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José Gerardo Vasconcelos Francisca Karla Botão Aranha

CORPO, PROSTITUIÇÃO E EDUCAÇÃO SEXUAL NO TERRITÓRIO DO PRAZER

José Gerardo Vasconcelos Francisca Karla Botão Aranha

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O verdadeiro homem quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso quer a mulher: o jogo mais perigoso. (Friedrich Nietzsche)

Era mais ou menos umas oito horas da noite, saíamos da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Ceará e seguíamos para outro espaço de aprendizagem, no centro do cidade de Fortaleza. Na avenida Imperador, entre as ruas Pedro Pereira e Pedro I avistávamos o nosso lócus de pesquisa. Uma casa de prostituição denominada de Gata Garota. Logo, somos barrados por um segurança, vestido de preto que ocupava toda entrada de um longo corredor que nos levaria ao coração de nosso território. Faz cara de mal, solicita com cara de poucos amigos a documentação e, talvez para ganhar respeito, ou marcar território, olha atento para nossos corpos, certifcando-se que não causamos, pelo menos à primeira vista, perigo ao recinto. Após a realização desse ato, a entrada é enfm liberada para que se penetre nesse ambiente recheado de mistério e cheio de volúpia.

O citado salão é constituído de imensos cartazes de dançarinas em trajes menores. Nesse mesmo espaço podemos visualizar um bar situado à esquerda atrelado ao caixa, e sobre o bar, o comando de som. Muitas cadeiras e mesas no devido espaço, e no meio desse, um pequeno palco, e do lado do pequeno palco um compartimento minúsculo, lugar esse onde as dançarinas profssionais do sexo se preparam com trajes insinuantes, seja uma roupa inventada pela própria garota ou uma fantasia comprada em lojas do centro da cidade.

No fnal do corredor uma luz vermelha chama a atenção dos clientes, nela escrita a palavra MOTEL, lugar esse reservado para os programas contratados pelos clientes no referido território de prazer. Ao lado podemos encontrar dois banheiros, um masculino e um feminino.

Mulheres e homens circulam nesse território. Saltos femininos exibem compassos e exaltam as curvas femininas ao som da música que invade nossos ouvidos. O cheiro de bebida invade todo o território. Entre as mesas as dançarinas exibem as suas formas em traços de volúpias e movimentos. Foi nesse território que conhecemos uma de nossas entrevistadas, que hoje diz ser uma ex-prostituta, a qual nos informa como ela concebe o puteiro:

O puteiro é um ambiente muito alegre, possui o dinamismo da música, as atenções são voltadas para as mulheres. Por mais que a prostituição tenha seu lado ruim, não se pode esquecer que é nesse ambiente que as putas sentem-se em seu território. Lá elas são desejadas, aplaudidas, escolhidas mesmo que por alguns instantes é despertado o sentimento de atenção.

Sob o olhar de uma autora pesquisadora, eis a defnição de um prostíbulo. Sousa (2000):

O ambiente de um prostíbulo é algo lúdico, no qual tudo é, aparentemente, permitido, lá se espera concretizar as fantasias sexuais que, por uma série de razões, não têm lugar apropriado e não são permissíveis no lar com a esposa (SOUSA, 2000, p.103).

Nesse mesmo território onde o prazer é exaltado, pode-se também localizar marcas de descompassos que desencadeiam cuidados referentes ao corpo, sobretudo, os esmeros realizados pelas profssionais do sexo em relação a uma preservação contra DST (Doença Sexualmente Transmissíveis).

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Abordar a educação sexual não é novidade, principalmente quando se pensa a questão da sexualidade vista de forma histórica, entretanto faz necessário lançar nosso olhar ao grande alvo. Produto e efeito do poder. Aquele que desperta nossos instintos mais primitivos: o corpo.

Os cuidados com o corpo vão se desenvolvendo em conexões múltiplas. Espaços, territórios e lugares lampejam em plena apropriação e possibilidades de controle. São modos impactantes nem sempre caracterizados de acordo com a época, mas inseridos em momentos de territorialidades que se desmancham nas teias de uma sociedade, cujas marcas estão introduzidas, em compartilhamento de signos estéticos, espaços de sempre novas conceituações ou lugares que se desarrumam para considerar novos aspectos de “pura” beleza.

Vale ressaltar que o corpo é teia de signifcados espaciais. Transgride o tempo e o espaço e se esmera em sempre novas construções territoriais, pelas quais são aferidos em distintas marcas ou diferentes congraçamentos espaço-temporais. Para evocar incertezas impactantes, ou recobrir com o manto da vergonha as curvas sinuosas, o corpo sofre transformações, ou seja, é mutável e mutante, apto a inúmeras intervenções de acordo com o desenvolvimento científco e tecnológico de cada cultura e suas máquinas de controle.

De acordo com Del Priore (2000), foi no transcorrer do século XX que a mulher se despiu. Visto que o nu dos corpos apresentados na mídia, ou seja, na televisão, nas revistas, nas praias, interferiram para que o corpo, desvelasse em público e, consequentemente, fosse se banalizando para atender os impulsos sexuais. Para tal exposição, foram necessários muitos cuidados com o corpo, como uso excessivo de cremes, vitaminas, silicones e colágenos. Assim, revela Del Priore (2000):

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Uma estética esportiva voltada ao culto do corpo, fonte inesgotável de ansiedade e frustração, levou a melhor sobre a sensualidade imaginária e simbólica. Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da desgraça da rejeição social (DEL PRIORE, 2000, p.11).

Quando se faz necessário expor a sensualidade à for da pele, praticar exercícios envolventes e inovadores, buscar atividades corporais em outros estados de pureza ou campartilhamento que acelere a performance corporal a busca da plenitude da beleza se justifca. Nossa entrevistada fala da chegada da arte do Poli Dance1, ou seja, como essa foi aderida: Fui a São Paulo em 2001, lá as meninas já faziam essa dança, porém, lá é diferente daqui, pois o show delas é pago pela casa como se fossem uma miniestrela, tem empresário, as meninas ganham bem, podem cuidar melhor do corpo. Aqui, coitadas, só se o cliente pagar, e ainda é muito pouco.

A entrevistada revela a importância da valorização da profssional do sexo, pois com essa atitude há uma maior intensidade de estímulo aos cuidados com o corpo e, consequentemente, a saúde do mesmo, fazendo com que o número de clientes também possa aumentar nos cabarés. Ela ainda nos revela que: Cada noite que passava a concorrência ia aumentando, e é aquela coisa, tem a oferta e a procura. E a oferta tem que ser a atração, tem que ter o atrativo. Então, meu dia era todo dedicado a cabelo, roupa, a beleza, e o dinheiro dos meus programas cobria todos esses gastos.

A importância com a estética era, cada vez mais, necessária, mesmo porque o instrumento de trabalho da profssio-

1 Poli Dance – Trata-se de um cano localizado no pequeno palco onde são praticadas danças sensuais e requer esforço físico para fazer manobras no referido cano.

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nal do sexo é o corpo. É com ele que elas poderão satisfazer sexualmente o cliente. Sendo bela, ou constantemente bela, ou simplesmente bela para que sempre desperte o desejo em território recheado de sensualidade.

Porém, é necessário ressaltarmos que, segundo Del Priore (2000), o corpo feminino sofreu uma revolução silenciosa nas ultimas três décadas. A pílula anticoncepcional permitiu-lhe fazer do sexo, não mais para satisfazer uma problema moral, mas de bem-estar e prazer.

Com isso a mulher tornou-se mais exigente em se tratando do seu parceiro, proporcionando assim uma sexualidade mais ativa e prolongada. Entre ambos surgiram normas e práticas mais igualitárias. Porém, a corrente de igualdade não varreu, contudo, a dissimetria profunda entre homens e mulheres na questão da atividade sexual. Quando da realização da ação, desejo e excitação físicos continuam compreendidos como domínio e espaços de ordens masculinas. Visto que, o casal quase nunca reconhece a existência e a autonomia do desejo feminino, fazendo com que seus desejos mais primitivos, seu gozo, suas pulsões possam se esconder atrás de uma capa de afetividade.

A ditadura da perfeição física empurrou a mulher, não para a busca de uma identidade, mas de uma identifcação fncada em múltiplos espaços. Fazendo com que a mulher seja vista como um objeto de prazer sexual e que ela possa tornar-se mais bela para que seja desejada.

Porém, com a revolução sexual eclipsou frente aos riscos da AIDS. Portanto se faz necessário cuidado com o corpo, mas, sobretudo, a saúde e o bom funcionamento das atividades corporais. Podemos revelar que a ideia sugerida por uma sociedade consumista, é que a história das mulheres passa pela história de seu corpo. Então, referindo-se à beleza, revela Del Priore (2000):

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A mulher tem uma beleza considerada perigosa, pois capaz de perverter os homens. Sensualidade mortal, pois comparava-se a vagina a um poço sem fundo, na qual o sexo oposto naufragava. As noções de feminilidade e corporeidade sempre estiveram, portanto, muito ligadas em nossa cultura (DEL PRIORE, 2000, p.14).

O que deve e como deve expor. Isso é uma escolha. O que poderá esconder em relação ao corpo? Para dar respostas a essas perguntas o olhar deverá estar fxado nas mudanças e impactos culturais. Ou se voltarmos a nossa atenção aos territórios de prazer vislumbraremos que muitos desses aspectos dependerão não somente de determinada cultura, ou época em que a sociedade está inserida, mas, sobretudo, das novas práticas culturais, educativas e territoriais.

Atualmente, após séculos de ocultação, nossa sociedade se desprendeu de uma legítima sacralização dos corpos. No que se refere à higiene e o esporte, primeiro reabilitaram os homens, porém os corpos femininos, rapidamente, seguiram esse mesmo ritmo. Até porque se faz necessário o cuidado com os corpos, visto que, a mulher é objeto de desejo em todas as culturas.

Os cuidados com a higiene podem ser apreendidos no próprio espaço privado, passados de gerações a gerações no âmbito público, através das mídias, ou seja, em qualquer lugar. Podemos perceber que existe um processo mimético no decorrer, em alguns caos, dessa prática de higienização. Segundo as ideias de Wulf (2004):

Ainda que toda defnição sistemática do conceito dessa forma insufciente, almeja-se agora revelar outras características da mimesis. Antes de tudo, mimesis signifca imitação. Enfm, ela signifca a reprodução de um quadro ou de uma imagem de uma pessoa ou de uma coisa em sua forma material (WULF, 2004 p.350).

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O processo mimético refere-se à imitação de comportamentos individuais ou de um grupo para ampliá-lo ao conjunto da sociedade. No ambiente profssional, o prostíbulo não é diferente, também se caracteriza como um lugar de aprendizagem, no qual se destaca o aprender a cuidar do corpo, a higienização, conforme nos relata uma das entrevistadas: Aprendi no cabaré a fazer ducha, utilizada antes e após o ato sexual. Essa higienização consiste em dar um jato de líquido dentro da vagina. Esse líquido é composto da dissolução de um sachê de LUCRETIM. Esse é um pó utilizado para higienização feminina, adicionado com água morna, na qual a menina introduz na vagina. Essa substância funciona como um desodorante para amenizar o odor da genitália feminina, servindo para a preservação de bactérias, pelo fato da camisinha possuir um óleo industrial que pode favorecer a proliferação de bactérias, preservando também rachaduras no útero, consequente de um intenso ato sexual.

Os cuidados com os corpos eram necessários dentro do cabaré, pois, para algumas pessoas, o prostíbulo é considerado um ambiente sujo, sem a higienização. Porém, através de várias visitas realizadas aos prostíbulos do centro da cidade de Fortaleza, podemos verifcar que as profssionais do sexo estão sempre muito preocupadas com os cuidados corporais, pois esse é o seu instrumento de trabalho.

Certa vez, em conversas informais sobre a questão da aparência física, uma das prostitutas nos revelou que no momento que dançam para o cliente, quando o mesmo paga para que aquela profssional do sexo se insinuasse para ele, elas se sentem poderosas, pois os olhares se voltam para seu desempenho no pequeno palco. Nesse momento é marcada a importância de ter o “corpo em forma”, ser atrativa para então poder surgir, quem sabe, uma saída até o motel, que

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se encontra no mesmo território, como uma opção para o cliente.

A responsabilidade do cuidar com o corpo está presente em todas as culturas. Por exemplo, desde o início do século XIX, na Europa, multiplicavam-se os ginásios, os professores de ginástica, os prontuários de medicina que abraçavam a atenção para as vantagens físicas e morais dos exercícios. A elegância feminina começou a combinar com a saúde, ser bela era essencial para seduzir o homem, então cuidar da beleza era consequência do cuidado com a saúde.

Porém no Brasil, nessa mesma época em que o corpo feminino começava a se movimentar rumo aos esportes, já era o início da República, no qual as cidades trocavam a aparência paroquial por ares cosmopolitas, segundo Del Priore: Hoje em dia, preocupada com mil frivolidades mundanas, passeios, chás, tangos e visitas, a mulher deserta do lar. É como se a um templo se evadisse um ídolo. É como se um frasco se evolasse um perfume. A vida exterior, desperdiçada em banalidades é um criminoso esbanjamento de energia. A família se dissolve e perde a urdidura frme e ancestral dos seus liames (DEL PRIORE, 2000, p.64).

Pode-se perceber que o cuidado com a forma física estava relacionado com a aparência em que se queria dar ao corpo, para que esse seja desejado, e que preenche os requisitos da sociedade. Então, a revolução dos costumes começou a subir saias. A cintura de vespa, herdada em alguns séculos, continuava aprisionada em espartilhos.

A medicina evoca a importância de exercícios físicos e vida saudável para preservar, não somente a saúde, mas também, a pele saudável, o corpo frme e jovem, mas em aspectos relacionados à vida higiênica, Del Priore informa:

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As feias [...] não devem fngir-se belas. Contentem-se em ser feias, tratar de educar seus espíritos, de viver higienicamente para adquirir saúde, de nutrir-se convenientemente, de ser simples, bem-educadas e meigas. A vida higiênica, a boa nutrição, os esportes garantir-lhes-ão a saúde, a boa pele, os bons dentes, a harmonia das formas, o desembaraço dos gestos e a graça das atitudes; a leitura sã, o cultivo do espírito, dar-lhes-ão inteligência e a fronte; a bondade, a simplicidade, a meiguice torná-las-ão perturbadoramente simpáticas. Deixarão, pois de ser feias; ou, se continuam feias, valerão mais do que as belas, terão mais prestígio pessoal, impor-se-ão às simpatias gerais. (DEL PRIORE, 2000, p.72).

Mas quando o objeto de trabalho é a exposição do próprio corpo, como é o caso das prostitutas devem ser utilizados cuidados excessivos com o corpo e responsabilidades com o mesmo. A questão da imagem é um fator importante para a busca da autoestima das prostitutas. É com o corpo que elas despertam desejo, mas também insegurança proveniente do descuido da autoimagem. De acordo com uma de nossas entrevistadas a uma revelação de o quanto ela se sentia bem quando alguém a elogiava. Gostava quando alguém a tratava como uma pessoa “normal” 2, ou seja, quando era aceita pela sociedade.

É justamente através da imagem e do cuidado com ela que se destaca uma prostituta. Com o decorrer dos anos, a cultura feminina das aparências foi se modifcando e, desde o século XVI, se foram moldando cuidados diferentes com a beleza, segundo Del Priore (2000):

A depilação das sobrancelhas, a pintura dos olhos e dos lábios, a coloração das maças do rosto, o relevo dado à fronte atestavam uma nova representação da mulher.

2 Normal – Refere-se a uma mulher que não seja profssional do sexo.

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Preparações variadas desdobravam-se em maquilagens pesadas, muito parecidas a máscaras (DEL PRIORE, 2000, p.23).

É justamente através dos cuidados com a pele e com o corpo que a prostituta tem de estar preocupada, pois esses são fontes principais da sua profssão, estar bonita, estar provocante para ganhar em uma concorrência em relação a outras meninas. A quantidade de programas realizados está também relacionada ao modo como se ajeita, se provoca, se comporta mediante um pequeno palco, onde a menina possui alguns minutos para convencer o cliente de que seu programa valerá à pena. Porém, vale ressaltar que a prostituta também pode interpretar as questões de uma beleza ilusória, que usam a carência da sua vida privada, junto à família, para buscar a devida atenção, muitas vezes, dentro de um prostíbulo, podemos perceber essa passagem na fala de uma das entrevistadas:

As meninas transferem a falta de atenção da família e a aplicam em uma atenção ilusória, onde as profssionais do sexo são personagens, são notadas, admiradas, fatores esses que nos faz sentirmos importantes, porém, uma importância ilusória, visto que, ao mesmo tempo que nos sentimos um máximo, sabemos que para aqueles clientes, não temos valor algum, somos objetos de prazer, da paixão momentânea de homens que procuram alguns minutos ou horas de desejos alcançados.

Nossa entrevistada mostra o quanto a beleza física pode infuenciar na sua autoestima. Naquele instante em que a prostituta está no centro do pequeno palco e as luzes estão todas voltadas para ela, a sua minifantasia está despertando os olhares arregalados, a palpitação excessiva dos clientes e a vontade de se apoderar do corpo da profssional do sexo, fazem com que essas notem o quanto são dominadoras, envol-

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ventes, e o poder de ter trazido aquele cliente até seu lócus de trabalho. Porém, esse mesmo sentimento se choca com o acabar daquela noite, em que todos saem satisfeitos carnalmente, e a prostituta sente-se então usada, o objeto de prazer. Vale revelar, a partir de entrevistas realizadas, a existência de algo a mais que desejo somente carnal, mas casos de uma paixão do cliente com a prostituta e vice-versa, fazendo com que esse envolvimento deixe de ser apenas em seu âmbito público3, mas, sobretudo fazendo parte da vida privada4 dessa prostituta.

Em se tratando do zelo e do cuidado com o corpo, pode-se ampliar ainda mais sua importância para a vida social ou profssional da prostituta, a partir de um breve contexto, irei abranger um desses cuidados com o corpo, que caracteriza o foco dessa pesquisa, a chamada Educação Sexual. Essa é, sem dúvidas, de uma relevância social indispensável, visto que esse tema vem possibilitando, cada vez mais, discussões não somente no âmbito escolar, mas também nos ambientes extraescolares. Pois, a Educação Sexual tem como objetivo, preparar as pessoas para a vida sexual de forma segura, sendo notório o aumento de DST5, de gravidez indesejada e aborto.

Porém, a preocupação com o sexo não é fator recente, pode-se notar que a apreensão do sexo no setor colegial, mais precisamente no século XVIII, já era discutida, assim nos revela Foucault (1985):

O sexo do colegial passa a ser, no decorrer do século XVIII, e mais particularmente do que o dos adolescentes em geral, um problema público. Os médicos se dirigem aos diretores dos estabelecimentos e aos professores, também dão conselhos às famílias; os pedagogos fazem projetos

3 Âmbito público – refere-se ao ambiente de trabalho da prostituta, ou seja, sua vida profssional. 4 Vida privada – constitui a vida pessoal da profssional do sexo. 5 DST – sigla utilizada para referir-se a Doenças Sexualmente Transmissíveis.

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e os submetem às autoridades; os professores se voltam para os alunos, fazem-lhes recomendações e para eles redigem livros de exortação, cheios de conselhos médicos e de problemas edifcantes (FOUCAULT, 1985, p.30-31).

É claro, através dessa passagem, que existe uma forma de discurso concentrado nesse tema, ou seja, na Educação sexual, constituindo pontos de implantações diferentes, codifcando os conteúdos e qualifcando os locutores. Se julgava importante falar do sexo das crianças, fazer com que falem dele os educadores, os médicos, os administradores e os pais, ou então, falar do sexo com as crianças, fazer falarem elas mesmas, encerrá-las numa teia de discurso que ora se dirigem a elas, ora falam delas, impondo-lhes conhecimentos. E também no contexto atual, uma de nossas entrevistadas reforça a importância de se falar da Educação Sexual nas escolas e como deveria ser feito esse diálogo:

Para se falar de Educação Sexual entre pais e flhos, precisa-se que haja um diálogo sem juízo de valor e sem preconceitos. Temos que compreender que os adolescentes são quase adultos e estão construindo seus próprios valores, que podem ou não vir a ser iguais aos de seus pais. É também de muita importância que os pais escutem os jovens, pois, muitas vezes, aqueles impõem seus valores e não deixam os jovens exporem suas ideias como se essas fossem equivocadas, porque é justamente através dessa conversas entre pais e flhos, que os adolescentes podem colocar suas dúvidas e receios.

Essa passagem vem a reforçar que é preciso, antes de tudo, quebrar os tabus acerca da sexualidade, possibilitar que esses jovens tirem suas dúvidas, questionem, obtenham informações adequadas que sirvam de base para um sexo seguro.

Lapate (2006) nos esclarece que apesar de ocorrerem alguns questionamentos acerca da forma como a sexualida-

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de é negada em nossa sociedade, estando referente, também, porque até alguma parte dos educadores acreditam que a sexualidade não é importante para ser tratada em uma sala de aula e muito menos não constitui um tema cogitado no trabalho pedagógico escolar. No entanto, o autor assume que essa educação se faz necessária para o educando adquirir acesso às informações e consequentemente possa passar a refetir sobre outros assuntos polêmicos, como o uso das drogas, a questão dos tabus e a própria Educação Sexual. A entrevistada apresenta-se para a questão da Educação Sexual e revela:

Aprendi a me cuidar através da curiosidade, mesmo porque nem meus pais, nem a escola que estudei me orientaram sexualmente. Minhas amigas falaram para eu usar sempre camisinha, está sempre prevenida, andar com ela na minha bolsa.

O contato com profssional do sexo e por nós entrevistada revela a importância da Educação Sexual e deve ser vista desde a infância, com a ajuda da família e da escola, pois poderá despertar a conscientização de que é necessário se prevenir de questões postas pelo risco ou curiosidade.

Foucault (1985) revela que no século XVIII, que havia certa organização de uma escola experimental cujo objetivo principal no controle e numa educação sexual tão bem planejado que nela o pecado universal da juventude nunca deveria ser exercido. E a partir desses fatos mostrarem que a criança não deveria ser um objeto mudo e inconsciente de cuidados decididos, exclusivamente por adultos, impunha-se-lhe certo discurso razoável, restrito, canônico e verídico sobre o sexo.

A questão do sexo tornou-se tão intensa no século XVIII, que Foucault (1985) ressalta:

Diante do público reunido, um dos professores, Wolke, formulou aos alunos questões selecionadas sobre o mis-

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tério do sexo, do nascimento, da procriação: levou-os a comentar gravuras que representavam uma mulher grávida, um casal, um berço. As respostas foram esclarecidas, sem embaraço, nem vergonha (FOUCAULT, 1985, p.31).

Foucault (1985) ressalta que a partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram diversos dispositivos institucionais e estratégias discursivas. Existe a possibilidade de ter sido escamoteado, aos próprios adultos e crianças, certa maneira de falar em sexo, desqualifcada como sendo direta curta e grosseira. Porém, isso não passou da contrapartida e, talvez da condição para trabalharem outros discursos, múltiplos, entrecruzados, sutilmente hierarquizados e todos estreitamente articulados em torno de um feixe de relações de poder.

Desde o século XVIII, o sexo não deteve de provocar uma espécie de erotismo discursivo generalizado. Em tais discursos acerca do sexo nota-se que não se multiplicaram fora ou contra o poder, porém onde ele se desempenhava e como meio para seu exercício, ou seja, existe um jogo de interesse que permeiam para que tal assunto seja explorado. Então, se criaram em todos os lugares estímulos a falar sobre o sexo, em todos os cantos dispositivos a fm de escutar e registrar, processos para observar, interrogar e formular.

Do singular imperativo que impõe a cada um fazer de sua sexualidade um discurso fxo, aos diversos mecanismos que, na ordem da economia, da pedagogia, da medicina e da justiça, incitam extraem,organizam e institucionalizam o discurso do sexo. É interessante revelar que, talvez, nenhum outro tipo de sociedade do século XVIII, jamais tenha acumulado, e no período histórico, consideravelmente tão curto, tal

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quantidade de discurso sobre o sexo. Porém, podemos chegar a uma conclusão que jamais falaremos o sufciente a respeito do sexo, porque somos demasiadamente tímidos e medrosos, as quais esconderam a deslumbrante evidência, por inércia e submissão. Segundo Foucault (1985):

O segredo do sexo não é, sem dúvida, a realidade fundamental em relação à qual se dispõe todas as incitações falar de sexo, quer tentem quebrá-lo quer o reproduzam de forma obscura, pela própria maneira de falar. O que é próprio das sociedades modernas não é o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem devotado a falar dele sempre, valorizando-o como segredo (FOUCAULT, 1985, p.36).

De acordo com Foucault (1985), o discurso sobre o sexo, já existe há três séculos, tem se multiplicado em vez de rarefeito, e que se trouxe consigo interditos e proibições. Durante séculos a verdade do sexo foi encerrada, pelo menos, quanto ao essencial, com relação a essa forma discursiva e não na do ensino, visto que a Educação Sexual se limitou aos princípios gerais e as regras de prudências.

Ainda existe certo tabu ao se falar sobre as questões que envolvem sexo. Mas com a vida sexual iniciando-se, cada vez mais cedo, é necessário se falar, retratar a Educação Sexual. Esse conceito teve como precursora, a França.

Abordar a educação sexual não é novidade, principalmente quando se pensa a questão da sexualidade vista de forma histórica. Segundo Lapate (2006) temos a concepção de que:

Na moderna Educação sexual projetada para o terceiro milênio abrange todo aspecto de informação científca, atitudes culturais e aprendizagem que estão implícitas no homem e na mulher [...]. A educação sexual abrange o aspecto total do comportamento humano, a compreensão das necessidades básicas no que diz respeito

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a pertencer, a amar e ser amado, respeitando-se os direitos dos outros (LAPATE, 2006, p.50).

Sobre a questão do respeito e do amor referente, ou como estímulos para a importância da Educação Sexual, diz uma de nossas entrevistadas, que devemos amar uns aos outros para educar corretamente. Ela ressalta que, dentro desse tema acerca da educação sexual há todo um jogo de saberes e poderes que marcam a questão da sexualidade e têm que entender a questão da sexualidade como uma forma de cidadania.

Lapate (2006) revela a importância da discussão de todos os ângulos que diz respeito à Educação Sexual, do que permeia ao redor do respeito, amor próprio, preocupação com doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, entre outras preocupações cabíveis. A Educação Sexual, desde seu debate inicial acerca da sexualidade, sofreu várias formas de repressão, sendo marginalizada e perseguida pela moral. Somente com o passar do tempo é que essa discussão adquiriu espaço, importância e credibilidade, vistas nos dias de hoje como necessidades básicas para a sobrevivência do ser humano, visto que um indivíduo sem informação pode engravidar em uma hora indesejada, pode adquirir doenças e até chegar à morte.

Referências Bibliográfcas

DEL PRIORE, Mary. Corpo a Corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora SENAC, 2000 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

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LAPATE, Vagner. Educando para a vida, sexualidade e saúde. São Paulo: Ed. Sttima, 2006. SOUSA Ilnar de. O cliente: O outro lado da prostituição.Secretaria de Cultura e deporto. São Paulo: Annablume, 2000 WULF, Christophe. Antropologia da educação. Campinas: Alinea, 2004.

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CAPÍTULO 2 Espaço, Religião e Festas Populares

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