Meio ambiente - Rio Hamza Parintins

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[ meio ambiente ]

68 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo


Em agosto deste ano, foram apresentados à comunidade científica dados que apontam a existência de um curso d’água subterrâneo embaixo do rio Amazonas. Em entrevista à ECOAVENTURA, a pesquisadora Elizabeth Tavares Pimentel — uma das responsáveis por essa descoberta — conta detalhes sobre o “rio” batizado de Hamza Parintins

foto: wILSON FEITOSA

Por: Bárbara Blas | Arte: glauco dias

ecoaventura 69


[ meio ambiente ]

C

chuvas

omo se não bastasse a impo-

— fundamentais para se chegar às con-

nência do rio Amazonas — o

clusões preliminares do trabalho — foi

maior do mundo em volume de

obtida a velocidade da movimentação

água e comprimento —, uma

de fluidos em profundidade aproximada

descoberta promete evidenciar ainda mais

de quatro mil metros. Portanto, a inter-

a região. O destaque da vez não enfatiza a

pretação dos pesquisadores é de que a

sua grandeza, tampouco o famoso cenário

região amazônica possui dois sistemas

do encontro entre o Negro e o Solimões,

de descargas de fluidos: um de

mas sim um “rio” que corre embaixo dele a

drenagem na superfície (rio

quatro mil metros de profundidade. Essa é

Amazonas) e outro fluxo sub-

a conclusão a qual chegaram a doutoranda

terrâneo. Em homenagem ao

Elizabeth Tavares Pimentel e seu orienta-

orientador — um indiano natu-

dor, Valiya Mannathal Hamza, após anali-

ralizado brasileiro espe-

sarem dados da temperatura de 241 poços

cialista em geotermia

profundos perfurados pela Petrobrás à pro-

—, o “rio” havia sido

cura de petróleo na região amazônica, nas

batizado de Hamza. En-

décadas de 1970 e 1980. A pesquisa foi

tretanto, após críticas de

apresentada em agosto no 12º Congresso

moradores da Amazônia

Internacional da Sociedade Brasileira de

com relação ao nome,

Geofísica, no Rio de Janeiro.

foi sugerido renomeá-lo

Elizabeth, natural de Parintins-AM, já

de Hamza Parintins para

se dedicava à área de geofísica desde

homenagear também a

o mestrado na Ufam (Universidade Fe-

cidade natal de Elizabeth.

aquíferos

deral do Amazonas), instituição na qual é professora, e em 2010, iniciou sua pesquisa no Observatório Nacional (Rio de Janeiro) sobre a “estrutura termal da crosta na região amazônica: implicações para ocorrências de recursos geotermais e mudanças climáticas recentes”. O estudo abrange os estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Pará, além de parte do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, e é delimitado ao território nacional. “A relação direta entre o doutorado e a descoberta é a análise de dados de temperatura para cálculo dos gradientes geotérmicos, que foi o primeiro passo da pesquisa, com objetivo de caracterizar a crosta na região amazônica. Os resultados mostraram a grande movimentação de água na direção vertical, e isso foi surpreendente”, conta Elizabeth. A partir das informações sobre as temperaturas 70 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo

poros das rochas sedimentares


0m 2000m

Rio Amazonas

4000m

Rio Hamza Parintins

ecoaventura 71


[ meio ambiente ] Área de estudo

de apenas 3% desse volume, ou seja, cerca de 3.900 metros cúbicos por segundo. A largura do rio subterrâneo pode variar de duzentos a quatrocentos quilômetros — distância bem maior do que a verifica-

RR

S

Sol

imõ

es

MANAUS

S ITO IOU

dois metros por segundo, dependendo do local, em contraposição à do Hamza Parin-

a eir

Rio

Amazonas é muito superior, entre 0,1 e

nas

azo Rio Am

U PUR

Rio

um a cem quilômetros. Já a velocidade do

Neg ro

PÁ GURU

Rio

da entre as margens do Amazonas, de

AP

PA

d Ma

MA

tins, de dez a cem metros ao ano. Isso porque não há túneis por onde a água possa

AM

escorrer e, assim, ela se infiltra lentamenAC

TO

RO

Bacias sedimentares nas quais o Hamza Parintins está presente

te nos poros das rochas sedimentares. A qualidade da água ainda não foi analisada, portanto, não é possível afirmar se

MT

é própria para consumo ou se precisa de

Acre

tratamento. Atualmente, sua retirada é in-

Solimões

viável, principalmente pela questão finan-

Amazonas

ceira, mas Elizabeth acredita que, com o

Marajó

avanço das tecnologias, isso poderá acon-

Barreirinhas

tecer no futuro. “Além disso, está descartada a viabilidade da existência de seres Os pesquisadores de geotermia do Observatório Nacional Elizabeth Pimentel, Fábio Vieira e Valiya Hamza fazem medições de propriedades térmicas de rochas das bacias sedimentares na região amazônica

Características O fluxo subterrâneo — com estimados seis mil quilômetros de comprimento — pode ser o maior rio subterrâneo do mundo. Ele se estende por toda a área das bacias sedimentares da região, o que inclui, em superfície, toda a extensão do rio Amazonas e os outros cursos d’água que compõem a bacia fluvial amazônica. Segundo Elizabeth, não foi determinada uma nascente, já que as águas da superfície (chuvas, rios, aquíferos etc.) alimeno rio Amazonas, está no oceano Atlântico. Outra semelhança entre eles é a direção do percurso da água: de oeste para leste. Várias são as diferenças notadas. Enquanto a vazão do Amazonas é estimada em 133 mil metros cúbicos de água por segundo, a média do Hamza Parintins é 72 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo

foto: grupo de geotermia

tam o Hamza Parintins. Já a foz, tal qual

vivos, visto que não possui oxigênio para sustentar formas de vida no ambiente de sedimentos permeáveis”, justifica.


Rio Amazonas

Por que foi considerado um “rio”?

Velocidade 0,1 a 2 m/s sentido oeste para leste na superfície

Algumas polêmicas foram levanta-

Largura 1 a 100km

das acerca da classificação desse corpo d’água como rio. Elizabeth explica que o termo “rio” foi usado no sentido genérico

Vazão 133.000 m³/s

Extensã

o 6.992 ,06km*

para referir-se a esse fluxo de águas subterrâneas e não se configura como um “rio

Rio Hamza Parintins Velocidade 10 a 100 m/ano sentido oeste para leste a 4.000 m de profundidade

na superfície”, originário de descargas de águas pluviais. Além disso, o orientador afirma que o termo “rio” possui mais de

Largura 200 a 400km

37 definições na literatura e não há limitação científica de uma velocidade mínima ou máxima para ser considerado como tal. Outro argumento relevante é de que a

Extensã o

vazão do Hamza Parintins (3.900 metros

* (Inpe) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais 2008 Os valores são aproximados

cúbicos por segundo) é bem maior do que

Vazão 3.900 m³/s

6.000km

a do rio São Francisco (2.850 metros cúbicos por segundo), por exemplo. A pesquisadora complementa que a

pesquisas na Amazônia é bastante caro

mais informações sobre a geologia lo-

movimentação de águas com velocida-

e não há financiamento específico para

cal e sobre os parâmetros físicos envol-

de aproximada de 100 metros por ano

trabalho de campo. Essa é a fase atual

vidos, como a condutividade térmica.

— máxima estimada para o Hamza — é

do doutorado, na qual Elizabeth busca

“Ainda tenho dois anos para continuar

comparável a de rios que correm debai-

Elizabeth Pimentel e Fábio Vieira realizam perfilagens (obtenção da temperatura variando a profundidade) em poços artesianos em Boa Vista-RR

xo de geleiras. Foi descartada a possibilidade de se tratar de um aquífero. Isso porque esse tipo de corpo d’água, embo-

a pesquisa e pretendo obter mais dados experimentais para solidificar a teoria”, vislumbra.

ra também ocorra entre os poros das rochas, implica em reservatórios de águas relativamente estagnadas, e, como este se movimenta, a classificação de rio seria mais coerente.

Caminho a percorrer A pesquisadora confessa que não esperava tamanha repercussão de seu trabalho — que ganhou destaque na impacto desse fluxo de águas subterrâneas tem que ser incluído na avaliação do sistema hidrológico da região amazônica. Entretanto, a questão financeira é um grande obstáculo, pois realizar

foto: valiya hamza

mídia internacional — e defende que o

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