Alguns meses antes de começar o romance... Condado de Rutland - Inglaterra. Ela acordou com o feno grudado em suas bochechas. Esfregou os olhos com a ponta dos dedos, sentou-se e retirou o que conseguiu de palha dos cabelos longos e ruivos. Bocejou, se espreguiçando devagar. — Meu Deus, dormimos mais uma vez no estábulo — disse para a sua raposinha de estimação que adormecera enrolada como um novelo junto a sua barriga, usando de travesseiro uma edição surrada de a Gata Borralheira. Aquele não era o seu conto de fadas favorito, já que para ela era muito difícil eleger um que gostasse mais, porém era um dos seus preferidos. Cumprimentou sua égua na baia da frente dando beijo no focinho comprido: — Feliz ano novo, Cachinhos. Uma rajada de vento gelado invadiu o estábulo e a jovem apertou junto ao corpo a manta xadrez que sua avó mandara de presente da Irlanda. — Que frio — murmurou para a raposa que finalmente abria a boca em um bocejo barulhento — será que... Saiu correndo a fim de comprovar. — Está nevando — sorriu quando um floco de neve caiu e se desfez na ponta do seu nariz. — Um presente na véspera de ano novo. Ela amava os dias de neve, e aquele amanhecer estava mais do que especial. O sol tingia as nuvens de um dourado pálido, cintilante como uma madrepérola, como se as nuvens fossem feitas das saias de uma fada. Suspirou se dando conta de que tinha muito a fazer, então devia se apressar. Era o primeiro ano novo sem a mãe e o padrasto, e, apesar da tristeza que vez ou outra insistia em ocupar seu coração, não deixaria a saudade ou falta se sobrepor à certeza de tudo o que tinha para agradecer. E eram muitas coisas pelas quais era grata:
Suas irmãs, tia Elizabeth, um teto sobre suas cabeças – e um teto bem fabuloso, já que estava falava de um castelo ducal centenário, daqueles descritos nos contos de fadas. Seguiu para Bellgarden Castle, a raposinha a seguia e abocanhava alguns flocos de neve pelo caminho. — Temos de assar os biscoitos, organizar a ceia e visitar os arrendatários. Mas antes vou escrever outra carta para aquele... duque. Uma que provavelmente será ignorada como todas as outras — contou para a raposa como se ela pudesse ajudar em algo. Assim que entrou em casa, aproveitando o silêncio que ainda reinava ali dentro, sentou na sua escrivaninha, alisou uma folha de papel, molhou a caneta no tinteiro e escreveu para o atual e ausente duque de Rutlake também conhecido como seu irmão postiço desalmado. Não! Se corrigiu mentalmente, o Natal acabara de passar e ela havia prometido não sentir mais raiva dele. Não desse jeito. Respirou fundo e começou: Milorde, Imagino que o senhor não tenha respondido às minhas outras cartas, nem mesmo ao comunicado oficial do lorde chanceler sobre a morte do seu pai, porque estava ocupado em Nova York escolhendo com quais de suas dez amantes o passaria a ceia de Natal e... Baixou a caneta sobre a escrivaninha e soltou um muxoxo. Era véspera do novo ano, ela não devia escrever dessa maneira tão... amargurada. Determinada, pegou mais um papel em branco e recomeçou: Estimado lorde R. Hoje é véspera de ano novo e gosto de acreditar que quando um ano começa temos uma nova chance de fazer as coisas de outro jeito; corrigir erros, apagar mágoas e agradecer por tudo de bom que a vida nos presenteou. Escrevo como sua irmã postiça, apesar de mal nos conhecermos. Essa é a décima segunda carta que lhe envio desde que seu pai, o duque anterior, faleceu, quase um ano atrás. Continuo
escrevendo, pois tenho esperança de que esteja tudo bem com o senhor e que possa em breve nos visitar, afinal é o novo duque. Junto a esta carta, anexo um retrato da sua meia irmã, aquela que você ainda não conhece. Ela é uma criança linda e muito amorosa. Espero que o senhor se lembre que ela é órfã e precisa do irmão mais velho ao seu lado. Precisa ainda mais de um tutor legal que realmente a ame, alguém que cuide dela. Apesar das inúmeras cartas ignoradas e dos dez anos de sua ausência, ainda acredito que o senhor pode ser esse alguém. E acredito sobretudo nas segundas chances que a vida nos dá para alcançarmos a felicidade. Feliz ano novo, milorde. Afetuosamente, Senhorita Casey
Espero que 2020 seja um ano de sol, de luz, de amor. De amigos, de leituras maravilhosas, de viagens, de paixões, de musica e dança. De tudo o que alegra vida e e o coração.