Babel Poética 3

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Ministério da Cultura

ISSN 2179-3662

9 772179 366003

R$ 0,00 - VENDA PROIBIDA

BABEL POÉTICA Nº 3 | junho/julho 2011

apresentam


BABEL Poética

Ano I, n.º 3 – junho/julho de 2011 Copyright © dos editores e dos autores BABEL Poética ISSN N.º 2179-3662 é uma edição especial de BABEL – Revista de Poesia, Tradução e Crítica, ISSN N.º 1518-4005, contemplada em 1.º lugar no Edital Cultura e Pensamento 2009/2010 do Ministério da Cultura para publicação de revistas culturais. MINISTÉRIO DA CULTURA Secretaria de Políticas Culturais Sérgio Duarte Mamberti | Secretário ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSA João Maurício de Araújo Pinho | Presidente REDE DE REVISTAS PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO Sergio Cohn e Elisa Ventura | Coordenadores Rita Ventura | Produtora Luana Villutis | Coordenadora de rede Filipe Gonçalves, Elisa Ramone e Tatiana Louzada | Assistentes de Produção REVISTA BABEL POÉTICA | babelpoetica.wordpress.com Ademir Demarchi | Editor | ademirdemarchi@uol.com.br | Santos/SP Amir Brito Cadôr | Projeto Gráfico e Edição Gráfica | amir_brito@yahoo.com.br | Belo Horizonte/MG Daniela Maura | Assistente de Edição Gráfica | danimaurasan@gmail.com | Belo Horizonte/MG Paulo de Toledo | Revisão | paulodtoledo@uol.com.br | Santos/SP CONSELHO EDITORIAL Ademir Assunção (SP), Cláudio Portella (CE), Jorge Luiz Antonio (SP), José George Cândido Rolim (CE), Lúcia Rosa (SP), Makely Ka (MG), Marcelo Chagas (SP), Márcio-André (RJ), Marco Aurélio Cremasco (PR/SP), Mauro Faccioni Filho (PR/SC), Nilson Oliveira (PA), Paulo de Toledo (SP), Ricardo Corona (PR), Ronald Augusto (RS), Silvana Guimarães (MG) e Susana Scramim (PR/SC) Colaboradores desta edição Ademir Assunção (SP); Adriandos Delima (RS); Adriano Scandolara (PR); Age de Carvalho (PA-Viena); Amarildo Anzolin (PR); André Capilé (RJ/MG); Antonio Carlos Floriano (SC); Aricy Curvello (MG/ES); Astier Basílio (PE-PB); Cândido Rolim (CE); Carlos Augusto Lima (CE); Douglas Diegues (RJ/MS/AssunciónParaguay); Elisa Andrade Buzzo (SP); Fabiano Calixto (PE/SP); Flavia Rocha (SP); Frederico Barbosa (PE-SP); Jairo Batista Pereira (RS/PR); Joca Reiners Terron (MT/SP); José Ronaldo Viega Alves (RS); Lindsey Rocha Lagni (PR); Lucas Guimaraens (MG/SP); Luiz Nazário (SP/MG); Maria Silvia Cintra (SP); Mário Bortolotto (PR/SP); Ricardo Aleixo (MG); Ricardo Pedrosa Alves (MG/PR); Rodrigo Garcia Lopes (PR); Rodrigo Magalhães (CE/ DF); Ronaldo Bressane (SP); Ronaldo Machado (RS); Silvana Leal (SC); Solivan Brugnara (PR); Tarso de Melo (SP); Victor Paes (RJ); Virna Teixeira (CE/SP); Wladimir Cazé (PE/ES).

Capa Amir Brito Cadôr e Daniela Maura, sobre fotografia de Daniela Maura. Colaboração de Paulo de Toledo. Gestão do Projeto Centro Camará de Pesquisa e Apoio à Infância e Adolescência www.projetocamara.org.br Rua Caminho dos Barreiros n.º 491 – Beira Mar CEP 11040-020 São Vicente –SP Agradecimentos Expressamos nosso reconhecimento a todos os que têm colaborado para a concretização deste projeto, em especial aos autores que nos autorizaram a publicação de imagens e textos. Impressão e Distribuição Programa Cultura e Pensamento/MinC

Imagens Alexandre Sequeira da série “Nazaré do Mocajuba”, 2005  p. 2 e p. 42 (detalhe)  http://alexandresequeira.blogspot.com Grupo de Interferência Ambiental - GIA “Não curti”, p. 7 http://giabahia.blogspot.com Marina Camargo da série “Open Horizons Project”, (um projeto colaborativo com fotografias enviadas por diferentes pessoas, de várias partes do mundo através do website http://www.horizons-project.com) p. 14- 15, 62-63 e “Alpes”, 2010-2011  p. 58  Tony Camargo série fotomódulos, “FP34”, 2008, dimensões variáveis, p. 18 e “FP54”, 2010, dimensões variáveis, p. 47 http://www.tonycamargo.net Eugenio Pacceli Horta “Mamma et Glandula Mammaria. (tome 5. Planche 76). Seio e glândula mamária” p. 24, “Chirurgia Mammae. (tome 7. Planche 27). Cirurgia do seio” p. 26-27 http://www.eba.ufmg.br/paccelli/index.html Cláudia França “entrevista”, p. 28 e 33 Bruno Rios p. 37 e 39 Matheus Rocha Pitta da série “B.O. (Boletim de Ofertas)” 2011 p. 50 Fabrício Lopez “muguet”  p. 52 (detalhe da gravura na p. 10 e 11) Marcelo Sahea “péssarinho”, p. 65

Tiragem 10 mil exemplares - Distribuição Gratuita – Venda Proibida Correspondência Ademir Demarchi / BABEL Poética Rua Espírito Santo, 55, apto. 36 CEP 11075-390 - Campo Grande - SANTOS – SP


Esta publicação foi selecionada entre os projetos que se inscreveram no Programa Cultura e Pensamento – Seleção Pública e Distribuição de Revistas Culturais. Foram escolhidos quatro projetos, e desta forma contemplamos quatro revistas culturais bimestrais cujas tiragens, somadas, chegam a 240 mil exemplares. O objetivo desta iniciativa é estimular a criação de publicações culturais permanentes, e de alcance nacional – não apenas em sua distribuição, mas também em seu conteúdo. Ao patrocinar este projeto, a Petrobras reafirma, uma vez mais, seu profundo e sólido compromisso com as artes e a cultura em nosso país – confirmando, ao mesmo tempo, seu decisivo papel de maior patrocinadora cultural do Brasil. Desde a sua criação, há pouco mais de meio século, a Petrobras mantém uma trajetória de crescente importância para o país. Foi decisiva no aprimoramento da nossa indústria pesada, no desenvolvimento de tecnologia de ponta para prospecção, exploração e produção de petróleo em águas ultra-profundas, no esforço para alcançar a autosuficiência. Maior empresa brasileira e uma das líderes no setor em todo o mundo, a cada passo dado, a cada desafio superado, a Petrobras não fez mais do que reafirmar seu compromisso primordial, que é o de contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Patrocinar as artes e a cultura, através de um programa sólido e transparente, é parte desse compromisso.

CULTURA E PENSAMENTO é um programa nacional de estímulo à reflexão e à crítica cultural. Desde sua primeira edição em 2005, seleciona e apoia projetos de debates presenciais e publicações. O objetivo do programa é dar suporte institucional e financeiro a iniciativas que fortaleçam a esfera pública e proponham questões e alternativas para as dinâmicas culturais do país. Em 2009, o Programa abriu a terceira edição dos editais para financiamento de debates e de periódicos impressos de alcance nacional. Os editais são abertos a propostas de intelectuais, pensadores da cultura, artistas, instituições e grupos culturais, pesquisadores, organizações da sociedade civil e outros agentes, visando à promoção do diálogo sobre temas da agenda contemporânea. O projeto de revistas do Programa Cultura e Pensamento busca ofertar gratuitamente conteúdos de elevada qualidade a um público amplo e diversificado de leitores, através de uma rede de circulação formada por 200 pontos de distribuição em todo território nacional, entre eles instituições culturais, universidades e pontos de cultura. Ao longo dos 24 meses o projeto prevê o lançamento de 20 títulos, cada um com 6 edições bimestrais, totalizando a circulação gratuita de 1.200.000 exemplares de revistas com discussões sobre arte e cultura, oriundas de diversos estados do país. A rede abrangerá mais de 200 colaboradores editoriais de cinco regiões e 19 estados brasileiros. A edição 2009-2010 do Edital de Revistas do PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO tem patrocínio da Petrobras e é realizada pela Associação dos Amigos da Casa de Rui Barbosa. Este projeto foi contemplado pela seleção pública de revistas culturais do programa CULTURA E PENSAMENTO 2009/2010




EDITORIAL

FRONTEIRAS: TUDO MISTURADO

E

sta terceira edição de Babel Poética, de uma série de 6 planejadas, tem como eixo a idéia de “fronteiras”, em desdobramento aos temas das edições 1 e 2, todas orientadas pelo tema que se sobrepõe a elas, “Poesia na Era Lula”. Continua-se nesta a proposta de mapeamento da poesia nacional, com presenças regionais e extranacionais de brasileiros, nos mais variados registros. Assim, a edição 1 contém poemas que tematizam o país, a 2 estampa poemas relacionados ao “Local” – “Lugares onde se passa a vida” no Brasil e esta terceira edição reúne poemas que de alguma forma tenham relação com a idéia de fronteira e trânsito. Essa noção, usada aqui de forma ampla, pode ser entendida como a fronteira territorial mesma, seca ou não, a fronteira geográfica ou imaginária, entre linguagens, entre lugares sociais, entre culturas e países... Assim, os poemas tratam da vida fronteiriça, que pode ser no Pampa, no Sul do país, em uma esquina de Rivera, a cidade do Uruguai interligada com Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, ou situar-se nas divisas do Paraguai com os Estados do Paraná e Mato Grosso, com cenas de Quedas do Iguaçu, Foz do Iguaçu, Ponte da Amizade e cidades paraguaias da fronteira ou capital ou referir-se ao avanço da fronteira urbana na floresta, no Pará, ou ainda à tentativa de estabelecer território por sem-terra em meio a essa mixórdia que produz concentração econômica, riqueza e favelas. Dessa forma, significando o encontro de culturas e países, Ciudad del Leste, por suas configurações determinadas pela economia,

esgarça ainda mais a idéia de fronteira na medida em que é vista como uma Saigon em que interagem mercadorias, sacoleiros, prostitutas e todo tipo de gente, personificando uma das faces da globalização contemporânea. Essa globalização está também assinalada no trânsito dos poetas em textos que registram diversos lugares do Planeta, expressando-os com lirismo e nostalgia que, em última instância, remetem ao lugar de origem. Por isso, também, dá-se especial atenção à noção de diluição dessas fronteiras, configurada na própria linguagem poética de um chamado “portunhol salbaje”, uma vez que esse local fronteiriço é a própria Babel: “Aqui é uma babilônia, está tudo misturado, aqui ninguém fala bem o espanhol, nem o português ou o guarani, falam tudo misturado. É o charme da fronteira”, diz um morador a dois antropólogos*. Neste tempo de fronteiras diluídas ou impostas compram-se passagens de trânsito para qualquer lugar assim como compra-se o que se deseja, produz-se lixo e seus catadores a não mais se querer, veem-se filmes ou estes são feitos na cabeça cheirando cola num meio em que urubu come urubu sonhando que é galinha. Mescla, miscigenação, diluição, esgarçamento, fragmentação, memória e seu esvaimento, convívio ou separação social, farsa e falsa representação política versus eleitor imbecilizado, migração, imigração, mobilidade, globalização, exilados, homens-bomba, pichações/invasões territoriais, chegadas, partidas, a mobilidade das fronteiras está nesta Babel Poética que é o mundo contemporâneo: está tudo misturado.

[*Francisco Amarilla, in: Trânsito à margem do lago: caderno de viagem. Claudia Washington e Lúcio de Araújo. Curitiba, PR, Edição dos autores, 2010; mais em: http://margemdolago.transitos.org/]


Jairo Batista Pereira (RS/PR)

CAPIMIÃ: SEMTERRA SEMPRETERRA :também pendurei poemas: nos cipós estendidos no compartimento poemas como peixes a defumar sobre o fogão primitivo primitivas minhas cognições nesses dias de peste declarada bois morrendo na terra verde verde a cobertura do chão quando a chuva é comparecida primitivos gestos com o cabo da enxada matutina uma fronteira fechada dentro de um país fechado uma fronteira :o limite: de meus passos no vendaval :o limite: do sem-limite era um continente a terra imaginada sonhada um continente que se desfez em poucas centenas de hectares nossas pretensões de ter com os passos dias contados alguém rastreia teu gesto no escuro as batidas do teu sangue no pulso teus pensamentos maldormidos um continente tua ânsia de terra comprimida [...]

:admiro a coragem da prima: seu barraco de negra lona recosturada cerzidos sobre cerzidos embaixo da velha guajuvira ervas parasitas abraçadas ao tronco o tanque na lateral esquerda de quem entra a água turva do tanque empoçada onde uma pequena rã fez morada de improviso a prima labora o dia-a-dia com suas belas filhas adolescentes a prima vertida de chãos provisórios antes havia um Paraguai de lembranças quando brasiguaia sua pretensão de terra própria o pai se aqui estivesse ia gostar de ver a prima ali uma mulher provida de ímpetos revolucionários uma mulher e a prole a que não deixa faltar nada a prima seu céu de improviso exala o perfume dos lírios selvagens da beira do Rio Iguaçu a prima costura os trapos da família extensões também da negra lona de parede e teto da provisória casa os astros à noite recebem a luz do seu olhar: repartido brilhante

[nasceu em Passo Fundo-RS e vive em Quedas do Iguaçu-PR, é advogado]


Ronaldo Machado (RS)

Pampa é pedra. Se escreve com a agulha do vento.

Cavalos encarnados lascam a pedra da cidade.

Pedra onde dormem a linha a palavra.

me cruzam em silêncio no baço da íris

Urdido nos grãos de silêncio da pedra, o pampa palavra o poema

mancha na página.

Nos seus olhos castanhos passam escassas distâncias nenhum horizonte. meu pulmão retém suas asmas Na marcha dos cascos gastos, carregam a espuma dos exílios.

**

O Pampa se esparrama sobre a cidade. Se esvai entre o rio e o mar lavando arrabaldes e casas com seu grão duro. Inútil, o rio se apressa em represa.

**

Nesse Pampa gris - gris deserto frio o velho sem barbas agora se ergue. Rijo, cerne de carne. Cruza, só, a praça defronte.

Ilhados, homens bichos coisas enregelam ossos. Na minha rua o velho alimenta seu cão com restos de flores. Se abriga em seu latido, murmurando o cão é uma saudade de sol é uma saudade estendida na praia Para os lados de lá nas margens da cidade escorrida o sol aquece uma última hora.

Com a agulha do vento o velho greta o silêncio da noite sulcando traços de um simétrico tabuleiro. E na vastidão lavrada uma diagonal irriga os canteiros quadriculares berços onde o velho brota rosas de alabastro.


Na tarde de cinzas há uma lembrança nesta cidade. Folhas giram redemoinhos ao pé das tílias. Essas árvores antigas vencedoras do exílio e do esquecimento emudecem por um instante deixando passar passos lentos. No vento e no frio de uma tarde sonhei essas árvores, estas cinzas no chão. Agora, ouço entre os ramos vazios as canções daquele sonho emergem da oferta silenciosa das folhas. (Berlin, novembro/2004)

[nasceu e vive em Porto Alegre-RS; mais em: www.solecismos.zip.net]


Aricy Curvello (MG/ES)

O ACAMPAMENTO (Porto de Trombetas, Pará) 1. Barracões contra o rio, o ermo contra as tábuas. Nenhum sinal para fixar-te, nenhum, senão fluxo e passagem, o significado para as águas, a relva pisada em volta das casas. Nenhum céu, nenhum, tetos de alumínio e uma floresta de chagas. Do que deixaste atrás e do que ainda virá de mais longe sobre mais sombra, chão noturno, mais noite que a noite, mugem na Amazônia palavras sem poema absurda coleção de pragas. Onde a floresta começa, o Brasil acaba? 2. o que é deus e o que é fera andavam somados num calafrio irradiação da manhã visível o ar a ferocidade do ar caem do céu antes da chuva esse inarticulado grito parece a voz da luz

3. Siquer um povoado de moscas. Um rasgão, no devastado, para se residir. Para os lados e por detrás, floresta ainda. Adiante, para a frente, na outra margem do rio. A pesar nos olhos e além do som. No princípio do mundo, a madeira atroz. Silêncio da manhã nascendo em árvores. Vinte casas interminadas, barracões de tábuas, um embarcadouro de nada, e os sonhos passam. Abriam-se cozinhas de gorduras, ossos, limites, instante veloz, irreparável. Sobre o rio a cor balançava ainda os caminhos da luz. E a luz em vento de clorofila e galhos derrubados, árvores porém verdes, vivas ainda, ainda, e só tens um instante. Só a rapidez no acampamento contra a floresta e o rio. 4. Os verbos ardem. Braços grimpam. Não nomes, não rostos. Não de nenhuma aparência, como cimento e tijolos, chegavam um povo de morenos e peixes de seda, a fruta-pupunha, o verniz de tartarugas como crianças. E a longa, longa exposição de coisas do suor, do calor e do apetite. Um instante para o ruído e o brilho. Verde arder e consumir-se. (Nós nos alimentamos do que morre.) Osso e envoltura, máscara e movimento, trabalhar entre fumos e clangores, mundo verdeal rangente na afombra, oficina de barulhos e marcenaria de pregos cantantes. (Evoco o dia trabalhar, não uma palavra cortada da vida.)


5. A terra verdesuja na luz limpíssima daqueles dias naqueles dias. A verdeluz, a luz que brilhava na luz, poder imponderável. O que vejo: não mais verei. Ilhas sem mim. E nada permanece muito, o fulgor nos rios da claridade, no arquipélago dos lagos, pássaros-tucanos brilhando nos cimos, nos cimos do dia, castanheiras, a jaquirana-bóia, mungubas, samaúmas. Roçar de asas, colorados estandartes em bandos de vôos se levantavam. Não, não assassinar a luz. Não me disseram a morte próxima da orquídea e do rato silvestre, aldeias de ninhos. Abrem, rasgam, arrebentam a terra para as florestas perecerem sob as primeiras, primeiras estradas. Os homens não buscam a luz do rio. Querem apenas bauxita bauxita bauxita – e alumínio. O Governo quer alumínio ferro ouro cobre cassiterita chumbo níquel. Aqui, até aqui, o horror veio tecer diademas de injúrias, meu salário.

6. Era verde e outras cores (queimadas) se acrescentaram. Transitamos na opinião ilusória. Acampados no provisório, sempre, sinais imprestáveis e um tempo sem respostas, um tempo em que se viaja sem bagagem. Para trás, apodrecer, cadáveres. Verde mover-se no grande ir-se de tudo, no fruto das casas de tábuas, nos galpões de sujos instrumentos, núcleos esparsos de povo, nos povoados perdidos. no vasto país que se descobre em barcos de grosso casco e marcha lenta. No tempo. No tempo o revelarás. No tempo em que quase tudo é tarde. No tempo, nessa paisagem além da paisagem, quando a imagem do tempo passar, significados para as águas, relva pisada em volta das casas.

[nasceu em Uberlândia-MG e vive em Jacareípe/Serra-ES]


Luiz Nazário (SP/MG)

MANIFESTO DOS COGUMELOS GIGANTES No princípio, tudo era caos e trevas. Com a vida encerrada em castelos, os homens só travavam santas guerras, enquanto as mulheres discutiam quantos anjos poderiam dançar na cabeça do alfinete.

As moedas multiplicadas, em novas empresas lançadas, criavam as riquezas mágicas que pediam as indústrias básicas. À nossa glória ao mundo legamos as mais belas criações do gênio humano:

Contudo, esse estado de coisas não haveria de durar eternamente. Dinamitamos as orientais represas que armazenavam o ouro dos árabes. A luz se derramou sobre as cidades e sobre o ouro assentamos a liberdade.

testemunhos do poder e do requinte de nossa fantasia sem limites. Despedaçamos sem piedade os nós que atavam a sociedade. E dobramos com esperteza a mais que flexível natureza.

Edificamos palácios e lojas, navegamos em círculos até o Camboja. Descobrimos novos mundos, catequizando povos imundos. Enriquecemos mais e mais, fundando impérios coloniais.

Transformamos médicos, juristas, cientistas, literatos e artistas em dóceis servidores assalariados. E como nada estava escrito no céu, rasgamos o terno véu do sentimentalismo familiar.

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Crescemos até as nuvens, levando nossa civilização até os mais altos cumes. E, para calar todo o queixume, cravamos bem fundo um capital em cada coração. Por fim, os joelhos do mundo dobraram aos nossos pés. Ninguém conheceu tanto poder desde Ramsés. Mas foi então que nosso brilho começou a se apagar: nada mais tínhamos a dar! E se, para seguir vivendo, tínhamos de continuar crescendo, essa situação contrafeita, em que a História nos metia, logo tornou suspeita nossa fome de mais-valia. As revoltas pipocaram na face lisa das nações. Pressentimos a morte de novo, bicando forte nosso ovo, para espalhar toda a gema, e a clara do sistema, talvez...

Mas, não, nada tema: um, dois, três, com Smith não há problema! Para estragar cada primavera plantamos cogumelos gigantes, satisfazendo os consumidores nesse antro já sonhado por Dante. Ah, nem todos os perfumes da Avon poderiam limpar as nossas mãos... E ainda que conclamassem: “Cadáveres de todo o mundo, uni-vos!” nenhum morto-vivo tomaria parte na já desvalida luta de classes. Nossos cogumelos intoxicaram os velhos sujeitos da revolução! A roda infernal foi quebrada... E que a humanidade, tão afoita, fique para sempre aleijada, a se arrastar pelos cantos, sem a bela redenção!

[nasceu em São Paulo-SP e vive em Belo Horizonte-MG; mais em: http://escritorluiznazario.wordpress.com/]

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Frederico Barbosa (PE-SP)

FRONTEIRA não é divisa, é fronteira o que se avista de minas é outra estrada é outro tempo outro mundo outro vento é outro povo outra paisagem outros sonhos pesadelos é outro riso outro choro outra alegria outra saudade é outra verdade é outro valor outra coragem vaidade é outra pátria outra praia outro prato é outro picadeiro é bahia outro país inteiro

[nasceu no Recife-PE e vive em São Paulo; poema do livro brasibraseiro, em co-autoria com Antonio Risério, Landy Editora; mais em: http://fredbar.sites.uol.com.br/]

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Virna Teixeira (CE/SP)

LOWLANDS

PRIMAVERA EM LONDRES

Nas fronteiras, a estação é sombria: as árvores, sem folhas galhos espetados que apontam para o céu. Caminhamos pelas ruínas da abadia gótica. Através de janelas, altas avistam-se lápides no jardim de gelo. Onde em uma pequena caixa, de bronze celta o coração de Robert the Bruce repousa sobre a neve.

A ponte que se estende, verde e dourada. Hammersmith. Sobre a grama da St Paul’s, rapazes de branco jogam cricket. Nesta estação brotam blossoms nas árvores de Wimbledon rosa-pálidos. Logo um carpete verde se estenderá no metrô e pelas ruas, passearão tenistas.

LANDSCAPE para onde as pernas que pedalam enquanto ovelhas migram na direção oposta: montanhas e as rodas velozes dos carros e os pés determinados e exaustos

DEPARTURE três horas presa, janelas de vidro no aeroporto em las vegas procuro cents nos bolsos letreiro do cassino tokens, puxar a alavanca os caça-níqueis tilintam as barras se alinham ganho vinte dólares lá fora, o sol brilha nas turbinas vermelho e prata aeronaves alçam voo

do ciclista solitário no verde (rasurado) da encosta

[nasceu em Fortaleza-CE e vive em São Paulo-SP; mais em: http://papelderascunho.net/]

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Tarso de Melo (SP)

Sem saída

Praça Zero

o verso acaba no muro, a vida ......... e o que dela fizemos : figuras desta rua, fria metáfora de asfalto e tijolos, de concreto e retorno

a regra é não achar o lugar do qual se parte: o passo se encaminha onde se deu o parto (e as mortes) da cidade

não tem o que faz delas, como os carros gostam, vias; retém, ............tem memória, barra, volve, encerra (martela, prensa, martela, o som toma as formas que forja) nosso céu alto e cinza começa e termina aqui neste não que o edifício leva às costas

o universo, mínimo, expande suas linhas a partir do mármore daquele banco fétido .........aqui, onde este e esse são um só nada aqui, onde o olhar perde a passante na avalanche ................... de gravatas, ambulantes, estátuas (umas de carne, outras de farda) este é o ponto e o sol já não pode (ainda mais quente, por mais que tente) desfazer esse quadro que o dia todo dia inaugura e a noite infecta esconde

[nasceu em Santo André-SP e vive em São Bernardo do Campo-SP; mais em: http://algaravaria.blogspot.com/2006_07_01_archive.html]

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Antonio Carlos Floriano (SC)

MANHÃ

PEDRA-PÃO

Essa manhã passei em Tóquio Manhã em que um vento frio Come o outubro E o mundo reorganiza suas enormes digitais Deus deve estar rindo De minha inútil matéria De quanto tempo perco Espionando essas pessoas Talvez até hoje espere um aceno Na estação de trem Um aceno de ninguém Esse amontoado de olhos A consumir as janelas Dos expressos silenciosos A caminho da manhã Partem como a primavera E ainda fico à espera De uma pequena palavra Um desejo de bom dia A hora passa na manhã vazia

Sobre o asfalto molhado Diviso o mar Na chuva da tarde O mesmo momento Em que ficava lançando Barcos de papel na água A tinta a óleo da nossa velha casa de madeira Formava mosaicos como doença de pele Meu pai se foi na distância A mãe disse Que Deus faça de pedra pão Estamos tão tristes no Japão

[nasceu e vive em Itajaí-SC; mais em: http://www.poetasnosingular.com.br]

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Solivan Brugnara (PR)

PARAGUAI PONTE DE AMIZADE

MONALISA

O concreto da ponte flutua tem algo de voar, de lento voar algo que me deixa gasoso ao andar sobre ela. Porém parece só acontecer comigo os outros pedestres estão mais pedra. Vejo engarrafamento, suor e contrabando mas a ponte se mantém tranquila com uma docilidade cetácea. Embala os que mijam, roubam, buzinam e xingam sobre suas costas. A afago, emocionado com sua bondade. É das coisas que conheço a mais próxima da santidade.

O luxo põe zeros como ovos no ninho das etiquetas.

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Dorme em redoma de cristal envenenada pelo preço Uma caneta Dante Alighieri. Escadarias Olhares indígenas nas esquinas. Camelôs em suas favelas comerciais. Edifícios caóticos esfumaçada por velhos motores-narguilés.


SACOLEIRA A sacoleira olha para a revista pornô oferece escondida dentro da barraca do camelô. Ela já foi bonita mas está amarrotada pela meia idade. Segura duas enormes e cheias sacolas de náilon com listras grêmio f.c. Com um sorriso malicioso e contido para não acentuar as rugas pega uns chaveiros e pede desconto para um paraguaio de rosto indígena. - Faço, mas tem que me dar o cu. - Petulante, confiante pelo clima e protegido por estar em sua pátria. - Ta bom, onde? - Disse com bondade de santonãonegabenção. - Aqui, entra, ponho la cortina.- Frase rápida incrédula e nervosa. Quando entrou, fechou na verdade com um lençol com cheiro de suor e poeira. Calor, penumbra, tinha um ventilador Egoísta, não ligou, quis economizar energia estava acostumado com o calor. Ela ergueu sua saia mostrando sua calcinha vermelha, a bunda branca, caída, marmoreada de estrias. - Põe do lado.- disse o paraguaio. Mas a sacoleira tirou, gestos precisos, por cima da sandália, também vermelha. Afastou uma marmita rançosa com restos de arrozcarneemmolhomandioca e pôs o rosto sobre a mesa oleosa. Ergueu a bunda branca e caída, com esse gesto transformou, renovou, deixou sua bunda magicamente jovem, deliciosa. Abriu suas nádegas, com as mãos - me coma, apura. O paraguaio colocou uma camisinha. Lembranças, cheiro de bala de morango no cinema. E enfiou forte, gozo rápido. Ela samba. -Vá embora disse ainda fechando o zíper. Segurava enojado a camisinha-lesma. Ela gostou de ouvir, e até do asco dentro das palavras um componente, uma substância da voz áspera. Sentindo-se próxima do gozo, desobedeceu concentrou-se na ardência que ainda sentia e masturbou-se, mas terminou antes do próximo andale, andale. Quis dar um beijo no paraguaio, mas ele a rejeitou pediu quanto custava os chaveiros. - nada, nada. - respondeu com uma entonação de vá, vá e um gesto de dispensa. Sorrindo fundiu-se na multidão sexo a deixava com uma felicidade boba, canina. 17


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CIUDAD DEL LESTE Após a ponte Asgard abre-se em edifícios caóticos Ciudad Del Leste. A fantástica cidade dos guaranis que vendem produtos eletrônicos. Esfumaçada por velhos motores-narguilés. Rasurada por fios elétricos emaranhados publicidade. Clima Saigon nas ruas transversais. Harpas jesuíticas. redomas de música paraguaia. Tendas tuaregues nas calçadas colorem. Sob o amarelo turistas ciscam novos relógios e isqueiros empoeirados. Vermelho odores falsificados. Azul um paraguaio toma tereré na frente de vídeos pornôs.

Cubículos coreanos com Budas em cantos discretos. Nas tvs reencarnação, o eterno recomeçar dos vídeo-games. Filmadoras são máquinas que gravam o presente para vermos o passado no futuro. Bebidas, cada nação veste no álcool seu sabor folclórico. cruzam o céu pássaros migratórios Entre labirinto de velhos táxis brancos cruza-se a avenida. No canteiro entre as lojas corredores escuros, bares com tvs velhas, putas paraguaias e ventiladores um calendário com Jesus na penumbra. A correnteza do labirinto desce.

Dentro dos shoppings predomínio do vermelho brinquedos sanguíneos em celas otomanas.

[nasceu e vive em Quedas do Iguaçu-PR; mais: http://pergaminhosolivan.blogspot.com]

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Douglas Diegues (RJ/MS/Asunción-Paraguay)

Triplefrontera Dreams: a linguagem híbrida da tríplice fronteira: mescla de português com espanhol, guarani e inglês PORTUNHOL SALVAJE U portunhol salbaje es la língua falada em la frontera du Brasil com u Paraguai por la gente simples que increiblemente sobrevive de teimosia, brisa, amor al imposible, mandioca, vento y carne de vaca. Es la lengua de las putas que de noite vendem seus sexos em la linha de la fronteira. Brota como flor de la bosta de las vakas. Es una lengua bizarra, transfronteriza, rupestre, feia, bella, diferente. Pero tiene uma graça salvaje que impacta. Es la lengua de mia mãe y de la mãe de mis amigos de infância. Es la lengua de mis abuelos. Porque ellos sempre falaram em portunhol salbaje comigo. Us poetas de vanguarda primitibos, ancestrales de los poetas contemporâneos de vanguarda primitiba, non conociam u lenguage poético, justamente porque ellos solo conocian un lenguaje, u lenguaje poético. Con los habitantes de las fronteras du Brasil com u Paraguay acontece mais ou menos la misma coisa. Ellos solo conocen u lenguaje poético, porque ellos no conocen, non conhecem, otro lenguaje. El portunhol salbaje es una musica diferente, feita de ruídos, rimas nunca bistas, amor, água, sangre, árboles, piedras, sol, ventos, fuego, esperma. [Texto de introdução ao livro Uma flor na solapa da miséria, Eloísa Cartonera, 2005] “Vejo el portunhol selvagem apenas como um fenômeno estético nuebo nel atual panaroma. Uma forma nueba de dizer coisas viehas y nuebas de miles de maneras próprias diferentes. Es uma lengua que solo se pode entender usando el korazón. Brota del fondo del fondo de cada um de maneira originale. Es uma lengua bizarra, feia, bela, selvagem, provincianakosmopolita, rupestre, post-histórika, sem data de vencimento. Non se trata de mera brincadeira que deu certo. Es uma aventura literária. Um dialeto feliz que non necessita mais ser feliz. Um karnabal cumbiantero de palabras conocidas y desconocidas. Uma liberdade de linguagem hermoza que nunca caberá inteira em los espelhos y molduras de ningum pomberosystem literário oficial...” [Trecho de entrevista a Evandro Rodrigues em http://www.centopeia.net/entrevista/douglas_diegues.php]

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non adianta ter segundo grau completo graduacion pós-graduación doctorado en la gaveta um bom curriculum que garanta um buen emprego que nasceu pra ser una bestia sempre será una besta non adianta dominio de la lengua sem la gosma de la experiência almoçar jantar cagar vomitar grandes assinaturas que se estendem como grifes de la más alta cultura que naceu pra ser una besta siempre será una bestia non adianda saber ler y escrever correta mente, colecionar diplomas que os otários veneram conhecimento nunca foi sabiduria nem aqui na china nem lá nu Iran quem nasceu pra ser una bestia sempre será una besta muchos posam de sábio en la mais badalada de las fiestas mas como diria titia Gertrude: una bestia es una bestia es una bestia

le gustaba escalar la planície com su muleta de alumínio parecia un idiota cruzando la tarde sin sentido bebia de la imundície sin problemas porque desde crianza estaba acostumado a beber de la imundície terrena sabia como convivir com la imundicie que produce el hombre. había ainda en sus ojos un resto de brilho feliz de infância perdida escalando la planicie de los dias com su muleta de alumínio non precisaba más nin nombre parecia que había salido de algun libro de Manoel de Barros un personagem de carne gosma esperma escama sangre osso misterio escalar una montanha del lado brasileiro era escalar una planície del lado paraguayo escalar una montanha del lado paraguayo era escalar una planície del lado brasileiro em ambos los lados de la frontera que implacabelmente apodrece ninguém consigue escalar planicies tan bién como ele

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Por que escrebo? Escrebo para ficar menos mesquinho belleza de lo invisible non tem nada a ver com berso certinho

colapsos disputas krak cálculos krok falsos incertezas krek juros desempleos krik desesperos dólar cruel ilusión krok krok de papel dinero impuestos chantagens kruk kruk kruk impactos

en el culo de qualquer momento escreber pode ser mais que apenas ir morrendo la belleza de lo invisible non se pudre com el tempo

costos repassados krak krik reajustes confirmados dólar arriba de 86 meses krek krok para pagar no hay mais tiempo para tanto krak krek kruk masturbar valores obligatórios krok reajustes krik diferenciados

la bosta dos elefantes seca verde clara dura es altamente inflamáble – dá uma llama bem pura nunca se termina de aprender a transformar bosta em luz y otros desenganos – todos fomos bellos quando teníamos 4 anos hoje la maioria solo se preocupa com sus narizes su esperma, su bosta, su lucro, sus missíles

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queda nos alimentos kric milhones kroc negociaciones krec kroc sucesso impasse kruc desesperança hipótese krak krok mudança reflexo krik nos preços movimento inesperado de noviembro, krek, uivos, kruk, fecundación, krok, gemidos está naciendo krek kruk el mundo sin fins lucrativos


LA XE SY Los abogados, los médicos, los jornalistas, todos quierem fornicar com mia mãe. Nadie tiene las tetas mais bellas que las de la xe sy. Los gerentes de banco non resistem. Los músicos, los guarda-noturnos, los karniceros, todos querem fornicar com ella. Nadie tiene los ojos mais bellos que los de mia mae. Tengo tres años. Me enkanta jugar com la lluvia. Y non tengo padre. Los idiotas, los seccionaleros, los farmacêuticos, todos suenham en enfiar el pau en la tatu-ro’o de mia mãe. Todos los bugres de la fronteira deseam mia mãe como legítima esposa ni que sea apenas por una noche tíbia de Ypacaraí. Mia mãe es la fêmea mais bella du território trilíngüe. Tengo quatro años. Y todos los bigodudos de la frontera kieren fornicar com ella. Muitos se masturbam secretamente pensando en ella. Tengo dois años. Non sei quem es mio pai. Sinto que non soy igual a los outros. Eles têm pai. Yo non tengo pai. Tengo apenas una mãe e un abuelo. Eles têm pai, mãe, abuelos y abuelas. Tengo também tia, y tio, y una prima salbaje di quatro años. Mas non tengo pai. Y todos los polizias, los juízes, los fiscales, los katedráticos de la fronteira querem fornicar com mia mãe. Los mecânicos, los padres y los carteros também querem. Muchos jóbenes de la frontera se masturbam secretamente em nombre de mia mãe. Mutchos senhores casados fornicam com sus legítimas señoras pensando em mia mãe. Tengo três años. Y tengo medo del oscuro. Quién nunca se masturbou em nombre de alguien cuando era jovem? Los vendedores de fruta y los sapateros también se masturbam em nombre de mia mãe. Los vecinos árabes, que tienen tienda en la mesma calle en que está la tienda de mi abuelo, miran, golosos, para mia mãe, querem fornicar com ella, pero ella non se vende. Los pilotos de avión y otros kapos famosos em todo el pueblo también querem fornicar com mia mãe. Los piragües profissionales y los eletricistas também querem fornicar com ella. Tenho cinco anos. Y ellos se masturbam sonhando que estan fornicando com mia mae. Komerciantes, yaguaretê-abás, luizones, rondam la loja de mio abuelo. Mio abuelo, con sua pistola 45 en la cintura, impede que los machos se aproximem. 23


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Tengo dois años. Los vendedores de mel falso, los especialistas y los taxistas también querem fornicar com minha mãe. Praticamente todos os homens da fronteira querem fornicar com minha mãe de qualquer maneira. Mas minha mãe não é boba. Nao se entrega fácil. O sorriso da minha mãe deixa os homens felizes e cheios de esperança. Tenho três anos. A beleza hispano-guarani da minha mãe perturba o sexo desses homens. E eu não tenho pai. Los contrabandistas, los jardineiros lúbricos y los contabilistas querem fornicar com minha mãe. Apostam entre si para ver quem fornicará com ela primeiro. O sorriso da minha mãe enfeitiça os homens solteiros e casados. Eles não resistem. Todos querem fornicar com ela, querem comprar seu sorriso, querem gozar na sua boca. Minha mãe é amável. Trabalha na loja do meu avô. Foi educada no Inter, de Assunção. Recebe a todos com o mesmo sorriso de sempre. Mas los bugres-doutores, os diplomatas, los condes y los representantes comerciais confundem tudo y querem porque quierem fornicar com minha mãe. La beleza da minha mãe deixa los hombres desnorteados. Todos querem fornicar com ela. Ninguém tem a pele mais macia do que minha mãe. Todos querem descarregar seus espermas gosmentos no tatu ro’o da minha mãe. Mas minha mãe não se entrega. Tenho dois anos. Los mais desesperados se masturbam en los cinemas, en los banhos publicos, en la madrugada trilingüe, em nome da minha mãe. Querem fornicar com minha mãe para ficarem mais leves, querem se livrar del peso de sus espermas. Mas mia mãe non es boba, non abre las piernas asi nomás, no se entrega fácil. Tengo 7 años. Mas não tenho pai. Só tenho avô. E sou diferente de todos os outros. Mas isso não me incomoda. Aprendi a ler. Posso leer los nombres de las carnicerias para mi mamá enkuanto todos los machos de la fronteira querem fornicar com ella

[nasceu no Rio de Janeiro-RJ e vive entre Campo Grande-MS e Assunción, no Paraguay; mais em: www.portunholselvagem.blogspot.com]

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Lindsey Rocha Lagni (PR)

BAR DA ESQUINA Presta atenção à maneira Como entram, como saem As pessoas deste bar Como é tocada a madeira Como o balcão fere o braço Como palavra que faço Embora pouco saber Presta atenção à maneira Como é mirada a parede Por olhos mortos de sede Pupilas embriagadas Presta atenção nas boladas Que encaçapam tantos dias Nas moças de pernas tortas Na carreira destes moços Nos beijos fora de tino Sapatos de bico fino No pó do dia, nas botas Ao final do expediente E o brilho dessas compotas Sorrindo a noite da gente Presta atenção no destaque: Canções de Cartola e fraque Cuidando deste gramado E a rede de teia forte No tilintar das garrafas Um brinde: saúde e sorte Num gole de amuleto Presta atenção como vai Pela rua este quarteto Sem corda, sem jeito, cai Duas flores, dois gravetos Sorrindo, pedindo mais E tu, varrendo cristais, Bitucas de brasa acesa Num chão de giz e de Rosa Para um dedinho de prosa Uma dama espera à mesa.

[nasceu e vive em Curitiba-PR; mais em: http://lindseyarte.blogspot.com]

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Joca Reiners Terron (MT/SP)

KIOSKO

NA FRONTEIRA: BELLA VISTA NUERTE

En la calle más cercana tres hermanas belhacas estão en seu payol de madera. Por azar, ellas hán sirbido asesinato beneno guerra para el desayuno duna distinta c1ientela.

Sob panos imundos, pios impolutos desesperam-se. Um fedor de alpiste e suor permeia qualquer possível olhar sobre a cena. Dedos negros de fezes sob as unhas de bugre indicam a rota do contrabando de grunhires. Sob panos, gesto ágil prum mágico vil : : Uma harpia!

Tiempo bom hoy. Sin-teto deboran biskoitos para los perros. Latifundiários en el control, nas villas en modelitos Hugo Boss, y otras criaturas bibientes que, cuando amanezca, pontualmente, desaparecien banco al dientro extraños como el mamút con sú diente anelado ou un louba-diós orando. Elles no me hán perturbado. Yo tambilén hago mís compras en la Destino’s.

[“Kiosko” é um poema de Hans Magnus Enzensberger, “El mas grande y mayor poeta germano bibo. Gran ensaysta y bebum di izquierda, bibe aun (1929-) en Munique y en mio corazon”, na versão de Joca Reiners Terrón em Dulcineia Catadora, 2007]

[nasceu em Cuiabá-MT e vive em São Paulo-SP; mais em: http://jocareinersterron.wordpress.com/]

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Amarildo Anzolin (PR)

depois do memorável soco de eva no pomo de adão um ringue foi montado com as cordas do tempo e vieram as legendas de batman acompanhadas dos respectivos sons soc and pow para o som seco do soco

o goleiro é um jogador triste evita o gol tapa o sol (a rede é uma peneira) com as luvas em riste

vieram também as dúvidas quanto à falta de consenso e à diplomacia do tipo qual das duas torres eu derrubo antes?

o homem bomba leva duas bombas dentro de si a caixa torácica um paiol em polvorosa um estopim com mero piscar clic de homero clip de ovídio

um oásis não é necessariamente uma miragem nem uma falésia nem uma falácia uma imagem apenas miríade uma figura que pode e deve ser uma agrura ou um agouro do que quer que se queira

a outra a bomba em si primevo corção se esvai se explode corpo e pólvora a um só tempo seta alvo e meta que vai pro ar que cai no chão que cai em si um caixão em cinzas [nasceu e vive em Curitiba-PR; mais em: http://www.myspace.com/amarildoanzolin]

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Jose Ronaldo Viega Alves (RS)

UMA ESQUINA DE RIVERA

CINEMA MUDO

Hay una esquina en esa ciudad que no pertenece a tiempo alguno. Tiene casas muy antiguas, pero los sonidos del pasado no se escuchan.

Meu avô acena de vez em quando e depois me brinda com o seu sorriso amigo.

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA Aos poucos, as selvas vão sendo extintas. Em compensação, o MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA cada dia que passa ganha uma nova edição.

É o máximo que ele consegue fazer agora, de lá de dentro daquele filme antigo.

PARAFUSO O mundo moderno ficou tão louco que há tempos atrás quando alguém caminhava pelas ruas da cidade e um parafuso encontrava não tinha dúvidas de que ele era parte de uma máquina.

MISCIGENAÇÃO Os negros eram mais pretos, ou os pretos eram mais negros?

DESAPARECIMENTOS Setenta e cinco por cento dos filmes mudos produzidos já desapareceram. Quase cem por cento daqueles que os assistiram pela primeira vez, também.

[nasceu e vive em Sant’Ana do Livramento-RS]

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Carlos Augusto Lima (CE)

hoje não é um dia comum. não como hoje. meia-noite. midday. nem cabe aqui por um instante. porta que abre, porta que fecha. um dia. um fim, como todas as coisas necessitam. do giro mágico mastigando ferro, assoalho, tamancos de outra forma um dia comum. um fim, como todas as coisas devem ter. e agora Rodrigo me conta que vai passar alguns meses em NY. penso quem é mais feliz. se ele. se eu. se alguém que habita o alto daquele prédio numa solidão desenfreada. penso em Rodrigo. a felicidade em riste, em guarda. e tudo se alterna entre os que estacionam no primeiro, no segundo subsolo. num dia assim a cápsula de raios gama explode. corro para salvar os congelados do almoço de terça. uma palavra bonita recolhe o poema, aquela rua.

são cavalos e nuvens. pois lhe agradam as criaturas submarinas, uma sala, doze por qualquer, qualquer coisa, espaço e risco. discretos, guardando para si a palavra marisco pedregulho cachalote. uma canção de favor. o tempo ali é arejado e dócil. viver é remover o mundo submarino. a busca estúpida. cavar e cavar e cavar. não viveríam debaixo do gelo ou coberta. nem de dropado céu, nem noite. mas planejam deixar o mundo. o cinema que nunca viram. nunca provaram. esses gases. há um céu para eles? a sala. nuvem e bolhas. algo dissolve. o oceano longe. o oceano.

[nasceu e vive em Fortaleza-CE; mais em: http://memoriaeprojeto.wordpress.com/]

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Wladimir Cazé (PE/ES)

DOIS URUBUS

ALIMÁRIA

1.

Penetrantes, insetos se instalaram no armário e agora imperam no assoalho, nas paredes, no teto.

Agoniza sozinho um abutre pútrido, desnutrido, tardiamente vivo, na lama plástica preta esticado, sob bicadas de um urubu (soturno verdugo noturno). 2. O urubu sombrio cata com o bico a carne da galinha velha na monótona mortalha espalhada, migalhas amanhecidas sobre a tumba fria.

Formigas no azulejo do banheiro, bichos de todos os tipos, besouros, mosquitos. Cupins comendo a madeira dos móveis, minúsculos produtores de areia amarela. Então eles começam a roer os livros.

[nasceu em Petrolina-PE e vive em Vitória-ES; poemas do livro Macromundo; mais em: http://www.wladimircaze.blogspot.com/]

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Victor Paes (RJ)

seis facas nas coxas e omoplatas 1 funeral de granizos (em um dos hemisférios de uma pedra um enigma para como ajoelhar-se perante as pedras) cerimônia terçã tresandando a água plantadas as abóboras pelas ladeiras oito mil sombras de arbustos dos telhados lanternas consertam toldos – nublado o céu tem liga (já serem pisadas as chagas pelos lagartos que vivem nas cruzes) sob os risos de cavalo das freiras ninguém decifra as previsões do tempo ocultas nas dobras de seus leques 2 um dançarino no salão superior e suas seis facas cravadas nas coxas e omoplatas para dançar e aquele menino que populava vórtices e contava algumas datas de trás para frente quando anda tem o som deste saco de relógios quebrados, suas molas 3 esta gruta que tem dentro a retalhá-la braçadores com braços a lhe abrir plantas e água esta gruta que tem ex-votos e cálcio até o terceiro subsolo 36

para esta gruta do beiral do poço (ou do prédio (das velas)) um suicida (potes (de picles)) e um palhaço (malabarismo (com malabarismo)) halo de suas cabeças em seu chão consagrado 4 descomplicar arbustos desritmar portões mão partida na areia fermentada dos pratos de planta uma pressa ofensa fissurar de se livrar dos restos de velas nos pratos e panos de pratos abrir precedentes traduzidos do francês pobre das docas submersas: “cada mosquito possui dois ou três estômagos imaginários” “enraizar-se com ouro nos pulmões de prata das crianças” fechar a noite por trás dos basculantes 5 três coisas inteiras a se lembrar: fazer uma entrega em uma esquina com três Ivos comprar repolhos e, enfim, justo e bastardo terminar falando com o eco das avalanches

[nasceu e vive no Rio de Janeiro-RJ; mais em: http://victorpaes.blogspot.com]


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Silvana Leal (SC)

mobicílio a casa-corpo das cavernas à casa do canto para dentro o homem-casa

o sonho da casa o sonho dourado do habitat com seu terno preto carregando seu espelho nas costas

habitat objeto estático contém o homem

terra e rosas partidas estando expostas ao limite da caixa

interior próprio o próprio homem protótipo do experimento -o gesto-

paisagens de martelo pisos de revistas móveis que não foram construídos pra este momento a sala branca só feita de ventos extratropicais

a casa-homem o interior cerrado a cortina da mente mobília de estômagos e ossos a cerca dos braços os olhos janelas abertas

o trabalho é todo vento que sopra conduzindo almas

solilóquio ponto estreito da amplitude mapas cronológicos de extensão fluxos germinais o ser se percebe outro o ser outro - a semente-

[nasceu em Itajaí-SC e vive em Florianópolis-SC; mais em: http://www.silvanaleal.com/]

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Cândido Rolim (CE)

associated press 10.out.2000 – uma foto um homem palestino empertigado ao máximo arremessa o que tem o que não tem nas mãos seus miolos o pensamento contra o céu áspero cinza até a última raiz *** talho retalhe a pálpebra e sinta a fabril contorção da polpa

[nasceu em Várzea Alegre-CE e vive em Fortaleza-CE; mais em: http://signagem.blogspot.com/]

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Elisa Andrade Buzzo (SP)

AS CRIANÇAS CHEIRANDO COLA

as crianças cheirando cola vão se espraiando pelas avenidas, aos bandos, com seus cachorros maltrapilhos, conversando em voz alta e ininteligível, o séqüito bizarro sai em diligência, alterando o branco e reiterando o escuro as crianças cheirando cola perdem a virgindade e o amor-próprio nos ladrilhos paulistanos ao seu bel-prazer libertas da sociedade patriarcal, as crianças cheirando cola bailam em ritmo de éter, passando rasteiras às ações das ONGs e das gestões municipais as crianças cheirando cola amanhecem deitadas nas calçadas do centro da cidade, esquentando-se uma com o calor da outra, os passantes lançam frutas ou sacos pardos com pão nos corpos angélicos das crianças adormecidas que cheiram cola, cujos narizes não têm mais o direito de aspirar o mundo além da boca da garrafa, refratárias, as crianças nômades cheirando cola criam um problema de paisagem urbana com seus cabelos pixaim de fuligem acumulada e atitudes subversivas, as crianças cheirando cola grudam-se em portinaris subterrâneos, sendo logo após descoladas pela manutenção e limpeza dos logradouros públicos, as crianças cheirando cola por debaixo das pontes movimentadas da cidade são rechaçadas pelos cidadãos amedrontados e penalizados pela aparência desgrenhada das crianças cheirando cola em migração sazonal do centro em direção ao oeste da cidade, expulsas pela guarda metropolitana, infiltrando-se nas ruas residenciais espargindo a mulatice de seus narizes aspirantes de garrafas pet verdes, as crianças cheirando cola quebram a tranqüilidade dos bairros classe média, diante das ruas arborizadas horrorizadas, que abrem passagem tapando o nariz e desviando o olhar das crianças cheirando cola, crescendo na velocidade da passagem dos carros, virando moçadinha esperta e graúda as crianças entumescidas cheirando cola vão procriando fetos viciados, o que já chega a ser caso de saúde pública, até que, por um passe de mágica, as crianças cheirando cola, não mais tão crianças assim, foram finalmente desintegradas pela prefeitura a pedido da sociedade civil organizada. [nasceu e vive em São Paulo, é jornalista; poema do livro Notícias do lugar algum -Noticias de ninguna parte, publicado no México pela Limón Partido, em 2009; mais em: http://caliope.zip.net e http://www.digestivocultural.com]

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Ricardo Pedrosa Alves (MG/PR)

PENSE NISSO COM O CORAÇÃO para paulo bearzoti como todo mundo sabe nossa região, ainda falta muito para melhorar. já estamos cheios de tanta promeça e poco serviço. sem mais assunto termino. estas poucas linhas para falar dos probemas de nosso bairo. para que as pessoas não tenham de pousar nas filas. e portanto temos direito de reclamar. quem escreve é o seu eleitor que não quer desafiar mas só quero o bem de todos. só ficou na promessa as vagas. conto com vossa excelência. sou morador deste bairro á vários anos e convivo com estes problemas á vários anos. prezado excelentismo prefeito. porisso que as pessoas que depende deste trabalho e consome estes alimentos, alguns deles são doentes principalmente as crianças com desidrataço e outras doenças adquirida pela contaminação de lixo. o meu lamento é este prefeito. rogo a ti e sua equipe que tome providencia, deste povo probre e desemparado. lhe comunicar que, a comunidade na região em que vivemos, estamos passando por vários problemas. obrigado pela a atenção. por meios desta poucas linhas, venho. esses foram os favores feito por seu próprio eleitorado. solicitar o senhor dos problemas que existem em meu bairo, na qual seriam o restauramento do antipó, valetas em céu aberto e principalmente a falta de segurança no bairo, que vem asustando a população. já coloquei o senhor a par de tudo e cabe a vossa responçabilidade acabar com todos esses casos. exelentissimo senhor. PENSE NISSO COM O CORAÇÃO e imagine que sr. fosse um de nós. pedindo a deus que faça o exmo. senhor refretir sobre nossos problemas e resolver. desculpe-me por ter invadido sua privacidade. porque talves o senhor não tem ciência do que ocorre nos bairros mais pobres da cidade? atenciosamente,

[nasceu em Governador Valadares-MG e vive em Curitiba-PR, publicou Desencantos Mínimos pela Editora Iluminuras]

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Maria Silvia Cintra (SP)

Êxodo Maria José, dezotcho anos, sergipana Direto do sertão para o Sudeste Não conhecia chave, só taramela

No largo da Concórdia, carne de charque Feijão de corda, manteiga de garrafa E um sonho misturado com saudade *

* Mais estudo Escola pubirica Gaijin esperto auto-didata Purofessoro cabeça-dura né?

Natureza viva Os morros, os tiros Bala perdida Um velho vende ouro *

* Limites Sobrevivi Quase me prostituí Foi por pouco, bem pouco, muito pouco

Usina Nas barrancas do Paranapanema Pintado, dourado, ilhéus desterrados E a apropriação do público pelo privado

Esperando um ônibus

[nasceu em São Paulo-SP e vive em São Carlos-SP; mais em: http://fimdenoite-letras.blogspot.com/]

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Fabiano Calixto (PE/SP)

De Santo André ao Campo Limpo: o Brasil Para Heitor Ferraz esta manhã está linda sob este sol que desliza sobre os capôs dos automóveis a quentura alastra por todo o ar a imundície dessa cidade (e depois de passar por três, quatro, talvez cinco mundos diferentes no estômago carcinomatoso da mesma cidade, uma pergunta põe sal no café: que tipo de futuro tem um país como este?) o festival do morango regado com o sangue de mais uma chacina os ônibus queimados, os olhos inchados de choro o medo de não ter o que pôr na marmita ou o que pôr no caixão a linha amarela em construção (sepultando a plebe às pressas) o Hyundai blindado, o Toyota a fila imensa de carrinhos de papelão com seus condutores e seus cães tecem o trânsito, tramam o inferno de sua mais profunda estima – realmente não sei que futuro isso terá... estou indo longe demais da minha cidade, de mim mesmo sonho demais – na telinha LCD se vê uma flor cor de toalha exalando perfume a um operário gordo atrás do bigode com luvas verdes e capacete marrom os assassinos estão livres o patrimônio do excelentíssimo senhor presidente da república 45


dobrou é ano de eleição, tempo de monturo minha ânsia de vômito dá potentes sinais de vida meu nojo não cabe na urna (mendigos vomitam tíner na Galiléia do apóstolo) Estrada do Campo Limpo – julho gélido muitos olhos tristes dentro do ônibus (tantos ladrões com filhos pequenos para criar tantas donas-de-casa com tesão insaciável a estudante caligrafando a cola nas deliciosas coxas grossas de colegial cavala) será que quando veem uma maçã têm noção de sua gestação de sua sugestão do esforço de seu doce suor? (duas garotas no banco de trás: “a grávida entrou, né, e eu nem aí, meu, gravidez não é doença quem mandou dar?”) somos mesmo uns boçais o real nos doerá para sempre em tempo de eleição vomitar tornou-se uma higiene três idas ao banco implorar pelo assalto já me pediram voto não respondi desviando o rosto de qualquer em especial a memória não exalava nem colônia nem canard chego à Perimetral a noite continua veloz ouço um prantear, chove às bicas ruga ínsita

[nasceu em Garanhuns-PE e vive em São Paulo-SP; mais em: http://revistamododeusar.blogspot.com/]

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Ademir Assunção (SP)

O NIGROMANTE NO MERCADO FINANCEIRO O Deus Mercado acordou de ressaca. A face pelancosa enfiada na poça de vômito. Ondas no lençol de seda chinesa. Gaivotas em chamas chocam-se contra as paredes do quarto. Cheiro azedo de Johnny Walker. Go ahead, go ahead, man. No telejornal matutino a manchete cabulosa: “O Presidente dos Estados Unidos da América foi encontrado morto na suíte presidencial do Copacabana Palace com um vibrador made in Taiwan enterrado nas costas.” As Bolsas estão nervosas. Dedos agéis de ilusionista digitam no teclado do laptop: “O Elefante Branco de Java esmagou a cartola do Coelho Maluco”. A paisagem enlouquece. Leões decepam cabeças de domadores, números disparam nos painéis eletrônicos, pulgas metafísicas sugam o sangue branco dos bytes, fortunas desaparecem no buraco negro de Matrix. O nigromante afasta o laptop e abre uma lata de cerveja.

[nasceu em Araraquara-SP, vive em São Paulo-SP; mais em: http://zonabranca.blog.uol.com.br/]

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Rodrigo Garcia Lopes (PR)

ZEITGEIST Nocauteando celebridades disfarçadas de pingüins Monitorando a muvuca das transações e trapaças alpinistas Serpenteando entre escadarias cravejadas de citações Chutando o balde do crepúsculo com o bebê da aurora dentro Chegando firme na dividida com a mentira, pisando o calo da calúnia Colecionando estoques de paciência e delatores pederastas Beliscando morenas de fiberglass e pixels de altíssima definição Pegando marqueteiros pela orelha, levando o bispo milionário pelo pescoço Mostrando seu catálogo de golpes de jiu-jítsu para web designers Apavorando editores de moda com crucifixos de merda Partindo pra ignorância pra cima das floriculturas Esfaqueando a manhã e as boas intenções com sua adaga afiada Pulverizando jogadores de genoma e modelos chipadas Dando geral nos arquivos adulterados dos tribunais de justiça Assaltando pipoqueiros metafísicos e banqueiros artistas de fim de semana Distribuindo pirulitos de ácido para críticos literários Arrebentando a boca da razão com denúncias inconseqüentes Estrangulando docemente a tarde carregada de câmeras de vídeo & trance music Pregando a irresponsabilidade fiscal, e anthrax para todos, Rifando o shopping lotado de idéias fixas com um grito de jihad O homem-bomba entra no poema.

[nasceu e vive em Londrina-PR; mais em: http://estudiorealidade.blogspot.com/]

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Adriano Scandolara (PR)

Cinco glosas sobre pichações QUE AS IDEIAS VOLTEM A SER PERIGOSAS tripas sacerdotais enforcando deputados dependurados como piñata que estoura de tanto ouro som de balões e homens-bomba pela cabeça ribomba viola a violência do silêncio. Mas nestas mãos estertorantes prestidigitadoras de multidões estupefatas ecoa a Palavra de um pacifista cabeludo e vagabundo –– e olha no que deu. ESSE EPISÓDIO DA REALIDADE QUE CHAMAMOS IMAGINAÇÃO mais obrigatório que cinto de segurança nessas ruas cinzentas – ou o cinza se espalha – malabaristas de calças coloridas deixam o terreno dos sonhos e mendigam.

O OUTRO É O ECO DO EU não há limites para o ensimesmar-se enfurnado nos carros, e os ônibus cavernas de tantos ecos se mesclando – meditando, se elimina o mundo – o despertar de buzina e xingamento. ENRAGEZ-VOUS que je suis déjà emputé de la visage faz um tempão flama controlada de boca de fogão que apaga e acende e ninguém age, nem faz nada, deixando a besta sozinha ensandecida a bater a cabeça contra os muros. CRISTO REINA mas não governa.

[nasceu e vive em Curitiba-PR; mais em: http://leitorhipocrita.blogspot.com/]

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Astier Basílio (PE-PB)

MANUAL DE MALDIÇÃO

METRO QUADRADO

e quando a transgressão vira modelo? Onde um novo avesso?

plano. Nenhuma luz. Desde o útero que tudo está escrito, mesmo assim rasuro as letras certas, as linhas tortas, o número a ser descoberto. Viver é este recuo: flash-back ainda inédito do futuro. Trazemos o último dia, trazemos o último dia em cada dia, este corredor da morte escuro. A felicidade só diz seu rosto no final do túnel quando não há mais interruptores, nem segundos. Só a perda nos completa, mas a ciência disso tudo não se oferta sem rugas. Vem no súbito momento em que nos vemos memória, discurso. A falta é o horizonte visto destes muros em movimento, em colisão. A falta é nosso lucro.

a) música, poesia: duas maneiras de erro. Se era em verso que o público espelho, a imagem hoje canta outro conceito, debaixo dos caracóis dos seus cabelos. O verso virou invento de mesmos, a morte do público. b) fotografia, artes plásticas, um exemplo. Da mesma forma que o real não reabre o seu estreito em tela, natureza morta, figura de momento, mas, migra dos quadros, para o próprio palco ser o drama encenando-se cenário e por dentro. Da mesmo forma hoje a imagem, máquina em língua de luz intercepta e interpreta o espectro, onde o público espelho

[nasceu em Campina Grande-PE e vive em João PessoaPB; mais em: http://astierb.blog.uol.com.br/)

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André Capilé (RJ/MG)

LOW PROFILES para Edimilson de Almeida Pereira enquanto cadeiras são lotadas por esquecidos (cadeiras latifúndios tipo luxo lotes baldios) leis com todo vigor prendem mas não pegam enquanto cadeias são lotadas de ex-famosos e esquecidos andam na linha e vão cada vez mais dentro enquanto cadeias estão lotadas por esquecidos futuros tipos de esquecidos fazem fila para entrar e estar cada vez mais dentro e uma vez dentro formar quadrilhas (cirandas entre cadeias e cadeiras) enquanto no pátio outros atores que são de dentro fingem querer estar fora

zumbis cavam com colher pequena e mineram em covas de outros esquecidos que amontoados feito ratos (do dentro e do fora cabeça a cabeça espremidos corpo a corpo) atritam cotovelos esperando fogo de idéias que são as mesmas idéias de cadeiras e cadeias embora cadeias e cadeiras possam ser mais que só idéias quando idéias passam a ser mais que fogo e textos menos cinzas e territórios menos escombros

[nasceu em Barra Mansa-RJ e vive entre Juiz de Fora-MG, Rio de Janeiro-RJ e Barra MansaRJ; mais nos sites www.textoterritorio.pro.br e http://ecopoetico.blogspot.com]

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Adriandos Delima (RS)

CICLO DA BORRACHA

CHUÍ

quanto à palavra/ fonógrafo/ ela diz como um papagaio/ caruso quanto à palavra/ manaus ela baba borracha/ e tem uma pança elástica

Não sei tua origem na boca de que povo saiu mas decerto vem da chuva caindo é oralidade copiada do céu

e quando se pega uma palavra dessas ela deve ter alguma febre da floresta se dizemos/ essas palavras de um modo europeu algum espírito mau/ deve estar fazendo amor então elas acenam como/ mostrando o que é bom dão um salto no amazonas e logo estão no leste de novo

ECO-CARROÇAS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DO LIXO os carroceiros futuristas se carregam de sacos pretos as cabeças dos carroceiros ficam entre grandes fones de ouvido antigos os narizes e bocas dos carroceiros são feitos de máscaras cirúrgicas as camisas pele punk de panos costurados levam mensagens escritas as pessoas da rua talvez não saibam ler de verdade os automóveis não conseguem atropelar as carroças alguns só conseguem ter pena dos animais

Éolo mal sabido é o vento forte que era filho de Posêidon ... Naquelas nuvens lá que se acendem têm o riso que precede o estrondo Do estrondo cai um balão d’água que estourou no alto Não ouço o ribombar dos carnavais lá fora aqui até onde sempre chega o Carnaval Mas hoje é a noite que o Carnaval foi embora levando consigo os blocos dos ladrões que vieram rapinar a praia e também os dos bêbados afoitos Depois de lavar a orla A chuva enfim acomodada vai rumorejar com o mar hoje de manhã É esse o vaticínio das águas ... Depois de varrer o Carnaval desde o início Éolo, o gari irônico dançou, dançou com sua vassoura seu Carnaval por muitos dias ainda.

[pseudônimo de Adriano do Carmo Flores de Lima, que nasceu e vive em Canoas-RS; mais em: http://partidodoritmo.blogspot.com/]

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Rodrigo Magalhães (CE/DF)

Deus e João no mundo cão Primeiro, a emboscada e o chão era de barro. Não deu para ver se alvos ou mestiços. Mas não eram machos. Tavam numa espreita, dessas em que o sujeito mira acocorado, da qual só restam dois: o estampido e o baleado. Cabul, era o míssil nomeando a cidade. Após o acontecido, comi um tanto da poeira. Que era do chão. Que era de barro. E só via um sol de fazer ouro na retina, que, entre os gumes de minha sina, alastrava o seu mormaço. Era lá, à espreita pelo Tomahawk em assovio – parecia o simum no canudo, alguém dizia. À espera do suspiro que nos finda, cobriu-me a certeza de alguns nomes sobre a força dos cajados. Foi o coronel. Ele honrou o seu gado, a sua família. Soprou a minha vida. Alguém se persignava.

[nasceu em Fortaleza-CE, vive em Brasília-DF; mais em: http://www.revista.agulha.nom.br/rodrigomag.html]

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Age de Carvalho (PA/Viena)

48, NO AEROPORTO

A VOZ DO MORRO

É chegada a hora,

Saiu: atravessado — escuro, língua preta, o violento tambor da alegria, albor de alvoradas

o estalo dum talo em flor ao abotoar o cinto, tempo partido sob os pés antes do take off: cumpres anos, com a mangueira cantante enterrada no ar queres estar, és não és, decides e entre sinais luminosos da carne em trânsito decolas.

..................................................................... Distante, o mundo do samba — os sapatos de prata de Paulinho da Viola ecoando agora, fevereiro morto, nas avenidas do futuro, avenires.

VERÃO COM MAX Na volta do lago, passando as lentas cabines sob o Loser (madeira ressoante inchada de sombra e vozes, oeste-estanque, sol na mata) afrouxo a marcha, ponho pedras no sapato, ando teu passo. Para te acompanhar. Tua mão come na minha mão. Sou teu pai: “És meu pai.”

[nasceu em Belém-PA e vive em Viena, Áustria, desde 1986. Autor dos livros de poemas Caveira 41 (Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2003) e Trans (Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2011), entre outros]

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Flávia Rocha (SP)

cidade das pontes Cinco galhos a partir da rosa morta. A jardineira mexicana me disse quando compramos a roseira. Um corte angular e rente. A tesoura meio solta na luva sem marcas de uso, asséptica, com cheiro de borracha. Os galhos túrgidos caem no chão, abortados do futuro amarelo.

Cruzar a ponte, acompanhar um córrego, descer um vale, seguir trilhas para um campo de uvas e química, ou pisar na areia grossa numa paisagem gelada de rochas. Incrustada na montanha, a cachoeira hipnotiza, desvia. Uma criança de shorts constrói um castelo na areia macia e quente.

Os gatos saíram pela primeira vez. Liberdade inconcebível. Nunca antes a possibilidade de matar, de sumir. Os corvos são a realidade, a temperatura, a folhagem. O azulão no parapeito da janela, numa das primeiras manhãs, o bico negro comprido, parece impossível. Olho de novo, ele está ali.

Dois rios cortam a cidade, como cortavam a outra cidade onde morávamos. Mas estes rios cantam. Estes rios se fazem escutar. Quanto voltarmos, um dia, talvez eu escute as lamentações dos rios na outra cidade. Também há os trens, os trilhos ao leste, ao oeste, ensurdecedores.

Os frisos na madeira como um documento antigo. Pregos, cabos, ganchos, sombras. Os armários pequenos demais para validar a nossa ansiedade por transformação. As gavetas pesadas na cozinha um dia estocaram batatas no inverno. Chumbo debaixo das camadas de tinta.

Musgo nos troncos dos pinheiros, umidade constante na floresta, suspensa no ar. Brilho no asfalto fino das estradas perdidas — todas com opção de retorno. O meio do nada tem um cheiro preciso, calculado em mapas. Trilha percorrida em exatamente duas horas e quinze minutos. Transcendente, na névoa escassa.

Veja como crescemos, como nossos cabelos estão menos ondulados no frio, como a varanda é grande o suficiente para uma piscina no verão. Fotos, recortes, combinações. O verde é mais verde, o vermelho, menos vivo. Escolher é ocultar. Editar é mentir. Amanhã iremos ao parque. Como se faz um piquenique: a intuição de uma vida distante em aberto, como uma possibilidade. A mulher que empurra um carrinho de bebê na seção de frios do supermercado sabe de algo que eu não sei. E as frutas da estação continuarão frescas amanhã.

Era para estar chovendo, mas o sol, radiante, ilumina a rua, vento nos galhos no fim do outono, nos arbustos de bambu que formam um muro natural, permanente. Poucas coisas são permanentes. O verde retornará daqui a alguns meses, vibrante, sob uma luz menos angular e alaranjada.

Na calçada, na rua movimentada, uma miniinstalação: um cavalinho de brinquedo, minúsculo como uma fada, amarrado a uma argola enferrujada fincada no meio-fio, souvenir transposto de um outro século. Duas pessoas se olham, dizem algo sobre cavalos, atravessam o portal do tempo, farol aberto. [nasceu e vive em São Paulo-SP]

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Ricardo Aleixo (MG)

Labirinto

à memória de Sebastião Uchoa Leite Conheço a cidade como a sola do meu pé. Espírito e corpo prontos para evitar outros humanos polícias carros ônibus buracos e dejetos na calçada incorporo hoje o Sombra amanhã o Homem In visível sexta à noite o perigoso Ninguém e sigo. Como os cegos conheço o labirinto por pisá-lo por tê-lo de cor na ponta dos pés à maneira também do que fazem uns poucos com a bola num futebol descalço qualquer. Conheço a cidade toda (a mínima dobra retas cada borda

MÁQUINA ZERO Quarto dia: entendo q ue o que preciso, se q uero mesmo continuar a p erambular com alguma chance de êxito p or uma cidade ( duas ) como Berlim, é de sapatos de largo fôlego. Caminho ( penso e nquanto caminho ), permeável a t udo: ao frio sol cortante, às crianças t urcas com seu comércio informal de b rinquedos usados, à b eleza sem rumo da adolescente que ( longas p ernas abertas sobre um p rosaico selim de bicicleta ) c avalga o c omeço da tarde, aos grafites que “d ariam belas fotos”, à Topografia d o Terror, às ruínas, ao r asta que me saúda ( “R asta!” ) na Wilhelmstrasse, às l ascas do Muro na vitrine da pequena l oja, ao a marelo-zoom do metrô a pontando na curva a ntes do teatro, à História,

curvas) e nela – à custa de me perder – me reconheço.

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[nasceu e vive em Belo Horizonte-MG; mais em: http://jaguadarte.blogspot.com]


Mário Bortolotto (PR/SP)

ELA VEIO DA PARAÍBA COM DUAS LIBRAS Eu espero pacientemente que ela apareça com suas tatuagens, seus selos canadenses, o último cd do Jeff Buckley sua aliança de noivado sua sede inextinguível sua amnésia mais que oportuna seus pecados mais que mortais Eu espero que ela permaneça por aqui com seu silêncio devastador sua frieza lendária sua dança da chuva sua fome de groupie eu espero que ela se movimente pra mim com seus anéis seu pescoço animal seus lábios de gasolina seus dreadlocks eu espero que ela gaste todo o seu dinheiro comigo que me apresente a suas amigas que me leve pra vê-la dançar que me transmita suas doenças Eu espero que ela venha cantando uma balada do Lenny Kravitz que venha confundindo o tráfego com seus truques de malabarismo com seu cinismo incompreendido ela vai pisar com suas sandálias de névoa em meu coração ela não vai aparecer eu a amo então chamo um táxi e volto pra casa [nasceu em Londrina-PR e vive em São Paulo-SP; mais em: http://atirenodramaturgo.zip.net/]

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Lucas Guimaraens (MG/SP)

AS DUAS FACES DA LARANJA (OU ERA PÓS-SHAZAM) netnews: “Os gaboneses votaram em massa neste domingo para elegerem um novo... Naufrágio”

(os pixels são pássaros ou placebo? liberdade ou sopro desassossego?)

laranja range na órbita do sem fronteiras

ainda que possa nos visitar – que poder é bem alienável – para o africano, inconteste será comprovar o sorriso alvo e plastificado de seus dentes sem cárie requisitos da civilização onde – em contradição – o preto podre dos maxilares de milhões de gargântuas-cidadãos, nativos colonizadores, é desleixe-tatuagem comprovação da pretensa desimportância intelectual de deus e evolução da imaginada família humana.

(a fruta de meu quintal – deglutida pelo europeu – volta em resto-bagaço para minha boca) e o gabão não pode entrar impunemente em território brasileiro. não fora o francês que amordaçou as falas destes colonos como a um cãozinho meio-lobisomem na primeira noite de um homem estrangeiro sob a lua cheia em nova iorque de qualquer continente: jamais hotéis baratos de rodoviárias teriam gastos de sabonetes e perfumes com turista miserável daquele país que escolhe seu mundo através de seu presidente serial killer eleitoral. (ele precisará em breve de um copo d’água para mergulhar a dentadura quando gritarem os holofotes dos direitos humanos). mas beijing e libreville se socializam na carnavália maravilhosa da internet: os pontos são altos para a liberdade de expressão : analisa a mídia esclarecida. ainda assim o gabão não pode visitar brasília.

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sentado no gramado de champs-de-mars o adestrador de colonos locupleta-se a olhar a torre eiffel rangendo no sorriso mona lisa certeza inexorável de que sua liberdade-igualdade-fraternidade foi enterrada no dia em que shazam partiu desta para melhor. “Presidente do Gabão morre em Barcelona Omar Bongo, que estava no poder havia 41 anos, tratava câncer. Governo fechou as fronteiras e prometeu cumprir Constituição. O país decidiu fechar todas as suas fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, depois do anúncio da morte, informou em um comunicado, divulgado na televisão, o ministério da Defesa.”


TATUAGENS Espelhos dos exilados políticos na França. no quadro negro ou na casa antiga ou na rua apagada a porta aberta um cisco passou pelo sol na sua nudez. poucos homens flutuantes com flautas libertados das torres de marfim (ou dops) sentiram o gosto e valor do imperceptível. (outros já não viam ou saboreavam) o jovem indiana jones já velho e livre no vagão do trem sacudia do corpo serpentes falsamente letais. são jorge na órbita do ínfimo digladiava com lança uma vida suja e cinza que se instaurava no aquário da vida madura (em vão)

toda bebida suor de diversões e exageros passava e se afogava nas memórias do corvo que batia à porta. todos os homens mortos todos os medos putrefavam aromas de tatuagens do fim. nunca disseram a Meursault que palavras de giz nas lousas de ontem poderiam ser eternas grades. (Camus, estrangeiro, sua vida sempre fora um salto para a morte?) alguma vez os generais choraram? alguma vez chorarão? nem mesmo o transe do pixel neutraliza as condecorações das poeiras de sangue.

[nasceu em Belo Horizonte-MG e vive em São Paulo-SP]

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Ronaldo Bressane (SP)

NEVERMIND NEVERLAND Faz sol chove venta garoa e nuvens voam velozes como nas telas de Turner sinto fome sono saudade gente grita em mongrego hebrárabe aimarusso e até inglês viro estátua em Kensington Peter Pan ergue braços pretos me sopra mind your mind esquilos me pedem rango gringos exilados pedem rango o guitarrista do tube pede rango e uma banana custa um dólar no meu país compraria dúzias uma nova tropicália em Hoxton os risos dos amigos apagam as 52 cruzes de King’s Cross sete do sete uma santidade ímpia severa como os parques londrinos há virgens com véus nos cabelos e putas com véus nos olhos todas com bundas tristes hoje almoço uma Guinness gente grita em tupinésio francoviet falsofarsi nipohispano teutocoreo italoruba portinglês não estou aqui e ainda estou como em um sonho de outro em todo canto há placas informando aonde não ir em todo canto há câmeras informando que sou ator no filme de um ser anônimo Londres é um parque temático em si e no tube avós espiam minha mochila please dont’ you be very long please don’t belong me pede George no iPod o exílio não é pra quem pode e é proibido fumar nos pubs os dias passam velozes fome sono saudade libras somem

minha barba cresce atroz os pés viram cascos de cavalo viro planta no Hyde Park viro bomba no Eros de Piccadilly viro aramaia afrisânscrito mandatim viro o Thames a cor dos teus olhos I wish I was at the Big Bang nevermind the gap diz Peter Pan

ONTEM EM BUENOS AIRES Felizes frente ao cemitério Pedimos a última Quilmes Está linda nessa digital, digo Ao lado da tumba de Evita Nem se percebe quem é quem Você se levanta rebolando O sol reboa nas cruzes por sobre os muros E o garçom sem gorjeta chia Um beijo atrás da placa art decô do metrô Mas você some no subterrâneo Te amarei como nunca, agora Que já é ficção

[nasceu e vive em São Paulo; mais em: http://impostor.wordpress.com/]

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BABEL Poética

Ano I, n.º 3 – junho/julho de 2011 Copyright © dos editores e dos autores BABEL Poética ISSN N.º 2179-3662 é uma edição especial de BABEL – Revista de Poesia, Tradução e Crítica, ISSN N.º 1518-4005, contemplada em 1.º lugar no Edital Cultura e Pensamento 2009/2010 do Ministério da Cultura para publicação de revistas culturais. MINISTÉRIO DA CULTURA Secretaria de Políticas Culturais Sérgio Duarte Mamberti | Secretário ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSA João Maurício de Araújo Pinho | Presidente REDE DE REVISTAS PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO Sergio Cohn e Elisa Ventura | Coordenadores Rita Ventura | Produtora Luana Villutis | Coordenadora de rede Filipe Gonçalves, Elisa Ramone e Tatiana Louzada | Assistentes de Produção REVISTA BABEL POÉTICA | babelpoetica.wordpress.com Ademir Demarchi | Editor | ademirdemarchi@uol.com.br | Santos/SP Amir Brito Cadôr | Projeto Gráfico e Edição Gráfica | amir_brito@yahoo.com.br | Belo Horizonte/MG Daniela Maura | Assistente de Edição Gráfica | danimaurasan@gmail.com | Belo Horizonte/MG Paulo de Toledo | Revisão | paulodtoledo@uol.com.br | Santos/SP CONSELHO EDITORIAL Ademir Assunção (SP), Cláudio Portella (CE), Jorge Luiz Antonio (SP), José George Cândido Rolim (CE), Lúcia Rosa (SP), Makely Ka (MG), Marcelo Chagas (SP), Márcio-André (RJ), Marco Aurélio Cremasco (PR/SP), Mauro Faccioni Filho (PR/SC), Nilson Oliveira (PA), Paulo de Toledo (SP), Ricardo Corona (PR), Ronald Augusto (RS), Silvana Guimarães (MG) e Susana Scramim (PR/SC) Colaboradores desta edição Ademir Assunção (SP); Adriandos Delima (RS); Adriano Scandolara (PR); Age de Carvalho (PA-Viena); Amarildo Anzolin (PR); André Capilé (RJ/MG); Antonio Carlos Floriano (SC); Aricy Curvello (MG/ES); Astier Basílio (PE-PB); Cândido Rolim (CE); Carlos Augusto Lima (CE); Douglas Diegues (RJ/MS/AssunciónParaguay); Elisa Andrade Buzzo (SP); Fabiano Calixto (PE/SP); Flavia Rocha (SP); Frederico Barbosa (PE-SP); Jairo Batista Pereira (RS/PR); Joca Reiners Terron (MT/SP); José Ronaldo Viega Alves (RS); Lindsey Rocha Lagni (PR); Lucas Guimaraens (MG/SP); Luiz Nazário (SP/MG); Maria Silvia Cintra (SP); Mário Bortolotto (PR/SP); Ricardo Aleixo (MG); Ricardo Pedrosa Alves (MG/PR); Rodrigo Garcia Lopes (PR); Rodrigo Magalhães (CE/ DF); Ronaldo Bressane (SP); Ronaldo Machado (RS); Silvana Leal (SC); Solivan Brugnara (PR); Tarso de Melo (SP); Victor Paes (RJ); Virna Teixeira (CE/SP); Wladimir Cazé (PE/ES).

Capa Amir Brito Cadôr e Daniela Maura, sobre fotografia de Daniela Maura. Colaboração de Paulo de Toledo. Gestão do Projeto Centro Camará de Pesquisa e Apoio à Infância e Adolescência www.projetocamara.org.br Rua Caminho dos Barreiros n.º 491 – Beira Mar CEP 11040-020 São Vicente –SP Agradecimentos Expressamos nosso reconhecimento a todos os que têm colaborado para a concretização deste projeto, em especial aos autores que nos autorizaram a publicação de imagens e textos. Impressão e Distribuição Programa Cultura e Pensamento/MinC

Imagens Alexandre Sequeira da série “Nazaré do Mocajuba”, 2005  p. 2 e p. 42 (detalhe)  http://alexandresequeira.blogspot.com Grupo de Interferência Ambiental - GIA “Não curti”, p. 7 http://giabahia.blogspot.com Marina Camargo da série “Open Horizons Project”, (um projeto colaborativo com fotografias enviadas por diferentes pessoas, de várias partes do mundo através do website http://www.horizons-project.com) p. 14- 15, 62-63 e “Alpes”, 2010-2011  p. 58  Tony Camargo série fotomódulos, “FP34”, 2008, dimensões variáveis, p. 18 e “FP54”, 2010, dimensões variáveis, p. 47 http://www.tonycamargo.net Eugenio Pacceli Horta “Mamma et Glandula Mammaria. (tome 5. Planche 76). Seio e glândula mamária” p. 24, “Chirurgia Mammae. (tome 7. Planche 27). Cirurgia do seio” p. 26-27 http://www.eba.ufmg.br/paccelli/index.html Cláudia França “entrevista”, p. 28 e 33 Bruno Rios p. 37 e 39 Matheus Rocha Pitta da série “B.O. (Boletim de Ofertas)” 2011 p. 50 Fabrício Lopez “muguet”  p. 52 (detalhe da gravura na p. 10 e 11) Marcelo Sahea “péssarinho”, p. 65

Tiragem 10 mil exemplares - Distribuição Gratuita – Venda Proibida Correspondência Ademir Demarchi / BABEL Poética Rua Espírito Santo, 55, apto. 36 CEP 11075-390 - Campo Grande - SANTOS – SP


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