TÍTULO O Ф da fotografia AUTOR Mauricio Lissovsky ISBN 978-65-00-34674-9 PRODUÇÃO IDEA - Programa de Estudos Avançados | Laboratório de História dos Sistemas de Pensamento (Escola de Comunicação | UFRJ) PRIMEIRA EDIÇÃO Rio de Janeiro, Novembro, 2021 TAMANHO | PÁGINAS A4 (29,7 X 21 cm) | 54p. DIAGRAMAÇÃO Ana Carla de Lemos CAPA A partir de fotografia de Rodrigo Sombra, Havana, 2018
Este conteúdo está sob a Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0)
À Câmara Clara – 40 anos depois – e à minha mãe, que também amava Schumann
| SUMÁRIO | Nota introdutória
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O phi
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Saint-Sulpice
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Albertine
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O corpo
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O trauma
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Puncta
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A palinódia
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Schumann
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Interfuit
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Eidos
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Aoristo
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Referências
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Em 1979, diante do retrato da mãe falecida, Roland Barthes escreveu os 48 pequenos capítulos de A Câmara Clara (CC). Mesmo na opinião de alguns de seus mais contumazes detratores, o mais belo ensaio sobre fotografia da segunda metade do século XX (ELKINS, 2011, p. XIXII). O livro é, simultaneamente, a observância de um luto e a reencenação, no teatro da fotografia, de temas que perseguiu ao longo da obra: o obtuso, o Real, o punctum, o zero, o neutro. Publicado em 1980, jamais deixou de ser discutido, admirado, criticado. Esse debate, no entanto, ao contrário do que aconteceu com a obra de Walter Benjamin, não serviu para alargar seu alcance ou aprofundar seus insights.
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Reduzido a um pequeno número de citações, a multidimensionalidade do texto se perdeu. Esse estudo é resultado de um seminário que, em 2019, procurou reler a CC1. Reler de outro modo – não mais em busca dessa ou daquela citação útil e vagamente lembrada, ou do saber consagrado, supostamente aplicável. Reler como um leitor selvagem, precipitado, que se lança à escrita como quem acompanha o movimento da mão sobre a página em branco, a tinta da caneta irrigando cada fibra do papel. Deixar-se surpreender pelo percurso das palavras, pela estranheza das metáforas, reler esse texto tão velho conhecido como quem vê uma fotografia pela primeira vez.
Agradeço aos alunos e alunas do seminário pela recepção e diálogo que tivemos e a Ronaldo Entler pelas observações que me fez após fraterna e competente leitura desse texto. 1
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O phi No frontispício desse livro relido acrescento um signo: Ф – a letra grega phi. Nos rascunhos da CC, Barthes a usava para abreviar Foto-
grafia (LEBRAVE, 2002). Essa também é a letra inicial de Filosofia, sugerindo um parentesco significante entre ambas, o que não é pouca coisa pois Barthes afirma em uma entrevista: "minha luta é sempre lutar pelo significante, por sua suntuosidade erótica, por sua pulsão, por sua libertação" (BARTHES, 2005b, p. 167). Não pretendo com isso corroborar a sugestão irônica que a ontologia de Bazin e a fenomenologia de Barthes pretenderam tornar o pensamento da fotografia "um ramo da metafísica filosófica" (MAYNARD, 1997, p. 13), pois a luta pelo significante também é a luta pelo sopro, pela fonação, pela “presença do corpo na língua”. A consoante phi – o F do alfabeto latino – é aquela que está mais próxima do puro sopro (a fonética a descreve como "bilabial fricativa surda") – o ar que atravessa os lábios sem fazer qualquer outro ruído que não o da própria passagem. Barthes nos convida a participar de um jogo perigoso, pois se Ф representa um som, sem ser esse som, mantém igualmente uma relação complexa com a Fotografia que deveria abreviar, pois representa, em termos estritamente geométricos, a proporção áurea. Isto é, a razão de proporção que Pitágoras descobriu ser o princípio fundamental da harmonia e da beleza, cujo símbolo homenageia Fídias, o arquiteto do Partenão, que também se escrevia com Ф. Todo fotógrafo aprende em suas primeiras lições de composição a "regra dos
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terços", isto é, a buscar pelas seções áureas que tornariam seus enquadramentos mais belos. A letra Ф, portanto, duplica e complica: numa face, é puro sopro, materialidade corpórea; na outra, a razão de ouro, todo o peso da cultura ocidental. À dupla face de Ф corresponde a natureza dupla da fotografia na CC: de um lado, punctum, o inominável, o puro significante, o bruto, o corpo; do outro, studium, a convenção, a arte, a civilização. Mas há um terceiro aspecto de Ф que, na falta de melhor nome, poderíamos chamar gráfico ou icônico2. Pois Ф é uma unidade repartida em dois hemisférios distintos mas inseparáveis. A linha que os limita é tanto a cesura (isso que divide, que fragmenta, a incisão, mas também a pausa, o trauma, o desejo, isso que rompe o contínuo, que interrompe a história) como a sutura (isso que cirze, que emenda, que mantém unido, a constituição imaginária do sujeito, a linguagem, o saber). Em Φ, lemos o sinal gráfico de todas as oposições – falsas oposições, pois não podem subsistir uma sem a outra – que a CC desdobra: vida/morte; dentro/fora; passado/presente e, claro, mãe/filho. Então, eis o que é preciso admitir, desde o início: CC não é propriamente um livro sobre Fotografia, mas um livro sobre o Ф das fotografias. Ao final do volume lemos que foi escrito entre 15/04 e 03/06 de 1979. Uma encomenda do Cahiers du Cinéma, cujos primeiras notas remontam a 1976, à qual vem associar-se o projeto de erguer um monumento à mãe, falecida em fevereiro de 1977 – algo que perdurasse enquanto a notoriedade do filho resistisse ao tempo. Lançado em 25/01/1980, não foi objeto de muitas entrevistas ou maiores explicações, pois Barthes seria atropelado um mês depois, dando início a uma lenta agonia que durou outro mês. Sabemos que a CC guarda coerência e retoma várias das formulações anteriores de Barthes acerca da fotografia, mas não vamos nos dedicar a esse tipo de exegese. Convém apenas de relembrar que a fotografia representava para ele um "fato antropológico 'mate' (como o dito xeque), ao mesmo tempo absolutamente novo e definitivamente inultrapassável" 2
Afinal Φ também indica, para os fotógrafos, o valor do diâmetro de filtros e lentes.
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(BARTHES, 1984, p. 36). Enquanto o cinema guardaria continuidade com as artes dramáticas e da ficção, a fotografia, mesmo sendo um capítulo na extensa linhagem da história das imagens, seria uma ruptura radical. Apesar de ter sido inventada no mesmo século que a História, enquanto essa é "uma memória fabricada segundo receitas positivas, um puro discurso intelectual que abole o Tempo mítico”, “a Fotografia é um testemunho seguro, mas fugaz, de modo que tudo, hoje, prepara nossa espécie para esta impotência: em breve já não poder conceber, afetiva e simbolicamente, a duração" (132)3. Ф é a expressão dessa radicalidade que a própria estrutura do livro reflete. Há quem sustente que seus 48 capítulos foram escritos em 48 dias, mas trata-se de um mito com circulação apenas no Brasil. A ideia de que Barthes teria criado um dispositivo de escrita, submetendo-se a ele disciplinadamente, como um rito a serviço do luto, é fascinante mas, como veremos adiante, há razões de sobra para descartarmos essa crença4. Emulando um tratado escolástico, a rigorosa simetria do livro divide o ensaio em duas partes de 24 capítulos. Porém, se privilegiamos a narrativa da CC, percebemos que sua estrutura não se compõe apenas de duas metades, mas de quatro quartos, cada um com 12 capítulos. No primeiro quarto, o capítulo 1 começa com Barthes descrevendo seu espanto diante de “uma fotografia do irmão mais novo de Napoleão”: ele via “os olhos que viram o imperador” (15). É no âmbito desse quarto que se formulam studium e punc-
tum. Na seção 13, que inicia o quarto seguinte, não é Barthes quem se espanta com uma fotografia, mas “o primeiro homem a ver a primeira fotografia” (51). A seção 25, que inaugura o terceiro quarto é aquela em que o autor encontra a fotografia da mãe no jardim de inverno (imagem que apenas ele vê). Essa parte conclui no capítulo 36, com a constatação de que a fotografia divide a História, de que ela é uma
Todas as referências a páginas em que o autor não é direta ou indiretamente indicado são relativas a BARTHES, 1989. 4 A origem dessa proposição no Brasil é provavelmente SAMAIN 1998, tendo sido reproduzida por vários de seus ex-alunos na UNICAMP como ENTLER, 2006 e FONTANARI, 2015. Extravasou os muros da academia e também ocorre em textos publicados em revistas de arte e cultura, como PIRES, 2010. 3
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“emanação do real passado”. Sua “força verificativa” não seria o objeto, mas o tempo (125). Finalmente, no último quarto, que inicia no capítulo 37, a fotografia do jardim de inverno retorna, agora sobre a mesa de trabalho: “Estou sozinho diante dela, com ela. O círculo está fechado, não há saída” (127). Quatro encontros com a fotografia; em todos eles algo é mantido invisível (o imperador, o homem comum, a mãe, o autor) – quatro encontros para que o círculo de Ф se feche e seja finalmente possível escrever o livro (ou impossível deixar de escrevê-lo, pois “não há saída”).
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Saint-Sulpice O número de capítulos – 48 – está longe de ser aleatório5. O Diário do
Luto, publicação póstuma das anotações breves que faz em dois cadernos que começam a ser preenchidos logo após a morte da mãe, nos ajuda a compreendê-lo. Escrito entre 26/10/1977 – dia imediatamente posterior à morte da mãe – e 15/09/1979, foi publicado na França em 2009. O Diário não é uma exposição lamurienta de um filho enlutado; mas uma reunião de perguntas e conclusões provisórias acerca da experiência e do sentido do luto – e sobre como realizá-lo no trabalho e pelo trabalho, sem que as tarefas profissionais e cotidianas o contradigam, sem que sejam apenas um modo de escapar dele ou de superá-lo. Em 28/11/1997, anota: “Poder viver sem alguém que amávamos significa que amávamos menos do pensávamos?” (BARTHES, 2011, p. 66). Em 23/03/1978, o livro sobre a Fotografia parece ser a solução, ao contrário de outras tarefas acadêmicas, para “integrar minha tristeza a uma escrita” (BARTHES, 2011, p. 102). Entre maio e junho de 1978, chega a duas conclusões que conferem uma diretriz para o trabalho: “a verdade do luto é muito simples: agora que mam. está morta, sou empurrado para a morte (dela nada me separa, a não ser o tempo)” (BARTHES, 2011, p. 127). Não é mais possível seguir de curso a curso, de livro a livro, é preciso fazer “reconhecer mam.” (BARTHES, 2011, p.130).
Segundo o editor de CC, a primeira versão do ensaio previa 56 (NARBONI, 2015, p. 55) ou 54 (NARBONI, 2015, p. 68). 5
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Em 09/06/1978, Barthes, que teve uma formação protestante e se tornou ateu, entra na igreja de Saint-Sulpice – da qual era vizinho – e faz uma "oração instintiva": "que eu consiga realizar o livro de
Foto-mam" (BARTHES, 2011, p. 133). Saint-Sulpice é a mais secular das igrejas francesas. Transformada nos dias da Revolução em Igreja do Ser Supremo e Templo da Vitória, foi sede de um dos batalhões populares durante a Comuna de Paris e – Barthes sabe-o muito bem – nela foram batizados o Marques de Sade e Charles Baudelaire. Dois dias depois, passa a tarde com o meio-irmão mais novo, Michel, separando as coisas de mam.: "comecei de manhã, olhando suas fotos". No dia 13/06/1978, encontra a foto do jardim de inverno e o próprio luto se transforma nessa foto (BARTHES, 2011, p. 140). Em 15/06/1978 anota que tem a "sensação de que o verdadeiro luto começa – pois caiu o
écran das tarefas falsas" (BARTHES, 2011, p. 144). A redação da CC ainda não foi iniciada, mas o Diário frequentemente retorna à fotografia da mãe. Em 24/07/1978, escreve: "Procuro desesperadamente o sentido evidente", para logo emendar o que poderia ser descrito como um programa de investigação – "Fotografia: impossibilidade de dizer o que é evidente. Nascimento da literatura". Sobre a folha do diário, Barthes desenha a letra Φ. Em 21/08/1978, está absolutamente claro que o próximo livro deveria ser um monumento a ela: Que me importa durar para além de mim mesmo, no desconhecido frio e mentiroso da história, já que a memória de mam. não durará mais do que eu e aqueles que a conheceram morrerão por sua vez? Não quero um monumento só para mim (BARTHES, 2011, p. 190).
Mais quatro meses se passam sem que a escrita do livro comece. Em 29/12/1978 coloca a uma cópia da foto do jardim de inverno sobre sua mesa de trabalho. Ela entra em conflito com todas as pequenas tarefas ali dispostas: “A imagem é uma medida, um juiz, não é identidade, é uma expressão, uma virtude” (BARTHES, 2011, p. 216). Em 20/01/1979, a severidade com que a fotografia julga seu cotidiano é finalmente superada pela bondade da mãe: “Bastava-me olhá-la para
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captar o tal do seu ser (que me debato para descrever) para ser reinvestido por, imerso em, invadido por sua bondade” (BARTHES, 2011, p. 222). Mais três meses são necessários para que conclua que já reuniu material suficiente para que o livro comece a ser escrito. Até esse dia, decorridos quase um ano e meio da morte da mãe, havia vivido um "luto imóvel" e não espetacular que se manteve “separado” por tarefas. Quase um luto clandestino. Agora ele pode tornar esse luto público, sem histeria, sem choros convulsivos. Com a redação do livro, imagina finalmente fazer cessar a separação entre luto e o trabalho. Em, 29/03/79, duas semanas antes do início "oficial" da redação de CC, escreve: Vivo sem nenhuma preocupação com a posteridade, nenhum desejo de ser lido mais tarde (exceto, financeiramente, para Michel), a perfeita aceitação de desaparecer, nenhum desejo de ‘monumento’ – mas não posso suportar que isso aconteça com mam. (talvez porque ela não escreveu e porque sua lembrança depende inteiramente de mim) (BARTHES, 2011, p. 230).
Durante a escrita da CC, o Diário é praticamente interrompido. A arquitetura rigorosa do livro, subjacente a uma escrita difícil de enquadrar em algum gênero, tem um objetivo claro: erguer e sustentar um monumento à mãe, cuja memória não deveria ser menos perene que a fama do filho. Sua estranha simetria, com duas partes heterogêneas, rebatidas uma sobre a outra, ecoa a Igreja de Saint-Sulpice, cujas torres simétricas são também heterogêneas. Na primeira parte, predomina o ensaísta, o pensador dos signos e da cultura, o sociólogo, a fotografia civilizada, que corresponde à torre neoclássica da igreja; já a segunda parte pertence ao filho, à fenomenologia do luto, à fotografia selvagem, bruta, que corresponde à torre “inacabada”, interrompida pela Revolução. Simetria e especularidade orientam a redação da CC (ou seria sua construção?). O livro só poderia ter 48 capítulos, pois a mãe de Barthes morreu aos 84 anos6. 6 Acredito que o próprio Barthes teria tornado pública essa correlação, se tivesse tido oportunidade, como o fez em relação a S/Z, seu livro sobre Balzac, publicado em 1970. Nesse último caso, a obra está dividida em 93 partes ou capítulos. "'Por que 93?' pergunta um amigo. 'Porque é a data de nascimento de
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A igreja de Saint-Sulpice, na mesma praça onde Barthes residia, em Paris (Wikipedia).
Mas as relações entre CC e Saint-Sulpice não se encerram aí. Pois se deixamos de admirá-la em sua simetria manca e entramos com Barthes para acompanhá-lo em sua "oração instintiva", logo nos deparamos com o famoso gnomon, sobre o qual a incidência do raio de luz que atravessa uma das aberturas da igreja indica o meio-dia exato em Paris conforme a época do ano – e com absoluta precisão no domingo de Páscoa. Ao pé do gnomon, lê-se "Ad Certam Paschalis
Æquinoctii Explorationem" ["Para determinar com precisão o equinócio da Páscoa"], pois, em virtude da superposição dos calendários solar e lunar que caracteriza o cristianismo, a Páscoa incide no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio da primavera no hemisfério Norte. Segundo o Diário de Luto, cuja cronologia resumi acima, após sua oração diante do Gnomon de Saint-Sulpice transcorrem o verão, o outono e o inverno. Chega a primavera e seu equinócio, a primeira lua cheia e o domingo de Páscoa, que em 1979 caiu em 15
minha mãe', responde Barthes sorrindo (CALVET, 1993, p. 205). A mãe de Barthes havia nascido em 1893.
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de abril. Foi exatamente esse o dia em que, ao final do volume, Barthes informa ter começado a redigi-lo. A fascinação de Barthes pelos estudos de Saussure acerca dos anagramas é bastante conhecida7. Julia Kristeva, ex-aluna e melhor amiga de Barthes, já havia observado a natureza dupla do mestre suíço: haveria um Saussure diurno que ministrava o Curso de Lin-
guística Geral e um Saussure noturno que se deixava levar pela obscuridade dos anagramas na poesia latina, quase na contramão de sua teoria (SOUZA, 2013). Talvez Barthes tenha encontrado na Igreja de Saint-Sulpice a cifra de seu ro-mam., erguido sobre o anagrama 8448, cuja elaboração encena uma vida post mortem ao lado da mãe, que se inicia em um domingo de Páscoa e se prolonga, na forma de um monumento, para além da vida do filho. "15 de Abril - 3 de junho de 1979" (BARTHES, 2011, p.164). Assim encerra-se CC, com as datas do início e fim de sua redação. Não são 48 dias, mas 50. Assumir o livro como exercício de escrita teria a vantagem de caracterizá-lo como espontâneo e intuitivo. Exatamente o que sua narrativa simula. Mas a tarefa de erguer um monumento à mãe jamais permitiria o improviso desse tipo de dispositivo: 03/06, naquele ano, foi o dia de Pentecostes, a descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos, celebrado 50 dias após o domingo de Páscoa – evento do calendário cristão que assumiu crescente importância na tradição protestante. Do ponto de vista espacial, portanto, a arquitetura da CC, cuja planta baixa é o Ф, desenvolve-se pelo princípio do anagrama e simula a simetria troncha das torres de Saint-Sulpice; mas, do ponto de vista da temporalidade, isto é, dos 50 dias despendidos na sua construção, acompanha o tempo do retorno dos mortos em que o Cristo ressuscitado habitou entre os vivos, entre a Páscoa e Pentecostes.
"... o solitário e infeliz Saussure a ouvir a voz enigmática, inoriginada e obsessiva, a do anagrama, no verso arcaico" (BARTHES, 1984, p. 53). 7
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Albertine É hora de abrir minha edição portuguesa do livro. Entre a folha de rosto e a homenagem a O Imaginário, de Sartre, a Polaroid de Daniel Boudinet, de 1979. Nas edições francesa e brasileira, a mesma imagem ocorre depois da homenagem (esse é o lugar original). Na primeira edição inglesa – surpreendentemente – a fotografia de Boudinet não é reproduzida. Quase todo o debate existente acerca dessa fotografia, no contexto da CC, decorre de sua flutuação ou ausência em diferentes edições. Como se trata da única foto colorida, jamais sendo mencionada pelo autor, é plausível que alguns editores tenham optado por economizar a impressão. Muitas justificativas quanto a sua necessidade e pertinência foram propostas. Há quem sustente que ela representa a "câmara clara", isto é, o jardim do reencontro; outro autor chama a atenção para o trecho do livro em que são mencionadas as pupilas azul-esverdeadas da mãe (96), cuja tonalidade as cortinas translúcidas da Polaroid duplicariam – o que não descarta necessariamente a opinião de quem considera que as mesmas cortinas remetem ao velamento do corpo da mãe, sua ausência, ou sua presença-ausência. Todas essas hipóteses concordam em um ponto: a fotografia de Boudinet é parte essencial do livro e jamais poderia ter sido suprimida. Eu mesmo a tomei, inicialmente, como o quarto já vazio, no qual a mãe habitara. Mas agora que reconhecemos o caráter simétrico do projeto, ou como definiu Geoffrey Batchen, sua "dinâmica binária", não resta dúvida que ela funciona como contraponto à
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fotografia do Jardim de Inverno: essa é uma foto que se vê e da qual nada se diz; enquanto a outra, uma foto de que muito se fala mas nunca se vê (BATCHEN, 2009, p. 16-17).
Daniel Boudinet, Polaroid, 1979 (BARTHES, 1989).
Foi apenas na revisão do manuscrito que Barthes atribuiu à fotografia de Boudinet o título neutro de Polaroid (neutro por designar antes a técnica que o conteúdo). Incialmente pretendia chamá-la Ri-
deau – cortina (NARBONI, 2020, p. 69), termo que nos remete também ao teatro. A foto de Boudinet é a imagem de Ф que desvela o drama que a fotografia encena, sendo ela mesma o próprio drama. Um convite a participarmos do jogo de aparecer/esconder que o livro dramatiza. Barthes não vê o que os olhos de Jerôme viram (o Imperador), mas vê o que os olhos do fotógrafo viram (Jerôme). Não o vê agora, mas em sua memória, pois recorda uma fotografia que viu outrora. O leitor, no entanto, só pode imaginá-la pois não é reproduzida no livro.
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Ao legar o retrato do irmão do Imperador à nossa imaginação, Barthes procura partilhar o impartilhável: não a foto em si, mas seu espanto diante dela: "Vez por outra eu falava sobre esse espanto, mas, como ninguém parecia partilhá-lo nem sequer compreendê-lo (a vida é feita assim de pequenas solidões), esqueci-o" (15). Esse espanto original foi recalcado e seu interesse pela fotografia, nas obras anteriores a CC, priorizou o "cultural". Por força de sua própria insistência, o espanto retorna agora na forma de um desejo "ontológico" pela fotografia "em si" (15). As aspas em "ontológico" e "em si" foram postas pelo próprio Barthes, mas não correspondem a citações nem indicam ironia (como se o autor antecipasse as críticas que viria a receber). Cadava e Cortés-Rocca (2006) oferecem-nos a melhor justificativa para as aspas, itálicos e capitulares que ocorrem no livro em profusão: "não pode haver reflexão sobre fotografia que não comece com a revisão das palavras e conceitos com os quais falamos e pensamos as imagens." (6) Se a fotografia é o advento de si como outro, conforme a premissa benjaminiana, também as palavras que entram em seu mundo não permaneceriam idênticas a si mesmas. Elas ocorrem no texto como se tivessem sido fotografadas e isso que lemos entre aspas ou em itálico é apenas sua aparência fugidia ou provisória, uma espécie de eco do seu significado usual. O espanto, no entanto, não ocorre com aspas. O espanto é próprio e não alheio. As aspas por meio das quais Barthes fotografa as palavras são como as cortinas translúcidas de Boudinet que tanto escondem como revelam o ocultado. Depois da CC tornou-se praticamente impossível fotografar Roland Barthes – não porque viveu por pouco tempo após seu lançamento, mas porque não o ter fotografado tornou-se um motivo ensaístico-literário. O primeiro texto do gênero foi publicado por Hervé Guibert (2014), em 1982, incluído na coleção de narrativas e meditações A Imagem fantasma, escritas em resposta a CC (“A Fotografia, tão perto da morte quanto possível"). Um relato que me interessa particularmente foi fornecido pelo historiador da arte Hubert Damish.
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Ele nos conta que, por ocasião de um congresso do qual ambos participavam, carregou mal o filme na câmara e fez Barthes posar em vão no intervalo de um congresso do qual ambos participavam em 1977 (DAMISH, 2007, p. 15-16). O constrangimento do alvo e o fracasso do operador servem de pretexto para uma reflexão sobre o punctum. Como especialista em história da perspectiva, Damisch, sabe que a noção de punctum que Barthes mobiliza em CC provém dos tratados clássicos da pintura: o punto dell’ochio. Para um historiador da arte da Renascença, portanto, nada mais studium que o punctum para onde convergem as linhas que sustentam a construção perspectiva (DAMISH, 2007, p. 17). Barthes estaria operando mais uma inversão característica da CC: o ponto de fuga onde a perspectiva sustenta a inteligibilidade espacial do seu assunto torna-se a linha de fuga por meio da qual essa inteligibilidade escapa. Os historiadores designam a perspectiva clássica, que o punc-
tum de Barthes subverte, de perspectiva albertiana, pois foi sistematizada por Leon Baptiste Alberti, no tratado Da Pintura, de 1435. Curiosamente, em CC, ela é chamada “albertiniana” (114). Damisch (2007) se pergunta se o engano é resultado de um ato falho ou de uma confusão proposital, pois a perspectiva “albertiniana” poderia ser a perspectiva de Albertine, principal personagem feminina da Recherche que Barthes relia no período (p. 17). Albertine é esse amor dificilmente correspondido ou nunca plenamente realizado. Desaparecida ou em fuga, depois de ter sido aprisionada por Marcel (nas grades da perspectiva, talvez), sucumbe em uma queda de cavalo. O último volume da obra, A fugitiva, é o livro do “luto” do narrador e uma reflexão acerca da morte de um de seus “eus” – aquele que amava Albertine. Nesse sentido, é também um livro sobre sua indiferença: à fuga e morte de Albertine sucedeu-se a morte daquele que a amava; um outro eu o sucederá. Hubert Damish não se arrepende do retrato malogrado de Barthes, apenas envergonha-se do erro. Mas arrepende-se de jamais ter perguntado ao colega se a substituição de Alberti por Albertine
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fora acidental (inconsciente) ou proposital (DAMISH, 2007, p. 17). Em um livro como CC, em que o punctum se transforma em seu contrário, seria possível decidir entre essas duas alternativas? Olhemos de novo a Polaroid de Boudinet. Quem pode nos assegurar que não se trata mais uma vez de Albertine e não de Henriette, a mãe de Barthes? Em
A Fugitiva, lemos: Do meu quarto escuro, com um poder de evocação igual ao de outrora, mas que já não causava senão sofrimento, eu sentia que lá fora, na densidade do ar, o sol poente punha na verticalidade das casas e das igrejas um tom fulvo de ocre. E se, ao voltar, Françoise desarranjava involuntariamente as pregas das grandes cortinas, eu sufocava um grito ante o rasgão que acabava de fazer em mim aquele raio de sol antigo, que me fizera achar linda a fachada nova de Bricqueville l'Orgueilleuse, quando Albertine me disse: 'Ela foi restaurada' [...] Eu dizia a Françoise que cerrasse as cortinas, para não tornar a ver aquele raio de sol. Mas ele continuava a filtrar-se, igualmente corrosivo na memória: 'Não gosto, foi restaurada. Mas amanhã iremos a Saint-Martin-le-Vêtu, e depois de amanhã a...' Amanhã, depois de amanhã, era um futuro de vida em comum, talvez para sempre, que começava; meu coração atirou-se a ele, mas já não estava ali, Albertine morrera (PROUST, 1988, p, 61-62).
Com a morte de Albertine, nasce o escritor.
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O corpo Assim como o punctum não é o ponto, o corpo não é o corpus. Essa segunda distinção surge no capítulo 2 e repercute em todo o livro. Ela desloca a concepção convencional que temos do objeto da pesquisa, que dispõe de um lado uma teoria e um método e do outro um material que nos habituamos a chamar corpus empírico. Para Barthes, o cor-
pus, a empiria, está do mesmo lado da teoria, da metodologia, das categorias etc. (PINNEY, 2012). A Fotografia que lhe interessa não é a do
corpus, mas a inclassificável. Ao corpus pertence tudo que nela é reprodução, conforme nosso interesse e a nosso serviço. O que se opõe ao corpus não é a teoria (porque aquele já lhe pertence de antemão), mas o corpo, que vai recebendo uma sucessão de nomes ao longo do livro, alguns diretamente extraídos do ensino de Lacan: “o Particular absoluto, a Contingência soberana impenetrável e quase animal”, a Ocasião, o Encontro, o Real, na sua “infatigável expressão”, a Tyché8. (17) O corpo é essa introjeção do Real que perturba o corpus. Para reforçar seu argumento, Barthes coloca em movimento uma de suas etimologias "selvagens". A designação da realidade vazia no budismo como Tathata (ser isso, ser assim), proveniente do sânscrito tat (isso), é remetida ao gesto da criança que aponta ( ta, da,
ça). Assim, somos conduzidos do Real fora da cultura a uma língua 8 A referência, claro, é ao Seminário XI, de 1964. O automaton, a repetição, está do lado do simbólico, é uma rede de significantes onde não existe acaso. Tyché é uma intromissão do Real na ordem simbólica e só ele é inteiramente arbitrário (LACAN, 1973, p. 53-62).
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antiquíssima, o sânscrito, e à criança que ainda não sabe falar e então aponta (17). Esse apontar mudo, que não admite conceito, e que ocorre no vazio, antes que o mundo ganhe consistência pela repetição, é o que cada fotografia “envelopa”. Tal como a Polaroid de Boudinet, ela é um véu, um tecido transparente que recobre o trauma da contingência do Real, favorecendo discurso do reconhecimento e da realidade. Ao contrário, porém, do que ocorre com os signos linguísticos e com as representações pictóricas, a fotografia não consegue separar-se de seu referente a não ser por um esforço profissional ou muito estudioso. Carrega-o consigo pois foram ambos atingidos “pela mesma imobilidade amorosa e fúnebre”. A fotografia estaria colada ao referente “como o condenado acorrentado a um cadáver”, ou como casais de peixes que navegam juntos em um “coito eterno” (19). Nessa hora o leitor deveria perguntar-se de onde vieram essas estranhas analogias. Mas a perturbação que nos causam é necessária para estranhemos também essa união da qual a fotografia extrai seu sentido. Nas teorias mais antigas dos signos, as relações entre nomes e coisas não são binárias, mas ternárias: há o nome, a coisa, e algo que liga os dois, geralmente concebido como um decalque, algo que permite um encaixe. Uma concepção similar retornará na segunda metade do século XX com a noção de significância em Émile Benveniste (AGAMBEN, 2009, p. 80-90). Mas na fotografia, afirma Barthes, não encontramos essa marca. Isto é, ser reconhecida como fotografia já é ser reconhecida como fotografia de algo. A fotografia é ela própria aderida ao referente (ou decalcada por ele), sem necessidade da intervenção de uma marca exterior, isto é, sem a marca impressa pela Língua nos signos propriamente linguísticos. Essa premissa, condenada por vários críticos da fenomenologia barthesiana, foi desde cedo objeto de interpretações diferentes. Para alguns, era necessário estabelecer que o referente não é a coisa: em uma fotografia de sapo, obviamente, não poderia ser o sapo gosmento que adere. Mas é preciso considerar, como prescrevem Cadava e Cortés-Rocca (2006), que Barthes tira a fotografia de sua zona de
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conforto, uma vez que não respeita a "santíssima trindade" assunto, referência e imagem (7). De fato, em Barthes, a fotografia não testemunha a existência da coisa, mas sua inevitabilidade, uma vez que fotógrafo esteve "lá" (73-74). Esse corpo que posa é um corpo fotográfico, algo que não existe antes da sua representação, mas que se constitui no ato de posar diante da câmera. Ao contrário da "semiótica clássica", para a qual "o processo de representação começa e acaba na estabilidade do 'referente'", o caráter indexical da fotografia encena o ser fantásmico: "o índice é um signo ligado ao luto e à melancolia, e nunca à verdade e ao testemunho". Esses últimos dizem respeito ao uso policial da fotografia (CADAVA; CORTÉS-ROCCA, 2006, p. 17-18). A relação do índice fotográfico com a verdade seria da ordem do discurso, das instituições e dos dispositivos. Mas na ordem da verdade, tudo já é
corpus, repetição, automaton. A indicialidade fotográfica estaria vinculada antes ao corpo. Limita-se a assinalar, por meio de um furinho imprevisto, o vestígio de seu desaparecimento (19). É desse ponto que parte Jacques Derrida (2001) em seu necrológio "As Mortes de Roland Barthes", indicando CC e a "A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", de Walter Benjamin, como os “dois textos mais relevantes sobre a dita questão do Referente na era tecnológica moderna” (39). Na interpretação de Derrida, "a fotografia não serve como evidência do Referente – se tal coisa existisse – mas de uma estrutura de referência que assinala a absoluta singularidade do outro" (SAGHAFI, 2000, p. 101). Uma “estrutura de referência” da qual a fotografia não seria incapaz de se desvencilhar. Por isso, Derrida vai insistir no termo referencial, algo que não é nem referente, nem referência. A forma desse “referencial” seria o “ter estado aí”. O referente fotográfico nunca seria idêntico a si mesmo, mas já separado de si, já fantasmático. Essa autodivergência, constitutiva de qualquer ente, é a espectralidade que tornaria possível a fotografia (SAGHAFI, 2000, p. 104).
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A fotografa seria, desde sempre, o espectro da coisa, não a coisa. O “Isso foi”, jamais o “Isso”. A natureza espectral do referente é expressamente admitida por Barthes (1979): “aquilo que é fotografado é o alvo, o referente, uma espécie de pequeno simulacro, de eidolon, emitido pelo objeto, a que poderia muito bem chamar-se Spectrum” (23). Nos termos de Derrida (2001), é o referente que, em sua própria imagem, não posso suspender, mesmo que sua “presença” sempre me escape (39). Uma vez que o referente se esvai no passado único do seu acontecimento, o que adere na fotografia é a referência (DERRIDA, 2001, p. 57). Para alguns críticos, Derrida levou sua interpretação da referência fotográfica longe demais, tendo tornado o referente praticamente inatingível. Para Cadava e Cortés-Rocca (2006), o referente poderia ser alcançado por meio do amor: Se, à primeira vista, pareceria que a força do amor, particularmente do “extremo amor”, permite que ele atravesse a superfície fotográfica para atingir o referente, exceder os limites do medium fotográfico de modo a ver sua amada, Barthes logo torna claro que não pode haver amor sem fotografia nem fotografia sem amor (5).
O delírio e o perigo que atravessam a CC seriam decorrentes da experiência desse amor “extremo amor” que possui também valor epistemológico, pois insere a Fotografia no campo de uma "ciência nova", uma Mathesis singularis. (p. 23). Em oposição à Mathesis uni-
versalis, de Descartes, ao sonho de uma linguagem e uma matemática que desse conta de todos os fenômenos do universo, a Mathesis sin-
gularis seria a postulação de “uma ciência para cada objeto”. Ela descartaria o corpus em favor do corpo: “Resolvi tomar como ponto de partida da minha investigação apenas algumas fotos, aquelas que eu estava certo de existirem para mim. Nada de corpus. Apenas alguns corpos” (22). Mas esse descarte não convém só a Barthes, mas à própria fotografia como problema: “a Fotografia é uma arte pouco segura, tal como seria, se decidíssemos estabelecê-lo, uma ciência dos corpos desejáveis ou detestáveis” (34). Se “não pode haver amor sem
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fotografia nem fotografia sem amor”, até onde nos levaria essa ciência do singular, a não ser ao conhecimento do único ser amado? Mas algo nos impede de prosseguir inteiramente nessa linha, pois há o corpo. Ocultar a fotografia da mãe pode ser análogo ao seu desaparecimento, uma vez que está morta, mas os corpos que Barthes deseja ainda circulam pelo mundo. A CC não é uma “teologia negativa” – uma regressão até a inextricável divindade a respeito da qual nada pode ser dito ou mesmo conhecido. Não é uma regressão até onde reside o infinito amor materno, até o inefável fotográfico onde o referente adere. Elissa Marder, pensando essa questão, formulou a proposição mais interessante acerca da relação entre a fotografia e o corpo materno. Para ela, "a fotografia opera no corpo antes da linguagem (no lugar da linguagem)” e, por isso, “ela tanto convoca como apaga nossos laços primordiais com o corpo materno" (MARDER, 2000, p. 25) Assim, Barthes teria concebido a fotografia como uma mãe mecânica que mima, distorce e rompe a função materna (MARDER, 2000, p. 26). Derrida teria optado por "corrigir" Barthes, substituindo o referente por "referência ao referente", elidindo a questão do corpo. Em consequência, teria negado a natureza confessadamente parva, estúpida, da metafísica da
CC. A "metafísica estúpida é a metafísica que não sabe falar: só pode apontar e tocar", como o infante. A fotografia, para Barthes, seria tão impensável quanto nosso próprio nascimento (MARDER, 2000, p. 28). A formulação de Marder inspira-se em outra das metáforas estranhas a que Barthes recorre para designar o vínculo entre o olhar do espectador e o "corpo da coisa fotografada": uma “ligação umbilical”, que converte a luz em um "meio carnal" (114). Dessa criança que ainda não sabe falar e então aponta, teria derivado a terminologia técnica do fenômeno moderno da fotografia, isto é, do Latim, de uma língua que “morreu muito antes de ele ter nascido”: "se Barthes precisa do latim para definir a fotografia, isso se deve em parte à suposição de mortalidade comum tanto ao latim como à fotografia" (MARDER, 2000, p. 29). As definições latinas tanto suturam como dividem
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antiguidade e modernidade – e, nesse sentido, são como Φ. Elas permitem, sugere Marder, que Barthes imagine um tempo pré-histórico no qual a fotografia seria capaz de imortalizar o "corpo amado": CC é "pensamento mágico", conclui (30). Tal como Benjamin, e de modo ainda mais que radical, talvez, Barthes afirma que só realistas como ele reconhecem o fato de que a Fotografia é "uma magia, não uma arte” (124-125). Imortaliza o corpo amado pela mediação de um "metal precioso, a prata" que, assim como os metais da alquimia, "está vivo" (115). Por esse motivo, o tema da maternidade na CC não está apenas relacionado à morte (da mãe), mas também ao nascimento (do filho), pois a Fotografia, alquimicamente, transforma luz em carne: Nessa transformação, a fotografia se torna o meio maternal que magicamente reconecta o corpo do sujeito que vê com o corpo do referente por um cordão umbilical. O cordão umbilical, por sua vez, cria um novo corpus que envelopa tanto o sujeito que vê como o objeto fotografado por uma pele comum, a fotografia transubstancia o corpo do referente e transporta-o através do tempo e do espaço. Como um meio maternal mecânico, a fotografia tem a habilidade de reproduzir um novo corpo coletivo que desestabiliza a separação entre passado e presente, sujeito e objeto9 (MARDER, 2000, p. 32).
É exatamente como um parto – associado às incertezas do nascituro – que Barthes descreve o ato de posar para uma fotografia: “vivo-a na angústia de uma experiência incerta: uma imagem, a minha imagem – vai nascer: irei ser parido como um indivíduo antipático ou como um ‘tipo fixe’?" (26). Só o amor poderia "salvar o sujeito moderno", conclui Marder (2000): A mãe mecânica destrói a vida do sujeito vivo envolvendo o corpo com um excesso de sentido [...] Diferentemente da mãe biológica que paradoxalmente protege o sujeito do mundo, como uma mãe protética que usurpa a função maternal substituindo identidade por subjetividade, a fotografia molda o sujeito moderno em um novo corpo que está condenado a já nascer morto (34). 9 No estúdio que manteve acima do apartamento da mãe, havia uma ligação para alçar a refeição. Assim não precisava sair do escritório para se alimentar (CALVET, 1993, p. 137). Henriette o alimentou por décadas – o elevador de comida manteve o cordão umbilical em permanente operação.
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O trauma A "Fotografia é o aparecimento do eu próprio como outro, uma dissociação artificiosa da consciência da identidade” (28) – esse é um dos temas fortemente benjaminianos na CC. Há muito debate em torno da eventual influência de Walter Benjamin sobre Barthes, em particular da "Pequena História da Fotografia"10. Dispomos de evidências suficientes de que uma relação, mais complexa e decisiva que mera influência intelectual, existe entre os dois textos. Em meio aos materiais utilizados por Barthes na preparação da CC esteve um número especial da revista Nouvel Observateur, de novembro de 1977, em que uma tradução do ensaio de Benjamin foi publicada. O sinal indiscutível do impacto dessa revista sobre Barthes é que das 25 fotografias que ilustram a CC, seis vieram das páginas desse número da N.O. – dentre essas, quatro ilustravam o texto de Benjamin11. Geofrey Batchen sugere que a estrutura da CC, em duas partes mais ou menos espelhadas, poderia ser oriunda da leitura da "Pequena História da Fotografia" que também tem duas partes – ainda que isso, a meu ver, seja pouco perceptível aos leitores contemporâneos, pois a divisão original foi suprimida nas edições posteriores. No centro do ensaio, assinalando sua partição, estaria o comentário de Sabe-se que "A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica" esteve entre suas leituras no período, além de "Haxixe em Marselha" e "Crítica da Violência", que integravam a bibliografia do seminário sobre o Neutro, no Collège de France (BARTHES, 2005c). 11 É improvável que Barthes já tivesse lido a “Pequena História” em alemão ou na tradução francesa anterior que foi pouco difundida. 10
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Benjamin acerca do retrato de Karl Dauthendey e sua noiva, que viria a cometer suicídio. Nele, o filósofo irá procurar a centelha do acaso onde o futuro se aninhara – como se houvesse nessa fotografia um
punctum a assinalar o futuro suicídio da esposa (BATCHEN, 2009b). Margaret Olin (2009), levando ainda mais adiante o argumento da influência silenciosa de um texto sobre outro, chegou a sugerir que a fotografia da mãe no jardim de inverno jamais existiu, tendo sido tomada emprestada da reflexão de Benjamin acerca do retrato de Kafka criança. Entre outros indícios, observa que o original alemão da "Pequena História da Fotografia" descreve o cenário do estúdio onde o pequeno Kafka é retratado como uma "estufa". Mas na versão francesa que está sobre a mesa de Barthes, o menino posa em um “jardim de inverno” (81). Para além dos aspectos estruturais e filológicos, é forçoso reconhecer que tanto para Benjamin como para Barthes, o ato de ser fotografado é uma passagem dolorosa a outro mundo. No caso de Benjamin, ao mundo adulto e da mercadoria, que a fotografia nos ensina a assimilar e a assemelhar-se (CADAVA, 1997, p. 106-115). Mas enquanto o materialismo antropológico de Benjamin faz com que sua ênfase recaia sobre os objetos, Barthes, provavelmente em função da duradoura influência de Sartre sobre ele, enfatiza a dimensão intersubjetiva da experiência. Mas é também como um prisioneiro que ele se sente: "A Foto-retrato é um campo de forças fechado" (29). Apesar de se tratar de um adulto posando e não mais de uma criança (como Benjamin ou Kafka), a sensação de “pesadelo” – o pesadelo de tornarse outro, de deixar de ser si próprio – é o mesmo. O debate usual em torno da presença de Benjamin na CC ignora, a meu ver, um aspecto crucial do problema: a ausência de referências ao primeiro no ensaio. Mas se nos preocupamos menos com o debate conceitual e prestarmos atenção aos encontros – afinal, como observei anteriormente, a narrativa da CC, sua dramaturgia, de fato, é pontuada e impulsionada por eles –, uma incongruência fundamental salta aos olhos. No Diário do Luto, o encontro com a foto da
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mãe no jardim de inverno ocorre no verão de 1978, em junho, em resposta às preces em Saint-Sulpice. Na CC, no entanto, Barthes dá a entender que encontrou essa foto bem antes, no primeiro novembro após a morte da mãe – no outono de 1977, portanto. Ainda que a CC mimetize estilisticamente um diário, é mais provável que as datas no
Diário do Luto, que não foi escrito para ser publicado, sejam mais acuradas. Partindo dessa premissa, aquilo que Barthes de fato encontra em novembro de 1977 é a revista Nouvel Observateur que contém o texto de Benjamin cujo argumento central é a natureza premonitória das fotografias – como se não fosse suficiente, a “Pequena História” foi publicada, nessa tradução, sob o título de “Os Analfabetos do Futuro”12. Minha hipótese, portanto, é que o encontro da foto do jardim do inverno, em junho de 1978, é uma confirmação do caráter traumático e premonitório da fotografia que experimentara em novembro de 1977: "Está morto, ele vai morrer" – escreve diante do retrato do jovem Lewis Paine, condenado à morte (134). Afinal, se todos vamos morrer – e, no entanto, preferimos esquecer essa fatalidade do destino – optamos por viver como “analfabetos do futuro". O encontro com a edição da Nouvel Observateur é substituído (ou encoberto) pelo encontro do retrato da mãe no jardim de inverno na narrativa da CC.
Em fins de 1977, Barthes concede uma entrevista a Angelo Schwarz e afirma que conhece "poucos grandes textos de qualidade intelectual sobre a fotografia", acrescentando que há o texto de Walter Benjamin "que é bom porque é premonitório" (BARTHES, 1981, p. 338). É usual supor que ele se referia a "A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", mas, dada a ocasião da conversa (publicada apenas em 1980), é lícito especular que tinha acabado de ler os "Analfabetos do futuro". 12
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Tradução francesa da “Pequena História da Fotografia” em edição especial da Nouvel Observateur, novembro/1977.
Que motivo – consciente ou inconsciente – teria o autor para inverter cronologia dos encontros?13 Não é difícil perceber nessa troca de datas a forma do a posteriori, tal como pensado por Freud14. De fato, a mãe Barthes morre em 25/10. Em alguns dias, é enterrada na província onde ficava a residência de verão da família. Cerca de duas semanas depois, publica-se a edição especial da revista. E logo que a abre, ilustrando o ensaio de Benjamin, está o corpo de Lewis Payne, o belo quase-assassino de um político americano. Seu punctum: “ele
vai morrer” ("isto será e isto foi)” (135) – o “condenado” acorrentado ao próprio “cadáver”, afinal. Logo a seguir, no texto da CC, a imagem
13 Há outras divergências nos relatos além dessa, que claramente sugerem que a versão da CC é uma elaboração posterior. No Diário do Luto as fotos antigas da mãe são reviradas ao lado do irmão, na CC, Barthes está sempre só – conforme sua opinião de que a apreciação das fotografias é um ato solitário, em contraposição ao cinema; no Diário, a descoberta da fotografia do Jardim de Inverno ocorre em uma tarde de verão, em CC, numa noite de inverno, ambiência bem mais propícia ao luto e à melancolia. 14 Há várias formulações na CC que remetem, de algum modo, a esse regime temporal, como quando define o punctum como um "suplemento" que se acrescenta à foto “e que, no entanto, já lá está” (82) ou quando escreve, depois do encontro da fotografia do jardim de inverno: "O que eu inicialmente notara, de modo isento, sob pretexto de um método, isto é, que toda fotografia é de certo modo conatural a seu referente, voltei a descobri-lo, como que pela primeira vez, devo dizê-lo, arrastado pela verdade da imagem." (108). Ou seja, algo retorna, como pela primeira vez, recobrindo de sentido o que antes não havia sido notado ou fora apenas percebido com indiferença. Para uma discussão da forma do a posteriori, ver, por exemplo, GONDAR, 1995 (p. 45-59).
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da mãe, cujo encontro havia sido descrito poucas páginas antes, retorna: "digo para mim mesmo: ela vai morrer". Essa experiência é imediatamente remetida a Winnicott – o psicanalista das crianças
traumatizadas pela separação dos pais durante a Batalha da Inglaterra –, cujo paciente estremece "perante uma catástrofe que já acon-
teceu" (135). Toda fotografia, escreve Barthes, "é esta catástrofe". Mas ainda há aqui, na minha proposição, demasiada racionalização. Em novembro de 1977, ele está em meio à busca pelo corpus de seu futuro livro da fotografia, mas o que encontra na revista recém-publicada é o corpo de Lewis Payne. O escritor está com 62 anos e receia que os corpos jovens que tanto ama não o desejem mais – terá de se conformar com os michês. Esse mergulho selvagem, tátil, envolvente, no corpo da fotografia é subitamente interrompido pelo luto que permanece separado do trabalho e do desejo. Não sabemos se Barthes chorou nesse dia ou se foi a uma sauna depois de jantar com Julia Kristeva e Philippe Sollers. Porém, vários meses depois, o reencontro do corpo materno, ainda criança, no jardim de inverno, encobre a impropriedade do desejo (e do trabalho): não foi o retrato do jovem Lewis Payne que encontrou em novembro, mas o de sua mãe, que agora retorna para protegê-lo. Por intermédio desse segundo encontro, que toma o lugar do primeiro na CC, a temporalidade traumática da fotografia, a catástrofe que é toda fotografia, pode ser finalmente narrada. Pode tornar-se livro e monumento.
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Puncta A noção de Studium, que se contrapõe ao Punctum, é introduzida primeiro. Tem caráter cultural, é da ordem da intenção, do contrato entre criadores e consumidores. Depende da educação (45-48). O Punctum é algo que interfere, quebrando o ritmo desse investimento. Barthes fala em escansão, como no versejar poético, mas deve igualmente pensar no verso bíblico salmodiado ou nas primeiras notações do canto gregoriano, cujos ritmos e entoações são marcados por pontos, dos quais as gramáticas modernas herdaram seus sinais de pontuação. É como uma ferida, uma picada. A formulação oculta uma provocação evidente: punctum é tanto o “ponto”, a marca, como o ponto de vista, o ponto de fuga; tanto o “orifício” ou mancha, o acaso que fere, como o diafragma que permite a passagem das imagens para o interior câmera escura, isso que faz conviver, no mesmo dispositivo, o racional e o irracional. Ao enumerar os sentidos da palavra punctum, Barthes segue a sequência de significados propostos por um dicionário latim-francês popular em seu tempo de estudante. Mas depois de reproduzir as primeiras, salta algumas acepções correntes, inclusive "voto" e "ponto de equilíbrio" (como em uma balança) e convoca a décima e última: "lance de dados"15. Curiosamente, deixa de mencionar puncutm
temporis, o momento, o instante, que ainda sobrevive em português
"... punctum é também picada, pequeno orifício, pequena mancha, pequeno corte – e também lance de dados" (BARTHES, 1989, p. 47). 15
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em expressões como a hora "em ponto”. Não é uma acepção insignificante, pois é a mais rica em abonações do verbete, entre essas, uma retirada das Epístolas Morais de Sêneca: “Punctum est, quod vivimus,
et adhunc puncto minus”16 (GAFFIOT, 1934). A morte estava lá, inscrita na instantaneidade do punctum, ameaçando o narrador desde o primeiro momento, tocaiada na língua morta em que Barthes foi buscá-lo. O studium reconcilia a fotografia com a sociedade. Fornece álibis para o fotógrafo, justificativas que lhe autorizam manipular algo tão perigoso. Esses álibis se confundem com as “funções” sociais da fotografia: “informar, representar, surpreender, dar significação, provocar desejo” (48-49). Se um punctum é uma espécie de subversivo, de sabotador da mensagem fotográfica, o ensino de fotografia, tal como praticado nas escolas da publicidade, de jornalismo, ou de artes, teria por objetivo blindar a imagem contra a perturbação do punc-
tum. O resultado dessa blindagem é uma “fotografia unária”. (64) O termo é tomado emprestado da gramática gerativa, formulada por Noam Chomsky na década de 1950. As transformações unárias são aquela em que a unidade do sentido é preservada, preservando-se a informação. A fotografia unária seria aquela que “transforma” enfaticamente a realidade sem fazê-la “vacilar”. Além do fotojornalismo e da publicidade, dos quais se exige unariedade para comunicar com eficiência suas mensagens: a fotografia pornográfica também seria
unária – pois ela é como uma vitrine que exibe uma única joia (65). Entre as várias acepções de punctum, Barthes introduz uma que os antigos romanos desconheciam: “objeto parcial” (69). Especialmente difundido por Melanie Klein, o conceito psicanalítico remete a algo que se torna, parcialmente ou de modo intermediário, objeto da pulsão. Tanto vale para os fetichistas, para os cultuadores de partes do corpo, como para alguém, por exemplo, que deseja casar-se para ter filhos. Os objetos parciais, por excelência, são o seio e o pênis. Na clínica, a entrada na vida adulta corresponde à passagem de objetos parciais para objetos totais; mas alguns teóricos consideram que os 16
“É num momento que vivemos, e até mais breve que um momento."
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sujeitos continuando fantasiando e fantasmando objetos parciais a vida toda. Por isso, Barthes nos diz, talvez brincando, que fornecer exemplos de puncta é “entregar-se” (67). Em “O Terceiro sentido”, Barthes (1984) observara as "unhas compridas de Goering". Era, então, de um antepassado do punctum que se tratava, o "sentido obtuso" (53). Na CC, mencionam-se as unhas grandes nos retratos do século XIX e as unhas sujas de Tristan Tzara em uma foto de Kertész. Talvez Barthes tivesse, de fato, um não sei quê por unhas grandes e sujas, em particular as masculinas. Na foto de Andy Warhol, por Duane Michals, “o punctum não é o gesto, é a matéria um tanto repelente das unhas espatuladas, simultaneamente moles e descarnadas” (73). Entregou-se? Deixou escapar um fetiche singular? Ou brinca conosco, aludindo à conhecida provocação de Sócrates de que não há uma ideia para as unhas sujas? Uma vez que a sujeira debaixo das unhas não participa do mundo das essências, tendo sido banida do eidos platônico, o eidos fotográfico, restabeleceria sua cidadania, ainda que fugaz, na forma do punctum, do inominável. No Theatrum Philosophicum, de 1970, Foucault (1980) já havia dado a senha: Converter o platonismo (trabalho responsável) é incliná-lo a ter mais piedade pelo real, pelo mundo e pelo tempo. Subverter o platonismo é tomá-lo desde o cume (distância vertical da ironia) e retomá-lo na sua origem. Perverter o platonismo é apurá-lo até ao último detalhe, é baixar (de acordo com a gravitação própria do humor) até a um cabelo, à sujeira debaixo de uma unha que não merecem a honra de uma ideia (40, tradução modificada).
Mas, ao remeter as unhas repelentes de Andy Warhol a Platão e Foucault, já começo a convertê-las em studium. O punctum, enquanto tal, o tal do punctum, é apenas "uma fulguração” (74) – expressão que parece ter saído do vocabulário benjaminiano, assim como "detonador" (75) e "estrelinha na trama do texto" (75). Não é algo necessariamente notado à primeira vista: é um satori (o termo japonês para a iluminação budista), a “passagem de um vazio”. Se demorasse um pouco mais, deixaria de ser punctum, poderia ser analisado. Mas como resistir ao studium? Há o esparadrapo no dedo da
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garota, a gola Danton no menino. Barthes confessa: “Sou um selvagem, uma criança – ou um maníaco; ponho de lado todo o saber; toda a cultura, abstenho-me se ser herdeiro de um outro olhar” (77).
Lewis Hine. Idiot Children in an Institution, New Jersey, 1924.
Não foram poucos os esforços que procuraram converter CC em método. Há dezenas de textos na Internet, em todas as línguas, que se propõem a aplicar studium e punctum a esse ou aquele corpus em particular. Raramente leio algo desse jaez que verdadeiramente me interesse. Tudo me parece uma certa dilaceração do corpo a serviço do corpus, porque, ao contrário do studium, o punctum não ensina nada. Mas pode interromper, sacudir e permitir uma re-visão estudiosa dos materiais17. Derrida (2001) insiste que, a despeito da irredutibilidade do punctum, ele é, desde o início, duplo, pois aponta simultaneamente para si próprio e para mim (39). Sugere que há três maneiras de caracterizar a relação entre punctum e studium: "suplementar" (é acrescentado, mas já estava lá); "rítmica" (pois a fotografia pretende sempre interiorizar, capturar, isso que escapa e que resiste à apropriação); e "assombração", isto é, nem a vida, nem a morte,
Para um exercício de apropriação do punctum, como estranhamento, interrupção, sintoma – aplicado à análise fílmica a partir da noção barthesiana de fotograma ver LISSOVSKY, 2014, p. 57-71. 17
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mas, tomando do vocabulário de Levinas (2001), sem citá-lo, o “sombreamento” de uma pela outra" (Derrida, 2001, p. 41). A distinção entre studium e punctum seria apenas um simulacro de distinção, cujo antagonismo se dissolve para "complicar e reformular não apenas a oposição entre singularidade e predicabilidade, contingência e repetição, detalhe e totalidade, mas também entre intencionalidade e não-intencionalidade (CADAVA; CORTÉSROCCA, 2006, p. 13). No entanto, uma observação crucial é feia por Cadava e Cortés-Rocca (2006): Barthes identifica os puncta por meio de “associações e deslocamentos que evocam sua história, seus afetos, e sua inscrição na linguagem, na cultura, na rede familiar.”: “Se esse detalhe em particular lhe comove, se ele registra essa ferida em particular, é porque essa ferida já está nele, em algum lugar na sua história, ainda que deslocado, cifrado e de maneira ilegível" (15). Enquanto caça-punctum, Barthes – criança ou selvagem – não pode abrir mão da memória. A gola Danton – qual Danton? O guilhotinado? Um menino de cabeça tão pequena e gola tão grande. Não demora muito e vão cortá-la. Não devia haver criança francesa que não temesse por seu pescoço. E não adiantava explicar que a Revolução Francesa foi há muito tempo e ninguém vai decapitar o seu pintinho. A cabeça desse menino até encolheu de tanto “terror”. Tudo isso, para mim, está na gola ou no nome da gola? O que seria dessa gola sem esse nome? Derrida havia sugerido que a melhor maneira de pensar a relação entre as noções de studium e punctum seria a forma musical do "contraponto". Barthes chegou a anunciá-los como temas de uma sonata clássica, que como sabe bem, tem três movimentos, o terceiro representando a síntese dialética dos anteriores: studium, punctum e ... A palinódia, anunciada na final da primeira parte do livro, interrompe a sonata antes que o terceiro movimento seja introduzido. O contraponto, de fato, é tudo que lhe resta, como nas formas simétricas, espelhadas e retrógradas da Arte da Fuga, de Bach – a última obra de gênio do compositor, antes que seus filhos inventassem a sonata clássica.
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A palinódia No último capítulo da primeira parte do livro, Barthes revisa seus passos e anuncia uma reviravolta (87-88). Nos conta que veio "caminhando de foto em foto”, ou seja, comentando esse ou aquele punctum – o livro seguira uma trajetória linear. Esse percurso será agora interrompido. Uma fotografia irá interpor-se, uma que não permite que a caminhada prossiga. As imagens que examinou até então eram "todas públicas". Ainda que os puncta surgissem no interior de uma relação privada e pessoal, as fotografias eram todas provenientes de revistas e livros. Mas os puncta assinalados por ele não eram generalizáveis, não poderiam falar em nome do eidos da Fotografia, pois refletiam seu "desejo", que era um "mediador imperfeito". Ao orientar-se apenas pelas fotos de que gostava, segundo um projeto "hedonista", jamais poderia reconhecer o universal, que necessariamente deveria abranger as fotos de que jamais gostaria. As novas premissas da pesquisa são então anunciadas. Uma vez que seu objetivo é a redução eidética da fotografia, a essência buscada deve necessariamente servir a um sujeito qualquer diante de uma imagem qualquer. Sublinho aqui: qualquer/qualquer, e não todos/todas – pois são regimes distintos do universal. O universal que diz respeito a todas as fotografias para todas as pessoas é um universal do tipo categórico. Decorre de generalizações e suas categorias são tão mais adequadas quanto abarcam os casos sem deixar resto.
Já
o
universal
no
regime
qualquer/qualquer
ou
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quaisquer/quaisquer está do lado da potência, disso que pode ou não pode ser. Assim, o universal todos/todas incluiria na categoria Fotografia tudo que possui um conjunto determinado de características pertinentes e, preferencialmente, exclusivas. Já o universal qualquer/qualquer, é fotografia algo que pode sê-lo até onde (ou até quando) não possa mais18. A segunda premissa adotada por Barthes decorre da primeira, pois se é da potência que se trata (dessa distinção que qualquer pessoa poderia fazer no campo das imagens para que uma e não outra pudesse ser uma fotografia), não é na variedade de imagens ou na variedade de sujeitos que essa essência deve ser buscada, mas, ao contrário, mergulhando ainda mais fundo “dentro de mim próprio”. Na última sentença do capítulo, Barthes dá um nome a sua reviravolta: palinódia (88). Ele tem suficiente controle sobre a escrita para saber que muitos leitores vão se deter diante de uma palavra que estão lendo pela primeira vez. Alguns prosseguiriam, na expectativa de que as páginas seguintes esclarecessem seu significado. Outros iriam o dicionário. Mesmo os que conhecem seu significado, são forçados a uma breve interrupção, um espanto: que diabos essa palavra, vinda dos confins da retórica e da poética clássica, está fazendo aqui? Sua inserção nesse ponto da narrativa tem todas as características do corte que representamos graficamente pela letra grega Φ. Não se trata apenas de uma separação entre duas partes, mas do limite entre duas áreas que devem ser rebatidas uma sobre outra. O que é palinódia, afinal? Uma figura da retórica em que o orador – ou o poeta – se desdiz, retira o que havia dito antes e passa a sustentar exatamente o oposto. A despeito de ter sido um recurso mais frequente na poesia e ainda hoje muito utilizado em certo tipo de argumentação jurídica, não é estranho ao ensaio e à filosofia. Um livro que se serviu da palinódia é a História da Sexualidade I, de Michel Foucault, onde a segunda parte, mais longa, desmente a primeira, em
Para uma discussão mais aprofundada dessa questão, que será retomada adiante nesse texto, ver AGAMBEN, 2007. 18
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particular isso que o autor designa por “hipótese repressiva”. Mas Foucault (1982) prenuncia sua reviravolta para o leitor atento, salpicando na primeira parte expressões como “parece que”, “diz-se”, ou abusando do futuro do pretérito e das formas condicionais (9-18). Barthes, no entanto, escondeu as pistas. Sua palinódia cinde em dois o livro e o leitor. A segunda parte começa com a noite em novembro, “pouco depois da morte da minha mãe”. A meu juízo, esse "encontro" só aconteceu, de fato, sete meses depois, à tarde. Formulei a hipótese que aquilo que Barthes encontra em novembro/1977 é número especial da
Nouvel Observateur que contém o texto de Benjamin sobre o “futuro” inscrito no passado e o retrato do belo jovem Payne, condenado à morte. Por ocasião da palinódia, outro elemento é acrescentado a essa trama.
Robert Mapplethorpe - Self Portrait, 1975.
Reprodução invertida em A Câmara Clara.
A última fotografia da primeira parte de CC é o autorretrato de Robert Mapplethorpe, com sua mão esticada no vazio, “no seu melhor grau de abertura, na sua densidade de abandono” – kairos do desejo, escreve Barthes (87). Um convite ainda ou já uma despedida? Essa pergunta seria irrelevante, apenas retórica, pois bastaria repetir aqui que Barthes abandona seu desejo como critério para selecionar o
corpus do livro com um gesto de adeus desse corpo amável. Mas não existem respostas óbvias na CC. O autorretrato de Mapplethorpe foi
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publicado invertido, espelhado, desde a primeira edição – não tendo jamais sido corrigido. Talvez Barthes não tivesse consciência do engano, cuja origem não consegui determinar, mas qualquer aprendiz de studium fotográfico observaria que o Mapplethorpe original pode estar chegando ou convidando-nos com o braço direito, enquanto o da CC está indo embora, despedindo-se com o braço esquerdo. O espelhamento do retrato é uma premonição silenciosa do descarte do desejo e da palinódia que será anunciada logo a seguir.
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Schumann A mãe já está morta, Barthes está vivo. A coleção de fotos na caixa de sapatos revela apenas fragmentos. Nenhuma lhe permite reconhecêla por inteiro: às vezes, não é ela; às vezes é “quase” ela –; o “quase” ainda causa mais sofrimento. O “quase é o regime atroz do amor”, o “estatuto decepcionante do sonho”, onde ela nunca é completamente ela – como quando sonhamos com qualquer pessoa – a não ser, Barthes, que nos diz que só sonha com ela (94-96). Finalmente, o encontro. Trata-se da mãe que nunca viu, aos cinco anos de idade. Essa fotografia não corresponde a nenhuma lembrança, mas suas qualidades atravessam o tempo. A menina não tem nada de “histérica”, ela não “imita os adultos” (98) – essa maldição que paira sobre os retratos infantis mais antigos. Finalmente encontra na mãe-criança a impossibilidade de uma pose que não é pose. Sabemos que jamais irá mostrá-la. Mas se permite duas comparações. Um retrato que Nadar faz de sua esposa Ernestine, que Barthes, mesmo informado a respeito, faz questão manter o leitor em dúvida, legendando, equivocamente "Nadar: mãe ou mulher do artista" (100)19 e uma peça da última obra de Schumann – as Canções da Au-
rora20. Seu comentário a respeito do Canto n. 1, pode soar estranho – De fato, nos manuscritos de CC, Barthes escrevera que havia substituído sua “própria mãe pela mãe de Nadar” (NARDONI, 2015, p. 108-109). 20 Barthes era schumanniano, como se diz dos aficionados desse compositor, assim como Félix Guatarri, que também tocava piano. Há dois aspectos curiosos nessa referência. As Canções da Aurora, op. 133, foram compostas em 1852. Alguns dias depois de concluí-las, Schumann tenta suicidar-se. Mesmo falhando, 19
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“harmoniza simultaneamente com o ser da minha mãe e com o desgosto que a sua morte me provoca” (101) –, mas devemos considerar que tal como a fotografia, a música sempre sinaliza uma partida de nós mesmos, nossa morte iminente. Apesar de parecer efêmera, a música deixa um traço, um vestígio de si, que desde a antiguidade chamamos de “ritmo”. Emíle Benveniste (1966), por quem Barthes tinha grande admiração, lembra que a antiga noção grega de ritmo não era exclusiva da música, mas dizia respeito à forma, na medida em que assumida pelo que é movente, fluido (333). Ainda hoje podemos falar do ritmo das ondas e isso não remete exclusivamente ao intervalo temporal entre uma e outra, mas também à sua curvatura, ao contraste entre cristas e vales. A música imprime suas formas no mundo e Cadava e CortésRocca (2006) sustentam que, para Barthes, ela não é diferente do corpo amado: uma vez que ambos entram em seu próprio corpo e ao entrar, impedem-no de permanecer apenas 'ele', mesmo se, como sugere, 'ele' e seu corpo se tornam um tipo de “órgão musical” que toca 'essa' música de um outro como se estivesse emergindo dele (como o punctum a música é acrescentada ao seu corpo, mesmo que já estivesse lá) (31).
Ao explicar por que gostava mais de tocar Schumann que escutá-lo em discos, Barthes (1984) escreve: É que a música de Schumann vai mais longe do que os ouvidos; ela corre no corpo, nos músculos, pelo bater do ritmo, e nas vísceras, pela voluptuosidade do melo: dir-se-ia que de cada vez a peça só foi escrita para uma pessoa, aquela que a toca: o verdadeiro pianista schumanniano sou eu (238).
Por isso, Cadava e Cortés-Rocca (2006) podem concluir que a música, tal como o fotografado, é da ordem do acontecimento: "aparece apenas para desaparecer, e por isso requer, a todo momento, não compõe mais nada nos anos seguintes. As composições de Schumann posteriores a 1850 são pouco tocadas, pois, para alguns, essas obras não teriam mais a mesma qualidade em virtude do crescente desequilíbrio do compositor. Mas, para outros, a despeito de compostas com mais dificuldade, seriam complexas e geniais.
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um trabalho de luto" (33). Os gregos "entravam na morte" de costas, diz Barthes, porque o que tinham "diante deles era o seu passado" (102). A CC seguiu um percurso retrógrado até alcançar a mãe-criança. Mas esse recuo é também uma atualização do fim da vida da mãe, quando Barthes cuidava dela como se fosse sua filha (103). “Redução eidética”: de todas as fotos para apenas uma foto; de toda sua biografia até muito antes de seu nascimento, a remota fotografia de sua mãe criança. A “essência da fotografia” poderia provir dessa foto particular. Ela estava no centro do labirinto formado por todas as fotos do mundo (104). Todas? Não, de modo algum. Não se trata de uma foto-síntese, o terceiro movimento da sonata. É uma foto qual-quer. O ponto de vista do desejo e do prazer, que guiou a formação do corpus iconográfico do livro foi substituído pelo ponto de vista do amor e da morte. Decide não mostrá-la ao leitor porque seria uma "das mil manifestações do 'qualquer'", que só poderia interessar a ele como studium, pois não haveria nela uma "ferida" que lhe atingisse (105). O leitor talvez aceite essa extrema demonstração de recato, sem se dar conta que o retrato materno deve ser mantido oculto exatamente para que seja uma foto qualquer. Pois essa imagem, sendo foto qualquer, não o é, indiferentemente. Pelo contrário, como ensina Agamben, é uma imagem qualquer aquela que “seja como for não é indiferente” (AGAMBEN, 2007, p.11). No qual-quer, ecoa o querer, o amar. Quod-
libet: o que quiser, conforme lhe apraz. Quod-libet, em música, desde os tempos da Renascença, uma combinação de melodias em contraponto. Viver no amor, observam Cadava e Cortés-Rocca, é viver em contraponto, “no limiar entre a vida e a morte” (24).
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Interfuit A generalização a partir da fotografia do Jardim de Inverno é possível porque Barthes pode ler sua própria morte, não somente em relação à morte da mãe, mas em relação à morte anunciada por qualquer fotografia. Mas na medida em que, sendo fotografia, essa morte já ocorreu e ainda vai ocorrer, o contraponto fotográfico está em jogo, um canto a duas vozes: a voz da banalidade – a voz de toda fotografia, aquilo que todo mundo vê e sabe – e a voz da singularidade – também banal, mas a voz de uma emoção que é só dele (108). Esse canto a duas vozes da fotografia, o canto de duas banalidades, é a inegável convivência entre a realidade e o passado – “inegável”, porque uma vez negada, deixa de ser a banalidade de uma fotografia “qualquer”. Essa dupla remissão é a peculiaridade da referenciamento fotográfico, seu noema, isto é, seu sentido. O que Barthes nos diz é que “o nome do noema da Fotografia” é “Isto Foi”, ou “o Inacessível”. Ele experimenta ainda uma palavra latina: interfuit (a 3ª pessoa, no passado, do verbo intersum), que quer dizer algo como “estar entre”, “ficar apartado”, e principalmente, “estar separado por um intervalo”. Esse é o sentido mais comum do verbo, que não prevaleceu em português como em outras línguas modernas, herdeiras do sentido mais culto e poético, de importar-se, interessar-se, concernir-se. Assim como havia buscado no latim o par
punctum/studium, fazendo rebater o arcaico sobre o moderno, o interfuit é esse objeto lançado no meio, interposto, a linha que corta o
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Ф, que separa vida e morte, reduzida pela fotografia a um "simples disparo, aquele que separa a pose inicial do papel final" (130). Talvez possamos escutar na superfície fotográfica que se interpõe entre o presente e passado, um verbo que não existe em português: entres-
ser, que se diria, tendo havido algo cuja existência foi abruptamente interrompida no passado, que entrefoi21. Por que esse noema não foi notado nas demais fotografias da caixa de sapatos se diz respeito a todas delas? Exatamente porque elas não o vocalizam como unanimidade, não é entoado em uníssono por todas as vozes, pois se trata, em cada uma delas, de seu singularíssimo "isto". Mas também não esteve oculto. É tão banal que teria passado despercebido em meio a tantos interesses do Studium e aos eventuais prazeres ou repulsas que suscitavam. O sentido de cada uma dessas imagens foi “vivido com indiferença, como coisa evidente”. Foi dessa indiferença que a foto do jardim de inverno o “despertou”. Um “despertar brusco, fora da 'semelhança'” (150). Não se trata de uma foto em que a mãe está mais parecida do que nunca com ela mesma, mas uma foto que rompe com todo investimento analógico. Por mais espantoso que seja, desse encontro singular e pessoalíssimo nasce o “nome do noema”, sua representação no campo da linguagem, pois como tal, ele é inominável, irrepresentável, intratável: “Isto foi” (158). Agora o verdadeiro luto será feito, um livro será escrito (ou acabou de sê-lo), Henriette terá um monumento enquanto perdurar a celebridade de seu filho – e ela já dura mais de 40 anos.
Barthes não foi o primeiro a vincular o verbo latino intersum à imagem. Levinas (2001) já havia sustentado que a imagem era uma questão de “interesse”, isto é, de “ser entre as coisas”, em oposição ao “ser-no-mundo heideggeriano”. No mundo imaginário dos sonhos onde entressomos, formamos “parte do espetáculo”, exteriores a nós mesmos, “mas com uma exterioridade que não é a do corpo, pois quem sente a dor desse eu-ator é o eu-espectador” (p. 49). 21
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Eidos A CC é uma investigação fenomenológica – isso Barthes nos informa de imediato. Mas seus primeiros esforços, orientados pelo desejo, não lhe permitem o passo decisivo. Aposta primeiro na dualidade punc-
tum/studium que resulta numa concepção contrapontística da fotografia. Suficiente para dar conta de sua infinita variedade, mas incapaz de captar nela o eidos. Afinal, como ensinou Husserl, o criador da fenomenologia, dois passos são necessários para alcança-lo: primeiro, abrir mão das teorias e concentrar-se nas próprias coisas; e segundo, abrir mão das coisas e observar apenas as essências. Mais, precisamente, as essências como sentido dos fenômenos (isso será chamado redução eidética). O tipo de universalidade que decorre dessa operação não é empírica como, por exemplo, constatar que toda fotografia é resultado da luz refletida por objetos sobre uma superfície sensível. Nos termos de Husserl, trata-se de uma “universalidade do conhecimento das essências” e, ao dizê-lo desse modo desde já nos damos conta que não pode ser formulada na ausência de um sujeito. A redução fenomenológica não faz a descrição exaustiva e acurada do que vejo em determinado objeto, mas procura dar conta do meu ver desse objeto (HUSSERL, 1990). O sentido subjetivo de qualquer fotografia é “isto foi” pois a redução fenomenológica não dá conta do que vemos em cada uma delas, nem do que vemos em todas elas, mas de como vemos quaisquer
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delas. Insisto no “quaisquer” em vez de “todas” – forçando aqui uma distinção que não está presente na fenomenologia husserliana –, para não me desvencilhar do sujeito, pois sem sujeito não há qualquer. Na conversão de todos em qualquer, cada qual se vê orientado a um sujeito que o quer. O esforço shumanniano, sob o risco da loucura, de harmonizar amor e morte, deve ceder passo à implicação do sujeito na redução que acaba de ser realizada. Barthes retorna ao tema da pose, que esteve presente na primeira parte do livro como cena, teatralização, constrangimento. Agora nos diz que a pose não é parte da técnica do fotógrafo, nem uma atitude do modelo, mas da inclusão do olhar do espectador ao contemplar uma foto: “Faço recair a imobilidade presente no ‘disparo passado’, e é essa paragem que constitui a pose” (111). Por isso, a fotografia, tal como a história, não se constitui sem que alguém a olhe. Ela é "histérica"22. A “paragem”, a “pose”, é decisiva pois ela marca a diferença entre fotografia e cinema. Por isso Deleuze (1985) não tomará a distância em relação ao “real passado” como constitutiva do cinema, mas sua simultaneidade em relação à consciência (32), resgatando a diferença ontológica postulada por Bazin: a fotografia como molde, o cinema como modulação (BAZIN, 1991). Na Fotografia, sustenta Barthes, o peso do Real seria muito mais forte. Enquanto no cinema, um fotograma conduz a outro, a Fotografia é “sem futuro”, e isso seria seu “patético, sua melancolia”. Valendo-se de termos retirados da concepção do instante na fenomenologia dirá que o cinema é protensivo (ele se inclina, se volta para o que vem), já a fotografia “reflui da apresentação para a retenção”. O cinema seria apenas “’normal’, como a vida” (126). William Casby posa para a câmera de Richard Avedon. A legenda informa: “nascido escravo”. Barthes, comenta: “O noema aqui é intenso, porque aquele que eu vejo ali foi escravo" (113). Em 1988,
"A História é histérica: só se constitui se a olharmos e, para a olharmos, temos de nos excluir dela" (93-94). 22
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publiquei um livro com uma série inédita de retratos de escravos, em formato carte de visite, feitos pelo fotógrafo português Christiano Junior, em torno de 1865 (AZEVEDO; LISSOVSKY, 1988). Eram quase todas inéditas – e seu autor, por ocasião da pesquisa, um fotógrafo inteiramente desconhecido, pois vivera poucos anos no Brasil. Além da extensão dessa série, única no gênero, as fotografias não correspondiam à imagem dos escravizados que se via nos livros escolares (o trabalhador do eito, a mucama, a ama com bebê). A despeito dessas fotografias serem raríssimas, não apenas em virtude de sua antiguidade e assunto, mas principalmente porque Christiano Junior fez poucas cópias e comercializou menos ainda, elas se tornaram, no século XXI, a ilustração canônica da escravidão urbana brasileira. Em 2019, uma das imagens dessa série, particularmente significativa, apareceu em um leilão na Internet. Não havia identificação de autoria ou data, mas certamente outra pessoa, além de mim, a reconheceu. O leilão ocorreu em 10/05/2019. Os lances pela internet começaram em 100,00 e foi afinal vendida por R$ 1.004,00. Tivesse sido creditada e datada pela leiloeira, certamente teria alcançado um valor superior. Há 30 anos, quando publiquei o livro, esses retratos não tinham qualquer valor. Estavam esquecidos no fundo de uma gaveta do arquivo do SPHAN. Há 180 anos, talvez, os dois escravos que vemos cumprimentando-se no carte de visite como dois príncipes africanos também foram leiloados no porto do Rio de Janeiro. Se fossem jovens e fortes, talvez tivessem saído por um conto e meio de réis cada. O meu livro, por sua vez, em valores de hoje, foi vendido no lançamento por algo como 60 reais. Recentemente, um exemplar dele esteve à disposição, dos interessados na Livraria Gato do Sebo, na Estante Virtual, por R$ 800,00.
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Christiano Júnior. Escravos de Ganho. Rio de Janeiro, c. 1865.
Carte de visite vendido em leilão em São Paulo em maio de 2019.
Isto foi, isto é, isto ainda será. Quanto tempo irá levar para que um dos raros cartes de visite colecionáveis de Christiano Junior, que agora vale mais que meu livro, igualmente raro, supere o preço de venda desses braços escravizados que carregam guarda-chuvas e tecem cestos? Algum descendente desses homens, mais por necessidade que vaidade, nos dias hoje, ainda posaria pelo mesmo vintém que Christiano pagou pela aparência de seus antepassados? Barthes sustenta que “a data faz parte da foto... porque ela faz erguer a cabeça, faz o cômputo da vida, da morte, a inexorável extinção das gerações” (119). 1865, o retrato; 2019, o leilão do retrato. Ergo a cabeça: 1988, meu livro, e todos os leilões pregressos e futuros. O Ф da Fotografia não é o fim da história ou o fim da pesquisa. Mas seu ponto de partida, seu núcleo dramático. A História, por sua vez, é essa série mais ou menos infame de reprises e repetições. Na pesquisa, na História, toda a fotografia me diz respeito, “pois sou o ponto de referência de toda a fotografia e nisso reside o meu espanto, ao pôrme a questão fundamental: por que razão vivo aqui e agora?” (119).
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Aoristo A linguagem não pode certificar ou autenticar nada, a não ser por meio de dispositivos como a lógica ou o juramento. A linguagem seria, por sua natureza, ficcional. Já a fotografia teria de esforçar-se, montar e convocar truques para fabular. Valendo-se de uma ideia que também serviu a Benjamin, Barthes sustenta que a fotografia é uma “profecia ao contrário”, “uma Cassandra com os olhos fixos no passado” (121). E conclui: a fotografia está obrigada a dizer a verdade, ela pode mentir ou ser “tendenciosa” sobre o sentido da coisa, mas não sobre sua “existência” (122). Se a Fotografia pode ser uma cena, então participa do “teatro desnaturado da morte”, do “teatro morto da morte” (p. 127), pois é teatro sem catarse, isto é, sem um final que recompense o espectador, seja por meio da vingança ou da promessa de felicidade23. Ao relacionar a fotografia ao quadro vivo, Barthes arrisca uma especulação que pode ultrapassar o “isto foi” e sugerir um tempo próprio à fotografia. Para sublinhar seu aspecto arcaico, mitológico, argumenta que o tempo verbal da fotografia não é o passado perfeito (como o das recordações usuais), mas um tempo (ou um aspecto verbal) que não existe nas línguas modernas, o aoristo. Não se trata Era por sua relação com "quadro vivos", meio vivos/meio mortos, meio gente/meio manequim, que as fotografias de Bernard Faucon impressionavam tanto a Roland Barthes (2005a, p. 213-218). A cortina que nos abre para o drama em dois atos da Fotografia poderia sugerir uma outra matriz arquitetônica para o livro: foyer, plateia, palco e coxia, seguindo um percurso que nos leva da dimensão mais social e pública da Fotografia até os bastidores ocultos do espetáculo. 23
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agora do latim, mas do grego. O aoristo é difícil de ser concebido por um falante moderno. Seria equivalente a uma combinação de gerúndio com particípio (“tendo derrubado o copo”; “tendo mergulhado na piscina”), ainda que os tradutores do grego costumem optar pelo pretérito perfeito (“derrubou o copo”, “mergulhou na piscina”). No aoristo, algo ocorreu no passado, ocorreu de uma vez, foi antes de algo, ou logo após algo (isto é, pode ser incoativo, dando início a algo; ou cessativo, dando fim a algo). O que caracteriza o aoristo é que isso que ocorreu não tem qualquer duração implicada nele. Aoristo significa, literalmente, “limitado”. Parte da dificuldade aqui é que o passado perfeito moderno também não funciona igual no grego clássico, sugerindo, ao contrário, uma ação que tem alguma duração. Se digo “João acabou de comer e saiu”, alguém pode entender que ele deu suas últimas garfadas, encerrou sua refeição, e foi embora. Mas se tivesse usado o "aoristo" e dito “Tendo acabado de comer, João saiu”, então compreende-se que saiu após terminar a refeição, sendo que "saiu" admite novamente uma duração, pois ele pode ter posto o casaco, aberto a porta etc., até finalmente sair. Virando do avesso da fenomenologia barthesiana, concebi a “máquina de esperar” tomando como aspecto verbal da fotografia o futuro do pretérito. Era o que me parecia mais fiel ao pensamento de Walter Benjamin, porque mostrava-se útil à montagem das imagens dialéticas, cujas composições nos abriam para os futuros irrealizados no passado. As fotografias não murmuravam para o historiador o que foi, mas o que “poderia ter sido” (LISSOVSKY, 2014, p. 33-43). Mas minha fenomenologia tomava por referência o fotógrafo ( operator, nos termos da CC), enquanto a de Barthes, o espectator. O operator tem, a meu ver, uma espera plena de expectativas que serão necessariamente frustradas. O espectator, por sua vez, só pode esperar pela própria morte, que certamente virá. Barthes provavelmente diria que minha preferência pelo futuro do pretérito se deve à ilusão de que algo sobreviverá à “morte crua” que a fotografia impõe: uma morte sem ritual, sem religião (p. 130). Seu livro se chama A Câmara Clara
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porque o sujeito que a contempla, que investiga seu sentido, é sempre esse que vê a fotografia, jamais o que a realiza, aquele vive para e pela câmera escura. A Fotografia da câmara clara não tem nada por trás, não tem profundidade, não tem uma verdade além das aparências (premissa que o Ocidente tanto valoriza). Por isso, é mais “misteriosa e inacessível” (147). Mesmo submetida ao Tempo soberano do "Isto Foi", há algo que atravessa a “cortina de ferro” de Ф: o Olhar. Esse olhar que a fotografia nos dirige é simultaneamente “efeito de verdade e efeito de loucura”, pois a fotografia (o espectador da fotografia) confunde a realidade do "Isto Foi" com a verdade do "É Isto!" Uma “verdade louca” (157), uma nova forma de “alucinação”: “falsa ao nível da percepção, verdadeira ao nível do tempo” (158). Será que o apelo do punctum, tomando a fotografia do jardim de inverno como paradigma, é a loucura, um mal de amor? Talvez seja a Piedade, sugere Barthes nas últimas páginas da CC, tal como a de Nietzsche que se lança “chorando ao pescoço de um cavalo martirizado” O filósofo enlouquecia de piedade; aquele que ia morrer abraçava o já morto (160). O punctum é esse mergulho na loucura, esse abraço de afogados. Lançamo-nos ao mar por piedade, e somos sugados juntos pelo redemoinho do Tempo. Mais uma vez, no entanto, escapamos. Louca é a Fotografia, o Ф da fotografia, que dividiu a História, que coloca em contato, com um simples clique, a vida e a morte, que confunde realidade e verdade, que certifica o passado, desconfiando do presente. Para Barthes, a fotografia, longe de ser uma resposta iluminista a uma demanda racional é uma semente latente de loucura sempre pronta a explodir no rosto de quem a contempla (161). Essa loucura foi temperada, apaziguada pela sociedade de duas maneiras. A fotografia deve ser arte, mas só pode ser arte quando seu noema se torna inócuo, quando ele não age mais sobre mim (161). Não surpreende, portanto, que tenha sido no campo da crítica de arte, na teorização da arte contemporânea, que a resistência às teses realistas de Barthes foi maior. O cinema, o cinema de ficção em particular, teria participado decisivamente
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dessa “domesticação da fotografia” (161) e o segundo meio de a tornar séria, de controlar sua loucura, foi “generalizá-la, banalizá-la”. Ela passa a dominar e esmagar todas as outras formas de ser imagem. Sucumbem as gravuras, as pinturas figurativas etc. (162-163). O "Isto foi" provém de um espanto próprio e intransferível. O espanto inaugural diante da foto do irmão caçula do imperador, o espanto dos primeiros espectadores da fotografia, sobre o qual escreveu Pedro Miguel Frade (1992). Assim como Frade, Barthes reconhece que esse espanto estava em vias de desaparecer. Seu livro talvez fosse apenas um testemunho do Inatual, o vestígio arcaico de uma experiência destinada a esvair-se como o amor de seus pais, o amor entre ele e sua mãe. No capítulo 39, a torção especular do livro sobre si próprio torna-se clara. existe um punctum além do pormenor: é o Tempo. Ele agora pode contemplar a foto do rapaz condenado à morte que vira na Nouvel Observateur logo após a morte da mãe. Agora que a foto do jardim de Inverno é a guardiã do noema, a mediadora universal de qualquer fotografia, pode olhar para essa foto e dizer que sua beleza é studium – toda a beleza, mesmo a beleza do jovem condenado (133). É da ordem do seu desejo e da cultura isso que lhe afetara. Ele já morreu e ainda vai morrer . Mas Barthes sabe que sua mãe menina morreu de fato. Ele testemunhou, estava a seu lado, sepultoua. Mas Thomas Powell, o belo prisioneiro, não vai morrer porque todo mundo morre. Morre porque foi condenado à morte e será executado no dia seguinte. Barthes sabe disso porque leu a legenda da foto e talvez conheça algo de história norte-americana. No momento em que foi fotografada, no jardim de inverno, a mãe não sabe que vai morrer; ou se sabe, não imagina quando, e se imagina, nem passa agora por sua cabeça de criança. O jovem Powell, por outro lado, sabe que morrerá. Sabe que vieram lhe fazer a última foto, mas ao contrário da última refeição, jamais desfrutará dela. Thomas Powell, enquanto posa, não tem como evitar a consciência de que vai morrer amanhã. E Barthes sabe que ele sabe.
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Ele vai morrer/ela vai morrer. Ambas as mortes estão inscritas na fotografia, mas todo um mundo as separa. No retrato de Powell, o studium só faz amplificar e multiplicar o punctum: o condenado sabe, Barthes sabe, o fotógrafo sabe e agora todos nós sabemos não apenas que Powell morreu, mas que a mãe de Barthes, e que o próprio Barthes morreu logo após lançar esse livro, ainda que não houvesse sido sentenciado por um juiz. E, claro, nós também vamos morrer, de um modo ou de outro, se não amanhã, algum dia. Se Barthes tivesse vivido mais algumas décadas, o que diria da enxurrada de selfies postados a todo momento nas redes sociais? Provavelmente que tornamos prisioneiros de uma ilusão – como Aquiles, que desejava ultrapassar a tartaruga percorrendo distâncias cada vez menores, até perder-se em infinitos passos sem sair do lugar. Sonhamos com a superação imaginária da morte pela multiplicação infinita das fotografias, borramento inútil da linha que divide Ф. Mas Barthes tinha tudo planejado. Seu monumento a Henriette é o livro, não a foto. Se fosse divulgada, seria multiplicada ao infinito – e essas inumeráveis partículas em que a mãe se dissolveria, negligenciadas, acabariam por erodir o livro-monumento cuidadosamente cinzelado.
DELEUZE, Gilles. Cinema I: A Imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense: 1985.
REFERÊNCIAS
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Mauricio Lissovsky é historiador e professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Integra a equipe de pesquisadores seniores do Laboratório de História dos Sistemas de Pensamento do IDEA - Programa de Estudos Avançados (grupo de pesquisa vinculado à ECO/UFRJ). E-mail: mauricio.lissovsky@eco.ufrj.br