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Ser Professor Conceição Dias
Ser Professor…
Conceição Dias . Professora de Inglês
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Éduro ser professor! É tão duro… Por vezes, no corredor da minha escola, ao passar apressadamente pelos meus colegas de trabalho, sinto-os cansados, como que desencantados da profissão ingrata que tanto exige deles, de mim e que pouco ou nada reconhece a labuta diária de quem, por natureza do ofício e vocação pessoal, decidiu abraçar esta profissão acreditando estar a prestar um serviço imprescindível ao desenvolvimento de cada jovem, afiançando estar a contribuir para uma sociedade mais critica, dinâmica e equitativa. Ser professor para mim e muitos tantos como eu é mais do que ensinar conceitos, matérias, regras, orientar raciocínios.
Ser professor é formar mentalidades, é tornar fecunda e inquiridora a mente de todos os jovens que connosco se cruzam, alguns ávidos de saber, outros nem tanto, diga-se, mas todos à procura de novas experiências, novos desafios, de orientação, de carinho, de atenção…
Um sábio ditado chinês profere que ao professor cabe abrir o portão do conhecimento, do discernimento, da lucidez mas é sempre, sempre ao aluno que compete atravessá-lo. Lembro constantemente este provérbio, constantemente o digo aos “meus meninos” na esperança que pelo menos alguns deles se esforcem por abrir e atravessar o dito portão… Há sempre alunos que o fazem, felizmente, que querem saber o que está para além dele, que querem sempre mais… São estes jovens que nos fazem caminhar nos corredores da escola, são eles que nos obrigam a dar sempre o nosso melhor, que não nos deixam desistir e colocam no nosso rosto um sorriso. São estes alunos que nos deixam mensagens carinhosas num registo de avaliação, que nos presenteiam com quadras, poemas, cartas de
despedida e agradecimento, que nos desejam boas férias e por fim, agora que voos mais altos se avizinham nas suas tenras vidas, esperam que tenhamos alunos que apreciem o nosso trabalho porque” A professora merece!” Eu tive alunos assim, eu tenho alunos assim que guardo nas minhas memórias, que lembro com carinho, que me procuram na escola para saberem de mim, para me darem a saber deles… São filhos da alma…
Hoje, fruto de vários condicionalismos económico sociais e constantes alterações politico educativas tudo parece ter mudado…. Frequentemente deparo-me com jovens sem expetativas, sem objetivos de vida, em crise emocional, que deambulam numa sociedade decadente que parece não acreditar mais nos valores morais que a fundamentam, nem nos créditos que um trabalho consistente e perspetivado poderá trazer aqueles que diariamente labutam por “um lugar ao sol”. Tudo mudou em tão pouco espaço de tempo, tudo mudou e não foi para melhor, atrevo-me a dizer.
Preocupa-me esta sociedade permissiva, perniciosa, este faz de conta, este desleixo com que as famílias criam os mais novos, tão cheios de direitos e tão vazios de deveres.
Preocupa-me este “dolce far niente” em que a maioria dos nossos jovens vagueia, esta falta de visão e esforço que tanto os carateriza e que agem como se a sociedade lhes devesse alguma coisa, como se todos tivessem a obrigação de lhes assegurar alimentação, transporte e demais regalias sociais sem que eles tenham o dever de cumprir, minimamente, com as suas obrigações. Questionados sobre estes fatos as respostas são as mais variadas, pouco dignas mas variadas; uns acham que podem fazer tudo o que lhes apetece menos o que lhes é exigido. Que lhes
poderá acontecer? Nada. Por mais que agridam com palavras e ações continuam a usufruir das benesses que o estado social lhes oferece, que o ensino para todos lhes proporciona. São estes os futuros adultos que querem viver do rendimento mínimo, tal como muitos dos seus progenitores e que chegam aos dezoito, dezanove, vinte anos sem curso e sem ofício. A escola é tida como um passatempo, um local de encontro de pares e os professores e demais comunidade educativa joguetes das suas vontades. Passou a ter graça medir forças, desafiar regulamentos, infringir ou não cumprir sanções; são os maiores da escola, é assim que se veem e sentem, “pequenos” déspotas que fazem valer a sua vontade ou pelo menos acreditam que sim. Pobres diabos inconsequentes, pobres diabos…
Pergunto-me, como professora reflexiva que sou, se a culpa será só deles, dos genes que lhes não coube escolher, dos pais que fingem não ver, dos professores tão preocupados que estão em cumprir metas. Que metas, questiono-me? As metas do sucesso educativo imposto pela tutela ou as metas da formação integral do seu humano? Temo que as primeiras se sobreponham às segundas por imposição de um ministério alienado da realidade vigente e que sentado no conforto do seu gabinete legisla, determina, altera programas e adultera regras de jogo, sem qualquer consideração por aqueles que o servem. Também aqui os professores são joguetes da vontade ministerial; postos à prova apesar das provas dadas; humilhados publicamente; responsabilizados pelos fracos resultados escolares. É-lhes exigido que formem cidadãos responsáveis mas que o façam sem autoridade, sem ferir suscetibilidades, sem cadeia hierárquica, sem princípios orientadores do trato social.
É desgastante ser professor. É assim que me sinto por vezes, desgastada e impotente perante situações que diariamente acontecem e que fogem ao meu controle…Sinto pena destes alunos “difíceis”, destes seres tumultuados que nascidos em estado bruto se foram, sucessiva e lentamente, tornando “civilizados selvagens”. Sinto pena de mim por não saber mais o que fazer…
Hoje ao chegar ao pavilhão C embato, literalmente, em duas ex-alunas, jovens lindas, de mente sã, olhar vivo e curioso… “Tenho saudades suas, professora”- diz uma delas. ”Dê-me um abraço”- diz a outra. E abraçou-me, a mim, à carteira, à pasta, à pressa com que me dirigia para a sala de aula… Ali fiquei abraçada por ambas, reconfortada no meu cansaço, apaziguada no meu desencanto, tonificada no meu desgaste.
Como estava a precisar deste abraço…