Cenas extras A promessa da rosa

Page 1

Espero que se deliciem com esse cobiçado folhetim. UmLadybeijo,B.

A seguir vocês vão encontrar algumas cenas que, no processo de edição, preferimos excluir, além de cenas inéditas escritas especialmente para este livreto. Por isso, aconselho que você conclua a leitura do romance antes de se jogar nestas páginas.

Miladys e Milordes,

CENA Steve1

— E eu amo, Steve, mas minha família me renegaria, meus amigos, nossos amigos deixariam de nos receber, você sabe. Steve assentiu. Sim ele sabia. Sabia que Vinicius tinha razão em se sentir intimidado, mas não concordava.

— Vinicius dissera um mês atrás —, é o que minha família espera que eu faça.Nãoqueria, mas seus olhos se encheram de lágrimas.

Passou por um casal de jovens — uma dama e um cavalheiro aos beijos — e suspirou dando outro gole no conhaque. Talvez nunca conhecesse alguém disposto a enfrentar o mundo em nome do amor.

Mas como um homem podia ficar feliz com o coração partido?

devia estar exultante, e não bêbado e sozinho pelas vielas cheias de pessoas mascaradas. Em pleno Carnaval de Veneza, ele devia estar festejando o lucro que obtivera em sua última transação comercial. Ele se propusera a levar cargas valiosas da Espanha até Veneza e fizera a viagem várias vezes nos últimos dois anos. Juntara uma quantia considerável, muito mais do que sonhara conseguir quando deixou a casa onde crescera na Inglaterra.

Steve se lembrou do momento em que descobriu o amor, aos treze anos. Ele e sua melhor amiga, Kathelyn, se banhavam no rio da propriedade da família dela todas as tardes de verão. Em uma delas, ele flagrara Anthony, o filho do cavalariço, espiando atrás dasMaisárvores.tarde, quando fora o questionar, o garoto de sua idade respondera:

Talvez fosse isso que o destino lhe reservasse — olhou para a garrafa de conhaque na mão — beber sozinho em festas, bailes, saraus.

Seu namorado, seu amante, seu melhor amigo e companheiro durante os últimos dois anos acabara de se casar com uma jovem rica e educada, além demuito bonita e de boa família.—Lamento

— Você me disse que seria para sempre, nós dois, você disse que me amava.

Até quando, meu Deus, o amor seria condenado? Até quando ele continuaria se escondendo? Até quando Steve teria que amar em segredo?

punhos algumas vezes e retirou a pistola que levava no coldre.

O bandido encurralara alguém, provavelmente um folião bêbado, e o depenaria sem sofrerAbriuconsequência.efechouos

Steve apressou os passos e, antes que alcançasse o bandido, o homem que estava sendo assaltado — provavelmente movido pela inconsequência do álcool — abaixou parte das calças e se virou ao dizer:

Eu prometo nunca mais olhar, acontece que lady Kathelyn é a menina mais linda do mundo e eu sonho com ela todos os dias, se não é certo que eu a espie, não é certo você tomar banho de rio com ela, ou por acaso é imune aos encantos da senhorita?

— Um dândi como você, só com isso — escarniou o ladrão e desferiu um murro na cara do sujeito que arfou ao responder: — Eu juro, já te dei tudo, se quiser eu tiro as calças para que comprove.

— Você vai morrer, bastardo — o bandido disse e encostou a faca na nuca do homem ao mesmo tempo em que Steve encostava a pistola na cabeça dele.

O assaltante arquejou e sem hesitar deixou a lâmina cair.

em uma viela mais escura e estreita e depois em outra. Não estava no humor para seguir a multidão em festa. Queria na verda...

— Está vendo? Assaltou o homem errado, eu gastei todo o meu dinheiro com bebidas, mas pelo menos você ganhou uma visão do meu belo traseiro.

— Solte a faca, devolva o que você roubou e peça desculpas. Ou a última coisa que você verá será esse belo traseiro — Steve afirmou, engatilhando a pistola.

O saco com as escassas moedas foi atirado para longe.

Steve nunca reparara em Kathelyn dessa maneira. Nunca. Ao contrário. Quando sonhava com alguém, quando seu corpo começou a se interessar por alguém, era em Anthony que Steve — mesmo sem querer — pensava. E o amigo estava apaixonado por Kathelyn.Entrou

— Passe todo o dinheiro — Ele ouviu uma voz grave ecoando mais a frente e se deparou com dois vultos.

Eu já te dei tudo — a voz masculina da vítima respondeu ao assaltante.

— O que você roubou, também — repetiu em tom baixo e ameaçador.

Pelo menos teria alguma diversão naquela noite, um pouco de adrenalina cairia bem. Talvez até aliviasse o excesso de álcool que ele já havia ingerido. Se aproximou devagar e sorrateiro. Ganhara experiência em lidar com bandidos durante os anos na estrada.—

— Per-perdão.

— Agora peça perdão.

— O senhor estava armado?

Quando se voltou para a vítima, a luz escassa da viela iluminou o homem, agora com as calças no lugar, os olhos azuis prateados pela lua, os lábios cheios e levemente rosados e um sorriso eletrizante que fez seu pulso acelerar.

— Obrigado — o homem disse e fez uma vênia —, eu sou Philipe Van Persen.

— Realmente, sua atitude pareceu um tanto incomum. Ele gargalhou e uma onda gelada apertou o estômago de Steve.

— Quero te agradecer de verdade — disse Philipe. — Deixe ao menos que pague umaStevebebida.mirou o saco de moedas quase vazio no chão, quando Philipe se abaixou para pegá-lo.—Talvez seja mais fácil eu te pagar uma bebida.

— Acha que tirei as calças somente para mostrar meu traseiro ao assaltante?

— Tenho bastante dinheiro na minha carruagem. — Olhou para Steve de um jeito intenso. Apesar da luz vaga, ele sentiu mergulhar naqueles olhos azuis.

— Não precisarei mais disso — e se curvou um pouco para embainhar uma faca.

— A faca ficou presa na porcaria da aldrava, eu precisei abrir as calças para remover, em seguida ia tentar desarmar o valentão que me assaltou, mas... — Philipe suspirou de um jeito divertido — achei sua atitude tão cavalheiresca que não quis interrompê-lo.Efezmais uma vênia agradecendo:

— Coloque as mãos na cabeça e saia daqui sem olhar para trás.

O homem obedeceu de imediato e sem oferecer resistência, provavelmente era um ladrão oportunista que só se aproveitava de pessoas em situação vulnerável.

Apesar de os lábios se curvarem num sorriso involuntário, Steve franziu o cenho.

Philipe encolheu os ombros.

— E eu sou Steve Ferrel.

O sorriso se alargou revelando duas covinhas.

— —SteveObrigado.riualto.Asuainteira disposição.

— Sim, eu adoro, mas também gosto de viver — disse assistindo Philipe ganhar distância em relação ao chão.

O céu se tingiu de dourado e rosa e espalhou lastros de cor celestial pelos telhados e canais de Veneza, Philipe deitou a cabeça em seu ombro.

— Chega de resgate por hoje, uma bebida com certeza é uma boa ideia. E começaram a andar.

Como se fossem amigos íntimos, o assunto fluiu por temas variados. Agora caminhavam entre os foliões mais resistentes.

Como se o conhecesse há anos. Como se fossem velhos amigos.

— É seguro, eu sempre faço isso quando estou na cidade.

— É lindo, não é? — murmurou Philipe.

A bebida virou um jantar num restaurante conceituado de Veneza e se estendeu por horas de conversa regada a risadas e confidências.

E Steve o seguiu. Uma vez no telhado, ele se surpreendeu com a quantidade de pessoas espalhadas por lá: homens, mulheres, casais rindo e bebendo e conversando à espera do sol.

— É o telhado mais concorrido de Veneza, chéri — Philipe disse se sentando e Steve o—seguiu.Estou vendo — afirmou disfarçando a decepção.

— Conheço o melhor lugar para assistirmos ao nascer do sol — Philipe disse e segurou sua mão por alguns segundos antes de soltá-la.

Eu preciso ser resgatado. Escapou em sua mente.

O pulso acelerou junto com a respiração.

Achou que ficariam sozinhos e que Philipe se sentia como ele. Talvez estivesse enganado. Talvez, tivesse interpretado mal os sinais. Os olhares mais demorados, os toques estendidos durante o jantar, os olhos azuis de Philipe cheios de lágrimas ao confessar que provavelmente morreria sozinho porque o amor, como ele sentia, dificilmente seria correspondido.

O coração de Steve acelerou. Aquele gesto, apesar de inocente, era a confirmação de que a atração que sentia era correspondida, não era?

— Você não gosta de aventuras? — perguntou Philipe em cima do parapeito da janela e agarrado na trepadeira lateral a fim de subir no telhado de um prédio.

— Ou talvez o senhor prefira — prosseguiu Philipe — sair em busca de outras pessoas que precisem ser resgatadas.

— Sim. E, então, Philipe virou o rosto o encarando, até a ponta do nariz de ambos se tocar. Até Steve perder o ar, até precisar encostar os lábios nos dele, alheio ao mundo ao seu redor.—

Desculpe — disse arrependido do beijo rápido e impulsivo que dera. Afinal, estavam na frente de outras pessoas. Não podiam. Mesmo que agora tivesse certeza de que Philipe também queria o beijo. Precisavam estar sozinhos para fazer isso. Mas Philipe negou com a cabeça e agarrou sua camisa puxando-o para junto de si, antes de dizer: — Apenas me beije. E Steve o beijou e foi beijado na frente do mundo, do sol e do céu pela primeira vez em sua vida.

O amigo era conhecido por amar e admirar as rosas. E o jardim no qual passeavam era descrito por todos como o éden das flores. Especialmente as rosas despencavam de todas as espécies, como cerejas em cachos cheios de pétalas. Era um espaço roubado do tempo, onde tudo ficava colorido. E Kathelyn? Mesmo entre tantas flores, estava iluminada. Era ela na verdade, quem enchia o ar de cores, ditava a beleza e consumia todas as rosas ao redor.

— São as minhas prediletas, as vermelhas, é claro.

— Esse lugar é mágico — ela disse entre as roseiras.

A voz de Kathelyn prosseguiu na sua cabeça:

— Olhe — ela apontou para uma —, venha cá. — Então, desafiando o decoro, ela pegou a sua mão e removeu a luva. Devagar, dedo a dedo. Uma peça apenas. Sem ter ideia do quanto aquilo era sedutor. Sentiu-se descontrolado e incomodado. Como era possível ficar excitado por ter uma luva removida em meio a um jardim? Em meio a um chá? Em meio a tias-avós e, Santo Cristo, era somente uma luva.

CENA Kathelyn2

— Vê? São iguais, acho isso fascinante.

Jesus. Ele estava tremendo? Guiou a sua mão até a rosa outra vez.

— Pode ser — ele disse. — Nunca as analisei dessa maneira. As rosas, para Arthur, cumpriam um papel: alegravam as mulheres, as suas amantes, ex-amantes. Só isso. Nunca havia parado para olhá-las com atenção ou mesmo dissertar sobre elas. Nunca nem mesmo havia apreciado o perfume delas com calma. Sim, claro que conhecia o cheiro. Era cheiro de rosa. Agora, era cheiro de Kathelyn.

— Eu amo as rosas, não acha que elas são perfeitas?

— Feche os olhos — ela disse, então ele sentiu a mão pequena guiar a sua até a rosa.

E continuou levando-o a acariciar as pétalas com os dedos. Como se fosse um ato de devoção.—Écomo a pele humana, percebe? Em seguida, o fez tocar a parte interna do pulso dela com pequenos círculos.

Não, Kathelyn, você é mágica, ele quis responder de dentro da carruagem, na sua lembrança. Havia pouco mais de um mês esse passeio no jardim do conde de Portland.

e Arthur passeavam no jardim da mansão do conde de Portland, ele oferecia um sarau.

— E por que as rosas?

— Passa a achar vulgar o que desejou?

— Eu penso que somos todos tolos.

Ela continuou, sem se dar conta do que fazia com ele.

— É mesmo, senhorita? — Por fim, ele conseguia voltar a respirar um pouco melhor.

— Quando possui algo, deixa de admirá-lo?

Olhe para essa rosa — e ela apontou para a flor mais próxima. — Mas olhe de verdade, com o coração aberto.

— É como uma dança... — A dança dos lábios dela ao falar.

— O entusiasmo da conquista, depois o aborrecimento da mesmice.

— Então, por isso admira as rosas?

— As pessoas acham que a rosa é comum demais. Preferem a raridade das orquídeas ou a fragilidade das camélias. O que me intriga nisso é que ela é perfeita, e, por ser perfeita, todos a querem. Então, quando a possuem, ela passa a ser vulgar. Comum. Não é engraçado?

— E por quê?

Ele, em um silêncio contemplativo, pela primeira vez na vida, viu de verdade uma rosa.—

— A maioria.

Sua boca estava seca. O ouvido zumbia. E ele se controlava para não respirar como se tivesse corrido três léguas. Uma luva. Um toque no pulso. Em uma porção minúscula do pulso dela, e não nos tornozelos ou no pescoço. O efeito foi desconcertante e abrasador.

Kathe continuou. Ele deu graças a Deus por ela sempre ter o que falar e assim distraí-lo. Podia tentar esquecer a incômoda pressão nas calças. Por sorte, ela estava parada a seu lado, olhando fixamente para o jardim.

— O quê? — Ele mal ouviu. Só conseguia olhar para os lábios dela, comparando sua cor à das rosas, e sua textura à das pétalas. Só conseguia desejar sua boca.

— Assim é o ser humano — ele disse.

— Deixamos de ver a beleza e singularidade das coisas pelo fato de já as termos alcançado. Que tolice.

Enxerga? Todas as curvas que ela desenha para se abrir? — Kathelyn se abrindo para ele... Foi impossível não comparar.

— Não, nada com essa filosofia talvez exagerada, apenas acho que são perfeitas.

— Parece que todas estão aguardando o tempo certo de uma música para se mostrar ao mundo.

— O vermelho da coragem, da motivação, da força — Kathe abaixou a voz —, da paixão e do amor. Foi o fim da linha para ele. Agarrou-a com um desespero louco e beijou-a como um imprudente, alheio a qualquer audiência que sabia existir. Beijou-a até estarem os dois sem fôlego. Até ele querer deitá-la no meio das roseiras. Não. Haveria os espinhos. Entretanto, beijou-a até ela estar ainda mais rosada que o jardim. Até ele ficar tenso de necessidade.

— E, então, acontece — ela prosseguia hipnotizada —, no intervalo entre as escalas, na pausa da respiração, quando menos se espera. É quase imperceptível. Elas se soltam sem medo e exibem a essência guardada —suspirou. — Nunca serão vulgares.

— Das vermelhas?

— Feche o coração e privará o mundo da beleza de sua essência.

— Atraem? — É claro. — Claro?

— O vermelho do sangue, que é vida. O vermelho do coração, que é para mim como uma rosa.

Ele já não olhava para rosa alguma e não respirava bem outra vez.

Até ela pedir, sem ar, e de olhos arregalados, que ele parasse. Arthur viu, a poucos metros, duas matronas da sociedade se abanando, ultrajadas, com seus leques. Como se pudessem desmaiar. Ele encarou-as com o olhar que só um duque podia e sabia manter. Sustentou o desafio, até que as senhoras,

— Ah — pigarreou —, é uma poetisa, a senhorita?

— Você é a rosa mais linda. Ela corou, deixando as rosas enciumadas.

— De todas, mas as vermelhas me atraem mais.

— Não, apenas gosto das rosas.

— É mesmo? — Ele tentava em vão tirar as imagens de Kathelyn nua, deitada em uma cama coberta de pétalas, e fazia grande esforço para se manter atento ao que ela falava.

Mostre-se para mim, Kathelyn — pensou.

escandalizadas, não puderam fazer mais nada além de deixar, quase assustadas, o jardim.Os

dois riram, abraçados, e voltaram a se ocupar das pétalas nos lábios.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.