Revista Balaclava #5

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gratuita

distribuição

#5

2 019

R E V I S TA

TÁSSIA REIS


AUDIO

SÃO PAULO

13 DE OUTUBRO

ELZA SOARES KELELA LANÇAMENTO ÁLBUM

PLANETA FOME

BOOGARINS

RYLEY WALKER

ÀIYÉ

SHAME PAPA M

DAVID PAJO

19

20

BATTLES

CERVEJA OFICIAL

APOIO

PLAYER OFICIAL

WHISKEY OFICIAL

REALIZAÇÃO


aB st

a tornar a e d @R ju a s ev o i N

ala clava possív e l !

08

Glad you're here with me

10

City girl

12

Agarrados ao caos

16

Paciência e intenção

24

Vagarosa ou de surpresa

32

Rituais de cura

38

Ponto cardeal

42

Broke & fabulous

48

Harmonização perfeita

CAMILA DE ALEXANDRE

50

A violência e o silêncio

ARTEMISIA GENTILESCHI

52

Wunderkind

58

Outside with the cuties

60

Espírito inquieto

DAVID PAJO

HANA VU SHAME TÁSSIA REIS

PAPISA TUYO APELES GAB FERREIRA

VIVIAN KUCZYNSKI GUMES VAGABON


FotoIsabelaYu

As melhores discussões sobre cultura pop e os últimos lançamentos do mundo da música no @PodcastVFSM.

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BALACLAVA CASTING '19

Mild High Club Minks Moons Nuven Ombu PARATI Plucking Wings Quarto Negro Raça Radiation City RØKR Séculos Apaixonados Sensible Soccers Shed Single Parents Splashh Supercordas Terno Rei The Shivas The Soundscapes TOPS Trails And Ways Tyburn Saints Un Planeta Ventre Vivian Kuczynski Walfredo em Busca da Simbiose Wedding Widowspeak Winter Yuck

ABC Love ÀIYÉ Ale Sater Alex Bleeker and the Freaks Apeles Aquaserge Bilhão Bonifrate Cabana Café Câmera Champu Clearance Crusader de Deus Do Amor E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante Gab Ferreira gorduratrans HALA Hierofante Púrpura Holger HOMESHAKE Jadsa Juan Wauters Kill Moves Luziluzia Mac McCaughan Mahmed Mannequin Trees Marrakesh BALACLAVA RECORDS É UM SELO, Me & The Plant PRODUTORA E REVISTA Medialunas DE SÃO PAULO MENEIO


A Place To Bury Strangers, Allah-Las, And You Will Know Us By The Trail Of Dead, Aquaserge, AVAN LAVA, Barbagallo, Battles, Beach Fossils, Built to Spill, Buffalo Moon, Chad Valley, Clearance, Cloud Nothings, Connan Mockasin, Daughters, Deerhunter, DIIV, Future Islands, HALA, Homeshake, How To Dress Well, Jerry Paper, Jonathan Toubin, Juan Wauters, Kelela, Land of Talk, Mac DeMarco, Mac McCaughan, Mashrou' Leila, Mercury Rev, Mild High Club, Noga Erez, Nosaj Thing, of Montreal, Papa M, Pinback, Primal Scream, Real Estate, RIDE, Ryley Walker, Sebadoh, Shabazz Palaces, Shame, Slowdive, Sun Kil Moon, Swervedriver, Thee Oh Sees, The Shivas, Tamaryn, toe, TOPS, tortuganónima, Tycho, Un Planeta, Vagabon, Warpaint, Washed Out, WAVVES, Widowspeak, Wild Nothing,Whitney, Yonatan Gat, Yuck ☺ vieram ao país através do selo


carta das editoras

Dois anos da nossa primeira edição: cinco revistas, 67 colaboradores, 64 artistas entrevistados e incontáveis aprendizados. Nenhuma de nós achava que a revista poderia dialogar com tanta gente, mas, surpreendentemente, aqui estamos. Nesse ano de puro caos, decidimos encontrar mais algumas formas de manter esse diálogo aberto… Viajamos até a FLIP para participar da programação de revistas independentes, lançamos o perfil no Instagram @revistabalaclava, gravamos nosso primeiro podcast e decidimos produzir mais eventos – dentro e fora de São Paulo. Começamos organizando algumas festinhas em casas amigas e, a partir disso, eis uma nova ótima ideia. Todo encontro se torna uma possibilidade de conhecer mais pessoas, escutar músicas novas e trocar ideias – e ainda nos ajuda a viabilizar a impressão. Resolvemos pensar em formatos variados de rolês para ver se a gente encontrava, e expandia, a nossa turma. Além de, claro, ver os nossos amigos que sempre nos oferecem apoio incondicional e acabam comprando essa ideia com a gente. We love you, sweeties. Mais um semestre e, mais uma vez, refletindo em como fazer com que esse projeto se torne cada vez mais acessível e inclusivo. Entre os bate-papos variados impressos nesta edição, desejamos que a sinceridade dos entrevistados também inspirem vocês de alguma forma. Tivemos o privilégio de trabalhar com colaboradores maravilhosos para as fotos, os textos e todos os detalhes que existem ao produzir uma publicação. Chamamos mais algumas mentes brilhantes para ajudar no processo e modificamos um pouco a maneira com que essa revista foi impressa – tudo comandado e lindamente diagramado pela dupla equilibrada Ana David e Thata Jacoponi. Contamos com o talento absurdo do Pedro João com as palavras, nosso amigo pessoal, editor e revisor desta edição. Fazer as coisas junto é tudo, né? Sempre nos surpreendemos com a importância da colaboração e como é importante disponibilizar espaços para cada um brilhar do seu jeitinho. Olha só, parece coisa pouca ou clichê ou sei lá o quê. Mas, credo, nesse ano de 2019 me parece que é essa a dose certa de otimismo. De onde quer que você seja, obrigada pela atenção e, quem sabe, nesse próximo semestre, nos vemos por aí!

Helo Cleaver e Isabela Yu ☺



Direção de Arte e Fotografia Edi Alves e Igor Francisco.

criação de singles inéditos. Entre os contemplados, algumas das grandes apostas nacionais: Tássia Reis, Febem, Janine Mathias, Lucas Silveira, Tuyo, Davi Sabbag, Thalles Cabral, Jup do Bairro, Terno Rei e 1LUM3. “O B-Side Studio é o lugar ideal para os artistas mostrarem seu potencial. O conceito do projeto é dar suporte para novos talentos e cocriar com artistas inovadores, quebrando barreiras e oferecendo uma estrutura profissional dentro da música independente brasileira”, afirmou Ludmila Kaminskas, gerente nacional de cultura e relacionamento de Budweiser.

Conheçam a mais nova invenção da Budweiser: o B-Side Studio, um espaço livre para que as grandes apostas da música nacional possam brincar, experimentar, rever e gravar novos sons Presente no circuito alternativo – olá, mais uma edição do Balaclava Fest – e nos grandes momentos da história da música, a Budweiser acaba de lançar mais uma empreitada de impacto: a primeira temporada de conteúdos do B-Side Studio. Localizado em São Paulo, o espaço nasceu com a missão de proporcionar momentos de experimentação para artistas independentes em forma de apresentações solos, sessões ao vivo, parcerias inéditas, talks, podcasts e

Ao mesmo tempo em que a marca tem uma relação de longa data com os artistas, ela também mantém acesa a chama do interesse do público sobre o que é produzir arte no Brasil hoje em dia. O estúdio, além de servir para gravações, também foi um lugar de experimentação. Em formato pop-up, ele permaneceu aberto durante três meses, preparando material inédito desses criativos em ascensão no cenário independente. Como parte da série Bowtie, na qual cada artista faz uma versão de uma música própria já existente, a brasiliense radicada em Curitiba, Janine Mathias gravou uma nova versão para a faixa Bom Dia, composição em parceria com Eduardo Brechó (Aláfia). A canção faz parte de seu disco de estreia, Dendê (2018), que surgiu de um momento de superação em sua vida pessoal, quando conseguiu locar a primeira kitnet em Curitiba. Na nova versão, apenas modificações na letra e na ordem do refrão. A cantora e compositora escreve desde criança, quando foi influenciada pelo mix de música brasileira, rap, samba, jazz, entre outras referências. Para a participação no B-Side, Janine estava determinada a dar novas nuances para a versão original: “Nesse processo, os desafios de gravar praticamente sumiram, de tão a vontade que fiquei. Me preocupei em dar uma nova interpretação. Gravar é sempre um desafio, porque você está ali ouvindo sua voz de forma direta, colocando sentimentos pra fora… Encaro como um momento de reconhecimento de erros e acertos vocais. É hora de aprender e colocar pro mundo todos os seus desejos, uma imensa responsabilidade”.

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g la d you 're he re with m e

d a v i d pa j o

GLAD YOU'RE HERE WITH ME Texto Fernado Dotta Foto Rebecca Ruiz

David Pajo do Papa M conta como se preparou para abrir-se na série de shows que vem fazendo: os mais intimistas da sua carreira Fãs de rock alternativo produzido nas últimas duas décadas devem muito a David Pajo, gênio por trás do Papa M. O músico norte-americano foi um dos membros fundadores do SLINT, uma das bandas mais importantes da música alternativa – imprescindível para expansão do pós-hardcore e pós-rock. Durante os anos 1990, Pajo fez parte de grupos seminais como Stereolab, Royal Trux, Tortoise e Bonnie 'Prince' Billy. Nos anos 2000 em diante, se juntou a Billy Corgan no Zwan e realizou turnês como integrante do Interpol e Yeah Yeah Yeahs. Papa M é o mais recente projeto do multiinstrumentista, que vem ao Brasil pela primeira vez na décima edição do Balaclava Fest com o repertório de canções de seus trabalhos lançados. SLINT É CONSIDERADO UM GRUPO FUNDAMENTAL E INFLUENTE POR MUITOS GÊNEROS MUSICAIS

O QUE VOCÊ COSTUMAVA ESCUTAR QUANDO ERA CRIANÇA? O QUE GRUDOU EM VOCÊ MUSICALMENTE QUE TE FEZ COMEÇAR A BANDA COM AQUELE SOM ESQUISITO DO SLINT?

Blind Willie Johnson, Dinosaur Jr, AC/DC, The Smiths, Big Black, Mercyful Fate, Mekons, Jimmie Rodgers… A ideia de usar sons limpos de guitarra e menos daquele "rocking-out-24/7" começou a surgir. O desejo de fazer algo diferente, talvez uma frustração com o clima musical da época. TOUCH & GO FAZ PARTE DO GRUPO DE SELOS QUE CONSEGUIRAM DESENVOLVER SEU PRÓPRIO ESTILO DE SOM. COMO ERA A SUA RELAÇÃO COM ELES?

Era o nosso selo dos sonhos, sem dúvidas. Eles rejeitaram o nosso primeiro álbum, mas, ao mesmo tempo, nossa amizade com o Corey Rusk evoluiu. Ele arriscou ao apostar no SLINT.

EM DIFERENTES GERAÇÕES. COMO ERA FAZER PARTE DA BANDA NAQUELA ÉPOCA?

HOJE EM DIA, COMO É SUA RELAÇÃO COM A DRAG

A banda começou em 1986, depois do término de Maurice. Na época, a cena punk em Louisville era esotérica, não era estranho tocar em várias bandas ao mesmo tempo. Tocava bateria em um outro grupo ao mesmo tempo do SLINT, por divertimento. Sempre considerei o SLINT minha banda principal e prioridade. No entanto, meu senso de prioridade era declaradamente imaturo.

CITY RECORDS E COMO VOCÊ VÊ A IMPORTÂNCIA DE UM SELO PARA UMA BANDA?

Tenho sorte de fazer parte da família Touch & Go e Drag City. A maneira como eles enxergam o mundo me formou como pessoa e me ajuda a navegar o mundo da música. As bandas precisam ser muito cautelosas a respeito das pessoas que escolhem para lançarem suas músicas.


VOCÊ TOCOU COM MUITOS MÚSICOS FAMOSOS E GRANDES BANDAS EM SUA CARREIRA. VOCÊ TEM

Muitas vezes, o caminho difícil chega em resultados melhores.

UMA LISTA DE FAVORITOS? ARREPENDIMENTOS?

Não tenho uma lista propriamente dita. Cada banda me permitiu aprender mais de um jeito ou de outro. Mesmo as que foram mais desagradáveis. Tenho o sonho de tocar guitarra com a Billie Eilish. Ela é uma artista que eu e minha filha gostamos de escutar.

VOCÊ SEGUE E ESCUTA NOVAS BANDAS?

Estou sempre em busca de novos sons ou músicas que novas para mim. Meus favoritos de hoje em dia são bandas como Purple Mountains, The Walker Roaders, Billie Eilish. Também entram Mogwai, Sunnn O))), Karen O, etc.

DEPOIS DE TOCAR EM ESTÁDIOS, NOITES LOTADAS, FESTIVAIS IMENSOS… COMO FOI DESENVOLVER

AINDA TEM CONTATO COM BRITT WALFORD E

UM SOLO INTIMISTA, EXPERIMENTAR ESSA NOVA

BRIAN MCMAHAN? HÁ POSSIBILIDADE DE OUTRO

ABORDAGEM DEPOIS DE TUDO ISSO?

REENCONTRO DO SLINT?

Vivi tudo isso, mas ainda fico extremamente nervoso antes de tocar. Mesmo se for para uma plateia de duas pessoas. Especialmente, os shows solo, intimistas. Sou melhor em fingir confiança. Prefiro tocar com outras pessoas, mas, inegavelmente, há uma pureza e uma franqueza diferentes em shows solo.

Falo com eles por mensagem de texto. Eles vivem em Louisville e estou a milhares de quilômetros de distância. Não há planos para um reencontro, mas eu disse isso algumas vezes e estava errado. NOVIDADES DO SEU PROJETO SOLO OU COM OUTROS MÚSICOS?

É MAIS FÁCIL SER MÚSICO HOJE EM DIA OU NOS ANOS 1990?

Financeiramente, era mais fácil sobreviver quando as pessoas compravam discos. Claro, hoje em dia, existem maneiras de viver muito mais fáceis. Uma coisa que precisa ser notada: fácil não quer dizer melhor.

Estamos gravando novo material e, eventualmente, vamos fazer turnê com uma banda completa. Entrando na banda da Billie Eilish como guitarrista. ☺

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city g irl

hana vu

Filha da cultura pop norte-americana dos anos 2000, Hana Vu anda na contramão de suas influências e aposta em uma músicacapaz de capturar os nossos mais vergonhosos lapsos de humanidade Texto Isabela Yu

Foi com o single Crying on the Subway que Hana Vu me conquistou. O baixo, a voz e até o nome da música me chamaram atenção. A faixa faz parte do EP de estreia da cantora e compositora de Los Angeles, How Many Times Have You Driven By (2018), lançado quando ela ainda estava se formando no colegial. "O trabalho saiu logo no começo da minha 'vidaadulta-independente' que, por sua vez, tem sido muito interessante e estressante. Fiz tours e escrevi novas músicas, dei risada, chorei, dormi e acordei para fazer tudo de novo. Meu pai fala que 'os dias são longos e os anos são curtos'. Nesse momento, sinto que os dias e os anos são longos", desabafa. Bom, seja honesto com você mesmo e reflita sobre quantas vezes você chorou em público. É um momento constrangedor, não tem como fugir.

No metrô, no trabalho, na rua… Quem nunca? É no reconhecimento desses lapsos incontornáveis de humanidade que está uma das sacadas mais espertas da minha entrevistada. A música em questão, por exemplo, é pop, mas nem por isso deixa de carregar certa melancolia. Começa assim, sem medo de ser sincera: “In my dreams, I’m in that grey room / In my chest I’m feeling dark and blue”, canta com seu vocal surpreendente. Assim como Crying on the Subway, todas as músicas de Hana são composições e produções próprias. A artista mantém o hobby desde os 13 anos, quando escreveu sua primeira letra. Depois, aprendeu a usar os softwares de gravação com a ajuda de vídeos no Youtube e, assim, continua expandindo seus conhecimentos técnicos, até hoje, praticamente sozinha. Um hábito que ela também trouxe da infância, para além da


Divulgação

determinação, é o seu amor pela Rádio Disney. Musicalmente, a artista é cria da cultura norte-americana dos anos 2000. O primeiro show que viu na vida, por exemplo, foi na final do American Idol de 2011: nada mais, nada menos do que TLC. Em contraposição, também ouvia as bandas que os pais eram fãs na época como Erasure, Depeche Mode, New Order... No colégio, no entanto, o cenário mudou um pouco. Foi lá que ela conheceu grupos como Camera Obscura, Tennis, Hospitality, Alvvays, entre outros participantes do indie. Atualmente, garante que escuta o Top 40 dos anos 20082016 como Rihanna, Lana Del Rey e Sia. Para se ter uma noção, em sua live do Audiotree, a vocalista aparece ao lado de seu guitarrista e ambos foram parabenizados pelo seu visual: ela usa uma camiseta da Taylor Swift e ele uma do Charlie Brown (o desenho, não a banda...).

Seu próximo lançamento acontecerá no final de outubro deste ano. Trata-se de um EP intitulado Nicole Kidman/Anne Hathaway cujos singles Actress e Party já mostram o novo (e mais animadinho) caminho pelo qual Hana pretende seguir. O processo para chegar às canções, curiosamente, é mais laborioso do que alegre. “Às vezes, no meio da noite, eu penso em frases, rimas… Escrevo rapidinho e logo volto a dormir. Acordo para os tristes e incoerentes pensamentos noturnos que deixei a mim mesma”, reflete a compositora que se equilibra entre o piano e a guitarra para conceber suas músicas. Apesar de já ter assinado uma faixa com feat. de Willow Smith, Hana não vê mais colaborações acontecendo em um futuro próximo. “Não costumo fazer isso. Gosto de ter controle total do que estou criando. Não funciono bem com essa pressão de ter que dar certo com alguém para tirar algo do papel. De vez em quando, contribuições de terceiros costumam se alinhar com o que eu quero e é dentro dessas condições que faria sentido para mim embarcar em um projeto desses”, revela a integrante do selo Luminelle Records, o mesmo de Helena Deland. Com ela, Hana já viajou fazendo shows com a companhia de Kilo Kish e Wet. Ainda neste ano, abriu as performances da celebrada guitarrista e produtora Nilüfer Yanya. Para o ano que vem, a possibilidade de ir para uma faculdade não está nem sendo cogitada: “Estou sempre escrevendo e com vontade de lançar coisas. Quero tocar melhor. Talvez mais apresentações, uma tour… ” ☺

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AGARR ADOS AO CONFLITO

O quinteto inglês Shame faz parte da nova geração de bandas jovens e conscientes Texto Fernado Dotta e Isabela Yu Foto Holly Whitaker



a g a rra d os ao conflito

shame

D

esde os tempos de colégio no sul de Londres, quando seus integrantes tinham apenas 16 anos de idade, o quinteto inglês Shame já roubava a cena com suas performances absurdas e enérgicas que se tornaram a assinatura do grupo. "A banda surgiu durante um longo verão na cidade, estávamos incrivelmente entediados e nos pareceu uma atividade construtiva", relembram. Liderados pelo intenso e carismático vocalista Charlie Steen, ao lado de Sean Coyle Smith (guitarra), Eddie Green (guitarra), Charlie Forbes (bateria) e John Finerty (baixo), eles são considerados um dos principais representantes da volta da sonoridade punk do Reino Unido, ao lado de bandas como IDLES e Fontaines D.C. A recém conquistada popularidade não parece ser uma coincidência, levando em consideração o clima mundial.

"Como as bandas mencionadas anteriormente, parece que existe mais demanda e apreciação para esse tipo de música no Reino Unido e Irlanda. Então, é refrescante ver pessoas de todos os lados se unindo por isso. Historicamente existem coisas que nascem da raiva e frustração pelo jeito como as coisas são. Existem muitos motivos para se ter raiva hoje em dia e a música atual reflete isso." Vale lembrar, os membros da banda têm hoje 20 anos e, mesmo em seu período inicial, já fizeram shows superlativos como no Glastonbury e turnês de apoio ao lado de Warpaint e The Fat White Family. Entre os músicos, contudo, o consenso é de que a apresentação como headliner e sold-out no 02 Kentish Town Forum, construído em 1934, foi a mais simbólica até então – "realmente importante tocar em um espaço daquele tamanho e com aquela história". O álbum de estreia Songs of Praise (2018) já é considerado um clássico moderno pela crítica musical, em que faixas como "One Rizla", "Concrete" e “Tasteless" crescem de forma catártica ao vivo. O processo

de composição do registro se resumiu a isolarem-se, escutar a ideias de cada um até as músicas soarem prontas. Não se sentiram pressionados a reproduzir a experiência do ao vivo para a gravação: "quisemos capturar energia no estúdio mas há uma distinção entre os dois, são entidades separadas e as pessoas esperam coisas diferentes deles". Só quem viver a décima edição do Balaclava Fest vai poder atestar sobre esses caras ao vivo. Para celebrar a estreia no país, pedimos para responderem algumas perguntas:


DE QUEM ERA O SHOW MAIS INESQUECÍVEL QUE VOCÊS PRESENCIARAM E POR QUE FOI TÃO BOM?

Começamos a ir em shows juntos, antes de começar a banda. Um dia comovente para nós foi no Queens Head, em Brixton, com The Fat White Family, Childhood, King Krule e Jerkcurb. Foi muito massa para nós ver tantas bandas boas no mesmo lugar e foi esse dia que nos inspirou a começarmos a fazer parte daquilo tudo. A COISA MAIS ESTRANHA QUE JÁ ACONTECEU DURANTE UMA TURNÊ?

Recebemos uma multa de 1500 euros em um período de 24 horas pela polícia espanhola por três incidentes diferentes. Foi um daqueles dias que tudo deu errado e o mundo estava pronto para nos pegar. Nosso tour manager acidentalmente acertou uma bike policial com a van e quase foi preso. Foi intenso. QUAL É A MÚSICA MAIS PUNK JÁ ESCRITA?

se baseia mais em apostar em artistas do que fazer dinheiro. Cada cena musical tem algumas ótimas labels, algumas que nós conhecemos são a Slow Dance e a Ra Ra Rok, que são de Londres mas estão ficando conhecidas ao redor do mundo. NÓS TAMBÉM AMAMOS BLACK MIDI! COMO VOCÊS SE CONHECERAM?

Fazemos parte da mesma cena de Londres e fizeram os primeiros shows no Windmill, como nós. É incrível vê-los crescer, nós também dividimos managers. O QUE VOCÊS ESTÃO ESCUTANDO ATUALMENTE? PODERIAM RECOMENDAR UMA BANDA BRITÂNICA QUE NÓS DEVEMOS CONHECER?

Muito Black Country New Road, Squid e Working Men's Club. Há uma nova banda chamada PVA que com certeza vocês vão escutar muito em breve.

Vengaboys – “We Like To Party”. QUAIS SÃO OS PLANOS PARA O FUTURO? BALACLAVA COMEÇOU COM UM SELO E VÊ A ROUGH

ALGUM CONSELHO PARA SOBREVIVER AO

TRADE COMO UMA GRANDE INSPIRAÇÃO. COMO

CENÁRIO POLÍTICO?

VOCÊS COMEÇARAM A TRABALHAR JUNTOS?

Quando o apocalipse político chegar no Reino Unido nos próximos meses, vamos nos mudar para o Uzbequistão e viver com as pessoas da montanha. ☺

Bom, nosso manager Paul Jones trabalha para a Rough Trade então é por isso que estamos com eles. A cena independente e DIY de selos

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PACIÊNCIA e

intenção

Tássia Reis revê os caminhos que trilhou e se propõe a desembaraçar sua intrincada natureza interna em Próspera, seu novo disco Texto Thais Regina Foto Camila Tuon Assistência Charlie Noir Beleza Amanda Pris Styling Gabriela Monteiro Produção de Moda Camila Vaz Direção de Arte Thais Jacoponi



O

tempo é implacável. Quando paramos para pensar o quanto já perdemos para ele, então, chega a ser violento. Hábitos, amigos, opiniões… Quantas versões de si você já teve? Quem era você em 2010? Quão perto você estava, naquela época, de ser quem você é agora? E o mais importante: quais foram os seus divisores de água? Bom, de alguma forma, chegamos aqui. Em uma coexistência entre personagens interiores e sentimentos, Tássia Reis carrega consigo muitas outras Tássias. Com rara paciência, a artista é capaz de escutar suas diferentes personas, entendê-las e, assim, transformá-las em música. É com a confiança de quem vive essa maturidade. inclusive, que ela respondeu às minhas perguntas. “Os processos criativos são diferentes entre si e eu respeito isso. Começo, às vezes, a fazer uma música em 2010 e vou terminar no ano que vem, sabe? Eu entendo que ela tem seu tempo, não sei se isso é ser difícil”, descreveu quando eu tentei descobrir qual foi a faixa de seu novo disco Próspera (2019) que mais demandou esforços para ser criada. Para ela, a criatividade não é receita de bolo. Ou seja, uma nova música pode surgir de qualquer lugar: um texto, uma melodia, ou até mesmo tudo junto. Assim, seus temas não chegam até nós com marcas temporais. O que interessa a Tássia é uma lírica analítica, recheada de suas opiniões e sentimentos. No ano passado, a rapper começou a frequentar aulas de piano e descobriu uma inesperada afinidade com as teclas. “Não estou te ensinando música”, disse sua professora, certa vez. “Estou te ensinando a organizar a música dentro de você.” Apesar de ter parado por um tempo, ela pretende retomar os estudos e, seguindo em frente, anima-se com a possibilidade de novos processos criativos a serem descobertos.

O conselho “Lembra que eu falei agora do show da [Erykah] Badu? Foi meio louco, assim, porque eu não tinha nem ingresso para ir. Não tinha dinheiro… Até fiz um corre para conseguir, mas não rolou comprar porque esgotou muito rápido. Mas, dei conta de encontrar uma menina que tinha um ingresso a mais – ela chegou meia hora antes do show começar, lá no SESC Santo André, em 2013. Eu tinha acabado de lançar ‘Meu RapJazz’, a música e o clipe. Foi no final daquele ano e a mina chegou meia hora antes. Não vi nenhum dos shows que aconteceram antes, só o da Badu. Ah, aliás, eu ia comprar o ingresso dessa menina, mas, no fim das contas, ela me deu: ‘ah, não precisa, entra aí!’, Pensei: ‘legal’.” “Depois do show, a gente não foi embora. A gente ficou lá, sem acreditar no que tínhamos visto. Aí, desceu um cara que, acho, era da banda, e começou a fazer amizade com a minha amiga que fala inglês. Ela me virou e disse: ‘vem!’ Eu perguntei: ‘para onde?’ e ela respondeu: ‘não pergunta, só vem!’. Eis que entramos no backstage.” “Até então, tudo certo: pencas de comida, camarim bonito… Entrou um cara na sala e disse assim: ‘Então, a Badu vai receber vocês. Vocês vão para a sala do lado ali, onde já tem algumas pessoas esperando”. Seguimos o direcionamento e, realmente, tinham umas 30 pessoas lá e uma cadeira. Todo mundo sentado esperando a mulher chegar. E nesse momento eu entendi que não se tratava de uma corrida por uma foto, mas pela chance de ter algum contato, qualquer contato, com ela. Isso era o mais legal.”




“Eu não estava acreditando no que estava acontecendo, fiquei bem na minha. Perguntaram se ela conhecia música brasileira. Ela disse que não muito, mas pediu sugestões. Aí, a galera começou a falar: ‘Seu Jorge’, ‘Jorge Ben’, etc. Uma pessoa específica, a DJ Donna, de Brasília, maravilhosa – Alô, DJ Donna, valeu, hein… – estava sentada na frente da Badu [muito, muito fã] e falou: ‘Você tem que ouvir a Tássia Reis’, e apontou para mim. “Oh my God, you look so familiar”, ela [Badu] me disse. Nessa época, eu nem falava tanto inglês, mas entendi que ela estava dizendo que eu soava familiar, que já tinha visto meu rosto. E aí eu caí para trás.” “Não conseguia falar nada. Só falei que amava ela e ela me disse que me amava também. Quase morri. Depois disso, fiquei empoderada e decidi fazer uma pergunta: ‘Bom, como a Donna falou, eu sou uma artista que está começando agora. Acabei de lançar meu primeiro single e queria saber o que você tem a dizer para artistas jovens, no começo da carreira.’ Ela ficou pensando – não tatuei isso ainda, mas vou tatuar – e me disse: ‘só duas coisas: seja honesta e siga seu coração’”

Em ebulição Corta para 2018. No apartamento da cantora na capital paulistana – durante as gravações de Próspera – Erykah Badu, Alicia Keys e Jacob Banks, que por um tempo foram seus companheiros invictos de caixa de som, respeitosamente, se resignaram ao silêncio naquele momento. Foco total. Para não se confundir com suas próprias referências – que são muitas neste álbum – ou se distrair com outras sonoridades, Tássia abraçou o silêncio. Algo como fazem as nadadoras olímpicas quando vêm à superfície pouco antes de mergulharem novamente. Ela, no entanto, não fica parada. Movimenta-se nesse mundaréu de si mesma e busca lições nas diferentes frentes em que sua criatividade trabalha. Nesse caminho, cruzam-se influências: Destiny’s Child para “Pode me perdoar”; briefings que juntam Djavan e Ravyn Lenae; inspirações de Nova Orleans; todas as Beyoncés e por aí vai. Silêncio: (mais) um disco de Tássia está surgindo… Para os próximos passos, paciência e dedicação. Esqueça a imagem do criador com uma lâmpada sobre sua cabeça iluminando uma nova ideia que acaba de chegar. Esse luxo não existe. Para que chegue a ideia, é necessário tempo. Ele corre e, assim, acontecimentos viram memórias que, à princípio, são só documentos do cérebro. A riqueza (e a potência) vem exatamente na revisão desses documentos. Na possibilidade de transformá-los em arte. Em 2018, Tássia já tinha intimidade com os conteúdos que, eventualmente, viriam a público no formato de seu disco. Faixas que ganharam vida em 2019 estavam escritas desde 2010, como “Na Boa”, ou desde 2015, como “Amora”, “Myriam” e “Preta D+”. O resultado é um álbum cuja maturidade está no reconhecimento da existência inexorável de uma busca que parece nunca ter fim.

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Coração de leão “Eu sou de Jacareí e, quando vim para cá, nem pensei muito. Mas, depois de muito tempo, consegui identificar o quanto eu fui corajosa. Eu vim com uma mão na frente e a outra atrás. Com R$ 20 no bolso, R$ 50 talvez… Não tinha onde ficar, não conhecia ninguém e, aos poucos, fui batalhando para encontrar meu espaço. Com muito suor, muito choro e muita música. Por isso que 2010 foi o ano da escrita para mim. É isso, né? Tem que arriscar. Se desse tudo errado, tudo bem. Como deu errado e voltei para a casa dos meus pais, para me organizar. Mas, naquele momento em que eu estive lá, 2012, já sabia o que queria fazer: eu vou fazer música porque eu acho que música é um caminho e eu estou sentindo que esse caminho pode me gerar frutos. (...) Então, essa faixa ‘Me Diga’ tem muito a ver comigo, sabe? Das vezes que eu precisei arriscar. Porque viver é isso, a gente muda de ideia, de vontade, de desejo… A gente precisa estar pronto para entender, arriscar de novo e pegar a estrada.”

Próspera, assim, torna-se a história de uma jornada a ser ouvida. Sobre a Tássia do futuro, as expectativas geram ansiedade, mas não paralisam: a jornada sempre continua. Esse sentimento, talvez, venha mais da ambição do que do nervosismo que a artista sente toda vez antes de subir aos palcos. Seu “ansiejazz”… Curioso que, com todo esse fervilhar interno, ela consegue se tornar uma artista com um raro perfil duplo: ao mesmo tempo em que canta de amor e nos aproxime dela nessas encontros do coração, também fala de confiança, de luta, e acende nossa chama interna para fazer a diferença no mundo. É carne, é osso, sangue e desejos transeuntes. Não à toa, prospera. ☺

Você consegue escutar o papo da Thaís e da Tássia na íntegra no Balacast, o podcast da Balaclava Records, disponível em todas as plataformas de streaming.


Look vermelho: vestido Ackon Wear vestido gola marcafala acessรณrios Conquista Apparel Look marrom: moletom Brechรณ Bemphyna calรงa Cajรก acessรณrios Conquista Apparel


VAGAROSA

PRESA SUR

D E U O

Rita Oliva interpreta três cartas do tarô Louco, Papisa e Morte em ensaio místico

Texto Isabela Yu Foto Camila Tuom Assistência Charlie Noir Beleza Amanda Pris Styling Amanda Brolese Direção de Arte Thais Jacoponi Looks de acervo Rodrigo Evangelista, Minco e Rober Dognani



v ag aro sa o u d e surp resa

pa p i s a

Frente a frente de seu projeto mais pessoal, a Papisa de Rita Oliva é feita de investigações e meditações, com altas doses de misticismo. Encontrei ocasionalmente a produtora e multi-instrumentista em diferentes fases de suas pesquisas ritualísticas, que a levaram até o disco debut, Fenda. Em um dos meus papos favoritos, falamos sobre rituais de criação em 2017. A matéria deu errado por uma série de motivos e a entrevista nunca foi publicada – até agora. "Não acho que sou das pessoas mais intuitivas. Nunca tive uma coisa 'nossa tive isso por intuição e veio'. Sempre busquei um lado sensível. Sempre procurei entender os sentimentos, mas não sei te dizer, assim, se eu sempre fui intuitiva. Fui aprendendo a buscar isso com o tempo – percebendo e prestando atenção", explicou na época. O período da conversa era o mesmo do início de uma completa transformação que acompanhou as pesquisas do projeto solo. No ano anterior, a artista tinha lançado o primeiro EP com o novo "apelido" de Sacerdotisa, colocando no mundo canções como Instinto. Antes ainda de navegar nessa jornada interior, ela fez diversas turnês ao lado dos companheiros das bandas Cabana Café e Parati. Assim como foi instrumentista em outras bandas, como Bike, Thiago Pethit e Laura Wrona. Musicalmente, Rita bebe do indie, do folk alternativo, e da herança das artistas com um pé na bruxaria (Stevie Nicks, Kate Bush, Yoko Ono...). Da nova geração de mulheres mágicas, cita os primeiros trabalhos da inglesa Marika Hackman – "um folk inglês obscuro"–, a ambient music de maneira geral, trilhas sonoras de alguns filmes e as criações de Brian Eno. Para interpretar e produzir as 9 canções do disco Fenda, Papisa realizou um detox musical voluntário e criou um acampamento

de gravação em sua casa. "Fui testando. Tive uma curva de aprendizado, regravando e estudando áudio", conta sobre o processo artesanal, que foi interrompido diversas vezes para turnês. O disco conta com participações pontuais, como as vozes de sua banda – Theo Charbel (que também gravou a bateria de "Semente"), Luna França e Stéphanie Fernandes em "Espelho". Fora isso, o trabalho é fruto das divagações de Rita. "Não começo pela estética, mas pela sensação", conta sobre a faísca inicial. Algumas músicas são híbridas, com elementos eletrônicos e orgânicos junto. "Nigredo", a parte da alquimia onde tudo se dissolve, é a única 100% remexida, invocando seus diferentes significados a partir do arcano da Morte no tarô. "Sucesso do primeiro processo, que é a dissolução. A destruição de tudo para que surjam novas etapas e algo novo venha", explica sobre a inspiração. Fenda fala sobre diferentes tipos de morte, seja ela física, de processos ou de relacionamentos: "Tive um contato orgânico com a morte, de dar de cara com os corpos, isso me impactou muito, foi uma coisa intensa. Falar da morte é o maior mistério que existe, essas são minhas investigações a respeito disso". Como tudo é cíclico, o nome apareceu no final do processo, arrematando as ideias trabalhadas. Levando em consideração seus caminhos internos, para Rita, o momento que podemos chamar de fenda é o período de suspensão, do final das trajetórias. Ela explica: "Quis trazer essa noção circular com as músicas, porque ter isso no meu dia a dia me ajudou a lidar com essa coisa apegada que a gente tem. A suspensão é como um ritual. Você suspende aquele momento extra cotidiano, por isso que é mágico. Quando você ritualiza, você não tá nem na próxima etapa nem na anterior". Seja para tomar um café, tirar uma carta do tarô ou fazer um show, são esses momentos de introspecção que trazem alívio para a compositora em meio ao caos diário. "Valorizo meus rituais. Quando você cria o ambiente externo com ações simbólicas e rituais, você cria o estado interno para aquilo, é como eu me preparo", explica. No nosso primeiro papo, de dois anos atrás, ela ainda estava caminhando com o que viria a ser algo estabelecido, em busca de uma rotina




com um pouco mais de calma: "Comecei a achar muito importante montar meu espaço, chamo de campo ritual, para possibilitar que aquilo se brote de alguma forma. Também comecei a fazer coisas manuais, como pintar ou desenhar. Foi uma forma de expressão que acabou liberando outras formas de se fazer música", disse na época. No mesmo ano, lançou o show Tempo Espaço Ritual, performance espetáculo no Centro da Terra, com direito a cheirinho próprio e convidadas especiais (Larissa Conforto, Laura Wrona, Luna França e Silvia Tape). O resultado foi tão transformador para o público quanto para as artistas. Entre as muitas descobertas, a própria Papisa também foi ressignificada com os anos de imersão e estrada: "Encaro a carta como uma professora, que me ensinou muitas coisas nesse processo. Preciso ficar quieta, às vezes. Me empolgo e falo que vou fazer isso ou aquilo. Coloco toda a energia na fala e acaba dispersando porque você joga para fora". No início, a artista desejava trazer a figura da Sacerdotisa ao palco como força espiritual, ao mesmo tempo em que se aprofundava nos estudos do tarô, essas forças foram fluindo para outras direções. Para quem acha que a magia fica restrita a estética da Idade Média, a Papisa de Rita é extremamente ligada com o seu entorno e suas manifestações só são possíveis devido ao momento em que vivemos. Na música "A Velha", talvez a minha preferida, ela escreve sobre dualidades com simbologias da natureza. "Sou aquela mais opaca/De onde a luz nunca escapa/Nem boa, nem ruim". Ao longo da canção, ela fala sobre não ser nem forte, nem fraca; ser nova, ser velha, ser plural nas diferentes expressões do feminino (ou do ser humano). No caso das mulheres, a contestação do saber único, da personalidade imposta pela sociedade e da obrigatoriedade do “sim” –

é como se ela declarasse: “sou várias, impossível seria ser única”. Sobre feminismos e feministas, a produtora, cuja banda é 100% feminina, deseja ações efetivas. Chegou a hora de falarmos sobre interseccionalidades e encarar as coisas como elas são – mulheres são artistas e querem falar sobre processos e não sobre condições. "Foi importante falar disso, mas precisamos ir além do ‘que é ser mulher na música’, quero ver mulheres falando sobre o trabalho delas", pontua. Nascida em Jundiaí, mudou há mais de dez anos para São Paulo, cidade que nunca mais deixou. Também teve aulas de piano desde criança, depois se dedicou a guitarra, bateria, baixo, synth e tudo que poderia emitir som. Fez faculdade de Publicidade e Marketing, mas nunca se aprofundou no diploma, sempre optou pela música. "Quando eu era pequenininha era metódico porque treinava piano clássico. Eram horas que eu tinha que sentar e estudar, quase mecânico. Mesmo aquilo já me dava uma noção de foco e concentração, quase uma meditação. E música até hoje tem muito disso, por exemplo, ler minhas letras me ajudam a me conhecer melhor", explicou na primeira entrevista. Depois de formada, passou a viajar com os amigos de banda, muitos anos como a única pessoa que passava maquiagem antes do show, ou como uma das únicas artistas do selo. Rita e Liege Leite, do Medialunas, eram exceção no casting essencialmente masculino. "Foi assim que comecei a tocar sozinha. Parati era duo, o Zé (Lanfranchi) errou o mês e viajou. Fiz o show sozinha, depois pensei – olha, consigo fazer sozinha!", relembra um dos momentos marcantes que trouxeram Papisa à vida. Computador + programação + guitarra, ainda é a combinação que estrutura seu show de formato flexível. “Tenho um relacionamento aberto com a Luna e a Theo, pode chegar junto quando quer”, fala sobre a banda, que ao lado de Stéphanie, completa a formação atual, que, em breve, deve viajar até uma cidade perto de você. Não deixe de vê-las acontecendo. ☺

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O trio Tuyo não quer fugir da realidade. É no contato radical com ela que a banda rasga o seu coração e se transforma todos os dias Texto Isabella Purkote Foto Karla Bright Assistência Mylena Saza Beleza Laura la Laina Looks Gato Bravo Vintage e AHLMA Direção de Arte Thais Jacoponi



rituais d e cura

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m meados de janeiro deste ano, um amigo me convidou para ir ao show de uma banda formada só por mulheres, a Mulamba. O espetáculo começou com a canção Esses Nadas e, por não conhecer cada uma das integrantes, imaginei que a moça que estava cantando ali com sua voz poderosa pertencia ao grupo. Estava enganada. A faixa em questão tratava-se de uma colaboração com Lio Soares, do Tuyo – banda esta que fui assistir ao vivo logo no domingo seguinte. Composta por Jean Machado e as irmãs Lio e Lay Soares, o trio dá as mãos ao hip hop e ao folk para criar um universo complexo. Um caleidoscópio sonoro com uma agenda prevista: obrigar-nos a enfrentar o trabalho duro da reflexão. Segundo a própria banda: “olhar para dentro”. Foi nesse exercício de autoconhecimento que o grupo deu à luz ao seu primeiro EP, em 2017. Intitulado Pra Doer, o registro faz jus ao seu nome e é capaz de arrancar algumas lágrimas de quem se propõe a ouvi-lo. Funciona como o início de uma jornada que nos leva até o LP Pra Curar (2018). Os dois trabalhos entrelaçam histórias com as delícias e agruras da aventura que é estar aberto para amar, além de outras questões que abarcam os aprendizados do jovem adulto em tempos líquidos. Com isso, a banda se mostra atualmente como uma das promessas da música brasileira alternativa firmando-se no contraste entre sons orgânicos e sintetizadores. De coração escancarado para o mundo, eles tornam-se, cada vez mais, eles mesmos. Sentem, choram e, no embalo do desabafo, conversaram com a Revista Balaclava. QUAIS FORAM AS INSPIRAÇÕES PARA COMPOR PRA DOER? JEAN: A gente buscou percorrer alguns caminhos que estamos trilhando hoje. Trabalhávamos com o que tínhamos e com o que achávamos interessante. Assim, fizemos quatro músicas que se conversam, mas que acreditamos serem diferentes entre si. LIO: Eu tenho muito carinho pelo Pra Doer.

Lembro que, quando ouvimos pela primeira vez, eu chorei. Nunca tinha feito uma coisa tão bem masterizada. A gente estava muito apegada

à paleta do drama. Era a época em que eu era a louca do Crônica de uma morte anunciada (romance de Gabriel García Márquez, 1981). Sinto que virou um bom mergulho no nosso universo. NA OPINIÃO DE VOCÊS, EXISTE O MOMENTO EM QUE A DOR PASSA DO LIMITE E SE TORNA DOENÇA? JEAN: Falar de suicídio se você não estuda a fundo a questão pode ser até irresponsável. Então, acho que falamos do que sentimos, como percebemos o mundo a nossa volta. Queremos olhar para dentro e isso faz toda a diferença na nossa vida. Se conseguimos, de alguma forma, fazer com que alguém também consiga olhar para dentro de si, porra, ficamos felizes, com certeza. Mas, nada é totalmente resolutivo. Precisamos entender melhor os problemas da nossa geração e, talvez, a percepção e a honestidade sejam um caminho. LIO: Acho que qualquer tabu gera um comportamento desenfreado. Quando não falamos sobre morte, sexo, dinheiro, a gente se perde quando tem que enfrentar essas questões na vida real. Tenho a sensação que não conseguimos lidar com o inexorável: o fim das coisas e entender que elas acabam – e o caráter cíclico disso. Sinto que é um jeito da gente tentar fugir da realidade, tentar sobreviver. Mas, quanto mais eu corro, mais isso me persegue. Para mim, é mais proveitoso olhar no espelho e dar nome para essas coisas que enxergo do que passar maquiagem sobre elas. Talvez, esse processo seja o monotema da banda. Olhar o sentimento com franqueza e não tentar manobrá-lo quando ele chega. JEAN: O fim é sempre iminente. A Tuyo, um dia, também vai acabar. Cabe a nós vivermos esse momento do jeito mais verdadeiro possível. Estar presente com saúde emocional para aproveitar o que está acontecendo agora. LIO: Não que as fugas são desonestas,

é só outra maneira de ver. No fim das contas, as pessoas continuam se matando, estuprando, machucando… Talvez essa seja a exploração de outra alternativa: encarar essa bosta e falar francamente sobre elas. Não é como se a saída para o suicídio fosse estar feliz o tempo todo. Isso não existe. A gente é uma paleta cheia


de nuances. Sentir dor faz parte disso e pode ser bom. Você cresce, reflete… E mais: não precisa fugir porque assim como a felicidade acaba, a dor também. Não acho que a Tuyo seja uma banda de autoajuda, que todo mundo tem que estar bem, sei lá. O que rola é uma identificação. Se a gente fala no microfone que tá uma merda, as pessoas se sentem mais livres para encararem isso também. JEAN: Curioso é que tá todo mundo fodido também. COMO VOCÊS SENTEM A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE NO CENÁRIO MUSICAL BRASILEIRO? LIO: O foda é que representatividade virou uma palavrinha que playboy branco inventou para a gente ficar quieto. O cara coloca um preto para as 100 pessoas de uma equipe. Um gordo, um gay, e acha que tá tudo certo.

Eu quero proporcionalidade. Se eu faço parte da maioria da população, por que eu sou menos em todos os lugares? A Tuyo sempre faz as coisas com a foto da nossa cara que é para todo mundo se sentir encorajado. Que a gente não é “pretinho do samba”, que não tem flor no cabelo e “ai, que linda sua cultura”. Pouquíssimas pessoas no nosso cenário estão realmente incomodadas com isso e fazem o trabalho de realmente pesquisar até descobrir um monte de banda que existe por aí e está fora do radar. A gente é piá de prédio, três “microplayboyzinhos”. Nossos pais se fuderam para conseguir as coisas para a gente, mas a gente não é periférico. A gente conseguiu o que conseguiu porque a manifestação do racismo no Brasil é tão porca que se dá pelo colorismo. É tão nojento…É perceptível, sabe? Ao mesmo tempo, eu posso falar com essa raiva de um sistema, mas eu não posso apontar dedo para ninguém, porque eu quero a minha bandinha,

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ó, decolando! E ninguém está prontopara se responsabilizar.As pessoas ficam chateadas, se sentem culpadas, aí ignoram isso e fingem que estão fazendo algo. É um inferno. Mas, eu sinto que o racismo não é um problema meu, é um problema de branquitude. E vocês que se virem para conversar sobre isso. Enquanto isso, eu vou aparecer no máximo de revista que eu puder. Para que quem seja parecido comigo se sinta encorajado e entenda que é possível ocupar esses espaços. Acho que é daí que vem muito isso das pessoas ficarem chamando a gente de “afrofuturista” porque a gente ocupa lugares que são majoritariamente brancos… E, sei lá, não é uma coisa que nos preocupa o tempo todo. Não é “Ah, precisamos fazer música para combater o racismo”. Eu quero ficar vivo, eu quero ficar bem, comprar uma casa. Só isso já é um baita estímulo. E é muito legal saber que nossa presença no palco provoca isso,

é magnético e atrai as pessoas parecidas com a gente. Não sou militante, sou preta! DEPOIS DA DOR, DEPOIS DA CURA… QUAL O PRÓXIMO PASSO? LIO: Várias possibilidades… Já falaram

que a gente vai fazer o “Pra Foder”, mas eu não sei. A gente compõe individualmente,então falo por mim: minha cabeça está centrada em entender o que é a realidade. Eu sei que vou morrer e que não tenho a liberdade social de decidir como. Vou ter que esperar o acaso decidir para mim. Descobri que as coisas que eu achava que eram eternas têm um fim. E agora? O que eu faço com isso? JEAN: Eu ia falar a mesma coisa, o sentimento é o mesmo. Como lidar com o caos do que a gente encontra dentro da gente?


LAY: Não faço ideia, silêncio total. A gente sempre fala que o disco não tem função. Temos que esperar e ver o que tudo isso vai virar e, só então, dar nome para as coisas, como tudo na vida. LIO: Eu imagino que, se tudo o que tiver aqui

dentro conseguir sair, vai ser um disco menos etéreo, mais concreto. Talvez, mais duro, menos denso. Não sei se a gente deu uma folga para a Lay ou se é uma prisão porque o Pra Doer e o Pra Curar têm muitas canções dela. Então, a gente falou que queria escrever esse disco. Acho que a Lay é mais cronista nas composições e eu e o Jean somos mais metafóricos. JEAN: Sei lá o que vai acontecer. No fim, quando a gente for sentar para compor, tudo isso pode cair por terra.

LIO: Eu estou escrevendo como uma maluca. JEAN: Esse ano foi muito louco. A gente lançou em novembro e estamos conversando aqui, agora, sobre isso, sabe? Aconteceu muita coisa, estamos fudidos da cabeça, acho que esse disco vai refletir um pouco dessa fase. LIO: Vai ser a primeira vez que a gente vai fazer

algum trabalho com recurso. A Natura tá dando a maior força e é massa poder contar com grana e atenção, né? É saber que o disco vai chegar em outros lugares porque vai ter gente cornetando por aí. É a primeira vez que a gente para e escreve juntos um álbum. Todas as músicas que o pessoal escuta hoje já estavam escritas, já existiam. A gente organizou no mesmo universo. É tudo muito novo. Deus que ajude. ☺

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PONTO CARDEAL Entre espelhos, flores, rituais de passagem e uma busca incansável por autoconhecimento é que nasce o disco Crux de Apeles. Texto Isadora Almeida Foto André Dip



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a música, ambiente é tudo. No segundo disco de seu projeto solo Apeles, Eduardo Praça (Ludovic, Quarto Negro) deixa claro que o seu olhar de imigrante (o paulistano mora, atualmente, em Berlim) sobre sua terra natal foi crucial para desenvolver o seu novo e delicado espaço musical. Tudo o que ele cria tem muito esmero. Não são músicas que nos remetem a outras canções de imediato, por exemplo. O que se identifica são referências, mas com leveza. A sensação é que, de alguma forma, nada do que está acontecendo na cena brasileira se aproxima das sonoridades propostas por Apeles. Entre a capital alemã e a cidade de São Paulo nasceram as oito faixas que refletem os mais íntimos pensamentos do cantor, compositor e multi-instrumentista. Na lista de influências que o atravessam estão livros, filmes e músicas dos mais diversos. Os nomes vão de Sobrevivendo no Inferno (1997) dos Racionais MC’s até ao clássico romântico I’m Not In Love de 10cc. Nossa conversa permeou os contrastes sobre os quais se debruça o artista.

COMO OBRAS TÃO DISTINTAS QUANTO AS QUE VOCÊ CITOU SE CONVERSAM? QUAL É O PONTO DE CONVERGÊNCIA ENTRE ELAS E COMO PASSARAM A FAZER PARTE DO UNIVERSO DE CRUX? Quando estava escrevendo o álbum, queria que todas as músicas se interligassem. Não só com arranjos e instrumentos, mas também com field recording. Gravo muita coisa no meu celular ao longo dos dias. Gosto de registrar a paisagem sonora dos lugares. No disco, tem sons de dentro do avião, de dentro de um ônibus, em parques, ruas e muitos outros lugares. A referência dos Racionais é excelente, nesse sentido. Sobrevivendo no Inferno te coloca nas histórias com diálogo e sons da cidade de um jeito magistral. É um dos meus discos brasileiros favoritos. I’m not in love de 10cc tem algo parecido. Quase existe uma outra música dentro da música. Procurei repetir esse esquema na primeira faixa do álbum Deságua. Gosto do sussurro que diz Be quiet, big boys don’t cry, logo antes dessa parte mais atmosférica da canção. DE QUE MANEIRA MORAR FORA DO BRASIL TE INFLUENCIOU DURANTE AS COMPOSIÇÕES? VOCÊ FICOU “MAIS BRASILEIRO” AO SAIR DAQUI OU SENTE QUE ESSE FOI UM AFASTAMENTO GEOGRÁFICO E SONORO? A vida em Berlim me abriu uma série de possibilidades: tanto sonora quanto poética e conceitualmente. Mas, por ironia do destino, essa oferta gigante de referências me forçou, na verdade, a me deparar com as raízes do que eu já sou. Mais do que me moldar e

apresentar propostas recentemente adquiridas, o fato de estar fora me deu um Norte pessoal para fazer o que é mais íntimo. Não acho que tenha me distanciado da cena e da cultura brasileira. Nem sei se isso é uma coisa que as pessoas consigam fazer tão simplesmente. Eu ainda canto em português que é um idioma bem único. Mas, de alguma forma, também não acredito que minha música dialogue com as tendências do momento no país. O que, honestamente, não me afeta de nenhuma forma. Estou empolgado para colocar esse disco no mundo. É um retrato eficaz e autêntico do qual estou muito orgulhoso.

Na escalada diária em busca de saúde mental, as relações interpessoais da vida moderna têm um grande efeito em mim.

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QUAL O SENTIMENTO QUE VOCÊ QUER CAUSAR NOS OUVINTES COM CRUX? Esse é um disco que eu fiz em um intuito quase egoísta. Não abri mão de nada e isso transparece muito durante a audição do LP. Tenho ouvido de muita gente diferentes comparações, referências, sensações e acho que, dificilmente, as pessoas vão relacionar o álbum a algo muito específico. Fazer algo que tem esse caráter único, para o bem ou para o mal, para mim é uma vitória. É o que, geralmente, dá sentido a tudo. É o que eu espero dos meus artistas favoritos e o que eu sinto que tenho obrigação de retribuir.

FALA UM POUCO SOBRE ELA, COMO ELA NASCEU, ALGO QUE A GENTE NÃO SAIBA OU NÃO CONSIGA ENTENDER APENAS OUVINDO… Foi a primeira música que eu fiz, na verdade. Foi escrita e composta para o filme Boni Bonita (2018) do diretor Daniel Barosa. O longa retrata a relação conturbada de um casal lutando contra suas diferenças para que seu relacionamento deixe de ser tóxico. A letra foi feita inteira para os personagens e é a primeira trilha sonora que fiz. Durante a gravação do instrumental, logo vi que ela conversava muito bem com o restante do disco e resolvi, então, incluí-la no repertório também.

CRUX TEM VÁRIOS SIGNIFICADOS: É O NOME DA CONSTELAÇÃO DO CRUZEIRO DO SUL E, EM LATIM, SIGNIFICA “CRUZ”. POR QUE VOCÊ DEU ESTE NOME PARA O DISCO? Academicamente, Crux é a palavra que se usa para retratar o cerne de um assunto. É também o ponto mais crítico de uma escalada. Quando ouvi o termo, achei a palavra forte. Tinha pronúncia forte e fazia muito sentido com o momento que estava vivendo. Durante o processo de composição e até a produção do álbum, enfrentei uma série de desafios para manter minha saúde física e mental. Principalmente no que se refere a juntar forças e canalizá-las em um novo disco, ainda mais nesse momento em que o Brasil se encontra. Quando me dei conta que já não tinha mais volta, achei que Crux representava bem a circunstância.

EM A ALEGRIA DOS DIAS DORME NO CALOR DOS TEUS BRAÇOS VOCÊ MENCIONA UMA GERAÇÃO IBUPROFENO. QUEM SERIAM OS INTEGRANTES DELA E COMO VOCÊ OS ENXERGA? Na escalada diária em busca de saúde mental, as relações interpessoais da vida moderna têm um grande efeito em mim. Ainda estou aprendendo a me expor publicamente. Para mim, isso ainda é um grande dilema. A “geração ibuprofeno” é a minha geração, ou, pelo menos, boa parte dela. Estamos tentando nos adaptar a urgência e a fragilidade dos dias de hoje que nos oferecem remédios diferentes para qualquer percalço que venhamos a enfrentar. Para dormir, para não ficar depressivo, para não ficar sozinho (celulares, aplicativos, etc.). Como diz a letra, no fim você sempre acorda em um grande vazio. A luta é para começar o dia envolto pelo que te faz sentido emocionalmente. ☺

“PELE” TALVEZ SEJA A MINHA FAIXA FAVORITA…Também é uma das minhas!

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Saindo do quarto e chegando à cena alternativa paulistana,

Gab Ferreira

está a procura de inspiração para seu próximo álbum em meio ao caos da cidade grande Texto Mariana Marvão Foto Gabriela Diola Assistência Luciana Barreto Looks Acervo y brechó Tylera e Alfredo Que Me Encontre

Direção de Arte Thais Jacoponi



b ro ke & fab ulo us gab ferreira


G

ab Ferreira chegou em São Paulo com um propósito: fazer música. Nascida em Criciúma, cidade no interior de Santa Catarina (a população totaliza volta de 210 mil habitantes), ela não imaginava que, um dia, suas músicas chegariam a ter mais de 1 milhão de visualizações. Embora sempre tenha gostado de cantar – aos 12 anos, a pequena já participava de um coral –, trabalhar de verdade com música nunca foi considerada uma opção viável. Sintomas da vida no interior.

Em 2016, contudo, isso começou a mudar. Depois de terminar o Ensino Médio, Gab tomou coragem, gravou um vídeo e mandou para o The Voice Brasil. “Meio que me inscrevi no programa como uma piada, porque todo mundo fala para a galera que canta ‘se inscreve no The Voice, vai que dá certo’. Eu vi que estava nos últimos dia de inscrições. Era uma da manhã, eu estava em casa, fazendo absolutamente nada, falei ‘foda-se’, vou gravar um vídeo muito mequetrefe e vou mandar”. E deu certo, mesmo. Ela foi selecionada, mas o desajuste com o mood geral já começou no figurino. “Galera maquiada, cabelo, umas minas com casaco de pele e eu ‘será que errei n o dress code?’” Apesar de ser um peixe fora d’água, Gab chegou até as semifinais do programa – o que a rendeu nada menos que 50 mil seguidores no Instagram. “Eu sabia que a Globo é muito grande, mas é sempre um choque perceber que realmente chega a tudo isso de gente.” Depois de sair do palco do reality, sobrou uma pergunta incômoda: será que essa experiência/exposição mais atrapalhou do que ajudou? “Eu não posso mentir e falar que foi só uma bosta, porque não foi. Foi muito importante. Eu era de Criciúma, uma cidade em que esse espaço não existe. Ter ganhado esse público, antes mesmo de lançar qualquer coisa, de certa maneira, foi muito bom. Quando lancei meu primeiro trabalho, as pessoas prestaram atenção – consegui chegar a mais pessoas do que se tivesse começado do zero. Ao mesmo tempo, vem uma pressão foda porque você não tem margem de erro.” O registro em questão

é a mixtape Lemon Squeeze, a mistura entre um ambiente ensolarado à beira da piscina e uma sonoridade lo-fi (referências convergem para Mac DeMarco, Clairo e Homeshake). “No lançamento, eu estava ‘caralho, que tesão’ de ver uma coisa pronta que partiu das minhas ideias”, relembra. Uma das faixas de LS, Not Yours, foi a responsável pela marca de 1 milhão de visualizações no YouTube. “Nessa fase da mixtape, eu não estava pensando em nada. Vou lançar essas músicas, ver no que dá. Se der bom, beleza, se não der, bola para frente, pensamos em outras coisas. (...) Agora acho que estou em um lugar mais confiante, estou recebendo muitas coisas novas e tudo isso está me ajudando a ter uma clareza maior para qual caminho eu quero seguir dentro do que estou fazendo.” Sua vinda para São Paulo tem tudo a ver com essa nova fase. Mesmo sendo uma grande mudança, Gab se sentiu preparada para isso. “Eu já tinha extraído tudo o que eu podia estando lá. Chegou uma hora que já não estava mais dando certo fazer as coisas à distância, minha proatividade caiu.” Com a ajuda da também cantora e compositora YMA, em abril de 2019, ela veio se aventurar no caos paulistano e acabou sendo conquistada por ele. “Eu nunca quero perder esse sentimento que tenho ao estar aqui. De achar tudo ‘muito diferente’, ver uma realidade muito oposta, tudo acontecendo ao mesmo tempo, esse mix, essa confusão. Para mim, é muito bonito. Eu amo muito São Paulo”, elogia.

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Sua história com YMA, aliás, veio antes de sua mixtape. Juntas, em 2018, elas lançaram uma música e o que era uma “webamizade”, virou uma parceria. “Rolou uma identificação porque nós duas cantamos e trocamos muita ideia sobre isso. Aí, ela me mostrou Summer Lover e logo que eu ouvi já me imaginei fazendo parte daquilo, queria muito estar naquela música”. Duas semanas depois: versos completos. Um mês depois: Gab já estava comprando as passagens para São Paulo. Ela se hospedou na casa de Yasmin e as duas se dedicaram a gravar o clipe. “É muito louco, o fluxo do vídeo foi muito natural. Não teve pressão em nenhum momento. E ele ainda tem toda essa estética que a gente ama: ‘girl’s world’, cor de rosa, coisas fofas. Lembro da gente na casa dela fazendo as dancinhas e rindo muito. Era todo mundo no estúdio fazendo zoeira. (...) A minha conexão com a Yasmin é muito da hora. É legal, porque a gente já conversou muito sobre isso, como nosso projeto é uma coisa que a gente consegue explorar umas paradas que não fazem sentido no meu trabalho, não fazem sentido no trabalho dela e daí a gente tem esse lugar que é meu e dela que a gente pode não ligar muito

e fazer umas coisas que a gente só quer fazer”, explica sobre a dinâmica em dupla. Morando há quatro meses em São Paulo, Gab já começou a produzir uma música nova, com a ajuda do RØKR, que também está fazendo os show com ela. “Acho que meu rolê é muito mais focado em voz do que nessa coisa de instrumento. Está sendo legal estar redescobrindo o que outras pessoas podem trazer pro mix. Porque se depender de mim, trago tudo muito para trás. Deixo tudo muito lento, tudo muito parado. Eu queria ter umas músicas da Rosalía, um poperô travadaço.” Até o final do ano, a cantora pretende lançar esse single e começar a pensar no próximo álbum. “Meu grande sonho próximo é lançar um disco da hora e fazer uma tour internacional, tocar em uns lugares massas e que as pessoas apareçam. Minhas metas são mais de show. Conseguir desenvolver esse show, para ser uma coisa meio grandiosa e poder fazer tour, poder levar pras pessoas. Eu vejo interesse de galera de fora. Queria fazer muito uma tour no Japão, eu piraria muito. Poder ir pra vários lugares, ter essa vida todos os dias: amanhã eu tô indo pra França, depois eu vou para a Hungria, depois eu vou pra um vilarejo na Eslovênia porque a galera pira lá. Ia ser muito engraçado. Meu grande objetivo de vida, que eu faça um show e as pessoas apareçam. É bem simples. Acho que é realista (risos).” ☺




Camila de Alexandre (@showerofvibes) conta à Revista Balaclava algumas de suas melhores histórias sobre becks e laricas. Texto Isabela Yu Ilustração Thais Jacoponi

DISCOS PARA OUVIR CHAPADO Noel Ellis Noel Ellis The Upsetters Super Ape Underismo R3$ídu0$ Trevo Nada de Novo Sob o Sol Hugh Masekela Early Hugh Masekela Lonnie Liston Smith Cosmic Funk & Spiritual Sounds

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o lado de sua irmã Luiza, Camila de Alexandre viaja o Brasil cantando na banda de Duda Beat. Além do talento na música, a carioca ainda é maquiadora, modelo, skatista e, em um futuro próximo, vai lançar faixas autorais com sua dupla inseparável. Aqui, ela fala sobre seus “causos” mais divertidos envolvendo maconha e o que mais gosta de fazer na vida: comer! “É o que eu amo! Juntar os amigos e sair para fazer qualquer coisa e depois comer. Tenho 30 anos, estou cansada do rolê”, confessa. “Se tenho que sair, é para um restaurante. Sou taurina, gosto do prazer de comer. Fico chateada quando peço algo e é ruim.” “Dos lugares que mais gostei de comer… Acho que o Nordeste foi um dos mais impactantes. Quando fomos para Recife pela primeira vez! Como a Duda é de lá, já sabia onde levar a gente. Mesmo na praia, tem um amendoinzinho cozido que é muito interessante. Em Manaus foi surreal. Comi muito. Lembro da peça de pirarucu com queijo e banana na comida, peixes, caldinhos, pimenta, farofa… Em São Paulo, gosto do Fitó. Só tem mulher trabalhando e tem um bolinho de costela muito gostoso. Faz dois aniversários que comemoro no Mocotó, é meu preferido. Quando estou mais pobre, tem o calzone, que conheci com a galera do skate. É um calzone embaixo do viaduto, depois do minhocão, perto da Barra Funda. Ele vende pratinhos orientais, carne com brócolis, lance com tofu, achei foda. Também tem outro lugar – que eu dei uma “hypada”, levei todo mundo – o bar do bolinho (que, na real, se chama Bar do Gonzaga). Lá, tem um bolinho de arroz com brócolis e caldinho de feijão.” “Gosto muito de dar aquele pito matinal para ir trabalhar. Ou dar aquela relaxadona em casa antes de dormir. Moro com mais três pessoas, então sempre fumamos escutando um som, trocando ideia, apresentando coisas um para o outro. Sou muito reggaeira, tenho escutado muito um grupo de trappers de Salvador, o Underismo. Muito sentimento, muita verdade, letras fodas. Queria muito fazer algo com eles, conseguir fazer com que eles fossem ouvidos. Todos gostamos, cantamos todas as músicas.” ☺

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A violência do silêncio Texto Breno Liguori Imagem Judith beheading Holofernes (1620) – Artemisia Gentileschi


A italiana Artemisia Gentileschi foi um desses raros casos. Seu pai, o também artista Orazio Gentileschi, incentivava o estudo da filha que, por seu esforço, conseguiu tornar-se aluna do pintor Agostino Tassi. No entanto, aos 18 anos, a jovem foi abusada por seu mestre e, com o apoio do pai, processou-o no ano seguinte. Naquela época, a punição para abuso sexual não existia porque o próprio conceito ainda não tinha sido formulado com clareza. O pai de Artemisia, então, entrou na justiça alegando que um bem material de sua posse havia sido danificado. E o julgamento foi igualmente inescrupuloso. Durante o processo, a artista foi torturada: um instrumento de pressão era colocado

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A obra de Artemisia Gentileschi demorou 400 anos para ser validada e essa espera deixa um questionamento: ainda estamos invisibilizando as mulheres na arte? O percurso das mulheres dentro do mundo artístico foi, durante muito tempo, e, de certa forma, continua sendo, profundamente desafiador. A maioria das academias de arte só permitiram o acesso delas às aulas depois do século XX. Antes disso, havia um número limitado para a inscrição de mulheres nessas instituições e, mesmo as que tinham a sorte de entrar, tinham sua grade limitada a “fazeres femininos”: artes manuais como tapeçaria, bordados e pequenos formatos de pintura. De forma que, a maioria das artistas que conseguiam obter algum destaque antes dessa virada estavam sempre vinculadas a um mediador masculino que facilitava sua entrada e permanência do mundo artístico.

em seus dedos de modo que o apertavam para que ela fosse obrigada a não mentir. Há relatos de que Artemisia gritava: “É verdade!”. Mesmo assim, o abusador não foi preso, mas duas possibilidades lhe foram dadas: cinco anos de trabalho forçado ou deixar Roma. Tassi escolheu a segunda. Nove anos depois, Artemisia pintou a decapitação de Holofernes por Judith. Em um movimento catártico, colocou no papel de Holofernes o seu abusador e fez-se de Judith no quadro. Em seu semblante, Artemisia (ou Judith) parece querer mascarar, mas sem fazê-lo por completo, um sorriso. O quadro é repleto de simbolismos: a espada remete à cruz cristã, faz um jogo com o maniqueísmo, contrapõe forças femininas e masculinas – conceitos antagônicos e binários que nos cercam até hoje. Cenas bíblicas em que a mulher é a protagonista tornaram-se, assim, o foco de Artemisia. Especificamente neste quadro, ela trabalha com precisão de detalhes e remonta o que descreveu no tribunal. Ele subia em cima dela, segurava seus braços e pernas. Mas, agora era sua vez. Apesar de não ser uma transcrição da realidade, há uma potência registrada nessa imagem. Desta vez, no entanto, em nova posição: Artemisia não é mais a vítima passiva, é Judith, a assassina. E é essa tomada de poder à revelia que fez com que a sociedade a descreditasse e questionasse a veracidade do crime. Isso só mudou depois de sua morte – recentemente, inclusive. Com o movimento contemporâneo #MeToo, a obra e a história da artista foram revisitadas e redescobertas. Hoje, Artemisia é tida como uma forte referência da pintura clássica e a sua obra é comparada com outros mestres do renascimento como Rafael e Michelangelo. Foram necessários 400 anos para que uma mulher que se dizia artista pudesse realmente o ser pelos olhos da sociedade. Do século XVII até hoje houve uma mistura perigosa de avanços e retrocessos. A questão que fica é: quem são as Artemisas de hoje? Para perceber isso é preciso revisitar a história e questionar o olhar. Trazer a consciência ao real, à aspereza da vida, para não revisitar o passado no presente e transformar o futuro em uma tentativa violenta de reprodução do que já se foi. ☺

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Wunderkind A palavra em alemão usada para designar jovens prodígios cabe perfeitamente em Vivian Kuczynski – curitibana de 16 anos que acaba de lançar o LP Ictus pela Balaclava Records. Texto e Foto Daniel Tupy


wund erkind

vivian kuczynski


P

ara os padrões curitibanos, até que era um final de tarde ameno. O termômetro registrava 13°C. Nesse clima, cheguei no prédio onde mora Vivian Kuczynski, artista que eu imaginava erroneamente que já tinha chegado aos 17 anos. “Tenho 16, na verdade”, ela me corrigiu quando começamos a nossa conversa sobre o seu disco Ictus que foi masterizado por Pedro Soares, produzido e mixado por Gustavo Schirmer e que acabou de ser lançado pela Balaclava Records. “Estou no segundo ano do colegial”, dá para acreditar? Queria eu ter essa noção musical tão cedo. Depois de conhecer o seu home studio, começa oficialmente o nosso bate-papo.

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wund erkind

vivian kuczynski

QUAL A RAZÃO DE ICTUS?

QUAIS FORAM AS SUAS PRIMEIRAS REFERÊNCIAS,

Passei o ano passado lendo o livro O Ouvido Pensante (1992) de R. Murray Schafer, compositor canadense e professor de música. Ele disserta sobre o “som”, a sonoridade das coisas e não da música propriamente dita. Trata como algo físico. Ele explica que o homem sempre busca estar ao redor de sons, nunca sozinho, em silêncio. No instante em que você escuta um som ou uma música, instaura-se um momento de euforia. Você se sente bem, é algo positivo: esse é o fenômeno que ele descreve como Ictus. Na medicina, o termo é relacionado a epilepsia, tipo “euforia”. Fiz uma metáfora com a minha relação com a música, me sinto bem no momento em que componho e consigo me expressar.

LEMBRANÇAS AFETIVAS LIGADAS À MÚSICA?

No instante em que você escuta um som ou uma música, instaura-se um momento de euforia A LETRA DA FAIXA ICTUS É BEM FORTE. QUERIA

Não foi muito pelos meus pais, na verdade. Eles sempre escutaram músicas internacionais, saca? Desde os meus seis anos, tenho um amigo que começou a fazer aula de guitarra. Fui junto e me apaixonei. QUANDO SURGIU O INTERESSE EM COMPOR?

Cara, com uns 10 ou 11 anos. BEM CEDO.

Bem cedo. Só fazia em inglês. Depois, escrevi Muda, em português, para meu EP Sonder (2017). COMO FOI ESSA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA?

14 anos... Foi louco, né? Imagina uma criança dentro de um estúdio! Eu tinha as músicas, conheci o Gustavo Schirmer em um show em que ele estava tocando e descobri que ele tinha um estúdio. Convidei ele para produzir e foi, saca? Não paramos. Só eu e ele, uma coisa mais intimista.A gente conversa bem para caralho. Agora, estou numa pira de fazer as demos em casa e já passo os projetos do Ableton para ele. Assim, construímos em cima, como uma soma. Ele consegue deixar 100% o que eu consegui deixar 60%.

QUE COMENTASSE A MÚSICA COMO UM TODO, MAS PRINCIPALMENTE O TRECHO: “COMO GRITAR? SÓ

VOLTANDO PARA MUDA, ELA É A ÚNICA FAIXA EM

DITO O SILÊNCIO DA JANELA DE CASA. COMO SOLTAR?

PORTUGUÊS DESTE TRABALHO ANTERIOR. AGORA,

MEDO DE ANDAR SÓ NA RUA (...)”

A NOSSA LÍNGUA ESTÁ MUITO MAIS PRESENTE NO

Os primeiros versos da primeira estrofe são bem angustiantes. Eu não saia muito de casa, mesmo. Mais velha, comecei a sair com meus amigos. Eles sempre me apoiavam e me ajudavam. Me sinto bem de sair a noite, então, Medo de andar na rua só significa medo de estar sozinha, de não ter ninguém para abraçar.

SEU REPERTÓRIO. O QUE MUDOU?

Minha relação com o português veio depois. Desde pequena, só escutava música em inglês e fazia aula desde os 8 ou 9 anos. E eu comecei a compor em inglês até por uma questão de vergonha, não querer me expressar totalmente na minha língua que todo mundo ia entender. Fui vendo que era natural.

BRASIL É A PRIMEIRA MÚSICA DO DISCO. NELA, VOCÊ DIZ: “COMO MUDAR SE TODA TERRA RENASCE

E AGORA DEPOIS DO LANÇAMENTO,

EM CHORO? (...)” COMO VOCÊ VÊ O NOSSO PAÍS EM

QUAIS SÃO OS PLANOS?

MEIO A ESSE MOMENTO DELICADO?

Eu não pensei nisso (risos). Como eu ainda estou no Ensino Médio, música ainda é um hobby. Então, depende muito do que for acontecer, mas a ideia é nunca parar de compor e produzir. É isso o que eu amo.☺

É uma crítica social e política, né? Não quis fazer isso de uma forma direta ao governo, mas de como o país está socialmente. Tem muita gente passando fome, sem casa, e a galera gastando dinheiro com outras coisas.



o utsid e w ith the cuties

gumes

OUTSIDE WITH Lucas Tamashiro, da Gumes, senta-se em uma espécie de “de frente com Helo” para falar sobre Adorei Você e otras cositas más... Sentei com o Lucas Tamashiro para bater um papo. Ex-Raça, ex-Ombu, atual Gumes e meu grande amigo. A gente se conheceu pelos meninos da Raça, minha turma do Ensino Médio e, desde então, ele sempre me encontra com sábias e calmas palavras. Esse mood pacífico é tão enraizado no seu jeito de ser e falar que o segundo “disquinho ou EPzão” da Gumes, Adorei Você, está impregnado da mesma leveza. Ao seu lado, nesta empreitada, estão os talentosos Thales Castanheira, Otto e Yann Dardenne. Falamos sobre o passado, terapia e novas parcerias. H: Tantan, eu queria lembrar quando a gente se conheceu… T: Nossa, eu lembro o dia. Eu entrei na Raça e já te conhecia por nome… Teve um ensaio, em 2013, eu acho, e você foi tirar umas fotos. Eu não tinha carro na época e você falou que morava perto de mim e que me daria uma carona. H: Eu te deixei em casa e você tava todo fofo, tipo: “Ah, me deixa no metrô, não se preocupa”.

T: Ah, mas eu sempre sou meio assim. H: E daí nisso você tocou com Raça, Ombu… O que aprendeu nesses anos viajando com eles? T: Puts, aprendi muita coisa. Mas, caramba, que pergunta boa. Grande parte do que eu sou é por causa disso… Musicalmente, como pessoa. H: Te peguei nessa pergunta. T: Pegou porque é uma pergunta boa e a resposta também vai ser boa se eu a encontrar. Ah, acho que aprendi a ser acolhido pela primeira vez. Aprendi a fazer parte de uma coisa, mesmo, que é algo que eu sempre quis. Também tem isso de fazer parte de um grupo maior do que eu, do que a minha individualidade. H: Realmente, foi uma boa resposta. E daí você saiu da Raça e a música se tornou uma atividade secundária. O que te fez voltar a tocar em uma banda? T: A falta que eu senti. Ficar longe me fez perceber

o tamanho dessa falta, a importância que isso tem para mim. Que sempre teve, na verdade. Mas, saturei um pouco, acho. Foi uma coisa mais de espaço pessoal, entender meus limites. H: As letras da Gumes são todas suas e carregam, mesmo, o seu jeitinho. Como é esse processo? T: Acho que escrever carrega significado, mas a grande diferença de projetos anteriores, na verdade, é cantar. É o que me pega: me expor, sou bem tímido e reservado. H: E agora você é meio frontman. T: É… É como as pessoas veem. Seria legal se não fosse. Se eu cantasse e isso fosse só mais um instrumento. Mas, tem algo de visceral na voz, nas coisas que você está pensando serem ditas em voz alta. H: Olhando agora para o Adorei Você, o que ele significa? T: Talvez seja o trabalho que eu mais tenha curtido.


THE CUTIES Foi um processo condensado em um curto espaço de tempo – um mês e meio – e mais regrado. Era como se alguém tivesse contratado a mim e aos meninos. Então, essa experiência mais disciplinada teve reflexo no resultado. O bb foi mais diluído. Às vezes, acho bom que as coisas não sejam tão diluídas. H: Eu achei muito bom que você falou na entrevista para o Monkeybuzz quando comparando os dois trabalhos: “Ah, agora faço terapia”. T: É (risos). Acho que é importante dizer que parte do seu crescimento não é consequência do seu próprio esforço, é você se abrir para outras coisas. Sei lá, achei uma resposta engraçada. H: É ótima! Para mim, mostrou que você tomou um tempo para se questionar,

pensar e repensar. E eu dei risada porque isso realmente aconteceu. T: No Adorei Você, a gente foi menos levado. O fato de você parar e olhar uma coisa por vez e esmiuçar essa coisa, acho que tem relação com terapia. H: O “disquinho ou EPzão” em questão conta com alguns nomes… Produção e mix do Arbex. master do Fernando Sanches. Conta sobre essa experiência de incluir mais pessoas no processo? T: Isso a gente queria desde o começo. No sentido de sair da própria perspectiva. O que também tem a ver com terapia (risos). Talvez, o Arbex tenha sido nosso terapeuta? Enfim, tem a evolução de cada um, também. Estamos tocando melhor, eu tô cantando melhor.

Texto Heloisa Cleaver

Foto

Isabela Yu

No bb, foi a primeira vez que o Yann tocava bateria. H: É! Nesse, ele tá super confiante. É muito interessante o jeito que cada um de vocês toca. Cada personalidade… T: A gente, obviamente, troca ideia de música, mas não é um negócio de listar referências, ou querer soar como algo, fica mais livre para cada um fazer o que quiser. H: Bom, o disquinho tá tudo. Vocês vão lançar mais coisas em breve? T: Já queremos gravar em dezembro, tamo trampando. Mais por coceira do que achar que precisa por planejamento. Ou se é melhor para a banda. Eu gosto de tocar e é isso… Talvez, eu esteja equivocado. H: Não, de jeito maneira. ☺

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Espírito Inquieto

Conversei com a guitarrista e produtora Laetitia Tamko sobre o próximo disco de seu projeto Vagabon durante sua estadia em São Paulo para a última edição do Balaclava Fest Texto Isabela Yu Fotos Tonje Thilesen e Marcela Lorenzetti



esp Ă­rito inq uieto vag a b o n


Há dois anos na estrada com o repertório do EP Persian Garden (2014) e do disco Infinite Worlds (2017), Laetitia Tamko está mais confiante do que nunca sobre suas habilidades musicais. Quem, assim como eu, esteve no último Balaclava Fest em abril deste ano pode confirmar minha teoria sobre a guitarrista e produtora norte-americana: ela é uma das mais interessantes artistas investigando as possibilidades sonoras da guitarra na atualidade. A multi instrumentista faz parte do boom da cena indie feminina nos Estados Unidos. Ela fica ao lado de Snail Mail, SASAMI, Soccer Mommy, Mitski, Jay Som, Frankie Cosmos entre tantas outras. "Comecei minha carreira recentemente, mas a razão pela qual ela foi possível – e porque tenho tantos amigos da cena – é que há muitas mulheres tocando guitarra e produzindo sua própria música", disse após passar o som de sua apresentação em São Paulo. Aliás, ela diz que não se lembra de um cenário que não fosse repleto de mulheres tocando e sendo badass. Nascida em Yaoundé, capital do Camarões, mudouse aos 13 anos para o bairro do Harlem, em Nova York. Formada em engenharia, ela mudou radicalmente de caminho: pediu demissão de seu trabalho "formal" para se jogar em turnês ao redor do mundo. Em entrevistas, Laetitia conta que cresceu escutando música africana, como

Ali Farka Touré (Mali) e Manu Dibango (Camarões). Só depois vieram as cantoras pop como Mariah Carey e Whitney Houston. Para balancear a sua formação musical, também era fã de shows de punk, algo que inspirou suas primeiras investigações sonoras. "Infinite Worlds é um álbum de rock, com guitarra, baixo e bateria. Tocava muito punk, mas há dois anos acabo escutando mais música no meu fone do que ao vivo", explica sobre as novas referências do segundo disco autointitulado, que será lançado no dia 18 de outubro. Além dos instrumentos base, Laetitia usou elementos eletrônicos. No dia da nossa conversa, a artista tinha acabado de encerrar o processo de gravação – totalmente embebido em sonoridades R&B. Logo depois, lançou os singles "Flood" e "Water Me Down", composições que apresentaram ao público os novos territórios que Vagabon passou a desbravar. Durante o tempo em que fica na estrada, ela mergulha na experiência da viagem e tenta se aprofundar na cultura local: "Muitas pessoas conseguem escrever quanto viajam, mas ainda não achei uma rotina de escrita. O disco novo demorou tanto a sair porque eu estava viajando e não pensando em escrever músicas. Aprendi que preciso criar tempo para compor". Por outro lado, a experiência ao vivo muito mais especial e presente: "Fazer turnês é o melhor jeito de ensaiar. Gosto

de fazer na frente de pessoas e não tenho medo de não ter um show perfeito. Isso torna tudo mais pessoal, quero que as pessoas sintam que são minhas amigas. Gosto dessa rotina porque consigo praticar meu instrumento e ficar melhor todas as noites". Por aqui, a situação não foi diferente: um show emocionante, íntimo e muito poderoso. O espírito curioso, presente no nome de seu projeto, surgiu de um "apelido" de sua mãe. A guitarrista sempre foi muito interessada pelo mundo e pelas diferentes culturas espalhadas nele. "Não sou originalmente dos Estados Unidos. Então, sempre que saio do país, me sinto mais em casa do que no meu apartamento", revela sobre o sentimento inquieto. Ao mesmo tempo que passar muito tempo viajando acaba desestabilizando sua rotina, como explica, a possibilidade de conhecer novos lugares é muito sedutora. Quando estava na capital paulista, buscava um souvenir específico: "Já dei umas voltas a pé, quero ir em um museu e em uma loja de cristais. Escutei de amigos que eu deveria procurá-los por aqui. Você sabe onde encontrar nesse bairro?" ☺

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Edição 5 Outubro de 2019 A @RevistaBalaclava é um projeto idealizado por Heloisa Cleaver e Isabela Yu. DIREÇÃO EDITORIAL Isabela Yu @isabelayu PRODUÇÃO EXECUTIVA Heloisa Cleaver @helocleaver PROJETO GRÁFICO Ana David @ana__david @gomaoficina e Thais Jacoponi @thatajacoponi DIREÇÃO DE ARTE Thais Jacoponi @thatajacoponi EDIÇÃO E REVISÃO Pedro João @pedrojcamargo JORNALISTA RESPONSÁVEL Isabela Yu (Mtb 89266)

COLABORADORES Amanda Brolese @amandabrolese Amanda Pris @amandapr.s André Dip @_dipweb BabyGirl @babygirlcami Breno Liguori @breno.liguori Camila de Alexandre @showerofvibes Camila Tuon @camilatuon Charlie Noir @ch_._rl Daniel Tupy @daniel.tupy Diola Gabriele @diolinha Gabriela Monteiro @gbxla Isabella Purkote @iprkt Isadora Almeida @almeidadora Karla Brights @karlabrights Laura Laina @lauralalaina Luciana Barreto @997lux Marcela Lorenzetti @actualiity Mariana Marvão @marimarvao Mylena Saza @mylenasaza Thais Regina @apropriathaisregina AGRADECIMENTOS Brava, Budweiser, Casa Paulo, Eduardo Urzedo, Espaço, Jack Daniel's, Yasmin Kalaf e Zig Duplex

@BalaclavaRecords é Fernando Dotta, Rafael Farah, Isabela Yu e Francine Ramos - imprensa@balaclavarecords.com Fale e anuncie na revista heloisa@balaclavarecords.com

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