MAURICIO LISSOVSKY
O corpo Assim como o punctum não é o ponto, o corpo não é o corpus. Essa segunda distinção surge no capítulo 2 e repercute em todo o livro. Ela desloca a concepção convencional que temos do objeto da pesquisa, que dispõe de um lado uma teoria e um método e do outro um material que nos habituamos a chamar corpus empírico. Para Barthes, o cor-
pus, a empiria, está do mesmo lado da teoria, da metodologia, das categorias etc. (PINNEY, 2012). A Fotografia que lhe interessa não é a do
corpus, mas a inclassificável. Ao corpus pertence tudo que nela é reprodução, conforme nosso interesse e a nosso serviço. O que se opõe ao corpus não é a teoria (porque aquele já lhe pertence de antemão), mas o corpo, que vai recebendo uma sucessão de nomes ao longo do livro, alguns diretamente extraídos do ensino de Lacan: “o Particular absoluto, a Contingência soberana impenetrável e quase animal”, a Ocasião, o Encontro, o Real, na sua “infatigável expressão”, a Tyché8. (17) O corpo é essa introjeção do Real que perturba o corpus. Para reforçar seu argumento, Barthes coloca em movimento uma de suas etimologias "selvagens". A designação da realidade vazia no budismo como Tathata (ser isso, ser assim), proveniente do sânscrito tat (isso), é remetida ao gesto da criança que aponta ( ta, da,
ça). Assim, somos conduzidos do Real fora da cultura a uma língua 8 A referência, claro, é ao Seminário XI, de 1964. O automaton, a repetição, está do lado do simbólico, é uma rede de significantes onde não existe acaso. Tyché é uma intromissão do Real na ordem simbólica e só ele é inteiramente arbitrário (LACAN, 1973, p. 53-62).
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