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Rejane Maria de Souza Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior

O BENFICA DA EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE DA PAISAGEM ATRAVÉS DE FOTOGRAFIAS

Rejane Maria de Souza Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior

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Introdução

A paisagem é constituída como uma importante temática que ao longo do tempo tem atraído a atenção dos geógrafos. As abordagens referentes ao tema se reportam aos estudos de geografa, iniciados no século XIX, na Europa. Nestes enfoques, a Geografa, para muitos desses estudiosos, era considerada a ciência das paisagens (MELO, 2001).

Na análise da paisagem podemos apreender a cultura de determinados grupos sociais, observando como estes acompanham as mudanças que ocorrem cotidianamente em seu redor. Em virtude da importância deste conceito, não só para a Geografa, pretendemos analisar através das fotografasas mudanças que ocorreram na paisagem do bairro Benfca após a criação da UFC.

O bairro localizado ao sul do que se denomina centro de Fortaleza é hoje um espaço que concentra várias atividades, transformando-se em um lócus que vai além de um espaço residencial. Ele se confgura como um bairro singular, principalmente, dentro do contexto educacional da cidade de Fortaleza.

Nos últimos cinquenta anos o bairro vem concentrando inúmeras instituições de ensino, tornando-se a educação um referencial para quem conhece o Benfca, destacando-se como um bairro universitário devido ao fato de possuir diversas instalações da Universidade Federal do Ceará – UFC, na

qual podemos destacar: a Reitoria e as pró-reitorias de Planejamento, Extensão, Administração e Assuntos Estudantis. Outras instalações da universidade são algumas Residências Universitárias, a Procuradoria Geral, Ouvidoria, Auditoria Interna, Seara da Ciência e o Centro de Treinamento e Desenvolvimento Regional – CETREDE, além de equipamentos culturais como o Museu de Arte, várias bibliotecas, a FM Universitária e as Casas de Cultura Estrangeira.

Além das instalações da UFC, o bairro abriga o Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará – IFCE; o Centro de Línguas Estrangeiras que pertence ao IFCE – CLEC e também algumas escolas de ensino fundamental e médio. É de relevância destacar também, a Faculdade de Direito da UFC no bairro Centro, na divisa com o Benfca e o Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará – UECE, localizado na avenida Luciano Carneiro no bairro de Fátima, bairro vizinho ao Benfca (VASCONCELOS JÚNIOR, 2009).

Entendemos que a universidade propiciou diversas práticas espaciais no bairro, dentre elas as modifcações em sua paisagem, percebida através do caminhar pelo Benfca, onde a presença da UFC é marcante, seja por seus prédios, pelo movimento de alunos, professores, funcionários e moradores que integram essa paisagem. Outra possibilidade de análise são as fotografas antigas do bairro, que apresentam contextos históricos, econômicos e culturais, entre outros.

Percebemos que os estudos relacionados as paisagens culturais urbanas necessitam de profundas análises, fazendo-se necessário buscar metodologias adequadas para a presente pesquisa. Em virtude da complexidade que envolve o tema, destacamos a fotografa como a nossa principal fonte de análise, pois através desta podemos apreender as mudanças na paisagem do espaço em questão. Destacamos os arquivos fotográ-

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fcos da UFC e do senhor Nirez, responsáveis pela maioria das fotografas que serviram para análise do bairro Benfca.

A UFC e as Mudanças na Paisagem no Bairro do Benfca

De acordo com Martins Filho (1994;1996)foi no ano de 1944 que tiveram início as negociações políticas acerca da criação de uma universidade no Ceará. Assim, o médico doutor Antônio Xavier Oliveira encaminhou ao Ministério de Saúde e Educação um relatório sobre a federalização da Faculdade de Direito. Foi durante a discussão sobre este pleito que, pela primeira vez foi ventilada a ideia de criação de uma universidade no Ceará, com sede em Fortaleza. Dessa forma, a ideia de uma universidade na cidade começou a ser tema de diversos debates, propiciando movimentos de apoio de vários setores da sociedade que pleiteavam a criação e instalação de uma instituição superior pública de ensino. Mas foi com a liderança do professor Antônio Martins Filho, que, no ano de 1953, elaborou um documento no qual especifcava a necessidade da instalação de uma Universidade no Ceará, que o projeto tornou-se realidade. Em 1954 foi aprovada a Lei que criava a Universidade do Ceará. No entanto, a publicação da lei ocorreu no ano de 1955 no Diário Ofcial da União.

A instalação da UFC consolidaria o Benfca como espaço da educação, visto que o bairro já vinha recebendo antes da UFC, instituições educacionais de importância na cidade, entre elas o Ginásio Santa Cecília (atualmente localizado na av. Virgílio Távora), o Ginásio Nossa Senhora das Graças que se transferiu para o bairro de Fátima, e a mais importante destas instituições, a Escola Industrial, hoje IFCE. As edifcações onde funcionaram as instituições confessionais acima mencionadas foram adquiridas, também, com o tempo, pela UFC,

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como resposta a necessidade de novos espaços para os cursos que estavam sendo criados pela universidade recém instalada.(VASCONCELOS JÚNIOR, 1999).

Neste contexto entendemos que o Benfca é um espaço privilegiado para o estudo das paisagens culturais urbanas, percebidas a partir do domínio dos sentidos. Segmentos sociais diversos entram nesse processo no dia a dia, moradores, alunos, professores, servidores públicos, comerciários, administradores, gestores, planejadores urbanos, vendedores de todo o tipo, comtemplando, mesmo que seja por um momento os vários contextos paisagísticos. Em relação a este contexto, Cosgrove (1998) nos fala que a paisagem não surgiu a partir de indivíduos ou pequenos grupos, ela é confgurada a partir de um processo dialético entre a produção cultural e as práticas sociais, em um determinado momento histórico.

A análise da paisagem do Benfca possibilita múltiplas possibilidades de enfoques, permitindo analisar o bairro através de diferentes aspectos da relação homem-lugar. No presente estudo, estão expressos vários momentos da ação da cultura e da acumulação de tempos sobre o espaço, refetindo as práticas sociais que são estabelecidas neste local.

Para Luchiari (2001), ao pensarmos a paisagem como ação da cultura, percebemos que a passagem do tempo altera suas formas em múltiplas combinações. Se as formas são alteradas pela ação do tempo sobre o espaço, as funções e os signifcados também se transformam, fazendo com que a cidade esteja constantemente se refazendo. Ainda para a autora, a paisagem contemporânea é híbrida, um palimpsesto que exige a convivência de vários ritmos, percepções, escalas e perspectivas.

Na tarefa de estudar a paisagem é necessário estar ciente do desafo de decifrar as representações contidas na mesma, em que é preciso desenvolver um olhar especial que permita

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alcançar as diversas dimensões do espaço e do tempo, pois a paisagem traz marcas dos indivíduos que a construíram, sendo possível ver esta dinâmica no espaço transformado, destruído e degastado pelo tempo (COELHO, 2009).

Colaborando com este raciocínio, ao caminharmos pelo Benfca, principalmente na avenida da Universidade, percebemos nas edifcações a presença da UFC, destacando os Centros de Humanidades 1 e 2, a Faculdade de Economia, Administração e Ciências Atuariais – FEAC, a Imprensa Universitária, as Casas de Cultura, o Museu de Arte da UFC – MAUC, o Restaurante Universitário, o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno e a Reitoria, que é um símbolo arquitetônico para a cidade de Fortaleza.

No processo de criação e consolidação da universidade, estes prédios passaram por diversas reformas para a adequação da instituição, a maioria destas reformas foi realizada no espaço interno destes imóveis. Desta forma, muitos prédios conservaram sua fachada arquitetônica, propiciando ao observador uma viagem no tempo e a percepção de um estilo de morar e viver na cidade, vivido em décadas passadas.

As mudanças na paisagem não são sentidas pelas pessoas somente no olhar as edifcações da UFC, mas através do ir e vir de inúmeros estudantes, professores e funcionários da instituição que se apropriam destes espaços, inserindo aí novas formas uso e ocupação. Informação esta que pode ser observada nos grupos reunidos à sombra das árvores, no entorno das cantinas, nos bares e lanchonetes próximos e nos pontos de ônibus, onde ocorre um intenso fuxo de pessoas nas proximidades da universidade.

A paisagem cultural possui sentido através da construção coletiva da sociedade, pois as práticas culturais realizadas no dia a dia dão sentido àquilo que os nossos olhos conse-

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guem captar. Mas a paisagem vai além do visual, pois nela está contida os sentimentos daqueles, que a todo o momento, a (re)constroem.

São várias as abordagens realizadas sobre o conceito a ser estudado, estando no centro do confito diversas dicotomias, como: objetivo e subjetivo, sensível e factual, físico e fenomenológico. Pensar a paisagem em toda a sua complexidade é estar ciente destas dicotomias, podendo ser explicitada na relação entre objeto e sujeito, em que nas palavras de Berque (2004), compreende-se que:

A paisagem não reside somente no objeto, nem somente no sujeito, mas na interação complexa entre os dois termos. Esta relação coloca em jogo diversas escalas de tempo e espaço, implica tanto a instituição mental da realidade quanto a constituição material das coisas (BERQUE, 2004, p.85).

Além dos aspectos materiais que envolvem a paisagem, é essencial levarmos em conta a subjetividade que está contida na paisagem do Benfca, assim como as ações dos sujeitos. As modifcações realizadas na paisagem por estes, não são consequências somente dos padrões de consumo impostos pela sociedade moderna, pois nessa encontramos os sentimentos e as simbologias.

Para muitos, o Benfca vai além de um simples bairro de Fortaleza, apresentando-se como um lugar que simboliza “segurança”, acolhimento e Liberdade. Esta observação pode ser conferida nas manifestações de cunho político e ideológico realizadas no bairro, na qual podemos explicitar como exemplo o movimento LGBTT1 e suas reivindicações. Assim, na paisagem do Benfca, o bairro se mostra como palco de momentos singulares na cidade de Fortaleza.

1 Signifcado da sigla LGBTT – Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais.

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Portanto, estudar a paisagem do Benfca é perceber no seu conjunto arquitetônico e em sua dinâmica social, propiciada pelos estudantes, servidores, professores e moradores a singularidade que este bairro possui, principalmente, após a criação da universidade.

Entendemos que a universidade é o lócus de produção de conhecimento e onde se faz presente, de forma constante, novas ideias. Nesta perspectiva, o Benfca se confgura como espaço do novo na cidade de Fortaleza, apresentando em seu cotidiano, através das práticas sociais características de vanguarda frente aos demais bairros de Fortaleza.

Outro ponto relevante para a análise é discutir o lazer e a boemia, pois ambos estão fortemente presentes na paisagem do Benfca. O lazer se apresenta nas festas que acontecem no bairro, organizadas por estudantes as chamadas “calouradas”, em que os discentes veteranos preparam a recepção dos novos alunos recém-ingressos na Universidade.

Assim como o lazer, a boemia se faz presente de forma intensa no Benfca, evidenciando esta outra possibilidade do ir e vir de moradores e transeuntes neste espaço, fato perceptível às noites caminhando pelo bairro, na concentração de estudantes, professores, artistas nos bares do Benfca. Vale ressaltar, que a maioria do público que frequenta os estabelecimentos ligados ao lazer e a boemia, possui, ou já possuiu alguma ligação com a UFC, assim como, com as outras instituições de ensino do bairro, destacando o IFCE, dentre outros.

Continuando as abordagens referentes a paisagem do Benfca, o comércio também possui signifcância no bairro, onde mais uma vez destacamos a sua relação com a educação, pois muitos destes estabelecimentos comerciais, têm como objetivo principal, atender a demanda do público que reside e frequenta o bairro, destacando-se as papelarias, livrarias, lan-

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chonetes e lan houses. Outras edifcações também epossuem uma relação direta com a educação, as quitinetes, moradias com preços acessíveis para os estudantes que vêm de outros lugares do Brasil e do mundo.

Assim, entendemos a relevância do bairro dentro do contexto urbano de Fortaleza, destacando a universidade no processo de construção da paisagem, fazendo-nos refetir que apesar da paisagem urbana ser múltipla e diversifcada, em muitos lugares encontramos signifcados e símbolos que refetem a cultura no espaço urbano.

Em relação a presente análise, Netto e Alves (2011) descrevem que:

A paisagem urbana pode ser vista, modifcada, usada, destruída, consumida, vendida e também pode causar prazer estético, sendo tratada, por vezes, apenas como um “produto” sociocultural. Mais do que isto, ela é constitutiva das relações socioculturais, pois é, ao mesmo tempo, estruturada e estruturante. Sendo assim, paisagem é uma confguração de símbolos e signos socioculturais dispostos a inúmeras interpretações e percepções subjetivas, principalmente diante dos complexos processos urbanos da atualidade. (NETO E ALVES, 2011, p.15).

Nesse sentido entendemos que a cidade é interpretada como sendo o palco onde se produzem e se revelam inúmeras transformações sociais e culturais, operando em diversas direções numa intensa rede de relações. Dessa maneira, a paisagem urbana não pode ser concebida como uma forma que se produz simplesmente pela quantidade de moradias ou pelo adensamento populacional. É preciso assumir a perspectiva de uma construção coletiva que envolve as representações e imaginações como estratégias para a compreensão das simbologias da paisagem.

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A paisagem cultural não pode ser vista como única, mas como múltipla. Nela existem diversos olhares e vários fragmentos de diferentes realidades temporais que revelam a relação do indivíduo e dos segmentos sociais com o lugar, assim, como os valores dominantes nacionais e transacionais que infuenciam este processo.

A cidade de Fortaleza, neste contexto, é resultante de processos históricos, sociais e culturais. Estes foram associados a diferentes valores e defnições, tornando a metrópole cearense singular e complexa. As paisagens na cidade apresentam estas características, podendo ser analisadas através dos seus prédios, avenidas, bairros e suas funcionalidades, que representam tempos diversos, o ontem, o hoje, e projeção do que será o futuro, vislumbrado nas novas construções, nas reformas e nas novas práticas culturais.

Vislumbrando o ontem e o hoje no Benfca, enquanto processo de acumulação, na desconstrução e construção, concentrou instituições de ensino superior, tecnológico e profssional. Não obstante encontrarmos, também, escolas da educação básica como o Colégio Farias Brito, o Christus e o Colégio Adventista, de caráter privado e escolas públicas de ensino fundamental e médio com a do Centro dos Retalhistas, Figueiredo Corrêa e o Centro de Educação de Jovens e Adultos. Também há no Benfca centro de ensino técnico profssionalizante de caráter privado, que é o caso do CEPEP2 oferecendo cursos técnicos e profssionalizantes.

A concentração de instituições educacionais no Benfca transformou o bairro, ampliando suas funções e atraindo novos projetos, propiciando novos olhares e novas temáticas para os estudiosos do espaço urbano, em especial, aqueles que

2 Signifcado da sigla CEPEP – Centro de Estudo e Pesquisa em Eletrônica Profssional e Informática Limitada.

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pesquisam as relações entre paisagem e educação. Neste sentido, o Benfca pode ser considerado, como já apresentamos, um bairro singular na cidade de Fortaleza.

A Fotografa como Possibilidade de Leitura da Paisagem no Benfca da Educação

No contexto da presente análise, a fotografa será o nosso principal suporte enquanto registro de diferentes períodos e testemunhos das modifcações da paisagem do bairro. Ela apresenta-se como um importante instrumento para a pesquisa. A partir de sua análise, somos conduzidos a uma área do conhecimento que trata das criações e produções deixadas pelo homem ao longo do tempo, refetidas através das experiências, dos signifcados e das simbologias.

Aumont (1993) nos mostra a relação entre imagem paisagem e fotografa. Para o autor, a fotografa é ligada a multiplicidades de linhas graduadas na vida social, onde o pano de fundo são as narrativas acerca da paisagem. De tal modo entendemos que a paisagem possui uma ligação direta com as imagens e suas formas de representação

Na imagem fotográfca estão indissociavelmente incorporados elementos materiais, ou seja, os de ordem técnica, que são os ópticos, químicos, eletrônicos, indispensáveis para a materialização da fotografa, mas, também estão presentes os elementos de ordem imaterial, que são os imagéticos e os culturais. “Estes últimos se sobrepõem hierarquicamente aos primeiros e, com eles, se articulam na mente e nas ações dos fotógrafos ao longo do tempo” (KOSSOY, 2012, p.27).

Através das análises das imagens fotográfcas podemos apreender a história de uma determinada sociedade, assim como as práticas culturais. De acordo com Kossoy (2012) os

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conteúdos das imagens sempre devem ser considerados como fontes históricas de abrangência multidisciplinar, podendo tornar-se uma fonte decisiva nas diferentes vertentes da investigação histórica.

Continuando as abordagens realizadas por Kossoy (2012):

As fotografas não se esgotam em si mesmas, elas são apenas o ponto de partida, a pista na busca de desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado das coisas, dos fatos, das pessoas, tal como foram congelados num dado momento de sua existência/ocorrência (KOSSOY, 2012, p.37).

Foto 1 – Avenida da Universidade em 1938.

Fonte: portal arquivo Nirez.

As fotografas são um ponto de partida para desvendar o passado. Observamos que na foto acima podemos analisar diversos aspectos referente a história do bairro, assim como as mudanças na sua paisagem ao longo do tempo. Esta imagem retrata a avenida Visconde do Cauípe, que atualmente

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tem denominação de avenida da Universidade, recebendo este nome devido a importante presença da UFC no bairro.

Diversas são as informações nesta fotografa, onde observarmos ao fundo o bonde na linha do Benfca. Do lado direito, se encontra o muro da casa de propriedade da Imobiliária Frota Gentil e onde moravam senhor Aziz Kalil, avô do senhor Tasso Jereissati, posteriormente o senhor José Albuquerque Monteiro e por último o casal Heitor e Nancy de Albuquerque Gentil, quando o imóvel junto com os outros dois desta quadra foram vendidos para a UFC. O muro seguinte é o da casa de José Campos Paiva e dona Beatriz Gentil Campos; o próximo é o Palacete do cel. José Gentil Alves de Carvalho. Do lado esquerdo está o muro da Chácara do doutor Edgar Cavalcante de Arruda, atual CETREDE – UFC. O imóvel seguinte era a chácara de propriedade de Manuel João Alpiniano Pombo, que, com a venda da chácara para Almerinda Albuquerque foi instalado no local o Ginásio Santa Cecília, adquirido posteriormente pelas Irmãs Damas da Instrução Cristã. (VASCONCELOS JÚNIOR, 1999).

Com relação a fotografa apresentada acima da avenida da Universidade, observamos que a UFC adquiriu diversos imóveis, alterando as funcionalidades e a estrutura física, mesmo que na maioria das situações tenha preservado os estilos originais dos prédios antigos. Já a próxima fotografa retrata uma imagem aérea da av. da Universidade juntamente com o cruzamento da av. 13 de maio no ano de 1968. Nesta foto notamos um cenário mais moderno que a outra apresentara, avistando transportes atualizados para época, vias pavimentadas e na parte inferior da imagem o imóvel da Casa de Cultura Germânica e o Palacete Gentil (Reitoria), foram adquiridos pela Universidade no ano de 1956. Imóveis vendidos pela Imobiliária Frota Gentil. Estes imóveis passaram por

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diversas reformas, como a que ocorreu no ano de 1959, com a inauguração do auditório ao ar livre, denominado Concha Acústica. As reformas no Palacete (Reitoria) foram de ampliação e o seu estilo neoclássico foi respeitado. A Reitoria é o prédio mais bem preservado da cidade e o maior representante deste estilo arquitetônico da cidade de fortaleza.

Foto 2 – Avenida da Universidade em 1968.

Fonte: portal arquivo Nirez.

A partir das imagens do bairro podemos constatar, tendo por base as ideias apresentadas por Kossoy (2012), que a fotografa é uma representação a partir do real segundo o ponto de vista do seu autor. Entretanto, levando em conta a materialidade registrada na imagem, a aparência de algo que se passou na realidade concreta, em dado espaço e tempo, pode ser considerada, também, como documento do real, uma fonte histórica (KOSSOY, 2012).

A imagem fotográfca contém em si o registro de um fragmento selecionado do real: o assunto (recorte espacial)

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congelado num determinado momento de sua ocorrência (interrupção temporal). Em toda fotografa há um recorte espacial e uma interrupção temporal, fato que ocorre no instante do (ato) registro (KOSSOY, 2012, p.29).

Os registros deixados pelas fotografas nos revelam um campo de conhecimento que trata das criações e produções humanas como uma experiência sensível do mundo, oferecendo diversas leituras. Para observar uma imagem é necessário ter em mente alguns objetivos sobre o que se ver e ler. Podem ser identifcados na leitura de imagens aspectos referentes aos sentidos e aos signifcados, que remetem ao simbólico. Portanto, nas imagens fotográfcas encontramos explicações de diversas realidades, pois estas guardam com elas vestígios do cotidiano e do imaginário popular (COELHO, 2009).

As fotografas projetam elementos culturais que mantêm o universo imaginário, revelando sistemas de expressão que afetam e interferem na rede de possibilidades do observador. Ela é um documento que transmite signifcados culturais envolvendo múltiplos olhares na rede simbólica da paisagem, seja ela urbana ou rural.

Nela percebemos a interação indissociável entre elementos subjetivos e objetivos. Quem a observa se depara com um mundo real projetado em um suporte material, sem descartar o caráter imaginário estabelecido na dimensão perceptiva que vai além do senso comum.

As fotografas do Benfca não são um símbolo neutro, possuindo diferentes simbologias e múltiplas interpretações. Em sua análise percebemos aspectos relacionados a economia, a história e a cultura, que podem serem analisadas através das práticas cotidianas, incluindo aquelas ligadas ao lazer e a boemia, presentes intensamente na paisagem do bairro.

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Foto 3: Bar Cantinho Acadêmico

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

Dubois (1993) por sua vez ressalta que a fotografa não é um símbolo neutro, possuindo codifcações de diferentes temáticas no imaginário da sociedade, emergindo quadros que são determinados ou determinantes culturais. Para o mesmo tudo que se impõe ao receptor é fruto de uma concepção que necessita de um aprendizado, de um conhecimento que são representados através da cultura e das experiências vividas.

A paisagem é um refexo aparente da sociedade, em que a fotografa serve de instrumento para análise da mesma, nos mostrando os signifcados e simbolismo que perpassam o tempo. A sua análise enfatiza diversas leituras fundamentadas na representação da realidade, modeladas por estruturas profundas ligadas a um exercício de uma linguagem imagética carregada de uma organização simbólica para os sujeitos envolvidos na rede de signifcados.

Nesse sentido, centramos em nossos esforços compreender as características atribuídas à fotografa, entendendo suas representações na paisagem do Benfca dentro do con-

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texto de criação, apropriações espaciais e permanência da UFC, objeto que esta dissertação pretende compreender. Portanto, compartilhamos daquilo que a fotografa expressa em seu sentido mais amplo, o sentido de representar o mundo.

Considerações Finais

Para esta pesquisa, o conceito de paisagem foi de fundamental relevância, a medida permitiu referenciar teoricamente e compreender como ocorreu o processo de modifcação da paisagem do bairro Benfca a partir de uma instituição de ensino superior. Esta abordagem partiu da necessidade de ampliar a nossa capacidade e olhares para a construção do espaço geográfco a nossa volta.

Analisando a paisagem do Benfca, acredita-se que sua leitura através da fotografa possa ser um instrumento teórico-metodológico que possibilite a construção de uma das tantas, interpretações possíveis das paisagens urbanas. Ao analisar as fotografas, somos conduzidos para outros tempos, que nos levam a reconstruir narrativas sobre as formas de interação que uma sociedade constrói na relação com a natureza e na transformação do espaço onde vive.

A partir deste contexto, pesquisar a paisagem do Benfca é perceber o jogo da modernidade e sua permanente necessidade de transformação. Na análise, apreendemos que foram criadas singularidades em sua paisagem, percebidas nas práticas sociais, no cotidiano das famílias que ali moram, nos funcionários públicos da UFC, nos estudantes universitários, na tradicional feira livre, na suas praças e sob a sombra das velhas mangueiras.

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Sites

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