Meio ambiente - Amianto

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[ meio ambiente ]

A fibra que constrói e destrói O amianto ganhou destaque no último século pela sua resistência, mas os danos à saúde e ao meio ambiente hoje atraem maior atenção. Mesmo assim, na contramão da tendência mundial, o Brasil insiste em explorá-lo Por: Bárbara Blas | fotos: inácio teixeira | Arte: Mila Costa

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Quem não conhece a história do “cânion” de Bom Jesus da Serra-BA pode até imaginar que se trata de uma paisagem natural. Entretanto, é parte da memória dos ex-trabalhadores da mina de São Félix do Amianto, já que o vale foi criado pela extração de rochas do mineral

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[ meio ambiente ]

I

ndestrutível, super resistente — ao

no setor automotivo (em lonas e pasti-

Após longo período de latência, esse

calor, ao ataque de microorganismos,

lhas de freios, discos de embreagem),

“mineral mágico” mostra sua vocação

a p ro d u to s qu í m i c o s e t c . — , n ã o -

revestimentos e isolamentos térmicos e

destruidora, e as partículas instaladas no

-combustível, isolante térmico, barato

acústicos, entre outros.

corpo levam a vítima ao adoecimento por

e abundante na crosta terrestre. Esses

O amianto (do latim, incorruptível)

câncer ou outras doenças [veja no box da

são os principais predicados que popu-

ou asbestos (da palavra grega incom-

pág. 84]. Quando o ser humano intervém e

larizaram o amianto. “Do ponto de vista

bustível) é um mineral fibroso que

altera suas características físicas durante

tecnológico, é um material nobre”, expli-

se apresenta na natureza como uma

a exploração, o mineral produz uma poeira

ca Fernanda Giannasi, auditora-fiscal do

rocha com “cabelinhos” — daí surgiu

de partículas ínfimas que, naturalmente,

MTE (Ministério do Trabalho e Emprego)

a expressão “fibras de amianto”. Por

não deveria existir ou, pelo menos, não na

em São Paulo e coordenadora da Rede

atrito entre as pedras, transforma-se

quantidade exorbitante gerada pela ação

Virtual pelo Banimento do Amianto na

em poeira muito fina de coloração

do homem. “Pelos ventos e geleiras, há des-

América Latina. Atualmente, a constru-

branca que pode ser inalada, o que é

prendimento na atmosfera, mas o caráter

ção civil é o setor que mais se beneficia

muito comum entre trabalhadores e

epidêmico de suas consequências ocorreu

de suas propriedades na produção de

indivíduos que circulam próximos às

a partir do momento em que passou a ser

artefatos de cimento-amianto, como te-

minas, ou ingerida, já que as fibras

utilizado em escala industrial”, afirma Fer-

lhas, caixas d’água, forros e pisos, mas

presentes em caixas d’água e tubula-

nanda, que é uma referência no Brasil e no

ele também é usado pela indústria têxtil,

ções se soltam com o tempo.

mundo pelo banimento do amianto.

Os defensores do amianto argumentam que não existe material de qualidade equivalente a ele. O que não é verdade: há diversas alternativas disponíveis, como plástico, polipropileno, fibras vegetais, concreto, metais, entre outras, e muitas empresas já têm ou estão desenvolvendo produtos sem amianto

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Próximo à redação da ECOAVENTURA, no bairro do Bom Retiro (São Paulo), diversas construções ainda utilizam telhas e caixas d’água de amianto, apesar da proibição na cidade

Tipos de amianto Os dois tipos de amiantos encontrados são as crisotilas e os anfibólios. No Brasil, só temos a comercialização da crisotila, um silicato hidratado de magnésio, conhecido também como amianto “branco”, que corresponde a mais de 95% do explorado no mundo. O anfibólio possui alta concentração de ferro e é proibido na maior parte do planeta. Entretanto, Fernanda é incisiva ao defender que “essa distinção de um amianto que faz mal (anfibólio) e outro que não faz (crisotila) é uma questão mercadológica, porque ela não se sustenta tecnicamente. Sob todas as formas e tipos, o amianto é cancerígeno”. A afirmação é comprovada por um relatório do INSERM (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França), publicado em 1996. Portanto, não há limites seguros de exposição humana ao amianto de qualquer tipo.


[ meio ambiente ] Utilização ao longo da história

Assim como José Raimundo Pereira, centenas de pessoas trabalharam na mina de São Félix do Amianto sem serem informadas sobre a nocividade do mineral

É possível que haja outros impactos ambientais, como o implícito em um estudo publicado em 2006, no qual os autores, para comparação, usaram o amianto como substância altamente causadora de danos no DNA. “Há raros artigos científicos sobre a contaminação da água, solo e animais aquáticos pelo amianto, portanto, não sabemos quase nada a respeito dos efeitos ecológicos desse mineral”, alerta o Prof. Dr. Denis Moledo de Souza Abessa, especialista em gerenciamento costeiro e ecotoxicologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Por isso, são necessários estudos específicos, mas, de qualquer forma, o professor recomenda cuidado, já que pelo menos os danos à saúde humana estão comprovados.

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Há relatos de utilização do amianto anteriores à era cristã e ao longo da História adicionado ao barro para deixar utensílios domésticos mais resistentes, na composição de pavios de lamparinas mantidas permanentemente acesas e em tecidos nos quais eram ateados fogo, mas não queimavam, para deslumbrar os que não conheciam aquele material. Além disso, foi usado para incineração — prática que misturava religiosidade e costumes da época, pois se acreditava que, desse modo, os corpos ficariam puros. Durante a Revolução Industrial, foi empregado no revestimento de máquinas a vapor para armazenamento do calor. Há pouco mais de um século, o austríaco Ludwig Hatschek descobriu o fibrocimento — mistura entre o amianto e o cimento de alta resistência nomeada de Eternit, uma referência a aeternus, que, em latim, significa eterno. O inventor concedeu licenças para o uso dessa tecnologia, mas somente uma em cada país, e todos eram obrigados a utilizar o nome Eternit. Desse modo, diversas empresas ao redor do mundo adotaram a marca. Nessa mesma época, surgiram os primeiros estudos que comprovavam a nocividade do amianto na Inglaterra, embora tenham casos documentados de mortes de escravos atribuídas ao mineral há mais de dois mil anos.

Amianto depositado ao ar livre em frente ao Colégio Hipólito Gustavo Pujol, o único do então Distrito de Bom Jesus da Serra na época da mineração. Foto tirada em novembro de 2011


A discussão atual

mineral, e ainda está em tramitação.

cidade de Bom Jesus da Serra e graves

Estão em andamento, também, vários

riscos à saúde de seus habitantes.

O primeiro projeto de lei federal

processos para a indenização de ex-

Cinco estados brasileiros já proibiram a

brasileiro para a proibição do amian-

-trabalhadores das minas e familiares

exploração e a comercialização de produtos

to surgiu em 1993 e solicitava o seu

— que, na época, não eram esclareci-

que contenham a fibra: São Paulo, Rio de

banimento, de forma gradual, em um

dos quanto à nocividade do amianto

Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e

prazo de cinco anos. Dois anos mais

—, além de uma grande ação dos mi-

Mato Grosso. Entretanto, ela ainda é muito

tarde, foi aprovada a lei para seu uso

nistérios públicos Federal e do Estado

utilizada no País — que ocupa o terceiro lugar

controlado. Em 1996, um novo projeto

da Bahia contra a Sama [veja box abaixo]

na produção mundial de amianto e é grande

de lei foi apresentado para proibição do

pelo dano ambiental significativo na

exportador, especialmente, para a Ásia.

O caso brasileiro Em um momento de expansão da mineração de amianto no final dos anos 1930, as companhias europeias saíram em busca de outras jazidas e, entre elas, foi encontrada uma de grande potencial em Poções-BA, no então Distrito de Bom Jesus da Serra, emancipado há 22 anos. Antes disso, houve algumas pequenas minerações no Brasil, mas a primeira exploração em escala industrial foi na mina de São Félix do Amianto. A mineradora responsável era a Sama (Sociedade Anônima de Mineração de Amianto), controlada pelo grupo francês Brasilit, e atuou na Bahia de 1939 até 1967. Nesse mesmo ano, a Sama, com capital da Brasilit e também da empresa Eternit suíço-belga, iniciou a exploração na Mina de Cana Brava, em Minaçu-GO, que possuía amianto de melhor qualidade, em maior abundância, além de não ser necessário cavar tão profundamente para encontrá-lo. Essa mina garantiu a autossuficiência brasileira e é a única autorizada para a extração do mineral até hoje, porém, a empresa responsável, que agora se apresenta como S.A. Minerações Associadas, não possui mais investimento estrangeiro e pertence ao grupo da Eternit brasileira. Já no local onde funcionava a mina de Bom Jesus da Serra, o que restou das escavações para extrair o amianto foi um vale artificial, conhecido como “cânion” pelos moradores, com lago — que apresenta cor esverdeada devido ao magnésio do amianto — formado pelas águas do lençol freático, que emergiram. O espaço é utilizado para lazer, pesca e fonte de abastecimento de água.

Segundo o Prof. Dr. Denis Abessa, é preciso haver estudos específicos sobre o “cânion” de Bom Jesus da Serra-BA, pois o mineral pode contaminar peixes e tornar a água imprópria para consumo pelos altos índices de ferro e magnésio — elementos capazes de acelerar a reprodução das algas e, com isso, aumentar a mortandade de organismos aquáticos

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[ meio ambiente ]

Quando a mineração era ativa em Bom Jesus da Serra, os habitantes diziam que nevava no município, já que o pó do amianto se assemelhava aos flocos brancos das regiões frias. Além da “neve”, o mineral trouxe dezenas de habitantes ao cemitério Branca de Neve

Fernanda tem a convicção de que o

Doenças desencadeadas pelo amianto

banimento é uma saída viável, até porque

O pulmão é o órgão mais atingido pela aspiração do mineral e, portanto, os sintomas são geralmente relacionados a problemas respiratórios, que podem levar ao óbito. As doenças são de longa latência (levam muitos anos para se manifestar) e podem acometer não só trabalhadores, mas toda a população exposta ao amianto asbestose (ou pulmão de pedra) endurecimento do pulmão, que perde progressivamente a capacidade de expandir e leva à morte por asfixia. Ocorre porque o pó gerado pelo amianto atinge as partes mais internas desse órgão. É uma doença crônica e que atinge, em sua maioria, trabalhadores expostos

66 países, segundo a Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), já extinguiram a fibra, entre eles o Japão, todos os integrantes da União Europeia e os latino-americanos Argentina, Chile e Uruguai. Entretanto, a ativista acredita que uma legislação não será suficiente e considera o desestímulo ao consumo e a divulgação

câncer pulmão, laringe, ovário e aparelho digestório

mais incisiva tão importantes quanto a lei. “Hoje se sabe muito mais do que há 20 ou 30 anos, mas ainda é insuficiente para que a população tome a decisão de um consumo consciente que recuse produtos com amianto”, revela. Por isso, a Rede Ban Asbestos — iniciativa mundial antiamianto — e outras organizações têm se empenhado no

mesotelioma

esclarecimento ao público, na busca pela

pleura (membrana que reveste o pulmão), peritônio (membrana que reveste as paredes do abdome) e pericárdio (membrana que reveste o coração) é um tumor muito raro, agressivo, incurável e se desenvolve com mais frequência em pessoas que tiveram exposição indireta (ao consumir produtos com amianto ou residir próximo a minas ou fábricas, por exemplo)

recuperação das áreas degradadas e inde-

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nização das vítimas, além do trabalho junto à esfera política para convencer o Executivo a tomar uma posição definitiva.


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