[ meio ambiente ]
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Em agosto deste ano, foram apresentados à comunidade científica dados que apontam a existência de um curso d’água subterrâneo embaixo do rio Amazonas. Em entrevista à ECOAVENTURA, a pesquisadora Elizabeth Tavares Pimentel — uma das responsáveis por essa descoberta — conta detalhes sobre o “rio” batizado de Hamza Parintins
foto: wILSON FEITOSA
Por: Bárbara Blas | Arte: glauco dias
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C
chuvas
omo se não bastasse a impo-
— fundamentais para se chegar às con-
nência do rio Amazonas — o
clusões preliminares do trabalho — foi
maior do mundo em volume de
obtida a velocidade da movimentação
água e comprimento —, uma
de fluidos em profundidade aproximada
descoberta promete evidenciar ainda mais
de quatro mil metros. Portanto, a inter-
a região. O destaque da vez não enfatiza a
pretação dos pesquisadores é de que a
sua grandeza, tampouco o famoso cenário
região amazônica possui dois sistemas
do encontro entre o Negro e o Solimões,
de descargas de fluidos: um de
mas sim um “rio” que corre embaixo dele a
drenagem na superfície (rio
quatro mil metros de profundidade. Essa é
Amazonas) e outro fluxo sub-
a conclusão a qual chegaram a doutoranda
terrâneo. Em homenagem ao
Elizabeth Tavares Pimentel e seu orienta-
orientador — um indiano natu-
dor, Valiya Mannathal Hamza, após anali-
ralizado brasileiro espe-
sarem dados da temperatura de 241 poços
cialista em geotermia
profundos perfurados pela Petrobrás à pro-
—, o “rio” havia sido
cura de petróleo na região amazônica, nas
batizado de Hamza. En-
décadas de 1970 e 1980. A pesquisa foi
tretanto, após críticas de
apresentada em agosto no 12º Congresso
moradores da Amazônia
Internacional da Sociedade Brasileira de
com relação ao nome,
Geofísica, no Rio de Janeiro.
foi sugerido renomeá-lo
Elizabeth, natural de Parintins-AM, já
de Hamza Parintins para
se dedicava à área de geofísica desde
homenagear também a
o mestrado na Ufam (Universidade Fe-
cidade natal de Elizabeth.
aquíferos
deral do Amazonas), instituição na qual é professora, e em 2010, iniciou sua pesquisa no Observatório Nacional (Rio de Janeiro) sobre a “estrutura termal da crosta na região amazônica: implicações para ocorrências de recursos geotermais e mudanças climáticas recentes”. O estudo abrange os estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Pará, além de parte do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, e é delimitado ao território nacional. “A relação direta entre o doutorado e a descoberta é a análise de dados de temperatura para cálculo dos gradientes geotérmicos, que foi o primeiro passo da pesquisa, com objetivo de caracterizar a crosta na região amazônica. Os resultados mostraram a grande movimentação de água na direção vertical, e isso foi surpreendente”, conta Elizabeth. A partir das informações sobre as temperaturas 70 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo
poros das rochas sedimentares
0m 2000m
Rio Amazonas
4000m
Rio Hamza Parintins
ecoaventura 71
[ meio ambiente ] Área de estudo
de apenas 3% desse volume, ou seja, cerca de 3.900 metros cúbicos por segundo. A largura do rio subterrâneo pode variar de duzentos a quatrocentos quilômetros — distância bem maior do que a verifica-
RR
S
Sol
imõ
es
MANAUS
S ITO IOU
dois metros por segundo, dependendo do local, em contraposição à do Hamza Parin-
a eir
Rio
Amazonas é muito superior, entre 0,1 e
nas
azo Rio Am
U PUR
Rio
um a cem quilômetros. Já a velocidade do
Neg ro
PÁ GURU
Rio
da entre as margens do Amazonas, de
AP
PA
d Ma
MA
tins, de dez a cem metros ao ano. Isso porque não há túneis por onde a água possa
AM
escorrer e, assim, ela se infiltra lentamenAC
TO
RO
Bacias sedimentares nas quais o Hamza Parintins está presente
te nos poros das rochas sedimentares. A qualidade da água ainda não foi analisada, portanto, não é possível afirmar se
MT
é própria para consumo ou se precisa de
Acre
tratamento. Atualmente, sua retirada é in-
Solimões
viável, principalmente pela questão finan-
Amazonas
ceira, mas Elizabeth acredita que, com o
Marajó
avanço das tecnologias, isso poderá acon-
Barreirinhas
tecer no futuro. “Além disso, está descartada a viabilidade da existência de seres Os pesquisadores de geotermia do Observatório Nacional Elizabeth Pimentel, Fábio Vieira e Valiya Hamza fazem medições de propriedades térmicas de rochas das bacias sedimentares na região amazônica
Características O fluxo subterrâneo — com estimados seis mil quilômetros de comprimento — pode ser o maior rio subterrâneo do mundo. Ele se estende por toda a área das bacias sedimentares da região, o que inclui, em superfície, toda a extensão do rio Amazonas e os outros cursos d’água que compõem a bacia fluvial amazônica. Segundo Elizabeth, não foi determinada uma nascente, já que as águas da superfície (chuvas, rios, aquíferos etc.) alimeno rio Amazonas, está no oceano Atlântico. Outra semelhança entre eles é a direção do percurso da água: de oeste para leste. Várias são as diferenças notadas. Enquanto a vazão do Amazonas é estimada em 133 mil metros cúbicos de água por segundo, a média do Hamza Parintins é 72 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo
foto: grupo de geotermia
tam o Hamza Parintins. Já a foz, tal qual
vivos, visto que não possui oxigênio para sustentar formas de vida no ambiente de sedimentos permeáveis”, justifica.
Rio Amazonas
Por que foi considerado um “rio”?
Velocidade 0,1 a 2 m/s sentido oeste para leste na superfície
Algumas polêmicas foram levanta-
Largura 1 a 100km
das acerca da classificação desse corpo d’água como rio. Elizabeth explica que o termo “rio” foi usado no sentido genérico
Vazão 133.000 m³/s
Extensã
o 6.992 ,06km*
para referir-se a esse fluxo de águas subterrâneas e não se configura como um “rio
Rio Hamza Parintins Velocidade 10 a 100 m/ano sentido oeste para leste a 4.000 m de profundidade
na superfície”, originário de descargas de águas pluviais. Além disso, o orientador afirma que o termo “rio” possui mais de
Largura 200 a 400km
37 definições na literatura e não há limitação científica de uma velocidade mínima ou máxima para ser considerado como tal. Outro argumento relevante é de que a
Extensã o
vazão do Hamza Parintins (3.900 metros
* (Inpe) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais 2008 Os valores são aproximados
cúbicos por segundo) é bem maior do que
Vazão 3.900 m³/s
6.000km
a do rio São Francisco (2.850 metros cúbicos por segundo), por exemplo. A pesquisadora complementa que a
pesquisas na Amazônia é bastante caro
mais informações sobre a geologia lo-
movimentação de águas com velocida-
e não há financiamento específico para
cal e sobre os parâmetros físicos envol-
de aproximada de 100 metros por ano
trabalho de campo. Essa é a fase atual
vidos, como a condutividade térmica.
— máxima estimada para o Hamza — é
do doutorado, na qual Elizabeth busca
“Ainda tenho dois anos para continuar
comparável a de rios que correm debai-
Elizabeth Pimentel e Fábio Vieira realizam perfilagens (obtenção da temperatura variando a profundidade) em poços artesianos em Boa Vista-RR
xo de geleiras. Foi descartada a possibilidade de se tratar de um aquífero. Isso porque esse tipo de corpo d’água, embo-
a pesquisa e pretendo obter mais dados experimentais para solidificar a teoria”, vislumbra.
ra também ocorra entre os poros das rochas, implica em reservatórios de águas relativamente estagnadas, e, como este se movimenta, a classificação de rio seria mais coerente.
Caminho a percorrer A pesquisadora confessa que não esperava tamanha repercussão de seu trabalho — que ganhou destaque na impacto desse fluxo de águas subterrâneas tem que ser incluído na avaliação do sistema hidrológico da região amazônica. Entretanto, a questão financeira é um grande obstáculo, pois realizar
foto: valiya hamza
mídia internacional — e defende que o
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