesses sujeitos Seguem algumas respostas dadas pelos alunos, “Eu uma mudança de postura em relação a sua prática do- não sabia como funcionava o software e também não cente em sala de aula. sabia como aplicar em sala de aula.” (A-15); “Aprendi Transcrevemos a seguir as falas de alguns alunos em de forma teórica, prática e fácil como usar o software relação à resolução das atividades sem a utilização do GeoGebra para o ensino de Matemática.” (A-10); “Eu software GeoGebra: “Sem o GeoGebra temos que re- não sabia como funcionava o software e também não correr ao desenho de mão livre e sem ser manipulável.” sabia como aplicar em sala de aula.” (A-15). (A-08); “Desenhar a mão é mais difícil bem como as Em relação aos aspectos positivos, eles assinalaram medidas não ficam precisas.” (A-21). que o software GeoGebra é uma ferramenta didática Finalizamos o minicurso com a aplicação do úl- importante para a sua formação acadêmica, e que irão timo instrumento de pesquisa o teste diagnóstico pós- utilizá-lo com seus alunos em sala de aula como futuros pesquisa para avaliação do minicurso, que teve como professores. objetiva verificar o nível de satisfação dos participantes As falas a seguir mostram o sentimento dos alunos em relação às atividades didáticas utilizadas, a sua im- em relação ao software GeoGebra como ferramenta diportância para a formação inicial dos participantes, qual dática: “O minicurso foi muito importante para a nossa às expectativas iniciais, e quais os pontos positivos e ne- formação nos trazendo bastante conhecimento.” (Agativos dessa metodologia para sua formação docente. 17). Em relação aos pontos negativos os alunos pesDelineamos em seguida esses resultados. quisados lamentaram a falta de tempo e o fato de nem Aplicamos o último questionário no intuito de ava- todos os alunos disponibilizarem de um notebook. Reliar a dinâmica desenvolvida no minicurso. O questi- pare a fala de um aluno, “A falta de não ter notebook onário foi aplicado para os 16 alunos presentes no ter- para todo mundo.” (A-07). ceiro encontro. Entendemos que no geral, o minicurso bem proveiPerguntados sobre qual o grau de importância do toso para os alunos, essa conclusão é corrobora com os minicurso para a sua formação acadêmica e os resul- dados analisados anteriormente. Observamos também tados mostraram que 15 (94 %) alunos consideraram que durante as atividades do minicurso os alunos trocaque o minicurso foi ótimo e apenas 01 aluno (6%) o ram muitas informações e apresentaram dúvidas quanto considerou bom, enquanto as opções regular e ruim não a melhor solução para cada atividade desenvolvida, vaforam pontuadas. lorizando pedagogicamente cada momento do enconOs resultados apresentados são reforçados pelos se- tro, pois a dinâmica do minicurso permitia a troca de guintes relatos, “[...] vai nos auxiliar muito até mesmo conhecimentos entre os alunos, mas sempre mediados para nossas aulas de geometria e principalmente para pelo pesquisador. Durante todo o minicurso os alunos se mostraram nosso conhecimento.” (A-19); “Afinal poderei usar o software para uma aula mais dinâmica sem contar nas participativos e empolgados no que concerne ao deinúmeras melhorias que ele trouxe para o meu entendi- senvolvimento do processo de aprendizagem do softConex. 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ware GeoGebra, dando sugestões e formulando conceitos, mostrando-se participativos e ativos em relação ao processo de construção das atividades didáticas, levantando hipóteses, interpretando e reformulando questionamentos de modo a se obter uma melhor saída para cada atividade didática proposta. Reforçamos que os alunos participantes do minicurso se mostraram bem receptivos as orientações contidas no nosso contrato didático e que pretendem levar essa ferramenta didática para as suas aulas de Matemática. Assim, consideramos que o nosso minicurso foi uma oportunidade positiva para agregar valores a formação acadêmica desses alunos no sentido de favorecer experiências diferenciadas como proposta para o ensino de Matemática nas escolas de ensino básico. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

proposta no minicurso se utilizando para isso de objetos matemáticos construídos com o software GeoGebra. Entendemos que a nossa pesquisa está concluída de acordo com os objetivos traçados e dentro do contexto ao qual foi proposto, e esperamos com esse trabalho termos contribuído da melhor forma possível para a melhoria do ensino de Geometria, e que os nossos estudos possa ser usado como fundamentação para futuros estudos no campo da Matemática. REFERÊNCIAS BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (6o ao 9o ano): matemática. Secretaria de Educação Fundamental, 1998. Disponível em: <http: //portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2015. FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores associados, 2006. (Coleção formação de professores).

Nesse estudo, buscamos junto a fontes bibliográficas que tratam do tema GeoGebra, esclarecer a importância da inserção do uso do software GeoGebra nas aulas HOHENWARTER, m.; HOHENWARTER, j. Ajuda de Geometria para a formação de professores de MateGeogebra: manual oficial da versão 4.4. Tradução mática, especialmente na fase da formação inicial. e adaptação para o português de Portugal. São Para tanto, procuramos ser o mais abrangente possíPaulo: Projeto GeoGebra online, 2009. Disponível vel e pouco superficial na escolha das atividades didáem: <http://static.geogebra.org/help/docupt_PT.pdf>. ticas, e para isso utilizamos bibliografias de referência Acesso em: 17 abr. 2015. nas universidades brasileiras. As atividades propostas envolviam os principais teoremas e axiomas da Geo- KUSIAK, R. S.; PRETES, R. F.; FRANZIN, D. metria Plana, priorizando o uso de construções geomé- R. F. A utilização do software geogebra no ensino tricas elementares em cada solução a ser desenvolvida. de geometria plana: uma experiência PIBID. Cada atividade do minicurso foi previamente analisada, In: Anais do 1o Seminário Nacional de Inclusão testada e experimentada pelo pesquisador, antes de ser Digital. Passo Fundo: [s.n.], 2012. Disponível em: proposta ao aluno, caso contrário, poderia correr o risco <http://gepid.upf.br/senid/2012/anais/96196.pdf>. dos objetivos propostos não serem alcançados, e con- Acesso em: 13 maio 2015. sequentemente, representar um prejuízo em relação à aquisição de aprendizagem dos conteúdos pelos discen- LEIVAS, J. C. P. Resolução de problemas geométricos usando o geogebra. I CONGRESSO tes. Durante o minicurso os alunos tiveram a oportu- DE EDUCACIÓN MATEMÁTICA DE AMÉRICA nidade de refletir e discutir sobre a importância dos CENTRAL Y EL CARIBE – I CEMACYC. softwares no ensino de Matemática, particularmente do http://www.centroedumatematica.com/memoriasGeoGebra. De acordo com os dados analisados as ativi- icemacyc/200-379-1-DR-T.pdf, 2013. Acesso em: 21 dades propostas e o software GeoGebra obtiveram um mar. 2015. boa aceitação pelos alunos, levando-nos a considerar LENZ, E. A.; FERRAZ, I. R.; ITO, G. C. Ferramentas que, em geral, as atividades didáticas aplicadas foram e de informática: usando os recursos da informática serão importantes para a formação acadêmica dos parti- para ensino e aprendizagem de Matemática. 2007. 30 cipantes, levando-nos a refletir que os futuros docentes f. Disponível em: <http://www.ensino.eb.br/portaledu/ acreditam e apoiam o software GeoGebra como um re- conteudo/artigo8653.pdf>. Acesso em: 10 maio 2015. curso pedagógico eficaz para o ensino de Geometria. Nesse sentido, podemos considerar que os objetivos LIEBAN, D. E. Resolução de problemas delineados para esse estudo foram alcançados e os seus geométricos com o software geogebra, valorizando a questionamentos elucidados a partir de cada atividade interatividade no processo de ensino-aprendizagem. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 134 - 142, dez. 2015 141


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UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV A NA C AROLINA C OSTA P EREIRA1 , B ERNADETE BARBOSA M OREY2 1

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Universidade Estadual do Ceará Universidade Federal do Rio Grande do Norte

<carolina.pereira@uece.br>, <bernadetemorey@gmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.933 Resumo. Neste artigo apresentamos um breve percurso pela história da Trigonometria, relembrando alguns fatos importantes desde seu nascimento, como uma ciência voltada para resolver problemas na Astronomia, até antes de sua emancipação, como uma ciência independente nos séculos XV a XVII. Nesse percurso, inicialmente discutimos o nascimento da Trigonometria como ciência auxiliar da Astronomia; a Trigonometria das Cordas com Ptolomeu e o seu Almagesto; a Trigonometria indiana das semi-cordas; a Trigonometria Árabe e a expansão da Trigonometria em precisão das tabelas e no aumento das funções trigonométricas. Finalmente, expomos sobre o surgimento da Trigonometria como uma ciência independente, na Europa dos séculos XV a XVII. Palavras-chaves: História da Trigonometria. Astronomia. Trigonometria da corda e da semi-corda. Tabelas trigonométricas. Abstract. This article presents a brief journey through the history of trigonometry, remembering some important facts from its birth, as a science focused on solving problems in astronomy, even before its emancipation, as an independent science on the fifteenth to seventeenth centuries. Along the way, initially we discussed the birth of trigonometry as auxiliary science of Astronomy; the String Trigonometry with Ptolemy and his Almagest; the Indian trigonometry of half-chords; the Arabic trigonometry and the expansion of Trigonometry in precision of the tables and the increase of the trigonometric functions. Finally, we talked about the emergence of trigonometry as an independent science in Europe of the fifteenth to seventeenth centuries. Keywords: History of Trigonometry. Astronomy. Trigonometry rope and half-chords. Trigonometric table. 1

O NASCIMENTO DA TRIGONOMETRIA COMO CIÊNCIA AUXILIAR DA ASTRONOMIA1

A Trigonometria, hoje, um dos ramos da Matemática, surgiu e desenvolveu-se como ferramenta cuja finalidade era auxiliar a Astronomia, ainda na Antiguidade. A relação entre essas duas áreas era tão intrínseca que se tornou proveitoso considerar sua separação somente na Idade Média. Na verdade, o primeiro tratado de Trigonometria independente da Astronomia de que temos 1 Esse artigo é uma adaptação de um dos capítulos da tese:

A Obra “De Triangulis Omnimodis Libri Quinque” de Johann Muller Regiomontanus (1436 - 1476): uma contribuição para o desenvolvimento da Trigonometria (PEREIRA, 2010).

notícia foi o Tratado dos Quadriláteros, de N as¯ır alD¯ın al-T u ¯s¯ı, no século XIII. Já na Europa, a Trigonometria foi abordada de modo independente da Astronomia pela primeira vez no De triangulis omnimodis libri quinque, de Regiomontanus, obra escrita por volta de 1464 e publicada postumamente em 1533. Autores como Zeller (1944) e Zinner (1990) discordam na questão de Regiomontanus ter tido ou não acesso à obra de al-T u ¯s¯ı2 . Deste modo, nada podemos inferir sobre a influência da obra de al-T u ¯s¯ı no desen2 N as¯ ır al-D¯ın al-T u ¯s¯ı (1201 - 1274) foi Matemático e Astrônomo árabe. Contribuiu bastante para a Trigonometria plana e esférica e a Astronomia, onde suas conclusões foram, inclusive, utilizadas por Copérnico. Escreveu o primeiro trabalho sobre Trigonometria que a trata independente da Astronomia (ZELLER, 1944).

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UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV, CEARÁ, BRASIL. Tabela 1: Reconstituição da tabela de cordas de Hiparco.

volvimento da Trigonometria na Europa. 2

A TRIGONOMETRIA DAS CORDAS

Dentre as primeiras contribuições para a Trigonometria de que temos notícias, estão as contribuições dos babilônicos advindas de suas observações astronômicas3 e registradas em suas inúmeras tábuas. Uma tábua babilônica famosa é a chamada Plimpton 322 cujo conteúdo, segundo as mais recentes interpretações, referese aos valores da cossecante de ângulos de 31◦ a 45◦ . Rudimentos de Trigonometria aparecem ainda no Papiro de Rhind ou Papiro de Ahmes, (∼ 1650 a.C.) o que demonstra que os egípcios já possuíam instrumentos matemáticos para medir inclinação. Os problemas 56 a 60 do Papiro de Rhind contêm cálculos sobre a inclinação da Pirâmide relacionando o seqed. Uma interpretação de seked seria o cosseno do ângulo que é formado pela margem lateral com a diagonal da base, e uma segunda interpretação seria a cotangente do ângulo. No entanto, foi na Grécia do século III a.C. que a Trigonometria adquiriu uma sistematização a partir da Geometria, segundo o modelo grego de raciocínio lógico dedutivo, com Hiparco de Nicéia4 (∼ 190 a.C. - ∼ 126 a.C.) e Claudius Ptolomeu5 (∼ 87 a.C – ∼ 150 a.C) com sua Trigonometria das cordas. Embora não tenhamos certeza, por volta de 150 a.C., Hiparco teria escrito uma obra em doze livros sobre o cálculo de comprimento de cordas, na qual estava incluída a primeira tabela trigonométrica baseada em uma função: a corda de um arco de círculo arbitrário. Infelizmente, essa obra não chegou até nós. Consta ainda que Hiparco fez o cálculo da distância Terra-Lua a partir da simples contagem do tempo de um eclipse lunar. Para fazer este cálculo, ele utilizou tabelas trigonométricas talvez de origens babilônicas. Brummelen (2009, p. 44) tenta fazer uma reconstituição da tabela de cordas de Hiparco (Tabela 1). Acreditamos que a obra de Hiparco tenha servido de base para a obra que se tornou um marco para o estudo da Astronomia e na qual aparece a primeira tabela trigonométrica que chegou até nós. Estamos falando do Almagesto, do astrônomo Claudius Ptolomeu, em torno de 150 a.C. Escrito com o título Matematike Syntaxis ou Composição Matemática, tornou-se mais conhecido por seu

θ 0 7 1/2o 15o 22 1/2o 30o 37 1/2o ... 180o

Crdθ 0 450 897 1341 1780 2210 ... 6875

Fonte: Brummelen (2009, p. 44)

nome de influência árabe, o Almagesto. Foi traduzido do grego várias vezes, primeiro para o siríaco e depois para o árabe. A tradução do árabe para o latim, feita por Gerard de Cremona, em Toledo, no século XII, foi possibilitando a difusão do conhecimento do Almagesto na Europa. Esta obra de Ptolomeu é exclusivamente concernente a uma descrição de métodos unificados para a representação dos fenômenos celestes (MOREY, 2001). Em síntese, é a exposição completa da Astronomia matemática, de acordo com o entendimento grego do termo. Segundo Asger (1984, p. 127), o Almagesto desempenhou o mesmo papel na Astronomia matemática que os Elementos de Euclides e as Cônicas de Apolônio em seus respectivos assuntos. (...) Mas Ptolomeu, diferentemente de Euclides, reconheceu as realizações de seus antecessores generosa e precisamente, de maneira que nosso conhecimento da Astronomia préptolomaica é mais rico e mais firme do que o da matemática pré-euclidiana. Pela mesma razão podemos identificar bem as contribuições do próprio Ptolomeu.

O Almagesto foi escrito como uma coleção de treze livros que defendiam a visão cosmológica segundo a qual a Terra ficava no centro do universo, e todos os astros girando em torno dela. Ptolomeu supôs a Lua e os planetas em movimento uniforme sobre círculos chamados epiciclos (Figura 1). Por sua vez, o centro de um epiciclo estaria se movendo uniformemente ao longo de outro círculo maior chamado deferente. A estrutura do Almagesto não é diferente das obras da época: ele começa com a matemática básica que será usada e mostra como obter as entradas na sua tabela trigonométrica. Começa com o cálculo da função trigo3 Ver Neugebauer (1969). nométrica da corda, aplicando-lhe uma longa série de 4 Hiparco de Nicéia é considerado o pai da Trigonometria por ter demonstrações, construções e derivações dos parâmesido o pioneiro na elaboração de uma tabela trigonométrica, com vatros numéricos de seu material observacional (MOREY, lores de arcos e cordas para uma série de ângulos e o fundador da 2001). Assim, no livro I, Ptolomeu constrói uma tabela Astronomia científica. 5 Claudius Ptolomeu (∼ 100 d.C. a ∼ 170 d.C.) se dedicou às citrigonométrica, a ferramenta principal de suas descobertas astronômicas. No livro II, discute aspectos da ências matemáticas, em especial à Astronomia. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 143 - 152, dez. 2015 144


UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV, CEARÁ, BRASIL.

Figura 2: Equivalência entre seno e corda. Fonte: Elaborada pelas autoras. Figura 1: Sistema de epiciclos de Ptolomeu. Fonte: Disponível em: <http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/ Geraldo/ptolomaico_arquivos/image002.gif>. Acesso em: 13/11/2015.

Astronomia esférica do ponto de vista do observador da Terra. No Livro III, oferece a Teoria do Sol. No Livro IV, discute a Teoria da Lua. O Livro V é a continuação da teoria lunar e trata também das paralaxes solares e lunares. O Livro VI é dedicado às tábuas da Lua e dos eclipses. Os Livros VII e VIII tratam de estrelas fixas. Já os últimos cinco livros são dedicados aos planetas (ZINNER, 1990). Segundo (MOREY, 2001, p. 30), Ptolomeu não discute certos tópicos, seja porque ele os considera de conhecimento de todos os seus leitores, ou seja, porque ele considera supérfluo entrar em detalhes, tais como: Geometria (encontrada em Euclides), logística (como cálculo da raiz quadrada) e esférica. Na sua exposição Ptolomeu lança mão da geometria elementar, sistema de numeração de base sessenta, das frações gregas e, o que mais nos interessa, da Trigonometria.

a corda = crd2α, 2α = AÔB, AÔM = BÔM = α e 2AM crd2α OD ⊥ AB, então senα = AM OA = 2OA = 120 . Como unidade de comprimento de corda, Ptolomeu usou o que ele chamou de parte, ou seja, 1/120 do comprimento do diâmetro da circunferência. A medida usada para o arco foi o grau (1/360 da circunferência completa). Para expressar as subdivisões dos comprimentos das cordas, Ptolomeu lançou mão do sistema sexagesimal. Com estes recursos, ele calculou os valores das cordas para todo ângulo central de 0o a 180o , em passos de 1/2o . Para a construção dessas tabelas, Ptolomeu utilizou o cálculo das cordas de alguns ângulos, identificandoas por meio dos lados de polígonos regulares inscritos como, por exemplo: crd36o é o lado do decágono inscrito; crd60o é o lado do hexágono inscrito; crd72◦ é o lado do pentágono inscrito; crd90o é o lado do quadrado inscrito; crd120o é o lado do triângulo equilátero inscrito. Para isso, ele apresenta a construção desses polígonos e a determinação do comprimento do lado desses polígonos (Tabela 2). Para o cálculo dos demais ângulos, Ptolomeu deduz, sempre geometricamente, e utiliza as fórmulas da corda da diferença de dois arcos, a corda do arco-metade e a corda da soma de dois arcos. Obtém então os seguintes resultados:

Porém, percebemos alguns conhecimentos inseridos no Almagesto que não são creditados a Ptolomeu: a notação sexagesimal e a operação de multiplicação herdadas dos babilônicos e a divisão dos egípcios; extração da raiz quadrada e conhecimentos geométricos contidos nos Elementos de Euclides. Dentre as tabelas trigonométricas da Antiguidade, a mais famosa é a tabela de cordas de Ptolomeu, inserida no Almagesto (MOREY, 2001). Na construção da tabela, Ptolomeu relaciona o comprimento do arco de uma circunferência com a medida em graus do arco/ângulo central correspondente. Observando a Figura 2, podemos, por meio de raciocínio geométrico, estabelecer a equivalência entre o conceito de comprimento de corda de um ângulo central e o seno da metade deste mesmo ângulo. É com base em tal equivalência que dizemos que a tabela de cordas de Ptolomeu é uma tabela trigonométrica. Ou seja AO = OB = r = 60 partes. Como AB é Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 143 - 152, dez. 2015

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UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV, CEARÁ, BRASIL. Tabela 2: Tábua com cordas de alguns ângulos

Ângulo 36o 60o 72o 90o 108o 120o 144o 180o

Corda 37p 04’ 55” 60p p 70 32’ 03” 84p 51’ 10” 97p 04’ 56” 103p 55’ 23” 114p 07’ 37” 120p

Fonte: Morey (2001, p. 36)

A corda da diferença de dois arcos: Sendo conhecidos os comprimentos de cordas de dois arcos, é possível encontrar a corda do arco que é a diferença dos dois primeiros. p √ crd 1202 − crd2 ϕ − crdϕ 1202 − crd2 Θ crd(Θ − ϕ) = (1) 120 A corda do arco-metade: Sendo considerado o comprimento de corda de um arco, é possível encontrar a corda do arco que é a metade do arco dado. q p Θ crd( ) = 7200 − 60 1202 − crd2 Θ (2) 2 A corda da soma de dois arcos: Sendo conhecidos os comprimentos de cordas de dois arcos, é possível encontrar a corda do arco que é a soma dos dois primeiros. p √ crd 1202 − crd2 ϕ + crdϕ 1202 − crd2 Θ (3) crd(Θ + ϕ) = 120 Lançando mão dos comprimentos de cordas constantes da Tabela 1 e das fórmulas (1), (2) e (3), é possível encontrar os comprimentos de cordas dos arcos de (3/2n ) , para valores inteiros de n. No entanto, é impossível encontrar os comprimentos de corda para os arcos de 1o . Ptolemy’s apud Morey (2001) escreve algumas considerações: É óbvio que combinando a corda (1 21 )◦ com todas as cordas que já obtivemos, seremos capazes de calcular o comprimento de todas as cordas cujos arcos são múltiplos de (1 12 )◦ . E assim, as únicas cordas que faltam ser calculadas são aquelas entre os intervalos de (1 21 )◦ , duas em cada intervalo. Se então, tivéssemos o valor crd 12 ◦ poderíamos preencher a tabela com as cordas faltantes utilizando a soma ou a diferença (da corda de 21 ◦ ) com a corda de uma das extremidades de cada intervalo. No entanto, dada a corda de um arco, digamos, de (1 12 )◦ , a corda de um terço deste arco não pode ser encontrada por meio geométricos (problema da trissecção do ângulo). Deste modo obteremos a corda de 1o a partir das cordas de (1 12 )◦ e ( 34 )◦ . Faremos isto lançando mão de um lema que apesar de não permitir, de modo geral, calcular tamanho de cordas, permite, no caso de pequenas cordas, calcular seu comprimento com um erro tão pequeno quanto se queira.

Para encontrar a crd1o e deste modo completar a tabela, Ptolomeu recorreu a uma interpolação que permitiu deduzir a seguinte desigualdade:

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0, 01745130 < seno de 1o < 0, 01745279

(4)

De posse da aproximação (4) acima, Ptolomeu pôde então finalizar sua tabela e fornecer os comprimentos de cordas para arcos de 0 a 180o variando de 1/2 em 1/2 grau. O Almagesto de Ptolomeu com sua tabela de cordas serviu de base para estudos em Astronomia, na Europa, durante vários séculos. O passo seguinte da evolução dos conceitos trigonométricos foi dado pelos indianos, com a introdução da semi-corda. 3

A TRIGONOMETRIA DAS SEMI-CORDAS

O que temos de registro sobre Trigonometria na Índia pode ser encontrado nos manuais de Astronomia, chamados Siddh¯ antas: S u ¯rya − Siddh¯ anta (∼ 500 d.C.), P aca − Siddh¯ antik¯ a (∼ 628 d.C.) e Br¯ ahmasphuta − Siddh¯ anta (∼ 628 d.C). A obra S u ¯rya−Siddh¯ anta, de autor desconhecido, é um dos mais notáveis desses textos sobre Astronomia que sobreviveu aos nossos tempos. Ele era constituído de regras crípticas em versos redigidos em sânscrito, com poucas explicações e nenhuma prova (KENNEDY, 1992). No que se refere ao estudo das funções trigonométricas, os indianos utilizavam a meia-corda, que posteriormente seria o seno indiano. Segundo Morey (2003, p. 19-20), [...] para os indianos as funções trigonométricas ainda eram definidas como comprimento de um segmento e não como uma relação entre dois comprimentos, como é o caso as funções trigonométricas modernas. Então quando dizemos seno indiano estamos nos referindo ao comprimento da meia-corda do ângulo central.

Observe a Figura 3. Nela podemos encontrar os segmentos referentes ao seno indiano, ao cosseno indiano e ao seno reverso (1 − cosβ). Podemos estabelecer, a partir da Figura 3, a relação entre as funções trigonométricas modernas e as indianas. De fato, seja M ÔA = β e AO = BO = r então AM = jyaβ = r · senβ = (seno indiano) OM = kojyaβ = r · cosβ = (cosseno indiano) M C = OC −OM = ukamajyaβ = r−r·cosβ = r(1 − cosβ) = versβ Varahamihira (c. 505-587 d.C) ao calcular jyaβ = r · senβ para β ≤ 90o , sugeriu o uso das equações:

Figura 3: Seno indiano, Cosseno e Seno Reverso. Fonte: Elaborada pelas autoras.

jya90o = r

(7)

Partindo das equações anteriores, Varahamihira calculou valores de jyaβ(r ·senβ) para todos os múltiplos de 3o 450 até 90o . Provavelmente, ele utilizou o equivalente das fórmulas senx = cos(π/2 − x) 2

2

sen x + cos x = 1

(8) (9)

sen2 x = 1/4(sen2 2x + versen2 2x = 1/2(1 − cos2x) (10) e outras conhecidas na época, para encontrar o valor do ângulo 3o 450 por meio do sen90o . Os valores encontrados são mostrados na Tabela 3. Outro modo utilizado pelos hindus para obter a tabela da Figura 3 era por meio da fórmula de recorrência (11), com n variando de 1 a 23. sen(n + 1)x − sen(nx) = 1 sen(nx) − sen(n − 1)x − 255 sen(nx)

(11)

¯ Aryabhata escreveu um trabalho que é essencialmente a sistematização dos resultados contidos no Siddh¯ antas. Ele deu outras medidas de raios, permitindo assim que o seno fosse expresso em um tipo de medida circular. 4

A EXPANSÃO DA TRIGONOMETRIA EM PRECISÃO DAS TABELAS E NO AUMENTO DAS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

1 ·r (5) 2 Os árabes proporcionaram um grande progresso à Ma1 √ jya60o = · r (6) temática, e em particular, à Trigonometria, que poste2 Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 143 - 152, dez. 2015 147 jya30o =


UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV, CEARÁ, BRASIL. Tabela 3: Tabela de senos indianos calculada por Varahamihira, de meio grau correto para nove casas decimais. Aryabhata I e seno moderno.

Segundo Zeller (1944) ele foi, provavelmente, o primeiro a demonstrar a generalidade do teorema do seno relativo a triângulos esféricos. Desenvolveu também as relações para o seno da soma e da diferença de dois arcos desde que seja conhecido o seno de cada um deles: sen(a ± b) = sena · cosb ± senb · cosa

Fonte: Morey (2003, p. 25)

riormente influenciou o desenvolvimento destas disciplinas na Europa Medieval e Renascentista. Com relação à Trigonometria, podemos citar, entre os mais importantes, os trabalhos de Ab¯ u0 l-W af a ¯ al B u ¯zj¯ an¯ı6 (940-998) e N as¯ır al-D¯ınal − T u ¯s¯ı (1201-1274). Entretanto eles não conseguiram conquistar o reconhecimento por quase três séculos. Na Trigonometria, os árabes contribuíram em três aspectos (MOREY, 2003): • a introdução de seis funções trigonométricas básicas: seno, cosseno, tangente, cotangente, secante e co-secante; • a dedução da regra do seno e o estabelecimento de outras identidades; • a construção de tábuas trigonométricas mais precisas com a ajuda de vários procedimentos de interpolação. Ab¯ u0 l-W af a ¯ al B u ¯zj¯ an¯ı inventou um método de computar tabelas de senos que fornece o valor do seno 6 Ab¯ u0 l-W af a ¯ al B u ¯zj¯ an¯ı (940 – 998) foi um grande matemático e astrônomo de Bagdá. Contribuiu para a Matemática nos ramos da Geometria e Trigonometria. Ele inventou um método para calcular uma tábua de Senos, que dá a condição de meio grau correto para nove casas decimais (ZELLER, 1944).

(12)

Ele desenvolveu um estudo especial da tangente e calculou uma tabela das suas linhas. Introduziu a secante e co-secante pela primeira vez e tornou-se conhecedor das relações entre as seis linhas trigonométricas. O árabe N as¯ır al-D¯ın al-T u ¯s¯ı ficou conhecido por escrever um importante trabalho, O Tratado sobre Quadriláteros, que foi a primeira obra que trata a Trigonometria independente da Astronomia. Segundo Belli (1985) é possível que o trabalho de al-T u ¯s¯ı tenha chegado às mãos de Regiomontanus na forma de tradução feita no século XII. Já Zeller (1944) é mais incisiva e considera este fato bastante evidente. O trabalho está dividido em cinco livros que tratam de quadriláteros planos e esféricos. Há aproximadamente 265 figuras ilustrando os cinco livros. Segundo Zeller (1944, p. 9) é difícil dizer se a terminologia no tratado é devido ao autor ou ao tradutor. Ele cita tanto autores árabes quanto gregos. Ao contrário dos escritores medievais, ele dá os devidos créditos aos autores das obras citadas. No seu trabalho há uma grande influência grega, e inúmeros autores gregos são estudados, tais como Euclides e os Elementos, Ptolomeu e o Almagesto, Menelaus e seu tratado sobre Esfera (ZELLER, 1944). O Tratado sobre Quadriláteros também contém as seis equações fundamentais para a solução de triângulos retângulos esféricos. Mostra como resolver também outros triângulos, substituindo, caso necessário, a consideração dos ângulos pelos lados e reciprocamente, por meio dos triângulos polares7 . Segundo Morey (2003) a lei do seno é atribuída a ele em sua versão moderna, ou seja, dado um triângulo plano qualquer ABC então cb = r·senB r·senC em que r mede 60 unidades. N as¯ır al-D¯ın al-T u ¯s¯ı apresenta dois métodos para a prova da Lei dos Senos tanto para triângulo agudo 7 “Triângulo esférico (euleriano) é a porção da superfície esférica limitada por três arcos de circunferência máxima, menores que 180o . Ou, polígono esférico formado por três lados menores que 180o . Todo triângulo corresponde um triedro com vértice no centro da esfera a qual pertence o triângulo” (ARANA, 2006, p. 23). “Dois triângulos esféricos são polares quando os vértices do primeiro são os pólos dos lados homônimos do outro, e reciprocamente” (ARANA, 2006, p. 23).

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casa sexagesimal, ou seja, até cinco casas decimais. Outros matemáticos trabalharam para reduzir os intervalos e aumentar a precisão destas tábuas. Ulugh Beg (1393 – 1449), por exemplo, computou uma tabela de senos e tangentes com intervalo de 1◦ /60, ou seja, 1 minuto, sendo os valores obtidos corretos em pelo menos cinco casas sexagesimais ou nove casas decimais9 . Jamsh¯id al-K¯ ashi10 (1390-1450) também como putou o sen(1 ), aplicando repetidamente a identidade da adição para seno de 3α. Substituindo α = 1, AlK¯ ashi demonstra que x = sen1o é a raiz da equação cúbica x≡ Figura 4: Regra do seno. Fonte: Elaborada pelas autoras.

quanto para obtuso. A primeira prova foi feita pelo árabe Ab¯ u0 l-Rayh¯ an al B¯ır¯ un¯ı8 . Em seguida vejamos a prova de al-T u ¯s¯ı para a Lei dos Senos (ZELLER, 1944, p. 12) Seja ABC, na Figura 5, os triângulos dados, acutângulo e obtusângulo. Trace AE perpendicular a BC. Prolongue AB e AC de modo que AF = AD = 60 = R. Descreva o arco DH. Trace F K e T D perpendicular a AH. No triângulo ABE, o ângulo E sendo um ângulo reto, B será o complemento de A; DT = senA; AT = senB. No triângulo AEC, F K = senA; KA = senC. Devido à semelhança dos dois triângulos ABE e ADT , temos AB AD · r AE AK · senC = e = AE AT · senB AC AF · R

(13)

Devido à semelhança dos dois triângulos AEC e AKF, é possível deduzir a afirmação: AK · senC AB = (14) AC AT · senB A confecção de tabelas era uma prática corrente na Matemática árabe. Eles compreenderam que tabelas mais precisas facilitavam os cálculos astronômicos. O árabe Habash al-Hasib computou com precisão a primeira tabela de senos e tangentes de 1o até a terceira 8 Al-B¯ ıru ¯n¯ı escreveu um tratado de Trigonometria intitulado “The key to the knowledge of spherical figures and other figures”, quando era usado extensivamente a obra de N as¯ır al-D¯ın al-T u ¯s¯ı, o tratado sobre quadriláteros. Recentes trabalhos científicos árabes creditam a Ab¯ u0 l-Rayh¯ an al B¯ıru ¯n¯ı a primeira prova da Lei dos Senos para triângulos planos (ZELLER, 1944, p. 9).

sen3o + 4x3 3

(15)

Al-K¯ ashi resolve a equação, usando um equivalente da iteração do ponto fixo, parando na décima casa sexagesimal. Outros valores de senos e tangente de ângulos, como 12o , que era encontrado pelos árabes, com a aplicação da equação da diferença de dois arcos sen (72o - 60o ), uma vez que os senos destes ângulos (72◦ e 60◦ ) podiam ser encontrados por meio dos lados de um pentágono regular e de um triângulo equilátero inscrito num círculo. Utilizando outras equações já conhecidas como a do arco metade, era possível encontrar sen6o , sen3o , sen (1 1/2)◦ e sen (3/4)◦ . 5

O SURGIMENTO DA TRIGONOMETRIA COMO UMA CIÊNCIA INDEPENDENTE NA EUROPA

Os séculos de XII a XV foram para a Matemática europeia basicamente um período de assimilação da herança dos matemáticos da Grécia Antiga e do Oriente Hindoarábico. Este período começou com a tradução para o latim, no século XII, de muitas obras clássicas (Euclides, Arquimedes, Al-Khw¯ arizm¯ı e Al-S.a ¯bi’ Thabit ibn al-H.arr¯ an¯ı Qurra). Foi nesse período que começaram a se estabelecer as primeiras universidades. A primeira delas foi a de Salerno, na Itália, no século XI; a de Bolonha, na Itália, surgiu no início do século XII. As universidades de Paris e Oxford foram criadas no início do século XII; a de Cambridge, no decorrer do século XIV; as de Praga, Cracóvia, Viena e Heidelberg, no início do século XV, 9 Veja mais detalhes sobre o sen(1o ) no artigo de Brummelen (2009). 10 Astrônomo muçulmano do século XV que propôs a mudança do método geométrico para o algébrico a fim de melhorar a precisão do modelo de Ptolomeu para seno de 1◦ .

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Figura 5: Lei dos Senos para triângulo agudo e obtuso. Fonte: (ZELLER, 1944, p. 9).

entre outros. Convém lembrar que o ensino nessas primeiras universidades se dava por meio do Quadrivium, composto de Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. As disciplinas do Quadrivium eram ministradas por professores de Faculdade de Artes de acordo com a necessidade, sendo que nenhuma universidade da Europa preparava professores especificamente de Matemática. Um dos primeiros a se especializar no ensino de disciplinas matemáticas foi Johann Gmunden11 , mestre na Universidade de Viena. Com ele foi iniciada a tradição que colocou a Universidade de Viena entre as melhores no ensino de Matemática na Europa. Nesse período nasceu Johann Müller Regiomontanus que teve um papel importante para a história da trigonometria moderna12 . Ligado a Astronomia, Regiomontanus, atacou vários problemas discutidos no século XV e XVI, dentre eles podemos citar a sistematização e a generalização dos métodos de medição de grandezas geométricas por meio da Trigonometria Plana e Esférica, o aperfeiçoamento dos métodos e instrumento de cálculo, a elaboração de tabelas matemáticas no sistema decimal, assim como a transformação da Álgebra retórica para a simbólica (BELLI, 1985). Porém, muitas se suas obras, tais como De Triangulis Omnimodis Libri Quinque (1533), Tabulae directionum et profectionum (1490), Tabulae primi mobilis ( 1468), estava diretamente lidados a Matemática e principalmente a Trigonometria. 11 Johann Gmunden (∼ 1380 – 1442) foi um matemático e astrônomo austríaco. Lecionou na Universidade de Viena em que seu sucessor foi Peuerbach. Escreveu sobre tabelas planetárias e Calendários. O asteróide Johannesgmunden foi nomeado em sua honra. 12 Mais detalhes em Pereira (2010)

Em seu tratado De Triangulis Omnimodis Libri Quinque composto por cinco livros no total de 131 páginas, ele sistematiza todos os conceitos de Trigonometria Plana e Esférica, trazendo uma linguagem atual, acarretando seu uso por diversos astronomos posteriorer, tais como: Nicolaus Copérnico (Polônia: 1473–1543), Georg Joachim von Lauchen Réticos (Áustria: 1514 – 1574) e Pedro Nunes (Portugal: 1502 - 1578). Conceitos de seno, lei dos senos, lei dos cossenos, entre outros, são largamente citados na obra De Triangulis, fazendo um tratamento de aplicação voltado para a Astronomia. Um exemplo dessa linguagem é o conceito de seno. O seno, na época de Regiomontanus, difere ligeiramente da definição da função seno de hoje. O seno, como usado em sua obra, é uma perpendicular traçada de uma extremidade de um arco de um círculo para o diâmetro que foi traçado pela outra extremidade do arco. O seno reverso é a parte do diâmetro entre o pé daquela perpendicular ou o seno e o arco. O seno do complemento do arco é o seno da diferença entre o arco e um quadrante; consequentemente, se o arco é menor que 90o , o complemento do arco é 90o menos os graus do arco, mas, se o arco é maior que 90o , o complemento é levado a ser os graus do arco menos 90o . Vale ressaltar que o teorema 20 do livro I mostra a definição do seno: Teorema 20: Em todo triângulo retângulo, um dos quais o vértice agudo é o centro de um círculo e cuja [hipotenusa] é seu raio, o lado que subtende a este ângulo agudo é o seno reto do arco adjacente ao lado oposto ao ângulo dado, e o terceiro lado do triângulo é igual ao seno do complemento do arco. Esquematizando... Se o triângulo retângulo ∆ABC é dado com C o ângulo reto e A um ângulo agudo, em torno do vértice do qual o círculo BED é descrito com

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UM ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA ANTES DO SÉCULO XV, CEARÁ, BRASIL. a hipotenusa - que é, o lado oposto ao maior ângulo - com o raio, e se o lado AC é estendido suficientemente para encontrar-se com a circunferência do círculo no ponto E, então o lado BC oposto ao ∠BAC é o seno do arco BE que subtende ao ângulo dado, e além disso o terceiro lado AC é igual ao seno reto do complemento arco BE. Demonstração Estenda o lado BC para encontrar a circunferência do círculo no ponto D. Do ponto A, o centro do círculo, trace um raio AK paralelo ao lado BC, e do ponto B trace uma corda BH paralela ao lado AC. As duas linhas BH e AK necessariamente se interceptam, devido os ângulos ABH e BAK serem agudos, e isso acontece no ponto G. Consequentemente, como o raio AE intercepta a corda BD perpendicularmente devido o ∠ACB reto, [AE] bissecta ambos a corda BD, de acordo com o Teorema 3 do livro III dos Elementos de Euclides, e o arco BD, de acordo com a Teorema 29 do livro III dos elementos de Euclides. Assim, apenas pela definição a linha inteira BD é a corda do arco BD, então também [pela definição] sua metade, isto é a linha BC, é o seno do arco-metade BE oposto ao ∠BAE, ou BAC. E este é o que a primeira parte do teorema afirma.

A segunda parte é mostrada para ser verdade se for primeiro compreendido que, pela Proposição 34 do Livro I dos Elementos de Euclides, o ∠AGB é um ângulo reto, então o raio AK bifurca a corda BH e seu arco, como mencionado acima. Consequentemente, através da definição, a linha reta BG é o seno de arco BK. Além disso, a linha BG é igual ao lado [AC] do ∆ABC pela Proposição 34 do Livro I dos Elementos de Euclides devido à área de AGBC ser limitada por linhas paralelas. Mas o ∠CAG, ou EAK, é um ângulo reto pela Proposição 29 do livro I dos Elementos de Euclides, devido à linha BC ser paralela a AG. Consequentemente pela última Proposição do Livro VI dos Elementos de Euclides, o arco EK é mostrado para ser um quadrante da circunferência. Consequentemente, o arco BK está definido como o complemento do arco BE, e o seno BG [do arco BK] há pouco foi mostrado como sendo igual ao lado AC. E assim ambas as partes do teorema foram provadas. (REGIOMONTANUS; HUGHES, 1967, p. 58 - tradução nossa) - Grifo nosso.

NUS; HUGHES, 1967, p. 30-31) para embasar a demonstração de seu teorema. Ele toma o raio do círculo trigonométrico igual a 1, e ou seja, definindo o senBÂC = BC. Ele ainda utiliza o termo “seno reto do complemento do arco BE”, em que se refere ao cosseno do ângulo BÂC, sendo cosBÂC = AC 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trigonometria, ciência que é estudada na Educação Básica e Superior, pouco é apresentada aos estudantes conceitos oriundos de seu desenvolvimento histórico. Muito do que é apresentada nos atuais livros didáticos só se remete ao estudo de funções circulares, ou seja, somente cerca de cinco séculos de história. Outro ponto é o descaso dos currículos escolares em relação à Trigonometria Esférica. Ela, conhecida em alguns cursos do Ensino Superior, e desconhecida para os alunos do Ensino Fundamental e Médio, atualmente, está atrelada a disciplina básica dos cursos técnicos ou das engenharias ligadas a: Cartografia, Astronomia, entre outros. No curso de Bacharelado em Matemática no Brasil, uma disciplina que aborda a Trigonometria Esférica é a Geometria não-Euclidiana, no estudo da Geometria Elíptica. Porém, na formação do professor de Matemática, ou seja, nos cursos de Licenciaturas, numa pesquisa realizada em 2005, por Barreto e Tavares (2007, p. 2) das 47 Instituições de Ensino Superior brasileiras pesquisadas por eles, somente cinco abordavam conceitos de Geometrias não-Euclidianas nas suas matrizes curriculares, consequentemente o estudo de triângulos esféricos. Isso nos leva a concluir que a Trigonometria Esférica está perdendo lugar no ensino de Matemática. Desse modo, consideramos é necessário uma abordagem diferenciada da história da trigonometria, não remontando a fatos, datas e biografias, mas envolvendo conceitos trigonométricos desenvolvidos ao longo da história que ainda são tratados em sala de aula. REFERÊNCIAS ARANA, J. M. Trigonometria Esférica: Notas de aula. Presidente Prudente: [s.n.], 2006. ASGER, A. Episódios da história antiga da matemática. Rio de Janeiro - SBM, 1984.

No Teorema 20, Regiomontanus utiliza a defini- BARRETO, M. d. S.; TAVARES, S. Do mito da ção apresentada no início do Livro I: Quando o arco geometria euclidiana ao ensino das geometrias não e a corda são bissectados, nós chamamos aquela meia- euclidianas. Vértices, Campos dos Goytacazes, v. 9, corda de seno reto do arco metade (REGIOMONTA- n. 1/3, jan./dez. 2007. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 143 - 152, dez. 2015 151


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BELLI, I. A. Johann Muller (Regiomontanus) 1436-1476. Moscou: Naúka: Courier Corporation, 1985. BRUMMELEN, G. V. The mathematics of the heavens and the Earth: the early history of trigonometry. New Jersey: Princeton University Press, 2009. KENNEDY, E. S. História da trigonometria. São Paulo: Atual Editora, 1992. Tradução de Hygino H. Domingues. MOREY, B. Geometria e trigonometria na Índia e nos países árabes. Editora SBHMat, Rio Claro, 2003. Coleção História da Matemática para Professores. MOREY, B. B. Tópicos de história da trigonometria. Natal: SBHMat, 2001. Coleção História da Matemática para Professores. NEUGEBAUER, O. E. The exact sciences in antiquity. New York: Dover Publication, 1969. v. 9. PEREIRA, A. C. C. A obra “de Triangulis omnimodis libri quinque” de Johann Müller Regiomontanus (1436–1476): uma contribuição para o desenvolvimento da trigonometria. Tese (doutorado em Educação) — Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010. 329 f. REGIOMONTANUS; HUGHES, B. Regiomontanus on triangles. [S.l.]: University of Wisconsin Press, 1967. ZELLER, M. C. The Development of Trigonometry from Regiomontanus to Pitiscus. Tese (doutorado) — University of Michigan, Ann Arbor, 1944. ZINNER, E. Regiomontanus, his life and work. Borth-Holland: [s.n.], 1990.

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UMA ANÁLISE PARATEXTUAL DA OBRA “ARITHIMETICA TEORICO-PRATICA” M IRIAN M ARIA A NDRADE1 , M AGNA PAULINA DE S OUZA F ERREIRA1 1

Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Cornélio Procópio <andrade.mirian@gmail.com>, <magna.3@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.984

Resumo. Este texto apresenta uma investigação, de natureza qualitativa, no âmbito da História da Educação Matemática, que teve por objetivo analisar a obra “Arithmetica: theorico-pratica” por meio de seus paratextos editoriais. Esta obra é datada de 1928 e a autoria é de André Perez Y Marin. Deste modo, o problema de pesquisa é descrito como: o que nos revelam os paratextos editoriais da obra “Arithmetica: theorico-pratica”, sobre a própria obra? É, portanto, sobre a teoria dos paratextos editoriais que nos fundamentamos teórica e metodologicamente para desenvolver nosso trabalho. A concepção de paratextos editoriais é apresentada por Gérad Genette e refere-se aos elementos que compõem, com o texto, um livro. Nesta pesquisa, analisamos os seguintes paratextos: a capa, o título, a contra capa, a dedicatória, os pareceres, o prefácio e o sumário. A partir deste nosso movimento analítico, podemos concluir que o autor fez várias contribuições para a sociedade, visto que essa não era uma de suas primeiras obras a ter destaque no âmbito educacional. O livro está bem estruturado, apresenta um cuidado com as explicações sobre os conteúdos abordados e atende as recomendações educacionais, no que se refere à matemática, da época. Palavras-chaves: Arithimetica Teorico-Pratica. História da Educação Matemática. Paratextos Editoriais. Abstract. This paper presents an investigation of a qualitative nature, within the History of Mathematics Education, which aimed to analyze the work "Arithmetica: theorico-practice" through its editorials paratexts. This work is dated 1928 and the author is André Perez Y Marin. Thus, the research problem is described as: what we reveal editorial paratexts the work "Arithmetica: theorico-practice" on the work itself? It is, therefore, under the theory of editorial paratexts which we base in theoretically and methodologically to develop our design editorial paratexts work . The design of editorials paratexts is shown by Gérad Genette and it refers to elements that compose it, with the text book. In this research, we analyze the following paratexts: the cover, the title, the back cover, the dedication, the opinions, the preface and the summary. From this our analytic movement, we can conclude that the author made several contributions to society, since this was not one of his first works to be featured in the educational field. The book is well structured, has a careful explanations of the content covered and meets the educational recommendations in regard to mathematics time. Keywords: Arithmetic Theoretical-Practice. History of Mathematics Education. Paratexts Editorials. 1

INTRODUÇÃO

Essa obra é datada de 1928 e a autoria é de André Perez Y Marin. E para tecer a análise, do modo como pretendíamos, é sobre a teoria dos paratextos editoriais, de Gérard Genette, que nos fundamentamos teórica e metodologicamente para desenvolver nosso trabalho. Os paratextos editoriais referem-se aos elementos que compõem, com o texto, um livro.

Envolvidos com a pesquisa em Educação Matemática, sobretudo, com a pesquisa em História da Educação Matemática, disparamos a intenção de realizar uma análise da obra “Arithmetica: theorico-pratica”, que é um livro antigo, cujo interesse se debruça sobre investigar o que nos revelam os paratextos editoriais da obra. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015

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UMA ANÁLISE PARATEXTUAL DA OBRA “ARITHIMETICA TEORICO-PRATICA”, CEARÁ, BRASIL.

Deste modo, o objetivo desta pesquisa se apresenta de perto esses elementos que estão ao redor do “texto”. como: analisar a obra “Arithmetica: theorico-pratica” por meio de seus paratextos editoriais, verificando as 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA contribuições que a análise paratextual pode trazer para a História da Educação Matemática, contribuindo assim O referencial teórico da nossa pesquisa debruça-se sopara o fortalecimento e consolidação da referida linha bre a concepção de Paratextos Editoriais, ideia apresende pesquisa. A partir destes objetivos traçamos nossa tada por Gérad Genette.“Paratextos editorais” trata-se pergunta diretriz: O que nos revelam os paratextos edi- de uma concepção recente no campo de pesquisa em toriais da obra “Arithmetica: theorico-pratica”, sobre História da Educação Matemática. São poucos os trabalhos na área que versam sobre esse conceito. Ana própria obra? O estudo de obras a partir dos seus paratextos edi- drade (2012) faz uma análise paratextual de uma obra toriais, representa, para os pesquisadores em História de Lacroix: Ensaios sobre o ensino em geral e sobre da Educação Matemática, mais uma dentre várias ou- o de matemática em particular. O pesquisador Bruno tras possibilidades para se escrever histórias vinculadas Dassiê, professor da Universidade Federal Fluminense a Educação Matemática, e possibilita aos pesquisado- - UFF, também desenvolve parte de suas pesquisas, em res a utilização das obras como objetos para realização História da Educação Matemática, por meio da análise de alguns projetos de investigação. Os paratextos desta paratextual. Entre 2014 a 2015, por exemplo, este pesobra, que foram por nós analisados são: a capa, o título, quisador coordenou um projeto intitulado: “Paratextos a contra capa, a dedicatória, os pareceres, o prefácio e o editoriais e livros didáticos de matemática: uma análise de suas funções”. sumário. Neste texto, no entanto, para aprofundarmos a disA análise de livros vem despertando interesse entre cussão sobre o nosso aporte teórico nos deteremos a expesquisadores que buscam entendê-los em suas inúmepor e discutir a teoria apresentada, por Genete (2009), ras faces, como, por exemplo, Andrade (2012), Dassie em sua obra intitulada Paratextos Editoriais. Aborda(2012). Nesse sentido, há alguns elementos do livro que remos também as relações estabelecidas por Andrade podem ser utilizados como subsídio para uma análise (2012) sobre Paratextos e a Educação Matemática, mais em História da Educação Matemática devido à diverespecificamente, com a História da Educação Matemásidade de fatos que eles revelam. Tais elementos são tica. denominados, por Genete (2009), como paratextos ediA proposta dos paratextos de Genete (2009), dirigetoriais. se, mais propriamente, à análise de livros. Para este Gérard Genette procede aos estudos das relações autor, “a obra literária consiste, exaustiva ou essencitranstextuais e define a paratextualidade, como “aquilo almente, num texto, isto é (definição mínima), numa que por meio de um texto se torna livro e se propõe sequência mais ou menos longa de enunciados verbais como tal aos seus leitores, e de maneira mais geral ao mais ou menos cheios de significação” (p. 09). No enpúblico” (p.09). Essa afirmação de Genette, nos pertanto, para o autor, mite entender os paratextos como formas de compreender um texto por meio de uma profunda ligação entre a [...] esse texto nunca se apresenta em estado nu, sem o estrutura que o envolve, contribuindo para que produza reforço e o acompanhamento de certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um título, sentido. um prefácio, ilustrações, que nunca sabemos se devemos A palavra paratexto é composta pelo prefixo grego ou não considerar parte dele, mas que em todo caso o para, que, conforme a etimologia de origem, indica algo cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu sentido que coloca perto de, ao lado de; algo que acontece pamais forte: para torná-lo presente, para garantir sua preralelamente a outra coisa. Ao compor a nova palavra, sença no mundo, sua “recepção” e seu consumo, sob a sinaliza uma organização textual ao lado de outra, manforma, pelo menos hoje, de um livro (p. 09). tendo uma relação direta, de continuidade. Segundo Genete (2009, p. 09), “um paratexto é Andrade (2012) afirma que a leitura e a interpretação dos paratextos se tornam fundamentais no processo aquilo que por meio de um texto se torna livro e prode compreensão da obra. Um paratexto pode comuni- põe como tal a seus leitores, e de maneira mais geral car uma informação, pode dar a conhecer uma intenção. ao público”. Ao se analisar os paratextos, o texto passa Proceder a uma análise paratextual possibilita compre- a ter um outro significado, sendo assim, um livro. Poender informações contidas nesses elementos, possibi- dem ser citados diversos elementos encontrados em um lita entender a intenção manifestada por meio do para- livro que podem ser classificados como paratextos. Por texto. O objetivo da análise paratextual é analisar mais exemplo, Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 154


UMA ANÁLISE PARATEXTUAL DA OBRA “ARITHIMETICA TEORICO-PRATICA”, CEARÁ, BRASIL. [...] o nome do autor, os títulos e os subtítulos, a data da obra, os releases, as dedicatórias, as epígrafes, a instância prefacial, as notas de rodapé, listas de obras do mesmo autor, notas do autor ou do editor, menções de preço, conversas e entrevistas sobre o livro, formato, correspondências ao autor, as ilustrações, as capas, os anexos etc (ANDRADE, 2012, p. 46).

Andrade (2012) afirma, ainda, que a leitura e a interpretação dos paratextos se tornam fundamentais no processo de compreensão da obra. De acordo com essa autora, um paratexto pode comunicar uma informação e pode dar a conhecer uma intenção. “Proceder a uma análise paratextual possibilita compreender informações contidas nesses elementos, possibilita entender a intenção manifestada por meio do paratexto” (ANDRADE, 2012, p. 48). Afirmamos, portanto, que os elementos paratextuais têm necessariamente um lugar, se situam em relação ao próprio texto: em torno dele ou sobre ele. Quando eles aparecerem nos arredores do texto, no espaço do mesmo volume, como, por exemplo, os títulos de capítulos, o prefácio, estes são definidos como peritextos. Ainda em torno do texto, mas a uma distância mais respeitosa, todas as mensagens que se situam na externalidade do livro, como, por exemplo: um suporte midiático ou uma comunicação privada, a essa categoria chamamos epitexto. De modo geral, podemos afirmar que os peritextos (internos a obra) e os epitextos (externos a obra) dividem entre si o campo do paratexto, ou seja, paratextos editoriais = epitextos + peritextos. Andrade (2012, p. 47) apresenta ainda, de acordo com Genete (2009), outras classificações que os paratextos podem assumir: • paratextos anteriores: aqueles que surgem antes da publicação da primeira edição do livro. São, por exemplo, as propagandas que se fazem em torno do lançamento da obra, os anúncios de no prelo, panfletos; • paratextos tardios: aqueles que aparecem apenas nas novas edições, ou seja, surgem mais tarde que a própria obra. Apesar dessa classificação, Genette coloca que os paratextos mais frequentes aparecem com o texto original.

• paratexto privado: são paratextos dirigidos ao autor; • paratexto íntimo: são mensagens do autor para si mesmo. A literatura nos aponta que os paratextos nem sempre são lidos pelo leitor do texto e que não há, realmente, obrigatoriedade em lê-los (é comum, por exemplo, o leitor iniciar a leitura do texto sem ler o prefácio). Em muitos casos, o leitor nem tem acesso aos paratextos, principalmente àqueles externos à obra. Na nossa pesquisa, entretanto, são, justamente, os paratextos e as interpretações sobre eles que nos interessam. É, portanto, esse movimento analítico dos paratextos que poderá nos permitir traçar interpretações sobre a obra estudada, já que esses paratextos não estão na obra por motivos estéticos. Ou seja, acreditamos que eles têm pretensões que, quando esclarecidas, podem ajudar o leitor a compreender a escrita de um dado texto. O paratexto permite que o leitor possa construir uma identidade para o mundo do autor, que ele possa transitar entre seu mundo, aquele outro mundo que a leitura cria, e o mundo que o autor pretendeu criar [...]. O “texto” por si só não é capaz de adaptar-se ao mundo do leitor, considerando que possíveis leitores nunca estarão situados nos mesmos tempos e culturas, lendo uma “mesma coisa” sob uma mesma ótica. É preciso possibilitar, então, que cada leitor, no âmbito de suas singularidades culturais, sociais, políticas e educacionais, construa uma aproximação do mundo que “se faz presente” na obra, atribuindo significados a ele de acordo com os parametrizadores que lhe são oportunos. Genete (2009), [...] afirma que o paratexto é um instrumento de adaptação e [. . . ] que “não existe o verdadeiro sentido de um texto”. [. . . ] a prática paratextual é nutrida pelo ponto de vista do autor, que não deve ser negligenciado e nem desconhecido por aquele que se propõe a analisar os paratextos (nem que seja para desprezá-lo) (ANDRADE, 2012, p. 271).

As considerações que seguem, sobre os paratextos editoriais, estão pautadas, todas, em Genete (2009) e Andrade (2012). É a partir delas que realizamos a análise que propusemos nesta pesquisa.

• capa e anexos: a capa, a página de rosto e seus anexos, podem apresentar ao público e ao leitor muitas indicações editoriais e autorais. As capas • paratextos ântumos: que aparecem antes da podem apresentar informações como, por exemmorte do autor; plo: nome e pseudônimo do autor (ou autores); título(s) da obra; indicação genérica; nome dos tra• paratextos póstumos: aqueles que aparecem após dutores ou dos prefaciadores, ou dos responsáveis a morte do autor; pelo estabelecimento do texto e do aparato crítico; • paratexto público: são os paratextos destinados dedicatória; epígrafe; ilustração específica; endeao público em geral. Um release, uma entrevista, reço do editor; data; preço de venda e outros. A uma crítica são exemplos; lombada traz, muitas vezes, o nome do autor, o Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 155


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logotipo da editora e o título da obra. A cinta também pode ser considerada um paratexto, ou melhor, pode conter mensagens paratextuais e no início de seu uso ela era fechada (talvez para evitar o folhear dos livros nas livrarias). Na maioria das vezes a cinta é esquecida após um tempo. • páginas de rosto: o paratexto editorial ocupa, ainda, todas as primeiras e últimas páginas da obra que, em geral, não são enumeradas. Essas páginas iniciais podem se apresentar em branco e recebem as diversas indicações editoriais, como o título da coleção, a menção das tiragens; a lista de obras do mesmo autor; e das obras publicadas na mesma coleção. A página de rosto contém, geralmente, além do título propriamente dito e de seus anexos, o nome do autor, o nome e o endereço do editor. • o nome do autor: o nome do autor pode encontrar-se em três condições: o autor assina com seu nome de registro civil; ou assina com um nome falso (emprestado ou inventado), é o pseudônimo; ou não assina de forma alguma, é o anonimato. O nome de um total desconhecido pode indicar algo da identidade do autor: muitas vezes seu sexo, às vezes sua nacionalidade ou seu perfil social, ou seu grau de parentesco com uma pessoa conhecida. O nome do autor cumpre uma função de importância muito variável conforme os gêneros: fraca ou nula na ficção, muito mais forte em toda a espécie de escrito referencial, onde a credibilidade do testemunho, ou de sua transmissão, apoia-se amplamente na identidade da testemunha ou do relator. • os títulos: podemos dividir o título em três elementos: título, o segundo título e o subtítulo. Assim, como o nome do autor, o título não teve, durante muito tempo, nenhum local reservado. Atualmente o título comporta quatro locais quase obrigatórios: a primeira capa, a lombada, a página de rosto e a página de anterrosto, em que aparece sozinho e de forma abreviada. As funções do título parecem ter se estabelecido da seguinte forma: identificar a obra; identificar seu conteúdo; valorizá-lo, ou seja, um conjunto de signos linguísticos e que podem figurar na abertura de um texto para designá-lo, para indicar seu conteúdo global e para atrair o público visado. As três funções indicadas não estão todas necessariamente presentes ao mesmo tempo, só a primeira é obrigatória, sendo as outras duas suplementares.

real ou ideal, ou a alguma entidade de outro tipo. Em um livro quem assume as dedicatórias nem sempre são os autores, pois certas traduções são dedicadas pelo tradutor. Existem dois tipos de dedicatário: o privado e o público. O dedicatário privado é uma pessoa, conhecida ou não, do público, a quem uma obra é dedicada em nome de uma relação pessoal: de amigo, de família ou outra. O dedicatário público é uma pessoa mais conhecida no meio em que a obra se insere ou não, mas com quem o autor expressa, através de sua dedicatória uma relação de ordem pública: intelectual, artística, política ou outra. • as epígrafes: é uma citação colocada, a vista, em destaque, geralmente no início da obra ou início de partes da obra. A prática da epígrafe se difundiu no transcorrer do século XVIII, quando foram encontradas no início de algumas grandes obras. • sumário: no passado era bastante usual o sumário aparecer no final do livro. Aquele que escreve o sumário (o próprio autor, editor, ou ainda um outro indivíduo) cuida de dar ao leitor informações sobre o momento do texto em que são tratados alguns temas específicos. • instância prefacial: é toda espécie de texto liminar (preliminar – prefácio - ou pós-liminarposfácio), autoral ou alógrafo (escrita ou assinatura que uma pessoa faz a pedido e sob responsabilidade de outra), que consiste num discurso produzido a propósito do texto que segue ou que antecede. • as notas: uma nota é um enunciado de tamanho variável relativo a um segmento mais ou menos determinado de um texto, e disposto seja em frente, seja como referência a esse segmento. A nota pode aparecer em qualquer momento da vida do texto, por menos que a edição lhe ofereça a ocasião. Podem ser notas originais de primeira edição ou notas posteriores (que surgem ou são reformuladas nas edições seguintes da obra). • o epitexto público: o epitexto sempre está em qualquer lugar fora do livro como, por exemplo, em jornais ou revistas, emissões de rádio ou televisão, conferências e colóquios, qualquer intervenção pública eventualmente conversada sob a forma de gravações ou textos impressos.

• o epitexto editorial: são cartazes ou anúncios publicitários, comunicados e outros prospectos. Há • as dedicatórias: consistem em prestar uma homecasos que o autor participa desse tipo de produção, nagem numa obra a uma pessoa, ou a um grupo Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 156


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mas o autor normalmente o faz anonimamente, auxiliando a edição, redigindo textos que provavelmente se recusaria a assumir e que exprimem menos seu pensamento do que sua ideia do que deve ser o discurso editorial. • peritexto: é tudo que se situa em torno do texto, no espaço do mesmo volume, como o título ou prefácio, e, às vezes, inserido nos interstícios do texto, como os títulos de capítulos ou certas notas, trazendo qualquer tipo de informação. • entrevistas: a entrevista, como conversa é uma prática recente. Quando o escritor toma a iniciativa, ou aproveita a ocasião de uma entrevista para dirigir ao público uma mensagem que realmente lhe é cara, esse gênero pode funcionar como um vantajoso substituto do prefácio. A iniciativa da entrevista é do jornal, e o autor, que não espera dela mais que uma espécie de publicidade gratuita, submete-se a ela de maneira passiva e, aparentemente, sem grande motivação intelectual. Esta procede-se também, sem dúvida, mais de uma necessidade de informação do que de um verdadeiro comentário: uma vez lançado um livro é necessário que saibam de sua existência e que saibam do que se trata. • colóquios e debates: é qualquer situação em que o autor é levado a dialogar, não mais com um interlocutor, mas com um auditório de algumas dezenas de pessoas, com ou sem gravação, ou projeto de publicação. Essa situação costuma apresentar-se no final de uma conferência ou quando o escritor é convidado a debater sua obra diante de um grupo de estudantes e de professores, ou ainda quando ocorre um colóquio expressamente organizado de um autor e a seu respeito. Esses são alguns dos paratextos editoriais apresentados e discutidos em Genete (2009) e em Andrade (2012). Na nossa análise da obra, realizamos um estudo sobre esses elementos, sua presença ou ausência, buscando identificar o que esses elementos podem nos dizer sobre a obra “Arithmetica Theorico-Pratica”, do ano de 1928, com autoria de André Perez Y Marin. 3

METODOLOGIA

mesmo de uma curiosidade. Se recorrermos a dicionários de Língua Portuguesa o termo pesquisar é sinônimo de investigar. Investigar significa trabalhar com questões que provocam inquietude, para as quais se buscam uma solução. Podemos citar, de acordo com essa autora, dois principais tipos de pesquisa: a quantitativa e a qualitativa. Nossa pesquisa é de cunho qualitativo, cujo foco do trabalho está concentrado na compreensão e interpretação de informações ou discurso, enquanto a pesquisa quantitativa versa sobre a análise de dados quantitativos, muito comuns em pesquisas na área de Estatística, por exemplo. Na pesquisa qualitativa o pesquisador não está interessado exclusivamente em um resultado final capaz de responder a um questionamento, mas, igualmente, se preocupa com o processo investigativo, com os significados atribuídos aos fatos e coisas. No âmbito da pesquisa qualitativa, nossa proposta pode ser apontada como uma pesquisa de análise documental, que, de acordo com Lüdke e André (1986, p. 38), “busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse”. Ao desenvolvermos um trabalho de pesquisa devemos optar por uma metodologia que possa nos conduzir na busca por compreender o objeto foco da investigação. Pensamos metodologia como um conjunto de procedimentos fundamentados, conforme comenta Garnica (2010, p. 31): Metodologia não é um mero exercício técnico, um conjunto de procedimentos que o pesquisador desenvolve procurando resultados. Metodologia inclui, sim, um conjunto de procedimentos (cuja função é tornar mais sistemática a procura do pesquisador por compreender determinado objeto), mas, além disso, inclui uma fundamentação desses procedimentos.

Nesta investigação, ao analisarmos o livro “Arithmetica: theorico-pratica”, optamos como recurso metodológico a análise paratextual, ou seja, nossa intenção é desenvolver um exercício analítico de modo que possamos compreender o que nos revelam os paratextos editoriais sobre a obra e como se constituem junto ao texto como obra completa. Mas por que escolhemos essa obra para ser analisada? Em um projeto anterior, cujos resultados podem ser consultados em Andrade e Rezende (2013), esta obra foi analisada a partir do Referencial Metodológico da Hermenêutica de Profundidade1 , com o objetivo de

Segundo Andrade (2008) o termo pesquisar significa a 1 A Hermenêutica de Profundidade (HP) surge, basicamente, como procura de informações e a busca de respostas para algo uma teoria de interpretação de textos, tomando textos em sentido amde interesse. Ou seja, pesquisar, consiste na procura plo, isto é, um conjunto de símbolos que são criações humanas carpor informações com diligência, na busca minuciosa, regadas de intenções cujo significado é atribuído por aquele que o lê, na averiguação de algo que se tem interesse. Uma pes- num processo hermenêutico, interpretativo. Thompson (1995) proquisa surge de uma inquietação, de uma intenção e até põe o Referencial Metodológico da Hermenêutica de Profundidade Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 157


UMA ANÁLISE PARATEXTUAL DA OBRA “ARITHIMETICA TEORICO-PRATICA”, CEARÁ, BRASIL.

mobilizar este referencial teórico metodológico. Este primeiro estudo, no entanto, revelou informações interessantes sobre este livro e, por isso, disparou a intenção de desenvolver um estudo, olhando, agora, para os paratextos editorias da obra. Daí surge, então, a ideia central desta pesquisa. Olhando para a mesma obra, analisamos a atuação do autor, o título da obra, a capa, a contra capa, a dedicatória, os pareceres, o prefácio e o sumário. A partir dessa análise paratextual podemos, portanto, chegar a uma compreensão da obra e uma dada interpretação deste livro. Na sequência, deste texto, apresentamos os dados da nossa investigação. São recortes dos elementos paratextuais da obra “Arithemetica Theorico-Pratica”. Ao apresentá-los esboçamos nossa análise paratextual e esboçamos o que nos revelam os paratextos editoriais da obra sobre a própria obra. 4

ELEMENTOS PARATEXTUAIS DO LIVRO “ARITHMETICA “THEORICO-PRATICA”: UM MOVIMENTO ANALÍTICO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Neste momento apresentaremos os elementos paratextuais da obra analisada e ao apresentá-los, esboçamos nosso exercício analítico. Numa análise paratextual, geralmente, não buscamos, por exemplo, por eixos ou categorias de análise. Na análise paratextual trazemos à tona, um a um, os paratextos editoriais da obra e os analisamos, segundo nossos teóricos e informações autênticas sobre eles. A análise paratextual contribui legitimamente para tornar compreensível a “apresentação” e a “representação” da obra no mundo2 . 4.1

A obra

Essa edição do livro é a nona e foi publicada no ano de 1928. A primeira versão data de 1909. Percebemos, ao realizar uma rápida leitura que o texto encontra-se com a grafia vigente da época e, então, encontramos para analisar a ideologia de formas simbólicas (construções humanas intencionais) nos meios de comunicação de massa. Oliveira (2008) apóia-se nessa ideia de Thompson e propõe o uso desse referencial como orientação metodológica para analisar textos didáticos, ou seja, Oliveira adapta a metodologia de interpretação de Thompson para um objeto específico de análise. Essa metodologia sugere três momentos analíticos, não estanques e nem lineares: a análise sócio-histórica, a análise formal ou discursiva e a interpretação/reinterpretação. Podemos afirmar que a HP se propõem a disparar uma análise do texto e do contexto da forma simbólica. No entanto, não é nossa intenção, neste texto, aprofundar a discussão sobre este referencial teórico metodólogico, visto que ele não é abordado na pesquisa que aqui apresentamos. Para maiores informações sobre Hermenêutica de Profundidade sugerimos as leituras: Thompson (1995) e Andrade (2012). 2 Não é nossa intenção, neste trabalho, estabelecer comparação desta obra com outras obras antigas (ou atuais) que abordam conteúdos matemáticos de mesma natureza.

termos cuja grafia não é mais usual nos dias de hoje, como, por exemplo: Minas Geraes, theorico, gymnasio, profissionaes. 4.2

A capa

A capa, conforme apresentada na Figura 1, nos revela que essa obra é referente à nona edição. Nela consta o título, “Arithemetica Theorico-Pratica” e logo após a apresentação do título há a informação de que o livro contém toda a matéria dos programas de ginásios e do colégio Pedro II (que foi uma tradicional instituição de ensino público federal localizada no Rio de Janeiro e é o terceiro mais antigo dentre os colégios em atividade no país). Logo em seguida há o nome do autor, destacadas em letras maiúsculas, ANDRÉ PEREZ Y MARIN e deixa claro que ele era professor, antes mesmo de anunciar seu nome. Após o nome do autor temos a seguinte informação: “lente cathedratico de mecanica e astronomia do GYMNASIO DO ESTADO EM CAMPINAS e ex-lente de Arithmetica e Algebra do mesmo Gymnasio”3 . Ainda na capa há a informação de que a obra foi aprovada pelo governo do Estado de São Paulo e pelo Conselho Superior de Instrução Pública do Estado de Minas Gerais, adotado em um grande número de ginásios, escolas de comércio e escolas normais do Brasil. Está identificado também que a obra foi revista e melhorada, o que é comum nas novas edições4 . Há um símbolo, logotipo da editora, com o local de edição, São Paulo, acompanhado pela seguinte escrita: “Escolas Profissionaes do Lyceu Coração de Jesus”, “Alameda Barão de Piracicaba, 38-A” e, por fim, o ano de sua publicação, 1928. Entendemos que essas últimas informações referem-se ao endereço da editora. 4.3

O título

De acordo com Genete (2009), “o título, como se sabe, é o ‘nome’ do livro e, como tal, serve para nomeá-lo, isto é, designá-lo com tanta precisão quanto possível e sem riscos demasiados de confusão” (p. 76). Ainda sobre a função do título, Genette comenta que “há títulos literais, que designam, sem rodeio e sem alusão, o tema ou o objeto central da obra [...]” (p. 78). Por meio do nome que o autor dá a esse seu livro ele nos revela o que será possível encontrar em seu texto conteúdos de aritmética. Trata-se, portanto, de um título curto e preciso. 3 Lente cathedratico era o título que se atribuía a professores titulares de escolas superiores ou Liceus. 4 Não é foco do nosso trabalho, verificar as alterações e permanências nas edições da obra.

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Figura 1: A capa5 .

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4.4

Página de rosto

Após a capa temos uma folha em branco e em seguida há uma folha (página de rosto) que contém as mesmas informações colocadas na capa e o logotipo da editora. Ao virarmos a página, no verso da folha, encontramos alguns pareceres do Conselho Superior de Instrução Publica do Estado de Minas Gerais. 4.5

Os pareceres

Parecer n◦ 19 No parecer de número 19, Figura 2, observamos que o Conselho Superior elogia o livro, e considera que o mesmo, por atender os currículos da época, pode ser adotado para os ginásios e escolas normais. O elogio mencionado se faz por meio da inserção da informação “é um bom livro”, atribuindo uma qualidade à obra, que poderia, por exemplo, influenciar na escolha pelo seu uso nas escolas da época. Além disso, atribuía à obra as características: “claro, methodico e intuitivo”.

produção não autorizada (ou exemplares clandetisnos, como afirma a nota) das obras e buscava-se por alternativas que pudessem evitar tal prática. 4.6

Prefácio

O autor divide o prefácio em seis partes e em cada uma delas ele aborda o tema que será visto na obra. Na primeira parte o autor apresenta os números inteiros e decimais, e afirma que não os tomará separado. Na segunda parte apresenta as operações fundamentais como sendo seis, pela seguinte razão: as operações aritméticas se reúnem em dois grupos: operações de composição e operações de decomposição; ao primeiro pertencem a adição, a multiplicação e a potenciação; ao segundo, a subtração, a divisão e a radiciação. Afirma, o autor, que deve-se admitir duas únicas operações fundamentais: a de composição e a de decomposição, ou então, as seis em que essas duas se subdividem. Afirma, também, que foi este último critério que adotou nesta obra. Na terceira parte o autor trata das seis operações fundamentais e não separa o estudo da potenciação e da radiciação, como se faz de costume. Afirma que, por isso, estas não dependem de novos princípios, diferente dos que presidem as quatro primeiras estudadas. Acrescenta, ainda, não existir dificuldade alguma na passagem racional da multiplicação e da divisão para a potenciação e a radiciação, respectivamente. Na quarta parte o autor afirma ter colocado uma série graduada e bastante numerosa de exercícios, por estar convencido de que a resolução ordenada, metódica e completa de exercícios e problemas é indispensável a inteligência do aluno, para que ele possa se orientar bem no campo da matemática e para que a matéria estudada tenha uma aplicação racional e imediata. Na quinta parte o autor afirma que na resolução de todas as questões adotou, de preferência, o método analítico6 , como sendo o mais natural e adequado ao desenvolvimento do raciocínio, sem aliviar o método sintético7 , de grande utilidade nas aplicações da vida prática. O autor coloca que o método sintético, pelo seu carácter empírico, não possui valor educativo, constitui, no entanto, um complemento imprescindível, não só pela necessidade de resumir em breves preceitos a operação analítica, que exige longo raciocínio, como, ainda, pela inapreciável comodidade que proporciona nos usos da vida prática.

Parecer n◦ 30 No parecer de número 30, Figura 3, temos a informação que decidiu-se aprovar uma outra obra do mesmo autor, Elementos de Álgebra, para que fosse usada nos estabelecimentos de Instrucção secundaria do Estado, reconhecendo o valor que a referida obra tem. Neste caso, podemos dizer que o parecer 30 é um elemento paratextual interno da obra Arithmetica: theorico-pratica, um peritexto, e é um epitexto da obra Elementos de Álgebra. Os dois pareceres foram emitidos na mesma data, 09 de outubro de 1909, data da primeira edição da obra. Assim, consideramos que essas informações foram mantidas nas demais edições da obra. Acompanhado dos pareceres, conforme Figura 4, temos a informação de que todos os exemplares da edição serão numerados e assinados pelo autor, considerandose uma obra não original o exemplar que carecer deste requisito. Deste modo, podemos afirmar que a obra que temos em mãos é uma obra original, pois traz essa assinatura do autor e a indicação de ser o livro de número 6661. Essa informação nos faz refletir sobre a questão, tão comum nos dias atuais, do número de tiragem da obra. Nos parece que a obra era bastante requisitada/utilizada, visto que esse exemplar nos comunica que trata-se de quase 7 mil volumes desta edição 6 No método analítico as ideias mais simples são as primeiras (que é a nona). A assinatura nos parece ser feita uma ideias particulares que nos vêm pela sensação e pela reflexão, cujo a uma nos exemplares. Não se trata de uma assinatura significado central estão nos termos resolução e composição. 7 O método sintético tem significado central na composição, camidigital. Essa informação nos revela também que havia, desde aquela época, uma preocupação quanto à re- nhando sempre do simples ao composto. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 160


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Figura 2: Parecer 19.

Figura 3: Parecer 30.

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Figura 4: Assinatura dos exemplares

Na sexta e última parte do prefácio, o autor destina a obra principalmente aos cursos primários e secundários e aponta que o livro está desenvolvido com maior clareza que lhe foi dado empregar, tão somente a parte mais essencial e útil da aritmética. Para finalizar o prefácio, no último parágrafo, o autor coloca que com as explicações dadas, acredita poder entregar o resultado de seu esforço ao juízo dos competentes. Afirma que a finalidade de tal obra é: auxiliar alunos e estudantes deste primeiro ramo da matemática, e, assim, se julgará recompensado.

4.7

Explicação necessária

4.8

Extratos de algumas opiniões da imprensa sobre o livro

De acordo com as Figuras 5, 6 e 7, notamos que a obra foi bastante elogiada. O livro recebe assim uma credibilidade satisfatória. Tendo em vista esta quantidade de elogios, pode-se considerar a grande contribuição que o autor trouxe para a sociedade da época. 4.9

Dedicatórias

Na última página da instância prefacial, antes de se começar os capítulos dos conteúdos, temos algumas mensagens dedicatórias colocadas do autor para um amigo e de um amigo para o autor. Como observamos na Figura 8, o autor da obra faz uma homenagem a um amigo, deixando registrado o nome dele em prova de amizade e gratidão. Trata-se, portanto, de um dedicatário privado, pois revela uma relação de amizade. No entanto, podemos dizer, também, que trata-se de um dedicatário público, visto que Alberto Sarmento, o amigo a quem se dedica, teve grandes influências na sociedade ao longo de sua vida. Em 1897, foi eleito deputado estadual, em 1903 foi convidado para ser chefe da polícia de São Paulo e no período de 1909 foi reeleito. Trata-se de uma dedicatória privada8 . Há, no entanto, outra dedicatória nesta obra e não se caraceteriza como sendo uma dedicatória do autor para um destinatário, a mensagem é de uma segunda pessoa, Arnaldo de Oliveira Barreto, que elogia o autor pelo

Nessa parte do livro o autor explica algumas mudanças que fará na nova edição da obra. Uma delas é a de substituir as teorias estudadas em álgebra, pois afirma que essas se encontram em todas as edições anteriores da obra, por outros pontos mais próprios da Aritmética e de reconhecida utilidade, tais como os números aproximados e as operações abreviadas, que o autor afirma serem de grande uso e importância nas aplicações da vida prática e que foi colocada no fim da obra como suplemento. O autor informa, também, que foi realizada uma revisão cuidadosa, no intuito de se livrar de qualquer imperfeição por pequena que fosse. Deste modo, foram modificados os dados de muitos problemas, uns para que ficassem de acordo com os preços atuais dos gêneros, outros para que os resultados em números inteiros 8 Essas informações estão disponíveis em ou decimais fossem exatos, melhorando a teoria e es- //pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2008/01/ personagem-albertosarmento.html> clarecendo alguns exercícios. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015

<http:

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Figura 5: Opiniões da imprensa.

Figura 6: Opiniões da imprensa.

Figura 7: Opiniões da imprensa.

Figura 8: Dedicatória 1.

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trabalho realizado, deixando registrado no livro o seu nome. Arnaldo de Oliveira Barreto9 foi uma das presenças mais decisivas do ensino secundário e primário de São Paulo.Desde o início de sua carreira docente preocupou-se com a educação. Escreveu alguns livros destinados as crianças, como, por exemplo: Cartilha das Mães e Leitura Moraes.

Verificamos, por meio dos pareceres, que se tratava de um bom livro, atribuindo qualidade e importância à obra. Esses parereceres nos permitem averiguar que o autor já havia escrito outras obras, e que a obra denominada Elementos de Álgebra também havia sido aprovada pelo Conselho Superior. Podemos observer, a partir disso, que o autor já tinha outras obras que também foram referência para educação. Olhando, ainda, para os pareceres, temos a informa4.10 Sumário ção de que todos os exemplares da época seriam assiEssa obra não possui sumário no início, mas sim no fi- nados pelo autor, considerando, assim, não original o nal do livro, denominada pelo autor de “Índice”. Na pri- exemplar que não apresentasse essa assinatura. Parecemeira divisão do sumário desta obra (Preliminares, Nu- nos que a obra era bastante requisitada/utilizada, visto meração decimal) o autor apresenta a Parte I e suas res- que esse exemplar nos comunica que se trata de quase 7 pectivas subdivisões também enumeradas, com o título mil volumes desta edição (que era a nona). Revela-nos que trabalhará em cada sequência. Na parte II (Opera- uma prática comum da época: o autor assinar um a um, ções fundamentaes, Systemas de numeração), o autor manualmente, os livros e numerá-los, tendo como um localiza as páginas que se encontram na obra e, ao fazer dos objetivos, evitar cópias não autorizadas das obras. as subdivisões da parte II, também localiza onde elas se No prefácio da obra, classificado como instância encontram. O autor usa as mesmas ideias para dividir prefacial, que é toda espécie de texto preliminar, o auas próximas partes da obra. tor faz uma pequena divisão, explicando rapidamente alguns conteúdos que se trabalhará durante a obra, deixando claro os assuntos que estão contidos nela e por5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE NOS REque os apresenta deste modo. O autor também usa eleVELAM OS PARATEXTOS EDITORIAIS DA mentos paratextuais para informar ao leitor sobre as alOBRA? terações realizadas nesta edição da obra. Após este exercício analítico, em que nos propusemos a Encontramos, também, nessas primeiras páginas, analisar os paratextos editoriais da obra, podemos apon- algumas opiniões da imprensa sobre o livro. São várias tar o que eles nos revelam sobre a obra. delas e notamos que a obra foi muito elogiada no meio Já na capa, temos informações sobre o nome do au- em que circulava. O livro recebe, assim, uma credibitor e suas atribuições, a data de edição da obra, e o título lidade satisfatória. Tendo em vista esta quantidade de objetivo que nos revela o conteúdo a ser tratado. Deste elogios podemos considerar a contribuição que o autor modo, descobrimos que o autor do livro, André Perez trouxe para a sociedade da época. Y Maryn, era professor com título de escolas superioPor meio das dedicatórias, verificamos que André res, ocupando cargos na área de mecânica e astronomia Perez Y Marin, faz uma homenagem ao amigo Alberto e havia ocupado um cargo na área de Aritmética do Gi- Sarmento, que teve grandes influências na sociedade e násio do estado em Campinas. recebe uma homenagem de Arnaldo de Oliveira de BarO livro que havia publicado sua nona edição, con- reto (professor de escolas primárias e secundárias da tinha, então, toda a matéria exigida pelos programas época e autor de obras infantis). dos ginásios e do Colégio Pedro II. Ou seja, o livro O sumário aparece somente nas últimas páginas do atendia aos pré-requisitos da educação, nessas institui- livro e, segundo Andrade (2012) era um caso comum ções, da época. Essas informações também nos reve- na época. Nesta seção o autor divide o livro em partes, lam que se tratava de uma obra aceita por alguns órgãos indicando as páginas em que essas partes se encontram que aprovavam esses livros à época (aprovada pelo go- no corpo do texto e os respectivos assuntos abordados verno do Estado de São Paulo e pelo Conselho Superior em cada uma delas. de Instrução Pública de Estado de Minas) e adotada em Podemos concluir que o autor trouxe várias contrigrande número de ginásios, escolas de colégio e escolas buições para a sociedade, visto que essa não era uma de normais do Brasil. Assim, tem-se uma ideia do quanto suas primeiras obras a ser bem recebida no âmbito edua obra teve influência na educação do início do século cacional. O livro está bem estruturado, pois apresenta XX. um cuidado com as explicações sobre os conteúdos tra9 Informações tados na obra e atendia as recomendações educacionais, disponíveis em <http://www.unicamp.br/iel/ memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/arnaldo.htm> no que se refere à matemática, da época. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015 164


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5.1

Sobre Paratextos Editoriais e a História da Educação Matemática

Os paratextos permitiram que nos debruçássemos mais propriamente sobre a estrutura interna da obra. Os paratextos nos remetem a uma possibilidade de conexão entre texto e contexto, promovendo parâmetros para produzirmos/atribuirmos significados a esse entrelaçamento que se torna componente estruturante de um projeto maior: o projeto hermenêutico. Podemos afirmar, portanto, que a análise paratextual pode contribuir legitimamente para tornar compreensível a “apresentação” e a “representação” da obra no mundo, ou seja, tornar compreensível o seu modo de se presentificar num emaranhado composto por texto, contexto e paratexto. 5.2

Para concluir...

A historiografia da educação, como ocorre a todo projeto historiográfico contemporâneo, parece permitir-se fragmentar em diversas especializações. É possível, neste campo, estudar desde políticas educacionais até a memória de um docente específico; analisar níveis e modalidades de ensino; conteúdos e pretensões dos livros didáticos e paradidáticos; as impressões de egressos e de pais de alunos; instituições; a educação indígena ou de outros grupos específicos; o mobiliário e a arquitetura escolar, cursos clássicos e os emergenciais; grupos não-institucionalizados; métodos, currículos e ideias pedagógicas etc (CURY, 2011, p. 08). Cury se vale dessas palavras para inscrever seu trabalho como um estudo em História da Educação Matemática. O autor ressalta que, no âmbito da História da Educação, é legítimo o esforço de estudar livros de hoje e de ontem. Acreditando nisso, vemos que nossa análise da obra Arithimetica Teorico-Pratica nos permitiu escrever histórias da educação matemática a partir da análise de um livro antigo. REFERÊNCIAS ANDRADE, M. M. Ensino e aprendizagem de estatística por meio da modelagem matemática: uma investigação com o ensino médio. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) — Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, 2008. 193 f.

da hermenêutica de profundidade. Tese (Doutorado em Educação Matemática) — Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, 2012. 281 f. ANDRADE, M. M.; REZENDE, B. L. F. Um exercício de análise da obra “arithmetica theorico-pratica” a partir do referencial metodológico da hermenêutica de profundidade: uma contribuição à história da educação matemática. In: PUCPR. Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM. Curitiba, 2013. Disponível em: <http: //enem2013.pucpr.br/2013/07/19/anais-do-xi-enem>. Acesso em: 16 jun. 2014. CURY, F. G. Uma história da formação de professores de Matemática e das Instituições formadoras do Estado de Tocantins. Tese (Doutorado em Educação Matemática) — Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2011. DASSIE, B. A. Da fragmentação à fusão: os primeiros livros didáticos no brasil denominados de matemática. Perspectivas da Educação Matemática, v. 5, p. 2–27, 2012. GARNICA, A. V. M. Um ensaio sobre história oral: considerações teórico-metodológicas e possibilidades de pesquisa em educação matemática. Quadrante, Lisboa, XVI, p. 27–49, 2010. GENETE, G. Paratextos Editorias. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. 376 p. Original francês. Tradução de Álvaro Faleiros. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Abordagens qualitativas de pesquisa: a pesquisa etnográfica e o estudo de caso. In: Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1986. p. 11–24. OLIVEIRA, F. D. Análise de textos didáticos: três estudos. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) — Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, 2008. THOMPSON, J. B. Ideologia e Cultura Moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

ANDRADE, M. M. Ensaios sobre o ensino em geral e o de matemática em particular, de Lacroix: análise de uma forma simbólica a luz do referencial metodológico Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 153 - 165, dez. 2015

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VIABILIDADE DE QUEIMA DE RESÍDUO DE MAMONA: UM PROBLEMA INDUSTRIAL VIRA METODOLOGIA DE ENSINO E SOLUÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL C LEIDSON C ARNEIRO G UIMARÃES , K ATE L IRANE DE A RAÚJO C OSTA , ROMANA R EBECA BARROS Universidade Federal do Recôncavo da Bahia <cleidsonguimaraes@gmail.com>, <lirane.kl@hotmail.com>, <romanarebeca@hotmail.com> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.942 Resumo. Neste trabalho os estudantes do curso Técnico em Química, do SENAI de Feira de Santana, receberam o desafio de encontrar um destino ambientalmente sustentável para o resíduo (borra) gerado no processo de refino do óleo vegetal da empresa Bioóleo Industrial e Comercial S.A por meio da metodologia TheoPrax. A borra gerada no tratamento do efluente tem sido um dos maiores problemas vivenciados pela empresa, pois a falta de espaço físico para disposição da mesma ocasiona redução de espaço para a produção. Foram realizados ensaios como composição química, teor de umidade, poder calorífico, densidade, matéria mineral e teor de ácidos graxos. Os ensaios foram realizados no laboratório da empresa de forma que o enfrentamento do problema, pelos estudantes, caracterizou-se como um problema real a ser resolvido no local de trabalho do técnico em Química. A partir dos dados e à luz do referencial teórico, foi avaliado o potencial do resíduo para produzir energia térmica e melhorar o fluxo de trabalho na Estação de Tratamento de Efluentes (ETE). Os resultados demonstraram a viabilidade de utilização do resíduo como combustível industrial, reduzindo as despesas com cavaco de eucalipto. Além disso, a metodologia de inserção do estudante em problemas reais aproxima o estudante do mundo do trabalho e motiva a construir soluções pela interação entre o conhecimento acadêmico e o cotidiano industrial. Palavras-chaves: Ensino-aprendizagem, resíduo industrial e TheoPrax. Abstract. In this work the students of the Technical Course in Chemistry, the Feira de Santana SENAI, given the challenge of finding an environmentally sustainable destination for the waste (sludge) generated in the refining process of vegetable oil company Industrial Bioóleo e Comercial SA by TheoPrax methodology. The sludge generated in the treatment of effluent has been one of the biggest problems experienced by the company, since the lack of physical space for provision of the same causes space reduction for production. assays were performed as chemical composition, moisture content, calorific value, density, mineral matter and fatty acid content. The tests were performed in the laboratory of fashion company that fight the problem, the students, was characterized as a real problem to be solved in the technical workplace in Chemistry. From the data and in the light of the theoretical framework, the residue of the potential has been evaluated to produce thermal energy and improve workflow in the Effluent Treatment Plant (WWTP). The results demonstrated the feasibility of using waste as industrial fuel, reducing the cost of eucalyptus chips. In addition, the student’s integration methodology on real problems approaching the student world of work and motivates them to build solutions for interaction between academic knowledge and industrial environment. Keywords: Learning-teaching, industrial waste and TheoPrax. 1

INTRODUÇÃO

sentido, principalmente nos cursos profissionalizantes, adotar metodologias de aprendizagem baseada apenas na aula expositiva. Conforme apontou Freire (1996),

Um desafio constante do docente é a busca de construção de significado ao saber que ensina. Não faz Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015

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(água). Após este tratamento, origina uma borra a qual fica depositada no pátio da empresa até o transporte para outra empresa que dá o destino final. Todavia, esta alternativa traz custos à Bioóleo e não agrega valor ao material e não estimula ações sustentáveis e de logística reversa. A sustentabilidade consiste no entendimento de que Nesse contexto, é fundamental que o Ensino Profis- o mundo e seus habitantes formam um sistema único. sionalizante adote metodologias de ensino que incorpo- Adotar ações sustentáveis é fundamental em todas as rem problemas reais do mundo do trabalho como estra- cadeias produtivas. Portanto, visa o desenvolvimento tégia metodológica de construção de saberes e compe- humano para diminuir as desigualdades sociais e, ao tências. Desde 2008 o Serviço Nacional de Aprendi- mesmo tempo, evitar o esgotamento dos recursos nazagem Industrial (SENAI) adotou a metodologia Theo- turais e os sistemas biológicos do planeta (SPENCE; Prax. Esta metodologia foi desenvolvida no Instituto MULLIGAN, 1995). Nesse sentido, preservar os reFraunhofer, na Alemanha, e consiste na inserção do cursos naturais é, também, pensar inclusive nas futuras educando em situações problemas reais oriundos da in- gerações e na manutenção da cadeia produtiva. Diante do custo, ausência de espaço físico de tradústria, na perspectiva de aliar teoria (THEO) e prática (PRAX). Segundo Krause e Eyerer (2008), Theo- balho na ETE e necessidade (da Bioóleo) de estimular Prax é uma metodologia que associa ensino e aprendi- ações sustentáveis, desenvolveu-se um projeto para o zagem, em torno de um problema real oriundo da in- aproveitamento do resíduo orgânico (Borra) para obter tegração escola-empresa. A escola entra em contato energia térmica. Para isto, o resíduo foi coletado na emcom as indústrias e empresas da região, que apresentam presa e caracterizado com base nas principais proprieproblemas, e estes precisam ser resolvidos pelos estu- dades, conforme Silva e Morais (2008), físico-químicas dantes, em forma de projeto. É realizada uma relação do material: composição, poder calorífico (superior e de proposta-contratação entre empresa (contratante) e inferior), densidade, umidade e teor de cinzas. escola (contratada), garantindo assim o caráter real do O poder calorífico indica a quantidade de energia projeto. Os alunos são divididos em equipes e cada liberada após a combustão completa de um combustíequipe recebe um projeto diferente, para ser realizado vel por unidade de massa, divide-se em superior e infeem um período definido de tempo. O passo seguinte rior. O Poder Calorífico Superior (PCS) é aquele onde é a pesquisa e planejamento do projeto. Ao final do a combustão se efetua a volume constante e no qual a período programado, os alunos apresentam a solução água formada durante a combustão é condensada resulao problema e um relatório final para a escola e para tando na recuperação do calor derivado desta condena contratante, que pode ainda incluir a simulação e/ou sação. Já o Poder Calorífico Inferior (PCI) é a enerapresentação de um protótipo. gia efetivamente disponível, por unidade de massa de Nesse contexto, uma equipe do curso Técnico em combustível, após as perdas devido à absorção de enerQuímica (do SENAI de Feira de Santana), recebeu o de- gia pela evaporação da água (BRIANE; CAETANO; safio de encontrar uma solução para o resíduo (aqui de- DOAT, 1985; DUARTE JUNIOR, 2014; GARCIA, nominado por borra) gerado no processo de tratamento 2002; JARA, 1989 apud QUIRINO, 2005; SILVA; MOde efluente da empresa Bioóleo – Industrial e Comer- RAIS, 2013). O teor de umidade do material e a densidade são facial S.A, situada em Feira de Santana. Esta empresa processa diversas oleaginosas tais como: mamona em tores que interferem no aproveitamento energético, pois bagas e girassol. Além de processar óleos brutos, de tanto maior o teor de água, menor será o calor libeterceiros, de algodão e de soja degomado. As sementes rado durante a combustão. Já a densidade interfere no oleaginosas sofrem extração mecânica, a quente, para tempo de combustão, materiais com densidade muito retirar o óleo bruto e posterior refino. Os produtos fi- alta apresentam, geralmente, maior dificuldade de ininais gerados pela Bioóleo são: óleo de mamona refi- ciar a combustão, enquanto densidade baixa implica em nado, óleo de algodão semi-refinado, óleo de soja semi- queima rápida e menor quantidade de energia por unirefinado e óleo de girassol semi-refinado. Do processo dade de volume. A densidade ideal para a queima em de esmagamento, refino e semi-refino são gerados eflu- caldeira industrial varia de 0,65 a 0,80 g/cm3 (VALE entes contaminados aos quais são conduzidos até a Es- et al., 2011). Em relação à madeira, o teor máximo de tação de Tratamento de Efluentes (ETE) que retira a umidade que permite a queima varia em torno de 65% parte sólida (dissolvida ou em suspensão) do solvente a 70% em base úmida (QUIRINO et al., 2005). Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015 167 não é possível transferir saberes da estrutura cognitiva de um ser humano para o outro, os humanos constroem saberes em comunhão. Além disso, a vida profissional exige muito mais do que memorizar informações. É fundamental utilizar o conhecimento para resolver os problemas cotidianos da vida profissional dentro das empresas onde trabalha.


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A combustão de um material começa pelos voláteis que, geralmente, exigem menor teor de oxigênio resultando em combustão completa. Logo, pode-se destacar os ácidos graxos como os materiais mais voláteis dentre os constituintes da borra. Assim sendo, sua determinação será imprescindível e constitui parte das análises de caracterização do material. Embora a o conceito de competência seja multissêmico, adota-se a compreensão de competência como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7). Reitera-se a compreensão que o ensino técnico deve estar além das tradicionais aulas expositivas, deve educar para o agir competente. E isso significa saber delimitar o problema a enfrentar, reunir os saberes e as ferramentas para superar e criar novos saberes. “Um treinador não dá muitas aulas. Coloca o aprendiz em situações que o obrigam a alcançar uma meta, a resolver problemas, a tomar decisões” (PERRENOUD, 1999, p. 57). Essa compreensão orientou as ações desse trabalho. Na perspectiva de ir além da educação bancária (FREIRE, 1996), esse trabalho, não apenas propõe, mas pôs em prática ações que exigiram do discente a operacionalização de conceitos e construção de saberes. Enquanto, o docente precisa estar além do ministrar aulas expositivas, mas estar disposto e apto a mediar a resolução do problema e aquisição significativa dos conceitos. 2

MATERIAIS E MÉTODOS

A. Miguez de Mello (CENPES) da PETROBRAS. Estes dois últimos ensaios não foram executados pelos estudantes porque não fazem parte da rotina da empresa. Entretanto, a análise dos resultados (que é uma competência fundamental ao Técnico em Química) foi efetuada pelos discentes, sob a mediação docente. A análise de umidade foi realizada baseando-se na norma American Oil Chemists’ Society (AOCS) Ba 2a38 (2009). Empregou uma amostra de cinco gramas para aquecer a uma temperatura de 130o C durante duas horas. Após aquecimento, a amostra foi resfriada em dessecador por trinta minutos. O resultado da umidade é a relação da massa seca pela massa total da amostra em percentual. Já a avaliação da densidade baseou-se na norma NBR 11941 (2003). Foram utilizados dez gramas da amostra da borra em pequenas bolas imersas numa proveta, contendo cinquenta mililitros de água deionizada. Com o volume de água estabilizado, mediu-se o volume deslocado pela massa. A avaliação do teor de cinzas foi realizada com uma amostra, de massa 2 gramas, incinerada em mufla, a uma temperatura de 600o C, durante duas horas. O resfriamento foi realizado em dessecador, por meia hora. Os resultados da análise de cinzas baseiam-se na relação da massa da amostra incinerada pela massa da amostra natural em percentual. O procedimento para a análise de ácidos graxos totais (AGT) utilizou uma amostra de massa igual a dez gramas diluída em água destilada e fervida sob agitação. Posteriormente, acidificada e fervida de forma que todo sabão seja fundido. Drenada a fase aquosa, a fase oleosa é lavada, com solvente orgânico, até sua purificação. Por diferença de peso a parte graxa é quantificada em percentual. O resultado de AGT é a relação entre os ácidos graxos totais e a amostra in natura, em percentual. Após a coleta de dados, os referenciais (discutidos no início do trabalho) foram retomados para discutir os dados e produzir o artigo. Em seguida, os resultados foram apresentados aos colegas da turma do Curso Técnico em Química do SENAI de Feira de Santana e, por fim, aos diretores da empresa.

Esse trabalho apresenta duas vertentes. Numa delas, relata a experiência de construção de saberes por meio do enfrentamento de um problema real oriundo da empresa Bioóleo: encontrar uma solução viável, econômica e ambiental, para o resíduo gerado pelo tratamento do efluente da extração de óleos vegetais. Na outra, apresenta a caracterização de um resíduo industrial gerado pela ETE de uma empresa que produz óleos vegetais. Antes de enfrentar o problema e realizar os ensaios necessários para a caracterização físico-química do material (no laboratório da empresa), foi necessário realizar pesquisas de referenciais teóricos no intuito de construir o arcabouço teórico necessário ao agir competente no enfrentamento do problema. Após isso, a equipe foi 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO orientada a conhecer a norma ISO 17025 (2005) que Neste trabalho, será enfatizado o poder calorífico infeaponta os requisitos gerais para ensaios e calibração. rior, pois este aponta a energia mínima liberada na comOs ensaios realizados na empresa foram: densidade, bustão, destarte, se há viabilidade com o poder caloríteor de cinzas, ácidos graxos totais (AGT) e Umidade. fico inferior (PCI), então haverá com o superior. Tal O poder calorífico foi realizado por laboratório externo qual destaca Garcia (2002), o que as empresas mais uti- Centro de Qualidade Analítica – CQA. O laudo téc- lizam, normalmente, é o PCI, “uma vez que, na maioria nico de composição química da borra seca foi realizado dos processos industriais, os gases de combustão são lipelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo berados a temperaturas altas onde a água neles contida Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015 168


VIABILIDADE DE QUEIMA DE RESÍDUO DE MAMONA: UM PROBLEMA INDUSTRIAL VIRA METODOLOGIA DE ENSINO E SOLUÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL

se encontra na fase gasosa” (GARCIA, 2002, p.158). De forma similar, a caldeira da empresa não aproveita o calor perdido pela evaporação da água, logo o PCI foi avaliado com ênfase neste trabalho. 3.1

Densidade

Na Tabela 2 são apresentados os resultados dos ensaios de densidade da borra. A análise de densidade foi realizada a fim de descobrir a quantidade de borra produzida diariamente.

Teor de Carbono

A composição química da borra seca aponta um teor de carbono de 23,6%. Este valor sinaliza para a possibilidade de queima do material, pois este teor de carbono é superior ao valor médio da madeira (20,73%) e da casca de madeira (25,19%), segundo Vale, Brasil e Leão (2014). 3.2

3.3

Tabela 2: Resultados da análise de densidade. Fonte: autores.

Umidade

Na geração de energia a partir da biomassa, um parâmetro que deve ser controlado é o teor de umidade uma vez que, quanto menor o teor de umidade maior será a produção de calor por unidade de massa (Vale et al., 2000). Durante o estudo, foram realizados testes quanto ao teor de umidade no resíduo gerado do processo fabril da Bioóleo, oriundo do refino de óleo vegetal. Os resultados estão apresentados na Tabela 1. Tabela 1: Resultados da Análise de Umidade. Fonte: autores.

A empresa produz uma caixa, no leito de secagem, por dia. Cada caixa tem 4,96 m de largura, 6,0 m de comprimento e 0,18 m de profundidade, logo cada leito armazena 5,3568 m3 ou 5.356,8 L/dia. Considerando a densidade média, 1,07 g/cm3, então a geração diária de borra é de 5.732 kg, ou seja, em um mês a Bioóleo gera 171.960 kg de borra. Conforme discutido anteriormente, a densidade ideal para a queima em caldeira industrial varia de 0,65 a 0,80 g/cm3 (VALE; BRASIL; LEÃO, 2014), logo a borra apresenta um densidade desfavorável ao processo de queima. 3.4

Poder Calorífico

O laudo do Centro de Qualidade Analítica indica que o poder calorífico inferior da borra é de 2.088 kcal/Kg. A empresa produz 5.732 kg/dia de borra. Em calorias, a quantidade de energia que pode ser gerada é de 11.968.416 kcal/dia. Em um mês de queima da borra podem ser gerados 359.052.480 kcal. Considerando que o poder calorífico inferior do cavaco de eucalipto é 3.854 kcal/kg (QUIRINO et al., 2005), então as 359.052.480 kcal/mês equivalem a 93.163,60 kg de cavaco de eucalipto. Considerando o valor do cavaco de eucalipto1 , 0,23 R$/kg, então a economia gerada pode ser de 21.427,63 R$/mês. É importante destacar que essa energia térmica gerada é função da umidade da borra, 64,93%. Caso a empresa adote um mecanismo para reduzir a umidade, área de secagem ao sol, a energia gerada pode ser maior. Consequentemente, o valor agregado também será maior. Comparando a borra com outros resíduos já tradicionalmente utilizados na produção de energia térmica, é

Os resultados obtidos, embora elevados, mostraram a viabilidade de uso deste material para queima em caldeiras, pois, a média das análises registra um valor menor ao máximo tolerável. Segundo Quirino et al. (2005), o teor de umidade de um material a ser queimado não pode ser superior ao intervalo de 65% a 70%. O teor de umidade foi mensurado conforme o tempo de permanência, comumente empregado pela empresa, do resíduo no leito de secagem. Existem diversos fatores que interferem no tempo de permanência, tais como condições climáticas, a secagem ocorre a céu aberto e tanto maior a incidência de raios solar, menor a permanência. Outro fator é a demanda do setor, por vezes o aumento de demanda reduz o tempo de permanência. 1 Valor referente ao kg de cavaco de eucalipto praticado em outuMas, em média, a borra permanece no leito de secagem por cerca de 1,5 dias. bro de 2015, em compra realizada pela empresa. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015 169


VIABILIDADE DE QUEIMA DE RESÍDUO DE MAMONA: UM PROBLEMA INDUSTRIAL VIRA METODOLOGIA DE ENSINO E SOLUÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL Tabela 3: Resultados da análise de cinzas. Fonte: autores. possível observar, na Figura 1, que o poder calorífico

inferior da borra é similar ao de outros resíduos.

Figura 1: Poder calorífico inferior médio de diferentes materiais. Dados coletados do site opção verde, exceto o poder calorífico da borra.

Com base nos dados anteriores, pode-se afirmar que a borra é um combustível com poder calorífico similar a diversos resíduos de biomassa aos quais já são empregados como biocombustíveis, reforçando o potencial de emprego do resíduo como material combustível em substituição ao descarte. O poder calorífico inferior da borra é similar ao que Silva e Morais (2013) observaram em relação ao bagaço de cana-de-açúcar. Portanto, a borra é um resíduo de baixo custo para a empresa e é uma alternativa viável para produzir energia limpa. É importante destacar que com o advento dos biocombustíveis, derivados de oleaginosas, tende a aumentar a produção deste resíduo. Além disto, a queima de combustíveis fósseis aumenta o teor de CO2 na atmosfera e este fenômeno não é cíclico. A queima da borra também emite gás carbônico, entretanto esse gás é absorvido durante o crescimento do vegetal que produz a semente onde serão extraídos os óleos, num processo cíclico e sustentável. A caldeira da empresa consome 5.000 kg de cavaco de eucalipto por hora. Isso equivale a um consumo médio de 19.270.000 kcal/h. O resíduo gerado pela empresa durante um mês (171.960 kg) pode alimentar a caldeira por 18,63 horas. 3.5

Cinzas

Os resultados encontrados apontam, em média, um valor superior (9,29%) àqueles encontrados por Fré e Marcílio (2009) quando avaliaram o teor de cinzas após a combustão da borra de neutralização do óleo de soja. No trabalho, os autores apontaram um teor de cinzas igual a 4,80%. Pereira et al. (2000), indicaram que o teor de cinzas da madeira extraída do cavaco de eucalipto e apontaram uma variação de 0,5% a mais de 5%. O teor de cinzas da borra, 9,29%, é maior do que os teores de materiais comumente empregado na queima ou de outras borras. Tal fenômeno pode ser explicado pela existência de considerável presença de areia na amostra, oriunda do leito de secagem do resíduo. A queima total da borra gerada diariamente resulta na produção 532,5 kg de cinzas. Ao final de um mês, será gerado 15.975,084 kg de cinza. 3.6

Ácidos graxos totais (AGT)

A análise para determinação de ácidos graxos totais na borra foi realizada com base em procedimentos de análise documentados pela empresa. Os resultados das análises podem ser observados conforme a Tabela 4. Tabela 4: Resultados da análise de cinzas. Fonte: autores.

Esse teor de ácido graxo total é favorável a comO teor de cinzas (matéria mineral) é a fração que perma- bustão. Visto que as gorduras, em geral, possuem boa nece como resíduo após a combustão do material, ge- qualidade de queima. Esse resultado é equivalente ao ralmente sólidos. Ela varia muito a depender do estado encontrado por Fré e Marcílio (2009) quando determifísico, espécie, da quantidade de amostra e da presença nou a concentração de ácido graxo total (27,6%) na acide solo na amostra. dulação da borra de neutralização de óleo de soja. Após a queima, o teor de cinzas na borra é apresenA empresa produz 5.732 kg de borra/dia com um tado na Tabela 3. percentual de AGT de 22,22%, isto equivale a perda Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015 170


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de 1.273,65 kg de gordura/dia. Ou seja, em um mês são descartados 38.209,51 kg de ácidos graxos. Cabe destacar que estes ácidos graxos são residuais porque o método de extração não permite retirá-lo completamente. Consequentemente, há um desperdício de óleo que pode ser aproveitado durante a combustão do resíduo para gerar energia térmica. 3.7

Aspectos educacionais

A interação entre o problema, ação de mediação docente, enfretamento do problema pelos aprendizes e solução final resulta na construção de saberes que extrapolam os limites da disciplinaridade escolar. Pois a criação de solução de um problema real não “cabe” numa ou outra disciplina, mas na interação dos saberes correlatos ao problema. A presença de um problema real, em substituição ao problema de papel, motiva os discentes e cria o contexto para aprender gestão de projetos, técnicas de realização de ensaio, técnicas de apresentação de um produto ou solução aos gestores da empresa além da apropriação significativa dos saberes à medida que estes não apenas estão sendo memorizados para resolver uma prova, ou algo similar. Mas, tais saberes se relacionam com outros saberes e com o problema concreto, operacionalizando a aprendizagem significativa2 . Para Moreira (2016), a “aprendizagem significativa é o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de ideias e informações representadas em qualquer campo de conhecimento” (p.1). 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os ensaios de caracterização do material apontam a viabilidade de aproveitamento da borra como combustível. As análises de AGT (Ácidos Graxos Totais) revelaram que o material tem um alto índice de ácidos graxos, o que contribui positivamente para uma boa qualidade de queima do material. REFERÊNCIAS ABNT. NBR 11941: Madeira – Determinação da densidade básica. Rio de Janeiro: ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2003. 6 p. . NBR ISO/IEC 17025: requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. Rio de Janeiro: ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2005. 31 p. 2 Segundo

ACOS. Ba 2a-38. USA: AOCS - American Oil Chemists Society, 2009. Moisture and Volatile Matter. CAETANO, L.; DUARTE JUNIOR, L. A. Estudo comparativo da queima de Óleo B.P.F. e de lenha em caldeiras - estudo de caso. In: ABCM (Ed.). Anais do XI CREEM. Nova Friburgo: , 2004. Disponível em: <http://www.abcm.org.br/app/webroot/anais/creem/ 2004/TE/CRE04-TE01.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2013. FRÉ, N. C. da; MARCíLIO, N. R. Obtenção de Ácidos graxos a partir da acidulação de borra de neutralização de Óleo de soja. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Anais do VIII Oktoberforum - Ppgeq: Seminário do programa de Pós Graduação em Engenharia Química. 2009. p. 20 – 23. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996. 6 p. GARCIA, R. Combustíveis e combustão industrial. Rio de Janeiro: Interciência, 2002. KRAUSE, D.; EYERER, P. Shulerprojekte managen: TheoPrax methodik in ausund weiterbildung. Bielefeld: W. Bertelsmann Verlag, 2008. MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa: Um conceito subjacente. 2004. Disponível em: <http://www.if.ufrgs.br/~moreira/apsigsubport.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2016. OPÇÃO-VERDE. Opção verde resíduos florestais. Bioenergia de pinus e eucalipto: lenha-cavaco-serragem. 2014. Disponível em: <http://www.opcaoverde.com.br/residuosflorestais/>. Acesso em: 10 set. 2014. PEREIRA, J. C. D.; STURION, J. A.; HIGA, A. R.; HIGA, R. C. V.; SHIMIZU, J. Y. Características da madeira de algumas espécies de eucalipto plantadas no Brasil. Colombo: Embrapa Florestas, 2000. PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. Trad. Bruno Charles Magne. QUIRINO, W. F.; VALE, A.; ANDRADE, A.; ABREU, V. L. S.; AZEVEDO, A. d. S. Poder calorífico da madeira e de materiais ligno-celulósicos. Revista da Madeira, v. 89, p. 100–106, 2005.

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Moreira (2016) a “aprendizagem significativa é o processo através do qual uma nova informação (um novo conhecimento) se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não - literal) à estrutura cognitiva do aprendiz”.


VIABILIDADE DE QUEIMA DE RESÍDUO DE MAMONA: UM PROBLEMA INDUSTRIAL VIRA METODOLOGIA DE ENSINO E SOLUÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL

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Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 166 - 172, dez. 2015

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VISUALIZAÇÃO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS COM ARRIMO NO SOFTWARE GEOGEBRA: UMA ENGENHARIA DIDÁTICA PARA SEU ENSINO M ARIA VANÍSIA M ENDONÇA DE L IMA1 , F RANCISCO R EGIS V IEIRA A LVES2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará 1 Campus de Cedro 2 Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática, campus de Fortaleza <vanisialima@bol.com.br>, <fregis@ifce.edu.br> DOI: 10.21439/conexoes.v9i4.924 Resumo. Para este trabalho, o objetivo é apresentar os resultados parciais de uma pesquisa em andamento para o Programa de Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências e Matemática, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará - IFCE. Dessa forma, de modo preliminar, apresenta-se uma revisão da literatura com o tema integrais impróprias ou generalizadas. O referido conceito permite a descrição do modelo de integrais dependentes de parâmetros, que constituem sua generalização. Logo em seguida, discute-se a perspectiva de ensino das mesmas, segundo Dana-Picard, que leva em consideração a exploração da tecnologia, do contexto histórico, bem como as relações conceituais que compõem uma vizinhança cognitiva. Por fim, alguns exemplos específicos são significados com origem no uso do Software GeoGebra, tendo em vista a interpretação qualitativa do processo matemático em questão, com arrimo na visualização. Palavras-chaves: Integrais Impróprias. Integrais dependentes de parâmetros. Visualização. Software Geogebra. Ensino. Abstract. For this work, the aim is to present some preliminary results of an in progress study for the Academic Master’s Program in Science and Mathematics Teaching of the Federal Institute of Education, Science and Technology of State of Ceara - IFCE. Thus, in a preliminary way, we present a literature review with a theme related to the concept improper or generalized integrals. Such concept allows the description of the another model, named dependent parameters integrals, which constitutes it’s generalization. Soon after, we discussed a teaching perspective according to Dana-Picard, which takes into account the exploitation of Technology, the historical context and the conceptual relationships that comprise a cognitive neighborhood. Finally, some specific examples are made from the use of GeoGebra Software, in other a qualitative interpretation related a mathematical process concerned with the explore of the visualization’s help. Keywords: Improper Integrals. Visualization. Software GeoGebra. Teaching. 1

INTRODUÇÃO E BREVE REVISÃO DA LITERATURA

Por outro lado, no contexto do ensino do Cálculo Integral, registramos enorme profusão de trabalhos relativos à noção de integral definida (BER´ MÚDEZ, 2011; HSIA, 2006; MILOVANOVIC; ˇ ´ 2011; SEVIMLI; DELICE, TAKACI; MILAJIC, 2011; SEVIMLI; DELICE, 2012; VANINSKY, 2015). No que concerne a produção de investigações que se detêm ao ensino/aprendizagem de integrais generalizadas ou integrais impróprias, de-

A noção de integral imprópria ou generalizada constitui noção unificadora e generalizadora relativamente ao processo de integração, segundo Riemann. A referida noção permite pensarmos a determinação de áreas sobre curvas, não apenas para funções contínuas no espaço bidimensional, mas para uma classe mais geral de funções. Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015

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VISUALIZAÇÃO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS COM ARRIMO NO SOFTWARE GEOGEBRA: UMA ENGENHARIA DIDÁTICA PARA SEU ENSINO

paramos uma produção representativa apenas em outros países (GONZÁLEZ-MARTÍN; CAMACHO, 2004; GONZÁLEZ-MARTÍN; MACHÍN, 2005; GONZÁLEZ-MARTÍN, 2005a; GONZÁLEZMARTÍN, 2005b; TOMÉ, 2011). Por outro lado, registramos ainda outros escritos científicos que discutem o papel da visualização e do uso de alguns softwares específicos no ensino de integrais (ALVES, 2012; ALVES; LOPES, 2013; ALVES, 2014a; ALVES, 2014b). Em sua tese de doutorado, Bermúdez (2011) investigou o problema da compreensão do conceito de integral definida, no contexto de estudantes universitários, no âmbito de um curso de Engenharia. Seu estudo se enquadra no campo da Didática de Matemática e do Pensamento Matemático Avançado. Bermúdez (2011, p. 20)(tradução nossa) assinala a relevância curricular do seu objeto matemático, quando observa que “o conceito de integral definida é um dos conceitos fundamentais em Análise, se inclui no currículo de diversas carreiras e, de modo concreto, aparece nos planos de estudo da graduação em Matemática na Colômbia”. Bermudéz desenvolveu uma investigação particular relativa à noção de integral definida. Depreendemos, tal fato, a partir de sua declaração: O conceito de integral definida, de acordo com nossa experiência e os resultados obtidos em diversas investigações, apresenta dificuldades para os estudantes que se manifestam mediante uma utilização mecânica, algorítmica e memoristica de sua definição. Não conseguem êxito em estabelecer uma conexão entre o pensamento numérico, algébrico e analítico. Manifestam problemas para interpretar gráficos abaixo de curvas, quando passa de ser positivo para negativo ou manifesta descontinuidades. Em outros casos, pensam a integral somente associada ao conceito de área, todavia, dissociada de outros contextos. Demonstram ainda dificuldades para aplicar as propriedades da integral definida (BERMÚDEZ, 2011, p. 20)(tradução nossa).

tre a noção de integral definida e o conceito de área, pois, não conseguem estabelecer relação entre uma representação gráfica e uma representação analítica; (iv) o predomínio/predileção do modo de resolução algébrico sobre o gráfico. Na Figura 1, Bermúdez (2011) analisa a produção de mapas conceituais e sua aplicação na resolução de tarefas. Este autor, indica ainda em suas considerações finais, que: os alunos associam a noção de integral definida com um algoritmo para o cálculo, desconsiderando as condições para sua aplicação; afirmam que a integral definida permite, apenas, a aproximação do valor de área; afirmam que continuidade implica em derivabilidade e extraem tal propriedade errônea para o contexto de integrabilidade.

Figura 1: Imagem da análise da produção de mapas conceituais relativos ao uso das integrais definidas e propriedades na resolução de determinadas tarefas. Fonte: Bermudéz (2011, p. 199).

Tomé (2011) em sua tese intitulada Integral Definida, Cálculo Mental e Novas Tecnologias, desenvolveu um estudo experimental, no contexto de cursos de bacharelado. No rol de suas considerações finais, assinalamos uma relativa à seguinte conclusão: “os alunos compreendem e aprendem melhor a integral definida na medida em que se constrói uma sequência adequada de Um pouco mais adiante, Bermúdez (2011, p. 20 - ensino” (TOMÉ, 2011, p. 650, tradução nossa). A descrição da sequência de ensino de Tomé envol21) acentua os seguintes problemas manifestados pelos alunos na aprendizagem de integral definida, a saber: veu o uso de softwares de Matemática. E, tanto no con(i) geralmente os estudantes identificam integral com texto de resolução, como no contexto de uso de alguns primitiva. A integral, para eles, não envolve nenhum softwares em sala de aula, Tomé (2011, p. 652, traduprocesso de convergência, nem tampouco um aspecto ção nossa) registrou que “os alunos aplicam pseudoprogeométrico. É, portanto, um processo eminentemente priedades ao cálculo mental de primitivas elementares”. algébrico. São capazes de aplicar a integral, ignorando Em relação a tal fato, o autor registrou estratégias recorpor completo as respectivas somas de Riemann; (ii) os rentes envolvendo erros recorrentes. estudantes geralmente identificam as integrais definiCabe observar que, apesar de fornecer determinadas com a regra de Barrow, inclusive quando não pode dos elementos que podem/tendem a se manifestar em aplicar-se; (iii) falta de conexão e link conceitual en- outro contexto de aprendizagem, os estudos anteriores Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015 174


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dizem respeito ao conceito de integral definida. Doravante, buscamos discutir o relato de trabalhos relacionados com integrais generalizadas ou integrais impróprias. Para tanto, encontramos o estudo desenvolvido por González-Martín e Camacho (2004) que analisaram as respostas de um grupo de alunos de Matemática, no primeiro ano de universidade. O questionário aplicado por esses autores versava sobre situações problema envolvendo a noção de integral imprópria. Na Figura 2, González-Martín e Camacho (2004, p. 77) comentam o caso de um aluno que produziu um desenho, que expressa a ideia de função, representada por uma curva, sem patologias, num intervalo fechado. Ao lado esquerdo, os autores comentam a descrição de retângulos no intervalo considerado.

resultados obtidos”. Pouco mais adiante, alertam para o seguinte fato: Apesar disto, nossa experiência indica que os alunos não chegam a compreender adequadamente este conceito, nem relacioná-lo com outros conceitos previamente estudados (como sucessões, séries e integrais definidas), em seu primeiro ano de universidade, ao que tomam contato pela primeira vez com tal conceito. Temos observado que muitos alunos aprendem as ferramentas e conceitos referentes à integração imprópria, descontextualizado e desvinculado dos conteúdos anteriores; se limitam a memorizar um conjunto de critérios e técnicas que, se contextualizadas, poderiam contribuir muito mais com o aprendizado (GONZÁLEZ-MARTÍN; MACHÍN, 2005, p. 82) (tradução nossa).

González-Martín e Machín (2005, p. 82) (tradução nossa) evidenciam o caráter hegemônico de trabalhos que se desenvolvem a partir do marco teórico da integral definida. E, no contexto de integrais definidas, alertam que “nossos alunos não sabem quais as condições necessárias para se definir a integral de Riemann”. Ademais, acrescentam ainda as dificuldades inerentes em atribuir significado à integral como uma área, a ocorFigura 2: Desenhos relacionados com a noção de integral imprópria. rência de falsas concepções, de modo que os alunos não Fonte: González-Martín e Camacho (2004). diferenciam o sinal da integral quando a função é positiva, ou quando a função é negativa. Por outro lado, ainda no que concerne a Figura 2, González-Martín e Machín (2005, p. 82) declaram González-Martín e Camacho (2004, p. 87) apresentam empregar, como metodologia de pesquisa, uma Engeuma situação envolvendo a Trombeta do Anjo Gabriel. nharia Didática, sobre o conceito de integral imprópria. Do ponto de vista matemático, sabemos que a superfí- Ademais, os dados discutidos por esses autores envolcie gerada pela rotação da função , possui comprimento vem análises sobre a aprendizagem, conquanto que, não infinito. Por outro lado, por intermédio do processo de produziram implicações e análises do seu ensino. E, em integração, vemos que o volume, delimitado pela super- relação a tal opção investigativa, acentuam que “neste fície, na figura 2, é finito. A partir desses fatos, pode- aspecto, a descrição de um modelo de competência cogmos explorar uma situação didática com os estudantes, nitiva, para caracterizar o nível de compreensão dos alucom o intuito de explicar-lhes que, embora possamos nos e dos processos envolvidos, facilita um estudo quaencher toda a Trombeta, com um volume finito de tinta, litativo que se pretende realizar”. nunca poderemos pintá-la em todo seu comprimento, Nas suas recomendações finais, González-Martín e posto que a mesma é infinita (ver Figura 2, ao lado di- Machín (2005, p. 91) alertam para o fato de que, os reito). alunos manifestam predileção por enunciados claros e Em outra investigação, González-Martín (2005b) diretos, com o apelo a uma abordagem algébrica. Os apresentam o relato de um estudo envolvendo um grupo dados empíricos apontavam que “as perguntas de raciode alunos, no primeiro ano de universidade, com o obje- cínio e àquelas que requeriam interpretação, não foram tivo de identificar as dificuldades e erros, registrados no abordadas satisfatoriamente, de modo geral”. Ademais, primeiro ano de licenciatura, no que concerne ao con- os estudantes se mostram inseguros, quando se requiceito de integral imprópria. sita uma formulação condizente com a definição formal González-Martín (2005b, p. 81) comentam que “um de integral imprópria. González-Martín e Machín (2005, p. 91) observam, dos principais problemas reside no entendimento da convergência destas integrais. No ensino universitário segundo os dados das entrevistas, que os alunos não atual, se centra na atenção e memorização de critérios e utilizam habitualmente gráficos como auxílio aos racimúltiplos exercícios; embora, quase não se interpreta os ocínios mobilizados. Além de que, manifestam resisConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015 175


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tências na explicação de estratégias envolvendo gráficos. Por outro lado, os autores sugerem fortemente que “uma correta compreensão do conceito de integral indefinida necessita visualizar o cálculo de áreas como um processo dinâmico, assim, tal visão permite conceber a função integral e avaliar seu limite” (GONZÁLEZMARTIN & CAMACHO, 2005, p. 91, tradução nossa). Em outro escrito científico, González-Martin & Camacho (2004) descrevem as atividades desenvolvidas com um grupo de primeiro ano de estudos acadêmicos, no que concerne ao estudo de integrais impróprias. Tais autores se debruçam sobre a compreensão do fenômeno envolvendo o uso de registros gráficos em suas tarefas e de que modo os mesmos explicam-nas e agregam significado ao processo. Logo no início, González-Martín e Camacho (2004, p. 479) declaram que “com a intenção de descrever um design de sequência de ensino, e desenvolver uma análise cognitiva dos dados oriundos das atividades de resolução dos estudantes, desenvolvemos uma investigação, contando com a participação de 25 estudantes”. Dessa forma, como característica das atividades estruturadas e abordadas com os aprendizes, eles assinalam ainda que “algumas das características das sequências de ensino dizem respeito à articulação entre os registros gráficos com o algébrico, a reconstrução do conhecimento a partir dos conceitos previamente estudados (séries de números reais e integrais definidas)”.

Figura 3: Registros gráficos relacionados à noção de integrais impróprias. Fonte: González-Martín e Camacho (2004, p. 481 - 482).

Na Figura 3, divisamos o empenho dos autores passados, no sentido de descrever/estruturar situações didáticas que envolvem menor recurso aos registros eminentemente algébricos. Com efeito, ao lado esquerdo da Figura 3, González-Martín e Camacho (2004, p. 481) observam que num primeiro momento é possível interpretar os gráficos e justificar a definição, envolvendo o uso de integrais impróprias. De modo específico, discutem as integrais: Z ∞ 1 x− 3 dx = ∞ (1)

Por observarem que “as duas funções possuem gráfico bem similar, todavia, envolvem áreas bem diferentes”. Por sua vez, ao lado direito, analisam o comportamento da função f (x) = sen(x)/x, cuja integral correspondente converge, todavia, não absolutamente. A função anterior, pode ficar à mercê da investigação intuitiva dos estudantes. Neste caso, GonzálezMartín e Camacho (2004, p. 482) comentam que “usando a teoria das séries e registros gráficos, se torna mais fácil a construção de registros gráficos envolvendo contra-exemplos de funções que convergem condicionalmente”. No cenário indicado por esses autores, a visualização funciona de modo impulsionador de produção de conjecturas.

Figura 4: Produção dos alunos no contexto de ensino das integrais impróprias. Fonte: González-Martín e Camacho (2004, p. 482).

No que concerne ao cenário de produções que exibimos na Figura 4, González-Martín e Camacho (2004, p. 483) (tradução nossa) observam que “em nossa classe de observação, podemos claramente mencionar que os estudantes aceitam, gradualmente os registros gráficos, com a intenção de formular e conjecturar no momento de critérios de divergência”. Um pouco mais adiante, comentam ainda que “depois, o trabalho é desenvolvido em grupos pequenos, e o professor fornece sua aprovação, o que funciona como a institucionalização de um registro, como um registro matemático”. Na Figura 4, divisamos uma profusão de registros gráficos produzidos pelos estudantes, todavia, nem todos se fundamentam num modelo confiável e que adquira status de matemático e possuidor de um rigor standard em Matemática. 2

SOBRE O ENSINO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS

Registramos poucos trabalhos que abordam algumas questões relacionadas com a noção de integrais dependentes de parâmetros, noção que generaliza o conceito 1 de integral imprópria. Assim, nesta seção, assinalaZ ∞ remos e pormenorizaremos alguns elementos presene−x dx = 1. (2) tes em alguns artigos produzidos no Exterior (DANA0 Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015 176


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PICARD, 2005a; DANA-PICARD, 2005b; DANAPICARD, 2010; DANA-PICARD; ZEITOUN, 2012a; DANA-PICARD; ZEITOUN, 2012b). Registramos sua relevância, na medida em que, acentuam uma perspectiva unificadora, que envolve o conhecimento matemático que mobilizamos no estudo de integrais dependentes de parâmetros e sua convergência/divergência. Na Figura 5, Dana-Picard (2005b) acentua a perspectiva de que “o processo cognitivo ocorre quando a aprendizagem em Matemática não se restringe à composição de tópicos”. Este autor cunha o termo cognitive neighborhood (vizinhança cognitiva), relativamente a determinado tópico matemático, como algo incluso num determinado espaço, que o mesmo nomeia de conhecimento matemático (mathematical knowledge). Os tópicos dispostos em uma determinada vizinhança são relacionados por conexões.

Figura 5: Relações conceituais e possibilidades da exploração didática das integrais definidas por parâmetros. Fonte: Dana-Picard (2005b, p. 7) - Sequences of definite integrals (Seqüência de integrais definidas); Combinatorics (Combinatoria); History of Mathematics (Historia da Matemática)

mas e métodos de ensino vistos em sala de aula.

Figura 6: Diagrama que representa uma vizinhança cognitiva extendida (extended cognitive neighborhood), na concepção de DanaPicard. Fonte: Dana-Picard (2005b, p. 8) - Sequences of definite integrals (Seqüência de integrais definidas); Combinatorics (Combinatória); History of Mathematics (História da Matemática); paper – and- pencil (lápis e papel; Work (trabalho); websearch (pesquisa na internet); other topics (outros tópicos)

Outra alternativa, diz respeito ao empenho do estudante na direção de um profundo insight relativamente ao que foi designado como tarefa de casa. De modo geral, “os estudantes não tentam atribuir ao trabalho de casa um espectro de significação mais abrangente”. Dana-Picard (2004, p. 1) (tradução nossa) acrescentar ainda “o valor agregado por intermédio de questões adequadas e observações elaboradas pelo educador” (DANA-PICARD, 2004, p. 1) (tradução nossa). Por tal via, a aprendizagem em Matemática pode se tornar mais compreensível, como advoga este autor. Vejamos uma atividade proposta por Dana-Picard (2004, p. 1), no contexto do ensino de integrais dependentes de um parâmetro, com restrito de cunho analítico. Para tanto, o autor considera: a

Z Por outro lado, na Figura 6, divisamos um ideograma que explica o significado do termo extended cognitive neighborhood (vizinhança cognitiva extendida). Em relação à ideia envolvida no esquema proposto por Dana-Picard (2005b, p. 7) (tradução nossa) esclarece que “não representa apenas conexões entre as noções e tópicos matemáticos, porém, envolve ainda instrumentos e os modos de seu uso”. O nível inferior indica o conhecimento matemático. Enquanto que, o nível superior, indica técnicas e instrumentos que potencializam o significado do mesmo, para o sujeito que desenvolve uma ação investigativa. Dana-Picard (2004, p. 1) (tradução nossa) alerta para o fato de que “num curso tradicional, quando um estudante fornece seu dever de casa, existem poucas chances de descobrir o quanto do trabalho foi elaborado seguindo um caminho puramente técnico”. Neste sentido, Dana-Picard (2004) acentua o caso em que, a atividade do estudante se resume na aplicação de teoreConex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v.

xn

In =

p

a2 − x2 dx, para n ≥ 0.

(3)

0

De imediato, conseguimos avaliar que: a

Z I0 =

Z p a 2 − x2 e I 1 =

a

x

p

a2 − x2 .

(4)

0

0

Com efeito, vejamos que: Z ap I0 = a2 − x2 dx = 0

x xp a2 = arcsen + a2 − x2 2 a 2

=

1 2 a2 π a arcsen(1) = 2 4

9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015

a = 0

(5) 177


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Enquanto que: a

Z I1 =

x

p

a2 − x2 dx =

(6)

0

a 1 = − (a2 − x2 )3/2 = 3 0 a3 . 3

=

No próximo passo, buscamos uma fórmula indutiva para a seqüência (In )n∈N . Dana-Picard (2004, p. 4) emprega integração por partes, ao escrever: u(x) = xn √ 2 (7) 1 v(x) = 2 x a2 − x2 + a2 arcsen xa Daí, segue que: Z In =

a

xn

p

a2 − x2 dx =

(8)

0

=

1 n+2 π n 1 a − In − a2 n · 2 2 2 2

Z

a

xn−1 arcsen

x

0

a

dx.

Seja: Z Kn =

a

xn−1 arcsen

x

0

a

dx.

(9)

Assim: 1 1 n+2 π n a · − In − a2 nKn . 2 2 2 2

In =

(10)

Pode-se ainda escrever: n π 1 In = an+2 − a2 n · Kn . 2 4 2 Em seguida, Dana-Picard considera uma segunda integração por partes: u1 (x) = xn−1 √ 1 v1 (x) = a (x · arcsen xa + a2 − x2 )

1+

(11)

(12)

Agora, considerando uma segunda integração por partes, tem-se: Sejam: u1 = xn−1 = du1 = (n − 1) · xn−2 dx Z x x dx ⇒ v1 = arcsen dx dv1 = arcsen a a Resolvendo

R

arcsen

x a

dx obtém-se: Z x x p arcsen dx = x · arcsen + a 2 − x2 a a

Assim tem-se que: Z

a

(xn−1 arcsen

x

)dx = a Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015

(13) (14)

(15)

(16)

0

178


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x p

a + a2 − x2 ) 0 − = xn−1 · (x · arcsen a Z a x p + a2 − x2 )(n − 1) · xn−2 dx − (x · arcsen a 0 Z

a

(xn−1 arcsen

x a

0

= an

a

Z

(xn−1 arcsen

(17)

Z a Z a x p π dx + (n − 1) (xn−2 a2 − x2 )dx − (n − 1) xn−1 arcsen 2 a 0 0

x

0

)dx =

a

a

Z )dx+(n−1)

xn−1 arcsen

0

x a

π dx = an −(n−1) 2

Z

a

(xn−2

p a2 − x2 )dx (18)

0

Z a p π (xn−2 a2 − x2 )dx − (n − 1) a 2 0 0 Z a Z a x p π n (xn−1 arcsen (xn−2 a2 − x2 )dx )dx = an − (n − 1) a 2 0 |0 {z } a

Z

(xn−1 arcsen

(1 + n − 1)

x

)dx = an

(19) (20)

In−2

Z

a

xn−1 arcsen

0

x a

dx =

1 nπ − (n − 1)In−2 a n 2

(21)

Assim: Z

a

Kn =

xn−1 arcsen

x

0

a

dx =

1 nπ a − (n − 1)In−2 n 2

(22)

Já foi visto anteriormente que: n π 1 )In = an+2 − a2 nKn 2 4 2

(23)

n π 1 1 nπ )In = an+2 − a2 n a − (n − 1)In−2 2 4 2 n 2

(24)

n π π a2 (n − 1) )In = an+2 − an+2 + In−2 , 2 4 4 2

(25)

(1 + Substituindo Kn (1 +

(1 + Logo:

a2 (n − 1) In−2 (26) n+2 Nas próximas etapas, Dana-Picard (2004) acentua sua interpretação e, logo em seguida, atividades assistidas por computador que permitem a exploração do modelo discutido há pouco. Dana-Picard (2005b, p. 4) acentua o seguinte modelo de recorrência In =

In = f (n) · In−1 ,

(27)

onde indica uma homografia, na variável , com coeficientes inteiros. Dana-Picard (2005b, p. 4 - 5) (tradução nossa) adverte que “quando esta situação não ocorre, os cálculos podem se tornar mais complicados”.

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3

Z

POSSIBILIDADES DO ENSINO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS COM ARRIMO NO SOFTWARE GEOGEBRA

Na seção anterior abordamos uma perspectiva de ensino acentuada por Dana-Picard, ao desenvolver um estudo e proposta, tendo em vista o ensino e a aprendizagem da noção de integrais dependentes de parâmetros. Nessa seção acentuaremos as potencialidades do uso do software GeoGebra tendo em vista a visualização de propriedades e relações que podem ser ressignificadas, na medida em que apoiamos nossa mediação na tecnologia atual. Na Figura 7, temos a possibilidade de explorar o comportamento de convergência ou divergência da integral descrita por: Z +∞ 1 √ dx (28) In = (x + 1 + x2 )n 0 ao lado esquerdo. Com origem em uma manipulação do estudante de seletores móveis do GeoGegra, os alunos poderão depreender que as contribuições dinâmicas de área (de cor amarela) tendem paulatinamente a decrescer, na medida em que x → +∞. Ora, ao lado direito, com origem no exemplo discutido na seção anterior, sabemos que: n (29) −1 E, com origem no rastro (na cor azul) definido no n plano cartesiano por n, n2 −1 ∈ R2 , os estudantes poderão agora concluir que seus valores não assumem valores demasiadamente grandes, na medida em que x → +∞. Entretanto, podemos analisar, de modo particular, os valores iniciais de seu comportamento. Todavia, cabe observar que: Z +∞ 1 √ I1 = dx (30) (x + 1 + x2 ) 0 In =

n2

+∞

(1 + e

= 0

−2t

1 )dt = 2

e−2t t− 2

= +∞ (33)

Portanto, divergente para n = 1 . Desse modo, com origem na visualização, os alunos podem fazer os devidos ajustes do modelo indutivo, e considerar com comportamento de convergência da integral Z +∞ 1 √ dx = (34) I1 = (x + 1 + x2 )n 0 , com a condição de n ≥ 2. Por outro lado, na Figura 8, poderemos conduzir os estudantes ao entendimento da divergência da referida integral, na medida em que, os mesmo podem visualizar ao lado esquerdo, as contribuições tendencialmente crescentes (na cor amarela), oriundas do valor numérico da integral anterior. Ao lado direito, o comportamento esperado dos pontos do tipo n, n2n−1 ∈ R2 , devem ser do tipo de afastamento do eixo das abcissas. Desse modo, a partir da “soma visual” envolvendo a ação perceptual de coligir os dados exibidos nas duas janelas do GeoGebra, os alunos poderão depreender o comportamento de divergência, quando exploramos os índices In , com n > 0. Finalmente, com a influência da perspectiva sugerida por Dana-Picard, e da noção de vizinhança cognitiva extendida, temos condições de relacionar dados analíticos de resoluções de integrais, como dados qualitativos visuais fornecidos pelo modelo computacional, com ênfase nas relações conceituais pretendidas por Dana-Picard. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas seções anteriores traçamos um cenário de estudo, atinente as investigações realizadas com o tema Integrais Impróprias ou Integrais Generalizadas. Do ponto de vista matemático, a noção de integrais dependentes de parâmetros permite uma via de generalização E usando que: do referido modelo e, desse modo, perspectivamos x = senh(t) ∴ dx = cosh(t) (31) uma significação didático-metodológica caracterizada por Dana-Picard (2004), Dana-Picard (2005a) e DanaPodemos substituir: Picard (2005b). Dessa forma, diante de entraves persistentes e maZ +∞ 1 nifestos por estudantes, que possuem raízes desde a √ I1 = dx = (x + 1 + x2 ) 0 aprendizagem da noção de integrais definidas, no contexto de aprendizagem do Teorema Fundamental do Z +∞ Cálculo, e persistem até o estudo da noção de integrais cosh(t) = I1 = (32) dependentes de parâmetros. Recordamos a tese de Alsenh(t) + cosh(t) 0 ves (2011), em que nomeia o processo de Transição InZ +∞ t t −t −t terna do Cálculo, relacionada aos processos de avaliae + e cosh(t)= e +e 2 dt = t −t t ção de limite, derivação e integração. Notamos que, no senh(t)= e −e 2e 2 0 Conex. Ci. e Tecnol. Fortaleza/CE, v. 9, n. 4, p. 173 - 183, dez. 2015 180


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Figura 7: Soma visual relativa a uma vizinhança cognitiva relacionada com a noção de integrais dependentes de parâmetros no caso da convergência. Fonte: Autoria própria.

Figura 8: Soma visual relativa a uma vizinhança cognitiva relacionada com a noção de integrais dependentes de parâmetros no caso da divergência. Fonte: Autoria própria.

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caso que discutimos aqui, pode ser enquadrado no caso da Transição do processo de integração, como divisamos na Figura 9.

Figura 9: Transição Interna do Cálculo no caso do processo de integração. Fonte: Autoria própria.

Para concluir, depreendemos que, a ação dos estudantes desconsiderando a tecnologia atual não permite a exploração de um espectro de possibilidades sugeridas, por exemplo, pelo software GeoGebra, empregado no último exemplo. No que concerne ao papel do professor e do papel do estudante, não exigimos grande domínio de um sintaxe programacional, posto que, o software possui cultura acadêmica razoavelmente conhecida pela sua simplicidade e exploração dinâmica dos conceitos científicos matemáticos. Enfim, os dados abordados e coligidos no presente artigo fornecem os indicadores preliminares para nossa investigação de mestrado em Ensino de Ciências e Matemática. Em etapas ulteriores, perspectivamos o emprego do ponto de vista de Dana-Picard com o escopo de formular/estruturar situações problemas, ancoradas na ideia de vizinhança cognitiva extendida, tendo em vista a superação dos obstáculos indicados preliminarmente.

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VISUALIZAÇÃO DE INTEGRAIS DEPENDENTES DE PARÂMETROS COM ARRIMO NO SOFTWARE GEOGEBRA: UMA ENGENHARIA DIDÁTICA PARA SEU ENSINO

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